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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIA NATURAIS E EXATAS CURSO DE MATEMÁTICA LICENCIATURA Eduardo de Souza Böer MEDIDA DE LEBESGUE EM E INTEGRAÇÃO Santa Maria, RS 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIA NATURAIS E EXATAS CURSO DE MATEMÁTICA LICENCIATURA

Eduardo de Souza Böer

MEDIDA DE LEBESGUE EM ℝ E INTEGRAÇÃO

Santa Maria, RS 2016

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Eduardo de Souza Böer

MEDIDA DE LEBESGUE EM ℝ E INTEGRAÇÃO

Orientador: Prof. Dr. Maurício Fronza da Silva

Santa Maria, RS 2016

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Matemática Licenciatura da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em Matemática.

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Eduardo de Souza Böer

MEDIDA DE LEBESGUE EM ℝ E INTEGRAÇÃO

Aprovado em 07 de dezembro de 2016:

______________________________________________

Maurício Fronza da Silva, Dr. (UFSM) (Presidente/Orientador)

______________________________________________

Taísa Junges Miotto, Dra. (UFSM)

______________________________________________

Juliano Damião Bittencourt de Godoi, Dr. (UFSM)

Santa Maria, RS 2016

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Matemática Licenciatura da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em Matemática.

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AGRADECIMENTOS

A concretização deste Trabalho de Conclusão de Curso, que consiste no

espelho dos estudos realizados durante o período de graduação, somente foi possível

mediante o auxílio de algumas pessoas. Agradeço a todos que, de alguma forma,

contribuíram para a concretização deste trabalho e, de uma maneira especial,

agradeço:

- o professor Maurício Fronza da Silva, orientador do trabalho, por todos os

conselhos, sugestões e por sempre contribuir com suas experiências;

- ao Curso de Matemática Licenciatura da Universidade Federal de Santa

Maria, por todas as disciplinas que contribuíram significativamente para minha

formação, pelo auxílio recebido da coordenação do curso e de alguns professores, os

quais não pouparam esforços quando o assunto foi solidificar minha graduação;

- aos meus pais, por todo apoio e confiança incondicional sempre depositados

em mim, por terem feito o seu melhor para que tivesse acesso ao Ensino Superior e

conseguisse chegar até aqui;

- a Deus, por ter sempre estado ao meu lado, em todos os momentos.

Enfim, a todas pessoas, aqui citadas ou não, mas que de alguma forma

contribuíram para que me tornasse o acadêmico, o profissional, o professor, o

estudante, que hoje sou. Especialmente aqueles que convivem comigo diariamente e

tiveram de aguentar o mau humor de dias conturbados, com excesso de tarefas. A

todos, meu mais sincero obrigado.

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In many respects, scientists are just as much

dreamers as artists, composers, novelists, or

poets. Like many of the latter, scientists

launch their flights of fancy from the realities

of the world. Mathematicians are not

exception to this rule, but they differ from all

other scientists in that their dreams are, at

least in principle, 100% verifiable. Other

scientists must rely on unsure hypotheses,

nuclear assumptions, or imperfect

observations and experiments. After agreeing

on basic axioms, the mathematician can build

with precise notions and definitions and

therefore whatever his imagination and skills

constructs, stands on firm foundations.

(Florin Diacu e Philip Holmes)

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RESUMO

MEDIDA DE LEBESGUE EM ℝ E INTEGRAÇÃO

AUTOR: Eduardo de Souza Böer ORIENTADOR: Maurício Fronza da Silva

Este trabalho apresenta um estudo introdutório de Teoria da Medida e Integração, no qual são abordados alguns dos tópicos fundamentais da teoria. Nos primeiros capítulos do texto são apresentados detalhadamente a construção da medida de Lebesgue unidimensional, os teoremas de convergência associados à integral de

Lebesgue para uma medida qualquer, e a construção dos Espaços 𝐿𝑝. Tais resultados formam parte dos pré-requisitos necessários para a resolução de dois problemas de Equações Diferenciais Ordinárias apresentados no capítulo final do texto.

Palavras-chave: Teoria da Medida. Integral de Lebesgue. Espaços 𝐿𝑝.

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ABSTRACT

REAL LEBESGUE MEASURE AND INTEGRATION

AUTHOR: Eduardo de Souza Böer ADVISOR: Maurício Fronza da Silva

This work consist in an introdutory study about Mesuare and Integration Theory, where will be discussed some of the fundamental topics of the Theory. In the first chapters, we will present the reader the construction of the Lebesgue Unidimensional Measure, the convergence theorems related to Lebesgue integration over any measure and the

construction of 𝐿𝑝 Spaces, attending to all the details. These results compose parts of the contents that we need to solve two Ordinary Differential Equations problems discussed in the last chapter of this work.

Keywords: Measure Theory. Lebesgue Integration. 𝐿𝑝 Spaces.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8

2 MEDIDAS................................................................................................................ 11

2.1 𝜎 − Á𝐿𝐺𝐸𝐵𝑅𝐴𝑆........................................................................................................ 14

2.2 MEDIDAS................................................................................................................ 21

2.3 MEDIDAS EXTERIORES....................................................................................... 26

2.4 MEDIDAS DE BOREL E MEDIDA DE LEBESGUE EM ℝ................................. 31

3 INTEGRAÇÃO....................................................................................................... 41

3.1 FUNÇÕES MENSURÁVEIS................................................................................... 41

3.2 INTEGRAÇÃO DE FUNÇÕES NÃO NEGATIVAS............................................. 52

3.3 INTEGRAÇÃO DE FUNÇÕES COMPLEXAS..................................................... 58

4 CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS 𝑳𝒑.................................................................... 67

4.1 OS ESPAÇOS 𝐿𝑝 COM 1 ≤ 𝑝 < ∞........................................................................ 67

4.2 O ESPAÇO 𝐿∞......................................................................................................... 73

5 MÉTODOS VARIACIONAIS: UM PRIMEIRO CONTATO.......................... 78

5.1 RESULTADOS PRELIMINARES.......................................................................... 78

5.2 UM PROBLEMA DE CONTORNO DE LINEAR................................................. 83

5.3 UM PROBLEMA DE CONTORNO DE NÃO LINEAR....................................... 87

6 CONCLUSÃO........................................................................................................ 90

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 91

APÊNDICE........................................................................................................... 92

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1 INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da matemática, no Egito e Grécia, os matemáticos se preocuparam

em medir distâncias como a altura das pirâmides, por exemplo, a calcular a área ocupada por

um terreno, o volume que determinada vasilha comportava, etc. Para tanto, fez-se necessário

desenvolver ferramentas para tais cálculos, ou seja, a partir de observações e deduções, chegar

a definições e fórmulas que permitissem encontrar a área e o volume de determinadas formas

geométricas, como quadrados e cubos.

Com a evolução da matemática, e consequentemente dos conceitos e ferramentas matemá-

ticas, os pesquisadores da área começaram a se questionar a respeito do cálculo de áreas de

outras formas, abaixo de gráficos de curvas, por exemplo. Começou, então, um período em que

os matemáticos buscariam desenvolver teorias que fossem capazes de determinar áreas como: a

compreendida entre o gráfico de uma função e o eixo x, entre os gráficos de duas ou mais fun-

ções, entre outros casos. Neste sentido, Leibniz e Newton, ao desenvolverem as ferramentas do

cálculo infinitesimal, forneceram aos matemáticos novas formas de encarar o problema do cál-

culo de áreas. Foi utilizando estas ideias que Riemann definiu o que veio a ser conhecido como

Integral de Riemann, uma forma para calcular áreas sob (ou entre) gráficos de funções, desde

que as mesmas atendessem algumas condições, que exigem certa regularidade. Não é possível

obter, com a integral de Riemann, a área sob o gráfico de funções que apresentem comporta-

mentos muito estranhos, com muitos “saltos” ou “buracos”, por exemplo. Se considerarmos a

função que atribui 1 para os racionais e 0 para os irracionais, que aqui chamaremos de função

salto, é possível demonstrar, a partir dos resultados existentes para integrais de Riemann, que a

mesma não é integrável segundo tal definição.

Mas a questão que fica é: “será que é realmente impossível calcular a área sob o gráfico

desta função ou apenas não dispomos de uma ferramenta adequada para tal cálculo?".

Apesar de termos começado calculando a área de figuras planas (como quadrados, triân-

gulos, retângulos e demais polígonos) e o volume (de sólidos como cubos, paralelepípedos,

pirâmides e demais poliedros) e termos alcançado o cálculo de áreas e volumes sob o gráficos

de curvas “bem comportadas”, o número de regiões para as quais conseguiamos calcular tais

medidas ainda era pequeno. Isto levou os matemáticos a continuarem pesquisando formas de

expandir o conjunto de regiões que permitiam o cálculo deste tipo de medida.

Finalmente, após algum tempo sem nenhum resultado ralativamente novo a respeito do

cálculo de áreas, Lebesgue, em sua tese de doutorado, viria a apresentar um novo conceito de

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integral, considerado mais geral que o apresentado por Riemann, que permitiria o cálculo da

área (também chamada genericamente de volume) de um número maior de regiões do Rn. A

função que apresentamos anteriormente, e que não é integrável segundo a Riemann, é integrável

segundo Lebesgue e, portanto, a resposta para a pergunta feita é de que ainda não possuíamos a

ferramenta adequada para o cálculo de tal área.

Por outro lado, embora a integral no sentido de Riemann seja útil para calcular áreas e

volumes de uma grande quantidade de objetos, ela tem aplicação limitada no estudo de equações

diferenciais. Mais precisamente, a integral de Riemann só tem um bom comportamento diante

da convergência uniforme de funções. Ocorre que convergência uniforme é uma noção muito

restrita e de difícil verificação.

Em seu trabalho Intégrale, Longueur, Aire (1902), Henri Lebesgue introduziu uma nova no-

ção de integral, que apresenta duas vantagens com relação a integral de Riemann. A primeira

delas é que amplia a classe de funções integráveis. A segunda, e mais importante, é que a

integral de Lebesgue está associada a poderosos teoremas de convergência, a saber, os teore-

mas da Convergência Dominada, Convergência Monótona e o Lema de Fatou. Tais teoremas

mostram-se essenciais no estudo de equações diferenciais, onde é mais fácil obter uma con-

vergência pontual do que uma convergência uniforme, permitindo a aplicação destes teoremas

e a obtenção dos resultados desejados, como ficará mais claro nas aplicações apresentadas no

último capítulo deste trabalho.

Esse texto está baseado em Folland (1984), embora algumas demonstrações e exemplos

sigam Bartle (1995), por julgarmos mais compreensíveis a uma primeira leitura na área de

Medida. Também foram utilizadas referências nas áreas de análise funcional, análise real e

espaços métricos, tais como Kreyszig (1978), Brezis (1983), Brezis (2010), Elon (1983) e Elon

(2014).

Nosso trabalho tem por objetivo proporcionar um primeiro contato com a Teoria da Medida

e Integração. Aqui estão alguns dos principais resultados desta teoria. Procuramos dar maior

atenção aos detalhes das demonstrações, apresentando cuidadosamente cada passo omitido da

bibliografia. Também buscamos colocar o autor diante da difícil tarefa de produzir um texto de

Matemática.

A escolha do tema se deve ao fato de que o autor realiza iniciação científica com uma classe

de EDPs elípticas com condições de fronteira não lineares, as quais possuem soluções fracas em

espaçosLp. Portanto, é necessário que o acadêmico tenha um bom conhecimento da construção,

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além das principais propriedades destes espaços.

No presente trabalho, buscamos apresentar a construção da Integral de Lebesgue, bem como

dos espaços Lp, e de suas respectivas propriedades, salientando as vantagens que as mesmas

possuem sobre aquelas que conhecíamos até então para a integral segundo Riemann. Para tanto,

seguiremos a ordem lógica de Folland (1984). No primeiro capítulo, construímos os conceitos

de σ-álgebra e medida, e apresentamos resultados importantes envolvendo estes entes, funda-

mentais para a sequência da teoria. Dentre as medidas apresentadas, teremos especial interesse

na medida de Borel em R, da qual tem origem a medida de Lebesgue. No capítulo 2, definimos

a integral de Lebesgue, desenvolvemos as ferramentas para o cálculo da integral de funções não

negativas e de funções complexas, apresentamos suas principais propriedades e encerramos fa-

zendo um comparativo entre as duas definições de integral (Riemann x Lebesgue). De posse de

todas as ferramentas necessárias, no capítulo 3 construímos os espaços Lp e provamos que são

espaços de Banach. A compreensão da estrutura, dos elementos e propriedades destes espaços

consiste em peça chave para a produção de novos resultados em matemática, uma vez que, na

área das equações diferenciais parciais, por exemplo, as soluções de diversos sistemas de EDPs,

de problemas envolvendo condições de fronteira lineares ou não lineares, encontram-se dentro

destes espaços. Neste sentido, encerramos o trabalho mostrando, no capítulo 4, duas aplicações

dos espaços Lp presentes nas soluções de problemas de contorno, omitindo a demonstração

de alguns fatos a fim de não fugir à delimitação do tema e extender o trabalho além do que

seria adequado. No Apêndice apresentamos os números reais estendidos e noções de espaços

métricos que serão utilizados ao longo do trabalho.

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2 MEDIDAS

Medir, no sentido mais amplo da palavra, pode ser considerado um dos primeiros e principais

interesses da humanidade. Quantos animais eu possuo? Qual a extensão de minhas terras?

Quanto de água é possível armazenar neste tanque? Estas são algumas das perguntas que a

humanindade se faz desde antes do surgimento das palavras "geometria"e "geômetra". Contudo,

se referem a algo por eles estudados, a contagem de elementos, a área de figuras e o volume de

sólidos. Atualmente não estamos mais restritos a apenas os elementos primordiais da geometria,

mas também podemos falar em área e volume de gráficos e superfícies no plano cartesiano. Mas

resta a questão: é somente isto que podemos medir?

Neste sentido, buscamos definir uma forma de medir uma gama maior de elementos, uma

forma “mais geral” de medir, por assim dizer. Nossa ideia é produzir funções que realizem esta

ação, ou seja, definir funções medida. Tendo isto em mente, chegamos a primeira consideração a

ser feita: o que poderemos medir? Temos de delimitar o domínio destas funções, uma vez que as

mesmas deverão satisfazer algumas propriedades bem naturais provenientes de um pensamento

geométrico inerente a nós.

Primeiro: seu contradomínio deverá ser o intervalo [0,∞] uma vez que não faz sentido falar

em−5m, por exemplo. Sinais negativos em medidas são aceitáveis somente quando as mesmas

levam em consideração o sentido, como é o caso da velocidade, por exemplo.

Segundo: ao considerarmos a medida de uma quantidade de “pedaços desconectados” tere-

mos o mesmo valor que ao medir cada um dos pedaços separadamente e somar. O que pode ser

expresso matematicamente como:

i) Se E1, E2, . . . é uma sequência finita ou infinita de subconjuntos disjuntos, então

µ(E1 ∪ E2 ∪ . . .) = µ(E1) + µ(E2) + · · ·

Terceiro: se movermos uma peça de lugar ou girarmos ela em torno de algum eixo sua

medida ficará inalterada. Matematicamente:

ii) Se E é “congruente” a F então µ(E) = µ(F ).

Quarto: deveremos ter uma unidade, uma medida padrão sobre a qual a medida de todos

os demais elementos irá se basear. Ou seja, a medida dos demais elementos será dada por

“determinado número de vezes a medida da unidade”. Matematicamente falando, temos:

iii) µ(Q) = 1 onde Q = {x ∈ Rn; 0 ≤ xj < 1, para j = 1, . . . , n} é o cubo unitário.

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Com base nisto, podemos dizer que procuramos uma função µ : ℘(Rn) → [0,∞] que

associa a cada E ⊂ Rn um valor µ(E) ∈ [0,∞] representando sua medida n-dimensional e

que satisfaz as propriedades i), ii) iii). Neste trabalho ℘(X) representa o conjunto das partes de

algum conjunto X .

Infelizmente observaremos que tais condições não podem ocorrer universalmente, ou seja,

todas as três condições para qualquer subconjunto do Rn. Aqui deve ficar claro que quanto ao

contradomínio não há o que deliberar, o problema está apenas nas três propriedades traduzidas

matematicamente em i), ii) e iii). Iremos ilustrar tal falha com um contraexemplo que pode ser

encontrado já no caso unidimensional.

Observe que, se nosso objetivo é provar a inconsistência destas três propriedades, então

deveremos tomar o cubo unitário ([0, 1]), transladar ou rotacionar algum conjunto e considerar

a união de conjuntos disjuntos em nosso contraexemplo.

Desenvolveremos o contraexemplo dentro do cubo unitário unidimensional. Para tanto,

iniciaremos tomando a seguinte relação em [0, 1], x ∼ y ⇔ x − y ∈ Q. Vejamos que esta

relação é de equivalência:

a) (reflexiva) Tome x ∈ [0, 1]. Então x− x = 0 ∈ Q. Logo, x ∼ x.

b) (simétrica) Se x ∼ y, então x − y = r ∈ Q. Assim, y − x = −(x − y) = −r ∈ Q e,

portanto, y ∼ x.

c) (transitiva) Se x ∼ y e y ∼ z, então x − y = r ∈ Q e y − z = s ∈ Q. Assim,

x− z = x− y + y − z = (x− y) + (y − z) = r + s ∈ Q. Logo, y ∼ z.

Assim, podemos considerar as classes de equivalência no quociente [0, 1]� ∼ dadas por

[x] = {y ∈ [0, 1];x− y ∈ Q}. Fazendo uso do Axioma da Escolha, definimos em [0, 1]� ∼ o

conjunto N ⊂ [0, 1) que contém exatamente um único elemento de cada classe de equivalência.

