ediÇÃo comemorativa - comissão para a igualdade no...
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EDIÇÃOCOMEMORATIVA
Índice
Mensagem do Presidente da República 4Marcelo Rebelo de Sousa .................................................................................................................... 5
Nota introdutória 8António Ramalho Eanes ....................................................................................................................... 9
Testemunhos 18Eusébio Marques de Carvalho .......................................................................................................... 19
Amândio Anes de Azevedo ............................................................................................................... 20
Luís Mira Amaral .................................................................................................................................. 23
José Albino da Silva Peneda .............................................................................................................. 24
Eduardo Ferro Rodrigues .................................................................................................................. 26
Maria de Belém Roseira ..................................................................................................................... 29
Guilherme d’Oliveira Martins ............................................................................................................ 35
Paulo Pedroso ..................................................................................................................................... 37
Maria do Céu da Cunha Rêgo ............................................................................................................ 40
Nuno Morais Sarmento ...................................................................................................................... 44
António Bagão Félix ........................................................................................................................... 47
Luís Pais Antunes ................................................................................................................................ 49
Pedro Silva Pereira .............................................................................................................................. 51
Maria Helena André ........................................................................................................................... 55
Álvaro Santos Pereira ........................................................................................................................ 58
António Pires de Lima ........................................................................................................................ 62
Pedro Mota Soares ............................................................................................................................. 63
Octávio Félix de Oliveira .................................................................................................................... 65
Luís Marques Guedes e Teresa Morais ............................................................................................. 67
José António Vieira da Silva .............................................................................................................. 72
Eduardo Cabrita .................................................................................................................................. 75
Miguel Cabrita ..................................................................................................................................... 78
Catarina Marcelino ............................................................................................................................. 83
Maria Manuel Leitão Marques .......................................................................................................... 86
Rosa Filomena Brás Lopes Monteiro ............................................................................................... 88
Nota final – Agradecimentos 92Joana Rabaça Gíria e Carlos Nunes .................................................................................................. 93
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
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1Mensagem do Presidente da República
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa
Passando em revista a multiplicidade de testemunhos recolhidos, tudo o que mais significativo importaria
dizer sobre os 40 anos da CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego disseram-no
os conhecedores, todos os que diretamente ou indiretamente intervieram na Comissão, os que a criaram,
tutelaram ou presidiram.
O balanço está feito, as lições aprendidas, o passado revisto. Creio por isso que interessa, saudando
o esforço realizado, perspetivar o futuro. Neste sentido, há, desde logo, três palavras que nos interpelam:
reconhecimento, mudança e desafio.
Ao longo dos seus 40 anos, a CITE tem estado ao serviço da concretização da Igualdade e do combate
à Discriminação entre homens e mulheres no mundo laboral, da proteção da parentalidade e da promoção
da conciliação entre atividade profissional, vida familiar e pessoal. Cumpre assinalar a natureza tripartida
da CITE, com a presença do Governo, Trabalhadores e Empregadores. O seu esforço conjunto permitiu
e viabilizou o encontro de soluções não apenas justas e equilibradas em áreas centrais do nosso mercado
de trabalho, mas também soluções consensuais, no que é uma marca distintiva de um órgão de verdadeiro
diálogo social, garantindo a sedimentação de um avançado quadro de proteção legal e convencional para
trabalhadores e trabalhadoras.
Reconhecendo o muito que já foi conquistado, sobretudo ao nível da participação das mulheres na nossa
sociedade, não podemos ignorar as assimetrias e as desigualdades entre homens e mulheres que ainda
subsistem, muito em particular no mundo do trabalho. A disparidade salarial, a segregação profissional,
a dificuldade de acesso a lugares de topo e cargos de direção ou a ausência de uma mais efetiva partilha das
responsabilidades familiares, que continuam a onerar sobretudo as mulheres, são exemplos de mudanças
que resistem em acontecer.
6
O combate às Desigualdades entre Homens e Mulheres não é apenas um desígnio nacional. Recordo o apelo
do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, para que se cumpram os objetivos para a Igualdade
de Género, que a todos convoca. Um apelo que se coloca em múltiplas dimensões no quadro mundial e que,
no caso Europeu e Português, se joga em grande parte na dimensão laboral, que hoje enfrenta desafios que
complexificam a intervenção de todos os que assumem as causas da inclusão, da equidade e da justiça social.
Num ambiente social em constante devir, com a introdução de novos fatores de natureza tecnológica
ou comunicacional a CITE, como todas as organizações que reivindiquem um papel social ativo, terá de
se ajustar a necessidades ou argumentos desconhecidos ou não antecipados no tempo presente. Nesse
percurso torna-se incontornável uma aproximação cada vez maior àqueles que servem, cultivando uma
proximidade efetiva às suas realidades, conhecendo-as e dando-se a conhecer.
Acredito no futuro da CITE. A Comissão saberá dar, como sempre tem dado, respostas assertivas para
a causa da Igualdade, em particular às mulheres trabalhadoras. Esse foi o seu caminho passado, que agora
celebramos, continuará a ser razão para o caminho futuro.
Marcelo Rebelo de Sousa
Lisboa, Palácio de Belém, 6 de junho de 2019
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
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2Nota introdutória
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
António Ramalho Eanes Presidente da República, de julho de 1976 a março de 1986, tendo promulgado, em agosto de 1979, o Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de setembro, que criou a CITE.
Assinala-se, em 2019, a passagem de 40 anos sobre a publicação do Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de
setembro, que criou a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), evento que se inscreve
na genealogia das grandes alterações legislativas e sociais da história recente de Portugal.
Creio que importa fazê-lo, sobretudo para nos lembrarmos todos, mas, em especial, para lembrar aos mais
novos, que sempre viveram em liberdade, que esta mesma liberdade, que deveria ser para o Homem como
o ar que se respira, e que os direitos com ela conquistados são fruto da vontade e acção do homem e das suas
organizações. Importa, igualmente, recordar esta data como estímulo à reflexão colectiva sobre o que se
fez, em Portugal e nos outros países, desde a determinação inicial no Preâmbulo da Carta das Nações Unidas,
de 1945, em que se reafirma “a fé nos direitos humanos fundamentais, nos direitos iguais de homens
e mulheres”, e o muito que ainda há a fazer para assegurar direitos iguais para todos, nomeadamente no
trabalho, no emprego e na formação profissional.
A democracia – ou, e o que é mais correcto, o processo democrático – permanece, como a história no-lo
revela, sempre inacabada. E para que se não reduza à sua configuração e expressão, formais, necessário
será que os cidadãos se empenhem, em permanência, em ampliar a sua formação, em exigir informação
responsável e autónoma que os mantenha esclarecidos sobre o acontecer público, e que neste participem
sistematicamente. Necessário será, pois, que os cidadãos e as organizações da sociedade civil em que
participam se empenhem “em fazer progredir o respeito pelos direitos do homem”1.
1 BRISSON, Élisabeth – La démocratie: une ou multiple?. Paris: Ellipses, 2009 (Transversale Débats). pp.188-189.
10
Assim, importa revisitar o nosso passado recente de forma não nostálgica nem atávica, mas, antes, para
recordarmos os “«perenes» problemas da [nossa] (...) vida política e social”2, para tentarmos bem perceber
o que falta fazer para alcançarmos a conquista sustentável da modernização, a realização de um justo
e solidário desenvolvimento social. Enfim, para, nessa revisitação, «repensarmos» Portugal.
Ora, o Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro, procurou estabelecer o “enquadramento legal adequado
à transposição dos princípios constitucionais para a realidade do mundo e do direito laborais”3 e assegurar
os “mecanismos práticos que viabilizem a aplicação prática de tais normas e princípios”4. Para tal, instituiu,
“junto do Ministério do Trabalho, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego”5, com o “objectivo
final da real igualdade de facto entre homens e mulheres no que respeita à totalidade das condições
materiais que rodeiam a prestação do trabalho”6.
Olhando para estes 40 anos, temos, naturalmente, de reconhecer que a sociedade portuguesa mudou de
forma radical e o País alcançou realizações e avanços significativos em matéria de igualdade laboral. E é de
sublinhar que o fizemos num exigente e difícil contexto de convívio, cooperação e competição com o espaço
e as situações nacionais e transnacionais.
E importa destacar que, como refere Virgínia Ferreira, “Para além do peso dos factores socioeconómicos,
não restam dúvidas de que à actuação do Estado coube uma quota-parte na determinação da evolução
observada desde os finais dos anos 70”7, nomeadamente para erradicar as desigualdades existentes entre
2 KEANE, John. Cit. In. MÚGICA, Fernando – La sociedad civil en contexto. In. ALVIRA, Rafael et ali., ed. – Sociedad civil: La democracia y su
destino. Pamplona: EUNSA, 1999 (col. Filosófica, 144). p.5.3 Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de setembro.4 Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de setembro.5 Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de setembro.6 Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de setembro, Artº 14º 1.7 FERREIRA, Virgínia (org.) – A Igualdade de Mulheres e Homens no Trabalho e no Emprego em Portugal: Políticas e Circunstâncias. Lisboa: CITE,
2010. p.2.
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
mulheres e homens nos mercados de trabalho, através do estabelecimento de legislação normativa das
relações de trabalho e da criação de mecanismos específicos para viabilizar, na prática, o princípio da
igualdade laboral. Assim, “Foram (...) tomadas medidas que tiveram um impacto directo no aumento do
trabalho feminino, como foi o caso da fixação do salário mínimo, do subsídio de desemprego e da licença de
maternidade de 90 dias e outros direitos na gravidez, na maternidade e na assistência à família.”8
Há que reconhecer, ainda, que, segundo os especialistas, a legislação conhecida como «Lei da Igualdade» era
“tão inovadora (...) que de poucas adaptações necessitou ao longo das três décadas seguintes”9.
Aliás, a própria “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres”
(CEDAW, considerada a Carta dos Direitos Humanos das Mulheres), adoptada a 18 de dezembro de 1979, só
entrou em vigor a 3 de setembro de 1981, após 20 ratificações.
Destaca-se, também, a importância da revisão da Constituição da República Portuguesa de 1997, que dá
nova legitimidade política às questões relativas à igualdade, nomeadamente no seu Artigo 9º, alínea h), que
estipula como tarefa do Estado “Promover a igualdade entre homens e mulheres”.
Apenas em 2012, com o Decreto-Lei n.º 76/2012 de 26 de março, “a missão da CITE foi ampliada
à promoção”10 da “igualdade e a não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na
formação profissional”11 e à colaboração na “aplicação de disposições legais e convencionais nesta matéria,
8 FERREIRA, Virgínia (org.) – A Igualdade de Mulheres e Homens no Trabalho e no Emprego em Portugal: Políticas e Circunstâncias. Lisboa: CITE,
2010. p.2.9 FERREIRA, Virgínia (org.) – A Igualdade de Mulheres e Homens no Trabalho e no Emprego em Portugal: Políticas e Circunstâncias. Lisboa: CITE,
2010. p.3.10 Decreto-Lei n.º 76/2012, de 26 de março.11 Decreto-Lei n.º 76/2012, de 26 de março.
12
bem como as relativas à protecção da parentalidade e à conciliação da actividade profissional com a vida
familiar e pessoal, no sector privado, no sector público e no sector cooperativo”12.
Ora, podemos perguntar-nos por que motivo continua a ser necessário falar de igualdade laboral no tempo
presente. Os dados estatísticos dão-nos uma resposta clara. Apesar de, “Nas últimas décadas, a igualdade
de género [ter vindo a ser] (…) promovida no plano legislativo, quer em Portugal, quer na comunidade
internacional”13, a verdade é que “As mulheres são as principais vítimas de desigualdade de género em todo
o mundo, sofrendo de desvantagens materiais e simbólicas em relação aos homens”14.
E esta é uma situação tanto mais preocupante em Portugal quando se sabe que “Portugal não é só o país
menos escolarizado da Europa, como é o país que apresenta maior assimetria entre géneros”15.
Quanto à diferença salarial, os dados são claros: “os salários de base das mulheres representavam, em 1974,
64% dos dos homens. Em 1978, porém, apenas quatro anos depois, já encontramos um valor próximo
do de [2010] (…) – 75%”16. Em 2015, e segundo os dados dos Quadros de Pessoal, analisados pela CITE,
os elementos relativos à população trabalhadora por conta de outrem a tempo completo, em Portugal,
mostram que as mulheres auferem cerca de 83,3% da remuneração média mensal de base dos homens
e cerca de 80% da remuneração média mensal (que contém outras componentes do salário, tais
12 Decreto-Lei n.º 76/2012, de 26 de março.13 TORRES, Anália (coord.) – Igualdade de Género ao Longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2018 (col. Resumos da Fundação). p.10.14 TORRES, Anália (coord.) – Igualdade de Género ao Longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2018 (col. Resumos da Fundação). p.10.15 TORRES, Anália (coord.) – Igualdade de Género ao Longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2018 (col. Resumos da Fundação). p.11.16 FERREIRA, Virgínia – “A evolução das desigualdades entre salários masculinos e femininos: um percurso irregular”. In FERREIRA, Virgínia
(org.) – A Igualdade de Mulheres e Homens no Trabalho e no Emprego em Portugal: Políticas e Circunstâncias. Lisboa: CITE, 2010. p.16.
13
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
como compensação por trabalho suplementar, prémios e outros benefícios, geralmente de carácter
discricionário)17.
Esta diferença é ainda mais significativa quando se sabe, como é referido no estudo coordenado por Anália
Torres e publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que, “por toda a Europa, as mulheres
continuam a sofrer com a chamada «segregação vertical», ou seja, continuam a ter dificuldades em aceder
a posições de poder e de chefia”18. “Tanto em Portugal como na Europa, à medida que a idade e as carreiras
profissionais avançam, a disparidade salarial entre homens e mulheres vai aumentando”19.
Efectivamente, em Portugal, “A desigualdade salarial entre mulheres e homens é tanto maior quanto mais
elevado o nível de qualificação.”20 Esta desigualdade é particularmente acentuada na categoria de Quadros
Superiores, na qual as mulheres auferem 73,6% da remuneração média de base dos homens e 72,1% da
remuneração média de ganho dos homens21.
Se olharmos para a evolução histórica, verificamos que, como referido, esta melhoria relativa dos
salários femininos ficou a dever-se a importantes medidas tomadas após o 25 de Abril, “especialmente
a institucionalização do salário mínimo nacional22, (…) diminuição da dispersão salarial, em resultado da
17 Relatório sobre o progresso da igualdade entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional – 2016, CITE. set. 2017.
p.31.18 TORRES, Anália (coord.) – Igualdade de Género ao Longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2018 (col. Resumos da Fundação). p.52.19 TORRES, Anália (coord.) – Igualdade de Género ao Longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2018 (col. Resumos da Fundação). p.21.20 Informação disponível do site da CITE, no apartado Estatísticas.21 Relatório sobre o progresso da igualdade entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional – 2016, CITE. set. 2017.
p.31.22 Fixado poucos dias após a revolução de 25 de Abril, pela Lei n.º 217/74, de 27 de maio.
14
reivindicação de melhores salários (…), e o estabelecimento de um mecanismo de actualização dos salários
em resposta às altas taxas de inflação da época”23. Igualmente, durante a década de 80, foram lançadas
algumas iniciativas, como “a integração de mulheres em cursos de formação em áreas profissionais
tradicionalmente masculinas, a publicação pelo IEFP do «Índice das Profissões no Masculino e no Feminino»
e, sobretudo, a atribuição, no âmbito do programa das Iniciativas Locais de Emprego (ILE) e do acesso aos
ninhos de empresas do IEFP, de um apoio financeiro suplementar de 20% às empresas que contratassem
mulheres em profissões onde estavam sub-representadas ou em postos de chefia e também às mulheres que
criassem a sua empresa, ou o seu emprego, em sectores tradicionalmente masculinos ou particularmente
inovadores (novas tecnologias, novos processos de fabrico, etc.)”24.
Curiosamente, quanto à taxa de emprego, verifica-se que, “No caso português, a diminuição da disparidade
do emprego entre homens e mulheres em todas as idades (…) não se deve tanto à obtenção de empregos
por parte das mulheres, mas antes à perda de empregos por parte dos homens.”25
Por outro lado, a conciliação entre a actividade profissional e a vida familiar e pessoal, sendo um direito
dos trabalhadores, consagrado na Constituição da República Portuguesa, é um elemento chave para
a “igualdade de género e uma condição essencial para aumentar e melhorar a participação de homens
e mulheres no trabalho, para a sua realização profissional e familiar, bem como para o seu envolvimento
mais equitativo nas responsabilidades familiares”26. A utilização que tanto os homens como as mulheres
fazem do seu tempo e o modo como combinam o trabalho com a vida privada depende, naturalmente, das
23 FERREIRA, Virgínia – ”A evolução das desigualdades entre salários masculinos e femininos: um percurso irregular”. In FERREIRA, Virgínia
(org.) – A Igualdade de Mulheres e Homens no Trabalho e no Emprego em Portugal: Políticas e Circunstâncias. Lisboa: CITE, 2010. p.16.24 FERREIRA, Virgínia – ”A evolução das desigualdades entre salários masculinos e femininos: um percurso irregular”. In FERREIRA, Virgínia
(org.) – A Igualdade de Mulheres e Homens no Trabalho e no Emprego em Portugal: Políticas e Circunstâncias. Lisboa: CITE, 2010. p.43.25 TORRES, Anália (coord.) – Igualdade de Género ao Longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2018 (col. Resumos da Fundação). p.17.26 Relatório sobre o progresso da igualdade entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional – 2016, CITE. set. 2017.
p.43.
15
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
27 “Most or All of The Pay Gap Disappears After Controlling for Marriage and Having Children”. In “Carpe Diem”, Blogue do Prof. Mark J.
Perry sobre Economia e Finanças, post de 3 de agosto de 2009.28 TORRES, Anália (coord.) – Igualdade de Género ao Longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2018 (col. Resumos da Fundação). p.36.29 FERREIRA, Virgínia – “A evolução das desigualdades entre salários masculinos e femininos: um percurso irregular”. In FERREIRA, Virgínia
(org.) – A Igualdade de Mulheres e Homens no Trabalho e no Emprego em Portugal: Políticas e Circunstâncias. Lisboa: CITE, 2010. p.45.30 TORRES, Anália (coord.) – Igualdade de Género ao Longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2018 (col. Resumos da Fundação). p.37.
suas circunstâncias pessoais, nomeadamente da sua situação familiar, profissional, da sua rede de apoio, dos
seus interesses pessoais, do seu projecto de vida, mas, também, de factores que lhes são externos, como
o contexto socioeconómico, a existência de infra-estruturas sociais, as formas de organização do trabalho
ou o sistema de protecção social existente no País.
