edição 312 - de 19 a 25 de fevereiro de 2009

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São Paulo, de 19 a 25 de fevereiro de 2009 www.brasildefato.com.br Ano 7 • Número 312 Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional R$ 2,50 Transnacionais corrompem para lucrar em Serra Pelada Dossiê denuncia que as mineradoras Phoenix Gems e Colossus Minerals estariam coordenando um golpe bilionário na região da Serra Pelada. Uma sucessão de ingerências, propinas e irregularidades que atingiriam os direitos de milhares de garimpeiros, além de lesar a União. As informações indicam ainda ligações da Vale com a empresa canadense, bem como a participação no negócio de Toni Duarte, jornalista ligado ao gabinete do senador Lobão Filho (PMDB-MA) e ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Págs. 4 e 5 9 771678 513307 2 1 3 0 0 ISSN 1978-5134 O jornalista Rui Martins, brasileiro radicado na Suíça, analisa o caso da suposta agressão racista sofrida pela brasileira Paula Oliveira, que virou manchete nos telejor- nais da Rede Globo. “Essa é a maior barriga da história do nosso jornalismo, que revela o descalabro a que chegamos em termos de informação ou desinformação. Pág. 2 O “jornalismo” irresponsável da Rede Globo Desde dezembro de 2007, 3,6 milhões de pessoas perderam seus empregos nos Estados Unidos. O país também enfrenta uma crise de segurança alimentar: Uma em cada nove residências é habitada por pessoas que têm pouco o que comer. No momento, cerca de 40 milhões de pessoas passam fome. AFOGANDO EM NÚMEROS BC vai manter política neoliberal Em seminário para em- presários realizado em São Paulo (SP) no dia 13, Mário Tóros, diretor de Política Monetária do Ban- co Central, sustentou que dois dos pilares do mode- lo econômico neoliberal brasileiro ajudam o país a enfrentar a crise. Seriam eles a política de juros al- tos, que freia a inflação, e o câmbio flutuante, que reduziria a dívida pública. No encontro, ele deixou claro: “Vamos continuar com a mesma cautela de sempre”. Pág. 3 O presidente Hugo Chávez venceu o referen- do do dia 15, e agora os ocupantes de cargos pú- blicos na Venezuela po- dem se reeleger ilimitada- mente. A vitória suscita o debate sobre que tipo de socialismo pretende-se implantar no país. Para especialistas, o processo ainda é muito restrito à retórica. Pág. 12 Chávez vence referendo. O socialismo se aproxima? Carmen Miranda No centenário de nascimento da cantora, uma viagem da República Velha aos balangandãs. Pág. 7 O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) apro- vou, no dia 11, a ampliação em dois meses dos benefí- cios do seguro-desemprego nos estados e segmentos econômicos mais afetados pela crise. José Dari Krein, da Unicamp, elogia a medi- da, mas a considera muito tímida. Para ele, o governo deve ter ousadia para adotar soluções mais concretas e de longo prazo. Pág. 6 Para enfrentar crise, governo precisa mexer na estrutura Na segunda reportagem da série sobre os 50 anos da Revolução Cubana, o Brasil de Fato trata da instalação da guerrilha na Sierra Maestra, de onde saíram os homens que derrubaram a ditadura de Fulgencio Batista. Dois ex-militantes contam co- mo entraram para a luta e ajudaram a implantar o Cuba: a hora e a vez dos homens da Sierra Maestra socialismo na ilha. “Foi o momento mais feliz, mais orgulhoso que já vivi. Ver que nosso povo não tinha mais que se esconder, ser torturado, assassinado, maltratado”, relata o ex- camponês Ulises, hoje um senhor de 70 anos que vive em Bartalomé Masó, cidade ao pé da Sierra, no oriente cubano. Págs. 10 e 11 Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, fala sobre as difi- culdades de se reformular o Estado após 61 anos de hegemonia do Partido Colorado, de sua relação com Lula e com o Brasil. Lugo, que completa nove meses de governo, diz que sua maior meta é fazer com que o seu país consiga reduzir pela me- tade a pobreza e os grupos privilegiados. Págs. 8 e 9 Os desafios de Fernando Lugo após 9 meses de governo Para diretor do órgão, medidas ajudam país a enfrentar a crise Divulgação Bernardo Londoy/CC Igor Ojeda Crianças voltam da escola em Bartolomé Masó, Cuba APC/CC O presidente Fernando Lugo discursa na capital paraguaia Reprodução

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Uma visão popular do Brasil e do mundo de 40 milhões de pessoas Uma visão popular do Brasil e do mundo Dossiê denuncia que as mineradoras Phoenix Gems e Colossus Minerals estariam coordenando um golpe bilionário na região da Serra Pelada. Uma sucessão de ingerências, propinas e irregularidades que atingiriam os direitos de milhares de garimpeiros, além de pessoas perderam seus empregos nos Estados Unidos. O país também enfrenta uma crise de segurança alimentar: O “jornalismo” irresponsável AFOGANDO EM NÚMEROS

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Page 1: Edição 312 - de 19 a 25 de fevereiro de 2009

São Paulo, de 19 a 25 de fevereiro de 2009 www.brasildefato.com.brAno 7 • Número 312

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional R$ 2,50

Transnacionais corrompem para lucrar em Serra PeladaDossiê denuncia que as mineradoras Phoenix Gems e Colossus Minerals estariam coordenando um golpe bilionário na região da Serra Pelada. Uma sucessão de ingerências, propinas e irregularidades que atingiriam os direitos de milhares de garimpeiros, além

de lesar a União. As informações indicam ainda ligações da Vale com a empresa canadense, bem como a participação no negócio de Toni Duarte, jornalista ligado ao gabinete do senador Lobão Filho (PMDB-MA) e ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Págs. 4 e 5

9 7 7 1 6 7 8 5 1 3 3 0 7 21300

ISSN 1978-5134

O jornalista Rui Martins, brasileiro radicado na Suíça, analisa o caso da suposta agressão racista sofrida pela brasileira Paula Oliveira, que virou manchete nos telejor-nais da Rede Globo. “Essa é a maior barriga da história do nosso jornalismo, que revela o descalabro a que chegamos em termos de informação ou desinformação. Pág. 2

O “jornalismo” irresponsável da Rede Globo Desde dezembro de 2007, 3,6 milhões

de pessoas perderam seus empregos

nos Estados Unidos. O país também enfrenta

uma crise de segurança alimentar:

Uma em cada nove residências é

habitada por pessoas que têm pouco

o que comer. No momento, cerca

de 40 milhões de pessoas

passam fome.

AFOGANDO EM NÚMEROS

BC vai manter política neoliberal

Em seminário para em-presários realizado em São Paulo (SP) no dia 13, Mário Tóros, diretor de Política Monetária do Ban-co Central, sustentou que

dois dos pilares do mode-lo econômico neoliberal brasileiro ajudam o país a enfrentar a crise. Seriam eles a política de juros al-tos, que freia a inflação,

e o câmbio flutuante, que reduziria a dívida pública. No encontro, ele deixou claro: “Vamos continuar com a mesma cautela de sempre”. Pág. 3

O presidente Hugo Chávez venceu o referen-do do dia 15, e agora os ocupantes de cargos pú-blicos na Venezuela po-dem se reeleger ilimitada-mente. A vitória suscita o debate sobre que tipo de socialismo pretende-se implantar no país. Para especialistas, o processo ainda é muito restrito à retórica. Pág. 12

Chávez vencereferendo. Osocialismose aproxima?

Carmen MirandaNo centenário de nascimento da cantora, uma viagem da República Velha aos balangandãs. Pág. 7

O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) apro-vou, no dia 11, a ampliação em dois meses dos benefí-cios do seguro-desemprego nos estados e segmentos econômicos mais afetados pela crise. José Dari Krein, da Unicamp, elogia a medi-da, mas a considera muito tímida. Para ele, o governo deve ter ousadia para adotar soluções mais concretas e de longo prazo. Pág. 6

Para enfrentar crise, governoprecisa mexerna estrutura

Na segunda reportagem da série sobre os 50 anos da Revolução Cubana, o Brasil de Fato trata da instalação da guerrilha na Sierra Maestra, de onde saíram os homens que derrubaram a ditadura de Fulgencio Batista. Dois ex-militantes contam co-mo entraram para a luta e ajudaram a implantar o

Cuba: a hora e a vez doshomens da Sierra Maestra

socialismo na ilha. “Foi o momento mais feliz, mais orgulhoso que já vivi. Ver que nosso povo não tinha mais que se esconder, ser torturado, assassinado, maltratado”, relata o ex-camponês Ulises, hoje um senhor de 70 anos que vive em Bartalomé Masó, cidade ao pé da Sierra, no oriente cubano. Págs. 10 e 11

Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, fala sobre as difi-culdades de se reformular o Estado após 61 anos de hegemonia do Partido Colorado, de sua relação com Lula e com o Brasil. Lugo, que completa nove meses de governo, diz que sua maior meta é fazer com que o seu país consiga reduzir pela me-tade a pobreza e os grupos privilegiados. Págs. 8 e 9

Os desafi os deFernando Lugoapós 9 mesesde governo

Para diretor do órgão, medidas ajudam país a enfrentar a crise

Divulgação Bernardo Londoy/CC

Igor Ojeda

Crianças voltam da escola em Bartolomé Masó, Cuba

APC/CC

O presidente Fernando Lugo discursa na capital paraguaia

Rep

rodu

ção

Page 2: Edição 312 - de 19 a 25 de fevereiro de 2009

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Subeditora: Tatiana Merlino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Patrícia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam),

João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: FolhaGráfi ca • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou [email protected] Para anunciar: (11) 2131-0800

Vitória revolucionária, democracia em excesso

A MOÇA brasileira tinha seus proble-mas e provavelmente se autofl agelou. É triste. Mais triste é o quadro da nossa im-prensa irresponsável, que mobilizou o país, levou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a criticar um país amigo e Lula, a quase criar um caso diplomático. É hora de de-nunciar a nossa grande imprensa sem deontologia, sem investigação, que afi rma e desafi rma sem qualquer cui-dado e sem checar as notícias.A agressão racista contra Paula Olivei-ra não foi um noticiário iniciado em Zurique, local da suposta agressão. Estourou no Brasil, detonada por um pai – e isso é muito compreensível – preocupado com sua fi lha distante. E a maior rede de televisão do Brasil, a Globo, vista por mais de uma centena de milhões de brasileiros, não teve dú-vidas em transformar o caso na grande manchete do dia, fazendo com que outros milhões de brasileiros, no Exte-rior, já acuados pela Diretiva de Retor-no, se solidarizassem e imaginassem passeatas e manifestações.Essa é a maior barriga da história do nosso jornalismo, que revela o desca-labro a que chegamos em termos de informação ou desinformação. Equi-vale ao conto do vigário do Madoff, ou das subprimes do mercado imobiliário americano. Só que o Madoff está pre-so, mesmo sendo prisão domiciliar, e vivemos uma crise econômica, em consequência dos desmandos dos ban-cos americanos. Mas o que vai acon-tecer com a televisão Globo e todos quantos foram atrás? Nada, vai fi car por isso mesmo.

Como um órgão de imprensa de tanta penetração pode se permitir divulgar com estardalhaço um notici-ário de muitos minutos, reproduzido online, repicado por jornais, rádios e copiado por outras televisões sem primeiro checar no local? Que jorna-lismo é esse que se faz sem qualquer investigação, sem se ouvir as partes envolvidas? Sem deslocar antes um repórter para Zurique e entrevistar também o policial responsável pela ocorrência? Sem ouvir a própria en-volvida, fi ando-se apenas no relato de um pai desesperado? Sem pedir a opinião de um especialista em feri-mentos e escoriações?