Em seguida, consideremos uma enumeração de R = Q ∩ [0, 1) e translademos o conjunto N

segundo a mesma, ou seja, consideremos os conjuntos N r = N + r com r ∈ R. Mas observe

que ao fazermos isto elementos que estão em [1− r, 1] caem fora de [0, 1], o que não desejamos

que ocorra. Como forma de corrigir isto, para cada r ∈ R consideraremos o seguinte conjunto

Nr = {x+ r;x ∈ N ∩ [0, 1− r)} ∪ {x+ r − 1;x ∈ N ∩ [1− r, 1)}.

Ou seja, para obter Nr transladamos N , r unidades para a direita e, em seguida, movemos a

parte que fica fora de [0, 1] uma unidade para a esquerda.

Agora observe que cada x ∈ [0, 1) pertence, exatamente, a um únicoNr. De fato, se r, s ∈ R

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e Nr ∩Ns 6= ∅, então existem x, y ∈ N tais que x + r = y + s. Assim, x− y = s− r ∈ Q e

x ∼ y, portanto x = y. Logo, r = s e Nr = Ns. Desta forma, mostramos que os conjuntos Nr

são dois a dois disjuntos.

Ainda precisamos garantir que⋃r

Nr = [0, 1]. Para a primeira inclusão, precisamos observar

que se y é um elemento de N que pertence a classe de equivalência de x, então x− y = r ∈ Q

e Nr = {y + r;x ∈ N ∩ [0, 1 − r)} ∪ {y + r − 1;x ∈ N ∩ [1 − r, 1)} para algum r ∈ R.

Assim, se x ≥ y, podemos tomar r = x − y e teremos que y + r = y + x − y = x ∈ Nr e se

x ≤ y, podemos tomar r = x− y + 1 e teremos que y + r− 1 = y + x− y + 1− 1 = x ∈ Nr.

Assim dado x ∈ [0, 1] existe y ∈ [0, 1] tal que x− y ∈ Q, nem que seja necessário tomar y = x.

Portanto x pelo visto acima x ∈ Nr para algum r ∈ R. Por outro lado, Nr ⊂ [0, 1] segue da

própria definição dada para estes conjuntos.

Finalmente estamos prontos para gerar o absurdo. Veja que transladamos o conjunto N e

mostramos que os conjuntos Nr assim obtidos são dois a dois disjuntos e sua união enumerável

é todo o cubo unitário [0, 1]. Desta forma será possível aplicar as três propriedades e conferir o

que acontece.

Assim, como estamos supondo uma função medida que satisfaça as condições i), ii) e iii), do

fato de Nr ser uma translação de N , por ii) teremos µ(N) = µ(Nr). Além disso, N ∩ [0, 1− r)

e N ∩ [1 − r, 1] são disjuntos, de i) vem que µ(N) = µ(N ∩ [0, 1 − r)) + µ(N ∩ [1 − r, 1)).

Unindo estas duas informações temos que

µ(N) = µ(N ∩ [0, 1− r)) + µ(N ∩ [1− r, 1)) = µ(Nr)

para todo r ∈ R. Mais ainda, como⋃r∈R

Nr = [0, 1], novamente de i) vem que

µ([0, 1]) =∑r∈R

µ(Nr) =∑r∈R

µ(N).

Agora analisemos tal igualdade. Pela propriedade iii) sabemos que µ([0, 1]) = 1. Contudo,

não sabemos muito a respeito da medida de N além de que a mesma deve estar em [0,∞].

Assim, supondo que µ(N) = 0 teremos que µ([0, 1]) = 0 e, supondo que µ(N) > 0, teremos

µ([0, 1]) =∞. Uma vez que a medida de nenhum conjunto pode ser unitária e nula ou unitária

e infinita ao mesmo tempo, tal µ não pode existir.

Note que a saída para o problema encontrado não está em considerar sequências finitas

no item i), uma vez que, ainda que isto possibilitasse o funcionamento adequado de todas as

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condições exigidas, perderíamos muitos dos resultados que serão apresentados na sequência do

trabalho e que dizem respeito a limites e continuidade.

Muitos outros exemplos podem ser encontrados em espaços de dimensão superior, como

o Rn. Em Royden (2010), é possível encontrar o seguinte teorema “Qualquer conjunto E de

números reais com medida exterior positiva contém um subconjunto que falha em ser mensurá-

vel”, o qual foi demonstrado originalmente por Vitali. Ainda não sabemos o que é uma medida

exterior, isto será apresentado mais a frente, mas o objetivo da menção a este teorema é chamar

a atenção do leitor para um resultado que garante a existência de conjuntos que não poderemos

medir, ou seja, as funções medidas não são universais, neste sentido.

Sendo assim, precisamos construir uma função medida que seja consistente, que tenha pro-

priedades semelhantes as enunciadas acima e que funcione corretamente. Para tanto, também

precisaremos estabelecer uma classe de conjuntos adequados para aplicá-las. Neste sentido,

começamos definindo o que são σ-álgebra para, em seguida, definir o que são medidas.

2.1 σ-álgebras

Nesta seção definiremos a classe dos conjuntos que poderemos medir, ou seja, determinare-

mos os domínios das funções medida.

Definição 2.1.1. Uma álgebra de conjuntos em X é uma coleção não vazia A ⊂ ℘(X)

fechada para reuniões finitas e para complementos, isto é, se E1, E2, . . . , En ∈ A, então

E1 ∪ E2 ∪ · · · ∪ En ∈ A e se E ∈ A, então Ec ∈ A, onde Ec representa o complementar

de E em relação a X .

Definição 2.1.2. Uma σ-álgebra é uma álgebra fechada para reuniões enumeráveis, ou seja, se

{En}n∈N ⊂ A é uma família enumerável de conjuntos, então∞⋃n=1

En ∈ A.

Observação 2.1.1. 1) Álgebras (resp. σ-álgebras) são fechadas para intersecções finitas (resp.

enumeráveis), pois⋂j

Ej = (⋃j

Ecj )c.

2) Se A é uma álgebra, então ∅ ∈ A e X ∈ A pois, dado qualquer conjunto E ∈ A, temos

∅ = E ∩ Ec e X = E ∪ Ec.

3) Toda σ-álgebraA é uma álgebra, pois seA é fechada para reuniões enumeráveis, também

o será para uniões finitas.

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Vejamos alguns exemplos de σ-álgebra.

Exemplo 2.1.1. 1) Se X é um conjunto qualquer, então ℘(X) e {∅, X} são σ−álgebras . De

fato, se {Ej}j∈N ⊂ ℘(X), então⋃j∈N

Ej ∈ ℘(X) (pois teremos apenas elementos de X). Além

disso, se E ⊂ X , então Ec ⊂ X . Consequentemente, E ∈ ℘(X) implica em Ec ∈ ℘(X).

Com isto, ℘(X) é uma σ-álgebra. Para o segundo caso, denotemos A = {∅, X}. Temos que

X ∪ ∅ = X ∈ A, X ∩ ∅ = ∅ ∈ A, donde qualquer união enumerável só poderá resultar em

X ou ∅. Além disso, Xc = ∅ ∈ A e ∅c = X ∈ A. Logo, A é uma σ-álgebra.

2) Seja X um conjunto não-enumerável, então

A = {E ⊂ X;E é enumerável ou Ec é enumerável}

é uma σ-álgebra em X . Observe que se {Ej}∞1 ⊂ A, então∞⋃1

Ej será enumerável se todos os

Ej’s o forem e, caso ocorra o contrário, terá seu complementar enumerável (ainda que apenas

um dos Ej’s seja dessa forma). Para o fechamento para os complementares, basta observar que

se E ∈ A satisfaz a primeira condição, então Ec satisfaz a segunda, pois (Ec)c = E. E se E

satisfaz a segunda, não há o que demonstrar.

3) Se N é uma σ-álgebra em Y e f é uma função de X em Y , então {f−1(E);E ∈ N}

é uma σ-álgebra em X . A verificação das condições passa, unicamente, pelas propriedades da

pré-imagem de funções.

No decorrer do trabalho, será importante escrever a união de uma sequência qualquer de

conjuntos de uma σ-álgebra como uma sequência de conjuntos dois a dois disjuntos, na mesma

σ-álgebra.

Lema 2.1.1. Sejam {Ej}∞j=1 ⊂ A e Fk dado por

Fk = Ek\

[k−1⋃1

Ej

]= Ek ∩

(k−1⋃1

Ej

)c

, k = 1, 2, · · · .

Então Fk ∈ A, k = 1, 2, . . . e Fk ∩ Fj = ∅, se k 6= j. Além disso∞⋃1

Ej =∞⋃1

Fk.

Dem.: Note que se E ∈ A, então Ec ∈ A. Além disso, como A é uma σ-álgebra sabemos

que é fechada para intersecções e uniões finitas. Portanto, Fk ∈ A, para todo k ∈ N. Agora, se

existe x ∈ Fk ∩Fj , k 6= j, então, por definição, x ∈ Eci e x ∈ Ei, para algum i ∈ N, o que é um

absurdo. Finalmente, note que Fk ⊂ Ek, para todo k ∈ N, de onde segue a última igualdade.

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16

Lema 2.1.2. Se {Aα}α∈I é uma família de σ-álgebras em X , então⋂α∈I

Aα é uma σ-álgebra em

X .

Dem.: Consideremos A =⋂α∈I

Aα, onde Aα é σ-álgebra em X , para todo α ∈ I , com I um

conjunto de índices qualquer. Mostremos que A é álgebra. De fato, dada a família {Eλ}n1 ⊂ A,

temos que Eλ ∈ Aα, para quaisquer λ ∈ {1, 2, ..., n} e α ∈ I . Como os Aα são álgebras,n⋃1

Eλ ∈ Aα, para todo α ∈ I , donden⋃1

Eλ ∈ A. Agora, dado E ∈ A, E ∈ Aα, para todo α ∈ I .

Assim, Ec ∈ A. Portanto A é álgebra. Mais ainda, A é σ-álgebra. De fato, considerando

{Eλ}∞1 ⊂ A, temos que Eλ ⊂ Aα, para todo α ∈ I e λ ∈ N. Logo,∞⋃1

Eλ ∈ A.

Uma vez que temos este resultado, faz sentido enunciarmos a seguinte definição, na qual

geramos uma σ-álgebra a partir de uma família qualquer de conjuntos.

Definição 2.1.3. Dado E ⊂ ℘(X), definimos a σ-álgebra gerada por E como sendo M(E) =⋂α∈IAα, onde a intersecção é tomada sobre todas as σ-álgebras Aα de X tais que E ⊂ Aα.

Observe que, pelo Lema 3.2.1, M(E) é de fato uma σ-álgebra. Além disso, a σ-álgebra

gerada por E é a menor σ-álgebra em X que contém E .

Lema 2.1.3. Se E é uma σ-álgebra em X então M(E) = E .

Dem.: Para provar a igualdade, deduziremos ambas as inclusões de conjuntos. Começa-

mos provando que M(E) ⊂ E . Como E é σ-álgebra em X , E = Aα para algum α ∈ I .

Assim M(E) =⋂α∈IAα ⊂ E . Para provar a outra inclusão, observamos que por definição

E ⊂ Aα,∀α ∈ I,. Logo E ⊂⋂α∈I Aα = M(E).

Lema 2.1.4. Se E ⊂M(F) então M(E) ⊂M(F).

Dem.: Escreva M(E) =⋂α∈IAα, onde a intersecção é tomada sobre todas as σ-álgebra Aα

de X , tais que E ⊂ Aα. Observe que, por hipótese, M(F) é uma σ-álgebra que contém E ,

assim M(F) = Aα, para algum α ∈ I . Logo M(E) ⊂M(F).

Agora temos condições de apresentar um dos mais importantes exemplos de σ-álgebra.

Definição 2.1.4. Seja X um espaço métrico (ou, mais geralmente, topológico). A σ-álgebra

gerada pelos conjuntos abertos deX é chamada de σ-álgebra de Borel e denotada, usualmente,

por BX . Os elementos de BX são chamados de conjuntos de Borel.

Será conveniente introduzir alguma notação para uniões e intersecções de conjuntos abertos

ou fechados.

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17

Definição 2.1.5. 1) A intersecção enumerável de conjuntos abertos é dita um conjunto Gδ.

2) A união enumerável de conjuntos fechados é dita um conjunto Fσ.

3) A união enumerável de conjuntos Gδ é dita um conjunto Gδσ e a intersecção enumerável

de conjuntos Fσ é dita um conjunto Fσδ.

A σ-álgebra de Borel emR será muito importante neste trabalho e, dependendo do propósito

do resultado, será necessário encará-la como sendo gerada por uma classe distinta de conjuntos.

Portanto, apresentamos o seguinte resultado:

Proposição 2.1.1. A σ−álgebra BR é gerada por cada um dos conjuntos que segue:

a) intervalos abertos limitados: E1 = {(a, b); a < b}.

b) intervalos fechados limitados: E2 = {[a, b]; a < b}.

c) intervalos semi-abertos: E3 = {(a, b]; a < b} ou E4 = {[a, b); a < b}.

d) intervalos abertos ilimitados: E5 = {(a,∞); a ∈ R} ou E6 = {(−∞, a); a ∈ R}.

e) intervalos fechados ilimitados: E7 = {[a,∞); a ∈ R} ou E8 = {(−∞, a]; a ∈ R}.

Dem.: Para demonstrar esta proposição faremos uso do Lema 2.1.4. Primeiro, mostremos

queM(Ej) ⊂ BR. De fato, os elementos de cada Ej , com j = 1, 2, 5, 6, 7, 8, ou são conjuntos

abertos ou são conjuntos fechados e, portanto, são todos conjuntos de Borel. Assim, Ej ⊂ BRe, do Lema 2.1.4, M(Ej) ⊂ BR. Para os casos em que j = 3, 4, basta observarmos que

tais intervalos podem ser escritos como uma intersecção de conjuntos abertos. Por exemplo,

(a, b] =∞⋂1

(a, b+ n−1) e [a, b) =∞⋂1

(a− n−1, b). Portanto,M(Ej) ⊂ BR, para todo 1 ≤ j ≤ 8.

Agora mostremos a inclusão contrária. Note que no caso em que j = 1 o resultado se-

gue da Análise Real, uma vez que todo conjunto aberto de R pode ser escrito como uma

união enumerável de intervalos abertos. Assim, BR ⊂ M(E1) é verdade. Como a inten-

ção desta demonstração é utilizar basicamente o Lema 2.1.4, resta mostrarmos que é possí-

vel escrever os conjuntos abertos (a, b) como uniões ou intersecções de conjuntos dos Ej , com

2 ≤ j ≤ 8. Observe que isto é suficiente pois já temos a igualdade BR = M(E1). De fato,

escrevemos: (a, b) =∞⋃1

[a + n−1, b − n−1] ∈ M(E2); (a, b) =∞⋃1

(a, b − n−1] ∈ M(E3);

(a, b) =∞⋃1

[a+n−1, b) ∈M(E4); (a, b) =

[∞⋃1

(a+ |b−a|n,∞)

]⋂[∞⋃1

(a+ |b−a|n,∞)c

]∈M(E5).

Para os conjuntosM(E6),M(E7),M(E8) a forma de escrita será similar ao casoM(E5).

Considerem-se dois conjuntos não vazios, X, Y providos das σ-álgebras A ⊂ ℘(X),

B ⊂ ℘(Y ), respectivamente. O conjunto {A × B : A ∈ A, B ∈ B} é uma família de par-

tes de X × Y , mas não é, em geral, uma σ-álgebra. Para verificar este fato, consideremos o

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seguinte exemplo:

Exemplo 2.1.2. Consideremos X = Y = R e A = B = B (R). Qualquer retângulo compacto,

[a, b]× [c, d] é produto cartesiano de dois conjuntos de Borel. No entanto, o seu complementar

([a, b]× [c, d])c não admite nenhuma representação na forma de um produto cartesiano de dois

conjuntos de Borel.

O exemplo acima motiva a seguinte definição:

Definição 2.1.6. Sejam {Xα}α∈A uma família indexada de conjuntos não-vazios,

X =∏α∈A

Xα e πα : X → Xα as funções coordenadas. SeMα é uma σ-álgebra em Xα para

cada α, a σ-álgebra produto em X é a σ-álgebra gerada por {π−1α (Eα);Eα ∈Mα, α ∈ A}.

Observação 2.1.2. Denotaremos a σ-álgebra produto por⊗α∈AMα. Caso A seja finito, também

podemos denotarn⊗1

Mα =M1

⊗· · ·⊗Mn.

Proposição 2.1.2. Seja {Xα}α∈A uma família indexada de conjuntos não-vazios e Mα uma

σ-álgebra em Xα, para todo α ∈ A. Se A é enumerável então⊗α∈AMα é a σ-álgebra gerada por

{∏

α∈AEα;Eα ∈Mα}.

Dem.: Se Eα ∈ Mα, então π−1α (Eα) =∏

β∈AEβ , onde Eβ = Xβ para β 6= α, pois se

x ∈∏

β∈A,β 6=αXβ × Eα, temos πα(x) ∈ Eα. Agora, como {π−1α (Eα);Eα ∈ Mα, α ∈ A} ⊂

{∏

α∈AEα;Eα ∈M}, do Lema 2.1.4 segue que⊗

α∈AMα ⊂M({∏

α∈AEα;Eα ∈M}).

Por outro lado,∏

α∈AEα =⋂α∈A

∏−1α (Eα), donde

∏α∈A

Eα ⊂ {π−1α (Eα);Eα ∈Mα, α ∈ A}

e, consequentemente, {∏α∈A

Eα;Eα ∈M} ⊂⊗α∈AMα. Assim, do Lema 2.1.4,

M({∏α∈A

Eα;Eα ∈M}) ⊂⊗α∈A

Mα.

Das duas inclusões segue queM({∏α∈A

Eα;Eα ∈M}) =⊗α∈AMα.

Proposição 2.1.3. Na notação da Proposição 2.1.2, suponha queMα é gerada por Eα, α ∈ A.