No fundo, como o demonstrou, de forma talvez demasiado simplista, o Prof. Mark Jerry, da Universidade
do Michigan, a idade, o casamento e os filhos explicam praticamente toda a diferença salarial entre homens
e mulheres27.
Efectivamente, no que respeita a tarefas domésticas em agregados familiares em que ambas as pessoas
trabalham, “Portugal e Espanha são os países europeus onde se verificam maiores diferenças entre o tempo
gasto por homens e mulheres jovens em tarefas domésticas (7 horas de diferença)”28.
Numa análise clarividente, Virgínia Ferreira afirma que “Não será por falta de enquadramento legal que
a repressão das práticas discriminatórias no mundo laboral não é mais efectiva, mas antes pelo profundo
enraizamento social, económico e político em que assenta a discriminação”29. É bem verdade, como adianta
a mesma autora, que “Estas assimetrias geracionais são provavelmente motivadas pela manutenção dos
estereótipos de género, associados a modos de vida tradicionais, nas pessoas mais velhas.”30 Trata-se, como
se depreende daqui, de uma questão cultural, que virá a ser alterada através da educação da população mais
jovem.
16
Ora, esta desigualdade entre homens e mulheres, que se reflecte na área laboral, tem consequências
sociais, políticas e económicas gravosas. Segundo a Directora-geral do Banco Mundial, “Nenhuma economia
pode atingir o seu potencial pleno se as mulheres, tal como os homens, não tiverem plena participação.
Representando metade da população [mundial], as mulheres têm o mesmo papel que o homem no
crescimento económico”31.
E Anália Torres vai mais longe ao afirmar: “É interessante perceber que efeitos tem esta sobreocupação das
mulheres com o trabalho e com a família. Entre outras coisas, as mulheres acabam por ter uma participação
cívica e política menor. Ou seja, a justiça social e a qualidade da democracia podem estar em causa.”32
Esta preocupação, de todos, foi, aliás, inscrita na “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” da
ONU, que, no seu Objectivo 5, intitulado “Alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres
e meninas”, especificamente no ponto 5.4 alerta para a importância de “Reconhecer e valorizar o trabalho
de cuidado e doméstico não remunerado, disponibilizando serviços públicos, infra-estruturas e políticas
de protecção social, e promovendo a partilha de responsabilidades dentro do lar e da família, conforme
os contextos nacionais” e no ponto 5.5 estabelece a meta de “Garantir a participação plena e efectiva das
mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança a todos os níveis de tomada de decisão na vida
política, económica e pública”.
Também se espera que venha, em breve, a dar frutos o trabalho realizado no âmbito do “Compromisso
Estratégico para a Igualdade de Género – 2016-2019” da Comissão Europeia, que tem como objectivos
aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho e a igualdade em matéria de independência
31 GEORGIEVA, Kristalina. In Les Femmes, L’Entreprise et Le Droit 2018. Washington: Banque internationale pour la reconstruction et le
développement / Banque mondiale, 2018.32 TORRES, Anália (coord.) – Igualdade de Género ao Longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2018 (col. Resumos da Fundação). p.63.
17
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
económica; reduzir as disparidades salariais, de rendimentos e de pensões entre homens e mulheres
e, assim, combater a pobreza entre as mulheres; e promover a igualdade de género e os direitos das
mulheres em todo o mundo, entre outros.
Ora, esta revisitação da criação da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, em que se procura
fazer um balanço do trabalho realizado, permite encontrar razões para continuar a ajudar a “concretizar
os direitos humanos para o maior número de seres humanos”33. Creio que esta é uma indispensabilidade
ética, que decorre da defesa da dignidade do ser humano, sujeito de direitos naturais inalienáveis.
E importa capitalizar no muito que já foi feito. Como sublinha Marie Heuzé, que foi porta-voz de Kofi Annan,
“nenhuma geração [antes da nossa] dispôs de um património jurídico e normativo tão importante quanto
o nosso em matéria de direitos da pessoa, de desenvolvimento e de manutenção da paz”34.
Ora, o futuro é no presente que se constrói. Desejo, pois, as maiores venturas à CITE para bem realizar
o seu propósito funcional de alcançar a “real igualdade de facto entre homens e mulheres no que respeita
à totalidade das condições materiais que rodeiam a prestação do trabalho”.
33 L’Obs. n.º 777. p.1.34 BRISSET, Claire – “Un long cheminement vers la dignité ”. Le Monde Diplomatique. dez. 2018. p.11.
18
3Testemunhos
19
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Eusébio Marques de Carvalho Ministro do Trabalho, de novembro de 1978 a agosto de 1979 e de janeiro de 1980 a janeiro de 1981.
Ortega Y Gasset afirmou que a pessoa é o Eu e a sua circunstância. Ora as pessoas, anatómica e fisiologi-
camente com as diversidades formais e morfológicas conhecidas, são, grosso modo e claramente, iguais.
O que verdadeiramente difere entre homem e mulher, são as circunstâncias criadas com o mais diverso
teor e por vezes até impostas com fundamentos falsos, e sempre interesseiros, vindicativos, ou de absurda
superioridade. Isto é, carecidas de teor científico, filosófico e cultural, contrariando as próprias e inequívocas
vivências, e assim invertendo dolosamente graus de mérito e de dimensão humana.
Urge, pois, tomar medidas que ponham de fora, escrutinada e frente a frente, esta indecorosa situação não
por vias administrativas equívocas, manipuladas, e quase sempre ineficazes, mas por atos de gestão e de
política concretos que evidenciem de forma insofismável, o mérito e igualdade de estatuto, indispensáveis
ao exercício de cada função ou atividade, para prazer, empenhamento e motivação, no desempenho da
mesma, com benefícios para quem a ela, como utente, precise recorrer.
20
Amândio Anes de Azevedo Ministro do Trabalho e da Segurança Social, de junho de 1983 a novembro de 1985.
O programa do IX Governo Constitucional, de que fiz parte como Ministro do Trabalho e da Segurança
Social, dedicou no seu programa e mais concretamente, no capítulo da solidariedade social, uma atenção
muito especial à posição e ao papel da mulher na sociedade e no emprego, definindo um conjunto vasto
de orientações e medidas destinadas a garantir, na lei e na prática, condições iguais e justas para todos,
sejam homens ou mulheres.
Vale a pena lembrar, entre as principais orientações, as seguintes:
Principais medidas:
1 - Exigência de percentagens mínimas e crescentes de mulheres no preenchimento de cargos políticos
e públicos em geral, nas taxas de emprego, etc.
1 - Transpor para a vida real a conquista da igualdade jurídica entre o homem e a mulher, o marido e a esposa
na sociedade conjugal e a mãe e o pai em relação aos filhos.
2 - Combater, sobretudo no plano cultural, ideias feitas, rotinas inveteradas e até resistências intencionais,
que continuam a marginalizar de facto as mulheres portuguesas no acesso ao trabalho, aos cargos
políticos e públicos e até, em certas regiões e domínios, à plena dignidade social.
3 - Repudiar a conceção da procura de plena cidadania da mulher em termos de conflito entre sexos.
O homem só poderá sentir-se completamente emancipado e livre quando a mulher igualmente o for.
4 - Dignificação do papel da mãe na sua insubstituível ação no quadro da família e em relação aos filhos.
21
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Posso afirmar que, juntamente com o Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, Dr. Rui
Amaral, com a Secretária de Estado da Segurança Social, Dr.ª Leonor Beleza e com o Secretário de Estado
do Trabalho, Dr. Vítor Ramalho, tive a especial e efetiva preocupação de cumprir fielmente o programa do
Governo, nesta como, em geral, nas áreas do trabalho, emprego, formação profissional e segurança social,
lamentando não ter podido obter, passados mais de trinta anos, informações seguras que me permitissem,
como desejaria, referir todas as orientações e medidas efetivamente concretizadas.
Limito-me, por isso, a mencionar, a título de exemplo, que o art.º 5, n.º 1, alíneas l) e o) do Decreto-lei
n.º 165/85, que aprovou a lei da aprendizagem, dando assim o necessário enquadramento jurídico a uma
das grandes linhas orientadoras da política de formação profissional, traduzida no facto de o Estado
2 - Eliminação nas leis ordinárias das últimas manifestações de discriminação jurídica, e por reflexo social,
entre o homem e a mulher, em contradição com o disposto na Constituição da República.
3 - Proteção da mulher durante a gravidez e no exercício dos deveres da maternidade. Reforço
progressivo dos serviços de proteção materno-infantil.
4 - Regulamentação do uso da imagem da mulher na publicidade, na perspetiva da garantia do direito
à imagem e à privacidade.
5 - Combate à exploração de que as mulheres são vítimas por ação impune de redes de prostituição
organizada.
6 - Adoção de desestímulos, preventivos e repressivos, à violência contra as mulheres, quer na família,
quer na sociedade em geral, nomeadamente através de ações de sensibilização dos agentes policiais,
dos magistrados, etc., e eventualmente da criação de centros de apoio às mulheres maltratadas.
7 - Estudo e aprovação de novos esquemas de compatibilização das obrigações e responsabilidades
familiares e profissionais.
8 - Adoção de medidas especiais de apoio a mães ou pais educadores únicos.
9 - Negociação com os países de acolhimento de emigrantes portugueses do reconhecimento do direito
ao reagrupamento familiar.
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entender que tem a obrigação de prestar apoio técnico, pedagógico e financeiro a quaisquer entidades do
sector público, cooperativo ou privado que desenvolvam ou pretendam desenvolver ações de formação
profissional, prevê expressamente, entre os programas através dos quais a formação profissional deve ser
prosseguida, “ações de formação visando as mulheres que desejam retomar uma atividade profissional”
e “ações de formação visando promover a igualdade no acesso ao emprego de homens e mulheres”.
Outro exemplo, agora na área da segurança social, é a Lei n.º 4/84, de 5 de abril, sobre a proteção da
maternidade e da paternidade, considerados valores sociais eminentes no art.º 1, n.º 1, que garante
expressamente aos pais, em condições de igualdade, a realização profissional e a participação na vida
cívica do País (Art.º 2, n.º 1), a igualdade de direitos e deveres quanto à manutenção e educação dos filhos
e direitos especiais às mães relacionados com o ciclo biológico da maternidade, através de um conjunto de
normas que se prendem com a proteção da saúde da mulher e da criança, com a dispensa de trabalho por
motivo de gravidez, de parto ou de assistência a filhos menores, com a concessão de direitos especiais no
domínio da segurança social e da ação social.
Merecem ainda referência especial:
- A Regulamentação da Lei 4/84 pelo Decreto-Lei n.º 136/85, de 3 de maio;
- O Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de maio, sobre o exercício da atividade de amas.
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Luís Mira Amaral Ministro do Trabalho e da Segurança Social, de novembro de 1985 a agosto de 1987.
A minha passagem pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social teve como pano de fundo a recuperação
socio-económica do país acabado de sair dum programa de ajustamento com o FMI e a preparação para
a plena adesão à então Comunidade Económica Europeia, a qual na altura era tecnicamente uma União
Aduaneira.
A CITE já na altura reflectia as preocupações dum país que se pretendia europeu, justo e solidário, o pleno
acesso das mulheres aos mercados de trabalho e emprego em plena igualdade quer de remunerações quer
de acesso a condições de formação e dignificação da sua carreira profissional. Mas sinto que ainda hoje
o problema em certas profissões não está completamente resolvido para as mulheres quando constituem
família e querem ter filhos. Muito se progrediu desde essa época, mas tal constitui um trabalho que a CITE
tem de continuar a desenvolver.
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José Albino da Silva PenedaMinistro do Emprego e da Segurança Social, de agosto de 1987 a dezembro de 1993.
A Presidente da Comissão para a Igualdade e Emprego (CITE) pede-me para dar o meu testemunho
a pretexto deste ano se comemorarem 40 anos da existência da instituição. No convite, que muito me honra,
é recordada a minha função como Ministro do Emprego e da Segurança Social, entre 1987 e 1993, em que
exerci a tutela sobre a CITE.
No preâmbulo do diploma que cria a CITE é reconhecido que, apesar da Constituição da República consagrar
o princípio da igualdade de todos os cidadãos, com consequente recusa de privilégios ou discriminações,
fundados, nomeadamente no sexo, o certo é que na prática da nossa sociedade subsistem diversas formas
de discriminação que, a vários níveis, impedem que a mulher atinga a cidadania plena.
Passados que são 40 anos da publicação daquele Decreto o problema, então diagnosticado, permanece:
há uma grande diferença entre o que se legisla e o que acontece na prática. Estudos publicados apontam
Portugal como o 5º país com um regime legal mais igualitário. À nossa frente apenas estão a Suíça, Suécia,
Dinamarca e França. De facto, somos muito bons a legislar, mas na vida quotidiana os desequilíbrios entre
homens e mulheres continuam a ser muitos e variados. Basta um olhar para alguns indicadores, como por
exemplo, a percentagem de mulheres nas administrações das empresas, na vida política e na discriminação
na vida familiar para confirmar esse facto.
Mas os indicadores mais chocantes encontram-se ao nível das desigualdades, quanto à distribuição do
rendimento. Se Portugal é o quarto país da União Europeia com maior desigualdade salarial, a seguir
à Polónia, Roménia e Chipre, mais grave, é que essa tendência não tem parado de crescer, como não tem
parado de crescer o número de trabalhadores que auferem o salário mínimo.
No que se refere às desigualdades salariais entre homens e mulheres nos últimos cinco anos, Portugal foi
dos poucos países que registou um aumento na disparidade salarial na União Europeia. Se os homens em
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Portugal ganham mais de 17,5% do que as mulheres, o que representa uma das diferenças mais acentuadas
entre os Estados Membros da União, mais grave é o facto de, entre 2011 e 2016, na maioria dos Estados
Membros a diferença salarial entre homens e mulheres tenha diminuído, em média, 0,6%, e em Portugal ter
aumentado 4,6%. Nenhum país da União Europeia superou este aumento neste período.
Tive acesso a um estudo que analisa a perceção que existe na sociedade portuguesa sobre a questão das
desigualdades de oportunidades entre homens e mulheres e, de acordo com as conclusões do mesmo,
constata-se que 70% dos homens afirma que existe igualdade de oportunidades entre ambos os sexos
e 44% das mulheres afirmam o mesmo. No que se refere à ambição de querer alcançar uma posição de
chefia, 50% dos homens confessam ter essa ambição, enquanto nas mulheres esse valor é apenas de 34%.
Estes dados permitem concluir que há ainda um longo caminho a percorrer para que o Artigo 13º da
Constituição da República, referido no Preâmbulo do Decreto-Lei 392/79, de 20 de setembro, que cria
a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, tenha um cabal cumprimento na sociedade portuguesa.
Reconheço que a questão é complexa porque no nosso caso, a necessidade ou a urgência já não se localiza
tanto em produzir mais legislação, mas sim modificar comportamentos e atitudes de múltiplos agentes
políticos, económicos, sociais e culturais.
A igualdade de género diz respeito a todos e tem de fazer parte da visão de sociedade que queremos
assumir para o século XXI.
Neste sentido, atrevo-me a fazer dois tipos de sugestões, que porventura até já iniciaram o seu caminho.
A primeira, junto do sistema educativo, no sentido de investir ainda mais na sensibilização dos nossos jovens
para uma realidade que eles próprios terão de ajudar a construir. A segunda, com os Parceiros Sociais,
com o objetivo de ser montado um observatório permanente sobre o que se vai passando no mundo do
trabalho no que se refere à igualdade de género e tentar que sejam definidas algumas metas precisas sobre
indicadores que comprometam publicamente o Estado, as entidades patronais e os sindicatos.
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Eduardo Ferro RodriguesMinistro do Trabalho e da Solidariedade, de novembro 1997 a março de 2001.
Não há democracia a sério sem igualdade de género; e não há igualdade entre homens e mulheres sem
igualdade de acesso a quaisquer cargos, trabalhos ou categorias profissionais e sem igualdade de direitos
no trabalho.
O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do Estado de direito democrático e tem
consagração constitucional.
Em concretização deste princípio, a Constituição proclama o direito ao trabalho, sem distinção de idade,
sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas.
Mas a Constituição vai mais longe e impõe ao Estado uma atuação proactiva ao cometer-lhe, expressamente,
a tarefa de promover a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho
e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho
ou categorias profissionais.
Orgulho-me de ter integrado os dois governos do Eng.º António Guterres – o XIII e o XIV Governos
constitucionais –, que tinham como marca distintiva a aposta na igualdade de oportunidades, não como
política meramente sectorial, mas como política transversal.
Para estes Governos, a política de igualdade de oportunidades não constituía apenas um imperativo
democrático; era, antes de mais, uma questão de direitos humanos e era também uma condição de justiça
social e uma condição essencial para o desenvolvimento.
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
É de realçar que foi o XIII Governo que aprovou o Plano Global para a Igualdade de Oportunidades,
sistematizando pela primeira vez os objetivos a alcançar nesse âmbito, um dos quais era a promoção da
igualdade de oportunidades no emprego e nas relações de trabalho.
Enquanto Ministro do Trabalho e da Solidariedade tive na minha dependência a Comissão para a Igualdade
no Trabalho e no Emprego (CITE) em dois períodos distintos, entre 25 de novembro 1997 e 25 de outubro
de 1999 e entre 14 de setembro de 2000 e 10 de março de 2001.
Na celebração dos 40 anos da CITE, não posso deixar de dar público testemunho da importância da CITE
e do papel que tem tido ao longo desses anos na prossecução da igualdade e não discriminação entre
homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional.
O contributo da CITE, fruto da sua composição tripartida, que à data incluía representantes do Governo,
da Comissão da Condição Feminina e das associações sindicais e patronais, revelou-se sempre extrema-
mente significativo, quer nas recomendações e nos pareceres relativos à adoção de medidas legislativas
em matéria de igualdade no trabalho e no emprego, quer na assessoria a entidades responsáveis pela
elaboração dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
Nestes 40 anos, é manifesto que houve uma melhoria considerável da situação das mulheres no âmbito
laboral. Contudo, não se pode escamotear que persistem ainda áreas onde é necessário continuar a intervir,
designadamente no que se refere à igualdade salarial entre os homens e as mulheres ou no acesso aos
cargos de chefia.
Não obstante a legislação aprovada e a ação da CITE e de outras entidades públicas e privadas, a sociedade
portuguesa e a comunidade empresarial continuam a revelar atavismos e formas, mais ou menos encapo-
tadas, de discriminação das mulheres no local de trabalho e no acesso e progressão nas suas carreiras.