Quem vai pagar o dano moral cau-sado a essa jovem, que sem querer se tornou primeira página nos jornais? Quem vai desfazer o ridículo a que se submeteu o nosso ministro Celso Amo-rim, que, baseado num noticiário de fo-ca em jornalismo, sem ouvir acusação e acusado, ofendeu um país amigo, exi-gindo que prestasse contas em Brasília, por um noticiário tipo cheque sem

fundo? Quem assume o fato de quase levar nosso presidente a fi car vermelho de vergonha por se basear em noticiá-rio sem crédito, com o mesmo valor de uma ação do banco Lehmann?

E mais – o dano sofrido pela Suíça, em termos de imagem, justamente quando seu povo tinha justamente vo-tado em favor dos imigrantes , quem vai reparar?

Essa barriga da Globo, secundada pela grande imprensa, é prova do que se vem dizendo há algum tempo – não há credibilidade nessa mídia. Publica-se, transmite-se qualquer coisa, e quanto mais sensacionalista melhor. Não há responsabilidde no caso de erros, de noticiário mentiro-so, vale tudo, o papel aceita tudo, a televisão transmite qualquer coisa, desde que dê Ibope – e existe melhor coisa que nacionalismo ofendido? É o que os franceses chamam de “presse de boulevard”: mentirosa, tenden-ciosa, com a opinião ao sabor das pu-blicidades. Sem jornalismo investi-gativo, sem confi rmar as fontes, sem ouvir as opiniões divergentes.

Vão pedir a cabeça do redador-che-fe? Não, assim que se recuperarem da barriga, da irresponsabilidade come-tida, da vergonha diante dos colegas, vão jogar tudo em cima da pobre jovem, que deve ter seus problemas e

que a nós não compete saber. Isso é vida privada, não é Big Brother.

É essa mesma imprensa marrom, que induz nossos dirigentes ao erro, que também publica qualquer coisa contra o que chamam de “assassino desalmado”, Cesare Battisti. A irres-ponsabilidade da imprensa é o pior inimigo da liberdade de imprensa, por-que pode provocar reações legislativas limitando os descalabros cometidos.

Escrever num jornal, falar numa rá-dio ou numa televisão e mesmo man-ter um blog constitui uma responsabi-lidade social. Não se pode valer dessa posição para se difundir boatos, nem inverdades, nem ouvir-dizer; é preciso checar, levantar o fato, mencionar ou desfazer as dúvidas e suspeitas exis-tentes. É também preciso garantir o direito de ser mencionada a versão da parte acusada, para evitar a notícia tendenciosa.

A barriga da Globo vai fi car na histó-ria do nosso jornalismo, será sempre lembrada nos cursos de comunicação, tornou-se antológica, e nela estão entalhadas, por autofl agelação, as palvras que a norteiam – sensaciona-lismo, irresponsabilidade e abuso do seu poder.

Existem, sim, problemas contra nossos emigrantes em diveros países, principalmente depois da criação da Diretiva de Retorno pelo italiano Silvio Berlusconi. Diariamente brasi-leiros são presos e mandados de volta, na Espanha, mas isso não mobiliza a nossa imprensa, não dá Ibope.

Rui Martins é ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. É autor de O Dinheiro Sujo da Corrupção,

sobre a Suíça e Maluf. Vive em Berna, na Suíça, colabora com vários jornais

debate Rui Martins (Berna -Suiça)

A barriga da Globo quase compromete o Brasil

crônica Marcelo Barros

A 14ª VITÓRIA eleitoral do presi-dente Hugo Chávez em dez anos à frente do governo da Venezuela – perdeu apenas uma, em 15 – tem um alcance muito maior que elei-toral. Esse novo feito pavimenta condições políticas para o aprofun-damento de um processo de trans-formação com ruptura gradual.

Embora o fundamental seja ana-lisar o efeito acelerador do voto das massas venezuelanas sobre a revolução bolivariana, também é importante analisar o lado simbóli-co dessa nova vitória de Chávez. Ela derruba mitos que o imperialismo e a oligarquia nativa, via manipula-ção midiática, despejaram sobre a consciência dos venezuelanos e que se espalham pelo mundo. A vitória do “SIM” signifi ca que a nacionali-zação dos recursos nacionais (pe-tróleo e ferro, sobretudo) terá novo aprofundamento, tendo recebido agora novo impulso eleitoral para avançar sobre o sistema fi nanceiro, dando continuidade à nacionaliza-ção do banco Santander, adotada há poucos meses. Também a re-forma agrária pode ser muito mais acelerada, sobretudo com as parce-rias feitas com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Em-brapa), tendo em vista preencher a ausência de economia agrícola na Venezuela, em função da chamada “Maldição do Petróleo”, único ramo que interessava ao imperialismo.

No Brasil, a vitória do “SIM” sig-

nifi ca a derrota dos tucanos, da TV Globo, da Veja, da mídia golpista em geral, dos Arnaldo Jabor da vida e de tantos outros jornalistas pré-pagos. Mas nos obriga a refl e-tir, uma vez mais, sobre as formas inteligentes que as massas pobres têm, na Venezuela ou Brasil, para não sucumbir ao dilúvio de ofensas, preconceitos, desinformações, con-denações levianas e ataques pessoais atirados diuturnamente contra go-vernos progressistas por essa mídia capitalista. Com mais de 80% da mí-dia em suas mãos, a oligarquia vene-zuelana não consegue nada além do que confundir alguns segmentos da classe média, mas não o povo.

Todo esse processo de transfor-mações na Venezuela – hoje o país que paga o mais elevado salário mí-nimo da América Latina, que cresce a uma média de 8% ao ano, que já não mais importa fertilizantes (o Brasil importa cada vez mais esse produto, encarecendo a produção e o alimento), que está caminhando em direção à soberania alimentar em poucos anos e que, segundo a Comissão Econômica para a Amé-rica Latina e o Caribe (Cepal), foi o país que mais fortemente reduziu a

pobreza no continente e que melhor cumpre as tarefas dos Objetivos do Milênio da ONU – foi feito com ex-cesso de democracia. Aliás, a frase é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e deve ser relembrada porque o caráter democrático não retórico, não formal das mudanças, é um pa-trimônio da Revolução Bolivariana, que nem por isso deixa de ser arma-da. “Pacífi ca, porém armada”, repete Chávez diante das várias tentativas de golpe, de sabotagem e até mesmo de magnicídio.

É a Venezuela o único país a pos-suir o mecanismo de revogabilidade dos mandatos eletivos. Mesmo assim, com todo cinismo, o partido mundial do golpismo midiático es-palha que “Chávez está construindo uma ditadura pelo voto”. Isso atesta a esquizofrenia midiática e sua pró-pria derrota ideológica. Um povo cada vez mais politizado, consciente e educado – “Venezuela já é terri-tório livre do analfabetismo”, diz a Unesco – vai tomando o destino em suas próprias mãos.

Isso mostra que a humanidade inventa revoluções por absoluta necessidade histórica. E as revo-luções podem começar com várias

formas ou protagonistas, seja um militar ou um aiatolá, mas se defi -nem e se comprovam como revolu-ção quando recebem o apoio popu-lar amplo e generalizado e quando seus objetivos programáticos são destinados a criar a maior taxa de felicidade do povo. Na Venezuela, começou com um levante militar, em 4 de fevereiro de 1992, e o seu objetivo, comandado por Chávez, era, entre outros tantos, o de con-vocar uma Constituinte. Pois mes-mo derrotada aquela rebelião, as massas entenderam rapidamente, na sua mensagem televisiva anun-ciando a rendição momentânea, de que aquele era o seu comandante, com cara de negro e índio, falando claramente de seu projeto.

O referendo vencido pelo presi-dente Chávez, atribuindo ao povo o direito de eleger quantas vezes quiser os seus dirigentes nacionais, estaduais ou municipais, sem limites formais, institucionalizou-se pelo voto direto e popular; e, sem ter a ingenuidade de desarmar-se até porque os inimigos não se desarma-ram –, continua sendo uma alavan-ca importante para mudar o mapa político da América Latina. Quinze

dos 27 países da Comunidade Euro-peia também permitem a reeleição ilimitada, mas apenas a Venezuela no mundo tem a revogabilidade de mandato na Constituição.

A Venezuela, em parceria com Cuba, assumiu o compromisso de operar de cataratas, em dez anos, a 6 milhões de latino-americanos, salvando-os da cegueira. Com o “SIM”, esse projeto vai continuar. A Venezuela está trocando todas as lâmpadas de Honduras, substituin-do-as por outras que economizam até 70% de energia. Isso vai con-tinuar. A Venezuela está enviando óleo combustível para as comuni-dades pobres dos EUA vítimas do frio. Esse processo vai continuar. Tudo isso está contido no voto “SIM” escolhido pela maioria dos eleitores venezuelanos.

Agora, com democracia em ex-cesso, com pobreza reduzida, a Ve-nezuela poderá seguir fortalecendo o seu pleito de ingresso no Merco-sul, dando sequência ao curso de integração latino-americana. Comodisse uma dona-de-casa de Petare, bairro pobre de Caracas: “Agora sei o que é integração, sei quem é Lula, pois antes não comíamos carne e agora comemos sempre frango do Brasil, e é barato.” Tu-do isso, está no “SIM” que sai das urnas eletrônicas democráticas, e com impressão de voto que per-mite a auditoria, se alguém tivesse topete para reclamar.

de 19 a 25 de fevereiro de 20092

editorial

Centenário “perigoso”NO BRASIL e no mundo todo, grupos cristãos ligados à luta pelos direitos humanos dedicam este mês de fevereiro às justas comemorações do centenário do nascimento de dom Helder Camara. Como todos sabem, foi arcebispo do Recife durante 20 anos, foi o primeiro bispo que engajou a Igreja Católica e outras igrejas na luta pacífi ca pela justiça, fundou a CNBB e morreu aos 90 anos, em 1999. Até poucos dias antes, repetia: “Quero dedicar-me até o último suspiro à justiça e libertação dos oprimidos”.

No ano 2000, uma revista internacional fez uma pesquisa e ele foi escolhido, na sua área, como o brasileiro mais famoso e infl uente do século 20.

Como é impressionante e bom que, depois de tantos anos, a memória do dom e o carinho do povo continuem tão fortes e atuais. Mas confesso um pressentimento que não posso provar. Nas poucas comemorações do seu centenário que tive opor-tunidade de participar, fi quei me perguntando: certas home-nagens e discursos não expressavam o tom de uma louvação a alguém bem morto e enterrado, que aquelas cerimônias fecha-vam com chave de ouro em um mausoléu precioso?

Na Nicarágua, antes da vitória da revolução sandinista, os presos políticos, encerrados em um porão da ditadura, receberam uma notícia. Um guarda entrou, todo orgulhoso do seu feito, e gritou: “Acabamos de matar o comandante Carlos Fonseca!” Thomas Borge, um dos prisioneiros, res-pondeu na hora, sem hesitar: “Carlos Fonseca é dos homens que nunca morrem!”

Celebrar o centenário do nascimento de dom Helder pre-cisa ter este conteúdo de testemunhar que o seu ideal e sua profecia não morreram. Que adiantam missas solenes e cle-ricais, assim como comemorações civis belas e tocantes, se olhamos em volta e parece que tudo acabou e nada mais resta do fogo do Espírito que animou dom Helder e garantiria a sua continuidade? A sua memória não pode ser apenas uma recordação da vida, da obra, da genialidade e das lutas, como de um herói do passado.