Então⊗α∈AMα é gerada por F1 = {π−1α (Eα);Eα ∈ Eα, α ∈ A}. Se A é enumerável e Xα ∈ Eα,

para todo α ∈ A, então⊗

α∈AM é gerado, também, por F2 = {∏

α∈AEα;Eα ∈ Eα}.

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19

Dem.: Como Eα ∈ Eα ⊂ Mα, temos F1 ⊂⊗

α∈AMα e, do Lema 2.1.4, M(F1) ⊂⊗α∈AMα. Por outro lado, para cada α, denotemos Kα = {E ⊂ Xα; π−1α (E) ∈ M(F1)}, e

mostremos que o mesmo é uma σ-álgebra em Xα, que contém Eα e, portanto, Mα. De fato,

consideremos E1, E2, ..., En, ... ∈ Kα. Se, para cada n ∈ A, En ∈ Kα, então π−1α (En) ∈

M(F1). Disto, π−1α (⋃n∈A

En) =⋃n∈A

π−1α (En) ∈ M(F1), ou seja,⋃n∈A

En ∈ Kα. Além disso, se

E ∈ Kα, então π−1α (Ec) = (π−1α (E))c, donde segue que Ec ∈ Kα. Portanto, Kα é σ-álgebra

em Xα, para cada α ∈ A. A partir da definição de F1, tome conjuntos Eα ∈ Eα, tais que⋃α

Eα = Eα. Assim, pelas propriedades de pré-imagem, sendo Kα uma σ-álgebra, concluímos

que Eα ⊂ Kα e, portanto, Mα ⊂ Kα. Consequentemente,⊗

α∈AMα ⊂ M(F1), donde

segue a primeira afirmação. Finalmente, para a segunda afirmação, basta utilizarmos o que foi

demonstrado acima, combinado com a proposição 2.1.2.

Proposição 2.1.4. Sejam X1, X2, ..., Xn espaços métricos e X =n∏j=1

Xj , munido de uma das

métricas do produto (veja Exemplo 0.3.4). Entãon⊗1

BXj⊂ BX . Se cada Xj é separável, então

n⊗1

BXj= BX .

Dem.: Da Observação 0.3.1 segue que os abertos de X não dependem das métricas consi-

deradas no Exemplo 0.3.4. Pela proposição 2.1.3,n⊗1

BXjé gerado pelos conjuntos π−1j (Uj),

1 ≤ j ≤ n, onde Uj é um conjunto aberto em Xj . Como estes conjuntos são abertos em X , do

Lema 2.1.4,n⊗1

BXj⊂ BX .

Por outro lado, suponhamos agora que Cj = {xkj}∞k=1 é um conjunto enumerável denso

em Xj , 1 ≤ j ≤ n, e seja Ej a coleção de bolas abertas com raio racional e centradas em

algum xkj . Observe que todo aberto C em Xj é uma união enumerável de bolas abertas de Ej .

De fato, se B(a; r) ⊂ C, r ∈ Q, temos que existe xj ∈ Cj com xj ∈ B(a, r2) e, portanto,

a ∈ B(xj,r2) ⊂ B(a, r) ⊂ C. Assim, Ej é uma base enumerável de abertos de Xj e a σ-álgebra

BXjé gerada por Ej .

A coleção de produtos cartesianos de bolas abertas E =

{n∏1

Ej;Ej ∈ Ej}

, é uma base

enumerável de abertos de X . Portanto, E gera BX . Por outro lado, pela proposição 2.1.3 E geran⊗1

BXj. Logo,

n⊗1

BXj= BX .

Corolário 2.1.1.⊗n

1 BR = BRn .

Dem.: Observe que R é separável, pois Q é um subconjunto enumerável e denso de R.

Logo, o resultado segue por aplicação da proposição anterior.

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Definição 2.1.7. A coleção E de subconjuntos de X que satisfazem:

i) ∅ ∈ E ;

ii) se E,F ∈ E , então E ∩ F ∈ E ; e

iii) se E ∈ E , então Ec é uma união finita disjunta de elementos de E ,

é chamada de família elementar.

Proposição 2.1.5. Se E é uma família elementar, a coleção A de uniões finitas disjuntas de

elementos de E é uma álgebra.

Dem.: Inicialmente demonstremos este fato para o caso onde assumimos que se E ∈ E ,

então Ec é a união de dois elementos disjuntos de E . É importante destacar que isto inclui o

caso em que Ec ∈ E , pois Ec = Ec∪∅. Precisamos então mostrar queA é fechada para uníões

finitas. Para tanto faremos uso de um processo indutivo.

i) Se A,B ∈ E e Bc = B1 ∪ B2, onde B1, B2 ∈ E são disjuntos, então da Teoria de

Conjuntos vem que A\B = (A∩B1)∪ (A∩B2) e A∪B = (A\B)∪B. Note que tais uniões

são disjuntas pela própria natureza dos conjuntos envolvidos. Assim, A ∪B ∈ A.

ii) Hipótese de Indução (HI): suponhamos que A é fechada para uniões finitas envolvendo

uma quantidade de até n− 1 elementos.

iii) Provemos que isto também é válido quando tomados n elementos. De fato, sendo

A1, A2, ..., An−1 disjuntos, então segue de (HI) e de i) quen⋃1

Aj = (n−1⋃1

(Aj\An)) ∪ An é uma

união disjunta. Portanto, A é fechada para uniões finitas.

Resta mostrar que A é fechada para complementares. De fato, dados A1, ..., An ∈ E , A =n⋃1

Aj e Acj = A1j ∪ A2

j , com A1j , A

2j ∈ E disjuntos, temos Ac = (

n⋃1

Aj)c =

⋂n1 (A1

j ∪ A2j) =

[(A11∩A1

2)∪(A21∩A1

2)]∪[(A11∪A2

1)∩A22]∩· · ·∩(A1

n∪A2n) = (

⋃{n⋂j=1

Akj ; onde k = 1, 2}) ∈ A.

Nestas últimas passagens foram utilizados De Morgan, a distributividade da união em relação a

intersecção e vice e versa e o item ii) da Definição 2.1.7.

Para o caso geral, dados A1, A2, ..., An−1, An ∈ E basta considerar Acj =lj⋃

kj=1

Cjkj

, com

1 ≤ j ≤ n e Cjkj∈ E . Assim, (

n⋃1

Aj)c =

n⋂1

(lj⋃

kj=1

Cjkj

)=

n⋃j=1

{lj⋂

kj=1

Akj} ∈ A. Os detalhes são

similares aos do caso apresentado anteriormente e, por isso, serão omitidos.

Note ainda que os índices expressam o fato de não conhecermos a quantidade exata de

conjuntos disjuntos que formam o complementar de cada Aj , mas que podem ser obtidos pelo

Lema 2.1.1. Logo, A é uma álgebra.

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2.2 Medidas

Nesta seção será definido o que vem a ser uma função medida, seguido da apresentação de

alguns exemplos e da construção daquela que nos interessa, a saber, a medida de Lebesgue.

Também serão apresentados resultados que evidenciam as principais características e proprie-

dades de tais funções.

Definição 2.2.1. Seja X munido com uma σ-álgebra M. Uma medida em (X,M) é uma

função µ : X → [0,∞] que satisfaz:

i) µ(∅) = 0;

ii) Se {Ej}∞1 é uma família de conjuntos disjuntos emM, então µ(∞⋃1

Ej) =∞∑1

µ(Ej).

Observação 2.2.1. A propriedade (ii) é chamada de aditividade enumerável. Deste fato é

possível extrair a aditividade finita, ou seja, vale que µ(n⋃1

Ej) =n∑1

µ(Ej), se E1, E2, ..., En

são disjuntos emM.

Definição 2.2.2. 1) Se X é um conjunto qualquer eM é uma σ-álgebra em X , então (X,M)

é chamado de espaço mensurável e os conjuntos emM são chamados de conjuntos mensu-

ráveis.

2) Se µ é uma medida em (X,M) então (X,M, µ) é chamado de espaço de medida.

3) Se µ(X) <∞, então µ(E) <∞, para todo E ∈M. Neste caso, µ é dita finita.

4) Se X =∞⋃1

Ej , onde Ej ∈ M e µ(Ej) < ∞, para todo j, µ é dita σ-finita. Mais

geralmente, se E =∞⋃1

Ej , onde Ej ∈ M e µ(Ej) < ∞, para todo j, o conjunto E é dito

σ-finito (com respeito a µ).

5) Se para cada E ∈M com µ(E) =∞ existe F ∈M com F ⊂ E e 0 < µ(F ) <∞, µ é

chamada semifinita.

Observação 2.2.2. Toda medida σ-finita é semifinita. Com efeito, se tomarmos E ∈M tal que

µ(E) = ∞, então, por X =∞⋃1

Ej e pelas condições dadas no item (4) da definição anterior,

existe Ej ⊂ E que satisfaz 0 < µ(Ej) <∞. Contudo, o contrário nem sempre é verdade, pois

mesmo que um subconjunto de um conjunto qualquer tenha medida finita, isto não garante que

a medida do conjunto todo seja finita.

Exemplo 2.2.1. Vejamos agora alguns exemplos de medidas.

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1) Sejam X 6= ∅,M⊂ ℘(X) e f : X → [0,∞] uma função qualquer. Então, f determina

uma medida µ emM, através da fórmula µ(E) =∑x∈E

f(x).

Verifiquemos as condições exigidas para uma função ser considerada medida.

i) Como não existe x ∈ ∅, µ(∅) =∑x∈∅

f(x) = 0.

ii) Consideremos {Ej}∞1 uma sequência disjunta de conjuntos e A =∞⋃1

Ej . Assim, µ(A) =∑x∈A

f(x). Observe que cada x ∈ A, pertence a Ej para algum j. Deste modo, a menos de

comutações e associações entre os elementos f(x), podemos escrever µ(A) =∑x∈A

f(x) =∑x∈E1

f(x)+∑x∈E2

f(x)+ · · ·+∑x∈Ej

f(x)+ · · · = µ(E1)+µ(E2)+ · · ·+µ(Ej)+ · · · =∞∑1

µ(Ej).

Além disso, é possível mostrar que tal medida µ é semifinita se, e só se, f(x) < ∞ para

todo x ∈ X e µ é σ-finita se, e só se, µ é semifinita e {x ∈ X; f(x) > 0} é enumerável.

Vejamos o porquê da primeira afirmação ser verdadeira.

(⇒) Sendo µ semifinita, sabemos que para cada E ∈ M, com µ(E) = ∞, existe F ∈

M, F ⊂ E tal que 0 < µ(F ) <∞. Note que µ(F ) =∑x∈F

f(x) <∞. Disto, a série∑x∈F

f(x) é

convergente e, portanto, a sequência das somas parciais é limitada. Consequentemente, f(x) <

∞, para todo x ∈ X .

(⇐) Suponhamos que f(x) <∞, para todo x ∈ X . Ou seja, |f(x)| ≤ K <∞, para algum

K > 0. Assim, se tomarmos qualquer E ∈M nas condições desejadas, existe um subcojunto

F ∈ M, F ⊂ E, de forma que F é formado por elementos de uma subsequência das somas

parciais, de forma que µ(F ) =∑x∈F

f(x) ≤ nK <∞.

2) Se considerarmos f(x) = 1, para todo x ∈ X , no exemplo anterior, µ é chamada de

medida de contagem.

3) Ainda, se existe x0 ∈ X tal que f(x0) = 1 e f(x) = 0, para todo x 6= x0, então µ é

chamada de medida de Dirac em x0.

4) Seja X um conjunto não-enumerável eM a σ-álgebra definida no item 2) do Exemplo

2.1.1. A função µ em M definida por µ(E) = 0, se E é enumerável e µ(E) = 1 se Ec é

enumerável, é uma medida em X . Verifiquemos se tal função satisfaz as condições exigidas:

i) µ(∅) = 0, pois ∅ é enumerável.

ii) Agora, consideremos a família de conjuntos {Ej}∞1 em M. Se todos forem enumerá-

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veis,∞⋃1

Ej também o será e, portanto, µ(∞⋃1

Ej) = 0 = 0 + 0 + · · · + 0 + · · · = µ(E1) +

µ(E2) + · · · + µ(Ej) + · · · =∞∑1

µ(Ej). Agora, observe que como esta sequência é composta

por conjuntos disjuntos, há no máximo um elemento co-enumerável (quando o complementar

do conjunto é enumerável) em {Ej}∞1 , pois caso contrário, se houver dois, digamos, Eλ1 , Eλ2

co-enumeráveis, então seus complementares são enumeráveis. Como X é não-enumerável

e Eλ1 ∪ Ecλ1

= X = Eλ2 ∪ Ecλ2

, temos que Eλ1 , Eλ2 são não-enumeráveis. Além disso,

sendo Eλ1 ∩ Eλ2 = ∅, vem que Eλ1 ⊂ Ecλ2

e Eλ2 ⊂ Ecλ1

. Absurdo. Assim, se existir

Ek ∈ {Ej}∞1 tal que Ek é co-enumerável, teremos µ(∞⋃1

Ej) = 1 = 0 + 0 + · · · + 1 + · · · =

µ(E1) + µ(E2) + · · ·+ µ(Ek) + · · · =∞∑1

µ(Ej).

5) Sejam X um conjunto infinito,M= ℘(X) e defina µ(E) = 0, se E é finito e µ(E) =∞,

seE é infinito. Então µ é uma Medida Finitamente Aditiva (MFA), conforme Observação 2.2.1,

mas não uma medida.

Verifiquemos a validade desta afirmação.

Primeiro, observe que µ não é uma medida, pois a união arbitrária de conjuntos finitos pode

ser um conjunto infinito. Pois teríamos ∞ = µ(∞⋃1

Ej) =∞∑1

µ(Ej) = 0. Absurdo. Vamos

mostrar que µ é uma MFA. De fato,

i) µ(∅) = 0, pois ∅ é finito.

ii) Consideremos a família {Ej}n1 em M. Se todos os Ej forem finitos, não há o que

demonstrar. Assim como no caso em que todos são infinitos. Ainda, se houver uma quantidade

α de conjuntos infinitos, temos que∞⋃1

Ej é infinita, donde, a menos de comutações, segue que

µ(∞⋃1

Ej) =∞ = α · ∞ =∞+ · · ·+∞+ 0 + · · ·+ 0 =n∑1

µ(Ej).

Logo, µ é MFA.

Teorema 2.2.1. Seja (X,M, µ) um espaço de medida. Então, as seguintes propriedades são

válidas:

a) Se E,F ∈M e E ⊂ F então µ(E) 6 µ(F ) (Motonicidade).

b) Se {Ej}∞1 ⊂M então µ(∞⋃1

Ej) 6∞∑1

µ(Ej) (Subaditividade).

c) Se {Ej}∞1 ⊂M e E1 ⊂ E2 ⊂ · · · então µ(∞⋃1

Ej) = limj→∞

µ(Ej) (Continuidade inferior).

d) Se {Ej}∞1 ⊂M e E1 ⊃ E2 ⊃ · · · e µ(E1) < ∞ então µ(∞⋂1

Ej) = limj→∞

µ(Ej) (Conti-

nuidade superior).

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Dem.: a) Se E ⊂ F , então F = E ∪ EcF . Note que Ec

F está emM, poisM é σ-álgebra.

Assim, µ(F ) = µ(E ∪ EcF ) = µ(E) + µ(Ec

F ) ≥ µ(E).

b) Comecemos aplicando o processo do Lema 3.1.1 para reescrever os conjuntos de forma

que sejam disjuntos. Ponha F1 = E1 e Fk = Ek\(k−1⋃1

Eλ), para k > 1. Observe que os Fk são

dois a dois disjuntos e quek⋃1

Fk =n⋃1

Ej , para todo n ∈ N. Ainda, note que Fj ⊃ Ej , para todo

j. Finalmente, do item (a), segue que

µ(∞⋃1

Ej) = µ(∞⋃1

Fj) =∞∑1

µ(Fj) ≤∞∑1

µ(Ej).

c) Se E0 = ∅, podemos escrever∞⋃1

Ej =∞⋃1

(Ej\Ej−1), afim de termos uma união de

conjuntos disjutos. Assim,

µ(∞⋃1

Ej) = µ(∞⋃1

(Ej\Ej−1)) =∞∑1

µ((Ej\Ej−1)) = limn→∞

n∑1

µ((Ej\Ej−1)) = limn→∞

µ(En).

d) Novamente, aplicando o Lema 3.1.1, F1 = ∅ e Fn = En−1\En, para n > 1. Note que

F1 ⊂ F2 ⊂ · · · ⊂ Fn ⊂ · · · e que En−1 = Fn ∪ En, donde µ(En−1) = µ(Fn) + µ(En). Além

disso,∞⋃1

En = En−1\(∞⋂1

En). Agora, pondo j = n− 1 e aplicando (c), temos

µ(Ej) = µ((∞⋃1

Fn) ∪ (∞⋂1

En)) = µ(∞⋃1

Fn) + µ(∞⋂1

Fn) = limn→∞

µ(Fn) + µ((∞⋂1

En)) =

= µ((∞⋂1

En)) + limn→∞

µ(Ej)− µ(En).

(2.2.1)

Finalmente, observe que se µ(E1) < ∞, então, pelas inclusões da hipótese, µ(Ej) < ∞, para

todo j. Logo, subtraindo µ(Ej) em ambos os lados de (2.2.1), obtemos o resultado desejado.

O seguinte exemplo mostra que a condição µ(E1) < ∞, dada no item d) do Teorema 2.2.1

não pode ser retirada.

Exemplo 2.2.2. Considere os conjuntos E1 = (1,∞), E2 = (2,∞), ..., En = (n,∞), .... Ob-

serve que temos E1 ⊃ E2 ⊃ · · · e µ(Ej) =∞, para todo j ∈ N. Contudo,∞⋂1

Ej = ∅.