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Gostaria de terminar numa nota mais positiva, mas infelizmente o fim da missão da CITE não se avizinha
para breve. Os indicadores nacionais e internacionais sobre a igualdade de género permanecem sombrios.
Espero, no entanto, que não se revelem verdadeiras as conclusões do relatório do Fórum Económico
Mundial, divulgado em outubro de 2016, e que a igualdade de género em termos económicos possa ser
atingida bem antes dos 170 anos previstos.
Estou certo, porém, que a CITE estará à altura do desafio.
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Maria de Belém Roseira Ministra para a Igualdade, de outubro de 1999 a setembro de 2000.
Tive o privilégio de acompanhar e participar nas profundas transformações estruturais pelas quais o País
passou no último meio século.
Aconteceu-me! Pois “não fui ouvida no acto de que nasci”: Vivência da crise académica de 1969, com
intensidade e enorme proveito intelectual e cívico, início de funções públicas em 1973, entusiasmo com
a Revolução de Abril, participação logo no 1º Governo Provisório, no Gabinete da Secretária de Estado da
Segurança Social Maria de Lourdes Pintasilgo, que continuei a acompanhar como Ministra dos Assuntos
Sociais, já no 2º Governo Provisório e, mais tarde, durante o seu mandato como Primeira Ministra, no
Ministério do Trabalho encabeçado por Jorge Sá Borges, no gabinete do Secretário de Estado do Trabalho.
Quiseram as voltas da História que este tivesse recebido para reapreciação o conjunto de diplomas que
constituía o “pacote laboral” e que tinha sido aprovado no Conselho de Ministros do Governo imediatamente
anterior, no seu último dia de trabalho, liderado por Carlos Mota Pinto, seu Primeiro Ministro. Entre estes
constava aquele que, desenvolvendo os preceitos da Constituição democrática, estabelecia a igualdade
salarial entre homens e mulheres e criava a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego como
mecanismo institucional para a fazer acontecer.
Assim descrito, em breve flash, tudo isto pode parecer como correspondendo a uma evolução natural
e acontecida rapidamente, mas foi tudo menos isso.
Com efeito, enquanto a Europa e o mundo desenvolvido iam avançando na concretização dos direitos que
a Declaração Universal aprovada em 1948 (sob a competentíssima e forte liderança de Eleanor Roosevelt)
ao jugo político do regime que nos governou durante 48 anos juntavam-se as dificuldades próprias de um
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espaço público dominado por homens para os quais o tratamento desigual das Mulheres decorria da sua
natureza e da organização social adequada e não viam razões para que esta ordem fosse alterada.
Pelo contrário, viam apenas razões para que se mantivesse, sob pena de enormes sobressaltos sociais e de
prejuízos na Economia, argumentavam.
Algo começou a mudar neste panorama, ainda nessa época, com a nomeação da primeira Mulher num
Governo, Teresa Lobo, e a criação, que esta determinou, do Grupo de trabalho para a participação da Mulher
na Vida Económica e Social, para cuja presidência convidou Maria de Lourdes Pintasilgo.
A Vice-Presidente deste grupo, Maria do Carmo Romão, era minha Directora de Serviços.
A relativa predominância de mulheres – designadamente juristas – no quadro técnico superior na Direcção-
Geral da Previdência, na Direcção-Geral do Trabalho e noutras Direcções-Gerais do Ministério, então, das
Corporações, fazia prever que os tempos de conservadorismo de ideias e decisões tinham os dias contados.
Tinha-se iniciado, à época, com o objectivo de qualificação da Administração Pública proporcionada
pela chamada “Primavera Marcelista”, a abertura dos quadros a pessoas licenciadas, o que acabou por
proporcionar o que não estava previsto, ou seja, que a própria administração tivesse escancarado as portas
a quem não comungava das ideias do regime.
Não se sabia, ainda, quão perto estava a Revolução de Abril, mas esta dotação acabou por facilitar
a tremenda transformação social que se verificou.
O desenvolvimento do conceito de Estado Social no pós-guerra, em linha com a Europa e as organizações
internacionais nas quais tinham assento os dirigentes superiores da Administração Pública destas áreas,
enchia de impaciência os mais abertos à modernidade e algumas medidas foram sendo propostas
e aprovadas. Com timidez, embora, à luz dos parâmetros actuais, mas com imensa coragem e, mesmo risco,
à luz dos cânones vigentes à época.
31
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Recordo o alargamento da previdência às mulheres domésticas, que teve uma enorme resistência. Aquelas
que tinham trabalhado uma vida inteira e não tinham carreira contributiva passaram a poder inscrever-
se retroactivamente e a dispor de benefícios pecuniários. Porventura o primeiro dinheiro a que puderam
chamar verdadeiramente seu e que não tiveram que mendigar aos maridos. Uma libertação!
Devemos a muitas mulheres e homens corajosos e vanguardistas esse papel de rasgar horizontes nas
mais variadas áreas da nossa vida colectiva e aqui as intelectuais prestaram um serviço inigualável de não
conformação com as regras vigentes.
Especificamente no domínio da protecção social e da igualdade salarial há rostos e nomes de mulheres que
têm sido identificados. Mas, sem esquecer nenhum dos outros, quero especialmente prestar homenagem,
porque fui disso testemunha directa, a Maria de Lourdes Pintasilgo, sem dúvida, mas também a Maria do
Carmo Romão, a Manuela Aguiar, a Aurora Fonseca, a Branca Amaral.
Pessoas já no decurso de um caminho, enquanto nós, as da minha idade, ainda estávamos no seu início.
Tínhamos, apenas, como elas, a mesma formação jurídica. Conhecíamos na pele a discriminação consagrada
nas leis cujo estudo fazia parte da nossa formação universitária. Uma Constituição que colocava as Mulheres
ao serviço da família, o constrangimento do direito ao voto, a necessidade de autorização do marido para
exercício da actividade comercial, as agravantes ou atenuantes de calibragem diferente na fixação de penas
previstas no Código Penal (o que ainda hoje acontece mas com escândalo público, ao menos!), a proibição
de acesso à carreira diplomática e às magistraturas (com formação exactamente igual à dos nossos colegas
homens) e o verdadeiro monumento de desigualdade que constituía o Código Civil, sobretudo no Direito
de Família.
Se alguém precisasse de mais impulsos para mudar, não eram certamente as mulheres juristas! Já no advento
da democracia, foi intensíssimo o trabalho desenvolvido nos gabinetes liderados por Maria de Lourdes
Pintasilgo. Dotada de uma inteligência deslumbrante e com mundo, de vistas largas, aproveitou o ambiente
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criado pelo 25 de Abril para, com uma enorme criatividade, dar largas à sua imaginação acompanhada por
grande capacidade de realização.
Em todos os areópagos, nacionais ou internacionais, por onde passou, deixou marca e prestigiou o País.
É importante recordar que só chegou ao governo porque, ao ouvir o anúncio dos nomes que integrariam
o primeiro governo provisório em 1974, verificou que não existia nenhuma mulher. Protestou e foi convidada
para Secretária de Estado da Segurança Social. Aceitou. E foi a voz no Governo ao serviço da igualdade e da
justiça social.
Em celebração dos 40 anos da CITE cumpre-me, novamente, fazer apelo às minhas memórias de experiência
e de coincidências vividas.
No desenvolvimento da Igualdade consagrada na Constituição de 1976, no Governo de iniciativa presidencial
liderado por Mota Pinto, Manuela Aguiar, Secretária de Estado do Trabalho, tinha promovido a elaboração
do diploma que estabelecia a igualdade salarial entre homens e mulheres e criava uma comissão tripartida –
a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego – presidida pelo Governo e integrada por entidades
patronais e sindicais, que zelava pela sua aplicação. Um modelo nórdico que muito admirava e que foi
totalmente percursor no país.
Este diploma, no entanto, só foi aprovado no Conselho de Ministros do último dia de funções desse governo,
porque estava integrado num pacote laboral mais vasto cuja ultimação tinha sido demorada. À época,
os governos tinham uma vida muito curta.
Com a mudança de governo para um novo, igualmente de iniciativa presidencial, liderado por Maria de
Lourdes Pintasilgo, esse vasto conjunto de diplomas foi enviado ao Ministro do Trabalho e deste baixou
à Secretaria de Estado com a competência delegada na matéria.
Manuela Aguiar, inconformada com o atraso que o seu projecto já tinha sofrido e, temendo a hipótese de
novo atraso, foi falar directamente com Vasco Ribeiro Ferreira, o Secretário de Estado do Trabalho, que
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
conhecia bem. Este, tal como Sá Borges, o Ministro, era membro do MSD, movimento desagregado do PSD
no Congresso de Aveiro de 1975. Convenceu-o, então, da bondade do diploma em cuja gestação tinha tido
intervenção directa, solicitando que este seguisse os seus trâmites imediatamente e sem mais delongas,
o que acabou por acontecer, tendo sido enviado para promulgação. Por esta razão é que, apesar de ter sido
promulgado já com o Governo Pintasilgo em funções, foi considerado obra do Governo Mota Pinto.
O interessante desta história, também, é que o restante “pacote laboral” foi-me entregue a mim para
revisão, enquanto adjunta do Secretário de Estado do Trabalho, e as versões então elaboradas e publicadas
em 1979, perduraram até ao Governo Durão Barroso.
20 anos passados, e depois de uma legislatura integral como Ministra da Saúde, tive o privilégio de ter sido
empossada Ministra para a Igualdade.
A primeira e a única, até hoje!
Tinha como missão demonstrar a importância política da agenda para a Igualdade, numa visão alargada,
na qual ocupava lugar cimeiro a agenda para a igualdade de género e preparar a agenda da Presidência da
União Europeia que Portugal assumiria no primeiro semestre de 2000.
Foi mal recebida esta inovação do segundo Governo Guterres. Continuávamos a fazer gala pública da
incapacidade para aderir aos ventos da modernidade que a União Europeia que integrávamos de corpo
inteiro já tinha abraçado e onde o dossier da Igualdade tinha nível ministerial em quase todos os países.
Mas da mesma forma que foi criticado o aparecimento desta nova pasta, também foi criticado depois o seu
desaparecimento. As nossas contradições proverbiais...
Nessas funções, eu tinha a tutela da CITE, que reencontrava neste meu novo papel. Uma organização
afinadíssima, cujo modelo pioneiro atrás referido estava a fazer um importante caminho. Os seus pareceres
eram respeitados e a sua intervenção realizada em tempo oportuno.
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Magnificamente liderado, então, por Maria do Céu Cunha Rêgo, pessoa de uma lealdade excepcional
e de uma criatividade permanente. Transbordava e transmitia energia que se repercutia no desempenho
competente, inteligente e dinâmico do serviço que parecia nunca parar, dado o ritmo que lhe imprimia.
Recordo com um enorme gosto os momentos de despacho.
A ela se deve a construção do prémio “Igualdade é Qualidade”, também com um modelo pioneiro, pois tinha
a vocação de mudar as coisas por dentro, através do uso de poder que os consumidores detêm. Com efeito,
estes, através das suas escolhas de aquisição ou de não aquisição de determinados produtos, em função
das práticas de quem os coloca no mercado, podem privilegiar os das empresas que sigam os caminhos da
igualdade na gestão dos seus recursos humanos, ou castigar aquelas que utilizem práticas discriminatórias.
O exercício de um poder desta natureza tem capacidade transformadora e Maria do Céu Cunha Rêgo que,
mais tarde, foi Secretária de Estado para a Igualdade, teve essa visão.
O trabalho desenvolvido pela CITE ao longo destes 40 anos foi extraordinariamente meritório, em todos
os sentidos: colocou a agenda da igualdade entre homens e mulheres no trabalho num patamar de
exigência civilizacional; zelou pelo reconhecimento da maternidade como valor social eminente, como
o reconhece a Constituição; preveniu práticas discriminatórias e sancionou-as; produziu doutrina;
representou-nos “cum laude” a nível europeu e internacional; colaborou com a Academia para a produção
de mais conhecimento; construiu respeitabilidade e sentido de justiça.
Só pode, por isso, estar de parabéns, a CITE e todas e todos quantas e quantos a construíram e desejo-lhe
a vida que seja necessária para que vençam, finalmente, a cultura e a prática da Igualdade no trabalho
e emprego entre mulheres e homens, em todo o mundo, porque esta agenda, ancorada que está no
reconhecimento e respeito pelos direitos humanos, tem vocação universal.
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Guilherme d’Oliveira Martins Ministro da Presidência, de setembro de 2000 a abril de 2002.
Desde 1979, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego visa a igualdade e não discriminação
entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional, a proteção na parentalidade
e a conciliação da vida profissional, familiar e pessoal. Ao celebrarem-se quarenta anos desde a sua fundação
devo exprimir publicamente o meu grande apreço pela ação desenvolvida pela instituição, pelo que
correspondo como muito gosto à amabilíssima solicitação da Doutora Joana Rabaça Gíria, Presidente da
Comissão.
Ao longo da sua existência tem sido uma instância que, deve dizer-se, sempre se assumiu como um agente
ativo na defesa do bem comum, entendido como «conjunto de todas as condições de vida social que
consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana». Tendo desempenhado
as funções de Ministro da Presidência com a área de Igualdade, devo referir com gosto o apoio da CITE
e o exemplo da Doutora Maria do Céu da Cunha Rêgo, recentemente distinguida, muito justamente, com
o Prémio Maria Barroso, pelo «seu relevante contributo no desempenho da atividade profissional e cívica no
domínio da igualdade de género».
Sempre encontrei, com efeito, na CITE o maior empenhamento na realização do serviço público e a mais
evidente determinação na defesa da causa da igualdade, como referência, na sociedade contemporânea,
no tocante ao respeito dos direitos e deveres fundamentais da pessoa humana, expressos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948). A noção de serviço público não se atém apenas ao Estado e ao
mercado, mas à comunidade e à sociedade civil. O Estado social tem, pois, de representar a sociedade e os
cidadãos, devendo os direitos articular-se com os deveres de cidadania, com reciprocidade entre direitos
e responsabilidades, colaboração mútua entre pessoas, com base na verdade, na justiça e na liberdade.
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Refiro-me, assim, a uma noção de «bem comum» que parte da dignidade da pessoa humana, articulando
a singularidade individual e o sentido comunitário.
Deste modo, encontramos um fundamento universal. Não se trata de referir um modelo de bem comum ou
uma noção estereotipada de democracia – mas sim de considerar que a pessoa humana é medida comum
de direitos e responsabilidades. Sendo a pessoa humana uma referência fundamental, a organização
e o funcionamento da sociedade deverá encontrar a melhor forma de respeitar a liberdade, a igualdade,
a diferença, a responsabilidade social, o pluralismo, o respeito mútuo, a igual consideração, o equilíbrio
e a limitação de poderes. Liberdade e igualdade são faces da mesma moeda, do mesmo modo que igualdade
e diferença. Daí a necessidade de equilibrar a autonomia individual e a reciprocidade. A autonomia individual
não pode ser confundida com a fragmentação ou com o egoísmo. A autonomia pessoal apenas se afirma
e reforça se permitir a articulação entre eu e o outro, considerados como duas metades que se completam.
A CITE tem feito compreender que o Estado social deve afirmar-se pela salvaguarda dos direitos sociais
e através de um contrato social renovado capaz de uma melhor utilização dos recursos disponíveis, de
aperfeiçoamento da justiça distributiva e do combate à exclusão. A qualidade dos serviços públicos tem
de ser protegida – na educação, na saúde, na cultura, na proteção social. O desenvolvimento humano
está na ordem do dia, colocando a dignidade da pessoa humana, os direitos subjetivos, os direitos sociais,
a paridade, os novíssimos direitos ligados à sustentabilidade e à qualidade de vida em lugar cimeiro, tendo em
vista a coesão, a confiança, a defesa e salvaguarda do património, da herança e da memória. O bem comum,
como realização de uma liberdade igual e de uma igualdade livre, não é uma abstração é o reconhecimento
da universalidade da dignidade humana.
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Paulo PedrosoSecretário de Estado do Emprego e Formação, de novembro de 1997 a outubro de 1999,
Secretário de Estado do Trabalho e Formação, de outubro de 1999 a março de 2001,
e Ministro do Trabalho e da Solidariedade, de março de 2001 a abril de 2002.
Para conseguir a igualdade haveria de realizar-se a ambição de que todos possam ter condições para
conseguir resultados iguais na sua vida. Mas, como há grupos que persistentemente não o conseguem em
relação a outros, há algo que os está a travar ou a dar vantagem aos outros. Assim tem sido, historicamente,
na relação entre géneros.
O valor largamente partilhado da igualdade de género está expresso na nossa Constituição, plasmado nas
nossas leis e podemos já orgulhar-nos de ter conseguido quase abolir a discriminação direta de mulheres
e homens. Contudo, a igualdade na lei não é ainda igualdade na experiência de vida de homens e mulheres.
Os fatores mais ou menos invisíveis que discriminam as mulheres são diversos e não são sempre fáceis
de identificar e reverter. Estando presentes em diversas esferas da vida, estão também nos domínios do
trabalho e do emprego. Não vale a pena recordar exaustivamente os indicadores dessa desigualdade, mas
um, o da desigualdade salarial, pode servir para simbolizar todos os outros. Numa sociedade em que vigora
o princípio do trabalho igual-salário igual, se o resultado agregado é penalizador para as mulheres, fica
evidenciado que um complexo de fatores sociais contribui para discriminá-las por serem mulheres. Serão
as condicionantes sociais das escolhas profissionais? A distribuição assimétrica de responsabilidades
familiares? A desvalorização simbólica do valor do seu trabalho? A misoginia de patrões, chefes de equipa
e avaliadores de desempenho? Outros fatores? Quais?
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Hoje sabemos que são vários deles e sobretudo a interação entre eles. E sabemos, da experiência
acumulada, que em lado nenhum do mundo se caminhou para a igualdade confiando apenas nos
dinamismos sociais positivos.
É necessário que haja ação afirmativa do Estado em promoção da igualdade e aperfeiçoamento quotidiano
do quadro regulador de todos os fenómenos da vida para captar e combater a emergência de novos fatores
de desigualdade. E é necessário que haja instituições reguladoras firmes, que previnam e reprimam as más
práticas e acumulem conhecimento que permita detetá-las e combatê-las.
Foi nesse papel que vi a CITE quando tive o privilégio de, em funções governativas, com ela trabalhar. Foi
isso que pedi, então, aos seus responsáveis – que fossem fortes na deteção das desigualdades e fortes
e justos no combate às situações em que emergisse. E foi empenhamento e energia nesse papel o que
recebi da CITE.