É preciso encontrar modos de refazer, hoje, em expressão atual e sem cair em nostalgia reacionária, o pacto de simpli-cidade e pobreza que, desde o Concílio Vaticano II, norteou e orientou a vida do dom. Principalmente neste contexto de mundo, no qual a sobriedade e a luta contra o consumismo são elementos fundamentais em um caminho ecológico urgente para salvar o mundo do caos.

Quem assume a sua herança precisa encontrar formas de se constituírem novamente como “minoras abrâamicas”: grupos de espiritualidade e resistência cultural que, nesta realidade eclesial que sofremos, testemunhem a igreja como comunidade local e a eclesialidade como prerrogativa de todos os batiza-dos. Somos plenamente igreja e marcados pela liberdade da profecia. Assumamos, cada um de nós, herdeiros da profecia de dom Helder, o compromisso que ele propôs aos bispos em Medellín (1968): “Que se apresente cada vez mais nítido, na América Latina, o rosto de uma igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo o poder temporal e co-rajosamente comprometida na libertação do ser humano como um todo e de toda a humanidade” (Medellín. 5, 15 a).

Temos de dar o testemunho de pessoas que, como dom Helder, quanto mais velhas fi cam, mais abertas e livres. Se ele estivesse conosco, celebrando os seus 100 anos, tentaria dar uns passos de frevo com um bloco que veio homenageá-lo e lançaria uma nova campanha: “Por um respeito sagrado à Terra e às Águas”.

É claro: por baixo disso tudo e como fogo original, há a fé e a mística viva de um homem normal, cheio de pequenos defei-tos, que, entretanto, mesmo nas limitações, era o exemplo vivo do que São Paulo escreveu: “Deus fez reluzir o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face do Cristo. Todavia, este tesouro, nós o levamos em vasos de barro, para que todos reconheçam que este incomparável poder pertence a Deus e não é propriedade nossa” (2 Coríntios 4, 9 - 10).

Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 26 livros, dos quais o mais recente é O Espírito vem pelas Águas. Ed. Rede-Loyola, 2003.

Gama

O Brasil viveu momentos intensos de angústia alimentados por uma imprensa irresponsável, que nos levou ao ridículo

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de 19 a 25 de fevereiro de 2009 3

brasil

Eduardo Sales de Limada Reportagem

O BRASIL conta com uma das maiores taxas de juros do mun-do. A moeda é a mais volátil (oscilante), graças ao câmbio fl utuante. Para o Banco Cen-tral, tal política monetária, ba-seada nesses dois pilares – além do alto superavit primá-rio (economia de recursos para pagar a dívida) –, vem servin-do como proteção à crise. Basi-camente, essa foi a mensagem deixada por Márcio Tóros, di-retor de Política Monetária da instituição no debate “Horizon-tes da economia brasileira”, re-alizado pela InterNews Semi-nários e Eventos no dia 13, em São Paulo (SP).

Noutro nível, nem tanto no que se refere à política mo-netária, mas que envolve ou-tros fatores, a economia na-cional se apresenta como uma das mais fechadas do mundo. De acordo com o Fundo Mo-netário Internacional (FMI), em 2007, somente 20% do PIB nacional correspondeu ao conjunto exportação mais im-portação de bens. “Por ter uma economia fechada, até que en-fi m, isso veio a benefi ciar o Brasil”, afi rmou Tóros.

Somado ao hermetismo eco-nômico, Tóros aponta como mais um grande trunfo para o país se manter de pé diante da crise o fato de possuir 200,7 bilhões de dólares em reservas internacionais. Em 2004, estas contabilizavam 27,5 bilhões de dólares. “Estávamos prepara-dos [para a crise] porque tí-nhamos reservas internacio-nais, passamos a ser credores externos”, disse.

O otimismo do diretor de po-líticas monetárias do BC, en-tretanto, não é comungado pe-

Como desdobramento da cri-se econômica, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o crescimento do PIB mun-dial neste ano será de 0,5%. Apesar de ínfi mo, tal nível de crescimento é tido como otimista por alguns, ten-do em mente que as economias cen-trais projetam cenários domésticos de recessão para o ano que se ini-cia. Para o Reino Unido, por exem-plo, está prevista uma contração de 2,8%. Na área do Euro, a previsão é de que a economia diminua 2%, e no Japão, 2,6%.

O PIB dos EUA terá uma retra-ção, segundo o FMI, de 1,6% nes-te ano. “Com fenômenos distintos

da Reportagem

Os bancos que não faliram, mas são insolventes – ou seja, possuem mais dívidas do que a quantidade de seus bens para saldá-las – estão atravancando a economia. Não oferecem cré-dito porque estão repletos de ativos podres. Para piorar, es-ses ativos ruins se alastram pe-lo sistema fi nanceiro. É o endi-vidamento entre bancos e ins-tituições fi nanceiras, o endivi-damento intrafi nanceiro. Co-mo explica o economista Luiz Gonzaga Beluzzo, da Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp), nessa situação, “o ativo de um se torna o passi-vo de outro”. Ele, que também é o presidente recém-eleito do Palmeiras, estava no seminário “Horizontes da economia bra-sileira”, promovido pelo Inter-news, no dia 13.

Um exemplo de “banco zum-bi” insolvente é o Citibank. Ele foi “salvo” duas vezes, consu-mindo 45 bilhões de dólares, na primeira, e mais 300 bi-lhões de dólares em garantias, na segunda. E precisará de mais uma rodada. Ou, quem sabe, duas, ou três...

Pela proposta do secretário de Tesouro estadunidense, Ti-mothy Geithner, o governo vai instituir um fundo para com-prar créditos podres. O total de recursos pode chegar a 2 tri-

O neoliberalismo morreu? Não para o Banco CentralECONOMIA Em seminário para empresários, diretor do órgão defende política de juros e câmbio fl utuante como remédios para a crise

lo economista Reinaldo Gonçal-ves, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ). Ele já ponderava, no dia 22 de novembro de 2008 – no auditó-rio Azul do Sindicato dos Ban-cários de São Paulo, em deba-te organizado pelo mandato do deputado federal Ivan Valen-te (Psol/SP) – que, desde que a crise se intensifi cou no mun-do, as contas externas brasilei-ras estão se deteriorando acele-radamente. “Nossas contas ex-ternas estão caindo. Há um de-fi cit projetado para 2009 de 29 bilhões”, alertava.

JurosUm dos pontos mais repro-

vados da política monetária do Banco Central é a alta da taxa Selic (12,75% ao ano), apesar de sua lenta redução nos últi-mos meses. As críticas vêm tan-to das empresas do setor produ-tivo como de organizações à es-querda do governo, e apontam que o elevado custo do crédi-to cria obstáculos aos investi-mentos e ao consumo, desaque-cendo a economia e provocando desemprego, além de favorecer a especulação fi nanceira.

Por seu lado, Tóros sustenta que sua diminuição tem sido de-vagar porque “a sociedade brasi-leira escolheu assim”. Para ele, a população teria escolhido esse caminho por causa de sua sen-sibilidade à infl ação; logo, seu combate deveria ser a prioridade da política monetária. E aponta que, mesmo com a pressão tanto de setores da esquerda como pa-tronais, “vamos continuar com a mesma cautela de sempre”.

VolatilidadeO diretor de políticas monetá-

rias do Banco Central acredita que existe uma grande incom-preensão em relação ao câmbio fl utuante no Brasil. Ele defen-

de que o Real se desvalorizou, mas de forma não tão diferen-te do Reino Unido e da Nova Zelândia. “Antes da crise, vive-mos um momento de baixíssi-ma volatilidade da maioria das moedas. Durante muito tem-po o Real esteve colado ao eu-ro. Quando isso se reverte, não se reverte só no Brasil”, explica. Por fi m, ele argumenta que “o câmbio fl utuante tem sido um mitigador [da crise, pois] a dí-vida pública é diminuída com esse instrumento”.

Por seu lado, Reinaldo Gon-çalves apresenta uma outra lei-tura. Ele acredita que, ao dei-xar o câmbio “solto”, somente o Brasil é pressionado pela infl a-ção no mundo.

CommoditiesTóros concorda com a leitu-

ra de que existem três canais de transmissão da crise no Bra-sil: o crédito externo, comér-cio internacional e o pessimis-mo generalizado. Como infor-mou o economista José Már-cio Camargo, economista-che-fe da Opus Gestão de Recursos e professor do departamento de Economia da Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio de Ja-neiro (PUC-Rio), no seminá-rio ocorrido no dia 13 de feve-reiro, entre 20% e 25% do cré-dito oferecido no Brasil provém do exterior.

Em relação ao comércio ex-terior, pelo fato das exporta-ções brasileiras serem base-adas em commodities, outro economista presente no even-to, Eduardo Guardia, ex-secre-tário da Fazenda do governo paulista, acredita que o prote-cionismo, agregado à diminui-ção da demanda exterior, es-tá criando impactos na econo-mia nacional. “Por isso, o cres-cimento está em torno de 1%, para baixo”, prevê.

das outras crises, houve avanço do endividamento das famílias esta-dunidenses, com até 140% da ren-da disponível”, lembra Luiz Gon-zaga Belluzzo, presente no seminá-rio “Horizontes da economia bra-sileira”. Desde o ano 2000, o endi-vidamento dos estadunidenses (in-cluindo empresas, bancos e famí-lias) subiu de 22 trilhões de dólares para 41 trilhões de dólares, no fi m de 2007.

De acordo com Mário Tóros, diretor de política monetária do Banco Central, os bancos perderam 1,2 trilhões de dólares até o início de fevereiro. Só os Estados Unidos somam 70% dessas perdas. (ESL)

lhões de dólares. No entanto, somente os ativos podres do se-tor imobiliário nos EUA são es-timados em 7 trilhões de dóla-res, segundo dados do econo-mista Adriano Benayon, ex-professor da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Rio Branco.

Exemplo japonês A economia japonesa tem ex-

periência com instituições fi -nanceiras “zumbis”. Depois do estouro de sua bolha de imó-veis e ações, no fi m dos anos de 1980, os japoneses, mesmo in-jetando trilhões de dólares na economia, não saíam de uma estagnação econômica, justo porque os bancos ainda perma-neciam insolventes. Até 1998, o PIB japonês cresceu cerca de 1% por ano, e a dívida do gover-no atingiu 80% do PIB. “O Ja-pão alimentou os bancos zum-bis e passou 10 anos em estag-nação”, recorda Belluzzo.

Tomando o país asiático co-mo o mal exemplo, José Már-cio Camargo, economista-che-fe da Opus Gestão de Recursos e professor do departamento de Economia da PUC-Rio, res-salta que, se os governos euro-peus e estadunidense mantive-rem essa política de alimentar a sobrevida desse tipo de ban-co, levará em torno de 15 anos para que o mundo volte a cres-cer. “Será uma perda de rique-za cavalar”, completa.

KeynesBelluzzo afi rmou ao Brasil

de Fato que é possível lançar mão de duas ações distintas. A primeira “é a estatização bancá-ria, que está sendo feita de for-ma não declarada. Aí, você lim-pa tudo, faz como o [ex-presi-dente estadunidense Franklin] Roossevelt fez em 1929, estati-zando o crédito”. A outra ação sugerida por Belluzzo “é criar bancos novos [deixando os in-solventes falirem], com capitali-zação do setor público e do setor privado, e rachar esse negócio”.