Definição 2.2.3. 1) Seja (X,M, µ) um espaço de medida. Um conjuntoE ∈M tal que µ(E) =

0, é dito um conjunto de medida nula.

2) Se uma dada afirmação a respeito de pontos x ∈ X não é verdadeira, para pontos x em

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algum conjunto de medida nula, então dizemos que é válida em quase todo ponto (q.t.p).

Observação 2.2.3. Se µ(E) = 0 e F ⊂ E então, caso F ∈M, µ(F ) = 0, pela monotonicidade.

Contudo, em geral não é garantido que F ∈M pelo simples fato de F ⊂ E.

Definição 2.2.4. Uma medida cujo domínio contém todos os subconjuntos de conjuntos de

medida nula é dita completa.

Teorema 2.2.2. Suponha (X,M, µ) um espaço de medida. Sejam N = {N ∈M;µ(N) = 0}

eM = {E ∪ F ;E ∈ M e F ⊂ N, para algum N ∈ N}. Então,M é uma σ-álgebra, e existe

uma única extensão µ de µ para uma medida completa emM.

Dem.: Vamos dividir esta demonstração em duas etapas.

1a Etapa:M é uma σ-álgebra.

Verifiquemos cada uma das condições da definição de σ-álgebra:

i) Como, µ(∅) = 0, ∅ ∈ N . Além disso, como M é σ-álgebra, ∅ ∈ M. Portanto,

considerando ∅ ∪∅, onde ∅ ∈M e ∅ ∈ N , temos ∅ ∈M.

ii) Consideremos a família {Kj}j∈N emM, onde Kj = Ej ∪ Fj , com Fj ⊂ Nj , nas condi-

ções dadas no enunciado do teorema. ComoM é σ-álgebra eN ⊂M, temos que∞⋃j=1

Ej = E ∈

M e∞⋃j=1

Fj = F ⊂ N =∞⋃j=1

Nj ∈ N . Portanto, K =∞⋃j=1

Kj =

(∞⋃j=1

Ej

)∪

(∞⋃j=1

Fj

)=

E ∪ F ∈M.

iii) Para a verificação do fechamento para complementares, consideraremos um conjunto

em M como a união de dois conjuntos do mesmo. Tal artifício é utilizado a fim de facilitar

a demonstração, pois permite o uso de diferentes propriedades da teoria de conjuntos. Para

tanto, consideremos E ∈ M e F ⊂ N ∈ N . Note que é possível escrever qualquer conjunto

desta forma, pois, no caso mais extremo, basta que se tome F = ∅. Ainda, podemos supor,

s.p.g., que E ∩ N = ∅, pois caso contrário, a fim de torná-los disjuntos consideraremos os

conjuntos das diferenças entre F e E e, entre N e E. O fato de estes conjuntos serem disjuntos

e, automaticamente, E e F também o serem, facilitará para aplicarmos resultados da teoria de

conjuntos.

Note ainda, que como E ∪ F ∈M eMé σ-álgebra, (E ∪ F )c ∈M. Assim, fazendo uso

da teoria de conjuntos, temos

E ∪ F = (E ∪N) ∩ (N c ∪ F )⇒ (E ∪ F )c = [(E ∪N) ∩ (N c ∪ F )]c =

= (E ∪N)c ∪ (N c ∪ F )c = (E ∪N)c ∪ (N ∩ F c) = (E ∪N)c ∪ (N\F ),

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pois, como F ⊂ N , N ∩ F c = N\F .

Finalmente, como E ∪ F ∈M e N\F ∈ N , (E ∪ F )c ∈M .

2a Etapa: Existe uma única extensão µ de µ para uma medida completa emM.

Vamos definir uma função µ emM, associando a cada E ∪ F ∈ M o valor µ(E ∪ F ) =

µ(E). Note que tal definição faz sentido, uma vez que tais medidas devem coincidir dentro

deM e que µ(F ) = 0. Verifiquemos a boa definição desta função. Se E1 ∪ F1 = E2 ∪ F2,

Fj ⊂ Nj ∈ N , então E1 ⊂ E2 ∪ N2. Assim, µ(E1) ≤ µ(E2) + µ(N2) = µ(E2). Da mesma

forma, obtemos µ(E1) ≥ µ(E2), donde µ(E1) = µ(E2). Agora, verifiquemos as condições

para ser medida:

i) µ(∅) = µ(∅ ∪∅) = µ(∅) = 0,

ii) µ(∞⋃1

(Eλ ∪ Fλ)) = µ((∞⋃1

Eλ) ∪ (∞⋃1

Fλ)) = µ(∞⋃1

Eλ) =∞∑1

µ(Eλ).

Finalmente, mostremos que µ é completa. Seja F um subconjunto de um conjunto de me-

dida nula, digamos, F ⊂ N0, com µ(N0) = 0. Então, F ∈ N , por definição. Além disso,

∅ ∈ M, donde ∅ ∪ F ∈ M. Como F é qualquer, µ é completa. Para provar a unicidade de

tal extensão, basta que se suponha haver outra, digamos µ que cumpra as mesmas exigências e

concluir que coincidem.

Definição 2.2.5. A medida µ no teorema anterior é dita o completamento de µ eM é dito o

completamento deM com respeito a µ.

2.3 Medidas Exteriores

Nesta seção apresentamos o Teorema de Carathéodory, que é um resultado central para a cons-

trução da Medida de Lebesgue em R.

Definição 2.3.1. Se X 6= ∅, uma função µ∗ : ℘(X) → [0,∞] é dita uma medida exterior se

satisfaz:

i) µ∗(∅) = 0,

ii) µ∗(A) ≤ µ∗(B), sempre que A ⊂ B,

iii) se {Aj}∞1 ⊂ ℘(X), então µ∗(∞⋃1

Aj) ≤∞∑1

µ∗(Aj).

A próxima proposição justifica o nome “medida exterior” pois, como veremos na construção

seguinte, começamos com uma medida em uma dada família de conjuntos e, então, aproxima-

mos a medida de um conjuntoA qualquer, “por fora”, considerando reuniões de conjuntos desta

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familía que contém A.

Proposição 2.3.1. Sejam E⊂ ℘(X) e ρ : E → [0,∞] tal que ∅ ∈ E , X ∈ E e ρ(∅) = 0. Para

qualquer A ⊂ X , defina

µ∗(A) = inf

{∞∑1

ρ(Ej);Ej ∈ E ,∀j ∈ N e A ⊂∞⋃1

Ej

}. (2.3.1)

Então µ∗ é uma medida exterior.

Dem.: Primeiro, verifiquemos a boa definição de µ∗, ou seja, que dado qualquer conjunto

A ⊂ X é possível tomar o ínfimo dado na expressão (2.3.1). De fato, como X ∈ E , para

qualquer A ⊂ X , existe {Ej}∞1 ⊂ E tal que A ⊂∞⋃1

Ej (basta tomar Ej = X , para todo j ∈ N).

Agora, verifiquemos que µ∗ é uma medida exterior.

i) Tomando Ej = ∅, para todo j, temos µ∗(∅) = 0.

ii) Como A ⊂ B, se B ⊂∞⋃1

Ej , então A ⊂∞⋃1

Ej . Assim, pela definição de µ∗ e da

propriedade de inf, temos

µ∗(A) = inf

{∞∑1

ρ(Ej);Ej ∈ E e A ⊂∞⋃1

Ej

}≤ inf

{∞∑1

ρ(Ej);Ej ∈ E e B ⊂∞⋃1

Ej

}= µ∗(B).

iii) Se {Aj}∞j=1 ⊂ ℘(X) e ε > 0 é dado, para cada j ∈ N existe {Ekj }∞k=1 ⊂ E tal que

Aj ⊂∞⋃k=1

Ekj e

∞∑k=1

ρ(Ekj ) ≤ µ∗(Aj) + ε · 2−j (observe que estas afirmações são feitas com

base na definição de ínfimo). Assim, se A =∞⋃1

Aj temos A ⊂∞⋃

j,k=1

Ekj e

∞∑j,k=1

ρ(Ekj ) ≤

∞∑j=1

µ∗(Aj) + ε ·∞∑j=1

2−j =∞∑j=1

µ∗(Aj) + ε. Portanto, como µ∗ é definida sendo o ínfimo de

somas de ρ, temos que µ∗(A) ≤∞∑j=1

µ∗(Aj) + ε. Como ε pode ser tomado tão pequeno quanto

se queira, o resultado está provado.

Definição 2.3.2. Se µ∗ é uma medida exterior emX , um conjuntoA ⊂ X é dito µ∗-mensurável

se µ∗(E) = µ∗(E ∩ A) + µ∗(E ∩ Ac), para todo E ⊂ X .

Observação 2.3.1. Note que a desigualdade µ∗(E) ≤ µ∗(E∩A)+µ∗(E∩Ac) é sempre válida

para quaisquer E,A ∈ X , devido à Definição 2.3.1-iii). Assim, para provar que um conjunto é

µ∗-mensurável basta verificar µ∗(E) ≥ µ∗(E ∩ A) + µ∗(E ∩ Ac).

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Teorema 2.3.1. (Teorema de Carathéodory) Se µ∗ é uma medida exterior em X , então a

coleçãoM de conjuntos µ∗-mensuráveis é uma σ-álgebra em X e a restrição de µ∗ aM é uma

medida completa.

Dem.: Verifiquemos a primeira afirmação.

i) Note queM é fechado para complementares, pois a definição de µ∗-mensurabilidade é

simétrica com respeito a A e Ac. Além disso (Ac)c = A.

ii) Se A,B ∈M e E ⊂ X , então

µ∗(E) =def. µ∗(E ∩ A) + µ∗(E ∩ Ac) = µ∗(E ∩ A ∩B) + µ∗(E ∩ A ∩Bc)+

+µ∗(E ∩ Ac ∩B) + µ∗(E ∩ Ac ∩Bc) ≥ µ∗(E ∩ (A ∪B)) + µ∗(E ∩ (A ∪B)c),

onde a segunda igualdade se justifica por E ∩ A,E ∩ Ac ⊂ X e por B ∈ M, já a primeira

desigualdade se justifica por (E ∩ A ∩B) ∪ (E ∩ A ∩Bc) ∪ (E ∩ Ac ∩B) = E ∩ (A ∪B) e,

por de De Morgan, E ∩ (Ac ∩ Bc) = E ∩ (A ∪ B)c. Disto segue que A ∪ B ∈M e, portanto,

M é álgebra (visto que podemos extender isto para uma reunião finita).

Se A,B ∈M e A ∩ B = ∅ então µ∗(A ∪ B) = µ∗((A ∪ B) ∩ A) + µ∗((A ∪ B) ∩ Ac) =

µ∗(A) + µ∗(B), ou seja, µ∗ é finitamente aditiva emM.

Mostremos agora que M é σ-álgebra em X . De fato, suponha que {Aj}∞1 ⊂ M é uma

família de conjuntos dois a dois disjuntos. Para cada n ∈ N defina Bn =n⋃1

Aj e B =∞⋃1

Aj .

Nosso próximo objetivo é provar que B ∈M. Para todo E ⊂ X , temos

µ∗(E ∩Bn) = µ∗(E ∩Bn ∩An) +µ∗(E ∩Bn ∩Acn) = µ∗(E ∩An) +µ∗(E ∩Bn−1), (2.3.2)

pois para todo n ∈ N, Bn =n⋃1

Aj e, como os conjuntos Aj ′s são dois a dois disjuntos,

Bn ∩ An = An e Acn =n−1⋃1

Aj. Daí Bn ∩ Acn = Bn−1, para todo n ∈ N.

Apliquemos um processo indutivo para obter (2.3.2).

a) Suponha n = 2. Então B2 = A1 ∪ A2. Donde,

µ∗(E ∩B2) = µ∗(E ∩ (A1 ∪ A2)) = µ∗(E ∩ A1) + µ∗(E ∩ A2).

b) Suponhamos que

µ∗(E ∩Bn) =n∑1

µ∗(E ∩ Aj). (2.3.3)

Provemos que (2.3.3) é válida para n+ 1.

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Ora,

µ∗(E ∩Bn+1) = µ∗(E ∩ (Bn ∪ An+1)) = µ∗(E ∩Bn) + µ∗(E ∩ An+1) =(2.3.3)

=n∑1

µ∗(E ∩ Aj) + µ∗(E ∩ An+1) =n+1∑1

µ∗(E ∩ Aj).

Disto, µ∗(E) = µ∗(E ∩Bn) +µ∗(E ∩Bcn) ≥

n∑1

µ∗(E ∩Aj) +µ∗(E ∩Bcn) (note que Bn ∈

M). Assim, fazendo n→∞, temos

µ∗(E) ≥∞∑1

µ∗(E ∩ Aj) + µ∗(E ∩Bc) ≥ µ∗(∞⋃1

(E ∩ Aj)) + µ∗(E ∩Bc) =

µ∗(E ∩B) + µ∗(E ∩Bc) ≥ µ∗(E).

(2.3.4)

Isto mostra que as desigualdades em (2.3.4) são igualdades e, portanto B ∈ M. Logo M é

σ-álgebra em X .

Ainda, tomando E = B, temos µ∗(B) =∞∑1

µ∗(Aj), o que mostra que µ∗ é enumeravel-

mente aditiva emM.

Finalmente, se µ∗(A) = 0, para qualquerE ⊂ X , temos µ∗(E) ≤ µ∗(E∩A)+µ∗(E∩Ac) =

µ∗(E∩Ac) ≤ µ∗(E). Para entender a igualdade, note que µ∗(E∩A) = 0. Ora,E∩A ⊂ E ⊂ X ,

donde E ∩ A é mensurável, uma vez que medidas exteriores são definidas em ℘(X). Assim,

da monotonicidade segue a afirmação. Portanto, A ∈M. Logo, µ∗ restrito aM é uma medida

completa.

Definição 2.3.3. Se A⊂ ℘(X) é uma álgebra, a função µ : A → [0,∞] será chamada de uma

pré-medida se satisfizer:

i) µ(∅) = 0,

ii) se {Aj}∞1 ⊂A é uma família de conjuntos disjuntos tal que∞⋃1

Aj ∈ A, então µ(∞⋃1

Aj) =

∞∑1

µ(Aj).

Observação 2.3.2. Se µ é uma pré-medida em A⊂ ℘(X), µ induz uma medida exterior em X ,

de acordo com a Proposição 2.3.1, a saber

µ∗(E) = inf

{∞∑1

µ(Aj);Aj ∈ A, E ⊂∞⋃1

Aj

}. (2.3.5)

Proposição 2.3.2. Suponha que µ é uma pré-medida em A e defina µ∗ por (2.3.5). Nesse caso

temos que

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a) µ∗∣∣A = µ e

b) todo conjunto em A é µ∗-mensurável.

Dem.: a) Queremos mostrar que µ∗(E) = µ(E), para todo E ⊂ A. Consideremos E ∈

A arbitrário e uma família qualquer {Aj}∞1 ⊂ A tal que E ⊂∞⋃1

Aj . Note que os Aj’s não

precisam ser dois a dois disjuntos. Assim, tome os conjuntos Fj dados pelo Lema 2.1.1 em

relação a família {Aj}∞1 e defina para cada troquei o índice n por j em vários pontos dessa

prova j ∈ N, Bj = E ∩ Fj para todo j ∈ N. Note que os conjuntos Bj′s são dois a dois

disjuntos e tais que E =∞⋃1

Bj .

A fim de obter o resultado desejado buscamos verificar ambas as desigualdades µ(E) ≤

µ∗(E) e µ(E) ≥ µ∗(E). Para a primeira desigualdade temos que

µ(E) = µ

(∞⋃1

Bj

)=∞∑1

µ(Bj) ≤∞∑1

µ(Aj) = µ

(∞⋃1

Aj

),

onde fazemos uso do item ii) da Definição 2.3.3 e do fato de Bj ⊆ Aj , para todo j ∈ N. Assim,

ao considerarmos o ínfimo das somas∞∑1

µ(Aj), obtemos que µ(E) ≤ µ∗(E). Para provar a

desigualdade contrária, consideraremos C1 = E e Cj = ∅, para j > 1. Note que E ⊂∞⋃1

Cj .

Assim, por (2.3.5), pela definição de ínfimo e pela definição de pré-medida, vem que

µ∗(E) = inf

{∞∑1

µ(Aj);Aj ∈ A, E ⊂∞⋃1

Aj

}≤

∞∑1

µ(Cj) = µ

(∞⋃1

Cj

)= µ(C1) = µ(E).

Portanto µ∗∣∣A = µ.

b) Observe que precisamos mostrar a igualdade dada na Definição 2.3.2, mas pela Observa-

ção 2.3.1 basta mostrar que vale µ∗(E) ≥ µ∗(E ∩ A) + µ∗(E ∩ Ac), para todo conjunto A ∈

A. Consideremos A ∈ A, E ⊂ X e uma sequência {Bj}∞1 ⊂ A com E ⊂∞⋃1

Bj . Então, como

Bj = (Bj ∩ A) ∪ (Bj ∩ Ac) para cada j ∈ N, µ é aditiva em A e da definição de µ∗ vem que

∞∑1

µ(Bj) =∞∑1

µ((Bj ∩ A) ∪ (Bj ∩ Ac)) =∞∑1

µ(Bj ∩ A) +∞∑1

µ(Bj ∩ Ac) ≥

≥ µ∗(E ∩ A) + µ∗(E ∩ Ac).

Novamente pela definição de ínfimo segue que µ∗(E) ≥ µ∗(E ∩A) + µ∗(E ∩Ac). Logo A

é µ∗-mensurável e, sendo A arbitrário, temos o resultado desejado.

Teorema 2.3.2. Sejam A⊂ ℘(X) uma álgebra, µ uma pré-medida em A e M a σ-álgebra

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gerada por A.

a) Então existe uma medida µ emM tal que µ = µ∗∣∣M, onde µ∗ é definida como em (2.3.5).

b) Se v é outra medida em M que possui as propriedades descritas em a), então v(E) ≤

µ(E), para todo E ∈M, com igualdade ocorrendo quando µ(E) <∞.

c) Se µ é σ-finita, então µ é a única extensão de µ para uma medida emM.