Com os anos deixei de acompanhar o quotidiano da Comissão, mas tenho a confiança de que a nova geração
de responsáveis sente e age com a mesma ou mais determinação de sempre, dando continuidade a uma
tradição que merece ser um fator de orgulho da ação em prol da cidadania social em Portugal.
Mais, não acho que a missão da CITE hoje seja mais fácil ou esteja mais perto de estar concluída que no
passado. Como disse, a igualdade é um processo e vejo algumas nuvens negras no horizonte. De entre
elas, destaco duas – a fragmentação do trabalho e a ofensiva ideológica contra a igualdade de género.
O processo de homogeneização do trabalho que conduziu a que este fosse um processo bem delimitado
na vida social – que ocorre num espaço definido, em condições bem reguladas, por um período de tempo
durável, gerando identidade de grupo entre trabalhadores e reconhecendo-lhes o direito à ação coletiva –
está em retração. O local e o tempo de trabalho tendem a tornar-se fluidos, a empresa como organização
sólida a dar lugar a cadeias de subcontratação que a dissolvem, a ação coletiva a ser dificultada por
processos de individualização e “quase-empresarialização” de trabalho de facto dependente. Tudo isto,
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
ao diluir o trabalho no conjunto da vida social ameaça os grupos mais vulneráveis e diminui a proteção que
as instituições que criámos ao longo de décadas forneceram a trabalhadoras e trabalhadores. Tudo isto
exige mais investigação, melhor conhecimento, novo tipo de intervenções, recalibragem do modelo de
regulação das relações de trabalho que previnam a reemergência de desigualdades de género, bem como,
aliás, de outros tipos de discriminação.
Como se não bastassem as pressões que emergem do lado do trabalho, assiste-se no plano dos valores
a uma contra-ofensiva destinada a diluir a importância da igualdade de género. Embora ainda muito
periférico – e oxalá nunca passe disso – vemos reaparecer na Europa uma ideologia abertamente contra
a igualdade de género. Os movimentos populistas adoptam frequentemente como moto um combate
àquilo a que chamam “ideologia de género” que mais não é do que a defesa de uma ideologia de género
– a da desigualdade – com uma cosmovisão retrógrada, assente de novo numa atribuição de papéis sociais
diferenciados consoante o sexo das pessoas.
Para que a igualdade de género se afirme e a CITE continue no futuro fiel ao seu património, é importante
que saiba reinventar-se para responder às novas configurações dos fenómenos que combate. Tenho
esperança que assim será. E se a igualdade plena não se atingirá em pouco tempo, havemos de conseguir
o que conseguimos nas últimas décadas, que os nossos filhos recebam uma sociedade mais igualitária
do que aquela em que nós nascemos.
A ação da CITE é muito importante para que assim seja.
40
Maria do Céu da Cunha Rêgo
Presidente da CITE, de novembro de 1997 a julho de 2001,
e Secretária de Estado para a Igualdade, de julho de 2001 a abril de 2002.
Ter sido presidente da CITE foi a melhor experiência profissional da minha vida!
Pela liberdade de ação, pelo acesso a fontes de poder real35, pela alegria de ver acontecer – por via de lei
a nível interno36, e por compromisso político a nível da União Europeia37 – o início da mudança de paradigma
quanto ao papel dos homens face à paternidade e ao cuidado da família, quanto a mim, o fator chave para
a igualdade substantiva entre mulheres e homens e não apenas no trabalho e no emprego.
Tive a sorte de iniciar funções no ano mágico para a igualdade, que foi 1997!
Pela revisão constitucional e a coerência de três das suas novas normas:
- a igualdade entre homens e mulheres com tarefa fundamental do Estado38;
- a proibição de discriminação também dos homens no domínio da conciliação da atividade profissional
com a vida familiar39; e
35 Dada a equiparação a Diretor-Geral do cargo de presidente da CITE, pelo artigo 3º do Decreto-Lei n.º 254/97, de 26 de setembro.36 Lei n.º 142/99, de 31 de agosto, que alterou a Lei n.º 4/84, de 5 de abril, sobre Proteção da Maternidade e da Paternidade.37 Resolução do Conselho e dos Ministros do Emprego e da Política Social Reunidos no seio do Conselho, de 29 de junho de 2000, relativa
à participação equilibrada das mulheres e dos homens na atividade profissional e na vida familiar (2000/C 218/02). 38 C.R.P. artigo 9º, alínea h). 39 C.R.P. artigo 59º, n.º 1, alínea b).
41
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
- a proibição de discriminação também das mulheres na partição direta e ativa na vida política, como
condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático40.
Pela aprovação do Plano Global para a Igualdade de Oportunidades41, ou seja, o 1º Plano Nacional para
a Igualdade entre Mulheres e Homens.
Pela introdução na lei da densificação dos conceitos de discriminação indireta e de indiciação de prática
discriminatória em função do sexo42.
Pela adoção da Estratégia Europeia para o Emprego com o seu 4º Pilar, a exigir medidas concretas sobre
a matéria43, as quais tiveram início de concretização no Plano Nacional de Emprego, PNE, de 199844, que
também reforçou medidas já previstas no Plano Global e acrescentou novos instrumentos.
Pela adoção pelo Conselho da Europa da Declaração sobre a Igualdade entre Mulheres e Homens como
critério fundamental de democracia45, uma referência conceptual clarificadora e, ainda hoje, um dos textos
mais sólidos quanto a compromissos políticos acordados em organizações internacionais sobre igualdade
entre homens e mulheres.
Pelo ambiente favorável à decisão política face às novas exigências nesta área.
40 C.R.P. artigo 109º.41 Aprovado por Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/97, de 24 de março.42 Lei n.º 105/97, de 13 de setembro.43 Resultante do Conselho Europeu Extraordinário do Luxemburgo sobre o Emprego, em novembro de 1997.44 Aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 59/98, de 6 de maio.45 Conferência Ministerial sobre Igualdade entre Mulheres e Homens, Istambul, novembro de 1997.
42
E a CITE, mantendo a sua atividade na área informativa e de emissão de pareceres jurídicos, procurou
estar à altura dos novos desafios, criando condições para melhorar o conhecimento e a compreensão dos
pressupostos da lei para a sua aplicação adequada. Ou seja, reforçando o envolvimento de especialistas
e académicas/os nacionais e estrangeiras/os, apoiando a investigação, promovendo e publicando estudos,
criando uma imagem de marca, divulgando informação para diversos públicos, impulsionando seminários,
colóquios e debates e neles participando ativamente, procurando boas práticas, designadamente através de
projetos transnacionais, concebendo e desenvolvendo formação, reforçando a cooperação com parceiros
sociais, empresas e entidades diversas públicas e privadas, propondo aperfeiçoamentos à lei em áreas chave
para a concretização da igualdade entre homens e mulheres na vida.
Foi grande a aprendizagem e intenso o desgaste pessoal, a carecer de pausa. Mas circunstâncias inesperadas
ditaram uma remodelação governamental e aceitei ser designada Secretária de Estado para a Igualdade.
No pouco tempo que houve até ao fim do mandato e com as limitações de um governo em gestão durante
os últimos meses, procurei sensibilizar colegas para a transversalização da igualdade de género nas
respetivas áreas de atuação, com alguns reflexos na produção legislativa e na visibilidade do respetivo
empenhamento. E de vários trabalhos preparatórios em dimensões estruturantes para a concretização
da igualdade entre mulheres e homens – como os relativos ao Guia de boas práticas de linguagem para
a igualdade entre mulheres e homens para uso da Administração Pública, ao II Plano para a Igualdade,
aos diplomas para o reforço institucional e de meios de atuação quer da então CIDM46, quer da CITE –
ficaram sementes que, apesar da mudança de tempos e vontades, de uma forma ou de outra, foram florindo
como possível.
Agora, considero urgente completar o processo de mudança para a eliminação dos estereótipos que
ainda mantêm a lógica do masculino absoluto na linguagem, o cuidado como “obrigação” das mulheres
46 Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, a que sucedeu a atual Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, CIG.
43
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
e a violência como “inerente” aos homens, e cuja abolição é pressuposto essencial para a concretização
efetiva da igualdade entre mulheres e homens, que está na base do equilíbrio do mundo.
Junto-me às celebrações dos 40 anos da CITE, felicitando-a enquanto instituição sobrevivente a muitos
ventos e várias marés, e felicitando a sua presidente, Dr.ª Joana Gíria, os parceiros sociais e a equipa de
profissionais que a integram pela persistência, pela coragem e pelos êxitos que foram tendo ao longo
do tempo na promoção da igualdade entre mulheres e homens no trabalho, no emprego e na formação
profissional.
44
Nuno Morais Sarmento Ministro da Presidência, de abril de 2002 a julho de 2004,
e Ministro de Estado e da Presidência, de julho de 2004 a março de 2005.
Ao assumir, em 2002, responsabilidades governativas como Ministro da Presidência tinha bem presente que
me seria exigido muito trabalho, rigor e um profundo empenhamento. Não adivinhava, contudo, o quanto
viria a ficar marcado pelo tema da Igualdade de Género. Não me refiro somente às questões mais chocantes
relacionadas com a violência doméstica ou às práticas tradicionais nefastas, onde se destaca a mutilação
genital feminina, mas também às formas de discriminação mais subtis que impedem que a igualdade de
oportunidades entre homens e mulheres seja uma realidade efetiva na nossa sociedade.
A minha atividade política e a minha personalidade foram realmente marcadas pelo período em que,
como Ministro da Presidência assumi responsabilidades na área da Igualdade de Género com a tutela da
então Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (atualmente Comissão para a Cidadania
e Igualdade de Género) e também da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. O trabalho
destas duas Comissões que tenho acompanhado sempre com especial atenção, tem sido absolutamente
essencial na redução das assimetrias estruturais entre mulheres e homens, cabendo aqui um destaque
especial à CITE que assinala o seu quadragésimo aniversário.
A discriminação com base no sexo não está inscrita na lei como acontecia num passado não muito distante
(em Portugal, até meados dos anos 70 a legislação era discriminatória em muitas matérias), mas ela ocorre
ainda nas práticas quotidianas em geral e no mundo do trabalho em particular, de um modo quase “invisível”.
Por essa razão, não é apenas mais difícil identificar as situações de discriminação e desigualdade, como
também desenhar e aplicar mecanismos e soluções que visem eliminar as assimetrias existentes.
45
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Também a divisão sexual do trabalho é ainda uma realidade. O salário médio das mulheres é inferior em
16,7% ao dos homens. Persistem atividades profissionais predominantemente desempenhadas por homens
e por mulheres, em relação direta com os papéis tradicionais de género que atribuem, a uns e a outras,
determinados comportamentos, talentos, vocações e aptidões. Como se essas vocações decorressem de
uma essência natural, do que é ser homem ou mulher.
As mulheres desempenham funções em sectores mais aproximados aos papéis sociais tradicionais como
sejam o cuidado, a educação, a saúde, trabalho doméstico e familiar. Ainda no plano desta segregação
horizontal, é de ressaltar a fraquíssima representatividade das mulheres em atividades relacionadas
com a engenharia, a informação e comunicação (TIC), setores de ponta e que beneficiam de elevado
reconhecimento social e valor de mercado. A ausência das mulheres das TIC é tanto mais estranha quando
são elas que detêm o maior sucesso escolar e as melhores classificações, o que lhes permitiria ter uma
presença mais expressiva nestas áreas por mérito próprio.
Na medida em que a masculinidade está associada à carreira e a feminilidade se encontra em íntima
relação com a família, o casamento e a maternidade, as raparigas antecipam um conflito entre estas duas
dimensões (trabalho e família), condicionando as tomadas de decisão relativamente às opções vocacionais
e profissionais que decidem desde cedo.
Acresce que as profissões consideradas tradicionalmente femininas, por outro lado, são vistas como
representando menos prestígio social e menores níveis de remuneração.
Por outro lado, a segregação vertical (maior dificuldade das mulheres em progredirem na carreira
e a posicionarem-se em cargos de chefia/decisão) é também uma dimensão importante da divisão sexual
do trabalho.
As razões pelas quais as mulheres estão menos representadas em lugares de tomada de decisão
não são facilmente identificáveis, ocorrem sob a forma de uma barreira invisível. Essa barreira está
46
obviamente ligada com as questões familiares que ainda recaem essencialmente sobre as mulheres. São
os famosos “glass ceilings” (tetos de vidro) que, como a própria expressão indica traduz uma situação não
intencional, mas que por qualquer ação ou omissão impede que as mulheres beneficiem de determinadas
oportunidades e direitos.
Existem muitos outros dados estatísticos que poderíamos continuar a enumerar, como seja o facto de, no
total do trabalho pago e não pago, as mulheres continuarem a trabalhar mais 1 hora e 13 minutos por dia
do que os homens.
47
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
António Bagão FélixSecretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, de 17 de agosto de 1987 a 31 de outubro de 1991,
Ministro da Segurança Social e do Trabalho, de abril de 2002 a julho de 2004.
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) chega aos seus 40 anos de idade. Enquanto
membro de dois governos cruzei-me com ela: entre 1987 e 1991, como Secretário de Estado do Emprego
e Formação Profissional e, mais tarde, entre 2002 e 2004, como ministro da Segurança Social e do Trabalho.
Em diferentes tempos e em contextos diversos. Primeiramente, numa fase de afirmação institucional
e de espaço de diálogo e concertação sociais. Depois, numa fase de maior consolidação, já com o acervo
e a respeitabilidade que resultou, sobretudo, do trabalho sério e dedicado de dirigentes, funcionários
e representantes ministeriais, sindicais e patronais.
A CITE foi criada através de iniciativa legislativa. Mas o seu desenvolvimento e afirmação na sociedade
portuguesa exigiu, e ainda exige, um constante trabalho de alteração de mentalidades e de expressão
sociológica e cultural na demanda de uma plena igualdade entre homens e mulheres na vida laboral, na
actividade económica e, também, na Administração Pública a todos os níveis. Um caminho, não uma posição.
Uma inquietude, não uma acomodação. Uma igualdade efectiva, integral, pluridimensional, inequívoca,
possibilitada pela igualdade jurídica, mas que continua a exigir um ambiente que assegure sustenta-
damente uma inequívoca mudança de atitudes.
E que diferença e distância entre 1979 e 2019! Se olharmos retrospectivamente para estes quarenta anos,
importa salientar os avanços para a igualdade no domínio da legislação laboral, da oferta de formação
profissional, na curva ascendente da taxa de actividade feminina, na diversificação e horizontalização
no acesso a profissões que ainda têm uma expressão mais masculina, no acesso mais equitativo a chefias
superiores e intermédias, na afirmação plena dos direitos de personalidade, em acções positivas de
modo a eliminar desvantagens injustas no acesso ao mercado de trabalho, no escrutínio da legalidade
48
de disposições em matéria laboral com vista a assegurar o respeito pela igualdade e proibição da
discriminação nos termos consagrados no Código do Trabalho, etc.
Ainda há muitos aspectos por melhorar? Sem dúvida. O papel que a CITE pode e deve continuar
a protagonizar, seja no plano das suas funções principais, seja no plano de acções de sensibilização dos
agentes económicos, seja ainda na legítima e necessária pressão sobre os poderes políticos e públicos
e forças sociais, deve ser reforçado. Falo, sobremaneira, de pontos onde o caminho ainda está longe de
se considerar concluído: as condições retributivas não discriminatórias e injustas que, todavia, subsistem
sem qualquer justificação, a adopção de medidas que esvaziem a menor elasticidade cíclica da oferta de
trabalho feminino em relação à conjuntura económica, a tendência para a maior precariedade do emprego
feminino e o maior desencorajamento em situações de crise económica, a subsistente dificuldade no
acesso promocional no seio das empresas, a valorização dos instrumentos de regulamentação colectiva
de trabalho na perspectiva da igualdade, a criação de condições para uma mais consistente e adequada
mobilidade profissional, o maior apoio à formação de mulheres em áreas inovadoras, novas tecnologias
e profissões novas.
Quarenta anos tem a CITE? Muito? Pouco? Cada qual que responda. Para mim, trata-se de uma instituição
de serviço público indispensável com vista à prossecução do bem comum no plano da igualdade e como tal
associada a uma exigência civilizacional inalienável. A CITE já passou a fase da “adolescência institucional”.
No entanto, que não deixe de ter o espírito de juventude, de esperança e de utopia. Ou de outra maneira
dito, que não envelheça, que não se acomode, que saiba ser uma voz respeitada e privilegiada contra
a desigualdade, que promova e estimule as melhores práticas e a exemplaridade neste domínio, que
desperte incomodidade em poderes cristalizados e inertes, que seja imaginativa, que não superficialize
na pressa, mas robusteça na substância.
49
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Luís Pais Antunes Secretário de Estado do Trabalho, de abril de 2002 a julho de 2004,
e Secretário de Estado Adjunto e do Trabalho, de julho de 2004 a março de 2005.
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego – CITE – tinha festejado o 20.º aniversário há
pouco mais de dois anos quando os nossos caminhos se cruzaram pela primeira vez. A sua existência e os
fins por ela prosseguidos não me eram certamente desconhecidos; mas entre o conhecimento distante
e o acompanhamento regular, ditado pelo exercício de funções governativas na área do trabalho no período
entre 2002 e 2005, vai uma distância muito grande. Quase tão grande, aliás, como o número de anos
decorrido desde então, no momento em que festejamos os 40 anos da CITE...
Sobre a importância do papel que lhe está cometido e a grandeza dos fins para que foi criada já muitos
disseram e escreveram, certamente melhor do que eu. A promoção da igualdade e da não discriminação no
mundo laboral, a proteção da parentalidade e o estímulo à conciliação da vida profissional, familiar e pessoal
são imperativos que uma sociedade justa e moderna não só não pode ignorar, como tem de saber realizar
de forma cada mais ativa e efetiva.
Guardo na memória o empenhamento da sua então presidente, Dra. Josefina Leitão, e dos demais membros
em representação dos ministérios envolvidos, bem como a participação ativa e dedicada dos representantes
dos parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social.
Recordo também a importante contribuição da CITE no âmbito da elaboração do Código do Trabalho, então
em preparação, em particular nos domínios sobre os quais lhe estão diretamente atribuídas competências,
bem como nas diferentes situações em que era chamada a pronunciar-se, designadamente em matérias
relacionadas com a proteção da maternidade ou sempre que estavam em causa questões relativas à igualdade
e não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional.
50
Nestes 40 anos que a CITE leva de vida o mundo e a sociedade mudaram significativamente. Essa mudança
foi para melhor, diria mesmo, para muito melhor. Embora persistam nuvens e zonas sombrias, a nossa
sociedade é hoje claramente mais justa e mais solidária do que no final dos anos 70 do século passado. Os
níveis de discriminação são bem inferiores e o nível de proteção da parentalidade pouco ou nada tem a ver
com o que então (quase não...) se verificava.