O plano de Roossevelt, cita-do por Belluzzo, pôs uma bre-ve interrupção à depressão. Ele fechou os bancos que esta-vam em crise, proibiu a expor-tação e realizou uma profunda reforma no sistema bancário. O Estado interviu na econo-mia, criando grandes obras de infraestrutura, assistência aos trabalhadores e concessão de empréstimos.

No entanto, os Estados Uni-dos só conseguiram retomar seu crescimento econômico com o início da produção ar-mamentista para a Segunda Guerra Mundial, no fi nal de 1940. O economista Luiz Fil-gueiras, professor da Universi-dade Federal da Bahia (UFBA), lembra que o intervencionis-mo de Roosevelt também foi um dos grandes propulsores do fascismo e do nazismo após a crise de 1929. (ESL)

“Bancos zumbis” assombram economiaPara Luiz Gonzaga Belluzzo, o sistema fi nanceiro mundial tem duas saídas: estatizar os bancos ou criar um novo sistema, deixando as instituições insolventes falirem

Países centrais estão em recessão

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brasil

Mortes suspeitasA Comissão de Direitos Huma-

nos da OAB, em Alagoas, investiga a ocorrência de várias mortes nas penitenciárias do Estado, no mês de janeiro, registradas como “suicídio”. Os depoimentos de parentes dos mortos atestam marcas de torturas. O Ministério Público suspeita da existência de um esquadrão da mor-te atuando dentro das prisões com a cumplicidade de agentes penitenciá-rios. A responsabilidade é do Estado.

Nosso petróleoO comitê da campanha “O petró-

leo tem que ser nosso” está progra-mando uma série de ações para os próximos meses, desde a participa-ção no Carnaval (exposição de fai-xas e cartazes nos desfi les de rua), elaboração de novos materiais de divulgação, até a mobilização para seminários, manifestações e atos públicos. A ideia é somar forças com as centrais sindicais e os movi-mentos sociais e estudantis.

Concessão abusivaPara assegurar melhor arrecada-

ção no pedágio localizado na divisa dos municípios Fazenda Grande e Mandirituba, no Paraná, a em-presa privada que fi cou com a con-cessão daquele trecho da BR-116 decidiu fechar a centenária estrada do Rio Negro, que dá acesso aos bairros Jardim Colonial, Jardim Veneza, Campo da Cruz, São Se-bastião e Ganchinho. Mais de 500 famílias foram prejudicadas pelo abuso da concessionária.

Trapaça federalEm artigo veiculado pela Agência

Adital, o bispo de Jales (SP), dom Demétrio Valentim, alerta que a proposta de emenda constitucional que trata da reforma tributária, em tramitação no Congresso Nacional, contém mudanças negativas para o povo brasileiro, pois retira a obriga-toriedade de destinação de recursos exclusivos para a Previdência So-cial, o Sistema Único de Saúde e o Seguro-desemprego. Os sindicatos vão fi car quietos?

Agiotagem legalDepois que o Banco Central li-

berou a divulgação do spread dos bancos (margem de lucro entre o juro do dinheiro captado e o juro do dinheiro emprestado), que chega a mais de 8% ao mês, os bancos pri-vados correram para explicar que a taxa só é alta porque a inadimplên-cia no Brasil também é alta. Descul-pa safada para esconder o crime de agiotagem, que é também um dos fatores que levam à inadimplência.

Reajuste especialOs reajustes salariais de 2009 –

dos aposentados aos trabalhadores em geral – fi caram entre 5% e 11%, conforme as faixas de remuneração.No entanto, o presidente do Su-premo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, está agora fazendo pressão para o Congresso Nacional aprovar um reajuste de 13,1%, o que aumenta seu próprio salário de R$24.500,00 para R$27.716,00. Isso é que é mordomia.

Sucessão jáNa onda da disputa presidencial

de 2010, o senador Jarbas Vas-concelos, do PMDB-PE, declarou à revista Veja que, no seu partido, “mais de 90% praticam clientelis-mo, de olho principalmente nos cargos”. Ele citou nominalmente os senadores José Sarney e Renan Ca-lheiros, ambos do PMDB e aliados do presidente da República. Jarbas torce pela candidatura de José Ser-ra, do PSDB. Tudo muito óbvio!

Decisão popularPor mais que a direita latino-

americana tente desqualifi car a revolução bolivariana do presi-dente da Venezuela, Hugo Chávez, sempre tratado como ditador pela mídia burguesa, o fato é que todo processo político naquele país tem sido realizado por meio de eleições limpas e democráticas. Em dez anos de governo, foram realizados 15 referendos populares. O último aprovou a reeleição sem limitações.

Última esperançaNo Fórum Social Mundial, em

Belém (PA), o presidente Lula as-segurou que a Conferência Nacio-nal de Comunicação será mesmo realizada neste ano. No entanto, o Ministério das Comunicações, que faz o lobby dos grupos empresariais do setor, atua no sentido de prote-lar ao máximo esse evento, pois não interessa mudar o marco regulató-rio do sistema e muito menos de-mocratizar a comunicação. Vai fi car para o futuro!

fatos em focoHamilton Octavio de Souza

Patricia Benvenutida Redação

A FIM de atenuar os efeitos da cri-se econômica sobre os trabalha-dores, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) aprovou no dia 11 as re-gras para a ampliação em duas par-celas do seguro-desemprego aos setores da economia e aos Estados mais atingidos pelas demissões em massa. Atualmente, o benefício va-ria de três a cinco parcelas.

De acordo com o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, se houver agravamento da crise, pode ser editada uma nova medida provisó-ria para ampliar o seguro-desem-prego em até dez parcelas.

As duas parcelas extras come-çarão a ser pagas em abril e serão concedidas somente para os traba-lhadores demitidos a partir do dia 1º de dezembro de 2008. De início, a medida deve alcançar os setores da siderurgia, extração de minério e exportação de frutas, de couro e de calçados em algumas regiões do país, que estão entre os mais atin-gidos pelo desemprego.

Foi tímidoNa avaliação do pesquisador do

Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, José Dari Krein, a ex-tensão do seguro-desemprego é uma iniciativa bem-vinda, pois garante aos trabalhadores uma proteção adicional. Entretanto, Krein critica a timidez do governo,

da Redação

Como forma de estimular a economia e fomentar o segmento de construção civil – um dos mais prejudicados pela crise mundial –, o presidente Luiz Inácio Lu-la da Silva deve anunciar, logo após o Carnaval, um novo paco-te para a habitação. O plano pre-vê a construção de 1 milhão de ca-sas populares até 2010, destina-das a famílias com renda de até dez salários mínimos. O objetivo também é reduzir o defi cit habi-tacional no Brasil, estimado em 7 milhões de moradias.

Entre as medidas do pacote es-tá o aumento, para este ano, de R$ 900 milhões no valor subsi-diado pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para crédito habitacional. A ex-

da Redação

A ameaça de demissão e de redu-ção de direitos diante da crise eco-nômica vem resultando em mobili-zações de trabalhadores em diver-sas cidades. No dia 11, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e suas entidades fi liadas promo-veram o Dia Nacional de Luta pe-lo Emprego e pelo Salário, a fi m de pressionar os governos pela garan-tia dos empregos e pela manuten-ção dos salários.

Uma das principais atividades aconteceu no Rio de Janeiro (RJ), diante da sede administrativa da Vale, empresa que, segundo os ma-nifestantes, representa “o oportu-nismo de quem muito lucra e tem muito dinheiro, mas se aproveita do clima de temor para defender demissões e redução de salários”.

Um ato político na Praça do Pa-triarca, no centro de São Paulo (SP), reivindicou a abertura de ne-gociações entre trabalhadores, o setor produtivo em geral e o gover-nador José Serra (PSDB). No ABC paulista, metalúrgicos protestaram em frente a uma fábrica da monta-dora de carros Volkswagen, em São Bernardo do Campo. A CUT tam-bém organizou ações no Rio Gran-de do Sul, no Espírito Santo e na Bahia, entre outros estados.

Já no dia 12, a manifestação fi cou por conta dos sindicatos dos meta-lúrgicos de Campinas, Limeira, São José dos Campos e Baixada Santis-ta, em São Paulo. Na capital, cerca de 1.500 trabalhadores ocuparam a avenida Paulista, em uma passea-ta que culminou num protesto em frente à sede da Federação das In-dústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O ato contou com a pre-sença de militantes de movimentos sociais, representantes de partidos políticos e outros sindicatos ligados à Intersindical e à Conlutas, que apoiaram a manifestação. (PB)

que poderia já ter aumentado, por exemplo, o prazo de concessão pa-ra até dez meses.

“Sete meses já é um avanço, mas a extensão do seguro-desempre-go para um período mais longo se-ria uma forma concreta de garantir renda para uma parte importante de trabalhadores, e a garantia des-sa renda teria um efeito positivo inclusive sobre a demanda e sobre a dinâmica econômica”, explica.

UniversalidadeO pesquisador também conside-

ra que, diante do funcionamento do mercado de trabalho, a amplia-ção do benefício deveria ser esten-dida a todos os segmentos da eco-nomia, e não restrita àqueles mais afetados pela crise.

“É evidente que a crise atingiu de uma forma mais contunden-te alguns setores, mas o problema é que o mercado geral de trabalho não é segmentado, as pessoas não buscam só trabalho no setor meta-lúrgico, não buscam só nas monta-doras, na agricultura ou na indús-tria têxtil de couro. As pessoas que estão buscando trabalho vão bus-car trabalho em qualquer tipo de ocupação”, analisa.

Krein também sustenta que, se o país pretende avançar em um pro-grama mais efi caz de seguro-de-semprego, é preciso dar mais aten-ção às condições dos trabalhadores e à sua realocação.

“Teria que articular uma polí-tica de seguro-desemprego com uma política mais estruturada de intermediação de mão-de-obra e

um processo também, nesse pe-ríodo, de qualifi cação ou eleva-ção da escolaridade para o pró-prio trabalhador”, salienta.

Uso do FGTSOutra proposta cogitada, sobre-

tudo por empresários, para com-bater os prejuízos da crise foi a re-dução da jornada de trabalho e dos salários com o uso de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para complemen-tar a renda dos trabalhadores.

Para Krein, uma medida desse ti-po funcionaria como um “estímulo ofi cial” para as empresas negocia-rem as reduções com a utilização de recursos públicos, prejudicando principalmente o trabalhador e os níveis de consumo e de renda.

“Isso tem um efeito perverso so-bre os direitos dos trabalhadores, sobre a renda do trabalho dessas pessoas e sobre os salários e a com-posição salarial futura”, afi rma.

A hipótese da redução de salá-rios e possibilidade de saques ao FGTS como compensação, porém, foi descartada pelo ministro Carlos Lupi após o suposto vazamento de discussões internas no governo so-bre o tema.

Geração de empregosA postura do governo diante da

crise, até agora, tem sido “defen-

siva”, na opinião de Krein, por se limitar basicamente à preserva-ção de empregos já existentes por meio de medidas paliativas. Pa-ra o especialista, é preciso ousa-dia para apostar em soluções mais concretas e de longo prazo, como geração de emprego e renda, que contribuam para o desenvolvi-mento do país.

“Acho que no período da crise o ideal é não só fazer coisas para garantir alguma renda e alguma ocupação para as pessoas, mas direcionar projetos que tenham um sentido mais estrutural, de resolver certos defi cits que são fortes na sociedade brasileira, a fi m de benefi ciar a coletividade, e não somente agentes econômicos e preservação de seus negócios”, completa.

