ed.11 - o holocausto dos heróis do fogo
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RESGATE
Emergência OUTUBRO / 200838
O holocausto de heróis do fogo
inqüenta e quatro anos depois,ainda emociona os bombeirosmilitares do Rio de Janeiro a lem-
Reportagem de Rafael Geyger
Cbrança da tragédia da Ilha do Braço For-te, a mais marcante de toda história de152 anos da corporação. Foram seis ho-ras e meia entre o início do incêndio e aexplosão fatal que vitimou 17 militaresfluminenses, entre a despedida do dia 6e a chegada do dia 7 de maio de 1954,quando o sentimento de honra por maisum atendimento cedeu lugar a trágicasmortes.
Na Ilha do Braço Forte, pedaço de ter-ra praticamente inabitado na Baía deGuanabara, o fogo atingiu um depósitode produtos inflamáveis e explosivoscercado de mistérios. Vinte e três mili-tares do Corpo de Bombeiros ingressa-ram em uma embarcação rumo ao si-nistro, sem saber ao certo que tipo dematerial queimava no local. Não havianem a confirmação se o tal depósito ain-da abrigaria todos aqueles produtos.
Contudo, essa certeza veio com umagigantesca explosão que jogou pelos arescentenas de toneladas de concreto comosimples folhas ao vento, deixando no lo-cal uma cratera de 10 metros de profun-didade por 100 metros de diâmetro.
Por uma trágica coincidência, esta ex-plosão aconteceu exatamente quando os23 bombeiros desembarcavam na ilha,iniciando a preparação para o combateàs chamas. Ou seja, como o incêndioiniciou por volta das 18 horas do dia 6,o fogo teve mais de seis horas para atin-gir seu ápice e o pavilhão explodir, masisto foi acontecer conjuntamente com achegada dos bombeiros, pontualmente,às 0h31 do dia 7 - segundo o paralisadorelógio do tenente-coronel Rufino Coe-lho Barbosa, um dos sobreviventes.
Dezessete deles morreram instanta-neamente e as buscam se estenderampor seis dias, sem encontrar, contudo,duas vítimas. “Essa tragédia ficou mar-
O holocausto de heróis do fogo◗Explosão em ilha no Rio deJaneiro matou 17 bombeiros em 1954, marcando parasempre a corporação
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cada como a que ceifou a maior quan-tidade de vidas de bombeiros de umasó vez. Também em razão disso, a como-ção da população foi enorme. Pela suadimensão, a explosão da Ilha do BraçoForte é uma referência sobre o sacrifíciodos que entregam suas vidas em holo-causto, em prol do bem comum”, avaliao subtenente Antonio Mattos, historia-dor responsável pelo acervo do ArquivoGeral do CBMERJ (Corpo de Bombei-ros Militar do Rio de Janeiro).
A ILHANa época da tragédia, diariamente, a-
penas um guarda da Polícia Portuária a-tuava na ilha, que estava sob a adminis-tração do Porto do Rio de Janeiro e per-tencia ao Ministério da Viação. Da mes-ma forma, oficialmente, somente umafamília ainda residia ali, com a funçãode ocupar a casa de serviços e zelar pelosbens ali instalados.
Segundo conta Antonio Mattos, oguarda daquela noite era Antônio LuizAgapiro. Foi ele que percebeu o incêndiono Armazém A e chamou a família resi-dente e os pescadores que pernoitavamna ilha para tentar combater as chamascom pás, baldes e latas vazias. O climaera chuvoso e eles desconheciam que al-guns daqueles materiais inflamavam-seem contato com a água. Apesar da boavontade, pouco ou nada puderam fazere tiveram que se alojar no outro extremoda ilha, longe das chamas.
Agapiro ainda correu ao posto ondeestava o rádio privativo da administraçãodo Porto e, ofegante, comunicou o sinis-tro à 9ª Inspetoria Portuária, solicitandoo auxílio dos bombeiros. A corporação,na época Corpo de Bombeiros do Dis-trito Federal, foi então comunicada semqualquer detalhe quanto ao material láarmazenado.
Tempos depois da tragédia, se con-firmou que o Armazém A abrigava na-quela noite caixas de dinamite, estopins,pólvora, fulminato de mercúrio, cloratode potássio, óleos, aguarrás, fósforo ehidrosulfito de sódio. Todos de altíssimorisco.
O FOGOAntonio Mattos conta que a investiga-
ção revelou que a umidade precipitou osuperaquecimento do hidrosulfito de só-dio e do fósforo, dando início ao incên-dio no pavilhão. Conforme o historia-dor, os bombeiros que desembarcaramna ilha foram vítimas do destino. “Elesnão conheciam o local do sinistro, atéporque a guarnição do Cais do Porto erauma guarnição terrestre”, justifica.
Chamados ao combate, eles se dirigi-ram à ilha a bordo da lancha GeneralCunha Pires. A primeira medida foi ar-mar o esguicho-canhão, que acabaria semostrando ineficaz, já que o jato d'água
AS VÍTIMAS:Major Gabriel da Silva Telles2º Tenente Washington de Souza Lima1º Sargento Edgar de Barros Lima3º Sargento Epitácio Costa3º Sargento Manoel Antonio PeçanhaCabo Cláudio de SouzaCabo Amâncio da SilvaCabo Antonio Pereira BrasilCabo Jorge dos Santos Sant'AnaCabo Thomaz da Silva RufinoCabo Manoel Gomes da CruzCabo José Edson VillelaCabo Orlando Xavier da CostaCabo Antonio CerázioCabo Mozart Nery BacellarCabo Júlio José Martins RosaCabo Valter Mário Cardoso*Sobreviveram: Ten Cel Rufino CoelhoBarbosa, 2º Ten Juergueps de AssumpçãoBarbosa, 1º Sgt Djalma Mendes Pereira, CaboEnéas João de Souza, Cabo Joppe da Silva eCabo José Edílio de Assumpção.