Mas o caminho a percorrer é ainda longo, não apenas nos domínios da promoção da igualdade e do combate
à discriminação nos locais de trabalho – onde há ainda muito por fazer –, mas também (e quase me atrevo
a dizer, sobretudo...) nas matérias relativas à conciliação da vida profissional, familiar e pessoal em que
a evolução recente não é certamente tão positiva...
É esse o desafio que aqui gostava de lançar à CITE, com a expetativa e o desejo de, na data do 50.º aniversário,
poder aqui voltar e testemunhar os progressos entretanto alcançados.
51
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Pedro Silva PereiraMinistro da Presidência, de março de 2005 a junho de 2011.
Os 40 anos de vida da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) merecem bem ser
assinalados. Ao longo das últimas quatro décadas, a CITE deu um contributo inestimável para a promoção
da igualdade de género no mundo do trabalho, num quadro de valorização do diálogo e da concertação
social. A tal ponto que se pode dizer, sem exagero, que a história do notável progresso que o País fez neste
domínio não ficaria completa, nem estaria bem contada, sem registar o papel determinante da CITE.
Tive oportunidade de conhecer de perto o trabalho da CITE quando tive a meu cargo a tutela política
da área da Igualdade entre 2005 e 2011, enquanto Ministro da Presidência do XVII e do XVIII Governos
Constitucionais - ambos do Partido Socialista. No primeiro desses Governos, entre 2005 e 2009, pude contar
com a valiosa colaboração do então Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Jorge
Lacão; no segundo, entre 2009 e 2011, contei com a colaboração, também extremamente meritória, da
então Secretária de Estado da Igualdade, Elza Pais. A ambos aproveito a oportunidade para prestar público
reconhecimento pelo excelente trabalho desenvolvido.
É-me grato recordar que, ao longo desses seis anos, as políticas para a igualdade de género conheceram em
Portugal um impulso significativo. Três avanços emblemáticos conseguidos nesse período ficaram a marcar,
de modo especial, a memória coletiva:
• A Lei da Paridade, aprovada em 2006 e aplicada pela primeira vez nas eleições de 2009, que estabeleceu
quotas mínimas de género nas candidaturas aos órgãos eletivos do poder político e permitiu superar,
finalmente, uma longa e inaceitável discriminação das mulheres quanto à sua participação na vida
política nacional e local;
52
• A despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, em 2007, na sequência de um intenso
debate público e de um concludente referendo nacional, que permitiu acabar com a infame perseguição
criminal das mulheres, erradicar a tragédia do aborto clandestino e assegurar o direito das mulheres
à saúde na realização da IVG;
• O novo regime das licenças de parentalidade, introduzido na revisão do Código do Trabalho de 2009,
que iniciou um importante movimento de aumento sucessivo do período de assistência dos progenitores
aos recém-nascidos e de fomento das licenças parentais partilhadas, contribuindo para uma melhor
conciliação entre a vida familiar e profissional e para a partilha das responsabilidades parentais.
Sem prejuízo da enorme relevância destes marcantes avanços civilizacionais, pode dizer-se que as políticas
de igualdade de género que tutelei entre 2005 e 2011 assentaram em cinco pilares fundamentais.
Em primeiro lugar, um amplo movimento de elaboração e implementação de Planos para a Igualdade
destinados a orientar e a promover na sociedade portuguesa um vasto pacote de medidas para uma cultura
de igualdade e de combate a todas as formas de discriminação de género. Além dos mais estruturantes
Plano Nacional para a Igualdade – Cidadania e Género e Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (nas
suas versões de 2007 e 2010), todos os ministérios produziram os seus próprios planos para a igualdade,
o mesmo tendo feito muitos organismos da administração pública, numerosas empresas públicas, mais de
uma centena de municípios e múltiplas empresas privadas, associações empresariais e outras instituições.
No caso das empresas públicas, esta orientação foi reforçada através dos Princípios de Bom Governo nas
Empresas do Setor Empresarial do Estado, fixados em 2007 por Resolução do Conselho de Ministros. Foi
ainda neste período, em 2007, que foi elaborado o primeiro Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres
Humanos (revisto depois, em 2010) e, em 2009, o primeiro Programa de Ação para a Eliminação da Mutilação
Genital Feminina (também revisto em 2010). De destacar, ainda, a aprovação, em 2009, do Plano Nacional
de Ação para a Implementação da Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas n.º 1325 sobre
Mulheres, Paz e Segurança e, em 2010, o Plano Estratégico de Cooperação para a Igualdade de Género
e Empoderamento das Mulheres, este no âmbito da CPLP. Todos estes instrumentos de planeamento,
ao nível da administração central e local, mas também ao nível do setor empresarial público e privado,
traduziram-se em incontáveis medidas e iniciativas a favor da igualdade de género.
53
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Em segundo lugar, o reforço dos meios institucionais ao serviço das políticas de igualdade de género.
Merecem destaque a criação, logo em 2006, da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) –
sucessora da Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher e da Comissão da Condição Feminina;
a criação, em 2008, da figura e do estatuto das conselheiras ou conselheiros para a igualdade, na administração
central e local; a elaboração de dezenas de protocolos de cooperação entre a CIG e os municípios e a criação,
em 2008, do Observatório do Tráfico de Seres Humanos. Ainda no plano institucional, vale a pena salientar
a importância de a tutela das políticas de igualdade estar sedeada na Presidência do Conselho de Ministros,
visto que essa opção orgânica favoreceu a coordenação e a integração de políticas, designadamente
o chamado “mainstreaming” de género. Isso facilitou, de modo considerável, o diálogo interinstitucional
– incluindo entre a CIG e a CITE – e permitiu, por exemplo, que todas as iniciativas legislativas submetidas
a Conselho de Ministros passassem a ficar sujeitas a um procedimento de ponderação do respetivo impacte
na igualdade de género.
Em terceiro lugar, o aumento expressivo dos meios financeiros para a implementação das políticas de
igualdade de género, sobretudo através da mobilização de fundos comunitários. Na verdade, a igualdade
de género foi assumida como um dos objetivos estratégicos do Quadro de Referência Estratégico Nacional
(QREN) e foi-lhe atribuído um dos eixos do Programa Operacional Potencial Humano, dividido em diferentes
tipologias, quatro das quais, com dotação de 36 milhões de euros entre 2007 e 2010, ficaram sob gestão da
CIG. Estes recursos permitiram financiar a implementação das medidas previstas nos diversos planos para
a igualdade, incluindo através do apoio a centenas de projetos de Organizações Não Governamentais (ONG).
Em quarto lugar, um grande investimento no combate à violência de género, à violência doméstica e ao
tráfico de seres humanos. Esse combate traduziu-se, essencialmente, em ações de prevenção e repressão
destes crimes, mas também de apoio às vítimas. Além de diversas campanhas de sensibilização, incluindo
em meio escolar, foi feita uma grande aposta no dinamismo da sociedade civil triplicando, de 42 para 145,
o número de projetos de ONG apoiados para ações de prevenção e combate à violência doméstica e de
género. Neste contexto, uma atenção especial começou então a ser dada ao problema da violência no namoro.
A Lei-Quadro de Combate à Violência Doméstica, de 2009, conferiu prioridade e urgência à investigação
dos crimes de violência doméstica; autonomizou formalmente esse tipo legal de crime, favorecendo a sua
54
perseguição e tratamento estatístico; instituiu programas dirigidos aos agressores; fomentou a utilização
de pulseiras eletrónicas e consagrou o estatuto das vítimas, enquadrando o seu acesso a diversos apoios
sociais e a medidas de teleassistência. Paralelamente, foi alargada a todo o País a rede de estruturas de
apoio às vítimas de violência doméstica e de género e foram criados núcleos de atendimento em mais de
metade das esquadras da PSP e postos da GNR; foram promovidas dezenas de ações de formação junto
das forças policiais e dos magistrados; foi desenvolvido um serviço telefónico de apoio às vítimas e foram
criadas 7 novas Casas Abrigo (passando a rede de 29 para 36).
Em quinto lugar, uma forte aposta na promoção da conciliação entre a vida pessoal, familiar
e profissional e no combate a todas as formas de discriminação de género no mundo do trabalho.
Além de um significativo investimento em creches e de diversas medidas laborais favoráveis à conciliação,
legislou-se para evitar a discriminação no acesso e exercício do trabalho independente, pôs-se fim
à discriminação no acesso das mulheres à carreira militar e procedeu-se a diversas iniciativas, incluindo
a implementação dos planos para a igualdade, para combater a discriminação de género no desenvolvimento
das carreiras profissionais, no acesso aos lugares de chefia e nas disparidades salariais. Para favorecer
a participação das mulheres no mercado de trabalho, foi também incentivada a atenção à igualdade no
âmbito da responsabilidade social das empresas e apoiado o empreendedorismo feminino, com mais
de uma centena de projetos envolvendo mais de um milhar de mulheres, que levaram à criação de centenas
de empresas individuais ou familiares.
É sobretudo neste último ponto, da defesa da igualdade e do combate à discriminação de género no
mundo do trabalho, que posso testemunhar a enorme importância do contributo da CITE, não apenas
assegurando o respeito pelos direitos previstos na lei, mas também promovendo, de forma pedagógica,
uma verdadeira cultura de igualdade no meio laboral. Quando exerci funções governativas nesta área,
tive, aliás, oportunidade de participar, mais do que uma vez, numa iniciativa da CITE em parceria com
a CIG - a atribuição do prémio “Igualdade é Qualidade” - justamente destinada a premiar boas práticas das
empresas ao serviço da igualdade. Hoje, ao fim de 40 anos, é a própria CITE que merece o prémio do nosso
reconhecimento pelos bons serviços prestados a favor da igualdade.
55
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Maria Helena André Ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, de outubro de 2009 a junho de 2011.
A CITE está de parabéns. Celebra 40 anos ao serviço da igualdade entre homens e mulheres no mundo
laboral, de combate contra a discriminação em função do sexo, da diminuição dos estereótipos ligados
aos papéis de género.
Um longo caminho percorrido, com resultados importantes, graças à competência e à dedicação das
equipas que têm trabalhado na CITE ao longos destes 40 anos. Qualidade técnica, uma grande dedicação
e motivação são condições essenciais para o sucesso e para trabalhar no sentido de tornar o mercado de
trabalho mais justo e mais inclusivo.
Apesar do longo caminho percorrido temos de reconhecer que há ainda muito a fazer para reduzir
as persistentes assimetrias de género ainda prevalecentes na sociedade e no mercado de trabalho.
Os desafios do mundo do trabalho actual são tão complexos, as mudanças tecnológicas, económicas
e sociais são tão rápidas e profundas, impondo acções cada vez mais determinadas e firmes, tanto pela parte
dos políticos e das políticas públicas, como dos parceiros sociais e dos homens e mulheres que constituem
as nossas sociedades.
40 anos de acção determinada da CITE não lograram eliminar os estereótipos sobre os papéis de homens
e mulheres na sociedade, no mercado de trabalho, na vida pessoal.
Um recente relatório, publicado pela OIT no âmbito das celebrações do seu 100° Aniversário, intitulado
“Um salto qualitativo para a Igualdade de Género para um melhor futuro do trabalho para todos” identifica
as lacunas chave na igualdade de género, os obstáculos estruturais que impedem o trabalho digno das
mulheres, bem como as medidas que devem tomar-se para aproveitar as novas oportunidades decorrentes
56
das mudanças no mercado de trabalho. Em 1919, a OIT aprovou as primeiras normas internacionais sobre
as mulheres e o trabalho. Passado um século, as mulheres representam uma força no mercado de trabalho,
superando barreiras que noutra época seriam consideradas impossíveis.
O relatório também relembra que nos últimos cinquenta anos, quando as mulheres começaram a entrar
de uma forma regular nos mercados de trabalho formais, o mundo do trabalho não se adaptou a elas. Pelo
contrário, exigiu-lhes que se adaptassem a um mercado de trabalho formatado por homens e para homens.
Para as mulheres, o emprego remunerado passou a representar mais uma tarefa, a juntar-se à sua longa
“lista de tarefas”. Não se questionou o tradicional “sistema de género”, onde a mulher era a “cuidadora”
e o homem o “sustento da família”. Estimava-se que o tempo das mulheres era “elástico” e, ao contrário
do dos homens, tinha muito menos valor. E mesmo nos casos em que são a única fonte de rendimentos
da família, continuam a ser consideradas como “elementos secundários” da força do trabalho. Não se
valorizaram as competências que as mulheres desenvolvem ao longo das suas vidas no âmbito da
multiplicidade das tarefas que executam.
Ultrapassar esta situação, atingir o objectivo de as mulheres trabalharem em pé de igualdade com
os homens, requer uma acção multidisciplinar e o empenho ativo de decisores políticos, parceiros sociais
e as próprias mulheres e os homens.
Temos de analisar as razões porque muitas das leis, políticas e instituições criadas em nome das mulheres
não têm atingido o impacto que se desejava. Garantir que as mesmas são dotadas de recursos suficientes,
com objectivos claros, níveis de seguimento e avaliação sérios, nomeadamente em relação ao impacto
que produzem. Continuar a melhorar os níveis de proteção, clarificar as relações contratuais e os níveis
de remuneração de muitos tipos de empregos onde as mulheres estão sobre-representadas, como
os empregos atípicos, os empregos por conta própria ou a economia do cuidado.
57
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
A disparidade salarial entre homens e mulheres a nível global é de cerca de 20%, em Portugal de 16,3%,
em 2017. Apesar do reconhecimento generalizado de que as desigualdades salariais têm de ser resolvidas,
o progresso tem sido lento, com altos e baixos. Uma vez mais temos de analisar as causas e, sobretudo
reconhecer que a desigualdade salarial resulta da desigualdade de género no mercado do trabalho e na
sociedade, incluindo o acesso mais limitado das mulheres ao emprego remunerado, a sub-utilização das
suas competências, a desigual divisão de tarefas domésticas, ou a sobre-representação das mulheres nos
empregos mal pagos e vulneráveis. Os sistemas de fixação de salários são um factor que contribui para
a desigualdade salarial generalizada e para determinar a posição das mulheres na estrutura salarial.
O debate lançado pela OIT em torno do Futuro de Trabalho representa igualmente uma oportunidade para
acabarmos com a desigualdade de género.
Muitos estudos dizem-nos que a digitalização representa uma fonte de oportunidade de emprego para as
mulheres, uma vez que elimina algumas das barreiras que as impede de aceder a trabalhos “masculinos”
e, dessa forma, reduzir a segregação ocupacional por motivos de género. O trabalho organizado nas
plataformas digitais poderá igualmente representar uma nova oportunidade para as mulheres.
O papel das políticas públicas, do diálogo social e da negociação coletiva são fundamentais para ultrapassar
os obstáculos ainda persistentes.
Promover mudanças de carácter cultural nos homens em geral e uma política mais igualitária por parte das
empresas, incluindo, por exemplo, a obrigação de informar sobre os salários pagos a homens a mulheres.
Faço votos para que a CITE continue a dizer presente nesta longa caminhada pela igualdade de género
no mercado de trabalho e na sociedade.
58
Álvaro Santos PereiraMinistro da Economia e do Emprego, de junho de 2011 a julho de 2013.
Celebrar os 40 anos da criação da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) é uma
excelente ocasião para revisitarmos a importante questão da igualdade entre homens e mulheres, bem
como para percebermos de quão longe viemos, mas também o quanto ainda há para andar.
Quando a CITE foi criada, a questão da igualdade laboral entre mulheres e homens ainda estava a dar
os primeiros passos no nosso País. Nessa altura existiam enormes desigualdades salariais e desigualdades
laborais entre homens e mulheres. Aliás, e apesar de todo o atraso económico e social que registávamos na
altura, a verdade é que Portugal não era caso único nas gritantes desigualdades que existiam entre mulheres
e homens no mundo do trabalho. Há 40 anos, havia muito poucas mulheres na Política, muitíssimo poucas
nos quadros superiores das empresas públicas e privadas, bem como nas universidades e em inúmeras
profissões. Isto era assim no nosso País, mas também um pouco por toda a Europa e na América do Norte,
com muito poucas honrosas excepções.
Neste sentido, a criação da CITE serviu não só para despertar consciências e denunciar desigualdades, mas
também para promover a igualdade de género numa altura em que poucos estavam despertados para estas
questões. Assim, a CITE foi uma instituição verdadeiramente pioneira na nossa jovem democracia e que,
desde então, se tem destacado pela promoção do combate de uma das desigualdades ainda mais enraizadas
em Portugal, na Europa e no mundo.
Como disse, não há dúvidas que progredimos muito nas últimas décadas na promoção da igualdade laboral
entre homens e mulheres. Atualmente, os conselhos de administração empresariais já não constituem,
felizmente, um monopólio masculino, a composição dos governos e das câmaras municipais é muito mais
equilibrada em termos de género, e já não há profissões que barram a entrada de trabalhadores do sexo
feminino (e vice versa).
59
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Porém, apesar destes avanços, a verdade é que ainda há um longo caminho por percorrer até podermos dizer
que existe uma verdadeira igualdade entre mulheres e homens no trabalho e no emprego. Para percebermos
porquê, basta atentarmos para os gráficos seguintes. O primeiro gráfico mostra os dados mais recentes sobre
a diferença salarial (wage gender gap) entre homens e mulheres nos países da OCDE em empregos equivalentes.
Como podemos ver, a diferença salarial entre os homens e as mulheres ainda permanece mais elevada do que
a média da OCDE e é significativamente mais alta do que em países como o Luxemburgo, a Bélgica e a própria
Grécia. Um facto que não nos pode orgulhar e que urge corrigir o quanto antes.
Acima de tudo, é fundamental que implementemos o mais rapidamente possível o princípio de que trabalhos
iguais devem ter salários iguais. No mundo de hoje, discriminações salariais entre homens e mulheres que
se devam somente a questões de género não só não são aceitáveis, como são verdadeiramente intoleráveis
e um obstáculo ao progresso.
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Diferença salarial entre Homens e Mulheres
Fonte: OCDE, Gender Data Portal
60
Por outro lado, no próximo gráfico podemos ver a percentagem de mulheres em conselhos de administração
em empresas cotadas em Bolsa nos países da OCDE. Uma vez mais, Portugal não aparece bem na fotografia,
pois estamos bastante abaixo da média da OCDE e incomensuravelmente pior do que países como a França,
a Islândia ou a Noruega. Neste campo, até tem havido algum progresso. Assim, se hoje em dia os conselhos
de administração das empresas cotadas têm somente 16% de mulheres como membros, há menos de uma
década esse número era muito inferior, a rondar uns escandalosos 5%. De qualquer maneira, como é óbvio,
ainda há muito por andar até chegarmos a valores perto da paridade entre homens e mulheres.