Balanço da criseSegundo dados da Central Única

de Trabalhadores (CUT), somen-te em dezembro de 2008, 653 mil pessoas em todo o país perderam seus empregos – quase o dobro da média histórica do mês, que é de 350 mil demissões.

De acordo com pesquisa di-vulgada pela Federação das In-dústrias do Estado de São Pau-lo (Fiesp) e pelo Centro das In-dústrias do Estado de São Pau-lo (Ciesp), a indústria paulista fe-chou, em janeiro, 32,5 mil pos-tos de trabalho, o que represen-ta uma queda de 86% no nível de emprego em relação a dezembro, conforme ajuste sazonal.

pectativa do Ministério das Cida-des é de que a taxa de juros com fi nanciamentos com recursos do FGTS passe de 5% para 4%, mais o valor da Taxa Referencial (TR).

CríticasAntes mesmo do anúncio ofi -

cial, porém, o pacote já vem so-frendo críticas. Na avaliação do presidente da Associação Nacio-nal dos Mutuários e Moradores (ANMM), Décio Esturba, o no-vo plano não deve trazer solu-ções para o principal problema dos contratos habitacionais hoje: a cobrança abusiva de juros.

Ele explica que a origem do dinheiro que a Caixa Econômi-ca Federal dispõe para fi nancia-mentos de imóveis provém do Fundo de Amparo ao Trabalha-dor (FAT), cuja principal fonte de arrecadação é o PIS/PASEP, e do FGTS, que rende ao trabalha-dor 3% de juros.

Apesar do fi nanciamento con-tar com recursos públicos, o tra-balhador sai perdendo quando esse montante chega nas mãos dos agentes fi nanceiros, que aplicam taxas de juros muito al-tas. “A Caixa Econômica fi nancia

imóveis para os mutuários com juros até de 12% ao mês. Quer dizer, um dinheiro que vem de graça para o governo, que vai fazer um empréstimo para a casa própria com esse mesmo dinheiro aplicando juros de até 12% ao mês. É um excelente ne-gócio para o governo, mas não para o mutuário”, denuncia.

EndividadosDe acordo com a ANMM, cerca

de 90% dos contratos habitacio-nais apresentam problemas com juros, o que impossibilita o paga-mento das prestações e endivida o mutuário junto aos bancos.

Para Esturba, portanto, se o go-verno pretende realmente subsi-diar moradias para a população, o valor dos juros cobrados deve ser, no máximo, no mesmo ní-vel da captação dos recursos, em parcelas que caibam no bolso do trabalhador. “Se captar recursos do Fundo de Garantia, em que eles pagam 3% de juros ao traba-lhador, que coloque pelo menos 3% de juros. Se for do FAT, que não tem que pagar para ninguém, que não cobre juros. É a solução do problema”, afi rma. (PB)

Crise requermais ousadiado governoTRABALHO Medidas como a ampliação de parcelas do seguro-desemprego são positivas, mas governo deve atuar em ações estruturais

Mesmo usando recursos do FGTS, taxa cobrada pela Caixa pode chegar a 12% ao mês

Governo cobra alto dos mutuários

Trabalhadorespedem garantiade empregose salários

Até 10 meses é o período a que pode chegar o seguro-desemprego

Quanto

Trabalhadores protestam, no dia 12 de fevereiro, em São Paulo

Manifestação seguiu pela avenida Paulista até a sede da Fiesp

João Zinclar

João Zinclar

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de 19 a 25 de fevereiro de 2009 7

cultura

Aldo Gamada Redação

NO ANO de 1929, políticos paulistas deram fi m à alian-ça estabelecida com lideran-ças mineiras e indicaram Jú-lio Prestes como candidato à Presidência da República. Co-mo contrapartida, Minas Ge-rais lançou o oposicionista gaúcho Getúlio Vargas. Che-gava ao fi m aquela que fi cou conhecida como a política do café-com-leite, quando presi-dentes oriundos dos dois Es-tados se sucediam alternada-mente no Palácio do Catete.

Embora exista uma dúvida quanto ao fato do músico Jo-sué de Barros ser o respon-sável pela introdução do vio-lão elétrico no país, ainda em 1929, há um consenso quan-to à sua relevância para a his-tória da música popular bra-sileira. Além de sua contri-buição como compositor, ins-trumentista e cantor, Josué é responsável pelo início da carreira da portuguesa Maria do Carmo Miranda da Cunha – informação que ela, já co-nhecida como Carmen Miran-da, costumava contestar: “Sou brasileira. Apenas nasci em Portugal”, dizia.

Conta a história que Josué impressionou-se com a per-formance da jovem cantora em uma festa benefi cente pro-movida pelo jornalista Aníbal Duarte no Instituto Nacional de Música, no Rio de Janei-ro. Bastaram dois tangos para o músico assumir a condução dos primeiros passos profi s-sionais de Carmen, que envol-viam a gravação de um disco pelo modesto selo Brunswick.

O carioca Henrique Voge-ler já era um músico e com-positor conhecido quando as-sumiu o cargo de diretor ar-tístico da pequena gravado-ra Brunswick. Convencido por Josué de Barros, gravou, em dezembro de 1929, um 78 RPM (Rotações Por Minu-to) com a novata Carmen Mi-

Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileirawww.dicionariompb.com.br

Instituto Memória Musical Brasileirahttp://139.82.56.108/

Museu Virtual Carmen Mirandahttp://carmen.miranda.nom.br/

Para saber mais

randa, com duas composições do próprio Josué: o choro “Se o samba é moda”, no lado A, e o samba “Não vá simbora”, no lado B. Pouco impressio-nado com o resultado, Voge-ler abriu mão da cantora por temer que o fracasso compro-metesse seu emprego.

Decepcionado com o trata-mento dispensado à sua pro-tegida, Josué a leva para uma gravadora concorrente, a RCA Victor, que, em seu segun-do ano de atividades no país, ainda buscava se estabelecer. Ainda em 1929, Carmen gra-va outro 78 RPM, com a can-ção toada “Triste Jandaia” e o samba “Dona Balbina”, am-bas de autoria de seu prote-tor. O disco é lançado em ja-neiro do ano seguinte e, mais uma vez, nada acontece.

Em 1930, o Brasil contava com uma população de 37 mi-lhões de habitantes. Desses, 80% eram analfabetos e 70% viviam na zona rural. A eco-nomia do país, essencialmen-te agrícola, vivia da monocul-tura do café, responsável por 80% das exportações. Por conta dessa dependência, os brasileiros também acabaram vítimas da quebra da bolsa de Nova York, que, em 1929, te-ve uma queda de 60%. A sa-ca de 60 quilos de café, que custava 200 mil réis em agos-to de 1929, passou a ser ven-dida por 21 mil réis em janei-ro do ano seguinte. A esses números pode ser adiciona-do o de desempregados, que, no início de 1930, era de 2 mi-lhões de trabalhadores, ou se-ja, perto de 20% dos habitan-tes do país, que ainda não era do futebol.

Getúlio Vargas, ao lado do candidato a vice-presidente João Pessoa, discursou, no dia 2 de janeiro de 1930, pa-ra uma multidão reunida na esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro. Em campanha desde meados do ano ante-rior, Vargas preparava-se pa-ra as eleições de 1º de mar-ço, quando enfrentaria Júlio

Prestes, candidato do presi-dente Washington Luís.

No dia 5 de janeiro, Patrí-cia Galvão (Pagu) e Oswald de Andrade casam-se diante do jazigo da família do escritor, no Cemitério da Consolação. Sobre o ato do casal, Oswald escreveu posteriormente que “na luta imensa que susten-taram pela vitória da poesia e do estômago, foi grande o pas-so prenunciador, foi o desafi o máximo. Depois se retrataram diante de uma igreja. Cum-priu-se o milagre. Agora, sim, o mundo pode desabar.”

Carmen volta aos estúdios da RCA ainda em janeiro para gravar outro 78 RPM. No re-pertório, a marcha “Iaiá, Ioiô” (também de Josué) e o samba “Burucutum”, de Sinhô. Pou-co antes do fi m do mês, outra sessão de gravações é agenda-da, mas, dessa vez, nada de canções de Josué.

Embora suas composições já tivessem sido lançadas por ar-tistas de renome, como Gastão Formenti e Francisco Alves, em janeiro de 1930, Joubert de Carvalho ainda não havia con-quistado um sucesso popular. E poderia ter permanecido as-sim, não fosse o acaso de ouvir a gravação de “Triste Jandaia” e encantar-se com a voz de Carmen. Por outra coincidên-cia, conheceu-a pessoalmente e prometeu-lhe uma música. Assim, em menos de 24 horas, nascia a marchinha “Pra você gostar de mim”.

Algumas lendas cercam esse episódio. Na versão do próprio Joubert, ele teria si-do apresentado à gravação de “Triste Jandaia” por um ami-go que trabalhava em uma lo-ja e, por perceber seu entu-siasmo, esse amigo recoloca-ria o disco para tocar repeti-damente. Então, por obra do destino, Carmen teria passa-do por ali pouco tempo de-pois de Joubert haver mani-festado interesse em conhe-

Carmen, óperado adeus àRepública VelhaMÚSICA Colcha de retalhos de fatos relacionados às pessoas que viveram o início da década de 1930, época que marcou o início da carreira da Pequena Notável, no ano do seu centenário

cê-la. O amigo então teria di-to: “Taí a nova cantora”.

Carmen entra em estúdio para gravar seu terceiro dis-co pela RCA Victor no dia 27 de janeiro de 1930. Acompa-nhada pela Orquestra Vic-tor, cantou o samba-canção “Mamãe não quer”, de Amé-rico de Carvalho, e a marcha “Pra você gostar de mim”, de Joubert de Carvalho. Ao ou-vir o resultado, Joubert fi cou decepcionado. A interpreta-ção de Carmen lhe pareceu maravilhosa, mas o acompa-nhamento lhe lembrava uma bandinha de circo.

Lançado no fi nal de feverei-ro, uma semana antes do car-naval, o disco teve pouquíssi-mo tempo para ser divulgado, mas ainda assim esteve entre as mais cantadas, dividindo o sucesso popular com “Dá ne-la”, de Ary Barroso, e “Na Pa-vuna”, de Candoca da Anun-ciação e Almirante.

Por conta da maneira como as pessoas pediam o disco nas lojas, a canção teve o nome al-terado para “Ta-hi (Pra você

gostar de mim)” e permane-ceu popular durante todo o ano, chegando, inclusive, a ser sucesso também no carnaval de 1931. Numa época em que a venda de mil cópias era con-siderada um grande êxito co-mercial pela indústria fono-gráfi ca, “Ta-hi” vendeu mais de 35 mil discos.

Esse foi o primeiro sucesso de Carmen, e abriu caminho para que ela se estabeleces-se como uma das principais cantoras do país. Depois, viria Hollywood.

O carnaval de 1930 come-çou no dia 1º de março, um sábado, o mesmo das eleições presidenciais. Seguindo as tradições da República Velha, o pleito foi marcado por frau-des dos dois lados, mas con-fi rmou-se a vitória dos candi-datos governistas. Assim, com 57,7% dos votos, Júlio Prestes e Vital Soares foram eleitos.

Realizada entre os dias 13 e 30 de julho, a primeira Co-pa do Mundo teve como sede o Uruguai. Cartolas paulistas e cariocas brigaram antes do

torneio, o que fez com que otime nacional contasse ape-nas com atletas do Rio de Ja-neiro (com a exceção do pau-lista Araken, que estava bri-gado com seu clube). Na es-treia, o Brasil perdeu de 2 a1 para a Iugoslávia, vencen-do a Bolívia no segundo jogopor 4 a 0. Com o resultado, otime não se classifi cou para afase seguinte.