Dem.: a) Segue do Teorema 2.3.1 e da Proposição 2.3.2, uma vez que a σ-álgebra formada

pelos conjuntos µ∗-mensuráveis inclui A e, portantoM.

b) Se E ∈M e E ⊂∞⋃1

Aj , com Aj ∈ A, para todo j ∈ N, então

v(E) ≤∞∑1

v(Aj) =∞∑1

µ(Aj) = µ(∞⋃1

Aj) = µ(E) = µ(E).

Se A =∞⋃1

Aj , então

v(A) = limn→∞

v(n⋃1

Aj) = limn→∞

µ(n⋃1

Aj) = limn→∞

n∑1

µ(Aj) = µ(A).

Agora, se µ(E) < ∞ então podemos escolher os conjuntos Aj ′s de tal forma que µ(A) ≤

µ(E) + ε, para ε > 0 (pois temos o ínfimo de somas∞∑1

µ(Aj)). Portanto, µ(A\E) < ε e

µ(E) ≤ µ(A) = v(A) = v(E) + v(A\E) ≤ v(E) + µ(A\E) ≤ v(E) + ε, onde usamos o fato

de que A = E ∪ (A\E), pois E ⊂ A. Como ε é arbitrário segue que µ(E) = v(E).

c) Finalmente, se X =∞⋃1

Aj , com µ(Aj) < ∞, então podemos supor que os conjuntos

Aj′s são dois a dois disjuntos (a menos da aplicação do processo que descrevemos para torná-

los disjuntos). Então, para qualquer E ∈M, temos µ(E) = µ(E∩(∞⋃1

Aj)) = µ(∞⋃1

(E∩Aj)) =

∞∑1

µ(E ∩ Aj) =∞∑1

v(E ∩ Aj) = v(E). Logo µ = v.

2.4 Medidas de Borel e Medida de Lebesgue em R

Nesta seção apresentamos os resultados mais importantes do capítulo. Construímos aqui as

chamadas medidas de Borel em R, as quais são medidas cujo domínio é BR e apresentamos

como caso particular, e de principal interesse, a Medida de Lebesgue em R. Tal medida será

importante em especial nos capítulos 4 e 5.

A seguir apresentamos um resultado de Análise na Reta cuja demonstração será omitida.

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Lema 2.4.1. Se F : R → R é uma função crescente, então F tem limites laterais à direita e à

esquerda em todo o ponto, com:

F (a+) = limx→a+

F (x) = infx>a

F (x),

F (a−) = limx→a−

F (x) = supx>a

F (x).

Além disso, os valores limite F (∞) = supx∈R

F (x) e F (−∞) = infx∈R

F (x) existem (possivel-

mente iguais a +∞ e −∞, respectivamente).

Observação 2.4.1. Neste trabalho consideramos como intervalos semi-abertos a esquerda,

intervalos da forma (a, b], (a,∞) ou ∅, com −∞ ≤ a < b < ∞, e reduzimos seu nome a

s-intervalos.

Ainda é possível verificar que a família dos s-intervalos é uma família elementar, ou seja,

a intersecção de dois s-intervalos é um s-intervalo (por exemplo, se a < c < b, então (a, b] ∩

(−∞, c] = (a, c]), o complementar de um s-intervalo é um s-intervalo ou a união disjunta de

dois s-intervalos (por exemplo, (a, b]c = (−∞, a] ∪ (b,∞)). Além disso, ∅ pertence a esta

família. Assim, aplicando a proposição 2.1.5, a coleção A das uniões disjuntas finitas de s-

intervalos é uma álgebra. Finalmente, pela proposição 3.1.1 a σ-álgebra gerada por A é a

σ-álgebra de Borel BR.

Definição 2.4.1. Dizemos que a função F : R→ R é contínua pela direita se F (a) = F (a+),

para todo a ∈ R.

Proposição 2.4.1. Seja F : R → R uma função crescente e contínua pela direita, {(aj, bj]}n1uma família de s-intervalos disjuntos e defina

µ(n⋃1

(aj, bj]) =n∑1

[F (bj)− F (aj)].

Defina ainda µ(∅) = 0. Nesse caso µ é uma pré-medida na álgebra A.

Dem.: Vamos fazer a demonstração deste resultado separando em três afirmações.

Afirmação 1: µ está bem definida e é finitamente aditiva.

Note que, neste caso, mostrar que a função está bem definida requer a verificação dois

ingredientes. Primeiro, a função não pode depender da representação dos intervalos envolvidos.

Segundo, se considerarmos dois elementos iguais no domínio, suas imagens devem ser iguais.

Vamos fazer cada parte separadamente.

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33

1a etapa: µ independe da representação.

Observe que, como os intervalos {(aj, bj]}n1 são disjuntos en⋃1

(aj, bj] = (a, b], por hipótese,

então, certamente suas extremidades “se tocam”. Neste sentido, podemos considerar as mesmas

em ordem crescente, ou seja, re-enumerando as extremidades desde a mais à esquerda até a mais

à direita. Observe que isto não altera em nada os intervalos, trata-se apenas de uma mudança

nos índices. Assim, como teremos a = a1 < b1 = a2 < b2 = · · · < bn = b, segue que

n∑1

[F (bj)−F (aj)] = F (b1)−F (a) +F (b2)−F (b1) + · · ·+F (b)−F (bn−1) = F (b)−F (a).

Ainda, analisando o que foi feito é possível perceber que µ((a, b]) =n∑j=1

µ((aj, bj].

2a etapa: µ satisfaz a condição para ser função.

Para verificar esta condição, é necessário que consideremos {Ii}n1 e {Jj}m1 duas famílias

finitas de s-intervalos disjuntos, tais quen⋃1

Ii =m⋃1

Jj . Primeiro, observe que destas considera-

ções obtemos a seguinte igualdade Ii =m⋃j=1

(Ii∩Jj), para todo 1 ≤ i ≤ n. Aplicando a primeira

etapa a esta última igualdade, vem que µ(Ii) =m∑j=1

µ(Ii ∩ Jj), para todo 1 ≤ i ≤ n. Assim, ao

aplicarmos µ, temos

n∑i=1

µ(Ii) =n∑i=1

m∑j=1

µ(Ii ∩ Jj) =m∑j=1

µ(Jj).

Consequentemente

µ(n⋃1

Ii) =n∑1

µ(Ii) =m∑1

Jj = µ(m⋃1

Jj).

Portanto µ está bem definida. Ainda, note que, por definição, µ é finitamente aditiva.

Afirmação 2: µ é monótona.

De fato, como F é crescente, por definição, então F (bi) ≥ F (ai), com bi ≥ ai, para todo

i ∈ N. Assim, F (bi) − F (ai) ≥ 0, para todo i ∈ N. Como µ é definida por somas de parcelas

não-negativas, µ é não decrescente.

Neste momento, precisamos mostrar que µ satisfaz as duas condições da definição de pré-

medida.

Afirmação 3: µ define uma pré-medida em A.

i) Note que µ(∅) = 0 por hipótese.

ii) Temos de mostrar que, se {Ii}∞1 é uma sequência de s-intervalos disjuntos com∞⋃1

Ii ∈

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34

A, então µ(∞⋃1

Ii) =∞∑1

µ(Ii).

Pela afirmação 1, podemos supor que∞⋃1

Ij é um s-intervalo, digamos I = (a, b]. Da afirma-

ção 2 e da aditividade finita, vem que

µ(I) = µ(∞⋃1

Ij) ≥ µ(n⋃1

Ij) =n∑1

µ(Ij).

Assim, fazendo n→∞, obtemos µ(I) ≥∞∑1

µ(Ij).

Para a desigualdade contrária, separaremos em três casos, conforme a natureza dos interva-

los.

1o caso: I = (a, b] limitado.

Note que ainda não fizemos uso, explicitamente, da continuidade a direita de F . É neste

momento que ela se fará mais necessária. Comecemos fixando ε > 0. Por definição de con-

tinuidade a direita, temos que existe δ > 0 tal que F (a + δ) − F (a) < ε. Ainda, pondo

Ij = (aj, bj], para cada j ∈ N, existe δj > 0 tal que F (bj − δj)− F (bj) < ε2−j .

Observe que, se considerarmos os intervalos abertos (aj, bj + δj), então, para cada j ∈ N,

(aj, bj] ⊂ (aj, bj + δj). Assim, I =∞⋃1

Ij ⊂∞⋃1

(aj, bj + δj). Por definição, {(aj, bj + δj)}j∈N é

uma cobertura aberta do intervalo compacto [a + δ, b]. Por um resultado de espaços métricos,

que pode ser encontrado em Elon (1983), é possível extrair uma subcobertura finita.

Nesta subcobertura que extraímos pode ocorrer que (ar, br + δr) ⊂ (as, bs + δs), para certos

r, s ∈ N, pois o resultado que aplicamos não nos diz nada sobre como os intervalos estão

encaixados. Uma vez que não nos interessam os intervalos que estão contidos em outros da

mesma forma, iremos descartá-los, ou seja, consideraremos apenas os “maiores” (em um certo

sentido) intervalos (aj, bj + δj) que cobrem [a+ δ, b]. Seguindo a mesma ideia da afirmação 1,

podemos re-enumerar os índices destes intervalos e, com as considerações anteriores, podemos

dizer que

i) os intervalos (a1, b1 + δ1), (a2, b2 + δ2), ... ,(an, bn + δn) cobrem [a+ δ, b];

ii) a1 < a2 < · · · < an; e

iii) bj + δj ∈ (aj+1, bj+1 + δj+1), para j = 1, 2, ..., n.

Assim, µ(I) = µ((a, b]) = F (b)− F (a).

Antes de finalizar a demonstração deste caso, o leitor deve estar atento para alguns fatos.

Pela construção feita, a1 < a + δ, bn + δn > b e bj + δj ≥ aj+1, donde F (a1) ≤ F (a + δ),

F (bn + δn) ≥ F (b) e F (bj + δj) ≥ F (aj+1), respectivamente.

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35

Mas então

µ(I) = F (b)− F (a) ≤ F (b)− F (a+ δ) + ε ≤ F (bn + δn)− F (a1) + ε =

= F (bn + δn)− F (an) +n−1∑1

[F (aj+1)− F (aj)] + ε ≤

≤ F (bn + δn)− F (an)n−1∑1

[F (bj + δj)− F (aj)] + ε =

=n∑1

[F (bj + δj)− F (aj)] + ε ≤n∑1

ε

2j+

n∑1

[F (bj)− F (aj)] + ε ≤∞∑1

µ(Ij) + 2ε.

Como ε pode ser tomado tão pequeno quanto se queira, este caso está provado.

2o caso: I = (a, b], com a = −∞.

A ideia da demonstração deste caso é bastante comum em matemática, faremos uma redução

ao caso anterior, ou seja, adaptaremos, de certa forma, ao que já foi demonstrado.

Para tanto, considerandoM <∞ dado, por argumentos similares aos do 1o caso, os interva-

los (aj, bj+δj) cobrem [−M, b]. Assim, obtemos F (b)−F (−M) ≤∞∑1

µ(Ij)+2ε. Novamente,

como ε é arbitrário, segue que F (b) − F (−M) ≤∞∑1

µ(Ij). Finalmente, como F é contínua

pela direita, em particular em−∞, concluímos que µ((−∞, b]) = F (b)−F (−∞) ≤∞∑1

µ(Ij).

3o caso: I = (a, b), com b =∞.

Para este caso faremos considerações similares as do 2o caso. Dado qualquer M < ∞,

cobriremos o intervalo (a,M ] com intervalos da forma (aj, bj + δj). Assim, similarmente,

teremos F (M)− F (a) ≤∞∑1

µ(Ij) + 2ε e µ((a,∞)) = F (∞)− F (a) ≤∞∑1

µ(Ij).

Logo, das três afirmações segue o resultado desejado.

Teorema 2.4.1. Se F : R → R é uma função crescente e contínua pela direita, então existe

uma única medida µF em BR tal que

µF ((a, b]) = F (b)− F (a), ∀ a, b ∈ R. (2.4.1)

Se G é uma função crescente e contínua pela direita, com a propriedade

µG((a, b]) = G(b)−G(a), ∀ a, b ∈ R, (2.4.2)

então µF = µG se, e só se, F − G é constante. Reciprocamente, se µ é uma medida em BR,

que é finita em todos os conjuntos limitados de Borel, e se definirmos uma função F , pondo

F (x) = µ((0, x]), se x > 0, F (0) = 0 e F (x) = −µ((x, 0]), se x < 0, então F é crescente e

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contínua pela direita. Além disso, µ = µF .

Dem.: (⇒) Aplicando a proposição 2.4.1, cada função F induz uma pré-medida em A.

Agora, note que

µF = µG ⇔ µF ((a, b]) = µG((a, b]), para todo (a, b] ∈ BR ⇔ F (b)− F (a) = G(b)−G(a),

para todo a, b ∈ R⇔ (F −G)(b) = (F −G)(a), para todo a, b ∈ R⇔ F −G = c,

onde c é alguma constante. Ainda, µF é σ-finita, pois R=∞⋃−∞

(j, j + 1] e µ((j, j + 1]) =

F (j + 1)− F (j) <∞, para todo j ∈ Z. Logo, as afirmações seguem do Teorema 2.3.2.

(⇐) A monotonicidade de µ implica na monotonicidade de F pois, se 0 < x1 < x2, então

µ((0, x1]) < µ((0, x2]), donde F (x1) < F (x2) (os demais casos seguem de forma análoga).

Também a continuidade de µ implica a continuidade à direita de F , pois |F (a + δ)− F (a)| =

|µ((0, a + δ]) − µ((0, a])| < ε, para todo ε > 0 (no caso em que a > 0, os demais seguem

analogamente).

Agora, µ((a, b]) = µ((0, b]\(0, a]) = µ((0, b]) − µ((0, a]) = F (b) − F (a) = µF ((a, b]).

Como o intervalo (a, b] é qualquer, µ = µF em A. Logo, µ = µF em BR, pela unicidade dada

no Teorema 2.3.2.

Observação 2.4.2. 1) Esta mesma teoria poderia ser desenvolvida utilizando s-intervalos da

forma [a, b) e funções F contínuas a esquerda.

2) Se µ é uma medida finita em BR então µ = µF , onde F (x) = µ((−∞, x]). Tal função F

é chamada de função distribuição cumulativa de µ.

3) A teoria, apresentada na seção anterior, nos diz que, para cada função F , crescente e

contínua à direita, temos uma medida completa µF , cujo domínio é “quase sempre maior do

que” BR. Usualmente, denota-se µF por µF . Tal medida é chamada de Medida de Lebesgue-

Stieltjes associada a F .

Definição 2.4.2. Consideremos uma função F crescente e contínua pela direita, µ a Medida de

Lebesgue-Stieltjes completa associada a F eM o domínio de µ. Assim, para qualquer E ∈M

definimos

µ(E) = inf

{∞∑1

[F (bj)− F (aj)];E ⊂∞⋃1

(aj, bj]

}= inf

{∞∑1

µ((aj, bj]);E ⊂∞⋃1

(aj, bj]

}.

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37

A primeira propriedade importante que ressaltamos é a possibilidade de trocar os interva-

los semi-abertos acima por intervalos abertos. O que será de maior valia na sequência, onde

aproximaremos a medida de um conjunto usando medidas de abertos “por fora” e a medida de

compactos “por dentro” deste determinado conjunto.

Lema 2.4.2. Para qualquer E ∈M vale

µ(E) = inf

{∞∑1

µ((aj, bj));E ⊂∞⋃1

(aj, bj)

}. (2.4.3)

Dem.: Verifiquemos ambas as desigualdades. Para a desigualdade ≤, note que a µ que apa-

rece dentro do ínfimo, é a medida de Lebesgue-Stieltjes completa e, portanto, goza da mono-

tonicidade e da subaditividade (pois os intervalos dados na definição podem não ser disjuntos).

Assim, obtemos

µ(E) ≤ µ

(∞⋃1

(aj, bj)

)≤

∞∑1

µ((aj, bj)),

e daí

µ(E) ≤ inf

{∞∑1

µ((aj, bj));E ⊂∞⋃1

(aj, bj)

}, (2.4.4)

onde utilizamos cada uma das duas propriedades citadas acima, em ordem.

Façamos agora a desigualdade contrária. Pela definição de ínfimo, dado ε > 0 existe

{(aj, bj]}∞1 com E ⊂∞⋃1

(aj, bj] e∞∑1

µ((aj, bj]) ≤ µ(E) + ε. Como F é uma função contí-

nua a direita, para cada j ∈ N existe δj > 0 tal que µ(bj, bj + δj) = F (bj + δj)−F (aj) < ε2−j .

Então, temos que E ⊂∞⋃1

(aj, bj + δj) e

∞∑1

µ((aj, bj + δj)) =∞∑1

F (bj + δj)− F (aj) ≤∞∑1

ε2−j +∞∑1

F (bj)− F (aj)

=∞∑1

µ((aj, bj]) + ε ≤ µ(E) + 2ε.

Portanto

inf

{∞∑1

µ((aj, bj));E ⊂∞⋃1

(aj, bj)

}≤ µ(E). (2.4.5)

De (2.4.4) e (2.4.5) segue a igualdade desejada.

O próximo resultado mostra a regularidade das medidas de Lebesgue-Stieltjes. Uma das

propriedades mais importantes apresentadas pela Medida de Lebesgue a qual, como veremos,

será um caso particular destas.

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38

Teorema 2.4.2. Se E ∈M então

µ(E) = inf{µ(U);E ⊂ U e U é aberto}

= sup{µ(K);K ⊂ E e K é compacto}.

Dem.: Vamos dividir a demonstração em duas etapas, uma para cada igualdade.