Fonte: OCDE, Gender Data Portal
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Percentagem de Mulheres em Conselhos de Administração de Empresas Cotadas na Bolsa
61
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Em suma, embora as desigualdades de género tenham vindo a diminuir um pouco por todo o lado,
a verdade é que não nos podemos dar por satisfeitos com o actual estado de coisas. As políticas podem
fazer mais, as empresas podem fazer mais, e todos nós podemos fazer bem mais. Para que tal aconteça,
instituições como a CITE são verdadeiramente fundamentais. Por isso, é importante aproveitarmos
a celebração dos 40 anos da CITE para não só nos congratularmos pelo progresso alcançado, mas
principalmente para nos consciencializarmos que o trabalho não estará acabado até termos atingido uma
verdadeira igualdade de género no trabalho e no emprego.
62
António Pires de LimaMinistro da Economia, de julho de 2013 a outubro de 2015.
Celebrando-se em 2019 os 40 anos de actividade da CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no
Emprego – não quis, enquanto Ministro da Economia de 2013 a 2015, deixar de me associar à efeméride
felicitando a Comissão pelo trabalho desenvolvido.
Portugal ocupa em 2018 a 37ª posição entre 149 países no ranking de paridade do género publicado pelo
World Economic Forum. Da análise do mesmo concluímos ser uma necessidade premente transformar
a paridade já existente a nível educacional numa participação equivalente a nível empresarial e político.
De acordo com um estudo recente da McKinsey as empresas com maior participação de mulheres no topo da
gestão obtêm resultados financeiros substancialmente superiores. Um outro estudo, do Boston Consulting
Group, conclui que as empresas onde os homens são envolvidos, motivados e responsabilizados pela agenda
da paridade do género, obtêm um progresso de 96% na aplicação das políticas contra 30% quando o não são.
Com essas preocupações recordo os acordos de compromisso assinados pelo Governo de que fiz parte
com empresas de referência cotadas para promover a igualdade de género e o acesso de mulheres aos
Conselhos de Administração. Esse compromisso tem-se traduzido em progressos graduais mas seguros
nas maiores empresas portuguesas em matéria de igualdade de género. Uma evolução que desejo possa
servir de exemplo para o restante tecido empresarial, nomeadamente as pequenas e médias empresas que
constituem o núcleo da economia portuguesa.
É uma questão de justiça mas, também, pragmática: a de não desperdiçarmos o talento que constitui
a capacidade das mulheres, bem visível nas instituições que já lideram.
63
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Pedro Mota SoaresMinistro da Solidariedade e Segurança Social, de junho de 2011 a julho de 2013,
e Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, de julho de 2013 a novembro de 2015.
40 anos da CITE, 40 anos de verdadeiro progresso na Igualdade no Trabalho e no Emprego
Gender Gap. Um dos trends mais populares na comunicação actual. E há quanto tempo andamos nós
a tentar corrigi-lo?
Quando, há 40 anos atrás, foi instituída a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego deu-se
um importantíssimo passo na correção da desigualdade e não discriminação entre homens e mulheres no
mundo laboral.
Este organismo veio eliminar uma lacuna que ainda existia e que, devido às já notórias evoluções
profissionais que estavam a ocorrer em Portugal, era urgente ser criado.
Ao longo destes 40 anos o trabalho desenvolvido pela CITE, apesar de ser de elevada importância, nem
sempre encontrou um caminho fácil, tendo, por vezes – e logo no seu início – deparando-se com muitas
dificuldades.
Felizmente que, devido à evolução em termos de consciência social que o país protagonizou, hoje em dia,
quer a igualdade e não discriminação entre homens e mulheres no mundo laboral, quer o trabalho da CITE
são amplamente reconhecidos.
Um dos aspetos que contribuiu para este reconhecimento, prende-se com o facto de a CITE ter sabido
sempre acompanhar as evoluções do mercado de trabalho, encarando as novas realidades, compreendendo
os novos desafios e estando atenta aos novos problemas que têm surgido.
64
Durante o período em que tive a honra de exercer o cargo de Ministro da Solidariedade, Trabalho
e Segurança Social, e no qual tive o enorme gosto de colaborar com a CITE, não posso deixar de referir a forma
sempre cordial, sempre profissional, e sempre muito humana e realista como trabalhamos em conjunto.
Se já tinha a melhor das impressões da CITE, após ter passado pelo Governo, essa impressão saiu fortemente
valorizada.
Uma das maiores desigualdades que persiste é a dificuldade acrescida que as mulheres ainda têm em
conciliar a vida profissional com a vida pessoal em relação aos homens.
É uma enorme insensibilidade social e de uma descomunal injustiça, que ainda hoje existam tantas
dificuldades para a mulher conseguir conciliar o desejo de ser mãe com o exercício do seu trabalho
e a progressão na sua carreira. Esta pode mesmo ser uma das maiores desigualdades que existe entre
homens e mulheres em termos laborais.
Se quisermos fazer uma perspetiva de quais são os novos desafios que o século XXI impõe a toda
a sociedade na área da igualdade e não discriminação entre mulheres e homens no mercado de trabalho,
não podemos ignorar como um dos mais importantes, a desigualdade que ainda existe em termos da
conciliação entre família.
Neste sentido, o papel que a CITE pode e, com certeza, vai ter nesta matéria, será decisivo, como foi noutras
matérias ao longo destas 4 décadas, para que esta que é uma das principais desigualdades atuais, seja cada
vez menos relevante.
Por último, não posso deixar de dar uma palavra de parabéns a todos e a cada um dos profissionais que
no decorrer destes 40 anos contribuíram empenhadamente, e de forma decisiva, para o sucesso deste
organismo, ao qual o país muito deve e com o qual muito ainda há a fazer.
65
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Octávio Félix de OliveiraSecretário de Estado do Emprego, de julho de 2013 a de outubro de 2015.
CITE – 40 anos a promover a igualdade e não discriminação entre homens e mulheres no trabalho,
no emprego e na formação profissional
Na ocasião em que a CITE cumpre quatro décadas de existência é relevante enaltecer o trabalho
desenvolvido, no cumprimento da missão e dos objetivos estabelecidos, pelos que a dirigiram e dirigem,
e nela trabalharam e trabalham, e reconhecer a importância e contributo para um mercado de trabalho com
maior aproximação no enquadramento do género e de concretização de direitos sociais.
A configuração e composição da CITE corporizam as condições para a existência de um diálogo social, de
uma cultura de concertação, que considero relevante para as concretizações, ao nível da não discriminação
no mundo laboral, do esbatimento das desigualdades entre homens e mulheres, na proteção da mater-
nidade e da paternidade, e da importante conciliação entre a vida profissional e a vida familiar.
O papel desenvolvido na proteção dos direitos instituídos das mulheres, em matéria de igualdade e não
discriminação, e a promoção da igualdade salarial terão constituído, em especial esta última, as principais
preocupações.
Apesar dos progressos registados, e das mulheres terem qualificações cada vez mais elevadas, ultra-
passando até o nível de habilitações académicas dos homens, de registarem uma maior presença no ensino
superior, a sua participação no mercado de trabalho e, em consequência, a independência económica,
continua a ser consideravelmente inferior à dos homens, circunstância agravada quando consideramos
o emprego a tempo inteiro.
66
Concretizar um maior nível de participação da mulher no mercado de trabalho, não é hoje só um imperativo
social, mas também um imperativo económico, face ao envelhecimento demográfico e à diminuição da
população ativa, uma dupla dimensão que poderá ajudar à realização.
Este será o grande desafio no futuro imediato, o que na prática coloca a conciliação da vida profissional
e familiar como a principal preocupação, em linha com a – Iniciativa em prol da conciliação da Vida
Profissional e familiar de progenitores e cuidadores – um conjunto ambicioso de medidas legislativas e não
legislativas, integradas numa comunicação da Comissão Europeia, de 2017.
Uma melhor conciliação da vida profissional e familiar dos homens e mulheres que cuidam de familiares
dependentes, com base em novas licenças, modalidades flexíveis de trabalho, favorecidas pela economia
digital, poderá proporcionar não só avanços decisivos no que toca à igualdade entre homens e mulheres,
relativamente às oportunidades e tratamento no mercado de trabalho, mas também ganhos em matéria de
crescimento e emprego.
Novas políticas públicas que privilegiem a partilha de responsabilidades familiares entre os membros do
casal, as condições para o bem-estar e a qualidade de vida no trabalho, não só poderão proporcionar uma
maior participação das mulheres no mercado de trabalho, mas também condições para o desenvolvimento
de carreiras, com implicações na igualdade salarial, no plano social, e no valor acrescentado, pelo potenciar
de novos talentos.
Continuar a promover a igualdade e a não discriminação.
67
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Luís Marques Guedes e Teresa MoraisMinistro e Secretária de Estado com a tutela da igualdade, no XIX Governo Constitucional, de junho de 2011 a outubro de 2015.
Um mandato a batalhar por mais igualdade
Foi com sentido de responsabilidade e uma inabalável convicção que abraçámos a tutela política sobre
a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, atribuição que, nos termos da lei orgânica do
XIX Governo Constitucional, se articulou com o Ministro da Solidariedade e da Segurança Social, numa
parceria frutuosa47.
Numa legislatura marcada pela exigente execução do Programa de Assistência Financeira, que obrigou
a uma difícil contenção de despesa a todos os níveis do funcionamento do Estado, cremos que não faltaram
à área da igualdade em geral, e à CITE em particular, os meios suficientes à realização da sua missão essencial48.
Entre 2011 e 2015 a CITE concentrou um esforço significativo, também por orientação política, em três áreas
que destacamos: a promoção da igualdade entre mulheres e homens no trabalho, com especial enfoque no
combate às diferenças salariais, a conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar e a implementação
de medidas para um melhor acesso das mulheres a lugares de direção nas empresas.
Para o trabalho executado nestas, como em outras matérias, foi fundamental o diálogo que inovadoramente
se alavancou na concertação social.
47 Art.º 16 da Lei Orgânica do XIX Governo Constitucional.48 “(…) prosseguir a igualdade e a não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional (…)”, Art.º 2º
do DL 76/2012, de 26 de março.
68
Pela primeira vez foram realizadas reuniões com a Comissão Permanente da Concertação Social (em 2012,
2014 e 2015). A primeira, dedicada ao tema da igualdade de género no mercado de trabalho em Portugal,
teve como objetivo suscitar a discussão e aferir da sensibilidade e disponibilidade dos parceiros sociais.
Discutiu-se naquela sede, pela primeira vez de uma forma estruturada, a necessidade de promover medidas
de melhor conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal, o equilíbrio na representação de mulheres
e homens nos Conselhos de Administração, e o combate à desigualdade salarial.
Na segunda reunião foi apresentado e discutido o I Relatório sobre Diferenciações Salariais por Ramos de
Atividade, em cumprimento da RCM n.º 18/2014, de 7 de março.
Por último, na reunião de Abril de 2015, foram apresentadas pelo Governo e discutidas com os parceiros
sociais as Recomendações entretanto elaboradas.
No final deste trabalho, era já evidente a mudança manifestada por alguns dos parceiros, que passaram
de uma desconfiança para com a prioridade assumida pelo Governo, para uma abertura e disponibilidade
reveladoras de uma real mudança de atitude. Não se esquece a incómoda surpresa expressa por
representantes de associações patronais perante a demonstração da evidência de diferenças salariais
injustificadas nos seus setores de atividade económica, realidade que ninguém até ao momento havia
comprovado documentalmente.
Justificam particular referência, no âmbito da promoção da igualdade no mercado de trabalho, as decisões
tomadas pelo Governo em domínios como a participação equilibrada de mulheres e homens nos órgãos de
gestão das empresas, a igualdade salarial e a segregação sexual do mercado de trabalho49.
49 RCM n.º 19/2012, de 8 de março; RCM n.º 13/2013, de 8 de março; RCM n.º 18/2014, de 7 de março e RCM n.º 11-A/2015, de 6 março.
69
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Em 2012 tornámos imperativa para o sector empresarial do Estado a adoção de planos para a igualdade
no sentido de alcançar uma efetiva igualdade de tratamento entre homens e mulheres, recomendando-se
ainda idêntica prática às empresas do sector privado.
Em 2013 determinou-se a elaboração do já referido Relatório sobre Diferenciações Salariais por Ramos de
Atividade, com um concreto levantamento sobre as diferenças remuneratórias praticadas nas diversas
atividades económicas.
Em 2014 o Governo marcou a agenda da concertação social, levando à elaboração de Recomendações
concretas com o objetivo da eliminação dessas diferenças salariais sem justificação objetiva.
O tema teve sequência na RCM aprovada sobre esta matéria em 2015 que criou um apoio técnico gratuito
a fornecer às empresas para a implementação de uma estratégia efetiva de eliminação dessas diferenças.
Este apoio visou, numa primeira fase, municiar 196 empresas.
De notar que, depois de uma trajetória crescente desde 2005 até 2012, em 2013 registou-se a primeira
redução destas diferenças que, de acordo com os dados do Eurostat, desceram de 14,8% para 13%,
aprofundando a nossa melhoria em relação à média então registada na União Europeia, de 16,4%.
Infelizmente, as últimas estatísticas conhecidas nesta matéria não revelam progressos50.
Integrada nestas iniciativas foi criada pela CITE uma ferramenta que veio permitir às empresas e outras
entidades empregadoras realizarem um exercício de autoavaliação sobre a igualdade salarial entre homens
e mulheres – a Calculadora DSG –, que foi reconhecida pela Comissão Europeia como uma medida de boas
práticas.
50 De acordo com os últimos dados disponibilizados pelo Eurostat (relativos a 2017) a diferença salarial registada em Portugal era de 16,3%.
70
A sensibilização para a causa da igualdade passa necessariamente por ações desenvolvidas pela CITE nas
áreas da sua competência. Destacamos, em 2013, o lançamento, em parceria com a Secretaria de Estado
do Emprego, de uma campanha nacional de promoção para a conciliação entre a vida profissional e a vida
familiar, a que se deu o mote “Tempo para ter tempo”.
Com o mesmo objetivo, em junho de 2015, foi lançada uma campanha sobre a representação de mulheres
na tomada de decisão económica, ano em que pioneiramente se celebrou com um alargado número de
empresas cotadas, um compromisso pelo qual se vincularam a integrar 30% do sexo sub-representado nos
seus Conselhos de Administração até 2018. Foi um acordo difícil, negociado com cada uma das empresas,
vencendo resistências e preconceitos, mas que ficará como um marco único de viragem na história dos
compromissos empresariais na área da igualdade no trabalho.
Centrados que estivemos nas causas acima identificadas outras, de premente necessidade de investimento
político, não foram esquecidas:
• foi elaborado e divulgado pela CITE o manual de “Prevenção e combate de situações de assédio no local de
trabalho: um instrumento de apoio à autorregulação” (2013),
• diversas medidas concretas foram tomadas para facilitar o acesso ao trabalho por parte das vítimas de
violência doméstica,
• legislou-se de forma consequente no domínio das medidas ativas de emprego, criando-se um apoio
financeiro majorado à contratação de mulheres com baixas qualificações e de trabalhadores do sexo
menos representado em sectores de atividade que tradicionalmente empregam uma maioria de
pessoas do mesmo sexo (Estímulo 2012 e 2013, Programa Formação-Algarve e Portaria n.º 84/2015).
Todas estas medidas de estímulo tiveram resultados assinaláveis que beneficiaram maioritariamente
a criação de empregos para mulheres.
Na impossibilidade de recordar neste espaço tudo o que se fez durante um mandato, não podemos deixar
de sublinhar uma das mais emblemáticas inovações legislativas introduzidas. A Lei n.º 67/2013, de 28 de
71
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
agosto, que aprovou a Lei-Quadro das entidades administrativas independentes com funções de regulação
da atividade económica dos sectores privado, público e cooperativo, estabeleceu que no provimento do
cargo de presidente do conselho de administração, fosse garantida a alternância de género e, no provimento
dos cargos de vogais, fosse assegurada a representação mínima de 33% de cada um dos sexos, desbravando
um caminho que não mais pode ser ignorado nas iniciativas legislativas subsequentes.
No final do mandato do XIX Governo Constitucional ficou-nos a consciência da imensidão da tarefa que
continuamente deverá ser completada, para que se conquiste, sem conformismos, a igualdade plena entre
mulheres e homens mas, ao mesmo tempo, um sentimento gratificante de ter contribuído para alterar más
práticas instaladas, derrubar imobilismos e registar avanços quantificáveis numa batalha que é de todos,
porque é civilizacional.
72
José António Vieira da Silva Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, de março de 2005 a outubro de 2009,
e Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, de novembro de 2015 até ao presente.
CITE: 40 anos de diálogo tripartido ao serviço da igualdade
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego é uma instituição dotada de duas características que
se tornam invulgares quando associadas: o seu tripartidarismo e a sua natureza colegial, que originam uma
comissão partilhada por vários membros representantes de três partes: governo, trabalhadores e entidades
empregadoras.
Celebrar os 40 anos da CITE sem fazer uma viagem retrospetiva sobre a sua criação, desenvolvimento
e evolução, ao longo de quatro décadas, seria uma oportunidade desperdiçada de demonstrar o enorme
poder que o diálogo social tem de gerar as capacidades institucionais necessárias para operar a mudança, de
ser argumentista e não mero espetador, quer para a agenda transformadora para a igualdade de género no
trabalho e no emprego, quer para a agenda reformadora do mercado de trabalho em geral.
Foi após a aprovação da Constituição da República de 1976, e inspirada pelo exemplo sueco, que se
caraterizava não pela defesa dos direitos das mulheres, mas sim pela luta pela igualdade entre homens
e mulheres no trabalho, assente num modelo de concertação entre o Estado e os representantes dos
empregadores e trabalhadores, que surgiu a ideia de convocar o envolvimento dos parceiros sociais
portugueses para a elaboração de uma proposta legislativa de promoção da igualdade no trabalho e no
emprego em Portugal. Desta discussão tripartida nasceu a CITE, um mecanismo oficial para a igualdade
entre homens e mulheres, com a missão de promover e garantir a aplicação da legislação e convenções
internacionais, a que foi conferida composição tripartida para reforçar a sua autoridade e independência no
73
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
combate à discriminação em matéria de igualdade de oportunidades entre mulheres e homens no emprego,
na formação profissional e no trabalho.