Júlio Prestes e Vital Soares não chegaram a tomar pos-se. Um golpe de Estado teveinício no dia 3 de outubro de1930 culminou com Getúlioassumindo o controle do go-verno em 3 de novembro de1930. Terminava ali a Repú-blica Velha.

A década de 1930 é considerada como a Época de Ouro por ter consagrado a mú-sica carnavalesca, fazendo com que os compositores passassem a compor espe-cialmente para a festa, que movimenta-va a imprensa (jornais reproduziam as le-tras das canções e publicavam anúncios de novos lançamentos) e a indústria (as gravadoras lançavam mais de 20 discos durante o período).

Época de OuroNomes como Noel Rosa, Ary Barroso e

Lamartine Babo, entre muitos outros, ti-nham suas composições cantadas nas ru-as e nos salões de baile dos clubes, além de serem executadas repetidamente no rádio, que havia se tornado o veículo de comuni-cação de massa mais importante do país – posição que perdeu apenas em meados dos anos de 1960, com a ascensão da televisão.

São dos anos de 1930 sucessos co-mo “Cidade maravilhosa”, “A jardinei-ra”, “Mamãe eu quero”, “Teu cabelo não nega”, “Touradas em Madrid”, “Pierrot apaixonado” e muitas outras. (AG)

Carmen Miranda nasceu em Por-tugal no dia 9 de fevereiro de 1909. De-pois de construir uma sólida carreira como cantora no Brasil, transferiu-se para os Estados Unidos em 1939, onde tornou-se atriz de sucesso, atingindo o maior salário já pago a uma mulher na-quele país. Morreu na Califórnia, no dia 5 de agosto de 1955, de um colapso car-díaco. Carmen é considerada uma das principais responsáveis pela consolida-ção de gêneros musicais como o samba e a marchinha de carnaval. Seu traba-lho e fi gura também são citados como infl uência pelos tropicalistas.

Getúlio Vargas nasceu no Rio Grande do Sul no dia 19 de abril de 1882. Liderou a re-volução de 1930 que depôs o presidente Wa-shington Luís, interrompendo a República Ve-lha. Esteve no poder em momentos e circuns-tâncias distintas. Em 1930, assume o coman-do do governo provisório, onde permanece até 1934, quando é eleito presidente pela assem-bleia constituinte. Em 1937 é responsável pe-la implantação da ditadura do Estado Novo, de onde é deposto em 1945. Retorna ao cená-rio político em 1951, quando, por voto popu-lar, retorna à presidência. Ali permanece até o dia 24 de agosto de 1954, quando, pressiona-do pelo quadro político, comete suicídio. Em sua carta-testamento escreveu: “Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternida-de e saio da vida para entrar na História”.

Notas biográfi cas

Divulgação

Reprodução

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américa latina

ENTREVISTA

Ricardo Canese é deputado do Parlasul por Tekojoja. Autor do livro La recupe-ración de la soberanía hi-droeléctrica del Paraguay. En el marco de Políticas de Estado de energía.

Quem é

Achille Lolloenviado a Assunção

(Paraguai)

LUXUOSOS Mercedes e BMWs metalizados percor-rem em alta velocidade as se-te colinas da capital Assun-ção, competindo pelas ruas com poderosos 4x4 Off Road Mitsubishis, Nissans e Toyo-tas. Corridas que visualizam uma riqueza arrogante e ego-ísta que bate de frente com a realidade da pobreza presente em toda a parte da cidade e do país. Uma realidade repre-sentada pelos velhos táxis em preto e amarelo, que, com seus 18 anos de serviço polui-dor, parecem relíquias de um museu do automóvel.

Esta é, de fato, Assunção, a capital do Paraguai, domina-da por uma burguesia que é a mais atrasada da América La-tina e, também, a mais espe-cializada em explorar as rique-zas do Estado, que são “as su-as riquezas”. Um cenário que se repete desde 1948, concre-tizado com o pacto de ação fei-to com o velho ditador Stroes-sner, que, em troca da estabi-lidade política e institucional, entregou o Estado e sua eco-nomia a grupos oligárquicos do Partido Colorado.

Talvez este foi o pior crime de Stroessner, após o genocí-dio dos militantes de esquer-da, sindicalistas e camponeses rebeldes, visto que o ditador permitiu que toda a máquina do Estado fosse ocupada pe-los adeptos ou pelos clientes dos líderes do Partido Colora-do. Consequentemente, a Jus-tiça, a saúde, o ensino secun-

do enviado a Assunção (Paraguai)

Brasil de Fato – O governo de Fernando Lugo pretende reafi rmar a soberania sobre seus recursos hidrelétricos e ao mesmo tempo promover uma rentável integração regional em nível de energia elétrica. Não é o que dizem em Brasília, por isso, pode explicar a proposta do Paraguai conhecida por “Ganhamos Todos”?Ricardo Canese – Na Amé-rica Latina, Argentina, Chi-le e Uruguai são os países que mais sofrem pela falta de energia. O Brasil, também, sofre a causa da descontinui-dade de seus recursos hidro-elétricos tanto que em 2001 houve um apagão que provo-cou perdas milionárias. Por sua parte, o Paraguai é o úni-co país da região que tem um potencial hídrico importante, com capacidade de produzir excedentes de energia hidre-létrica exportável. Porém, o Paraguai – em função do Tra-tado de Itaipu – não pode ex-portar e é obrigado a ceder ao Brasil sua cota de energia ex-cedente a um preço de favor. Também não pode exportar o excedente produzido na bar-ragem de Yacyretá porque a Eletrobrás e o conjunto de au-

A burguesia do Partido Colorado éderrotada pelo movimento socialPARAGUAI Desde a eleição de Fernando Lugo, no dia 20 de abril do ano passado, país tenta enterrar de vez a infl uência de grupos oligárquicos

toridades brasileiras nunca permitiram a construção de uma linha de interligação pa-ra Itaipu distribuir esse exce-dente do Paraguai.

Infelizmente, no passado, a política externa brasileira e o posicionamento da diretoria da Eletrobrás nunca aceitaram negociar o atual status do Tra-tado de Itaipu, de forma que o Paraguai não pode vender seu excedente a outros países, e o que é repassado ao Brasil é pago com um preço que está muito longe do que, por exem-plo, a Argentina paga.

O argumento é complexo. Pode, então, explicar como se defi ne o preço da energia de Itaipu e como se chegou a assinar o Tratado de Itaipu?

O Tratado de Itaipu foi assinado em 26 de abril de

1973 pelo então ditador pa-raguaio Alfredo Stroessner e seu homólogo brasileiro, general Garrastazu Médici. Por serem duas ditaduras, ninguém questionou o Tra-tado, que teve como antece-dente a Ata de Foz Iguaçu, de 1966. De fato naquela altura, nenhum membro do Parti-do Colorado contestou o ar-tigo do tratado que obriga-

va o Paraguai a ceder ao Bra-sil o excedente de sua cota de 5o%, que era pago não pe-los preços de mercado, mas, sim, por “uma compensação monetária fi xada pelo Bra-sil” equivalente a pouco mais de 8 dólares/MWh, enquan-to a Argentina ou o Chile ou o Uruguai pagariam de 35 até 40 dólares/MWh por es-se excedente.

O Tratado de Itaipu foi assinado em 26 de abril de 1973 pelo então ditador paraguaio, Alfredo Stroessner, e seu homólogo brasileiro, general Garrastazu Médici

“Itaipu foi um negócio formidável para o Brasil”

dário e universitário, a Polí-cia, as Forças Armadas e os ministérios restantes, incluin-do a diplomacia, foram usa-dos para alimentar os currais eleitorais do Partido Colorado e sustentar os fi lhotes da nova elite partidária.

Uma situação que, com o tempo, legitimou uma nova nomenclatura que conhecia somente “seus direitos e seus lucros”.

Por sua parte, o povo era simplesmente desprezado e violentamente reprimido quando reivindicava algo que pudesse modifi car o status quo. De fato, se alguém des-

sa nomenclatura colorada co-metia um assassinato podia “negociar” com os juízes a sua “recuperação social”. Porém, se um pobre matava um boi de um fazendeiro para se ali-mentar, era condenado a dez anos de prisão.

Quartelada neoliberalPor isso tudo, os analistas,

hoje, admitem que o golpe de Estado de 1989 contra Stro-essner foi, na verdade, uma “quartelada” costurada no seio do Partido Colorado para “aposentar o ditador no Brasil, com um prêmio de consolação de 5 bilhões de dólares”, e as-

sim poder abrir o Paraguai ao neoliberalismo e aos negócios da economia global.

Uma quartelada que fi xou os parâmetros da “transição democrática”, totalmente ma-nipulada pelas elites do Parti-do Colorado durante 18 anos.

Operação essa que de fa-to foi “uma obra-prima” des-sa “raça patroa” que, mes-mo com o Estado e a econo-mia em suas mãos não conse-guiu retirar o país da pobreza. Aliás, é nesse período de “de-mocracia e de neoliberalis-mo” que a corrupção e a po-breza cresceram no Paraguai como nunca.

Se a transição conseguiu evitar a revolta violenta do povo, não pôde impedir a re-organização dos sindicatos e do movimento social, e nes-te sentido é necessário lem-brar o papel que as Comuni-dades Eclesiais de Base e os padres ligados à Teologia da Libertação jogaram naquela difícil conjuntura. Nesse âm-bito, ressurgiram também o movimento estudantil e de-pois os partidos da nova e ve-lha esquerda. Com eles, o po-vo do Paraguai encontrou, fi -nalmente, os instrumentos para acabar com a hegemonia do Partido Colorado.

Um sonho que se realizou, em 20 de abril, quando a can-didata do Partido Colorado, Blanca Ovelar, foi derrotada por Fernando Lugo, candida-to de uma heterogênea aliança que reunia dez partidos políti-cos (entre eles, o jovem e dinâ-mico P-MAS) e 20 movimen-tos sociais, dentre os quais o mais representativo era o Tekojoja, liderado por Ricar-do Canese, hoje à frente das negociações com o Brasil pa-ra a reformulação do Tratado de Itaipu. (Leia abaixo entre-vista com Canese e, na próxi-ma página, com o presidente Fernando Lugo).

Ricardo Canese, explica que o Paraguai é obrigado a ceder ao Brasil sua cota de energia excedente a um preço de favor

Por que o Paraguai aceitou essas condições durantes tantos anos?

O ditador Alfredo Stroess-ner sabia que, para sobrevi-ver politicamente e ter aces-so aos empréstimos do FMI, do Banco Mundial e dos ban-cos privados de Wall Street, devia entrar na órbita do De-partamento de Estado dos EUA. Por isso, nada melhor

que ter o Brasil como alia-do político e parceiro econô-mico. Por sua parte, as elitesque controlavam o PartidoColorado sabiam que a cons-trução da barragem de Itaipulhe proporcionaria imensoslucros não só no gerencia-mento das obras de constru-ção mas, sobretudo, na admi-nistração dos royalties queItaipu pagaria ao governo doParaguai. Por isso, ninguémestava interessado em falarde soberania do Paraguai eisso para o Brasil foi um ne-gócio formidável. (AL).