1a Igualdade: µ(E) = inf{µ(U);E ⊂ U e U é aberto}.

Faremos a prova das desigualdades ≤ e ≥ nos itens i) e ii) abaixo, respectivamente.

i) Pela monotonicidade de µ, para todo aberto U satisfazendo E ⊂ U temos µ(U) ≥ µ(E).

Assim, pela definição de ínfimo, µ(E) ≤ inf{µ(U);E ⊂ U e U é aberto}.

ii) Sabemos, da análise real, que todo aberto U ⊂ R pode ser escrito como uma união

enumerável de intervalos abertos (aj, bj). Assim, para aberto U tal que E ⊂ U corresponde

uma família {(aj, bj)}∞1 de intervalos abertos tal que U =∞⋃1

(aj, bj). Da subaditividade de µ,

vem que

µ(U) = µ

(∞⋃1

(aj, bj)

)≤

∞∑1

µ((aj, bj)),

resulta que

inf{µ(U), E ⊂ U e U é aberto} ≤ inf

{∞∑1

µ((aj, bj));E ⊂∞⋃1

(aj, bj)

}.

Do Lema 2.4.2, segue que

inf{µ(U), E ⊂ U e U é aberto} ≤ µ(E).

2a Igualdade: µ(E) = sup{µ(K);K ⊂ E e K é compacto}.

Primeiro, note que, como K ⊂ E, da monotonicidade de µ vem que µ(E) ≥ µ(K). Da

definição de supremo, temos que µ(E) ≥ sup{µ(K);K ⊂ E e K é compacto}.

Para demonstrar a desigualdade contrária, dividiremos em dois casos. No que segue, serão

utilizadas os seguintes fatos: A\(A\B) ⊂ B e A ⊂ A, onde A,B são conjuntos quaisquer.

Ainda, como o fecho de qualquer conjunto é fechado, A é um conjunto de Borel.

1o Caso: E limitado.

Neste caso iremos supor que E não é compacto.

Dado ε > 0, pelo Lema 2.4.2 e pela definição de ínfimo, podemos escolher um aberto

U =∞⋃1

(aj, bj) ⊃ E\E tal que µ(U) ≤ µ(E\E) + ε. Neste caso, podemos supor U limitado.

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39

Assim, µ(U) <∞ e µ(E\E), consequentemente, µ(U\(E\E)) ≤ ε. Agora, ponhaK = E\U .

Neste momento, precisamos utilizar alguns resultados a respeito de conjuntos, a fim de

manipular as expressões e obter o resultado. Primeito, note queK é compacto. De fato, K ⊂ E

e E é limitado, logo, K é limitado. Além disso, E não é fechado, pois senão seria compacto.

Da análise real e da construção de K, vem que K é fechado.

Agora, de U ⊃ E\E e K = E\U , vem que K ⊂ E(E\E) ⊂ E.

Mais ainda, E\K = E\(E\U) ⊂ U\(E\E).

Finalmente estamos em posse de todas as ferramentas necessárias. Sendo assim, segue que

µ(K) = µ(E\U) = µ(E\(E ∩ U)) = µ(E)− µ(E ∩ U) = µ(E)− µ(U\(U\E))

= µ(E)− [µ(U)− µ(U\E)] ≥ µ(E)− µ(U) + µ(E\E) ≥ µ(E)− ε.

Como ε pode ser tomado arbitrariamente pequeno, este caso está demonstrado.

Observe que este primeiro caso nos diz que, quando E for limitado, podemos ir tomando

compactos contidos emE cada vez mais próximos do próprioE. Isto é importante em processos

de limite, pois garante que, existe algum compacto K ⊂ E que satisfaz |µ(E) − µ(K)| < ε,

para qualquer ε > 0.

2o Caso: E ilimitado.

Para demonstrar este caso, iremos construir uma sequência de conjuntos crescentes limita-

dos e, sendo estes limitados, utilizaremos o caso anterior. Ponha Ej = E ∩ [−j, j], j ∈ N.

Então, E =∞⋃1

Ej e E1 ⊂ E2 ⊂ · · · ⊂ Ej ⊂ · · · . Portanto, pelo item c) do Teorema

2.2.1, µ(E) = limj→∞

µ(Ej). Agora, pelo caso anterior, para qualquer ε > 0, em particular

para ε =1

n> 0, existe um compacto Kj ⊂ Ej , tal que |µ(Ej) − µ(Kj)| <

1

n. Portanto,

fazendo n→∞, temos o resultado desejado.

Definição 2.4.3. A medida completa µF assosciada a função F (x) = x é chamada de Medida

de Lebesgue. Neste trabalho ela será denotada por m. O domínio de m é chamado de classe

dos conjuntos Lebesgue mensuráveis e será denotado aqui por L.

Observação 2.4.3. Neste trabalho também nos referiremos a restrição de m a BR como sendo

a medida de Lebesgue.

Teorema 2.4.3. Se E ⊂ R e s, r ∈ R, definimos E+ s = {x+ s;x ∈ E} e rE = {rx;x ∈ E}.

Se E ∈ L, então E + s ∈ L e rE ∈ L, para quaisquer r, s. Além disso, m(E + s) = m(E) e

m(rE) = |r|m(E).

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40

Dem.: Primeiro mostremos que BR é invariante por translações e dilatações. Consideremos

E ∈ BR. A menos de um ajuste pela aplicação da proposição 3.3.1, podemos considerar E =

(a, b] = {x ∈ R; a < x ≤ b}, para certos a, b ∈ R. Assim, tomando s, r ∈ R, temos que

E + s = {x + s ∈ R;x ∈ (a, b] e a + s < x + s ≤ b + s} = (a + s, b + s] e rE = {rx ∈

R;x ∈ (a, b] e ra < rx ≤ rb} = (ar, br] (note que caso r < 0, pela regra dos sinais, teremos

o “intervalo simétrico” a E em relação ao zero). Em todos os casos, pode-se perceber que os

novos conjuntos E + s e rE pertencem a BR, como queríamos.

Agora consideremos E ⊂∞⋃1

(aj, bj), donde E + s ⊂∞⋃1

(aj + s, bj + s). Como E + s ∈ L,

faz sentido tomar sua medida, assim

m(E + s) = inf

{∞∑1

[bj + s− (aj + s)];E + s ⊂∞⋃1

(aj + s, bj + s)

}= inf

{∞∑1

bj − aj;E + s ⊂∞⋃1

(aj + s, bj + s)

}= inf

{∞∑1

bj − aj;E ⊂∞⋃1

(aj, bj)

}= m(E).

Além disso rE ⊂∞⋃1

(ajr, bjr) e, como rE ∈ L, faz sentido tomar sua medida. Assim

m(rE) = inf

{∞∑1

bjr − ajr; rE ⊂∞⋃1

(ajr, bjr)

}= inf

{r ·∞∑1

bj − aj; rE ⊂∞⋃1

(ajr, bjr)

}= |r| · inf

{∞∑1

bj − aj;E ⊂∞⋃1

(aj, bj)

}= |r|m(E).

Ainda se m(E) = 0 então m(E + s) = m(rE) = 0 e obtemos o resultado desejado.

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41

3 INTEGRAÇÃO

Neste capítulo definimos a integral de uma dada função com respeito a uma medida. Especial

interesse para o caso da integral, com respeito à medida de Lebesgue. Para ilustrar a diferença

entre a Integral de Riemann e a integral no sentido de Lebesgue, podemos recorrer a uma frase

de Isnard (2009) “ Se tivessem que medir o valor de uma grande quantidade de moedas colo-

cadas numa mesa, Riemann dividiria a mesa em retângulos e contaria em cada um deles; ao

contrário, Lebesgue classificaria as moedas e contaria depois”.

Em vista de um interesse geométrico, cabe dizer que a Integral de Lebesgue é capaz de

calcular um maior número de áreas sob gráficos de funções do que a Integral de Riemann.

Contudo, a propriedade que mais interessa para aplicações na resolução de equações dife-

renciais, está relacionada à convergência de sequências de funções. A Integral de Riemann está

associada à convergência uniforme de funções, o que torna seu uso muito restrito. Já a Integral

de Lebesgue está associada a fortes teoremas de convergência de funções, a saber, os teoremas

da Convergência Dominada e Monótona, bem como o Lema de Fatou.

É importante observar que as definições e resultados apresentados neste capítulo são desen-

volvidos para integrais em quaisquer espaços de medida.

3.1 Funções Mensuráveis

Nesta seção definimos e apresentamos algumas propriedades das funções mensuráveis, que é

a classe de funções para as quais a integral está definida.

Definição 3.1.1. Suponha que (X,M) e (Y,N ) são espaços mensuráveis. Uma função

f : X → Y é dita (M, N )-mensurável, ou simplesmente mensurável, se f−1(E) ∈ M,

para todo E ∈ N .

Observação 3.1.1. A composição de funções mensuráveis é mensurável. Ou seja, suponha que

(X,M), (Y,N ) e (Z,O) são espaços mensuráveis. Se f : X → Y é (M, N )-mensurável e

g : Y → Z é (N , O)-mensurável, então g ◦ f é (M, O)-mensurável.

Proposição 3.1.1. Suponha que (X,M) e (Y,N ) sejam espaços mensuráveis. Se N é gerada

por E então f é (M, N )-mensurável se, e só se, f−1(E) ∈M, para todo E ∈ E .

Dem.: (⇒) Se f é (M, N )-mensurável, então f−1(E) ∈ M, para todo E ∈ N , em

particular, como E⊂ N , segue que f−1(E) ∈M, para todo E ∈ E .

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42

(⇐) Observe que {E ⊂ Y ; f−1(E) ∈ M} é uma σ-álgebra que contém E , por hipó-

tese. Da definição de σ-álgebra gerada segue que N⊂ {E ⊂ Y ; f−1(E) ∈ M}. Logo, f é

(M, N )-mensurável.

Corolário 3.1.1. Se X e Y são espaços métricos (ou topológicos), então toda função contínua

f : X → Y é (BX , BY )-mensurável.

Dem.: Basta observar que f é contínua se, e só se, f−1(U) é aberto em X , sempre que U é

aberto em Y . Logo, utilizando a proposição anterior, obtemos o resultado desejado.

Definição 3.1.2. Se (X ,M) é um espaço mensurável, uma função f : X → R ou f : X → C

será chamada de M-mensurável quando for (M, BR) ou (M, BC) mensurável, respectiva-

mente.

Observação 3.1.2. 1) Salvo menção contrária, a partir de agora, neste trabalho, sempre consi-

deramos a σ-álgebra de Borel em R e em C.

2) Dizemos que f : R → R é Borel ou Lebesgue mensurável se for (BR, BR) ou (L, BR)

mensurável, respectivamente.

3) O fato de que f, g : R → R são Lebesgue mensuráveis não implica que f ◦ g seja

Lebesgue mensurável, ainda que g seja contínua. Para compreender este fato, observe que se

E ∈ BR, então teremos f−1(E) ∈ L, contudo, a menos que f−1(E) ∈ BR, não temos garantia

de que g−1(f−1(E)) estará em L. Um exemplo de função que é Lebesgue mensurável mas não

Borel mensurável pode ser encontrado em Burk e Wiley (1997).

4) Se f é Borel-mensurável, então f ◦ g é Lebesgue (ou Borel) mensurável sempre que g o

é.

5) Se f : R → R é contínua então f é mensurável. Basta observar que a imagem inversa

por f de todo aberto de R é um subconjunto aberto de R.

Proposição 3.1.2. As seguintes afirmações são equivalentes:

a) f : X → R éM-mensurável.

b) f−1((a,∞)) ∈M, para todo a ∈ R.

c) f−1([a,∞)) ∈M, para todo a ∈ R.

d) f−1((−∞, a)) ∈M, para todo a ∈ R.

e) f−1((−∞, a]) ∈M, para todo a ∈ R.

Dem.: Provemos a equivalência entre a) e b). As demais equivalências são obtidas por

argumentos análogos e utilizando a Proposição 3.1.1.

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43

(⇒) Suponhamos que f é M-mensurável, então f−1(E) ∈ M, para todo E ∈ BR. Pela

Proposição 3.1.1, este pode ser escrito como um conjunto da forma (a,∞).

Logo, f−1((a,∞)) ∈M, para todo a ∈ R.

(⇐) Agora, se f−1((a,∞)) ∈M, para todo a ∈ R, da Proposição 3.1.1, E= {(a,∞); a ∈

R} gera BR. Logo, da Proposição 3.1.1, f éM-mensurável.

Definição 3.1.3. Suponha que (X,M) é um espaço mensurável, f : X → R (respectivamente

f : X → C) e A ∈ M. Dizemos que f é mensurável em A se f−1(E) ∩ A ∈ M, para todo

E ∈ BR (respectivamente E ∈ BC.) Isto é equivalente a dizer que, f∣∣A

é MA-mensurável,

ondeMA = {B ∩ A;B ∈M}.

Definição 3.1.4. Sejam X um conjunto, {(Yα,Nα)}α∈A uma família de espaços mensuráveis e

fα : X → Yα, para cada α ∈ A. Então, existe uma única “menor” σ-álgebra emX de forma que

toda fα seja mensurável, a saber, a σ-álgebra gerada pelos conjuntos f−1α (Eα), para Eα ∈ Nα e

α ∈ A. Chamamos esta σ-álgebra de σ-álgebra gerada por {fα}α∈A.

Exemplo 3.1.1. Se considerarmos X =∏α∈A

Yα, vemos que a σ-álgebra produto em X (como

definida no capítulo anterior), é a σ-álgebra gerada pelas funções projeção πα : X → Yα.

Proposição 3.1.3. Sejam (X, M) e (Yα,Nα), α ∈ A, espaços mensuráveis, Y =∏α∈A

Yα,

N=⊗α∈ANα e πα : Y → Yα as projeções. Então f : X → Y é (M, N )-mensurável se, e só se,

fα = πα ◦ f é (M, Nα)-mensurável, para todo α ∈ A.

Dem.: (⇒) Primeiro, note que πα é (N , Nα)-mensurável, pela Definição 2.1.6. Assim, se

f é mensurável, então fα é mensurável, pois a composição de funções mensuráveis também é

mensurável.

(⇐) Se fα é mensurável, então para todo Eα ∈ Nα, f−1(π−1α (Eα)) = f−1α (Eα) ∈ M.

Portanto, como N=⊗α∈ANα, da Proposição 3.1.1, segue que f é mensurável.

Corolário 3.1.2. f : X → C éM-mensurável se, e só se, Re(f) e Im(f) sãoM-mensuráveis.

Dem.: Lembre-se que, a menos de considerar o conjunto com uma estrutura algébrica di-

ferente, podemos identificar C com R2, donde BC = BR2 = BR⊗BR, pela proposição 3.1.4.

Logo, pela proposição 3.2.1, segue o resultado desejado.

Proposição 3.1.4. Se f, g : X →C sãoM-mensuráveis, então f+g e f ·g sãoM-mensuráveis.

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44

Dem.: Definimos as funções F : X → C× C, ϕ : C× C→ C e ψ : C× C→ C por,

F = (f, g), ϕ(x, y) = x + y e ψ(x, y) = x · y. Analisemos a função F . Pela Proposição

2.1.4, BC×C = BC⊗BC. Assim, da hipótese e da definição de F , aplicando a Proposição

3.2.1, obtemos que F é (M, BC×C)-mensurável. Agora, como ϕ e ψ são contínuas e, dadas as

estruturas de C × C e C, pelo Corolário 3.1.1, temos que ambas são (BC×C, BC)-mensuráveis.

Logo, f + g = ϕ ◦ F e f · g = ψ ◦ F sãoM-mensuráveis.

Definição 3.1.5. Os elementos de BR = {E ⊂ R;E ∩ R ∈ BR} são ditos conjuntos de Borel

em R.

Corolário 3.1.3. BR é gerado por {(a,∞]; a ∈ R} e por {[−∞, a); a ∈ R}.

Dem.: Basta observar que BR é gerado por (−∞, a) e, pela definição de BR, temos que se

E ∈ BR, então E∩ R∈ BR. Portanto E∩ R=∞⋃1

(−∞, aj). Mas, então, como R = [−∞,∞],

tomando [−∞, aj), temos E =∞⋃1

[−∞, aj). Na “pior” das hipóteses teremos E =∞⋃1

(aj,∞].

Definição 3.1.6. f : X → R é ditaM-mensurável se é (M, BR)-mensurável.

Proposição 3.1.5. Se {fj} é uma sequência de funções R-mensuráveis em (X , M), então as

funções

i) g1(x) = supjfj(x),

ii) g2(x) = infjfj(x),

iii) g3(x) = limj→∞

sup fj(x) e

iv) g4(x) = limj→∞

inf fj(x)

são mensuráveis. Mais ainda, se f(x) = limj→∞

fj(x) existe para todo x ∈ X , então f é

mensurável.

Dem.: 1) g1 é mensurável.

Para isso basta provar que g−11 ((a,∞]) =∞⋃1

f−1j ((a,∞]) e aplicar a Proposição 3.1.1. Para

provarmos essa igualdade de conjuntos, tome x ∈ g−11 ((a,∞]), então a < g1(x) ≤ +∞. Da

definição de supremo segue que existe j = 1, 2, ... tal que a < fj(x) ≤ g1(x). Daí resulta que

x ∈∞⋃1

f−1j ((a,∞]). Como x é arbitrário segue que g−11 ((a,∞]) ⊂∞⋃1

f−1j ((a,∞]).

Por outro lado, dado x ∈∞⋃1

f−1j ((a,∞]) temos que a < fj(x) ≤ +∞ para algum j =

1, 2, ... Da definição de cota superior fj(x) ≤ g1(x), então a < g1(x) ≤ +∞, logo x ∈

g−11 ((a,∞]). Como x é arbitrário segue que∞⋃1

f−1j ((a,∞]) ⊂ g−11 ((a,∞]). Isso prova (1).

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45

2) g2 é mensurável.