É assim evidente que a filosofia subjacente à criação da CITE se posicionou desde sempre muito além da
defesa dos direitos das mulheres, ao contrário do que se passava com a Comissão da Condição Feminina,
e desde o primeiro momento foi concebida como um instrumento de intervenção pública com o objetivo
de tornar as mulheres mais iguais aos homens no acesso e manutenção do emprego, e os homens mais
iguais às mulheres quanto aos direitos de pais trabalhadores, tentando-se promover o equilíbrio de género
no trabalho e no emprego, até ali negado por lei e descurado pela sociedade.
Tive a oportunidade de, enquanto ministro com responsabilidades na área laboral em duas legislaturas
diferentes, acompanhar de perto o trabalho desenvolvido pela CITE ao longo dos anos e testemunhar o seu
inestimável contributo para a mudança de mentalidades no mercado de trabalho, em particular no combate
aos estereótipos de género centrados na maternidade, no combate às discriminações salariais a desfavor
das mulheres, na promoção de uma maior partilha das licenças parentais entre mães e pais trabalhadores,
e na promoção da conciliação do trabalho com a família e a vida pessoal.
Um dos pontos mais distintivos deste trabalho desenvolvido pela CITE é sem dúvida a forma eficaz como
representantes de serviços do Estado e representantes dos parceiros sociais se sentam à mesa, quase
semanalmente, há 4 décadas. E como ultrapassando potenciais constrangimentos discutem casos concretos
sobre os quais têm a capacidade para analisar e esgrimir argumentos, disputando pontos de vista por vezes
de difícil conciliação, mas sem nunca se eximirem de decidir, às vezes até contra os seus serviços ou contra
os seus associados. E é esta capacidade de encontrar as melhores soluções que só o diálogo social tem,
que nos deve guiar para enfrentar os desafios que o futuro do trabalho nos irá trazer, não só na área da
igualdade de género.
Um aspeto muito positivo, que resulta diretamente do caráter tripartido da CITE, é o facto de tal ter vindo
a possibilitar alterações legislativas criativas, que se não contassem com o envolvimento dos parceiros
74
sociais na sua aplicação prática não seriam exequíveis. Por exemplo, a competência atribuída à CITE em
1984 para a emissão de parecer prévio obrigatório ao despedimento de trabalhadora grávida, puérpera
e lactante (e desde 2010 também ao trabalhador no gozo de licença parental), é uma solução impar no
direito comparado e que tem sido apontada como uma boa prática em diversos foros internacionais, pois
permite detetar situações de eventual discriminação de género numa fase anterior à sua concretização,
sendo por isso um mecanismo preventivo e não um mecanismo de reparação. Outro exemplo que vale
a pena referir foi o reforço da autonomia da CITE em 2010, ao tornar-se formalmente no único mecanismo
de igualdade nacional reconhecidamente independente, âmbito em que foi reforçada a sua composição
tripartida, ao deixar de ser isósceles (até esta data a parte governamental tinha mais representantes)
e passar a ser equilátera, à semelhança do que acontece na Comissão Permanente de Concertação Social.
E ainda em 2010 foi aditada uma nova competência inédita, que visa a apreciação da conformidade das
cláusulas dos Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho, com os princípios e normas sobre
igualdade e não discriminação de género. Esta é uma competência que se reveste da maior importância
para a atualização dos conteúdos dos Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho, que coloca
os próprios parceiros a analisarem de forma crítica e construtiva as suas próprias convenções coletivas numa
perspetiva de combate à discriminação de género, num exercício de diálogo tripartido sem paralelo, e que
só pode acontecer numa instituição em que a prática do diálogo social já entrou na fase madura.
E é com particular satisfação que vi ser aprovada a recentíssima e ambiciosa Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto,
que visa promover o combate à discriminação salarial de género e que atribui à CITE um papel principal
ao conferir-lhe a competência de emitir pareceres vinculativos sobre a existência de casos de discriminação
remuneratória, a pedido dos trabalhadores e dos representantes sindicais.
Naturalmente que não temos soluções perfeitas nem isentas de erros e são muitos os desafios por
ultrapassar. Mas tal não nos impede de afirmar que a CITE é provavelmente um dos exemplos mais criativos
e emblemáticos de exercício do diálogo social tripartido na Administração Pública portuguesa. Hoje, como
há 40 anos, os desafios que se lhe colocam só poderão ser atingidos através da prossecução de soluções
conjuntas alcançadas pelo diálogo tripartido, tal como tem sido sempre o denominador comum da sua
atuação.
75
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Eduardo Cabrita Ministro-Adjunto, de novembro de 2015 a outubro de 2017.
“A igualdade não é um tema de mulheres”
Esta afirmação, que proferi várias vezes enquanto fui responsável pela área da Igualdade no XXI Governo
Constitucional, é muito mais que um slogan que balizou a nossa intervenção. Foi a manifestação de uma
profunda convicção sobre a urgência de quebrar barreiras, as ruidosas e as silenciosas, que ainda separam
homens e mulheres numa democracia como a nossa, madura e consolidada. Cabe aos homens, tanto como
às mulheres, reconhecer que a igualdade formal alcançada ao longo das últimas décadas nem sempre se tem
traduzido em igualdade efetiva. É responsabilidade, de todos e de todas, tudo fazer para travar gritantes
formas de discriminação, nomeadamente no mundo do trabalho e das organizações. E é uma obrigação de
qualquer governo neutralizar essas formas de discriminação que penalizam as mulheres, designadamente
no que respeita às oportunidades e condições de trabalho, de progressão nas carreiras e no acesso
às estruturas de topo de decisão.
Foi, por isso, um privilégio poder contribuir, através de medidas legislativas mas também de outras
iniciativas ligadas à educação e à sensibilização, para uma mudança de paradigma que, estou certo, terá
os justos efeitos a médio e longo prazo.
Começámos por elaborar uma “Agenda para a Igualdade no Mercado de Trabalho e nas Empresas”,
documento que debatemos com os parceiros sociais e que foi o eixo estratégico para a definição de
políticas de alcance estrutural em cinco áreas: combate às desigualdades e disparidades salariais; combate
à segregação nas profissões; parentalidade; conciliação da vida pessoal, familiar e profissional; e paridade
nos cargos de decisão.
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Sim, é preciso legislar porque a autorregulação já provou que é ineficaz e porque, dizem vários estudos,
o tempo demora demasiado tempo a equilibrar o que é manifestamente desequilibrado.
Sim, é necessário apostar na informação e na sensibilização das camadas mais jovens, porque as raízes de
muitas das desigualdades estão nos estereótipos e papéis sexuais assentes numa ideologia de género
segregadora, que continua a separar os mundos dos homens e das mulheres, colocando os primeiros no
domínio público e laboral e as mulheres no domínio do privado e dos cuidados.
Não foi, naturalmente, uma surpresa todo o tipo de resistências com que nos deparámos quando propusemos
a paridade nos cargos de decisão para as empresas cotadas em bolsa e para o setor empresarial do Estado.
Já tinha sido assim, lembro-me bem, dez anos antes, quando foram impostas regras de igualdade na
composição das listas eleitorais. Apesar de todas as resistências e do sempre previsível discurso dos perigos
da imposição em detrimento do “mérito”, serão poucas as vozes que, hoje, questionam que estamos melhor
representados, no parlamento e nas autarquias locais, com esta participação mais expressiva das mulheres.
De facto, desde a década de 90 que se reconhece que os fatores da exclusão e sub-representação das
mulheres na decisão económica não radicam nas caraterísticas ou em alegados “défices individuais” das
mesmas. São o resultado das práticas e das estruturas organizacionais profundamente enraizados, que se
traduzem na falta de equidade nas oportunidades de promoção ou na desproporção numérica de homens
e mulheres em posições hierárquicas. Tudo isto quando as mulheres representam a maioria da população
com escolaridade superior. Esta exclusão, além de incompreensível, significa um inaceitável desperdício
de talentos.
A segregação acontece desde o momento das opções formativas, conhecendo-se o problema da reduzida
presença de raparigas nas áreas das matemáticas, engenharias e informáticas. Uma intervenção precoce,
logo no domínio da orientação vocacional das nossas jovens, levou-nos a desenvolver iniciativas como
o “Engenheiras por um Dia”, que visa prevenir e combater a segregação das ocupações profissionais em
razão do sexo.
77
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Particular satisfação deu-nos também o arranque da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania,
numa primeira fase em 235 escolas públicas e privadas de todo o país, que passaram a incluir nos curricula
projetos que promovem a construção de sociedades mais justas e inclusivas, que respeitam a diversidade
e os direitos humanos e que previnem os estereótipos de género.
Outra das preocupações foi a de eliminar os diferenciais remuneratórios entre homens e mulheres,
diferenciais esses que atingem, sobretudo, as mulheres com mais qualificações, não obstante o princípio de
que a trabalho igual e de igual valor corresponde salário igual. Estes diferenciais têm impactos ao longo da
vida das mulheres e determinam-lhes níveis de pobreza mais elevados, sobretudo na velhice.
Por isso, foram analisadas práticas em países pioneiros nesta área, como a Alemanha e a Islândia, e foi
desenvolvida uma proposta que deu origem à atual Lei de promoção da igualdade remuneratória, que
entrou em vigor em Fevereiro deste ano. Esta lei é fundamental e coloca Portugal na linha da frente no
combate à discriminação salarial em razão do sexo, porque cria mecanismos que efetivam a proibição de
discriminação que já consta da nossa Constituição e do nosso Código do Trabalho.
Por um lado, esta lei permite-nos ter melhor informação estatística destas disparidades e determina
às entidades empregadoras que passem a dispor de uma política remuneratória transparente que assente
os salários na avaliação objetiva e não discriminatória do valor das funções exercidas. Por outro lado, à ACT
e à CITE é atribuído um papel crítico na interação com as entidades empregadoras para que estas procedam
à avaliação das disparidades identificadas e corrijam aquelas que sejam discriminatórias.
Esta é uma questão geracional. Demos passos significativos, que estão a ter continuidade e que não
podem, nunca, perder fôlego. Porque este impulso nas políticas de igualdade tornará Portugal um país mais
competitivo, mais rico e mais justo. Para homens e para mulheres.
Parabéns à CITE pelo caminho que tem desbravado ao longo destes 40 anos e que tanto nos inspirou.
78
Miguel Cabrita Secretário de Estado do Emprego, de novembro de 2015 até ao presente.
“(...) a igualdade consagrada na Constituição não será alcançada por mera obra da lei, tão fundadas são as raízes
sociais, económicas e políticas em que assenta a discriminação das mulheres (...)” 51
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) representa a consagração institucional da
importância atribuída pelos poderes públicos às questões da igualdade no trabalho e no emprego, em
contexto laboral e de formação, e da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal.
Criada em 1979, através do Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de setembro, a CITE surgiu para responder
à manifesta distância entre aquilo que o ordenamento jurídico português previa e a realidade que emergia
da prática. Um desajustamento que, ainda hoje, 40 anos e tantos esforços e progressos depois, não está
inteiramente erradicado da sociedade portuguesa, como aliás de outras.
Com efeito, consagrado constitucionalmente o direito à igualdade de todos os cidadãos e estabelecida
a recusa de quaisquer privilégios ou discriminações fundados no sexo, existiam há 40 anos, e subsistem
ainda hoje, diversas formas de desigualdade e níveis de desigualdade com significado, bem como práticas
de discriminação entre mulheres e homens, nomeadamente no mundo do trabalho.
Em 1979, o legislador entendeu, com uma atualidade que nos deve interpelar, que “a igualdade consagrada
na Constituição não será alcançada por mera obra da lei, tão fundadas são as raízes sociais, económicas
e políticas em que assenta a discriminação das mulheres”. Hoje, quatro décadas passadas, apesar de muito
51 Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de setembro.
79
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
ter sido conquistado em matéria de igualdade, apesar de tantos avanços económicos, sociais e culturais
na relação entre homens e mulheres, as palavras que o legislador usou para explicar a persistência das
assimetrias entre homens e mulheres no mercado de trabalho continuam atuais.
De facto, apesar da vasta legislação internacional e nacional em matéria de igualdade e não discriminação,
é incontornável que continuam a existir assimetrias entre mulheres e homens no mundo do trabalho e na
conciliação com outras esferas da vida, exigindo um esforço permanente no sentido de assegurar condições
de efetiva equidade entre mulheres e homens. E, porque estas assimetrias persistem, persiste igualmente
a necessidade imperiosa de dotar a CITE de robustez e capacidade de intervenção.
Na realidade, a CITE terá hoje uma missão que é ainda mais complexa do que aquela que lhe foi atribuída em
1979. É verdade que houve muitos progressos, que as desigualdades de género se terão, em vários aspetos,
moderado e talvez sejam hoje menos evidentes do que há 40 anos atrás, mas não deixam de ser ainda mais
desafiantes e exigentes.
Por um lado, porque a todos os desafios diretamente relacionados com as desigualdades entre homens
e mulheres – dos padrões de segregação profissional à desigualdade salarial, dos fenómenos de
discriminação que ainda existem aos casos de assédio, ou das dificuldades muito desiguais de conciliação
entre trabalho e vida familiar à representação ainda desequilibrada na gestão e direção das empresas –
soma-se hoje um quadro de transformações profundas das dinâmicas e relações laborais que exige um
enorme esforço coletivo de adaptação. A crescente pressão sobre os mercados de trabalho, a exigência dos
tempos e horários de laboração, a individualização das relações laborais, o enfraquecimento das instâncias
de representação e diálogo social, a precarização por via da instabilidade dos vínculos contratuais,
especialmente entre os jovens, traduzem um contexto de enorme complexidade e com impacto também
potencialmente desigual para homens e mulheres. São questões que, como se pode ler no preâmbulo
do Decreto-Lei que criou a CITE, em 1979, dificilmente serão solucionadas “por mera obra da lei ”.
80
Por outro lado, felizmente, há hoje uma consciência cada vez mais aguda da intolerabilidade de qualquer
discriminação e das desigualdades entre mulheres e homens. O que faz também com que seja cada vez mais
elevada a expetativa e a pressão social sobre todos os agentes, mas sobretudo sobre o Estado, os poderes
e instituições públicas, em particular aquelas que têm responsabilidades particulares em matérias que estão
hoje, nas nossas sociedades, no núcleo mais fundamental dos direitos sociais e, na verdade, dos direitos
humanos.
Por isso, para dar resposta a estas questões e para passar, cada vez mais, da igualdade de direitos
à igualdade de facto, é decisivo que as questões da igualdade e da conciliação sejam abordadas enquanto
matérias do interesse coletivo, enquadradas num pacto social alargado que vá além das leis e da sua estrita
aplicação, envolvendo não apenas o Estado, mas também os Parceiros Sociais e todos os agentes com
intervenção no mercado de trabalho; mas também através de instrumentos concretos e criando instâncias
ágeis e com efetivos e tempestivos poderes de recurso dos cidadãos.
Em cada uma destas frentes, a CITE tem condições únicas na sociedade portuguesa e tem na verdade um
papel fundamental, que tem vindo a ser reforçado.
Desde logo, ao assentar numa estrutura colegial tripartida que integra representantes do Estado, das
confederações sindicais e dos empregadores, a CITE pode e deve desempenhar um papel decisivo
e consequente na promoção efetiva da igualdade no trabalho e no emprego com uma grande abrangência
e com garantias do diálogo social que é essencial para tornar a lei uma realidade prática nos mais diversos
contextos empresariais e laborais. É, aliás, isso que tem sucedido ao longo das últimas quatro décadas,
com um contributo importante de todos os parceiros sociais, apesar dos obstáculos e dificuldades que
a CITE teve de enfrentar, à semelhança do que aconteceu com muitos serviços da Administração Pública,
nos últimos anos.
Por outro lado, a CITE tem visto os seus poderes e competências reforçadas nos sucessivos passos,
nomeadamente legislativos, que têm vindo a ser felizmente dados nos últimos anos. E é essencial que assim
81
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
seja, para que os trabalhadores e trabalhadoras possam ter na CITE uma entidade especializada a quem
podem recorrer quando, por exemplo, se confrontam com situações concretas de dificuldade no exercício
dos direitos, de bloqueios à conciliação entre trabalho e vida familiar e pessoal, de desigualdade salarial que
sentem como injustificada, ou de casos de discriminação ou de assédio.
De facto, nos últimos anos, foi possível conceber e implementar um conjunto de instrumentos e medidas de
política pública que permitem aprofundar a luta por uma melhor concretização prática da igualdade entre
mulheres e homens no mercado de trabalho. Instrumentos e medidas que, aliás, honram os compromissos
assumidos no Programa do Governo.
As medidas para assegurar a representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de
administração e fiscalização do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa; as medidas para
reforçar a igualdade também na vida familiar, com um regime de licenças parentais mais equilibrado e que
promove mais efetivamente a participação dos homens na parentalidade; a política de aumento sustentado
do salário mínimo, cuja incidência maior é entre as mulheres, diminuindo a desigualdade salarial de género
logo pela base; os novos instrumentos para efetivar o princípio de salário igual para trabalho igual ou de
igual valor, com uma “lei da igualdade salarial” inovadora que entrou recentemente em vigor e que veio
mais uma vez reforçar as competências da CITE nesta matéria; a melhoria da moldura legal em torno do
assédio, que reforçou também os poderes da CITE; são exemplos de uma trajetória coerente e sólida de
melhoria das nossas ferramentas coletivas, e públicas, para conseguir melhorias significativas nos padrões
de igualdade entre homens e mulheres em Portugal.
Como decisor público, mas acima de tudo como cidadão, só posso formular a expetativa de que todos
estes passos se traduzam efetivamente num aprofundamento da igualdade de género em Portugal. Mas
a máxima que o legislador formulou há quatro décadas e que provou ser verdadeira nos últimos quarenta
anos mantém-se: é fundamental que não nos esqueçamos que a igualdade não se impõe por decreto,
não se define nos termos da lei. Pelo contrário, impõe-se pela prática e pela ação persistente de todos –
Governos, Parceiros Sociais, sociedade civil.
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Cabe também à CITE, por isso, contribuir ativamente e de modo empenhado para sedimentar este espírito
de missão coletiva em prol da igualdade, hoje como há 40 anos atrás. É o que tem feito ao longo da história,
é o que faz no presente, e é essencial que a capacidade, meios e autonomia da CITE possam continuar a ser
reforçados no futuro. Tudo o que seja feito neste sentido honrará a missão e a memória não apenas desta
instituição insubstituível e irredutível na nossa sociedade mas também de todos e todas os que deram o seu
contributo profissional, cívico e pessoal para que ao longo destas quatro décadas a CITE tivesse construído
tamanho património e relevância.