Detalhe dos dutos de água da usina hidrelétrica de Itaipu

Alejandro Gabriel Alonso

Fachada do Palácio de López, em Assunção, sede do governo paraguaio

Davi Ivanowski/CC Nely Rosa

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américa latina

Achille Lolloenviado a Assunção

(Paraguai)

A ELEIÇÃO de Fernando Lu-go, no dia 20 de abril do ano passado, pôs fi m a 61 anos de hegemonia do Partido Colora-do. O feito só foi possível de-vido a uma inédita aliança en-tre dez partidos políticos e 20 movimentos sociais. Nesta en-trevista, Lugo fala sobre as di-fi culdades de se reformular o Estado paraguaio e de sua re-lação com Lula e com o Brasil.

Brasil de Fato – Presidente, sua eleição foi algo de excepcional por ter quebrado a hegemonia do Partido Colorado. Poderia falar das difi culdades destes primeiros nove meses de governo?Fernando Lugo – Depois de uma longa ditadura e de uma transição de quase 20 anos, como justamente você assina-la, a mudança política era um imperativo da cidadania.

Ganhar do Partido Colora-do depois de 61 anos de hege-monia contínua foi muito im-portante para o Paraguai, por-que gerou um desejo de efeti-va mudança. Durante 61 anos, o Partido Colorado ocupou to-das as instituições e se identifi -cou com o Estado, e o que en-contramos foram instituições ausentes em diferentes regiões do país. Instituições manipu-ladas e atreladas aos interes-ses do partido hegemônico.

Além disso, diferentes se-tores do Estado eram diri-gidos por pessoas com pou-ca capacitação profi ssional, com muita mediocridade e com pouco interesse em re-alizar projetos e programas que, de fato, são necessá-rios. Por isso, o povo, em 20 de abril de 2008, votou por uma mudança política au-têntica, e muitos analistas políticos admitem que a ver-dadeira transição começou nessa data.

Durante a dita transição, o modelo institucional manteve as características do Estado oligárquico construído pelo ditador Stroessner. Seu governo pretende reformular o Estado?

O que encontramos foi um Estado amorfo e sem muita efi ciência. Um Estado com muitas instituições afetadas pela corrupção. Para nós, isso signifi cou fazer mui-tas coisas para reconstruir o país, reformular o papel das instituições e, sobretudo, de-fi nir uma nova maneira para o Estado manifestar sua pre-sença junto ao povo do Para-guai. Um grande projeto.

Acredito que nestes pri-meiros nove meses de gover-no temos feito de tudo para realizá-lo, às vezes com êxi-

tos imediatos e outras com resultados mais lentos. Po-rém, trata-se de resultados que são partes integrantes de um processo autentica-mente nosso, democrático e, antes de tudo, participa-tivo. Um processo em que os partidos políticos e os movi-mentos sociais jogam um pa-pel preponderante e têm uma responsabilidade fundamen-tal na construção de um país que todos nós sonhamos e que merecemos ter.

Muitos dizem que, para combater a corrupção herdada da ditadura de Stroessner e que se enraizou no Paraguai durante a dita transição democrática, será necessário trocar toda a estrutura da Justiça, em particular os juízes da Suprema Corte. Qual a sua opinião a esse respeito?

Essa história veio à to-na justamente no dia 29 de março de 2006, quando, es-pontaneamente, mais de 40 mil pessoas ocuparam a Pra-ça Central para pedir a subs-tituição de todos os membros da Suprema Corte que viola-ram a Constituição ao permi-tir a irregular candidatura de Eduardo Frutos à presidên-cia do Partido Colorado e, a seguir, tentar legitimar sua eventual candidatura à pre-sidência da República, ape-sar de estar desprovido do aval constitucional. E este foi só o início. Por outro lado, fi -cou evidente que a corrupção estava muito ligada a setores da Justiça, que legitimavam a impunidade. Hoje, há mais corrupção porque há mais impunidade. Os corruptos se fortalecem porque sabem que não serão punidos, pois a Justiça não pune os crimes que eles cometem.

Por isso, depois dos pri-meiros meses de governo, decidimos intervir, e hoje tomamos a fi rme decisão de trocar não só os juízes da Su-prema Corte, mas toda a es-trutura de funcionalismo ju-diciário. Este é um dos pon-tos fundamentais de nosso governo, que visa a criar um poder judiciário com sua au-tonomia, soberania, profi s-sionalismo e sobretudo com uma Suprema Corte livre das manipulações dos par-tidos.

Durante a transição democrática, a pobreza aumentou 70%, em relação ao período de Stroessner. De que forma seu governo pretende enfrentar e resolver o problema da pobreza?

Dizer que vamos acabar já com a pobreza é um objetivo demasiado ambicioso. Quan-do assumimos o governo, 40% da população paraguaia viviam em estado de pobreza e quase 20% dela estavam em estado de pobreza absoluta. Por isso, fi xamos como nosso objetivo programático reduzir pela metade, durante os pró-ximos cinco anos, todo tipo de pobreza. Ou seja fazer com que o nível geral de pobreza baixe até 20%, enquanto o da pobreza extrema alcance ape-nas 10% de nosso povo.

Infelizmente, não contáva-mos com essa inesperada crise fi nanceira e econômica mun-dial, que possivelmente vai re-tardar nossos esforços. Nós te-mos um plano de desenvolvi-mento econômico que, por sua parte, incorpora um plano es-pecial que atende as famílias camponesas, meio no qual a pobreza é mais enraizada. Por isso, estou certo de que iremos conseguir alcançar nossas me-

tas, mesmo com indicadores econômicos menores.

Por outro lado, o problema da pobreza no campo não é uma característica única do Paraguai. É, sim, uma tendên-cia negativa planetária, deter-minada pelo crescimento da humanidade em ritmos ace-lerados, pela crise alimentar, pela crise do emprego. En-fi m, elementos que conspi-ram contra quem quer lutar contra a pobreza. Eu acredito que nosso plano de desenvol-vimento econômico vai con-tribuir reduzindo os níveis de pobreza que encontramos quando assumimos o gover-no, em 15 de agosto de 2008.

As elites brasileiras, com o apoio da mídia, fazem de tudo para quebrar a amizade que o senhor mantém com o presidente Lula, apresentando o Paraguai como um país que não quer pagar suas dívidas; que quer somente benefícios etc. Ao mesmo tempo, a direita paraguaia faz o mesmo tentando colocar Lula contra você. Poderia falar da sua relação com o presidente Lula e do relacionamento entre os dois governos?

Eu não sou um político, não sou um diplomata, mas estou convencido de que Brasil e Paraguai devem con-tinuar países amigos, aliás o

sentido comum me diz que devemos manter como prio-ridade uma boa relação com um vizinho como o Brasil. E esse fato o aprendemos por termos vivido em bairros. Uma experiência que pode-mos aplicar também entre os países.

A verdade é que nosso go-verno procura se esforçar pa-ra manter boas relações com o Brasil, que é um país-irmão tanto em nível governamen-tal como entre os dois po-vos, que são irmãos por se-rem unidos pela história e por um conjunto de relações que certamente vão se apro-fundando enquanto vamos melhorando certos aspectos desse relacionamento.

O presidente Lula chegou ao poder depois de uma lon-ga experiência como líder po-lítico e sindical. Ele é um ope-rário, e não um desses políti-cos tradicionais e burocratas. Por sua parte, também Fer-nando Lugo provém de uma experiência semelhante, is-to é, das Comunidades Ecle-siais de Base e da Teologia da Libertação, com a qual te-mos defendido o mundo dos pobres. Estou convencido de que Lula e eu, Fernando Lu-go, temos uma afi nidade em comum, que é a alta sensibi-lidade pelas questões sociais. Ela nos une em nossos obje-tivos. Eu sempre digo ao pre-sidente Lula que quero fazer o que ele fez no Brasil, com o Programa Fome Zero, pa-ra os paraguaios poderem co-mer bem e viver dignamente. O que ele, ontem, propôs aos brasileiros, nós, hoje, vamos propor aos paraguaios.

Depois de longas ditadu-ras, as democracias latino-americanas continuam com pequenos mas poderosos grupos privilegiados – que alguns chamam de direita ou de oligarquias –, que se apro-veitam dos grandes benefí-cios que o Estado, seja o bra-sileiro ou o paraguaio, ofere-ce a eles. Por isso, é eviden-te que não aceitam a ideia de virem a perder esses benefí-cios, como também seu po-der e, consequentemente, a desenfreada capacidade de acumular riquezas.

Eu quero um Estado e uma nação equitativa, em que a grande faixa de pobreza e os grupos privilegiados sejam, pelo menos, reduzidos pela metade. Não estamos pedin-do uma coisa de outro mun-do. Quero, apenas, que a ri-queza do Estado paraguaio seja distribuída entre ho-mens e mulheres mais equi-tativamente. Neste âmbito, os cidadãos podem recon-quistar sua dignidade e viver no Paraguai sem ter mais de emigrar.

Falando com um taxista, ele me disse que com Fernando Lugo todas as portas foram abertas para o povo do Paraguai. É evidente que a Igreja – isto é, a Igreja dos pobres, ligada à Teologia da Libertação – teve um papel importante na organização e no fortalecimento dos componentes do movimento popular. Poderia explicar como se desenvolveu este processo que culminou com a vitória de 20 de abril de 2008?

No Paraguai, o movimento popular tem uma longa tra-dição de lutas, inclusive du-rante a ditadura de Stroess-ner, quando houve grandesmanifestações de protestoque sofreram um autênticomassacre por parte dos mi-litares do general ditador.Mesmo assim sempre sobra-ram homens e mulheres quese mantiveram fi éis, conse-guindo sobreviver a todasas campanhas de repressãoe às contínuas perseguições.Depois, quando as receitasdo neoliberalismo falharam,houve, de fato, um ressurgi-mento dos movimentos so-ciais em toda a América La-tina.

O Paraguai vivenciou aque-la efervescência social e foineste âmbito que a AliançaPatriótica para o Câmbio re-sultou em um conjunto po-lítico pragmático, original eexcepcional, e que dez parti-dos políticos e 20 movimen-tos sociais organizados, gran-des e pequenos, conseguiramcriar uma grande aliança echegar ao governo em 2008.Foi assim que foi rompida ahegemonia dos partidos po-líticos tradicionais.

É inegável que, hoje, noParaguai, os movimentossociais são um grande sujei-to político apesar dos parti-dos tradicionais quereremexercer o poder de veto. Euacredito que os movimentossociais, hoje, são os gran-des interlocutores em nível

nacional. Um sujeito políti-co que representa as trans-formações econômicas e amudança política. Por isso,o movimento popular vai sefortalecendo cada vez mais,porque os movimentos so-ciais multiplicaram sua pre-sença e adquiriram mais ca-pacidade de atuação, indoem direção às linhas traça-das pelo novo Estado para-guaio. Um contexto que evi-dentemente se passa tam-bém nos partidos políticos,vindo a ressaltar o parla-mento como centro políticode discussão.

Hoje, a confl uência entremovimentos sociais e par-tidos políticos (não-tradi-cionais) é o novo paradig-ma político que o Fórum So-cial Mundial de Belém evi-denciou, mostrando a for-ça e a vitalidade dos movi-mentos sociais, cuja dinâmi-ca se espalhou em todos ospaíses da América Latina eno resto do mundo. Por isso,o sonho e as esperanças pa-ra uma mudança efetiva nãosão mais patrimônio dospartidos políticos. Tambémos movimentos sociais, hoje,são sujeitos políticos volta-dos para as transformaçõese mudanças políticas.