Como a prova é similar à demonstração de 1), será omitida.

3) g3 e g4 são mensuráveis.

Iremos utilizar os dois casos anteriores. Observe que, por definição, limj→∞

sup fj(x) =

infn≥1{supj≥n

fj(x)}. Como as fj são mensuráveis, de 1), supj≥n

fj(x) é mensurável e, por 2), g3 é

mensurável. Quanto a g4, por definição, limj→∞

inf fj(x) = supn≥1{infj≥n

fj(x)}. Assim, como as fj

são mensuráveis, de 2), infj≥n

fj(x) é mensurável e, por 1), g4 é mensurável.

Finalmente, se f(x) = limj→∞

fj(x) existe para todo x ∈ X , então f = g3 = g4. Logo, f é

mensurável.

Corolário 3.1.4. Se f, g : X → R são mensuráveis, então max(f, g) e min(f, g) também são

mensuráveis.

Dem.: Basta observar que quando o máximo existe ele coincide com o supremo. Análogo

para mínimo e ínfimo. Logo, o resultado segue da proposição 3.1.5.

Corolário 3.1.5. Se {fj}∞j=1 é uma família de funções complexas mensuráveis e f(x) = limj→∞

fj(x)

existe para todo x ∈ X , então f é mensurável.

Dem.: Se cada fj é mensurável, então, pelo Corolário 3.1.2, Re(fj) e Im(fj) são men-

suráveis, para todo j ∈ N. Logo, aplicando a Proposição 2.1.5 à Re(f) = limj→∞

Re(fj) e à

Im(f) = limj→∞

Im(fj), temos que f é mensurável.

Definição 3.1.7. Consideremos f : X → R. Definimos as partes positiva e negativa de f

como sendo f+(x) = max(f(x), 0) e f−(x) = max(−f(x), 0), respectivamente.

Observação 3.1.3. Note que f = f+− f−. Mais ainda, se f é mensurável, então, do Corolário

3.1.4, resulta que f+ e f− também o são.

Definição 3.1.8. Seja f : X → C. Definimos a decomposição polar f = (sgn(f))|f |, onde

para cada z ∈ C definimos sgn(z) =z

|z|, se z 6= 0 e sgn(0) = 0.

Observação 3.1.4. Se f é mensurável então |f | e sgn(f) também o são. De fato, consideremos

a função | · | : C → R, que a cada complexo associa seu módulo. Como a função módulo

é contínua e |f | = | · | ◦ f , temos que |f | é mensurável pelo Corolário 3.1.1. Agora, note

que a função sgn é contínua, exceto na origem. Uma forma de se convencer disto é observar

que trata-se da composição e quociente de funções contínuas. Assim, da continuidade de sgn

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em C \ {0} temos que se U ⊂ C é aberto, o conjunto sgn−1(U) é também aberto de C ou

igual a V ∪ {0}, onde V é aberto de C. Portanto, sgn é Borel mensurável. Então, finalmente,

sgn(f) = sgn ◦ f é mensurável pela Observação 3.1.2.

Definição 3.1.9. Seja (X , M) um espaço mensurável. Se E ⊂ X , a função característica,

χE : X → R, de E é definida por

χE(x) =

1, se x ∈ E

0, se x ∈ Ec.

Lema 3.1.1. Suponha que (X,M) é um espaço mensurável. Então χE é mensurável se, e só

se, E ∈M.

Dem.: (⇒) Suponhamos que χE é mensurável. Então, χ−1E (0) ∈ M e χ−1E (1) ∈ M.

Portanto, desta última constatação temos que E ∈M.

(⇐) Consideremos E ∈ M, E qualquer. Por definição, χE(E) = {1} e, como E ∈ M,

χ−1E (1) = E ∈M. Ainda, χ−1E (0) = ∅ ∈M. Logo, χE é mensurável.

Definição 3.1.10. Uma função simples emX é uma combinação linear finita, com coeficientes

complexos, de funções características de elementos deM.

Observe que funções simples não podem assumir os valores ±∞.

Exemplo 3.1.2. Vejamos um exemplo de função simples. Seja ϕ : R → R, dada por ϕ(x) =4∑j=1

jχEj(x), onde Ej = (j − 1, j]. Note que teremos E1 = (0, 1], E2 = (1, 2], E3 = (2, 3] e

E4 = (3, 4]. O imagem a seguir contém um esboço do gráfico de ϕ.

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Figura 1: Esboço de função simples. Fonte: arquivo do autor.

Lema 3.1.2. A função f : X → C é simples se, e só se, f é mensurável e a imagem de f é um

subconjunto finito de C.

Dem.: (⇒) Suponhamos que f : X → C seja simples. Então, f =n∑1

ziχEi, tal que Ei ∈

M. Note que, a menos da aplicação do Lema 2.1.1, podemos assumir os conjuntosEi disjuntos.

Assim

f(x) =n∑1

ziχEi(x) =

zi, se x ∈ Ei, para algum i ∈ N

0, se x ∈ Eci , para todo i ∈ N

.

Como z1, ..., zn são finitos segue que a imagem de f é um subconjunto finito de C.

Observe que se f(x) = zi, então χEi(x) = 1 e, portanto, x ∈ Ej . Daí, f−1({zi}) = Ei.

Agora, tomando F ∈ BC, temos que f−1(F ) =⋃i

f−1(zi) =⋃i

Ei ∈ M, para i = 1, 2, ..., n,

ou f−1(F ) = f−1({0}) = Ek ∈M, para algum k. Portanto, f é mensurável.

(⇐) Supondo que a imagem de f é dada por {z1, ..., zn} e Ej = f−1({zj}). Então, f =n∑1

zjχEj.

Definição 3.1.11. Com a notação da demonstração do Lema 3.1.2, chamaremos a igualdade

f =n∑1

ziχEide representação standard de f .

Note que isto exibe f como combinação linear de funções característica de conjuntos dis-

juntos e não-vazios, cuja união é X , onde os coeficientes são distintos.

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48

Observação 3.1.5. Não é difícil verificar que se f, g são funções simples então f + g e fg

também o são.

O próximo resultado é bastante complicado para uma primeira leitura, principalmente por-

que é difícil visualizar o que está acontecendo na demonstração. Neste sentido, optamos por

fornecer uma representação gráfica, a qual se encontra logo após a demonstração. O leitor pode

fazer uso da mesma para compreender cada passagem. Dentro da própria demonstração serão

feitas menções a ela.

Teorema 3.1.1. Seja (X,M) um espaço mensurável.

a) Se f : X → [0,∞] é mensurável, então existe uma sequência {ϕn} de funções simples

tal que 0 ≤ ϕ1 ≤ · · · ≤ ϕn ≤ · · · ≤ f , ϕn → f pontualmente e ϕn → f uniformemente em

qualquer conjunto no qual f é limitada.

b) Se f : X → C é mensurável, então existe uma família {ϕn} de funções simples tal que

0 ≤ |ϕ1| ≤ · · · ≤ |ϕn| ≤ · · · ≤ |f |, ϕn → f pontualmente e ϕn → f uniformemente em

qualquer conjunto em que f é limitada.

Dem.: a) Para fazer esta demonstração, iremos particionar a imagem da função f segundo

intervalos convenientes de tamanho1

2n. Descrevemos as primeiras etapas da construção a se-

guir. Começamos particionando o intervalo [0, 1] em 1 subintervalo de comprimento 1. Assim

definimos E00 = f−1{(0, 1]}, F0 = f−1{(1,+∞]} e

ϕ0 = χE00

+ χF0 .

Observe que 0 ≤ ϕ0 ≤ f e em E00 vale f − ϕ0 ≤ 1.

Depois particionamos o intervalo [0, 2] em 4 subintervalos de comprimento1

2, de forma que

cada subintervalo de [0, 1] esteja contido em um dos subintervalos da etapa anterior. Assim para

cada 0 ≤ k < 3 definimos Ek1 = f−1((k2−1, (k + 1)2−1]), F1 = f−1((2,∞]) e

ϕ1 =3∑

k=0

k2−1χEk1

+ 2χF1 .

Observe que 0 ≤ ϕ0 ≤ ϕ1 ≤ f e em cada Ek1 vale f − ϕ1 ≤ 2−1.

A seguir particionamos o intervalo [0, 4] em 16 subintervalos de tamanho1

4, de forma que

cada subintervalo de [0, 2] esteja contido em um dos subintervalos da etapa anterior. Assim para

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49

cada 0 ≤ k < 15 definimos Ek2 = f−1((k2−2, (k + 1)2−2]), F1 = f−1((4,∞]) e

ϕ2 =15∑k=0

k2−2χEk2

+ 2χF2

Observe que 0 ≤ ϕ1 ≤ ϕ2 ≤ f e em cada Ek2 vale f − ϕ2 ≤ 2−2. Observe o gráfico ilustrativo

a fim de compreender melhor o que foi tratado aqui.

Mais geralmente, sejam n ∈ N qualquer e 0 ≤ k ≤ 22n − 1. Consideremos Ekn =

f−1((k2−n, (k + 1)2−n]) e Fn = f−1((2n,∞]). Note que, para cada n fixado, Ekn ∩ Ej

n = ∅,

sempre que k 6= j. Além disso, Fn ∩(∞⋃k=0

Ekn

)= ∅.

Agora, precisamos definir as funções simples que irão satisfazer o resultado desejado. Con-

sideremos as funções ϕn =22n−1∑k=0

k2−nχEkn

+ 2nχFn .

Analisemos as funções ϕn. Observando a definição destas funções, podemos notar que as

mesmas são simples e positivas. Ainda, observando as definições de ϕn e Ekn, concluímos que

ϕn ≤ f , para todo n ∈ N. Além disso, para todo n ∈ N e 0 ≤ k ≤ 2n− 1 temos que

k

2n< f(x) ≤ k + 1

2n⇒ 2k

2n+1< f(x) ≤ 2(k + 1)

2n+1⇒ ϕn+1(x) ≥ 2k

2n+1=

k

2n= ϕn(x).

Se f(x) > 2n então ϕn(x) = 2n e ϕn+1(x) ≥ 2n, logo ϕn+1(x) ≥ ϕn(x).Portanto, ϕn+1(x) ≥

ϕn(x), para todo n ∈ N.

Resta mostrar as convergências, pontual e uniforme. Para isso observe que se f(x) = +∞

então

ϕn(x) = 2n,∀n ∈ N. (3.1.1)

Se x ∈ Ekn então da definição de ϕn segue que ϕn(x) = k2−n, mas k2−n < f(x) ≤ (k+ 1)2−n,

logo

f − ϕn ≤ 2−n em Ekn. (3.1.2)

Dado um conjunto Y ⊂ X tal que f |Y seja limitada, tome n0 ∈ N tal que f(Y ) ⊂ [0, 2n0 ].

Então para n > n0 temos que Y ⊂⋃2n−1k=0 Ek

n, logo de (3.1.2) obtemos a convergência uniforme

em Y.

Para demonstrar a convergência pontual em X, dado x ∈ X temos dois casos a considerar.

Se f(x) < +∞ então tome n0 tal que f(x) < 2n0 .Analogamente ao parágrafo anterior obtemos

que n > n0 ⇒ f(x) − ϕn(x) < 2n. Se f(x) = +∞ então de (3.1.1) segue a convergência

pontual.

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50

b) Para demonstrar a parte b), buscamos colocá-la dentro das condições exigidas na parte

a) e aplicar o que já foi demonstrado. Sendo assim, vamos escrever f = g + ih, onde g e h

são funções reais. Consideremos, agora, as funções g+, g−, h+ e h−, as partes positiva e nega-

tiva das funções g e h, respectivamente. Como estas funções são da forma daquelas dadas na

hipótese do item a), podemos aplicá-lo, obtendo sequências (ψ+n ), (ψ−n ), (η+n ), (η−n ) de funções

simples não-negativas as quais crescem, respectivamente, para g+, g−, h+, h−. Consideremos

ϕn = ψ+n − ψ−n + i(η+n − η−n ). Observe que ϕn é simples e, pela convergência de pontual de

ψ+n , ψ

−n , η

+n e η−n , vem que ϕn converge pontualmente para f . Além disso,

|ϕn|2 = (ψ+n − ψ−n )2 + (η+n − η−n )2 = (ψ+

n )2 + (ψ−n )2 + (η+n )2 + (η−n )2 ≤ |ϕn+1|2.

Portanto, 0 ≤ |ϕ1| ≤ · · · ≤ |ϕn| ≤ · · · ≤ |f |. Finalmente, pelo item a), ϕn converge

uniformemente para f , nos conjuntos onde f é limitada.

Figura 2: Esboço das funções ϕ0, ϕ1 e ϕ2. Fonte: arquivo do autor.

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Proposição 3.1.6. Suponha que µ é uma medida completa definida em (X,N ).

a) Se f : X → C é mensurável e f = g q.t.p., então g é mensurável;

b) Suponha que, para cada n ∈ N, fn : X → C seja mensurável. Se fn → f q.t.p., então f

é mensurável.

Dem.: a) Consideremos E = {x ∈ X; f(x) 6= g(x)}. Seja A um conjunto mensurável.

Queremos mostrar que g−1(A) também o é. Podemos escrever g−1(A) = (g−1(A) ∩ E) ∪

(g−1(A)∩Ec). Note que g−1(A)∩E ⊂ E. Mas, E tem medida nula e µ é completa. Portanto,

g−1(A)∩E é mensurável. Agora, g−1(A)∩Ec coincide com f−1(A)∩Ec e, assim, é mensurável.

Logo, g é mensurável.

b) Por hipótese, {fn} é uma família de funções mensuráveis. Pelo Teorema 3.1.1, temos

que f = lim supj→∞

fj(x) é mensurável. Como fn → f q.t.p., temos que f = f q.t.p. Logo, por

a), f é mensurável.

Observação 3.1.6. Se µ não é completa, então as afirmações a) e b) da Proposição 3.1.6 são,

em geral, falsas.

De fato, suponha que µ não seja completa. Então, existe um conjunto mensurável E tal que

µ(E) = 0 e o conjunto F ⊂ E não é mensurável.

Para a letra a) considere as funções χE e χF . Note que χE = χF q.t.p., χE é mensurável,

mas χF não é.

Para a letra b) considere as funções fn ≡ 0, para todo n ∈ N e f = χF . Note que fn → f

q.t.p. mas χF não é mensurável.

Proposição 3.1.7. Seja (X,M, µ) um espaço de medida e (X,M, µ) seu completamento. Se

f : X → C é uma funçãoM-mensurável em X , então existe uma funçãoM-mensurável g tal

que f = g µ-q.t.p.

Dem.: Começaremos demonstrando um caso particular, pois este será útil na demonstração

do caso geral.

Caso Particular: f é uma função simples.

Consideremos f =n∑1

ziχEi, onde f está escrita na sua representação standard. Por de-

finição de completamento de uma medida, para cada i = 1, 2, ..., n existe Ai ∈M tal que

χEi= χAi

µ−q.t.p. Então definindo g =n∑1

ziχAisegue o resultado.

Caso Geral: Para demonstrar este caso, iremos produzir uma sequência que converge para

g, como forma de utilizar resultados anteriores para garantir o desejado.

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52

Começamos aplicando o item b) do Teorema 3.1.1, para garantir a existência de uma sequên-

cia (ϕn) de funções simples M-mensuráveis que converge pontualmente para f . Agora, do

caso particular vem que, para cada n ∈ N, existe uma função simples ψnM-mensurável, com

ψn = ϕn µ− q.t.p. Para cada n ∈ N denotemos por En ∈ M, o conjunto tal que ψn = ϕn em

Ecn e µ(En) = 0. Pondo E =

∞⋃1

En, temos que µ(E) = 0 e ψn = ϕn em Ec,∀n ∈ N.

Seja g = limψnχEc . Pelo Corolário 3.1.5, g éM-mensurável. Além disso f = g em Ec,

logo, f = g µ− q.t.p.

3.2 Integração de Funções Não Negativas

Nesta seção será desenvolvida a teoria de integração para funções não negativas, onde serão

apresentados os dois resultados mais fortes do trabalho, a saber, o Teorema da Convergência

Monótona e o Teorema da Convergência Dominada. Além disso, faremos um comparativo

entre as integrais de Riemann e Lebesgue.

Aqui fixaremos um espaço de medida (X,M,µ) e denotaremos por L+ o espaço de todas

as funções mensuráveis de X em [0,∞].

Definição 3.2.1. Se ϕ é uma função simples em L+ com representação standard ϕ =n∑j=1

ajχEj

então definimos a integral de ϕ com respeito a µ por

∫ϕdµ =

n∑j=1

ajµ(Ej). (3.2.1)

Observação 3.2.1. 1) Note que∫ϕdµ pode ser igual a∞.

2) Podemos escrever apenas∫ϕ, no lugar de

∫ϕdµ, quando estiver claro qual é a medida.

3) Quando for conveniente escrevemos∫ϕ(x)dµ(x) para denotar

∫ϕdµ.

Observe que se A ∈M, então ϕχA também é simples, pois ϕχA =∞∑j=1

ajχA∩Ej. Podemos

então apresentar a próxima definição.

Definição 3.2.2. Se A ∈M então definimos

∫A

ϕdµ =

∫ϕχAdµ. (3.2.2)

Proposição 3.2.1. Sejam ϕ e ψ funções simples em L+.

1) Se c ≥ 0, então∫cϕ = c

∫ϕ.

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2)∫

(ϕ+ ψ) =∫ϕ+

∫ψ.

3) Se ϕ ≤ ψ, então∫ϕ ≤

∫ψ.

4) A aplicação A→∫A

ϕ é uma medida emM.

Dem.: 1) Se ϕ =∑j

ajχEj, então cϕ = c

∑j

ajχEj. Assim,

∫cϕdµ =

n∑j=1

c · ajµ(Ej) = c

n∑j=1

ajµ(Ej) = c

∫ϕ

.