É por isso, também, que este texto não poderia estar completo sem uma última palavra, talvez a mais
importante: pelo trabalho, pelo esforço, pela resiliência, pela capacidade de adaptação que a CITE revelou
ao longo destes 40 anos, é devida uma palavra de apreço e de agradecimento a todas e a todos os técnicos
que passaram pela CITE desde a sua criação, a todas e todos os representantes dos parceiros sociais
e a todas as equipas dirigentes. Porque sem os valiosos contributos do passado, não teríamos hoje
as mesmas condições para olhar para o futuro da agenda da igualdade com a ambição renovada e com
a esperança urgente que é, de modo tão alargado como nunca antes, partilhada pela sociedade portuguesa.
83
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Catarina MarcelinoPresidente da CITE, de fevereiro de 2009 a outubro de 2009,
e Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, de Novembro de 2015 a outubro de 2017.
10 anos depois
Fui Presidente da CITE há precisamente 10 anos. Nesse tempo comemorámos os 30 anos da Comissão com
uma conferência no Centro Cultural de Belém, mudámos a imagem e o site, adotámos novos procedimentos
internos, aplicámos pela primeira vez o SIADAP (sistema de avaliação dos trabalhadores em funções
públicas), retomámos o Prémio Igualdade é Qualidade, editámos novas publicações, entre outras tantas
coisas que fizemos nesses dias felizes.
Mas na minha passagem pela CITE, para além de toda a agitação e inovação que pretendi imprimir, há dois
momentos que reputo de muito importantes para a História da Comissão: a participação de Portugal na
98ª Conferência da OIT e a publicação de legislação com novas regras no gozo das licenças parentais.
Quis a minha sorte que em 2009 a 98ª Conferência da OIT, que decorreu de 3 a 19 de junho em Genebra,
tivesse como um dos pontos da agenda a igualdade de género no coração do trabalho digno. Esta conferência
juntou nesse ano 3.000 delegados/as de 182 países, representantes dos Governos, Sindicatos e Entidades
Patronais, entre os/as quais me encontrava eu, o Fernando Gomes, da CGTP-IN, e a Helena Leal, da CCP.
Nas 3 semanas que passámos em reuniões de modelo tripartido, Portugal foi voz ativa na conferência,
trazendo a nossa experiência para o debate e influenciando, de forma determinante, os documentos
produzidos. Incluímos nos textos finais o reconhecimento da paternidade como valor social, bem como
a necessidade de promover maior proteção social da paternidade através de licenças de paternidade
e/ou parentais.
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Foi também em maio de 2009, que em Portugal se deu uma mudança profunda de paradigma nos
direitos de maternidade e paternidade, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 91/2009 de 9 de abril
e o Decreto-Lei n.º 89/2009 de 9 de abril. Até então coexistia uma licença de maternidade que podia ir até
aos 150 dias e uma licença de paternidade de 5 dias obrigatórios e 15 dias facultativos.
Com a nova legislação, que acompanhou o Código do Trabalho de 2009, a licença passou a ser de
parentalidade, havendo uma licença exclusiva da mãe de 6 semanas, uma licença exclusiva do pai de 10 dias
obrigatórios e 10 dias facultativos e uma licença comum que, no caso de haver partilha (gozo de pelo menos
um mês por um dos dois) a licença passa a ser acrescida de mais um mês pago, 150 dias a 100% ou 180 dias
a 83%.
Estas novas regras foram profundamente transformadoras, porque até então os pais que quisessem gozar
a licença alargada, tinham que ter autorização da mãe uma vez que o direito era exclusivamente delas.
A partir daqui o direito passou a ser dos dois, pai e mãe.
As mudanças sentiram-se logo no primeiro momento e a CITE teve um papel determinante. Para além de
ter lançado conjuntamente com a Segurança Social uma campanha nacional, os serviços da Comissão foram
fundamentais para que as pessoas pudessem compreender as novas regras, tirar dúvidas, procurar ajuda.
A linha verde, o site, as sessões em empresas e serviços públicos, foram mecanismos amplamente utilizados
na época para que a mensagem chegasse a todos e a todas, trabalhadores/as e empresas.
Nesse ano os números de homens a gozar a licença alteraram-se significativamente. 577 em 2008
e 8.593 em 2009, desde então não têm parado de crescer, em 2016 já eram 26.329.
Posso afirmar, sem qualquer reserva, que fui muito feliz nesta casa, onde encontrei uma equipa de pessoas
dedicadíssimas empenhadas e competentes, conhecedoras como ninguém da igualdade no mercado
de trabalho, desde a equipa de juristas, à equipa de projetos, à equipa de comunicação, ao secretariado
e informática, à telefonista, ao motorista. As/os Dirigentes passam, mas quem trabalha na casa foi e é a alma
da CITE, o repositório do conhecimento e da experiência acumulada ao longo de 40 anos.
85
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Não posso deixar também de referir a Comissão Tripartida, que é a génese da CITE e que tem
a responsabilidade de votar e decidir os pareceres que a lei determina, cujos/as representantes do Estado,
Sindicatos e Entidades Patronais, que conheci, desempenharam e entenderam sempre a função que lhes foi
confiada, com um apurado e escrupuloso sentido de missão.
Usando a expressão utilizada pelo primeiro Presidente da CITE, na publicação comemorativa dos 30 anos,
a CITE surge como “um braço armado” da legislação de 1979 que garante às mulheres igualdade com
os homens em oportunidades e tratamento no trabalho e no emprego.
É este o espírito que se tem vindo a aprofundar ao longo das últimas 4 décadas e que queremos que
se mantenha, até que a igualdade entre homens e mulheres no trabalho e no emprego seja efetiva, que
se concretize de facto, na lei e na prática.
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Maria Manuel Leitão MarquesMinistra da Presidência e da Modernização Administrativa, de outubro de 2017 a fevereiro de 2019.
A verdadeira igualdade a que temos direito
40 anos de luta pela igualdade são muitos anos de conquistas e muitos anos de mudança. A igualdade
conquista-se na lei, em várias leis, desde a não discriminação salarial, à representação equilibrada nos cargos
dirigentes, incluindo a representação política. Conquista-se na aplicação adequada dessas leis, na criação de
instrumentos que o permitam, no controlo dos impactos e dos resultados, na fiscalização e penalização do
incumprimento. Por fim, conquista-se no que às vezes é a parte mais difícil, no nosso do dia a dia, na cultura,
nas atitudes, nos comportamentos individuais, na coragem de resistir à desigualdade!
Quantas vezes dizemos – “hoje não consigo”. Não consigo ir buscar a filha à escola. Não consigo ir ao teatro.
Não consigo chegar mais cedo a casa como tinha prometido. Não consigo acabar este trabalho (logo agora
que me estava a render tanto, que me sinto no pico da minha criatividade, tenho de adiantar o jantar). Não
consigo passar pelo ginásio, visitar a minha mãe, fazer sei lá o quê, aquilo que mais desejava neste momento
que era mesmo não fazer mais nada. Quantas vezes isso nos causa um enorme mal-estar e uma grande
insatisfação. Quantas vezes as nossas três vidas, pessoal, profissional, familiar, que na verdade são só uma,
se atrapalham, se enrodilham, deixando-nos a sensação desagradável que é “não conseguirmos dar conta
do recado”.
Por isso muitas das leis que antes mencionei dependem de um maior equilíbrio entre esses três aspetos de
nossa vida de tal modo que a igualdade possa traduzir-se em escolhas livres quando surge oportunidade
profissional pela qual tanto lutámos ou momento pessoal com que sonhámos, evitando que esse momento
termine num encolher de ombros rematado pela frase ainda tão habitual: “até gostava, mas infelizmente
não tenho vida para isso!”.
87
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Este desequilíbrio não é apenas um problema de mulheres, mesmo que estas sejam ainda as mais
sacrificadas. Segundo o Eurofound, em 2017, Portugal é o 4º pior país europeu no que respeita
à participação dos homens na vida doméstica e familiar – apenas 19% realiza uma tarefa por dia nestes
domínios. Este desequilíbrio é um problema de toda a sociedade e tem impacto negativo na produtivi-
dade, na sustentabilidade demográfica, na saúde, na igualdade efetiva, no sentimento de bem-estar.
Trata-se de um problema reconhecido na União Europeia. O Pilar Europeu dos Direitos Sociais identifica
a conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar como um dos vinte princípios-chave para
as condições justas de trabalho.
Tornar a conciliação efetiva exige trabalhar conjugadamente em muitas frentes. Fizemos grandes
progressos nestes últimos anos no combate à precariedade, na redução do horário de trabalho na função
pública, na simplificação administrativa, com o Simplex, poupando tempo na relação com os serviços
públicos. Mas precisamos de investir em novas frentes que vão desde a organização do trabalho, assente
no princípio da disponibilidade total, ao uso tecnologias e das suas virtualidades para novas formas de
trabalho e, também, para agilizar tarefas da vida quotidiana. Precisamos também de renovar os formatos
tradicionais de entreajuda, repensar a mobilidade e a organização das nossas cidades, atualmente com
espaços de trabalho e habitação muito distantes, que obrigam a deslocações morosas e ambientalmente
insustentáveis.
Trata-se de uma mudança cultural que exige convocar vontades em diferentes planos, nos governos, nas
empresas, nas entidades públicas, nas associações, e assumir um compromisso coletivo prolongado que
possibilite escolhas mais livres – no trabalho, na família, na religião, no lazer, na cultura, no desporto. Um
compromisso para equilibrar as linhas que são a nossa vida e sobretudo um suporte para a verdadeira
igualdade a que todas e todos temos direito, permitindo que muitas das conquistas anteriores passem da
lei à realidade.
Este é um novo desafio para a CITE, não seguramente o único do século XXI, nem aquele que pode vencer
sozinha, mas seguramente aquele para o qual deve contribuir de forma decisiva como tem feito com muitos
outros nestes 40 anos. É caso rematar, em modo de aniversário, com o meu desejo de muitas felicidades
e excelentes resultados.
88
Rosa Filomena Brás Lopes MonteiroSecretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, de outubro de 2017 até ao presente.
Igualdade no trabalho e no emprego: a afirmação de uma abordagem estrutural
Neste ano em que celebramos 40 anos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE),
relembro a ambição que Portugal imprimiu, desde cedo, às políticas de igualdade e não discriminação, e que
nos destacam enquanto país que coloca esta área no centro da ação política.
A aprovação do Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro (lei da igualdade no trabalho e no emprego,
doravante “lei da igualdade”) e a criação da CITE foram reflexo desta ambição, não só em termos de processo
como em termos de substância no combate à discriminação em razão do sexo no trabalho e no emprego, de
que as mulheres eram e continuam a ser as principais vítimas. Num momento que, sublinhe-se, antecedeu
a adesão de Portugal à CEE, isto traduziu-se no imprimir de um caráter estrutural às políticas públicas
a dois níveis: no leque de atores envolvidos e na abrangência substantiva da intervenção.
Por um lado, o processo foi pioneiro não só no trabalho intersetorial como, de forma fundamental,
e inspirado no modelo de concertação da Suécia, no envolvimento dos parceiros sociais na elaboração da
proposta de lei da igualdade, numa lógica anterior até à criação do Conselho Permanente de Concertação
Social, e que levou os próprios representantes sindicais a sugerirem a composição tripartida da CITE.
Por outro lado, o processo de reflexão em matéria de reforma legislativa que conduziu à lei da igualdade
foi demonstrativo do reconhecimento do caráter estrutural da discriminação, repercutindo-se nas bases de
89
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
projeto elaboradas pela Comissão da Condição Feminina52 e no projeto de lei da igualdade propriamente
dito que se lhe seguiu, preparado por um grupo interministerial criado para o efeito. Assim, no âmbito
da Comissão para a Política Social Relativa à Mulher (anterior Grupo de Trabalho para a Definição de
uma Política Nacional Global acerca da Mulher; que levou à institucionalização da Comissão da Condição
Feminina) e dos grupos de trabalho que funcionaram junto desta, foram produzidos estudos/propostas
em áreas diversas como orientação e formação profissional, acesso ao emprego, organização do tempo
de trabalho, remunerações, participação sindical, reforma, segurança social, proteção na maternidade e na
primeira infância, e equipamentos sociais e serviços de apoio.
Ora, esta é também a abordagem do XXI Governo Constitucional na efetivação de uma igualdade que, mais
do que substantiva, se quer transformativa e garante de sustentabilidade e justiça, a que se imprime agora
um feminismo estrutural e intersecional, que rejeita a noção de que existe um sujeito universal abstrato,
questiona o binómio produtivo/reprodutivo e promove o reconhecimento, revalorização e redistribuição do
trabalho de cuidado.
Esta é a visão que subjaz à Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030
(“Portugal + Igual” – RCM n.º 61/2018, de 21 de maio) e respetivo Plano de Ação para a Igualdade entre
Mulheres e Homens, que, neste contexto, identifica cinco áreas prioritárias: representação equilibrada
na tomada de decisão, igualdade salarial, proteção na parentalidade, conciliação da vida profissional,
pessoal e familiar, e dessegregação sexual das escolhas educativas e profissionais. Para isso, assenta num
trabalho articulado entre Governo, administração pública central e local, organizações da sociedade civil,
empresas privadas e parceiros sociais, sendo a CITE fundamental na potenciação desta articulação.
52 Institucionalizada pelo Decreto-Lei n.º 485/77, de 17 de novembro, e antecessora da Comissão para a Cidadania e a Igualdade
de Género.
90
Assim movido, o Governo produziu avanços de política pública significativos de que destaco alguns:
as propostas que deram origem às recentes leis da representação equilibrada/paridade – no setor público
empresarial e nas empresas cotadas (Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto), nos cargos de direção superior da
Administração Pública e nas instituições de ensino superior e associações públicas (Lei n.º 26/2019, de 28
de março), e nos cargos de decisão política (Lei Orgânica n.º 1/2019, de 29 de março) – e à lei da igualdade
remuneratória (Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto) que cria mecanismos de efetivação do princípio do salário
igual para trabalho igual e de igual valor. Promovendo a dessegregação sexual das escolhas educativas
e profissionais, o projeto “Engenheiras por 1 Dia”, que junta escolas, autarquias, empresas tecnológicas,
universidades e outras organizações da sociedade civil numa intervenção estruturante junto de alunas do
ensino não superior, motivando-as para as áreas das engenharias e tecnologias, desconstruindo a ideia de
que estes são domínios masculinos. E, finalmente, refiro o “3 em Linha – Programa para a Conciliação da
Vida Profissional, Pessoal e Familiar 2018-2019”, que promove a conciliação como condição de igualdade
e atua em quatro eixos, desde a promoção de práticas de conciliação nas organizações de trabalho (sendo
de destacar o projeto “Pacto para a Conciliação” que assenta no compromisso voluntário de organizações
públicas e privadas em implementarem e certificarem sistemas de gestão da conciliação com base na
norma portuguesa NP4552:2016), à implementação de medidas de conciliação na Administração Pública,
ao reforço dos equipamentos, serviços e incentivos para a conciliação, e à produção de conhecimento
necessário a uma política pública sustentada. Também aqui é fomentado o diálogo com os parceiros sociais
que, em sede de concertação social, assumiram recentemente o desafio de promoverem a conciliação na
negociação coletiva.
Este é um caminho longo que exige a renovação permanente desta ambição. Dou os meus parabéns
à CITE por 40 anos de compromisso com esta ambição, na certeza de que este se mantém um desafio
civilizacional e no qual somos coletivamente interpelados/as a participar.
91
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
92
4Nota final
Agradecimentos
93
CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
Joana Rabaça Gíria e Carlos Nunes
Tivemos o privilégio de convidar quem ao longo dos 40 anos de atividade da CITE, em algum momento da
sua vida, representou a tutela da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.
Mas distinção maior é, por um lado, contarmos com o contributo de todas as pessoas que generosamente
aceitaram participar na presente edição comemorativa e, por outro, a oportunidade de, na maioria dos casos,
ter sido possível partilhar pessoalmente do entusiasmo gerado em torno da publicação desta obra singular.
A Edição comemorativa dos 40 anos da CITE apresenta um conjunto inédito de reflexões que, na sua
globalidade, testemunha a relevância da criação e da atividade do organismo tripartido – cuja génese
coincide, não por acaso, com os primeiros anos de instalação da democracia em Portugal, que tem por
missão contribuir para a efetiva igualdade, de direito e de facto, entre homens e mulheres no mercado
de trabalho.
Os testemunhos apresentados, também reveladores dos diferentes períodos históricos vivenciados
em Portugal e na Europa, integram como denominador comum a importância crucial da supremacia do
direito à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na atividade profissional e da necessária
conciliação do tempo de trabalho com a vida familiar e pessoal.
A confluência dos interesses do Estado, das entidades empregadoras e das trabalhadoras e dos
trabalhadores, razão de ser da Comissão tripartida, é motor vital da dinamização de toda a sociedade para
a construção do patamar em que o trabalho digno e o respeito pela liberdade individual e coletiva sejam
garantias da igualdade de oportunidades entre todos os seres humanos – homens e mulheres.
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A Sua Excelência o Presidente da República, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, pela mensagem
transmitida,
Ao Senhor General António Ramalho Eanes que, em 1979, enquanto Presidente da República, promulgou
o Decreto-Lei que criou a CITE, pela nota de abertura,
A todas e a todos que representaram e que representam a tutela da CITE, pelos testemunhos e reflexões,
apresentamos o nosso reconhecido agradecimento.
A todas e a todos que representaram e representam o Estado e os parceiros sociais na CITE,
A todas e a todos que trabalharam e trabalham na CITE,
A todas e a todos que colaboraram e colaboram com a CITE,
deixamos o nosso especial reconhecimento pelo envolvimento individual e pelo trabalho em equipa.
Joana Rabaça Gíria Carlos Nunes
(Presidente da CITE – 2015/2019) (Vice-presidente da CITE – 2015/2019)
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CITEComissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
TÍTULO Edição comemorativa dos 40 anos da CITE
ORGANIZAÇÃO e EDIÇÃO CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego Rua Américo Durão - 12A, 1º e 2º • Olaias • 1900-064 LISBOA 215 954 000 • [email protected] www.cite.gov.pt
PROJETO GRÁFICO DG Design
ISBN 978-972-8399-88-7
DEPÓSITO LEGAL 460707/19
TIRAGEM500 exemplares
DATA DE EDIÇÃOSetembro de 2019
O conteúdo desta publicação não reflete, necessariamente, a posição ou a opinião da CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.
A presente edição respeita a vontade de autores e autoras relativamente à redação dos textos ao abrigo do antigo ou do novo Acordo Ortográfico.