“Eu sempre digo ao presidente Lula que quero fazer o que ele fez no Brasil, com o Programa Fome Zero, para os paraguaios poderem comer bem e viver dignamente”

“Quero uma nação equitativa”, diz LugoENTREVISTA Brasil de Fato entrevistou com exclusividade o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, que completa nove meses de governo

“Eu quero um Estado em que a grande faixa de pobreza e os grupos privilegiados sejam reduzidos pela metade”

“Quando assumimos o governo, 40% da população paraguaia viviam em estado de pobreza e quase 20% dela estavam em estado de pobreza absoluta”

O presidente paraguaio Fernando Lugo atende à imprensa em salão do Palácio de López

Rafael Urzua

Lugo: “muitas instituições afetadas pela corrupção”

Rafael Urzua

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américa latina

Renato Godoy de Toledoda Redação

O PRESIDENTE Hugo Chávez e o seu Partido Socialista Unifi cado da Vene-zuela (PSUV) obtiveram um impor-tante êxito político-eleitoral no dia 15, com a aprovação de emendas consti-tucionais, por meio de consulta popu-lar, que permitem a reeleição ilimita-da para todos os cargos públicos.

O “Sim” às mudanças constitu-cionais obteve 55% dos votos, con-tra 45% do “Não”. Mas, para além da questão eleitoral, Chávez ainda obte-ve outras importantes vitórias. Dife-rentemente de outros processos, a oposição participou ativamente, co-locou peso na campanha pelo “Não” e saiu derrotada. O referendo contou com uma adesão alta: cerca de 70% dos eleitores habilitados comparece-ram às urnas na Venezuela, onde o voto é facultativo. Em 2007, apenas 55% votaram.

Encerrado o referendo do dia 15, o presidente ostenta um retrospec-to eleitoral virtuoso: em dez anos de governo, obteve 14 vitórias em 15 processos.

A única derrota, no momento mais delicado de seus mandatos, ocorreu em 2007, quando a reforma consti-tucional de caráter socialista não foi aprovada. À época, a principal tese para explicar a derrota do manda-tário – que ocorreu quando este go-zava de ampla aprovação popular – era o fato de a campanha pela refor-ma estar muito focada num dos itens da nova Constituição: a reeleição ili-mitada, justamente.

Portanto, pode-se dizer que Chávez conseguiu reverter em grande parte o revés de 2007 e já se postula como candidato ao terceiro mandato con-secutivo. “Este soldado já é pré-can-didato à Presidência da República para 2012. Quero ratifi car meu com-promisso com o socialismo venezue-lano e quero convidá-los a redobrar a marcha na construção do verdadeiro socialismo”, discursou o mandatário, no Palácio Mirafl ores, após a confi r-mação da vitória do “Sim”.

Qual socialismo?Com o logro do líder venezuelano,

passa a ser discutida a noção de so-cialismo que este vem defendendo, juntamente aos seus colegas Evo Mo-

da Redação

Os especialistas ouvidos pela re-portagem foram questionados se, respaldado pelo êxito eleitoral, o presidente venezuelano deve rei-niciar os debates para tentar im-plantar os itens da Constituição vetados pela população em 2007. Para eles, é pouco provável que Hugo Chávez retome aquela dis-cussão, ao menos em curto prazo. Não por falta de vontade política do líder venezuelano, mas pelo fa-to de que o país começa a sentir os impactos da crise econômica.

“Não creio que o governo fará is-so [retomar o debate sobre a Cons-tituinte]. Penso que o impacto da crise fi nanceira mundial começará a ser sentido na Venezuela. Me pa-rece que é provável que o governo terá que dar prioridade às dimen-sões econômicas”, prevê o sociólo-go Edgardo Lander.

O fator a minar a economia ve-nezuelana deve ser a queda vertigi-nosa do petróleo, principal produ-to de exportação do país. Com os

da Redação

Ao contrário do que ocorreu nas eleições de 2005, quando a oposi-ção ao governo venezuelano boico-tou as eleições para renovar a As-sembleia Nacional, no referendo deste ano os partidos contrários ao presidente Hugo Chávez participa-ram ativamente do pleito.

Apesar de derrotados, consegui-ram ultrapassar a barreira dos 5 milhões de votos, fato inédito nos dez anos de governo Chávez. A postura da oposição venezuelana, em sua maioria dentro dos limi-tes da democracia, legitimou ain-da mais a vitória do “Sim”.

Para o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, o antichavismo mudou o seu caráter nos últimos anos. “O comportamento da opo-sição é variado. Durante os anos 2002, 2003, 2004 e 2005, a opo-sição era liderada por setores gol-pistas, com estreitas relações com o Departamento de Estado dos EUA. Nos últimos anos, foram ou-tros setores que lideraram a direi-

rales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador. Para o sociólogo venezuela-no Edgardo Lander, da Universidade Central da Venezuela, tal debate ain-da é muito raso e restrito à retórica.

“O acúmulo teórico sobre o socia-lismo que se pretende para a Vene-zuela ainda é muito incipiente, pre-liminar. Se fala muito em socialismo do século 21, mas não há uma discus-são política e sociológica sobre o que é isso”, contesta.

Apesar de crítico, Lander não dei-xa de ressaltar importantes medidas do governo, que corroboram a cons-trução de mecanismos de radicaliza-ção da democracia. Enfi m, o sociólo-go acredita que a Revolução Boliva-riana, para usar um termo “ofi cial”, está repleta de contradições.

“Há sinais muito contraditórios. De um lado, há a construção de im-portantes mecanismos de participa-ção popular. Mas há uma centraliza-ção estatista e personalista que ope-ra numa lógica contraditória de um processo de democratização. Se fala no socialismo do século 21, mas há um modelo crescentemente estatis-ta no qual a autonomia das mobili-zações está vinculada ao poder polí-tico”, analisa Lander, que diz não sa-ber se o resultado do referendo teria representado um avanço rumo ao so-cialismo. “Não sei se é uma vitória do socialismo, mas, certamente, é uma vitória de Chávez”, conclui.

PersonalismoO jornalista uruguaio Raúl Zibechi,

editor do jornal Brecha e especialis-ta em América Latina, acredita que o referendo não pode ser conside-rado um passo ao socialismo, já que as vias para este não são pavimenta-das por agentes estatais. “Não creio que socialismo tenha relação com is-so [a vitória do “Sim”]. O socialismo é composto por relações sociais base-adas na solidariedade, na ajuda mú-tua, na reciprocidade e na proprieda-de coletiva dos meios de produção. E isso não é feito pelos estados, nem pelos governos, nem pelos caudilhos, mas sim pelos setores populares or-ganizados em movimentos sociais, de baixo para cima”, defi ne.

Tal como Lander, Zibechi ressal-ta a complexidade da disputa polí-tica na Venezuela. “É provável que a continuidade de Chávez gere me-lhores condições para lutar por um mundo socialista. Mas, por outro la-do, a perpetuação de Chávez no go-verno pode fortalecer a ampla buro-cracia já existente”, acredita.

Mas a responsabilidade do caráter personalista do processo venezuela-no, para Zibechi, não pode ser to-da creditada ao presidente. “O cará-ter pessoal do processo não depende apenas de Chávez, mas também mui-to da população que prefere um cau-dilho como referência a tomar em su-as mãos seu destino. Nesse ponto, não podemos atribuir toda a responsabi-lidade a Chávez, mas analisar o com-portamento da população. Isso que a direita chama de ‘chavismo’ é também uma construção político-ideológica de baixo para cima”, analisa.

Na Venezuela,vitória deChávez. Talvezdo socialismo

REFERENDO Analistas reconhecem avanços do governo, mas alertam para excesso de personalismo e centralismo estatal

ta, como aqueles que obtiveram êxito nas eleições municipais do ano passado”, analisa.

O fato de os setores golpistas não estarem mais à frente da opo-sição não signifi ca que os confl itos políticos não sejam mais iminen-tes na Venezuela. “O país ainda es-tá bastante dividido. Mas agora a oposição espera que o governo se deteriore nos próximos anos, pa-ra vencer as próximas eleições, em 2012”, explica.

O jornalista uruguaio Raúl Zi-bechi concorda com a mudança

do caráter da oposição venezuela-na. Para ele, o quadro político da região forçou essa abordagem di-ferente. “Me parece que a direi-ta golpista é coisa do passado. Ela tende a pôr todas as suas forças no processo eleitoral, porque o cená-rio regional assim os obrigou . Até agora, a desestabilização contava com um forte apoio colombiano, mas a crise do governo [de Álva-ro] Uribe torna cada vez mas difícil uma saída militarista”, afi rma.

Democracia diretaPara o vice-presidente do Parla-

mento do Mercosul (Parlasul), o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), a ativa participação da oposi-ção venezuelana na campanha pelo “Não” foi importante para fortalecer o governo venezuelano. “Um pro-cesso de referendo em que se supe-ra a marca dos 50% sempre deve ser respeitado. É um resultado legítimo. O que resta aos demais é organizar-se e fazer as disputas. Anteriormen-te, a oposição havia se negado a fa-zer disputa. Como nesse referen-do eles participaram, legitimaram o processo”, opina o parlamentar, que foi observador de diversos proces-sos eleitorais na Venezuela.

Rosinha questiona os argumentos que taxam o regime venezuelano co-mo ditatorial. “A acusação dos seto-res de direita, que afi rmam que a Ve-nezuela não tem democracia perde força a cada instante, porque cons-tantemente o governo chama o povo para ser ouvido”, defende. (RGT)

sinais de recessão nos países cen-trais, a tendência é que o consu-mo de energia e combustíveis caia, derrubando a demanda e o valor do óleo venezuelano.

“O preço do barril do petróleo venezuelano está em 35 dólares [em 2008, atingiu quase 150 dó-lares]. Isso promove um impacto muito grande na economia. O país ainda tem reservas internacionais, mas não se sabe o tamanho da cri-se e até quando vão continuar con-seguindo custear os gastos públi-cos”, prevê Lander.

Mesmo com esse cenário, o soci-ólogo não descarta que a ideia de

uma nova Constituição seja levada a referendo no futuro. “Talvez, pas-sada a crise, o governo tente tomar uma iniciativa de caráter constitu-cional. Em 2007, o governo come-teu um erro muito grande, ao colo-car tanto peso na questão da reelei-ção ilimitada. Portanto, acho pou-co provável que isso seja colocado em curto prazo”, pontua.

Constituição para quê?Já Raúl Zibechi, jornalista uru-

guaio, aponta que as mudanças estruturais não dependem de uma nova Constituição. “O socialismo não tem nada a ver com constitui-ções. Ele tem dois eixos: a proprie-dade coletiva dos meios de produ-ção e as relações sociais que de-vem existir nesse meios sociali-zados. A terra pode ser coletiva, mas os trabalhadores podem ser submetidos a capatazes; ou traba-lhar de forma horizontal, com aju-da mútua. Isso em nada depende de constituições, mas da cultura e de valores da vida cotidiana. Esse foi um dos fracassos do socialismo real”, opina. (RGT)

Oposição participa e legitima vitória de presidenteDireita venezuelana se organiza, disputa referendo e abandona o caráter golpista

“A direita golpista é coisa do passado. Ela tende a pôr todas as suas forças no processo eleitoral, porque o cenário regional assim os obrigou”

“Há sinais muito contraditórios. De um lado, a construção de importantes mecanismos de participação popular. Mas [de outro] centralização estatistae personalista”

A queda do preço do petróleo deve impactar a economia venezuelana, impondo uma agenda econômica ao governo Chávez

Governo não deve retomar agora debate sobre Constituição, dizem especialistasPreocupação com economia e o petróleo devem dominar próximo período

Bernardo Londoy/CC