Emergência 39OUTUBRO / 2008
CRONOLOGIA DA TRAGÉDIA
18h Inicia o incêndio no Armazém A daIlha do Braço Forte. No local,
conforme se confirmou posteriormente, haviauma série de produtos inflamáveis estocadossem critério e expostos à umidade e ao calor.
06/05/1954
21h25 A 9ª Inspetoria é avisada sobre oincêndio. Em seguida, o quartel do
Corpo de Bombeiros do Cais do Porto e aPolícia Portuária recebem o comunicado.
00h31 23 bombeiros desembarcam na ilhae são surpreendidos por uma grande
explosão. Com o impacto, se formou umacratera de 10 metros de profundidade por 100metros de diâmetro.
2h35 Ainda sem informações suficientessobre o acidente, bombeiros do
Quartel Central embarcam com destino à ilha.
não atingia todo o interior do armazém.Segundo Mattos, houve quem afirmassedepois que a água lançada teria molhadogrande parte dos produtos armazena-dos, aumentando o aquecimento e pos-terior explosão.
Antes que uma ligação de quatro man-gueiras fosse armada, um estrondo en-surdecedor sacudiu a ilha. Neste mo-mento, o tenente-coronel Rufino, sub-comandante da corporação, já estavaem terra, procurando familiarizar-secom o que poderia existir na ilha. Naexplosão, ele foi jogado contra as pedrasdo cais. Quando deu por si, estava cur-vado, com as pernas para cima e ferido.“Seu relógio, parado, marcava 0h31 - ahora da explosão fatal”, conta AntonioMattos.
Outros sobreviventes foram lançadosao mar. Feridos, eles ainda tiveram forçaspara nadar e fugir do tapete de chamasque se formou com os produtos infla-mados sobre a água. O fogo, em terra eno mar, iluminava a ilha, apesar da es-curidão da madrugada. Algum tempodepois, tripulantes do rebocador Triden-te, da Marinha de Guerra, e de uma lan-cha da Polícia Marítima recolheram ossobreviventes que lutavam para não sub-
mergir, segurando-se em ferros e até emcadáveres mutilados.
SOCORROAs notícias que vinham da Ilha do Bra-
ço Forte, partindo das lanchas querecolhiam as vítimas, eram desencon-tradas. Às 2h35, bombeiros do QuartelCentral, tendo à frente o próprio coman-dante, coronel Saddok de Sá, embar-cavam na lancha Mexicana, cedida pelaFrota Carioca, empresa de transporte depassageiros. Os militares do continentesabiam apenas que havia bombeirosmortos e feridos na ilha. O 1º DistritoNaval fez o primeiro comunicado oficialàs 3h, informando sobre a explosão econfirmando, pelo menos, uma morte.
Ao chegar à ilha, a guarnição de Sad-dok teve a real noção da tragédia - seulado leste ainda estava tomado por umtapete de chamas. “Tão logo se ouviu aexplosão, embarcações particulares queestavam nas proximidades se puseram aprestar os socorros iniciais, inclusive for-necendo material extintor para incêndioem inflamável, como espuma e CO2”,explica Antonio Mattos.
Ao amanhecer, mergulhadores da Ma-rinha de Guerra, do Exército e da Ca-pitania dos Portos do Rio de Janeiro vas-culhavam o mar em busca dos desapa-recidos, tendo o auxílio de pescadoresvoluntários e empresas particulares. Jánas seções do Quartel Central, um toquede corneta foi o chamado para dezenasde bombeiros com experiência de marparticiparem das buscas aos colegas de-saparecidos. Divididos em pelotões, elesembarcaram em direção à ilha, onde foiarmado um posto de comando para aoperação de resgate.
Foram seis dias de buscas. Dos 17bombeiros que perderam a vida na tra-gédia, apenas sete foram encontradosnas primeiras horas após a explosão. Oi-to foram localizados posteriormente edois deles ficaram desaparecidos no marpara sempre.
O historiador Antonio Mattos, subte-nente do CBMERJ, apresentou em seulivro sobre a tragédia toda a polêmicaque envolveu a apuração das causas dodesastre. Conforme ele descreve, o In-quérito Policial Civil foi arquivado porfalta de provas, enquanto o InquéritoPolicial Militar se arrastou por meses,mas sem chegar a uma conclusão sobreculpados.
07/05/1954
3h No primeiro comunicado oficial sobrea tragédia, o 1º Distrito Naval
informava uma forte explosão na Ilha do BraçoForte, com bombeiros feridos e pelo menos ummorto. Nas primeiras horas após a explosão,sete corpos foram encontrados.
Neste dia, é encerrada a operação de buscas.Dos 17 mortos, dois corpos nunca foramencontrados.
12/05/1954
É publicado o resultado do IPM sobre atragédia, concluindo que não houve crime nemtransgressão disciplinar.
07/08/1954
É inaugurado o Monumento aos Heróis da Ilhado Braço Forte, perpetuando o heroísmo dos17 bombeiros que morreram na tragédia.
07/05/1959
O historiadorAntonio Mattoslança o livro“Ilha do BraçoForte - OHolocausto”
07/05/2006