2) Sejam ϕ =n∑j=1

ajχEje ψ =

m∑k=1

bkχFk. Note queEj =

m⋃k=1

(Ej∩Fk) e Fk =n⋃j=1

(Ej∩Fk),

cujas uniões são disjuntas. Assim, pela aditividade finita de µ, temos

∫ϕ+

∫ψ =

n∑j=1

ajµ(Ej)+m∑k=1

bkµ(Fk) =n∑j=1

ajµ

(m⋃k=1

(Ej ∩ Fk)

)+

m∑k=1

bkµ

(n⋃j=1

(Ej ∩ Fk)

)=

=n∑

j,k=1

ajµ(Ej ∩ Fk) +n∑

j,k=1

bkµ(Ej ∩ Fk) =n∑

j,k=1

(aj + bk)µ(Ej ∩ Fk).

Agora, observe que

ψ + ϕ =n∑j=1

ajχEj+

m∑k=1

bkχFk=

n∑j=1

ajχ( m⋃k=1

(Ej∩Fk)

) +m∑k=1

bkχ( n⋃j=1

(Ej∩Fk)

).

Portanto,

∫ϕ+ ψ =

n∑j=1

ajµ

(m⋃k=1

(Ej ∩ Fk)

)+

m∑k=1

bkµ

(n⋃j=1

(Ej ∩ Fk)

).

Logo,∫ϕ+ ψ =

∫ϕ+

∫ψ.

3) Agora, se ϕ ≤ ψ, então aj ≤ bk sempre que Ej ∩ Fk 6= ∅. Logo,

∫ϕ =

n∑j,k=1

ajµ(Ej ∩ Fk) ≤n∑

j,k=1

bkµ(Ej ∩ Fk) =

∫ψ.

4) Primeiro, note que, pela Definição 3.2.1, tal função tem como contradomínio o conjunto

[0,∞]. Em seguida, verifiquemos que a função dada satisfaz as duas condições para ser medida.

i)∫∅ϕ =

∫ϕχ∅ = 0.

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54

ii) Se {Ak}∞1 é uma família disjunta e A =∞⋃1

Ak, então

∫A

ϕ =

∫ϕχA =

n∑j=1

ajµ(A ∩ Ej) =n∑j=1

ajµ

(∞⋃k=1

(Ak ∩ Ej)

)=

n∑j,k=1

ajµ(Ak ∩ Ej) =

=m∑k=1

(n∑j=1

ajµ(Ak ∩ Ej)

)=

m∑k=1

∫ϕχAk

=m∑k=1

∫Ak

ϕ,

pois ϕχA =n∑j=1

ajχ(A∩Ej) e ϕχAk=

n∑j=1

ajχ(Ak∩Ej), 1 ≤ k ≤ ∞.

Extendemos a definição dada anteriormente para integrais a todas as funções f ∈ L+, do

seguinte modo.

Definição 3.2.3. Dada f ∈ L+ definimos sua integral como

∫fdµ = sup

{∫ϕdµ; 0 ≤ ϕ ≤ f, ϕ simples

}. (3.2.3)

Observação 3.2.2. Pela proposição 3.2.1, as duas definições de∫f coincidem quando f é

simples. Além disso, da definição anterior fica claro que∫f ≤

∫g sempre que f ≤ g e∫

cf = c∫f , para todo c ≥ 0.

Neste momento estamos prontos para enunciar o primeiro dos resultados a respeito da con-

vergência de funções. Este pode não ser o resultado de convergência mais forte que temos,

contudo, podemos dizer que o mesmo servirá de base para os demais, uma vez que será o in-

grediente principal de algumas das demonstrações e, ainda que indiretamente, de outras mais.

A principal ferramenta que precisavamos para poder demonstrá-lo é a dada pelo Teorema 3.1.1.

Teorema 3.2.1. (Teorema da Convergência Monótona) Se (fn) é uma sequência em L+ tal

que fj ≤ fj+1, para todo j e f = limn→∞

fn(= supnfn), então

∫f = lim

n→∞

∫fn.

Dem.: Como (∫fn) é uma sequência crescente de números reais, seu limite existe (possivel-

mente igual a∞). Além disso,∫fn ≤

∫f pois, fn ≤ f , para todo n. Assim, lim

n→∞

∫fn ≤

∫f .

Agora, fixemos α ∈ (0, 1) e seja ϕ uma função simples, com 0 ≤ ϕ ≤ f , e En =

{x; fn(x) ≥ αϕ(x)}. Então, (En) é uma sequência crescente de conjuntos mensuráveis, cuja

união é X . Temos, pela Proposição 3.2.1 1) e por 3), que∫fn ≥

∫En

fn ≥ α∫En

ϕ.

Pelo Teorema 2.2.1, como (En) é uma sequência crescente de conjuntos, temos µ(∞⋃1

En

)=

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55

limn→∞

µ(En) e, mais ainda, pela Proposição 3.2.1 4), vem que

∫ϕ =

∑j

ajµ

(∞⋃1

En

)=∑j

aj limn→∞

µ(En) = lim∑n

∑j

ajµ(En) = limn

∫En

ϕ.

Assim, limn→∞

∫En

ϕ =∫ϕ e, portanto,

limn→∞

∫fn ≥ α lim

n→∞

∫En

ϕ = α

∫ϕ,∀ α ∈ (0, 1). (3.2.4)

Fazendo α → 1 em (3.2.4), obtemos lim∫fn ≥

∫ϕ. Finalmente, tomando o supremo

sobre todas funções simples ϕ ≤ f , obtemos lim∫fn ≥

∫f . Logo,

∫f = lim

n→∞

∫fn.

O resultado que segue é uma primeira consequência do Teorema da Convergência Monótona

e diz respeito a aditividade da integral. Note que ele pode ser considerado uma extensão do item

2) da Proposição 3.2.1.

Teorema 3.2.2. Se {fn} é uma sequência em L+ e f =∑n

fn então∫f =

∑n

∫fn.

Dem.: Vamos começar demonstrando a validade do teorema para o caso onde a soma é

finita. Para tanto, façamos indução em n.

i) Caso n = 2. Consideremos f1 e f2 em L+. Pelo teorema 3.1.1, existem sequências (ϕj)

e (ψj) de funções simples não negativas que convergem monotonica e pontualmente para f1 e

f2, respectivamente. Então, como ocorre a convergência em cada parcela, temos que (ϕn +ψn)

converge monotonica e pontualmente para f1 + f2. Note que, devido a sequência de funções

simples fornecidas pelo Teorema 3.1.1 ser não decrescente, estamos nas hipóteses do Teorema

da Convergência Monótona. Assim, pelo item 2) da proposição 3.2.1 e pelo teorema 3.2.1, vem

que

∫(f1 + f2) = lim

∫(ϕj + ψj) = lim

∫ϕj + lim

∫ψj =

∫f1 +

∫f2.

ii) Suponhamos a afirmação válida para n = k, ou seja,∫ k∑

1

fn =k∑1

∫fn.

iii) Provemos que a afirmação continua válida para n = k + 1. De fato,

∫ k+1∑1

fn =

∫(k∑1

fn + fk+1) =

∫ k∑1

fn +

∫fk+1 =

k∑1

∫fn +

∫fk+1 =

k+1∑1

∫fn.

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56

Finalmente, para o caso em que {fn} é uma sequência em L+, denote por {sn} a sequência

de suas somas parciais, isto é, para cada n = 1, 2, ... defina sn =n∑1

fj. Então pelo caso anterior

∫sn =

n∑1

∫fj, n = 1, 2, ...

Fazendo n→∞ e aplicando o teorema 3.2.1 novamente, obtemos∫ ∞∑

1

fn =∞∑1

∫fn.

Proposição 3.2.2. Se f ∈ L+ então∫f = 0 se, e só se, f = 0 q.t.p.

Dem.: 1)∫f = 0⇒ f = 0 q.t.p.

Para demonstrar este fato, consideremos os conjuntos En = {x; f(x) > n−1}, onde f é

positiva, e mostremos que os mesmos devem ter medida nula.

Consideremos as funções simples e positivas ϕn = n−1χEn . Note que, pela definição dos

conjuntos En e da função característica, vem que 0 ≤ ϕn ≤ f . Agora, observe que

i) da Definição 3.2.1, vem que∫ϕn = n−1µ(En), para todo n ∈ N;

ii) da Observação 3.2.2,∫ϕn ≤

∫f , para todo n ∈ N.

Assim, n−1µ(En) =∫ϕn ≤

∫f = 0. Portanto, µ(En) = 0 para todo n ∈ N, donde segue

o resultado.

2)∫f = 0⇐ f = 0 q.t.p.

Para provar esta afirmação, analisaremos primeiro o caso onde f é simples, tendo em mente

a definição de integral para funções não negativas. Sendo assim, escrevemos f =n∑1

ajχEj

em sua representação standard. Como f = 0 q.t.p. para cada j = 1, 2, ..., n vale aj = 0 ou

µ(aj) = 0. Logo∫f =

n∑1

ajµEj= 0.

Para o caso geral, note que, se ocorre 0 ≤ ϕ ≤ f , então ϕ = 0 q.t.p., pois f o é. Assim, da

definição de integral, vem que∫f = sup{

∫ϕ; 0 ≤ ϕ ≤ f e ϕ é simples} = sup{0} = 0.

Corolário 3.2.1. Se (fn) ⊂ L+, f ∈ L+ e (fn) é não decrescente q.t.p com fn → f q.t.p.,

então∫f = lim

∫fn.

Dem.: Seja

E = {x ∈ X; fn(x) é não-decrescente e fn(x)→ f(x)}.

Por hipótese, µ(Ec) = 0. Então f = fχE e fn = fnχE q.t.p. Logo,

∫f =

∫fχE = lim

∫fnχE = lim

∫fn.

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Note que acima foi utilizado o fato de que∫f =

∫E

f +∫Ec

f e, sendo f = fχE , f = 0 q.t.p.

e∫Ec

f = 0, pela Proposição 3.2.2. Além disso, utilizou-se o Teorema 3.2.1.

Observe que, quando não forem satisfeitas todas as condições dadas no Teorema da Conver-

gência Monótona, poderá ocorrer que a integral do limite de determinadas funções não coincida

com o limite das suas respectivas integrais. No entanto, uma das desigualdades permanece vá-

lida mesmo nestes casos. Tal desigualdade é verificada no lema que segue e representa um dos

resultados centrais de convergência.

Lema 3.2.1. (Lema de Fatou) Se (fn) é uma sequência em L+, então

∫lim inf fn ≤ lim inf

∫fn. (3.2.5)

Dem.: Para cada k ∈ N, temos, pela definição de ínfimo, infn≥k

fn ≤ fj , para j ≥ k. Portanto,∫infn≥k

fn ≤∫fj , para j ≥ k. Mais ainda,

∫infn≥k

fn ≤ infn≥k

∫fj . Note também que inf

n≥kfn ≤

infn≥k+1

fn, ou seja, temos que (inf fn) é uma sequência não-decrescente. Assim, fazendo k →∞

e aplicando o teorema 3.2.1,

∫lim inf fn = lim

k→∞

∫infn≥k

fn ≤ lim inf

∫fn.

Corolário 3.2.2. Se (fn) ⊂ L+, f ∈ L+ e fn → f q.t.p., então

∫f ≤ lim inf

∫fn. (3.2.6)

Dem.: Primeiro, se fn → f em todo ponto, o resultado segue diretamente do Lema de

Fatou, pois neste caso lim inf fn = lim fn = f .

Agora, se fn → f q.t.p., então fn 9 f em um conjunto de medida nula. Chamemos tal

conjunto de E. Assim, definimos as seguintes funções

gn(x) =

fn(x), se x ∈ Ec,

0, se x ∈ E,e g(x) =

f(x), se x ∈ Ec,

0, se x ∈ E.

Desta forma∫gn =

∫fn, para todo n ∈ N, e

∫g =

∫f , pois

∫E

gn = 0, para todo n ∈ N, e

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∫E

g = 0. Além disso, gn → g em todo ponto. Logo, pelo Lema de Fatou, obtemos o resultado

desejado.

Proposição 3.2.3. Se f ∈ L+ e∫f < ∞ então o conjunto {x; f(x) = ∞} tem medida nula e

o conjunto {x; f(x) > 0} é σ-finito.

Dem.: Seja E = {x; f(x) =∞}. Suponhamos que µ(E) > 0. Assim, negando a definição

de um conjunto ter medida nula, existe ε > 0 tal que para toda família {Ak}∞1 ⊂ M com

E ⊂∞⋃1

Aj , temos∞∑1

µ(Aj) ≥ ε. Comparando as expressões (3.2.1) e (3.2.3), temos que esta

última série não converge e, portanto,∫f =∞, o que é um absurdo.

Agora, denotemos F = {x; f(x) > 0} e Fj = {x; f(x) > j−1}, j ∈ N. Disto, segue que

X =∞⋃1

Fj . Se para algum Fj ocorre µ(Fj) = ∞, teremos∫f = ∞, o que é um absurdo.

Portanto, µ(Fj) <∞.

3.3 Integração de Funções Complexas

Nesta seção estenderemos a definição e as propriedades da integral para funções reais, e

depois para funções complexas.

Definição 3.3.1. Suponha que (X,N , µ) é um espaço de medida e que f : X → R é uma

função mensurável. Se f+ e f− são, respectivamente, a parte positiva e a parte negativa de f e

ambas,∫f+ e

∫f− são finitas, dizemos que f é integrável e definimos

∫f =

∫f+ −

∫f− (3.3.1)

Observação 3.3.1. Note que f+ ≤ |f | ≤ f+ + f−.

Corolário 3.3.1. f é integrável se, e só se,∫|f | <∞.

Dem.: (⇒) Se f é integrável,∫f+ < ∞ e

∫f− < ∞. Portanto, da observação 3.3.1,∫

|f | ≤∫f+ +

∫f− <∞.

(⇐) Suponha, agora, que f não é integrável. Podemos supor que∫f+ = ∞. Novamente

utilizando a observação 3.3.1,∫f+ ≤

∫|f | ⇒

∫|f | =∞, o que é um absurdo.

Proposição 3.3.1. O conjunto das funções reais integráveis é um espaço vetorial sobre R e a

integral define um funcional linear neste espaço.

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59

Dem.: Para a primeira parte, mostraremos que este espaço, que denotaremos por L[R]

satisfaz as condições para subespaço.

i) Sejam f ∈ L[R] e a ∈ R. Suponha a ≥ 0. Note que f+ e f− são funções de L+ e,

portanto, sabemos que ocorre∫af+ = a

∫f+ e

∫af− = a

∫f−. Assim, a

∫f = a(

∫f+ −∫

f−) = a∫f+ − a

∫f− =

∫af+ −

∫af− =

∫af . O caso em que a ≤ 0 é análogo.

ii) Pela definição de integral vemos que 0 ∈ L[R].

iii) Sejam f, g ∈ L[R] e a, b ∈ R, temos que |af + bg| ≤ |a||f | + |b||g|. Disto vem que∫|af + bg| ≤ |a|

∫|f | + |b|

∫|g| < ∞. Portanto, af + bg ∈ L[R]. Logo L[R] é um espaço

vetorial real.

Agora, mostremos que a integral é um funcional linear em L[R]. Graças ao item (i), resta

mostrar que∫

(f + g) =∫f +

∫g.

Consideremos f, g ∈ L[R] e h = f + g. Assim, h+ = f+ + g+, h− = f− + g− e

h+ − h− = f+ − f− + g+ − g−, donde h+ + f− + g− = f+ + g+ + h−. Agora, pelo teorema

3.2.2,

∫h++

∫f−+

∫g− =

∫f++

∫g++

∫h− ⇒

∫h+−

∫h− =

∫f+−

∫f−+

∫g+−

∫g−

⇒∫h =

∫f +

∫g.

Definição 3.3.2. Suponha que (X,N , µ) é um espaço de medida e que f : X → C é uma

função mensurável. Dizemos que f é integrável se∫|f | < ∞. Se E ∈ M, dizemos que f é

integrável em E quando∫E

|f | <∞.

Observação 3.3.2. 1) Vale a seguinte desigualdade |f | ≤ |Re(f)|+ |Im(f)| ≤ 2|f |.

2)f é integrável se, e só se,Re(f) e Im(f) são integráveis. A demonstração desta afirmação

é similar à prova da Proposição 3.3.1 e, por isto, será omitida.

Podemos então apresentar a seguinte definição.

Definição 3.3.3. Se (X,N , µ) é um espaço de medida e f : X → C é uma função integrável,

então definimos ∫f =

∫Re(f) + i

∫Im(f).

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Observação 3.3.3. Assim como na proposição 3.3.1, é possível demonstrar que o espaço das

funções complexas integráveis é um espaço vetorial complexo, e que a integral é um funcional

linear sobre o mesmo. Contudo, a demonstração é similar à já apresentada e, portanto, será

omitida.

Denotaremos este espaço por L1(µ), L1(X,µ), L1(X) ou L1, de acordo com o que for mais

conveniente em cada caso.

Note ainda que, se f ∈ L1(X), certamente f ∈ L1(E), para todo E ⊂ X , mensurável.

Basta observar que, se∫|f | <∞, não pode ocorrer

∫E

|f | =∞.

Proposição 3.3.2. Se f ∈ L1 então |∫f | ≤

∫|f |.

Dem.: Dividiremos esta prova em três casos.

1) Se∫f = 0, então não há o que demonstrar.

2) Se f é real, então|∫f | = |

∫f+ −

∫f−| ≤

∫f+ +

∫f− =

∫(f+ + f−) =

∫|f |.

3) Finalmente, suponha f complexa. Escreva reiθ =∫f com r ≥ 0. Assim,∣∣∣∣∫ f

∣∣∣∣ = r = e−iθ∫f =

∫e−iθf = Re

(∫e−iθf

)=

∫Re(e−iθf),

pois |∫f | é um número real. Disto, vem que∣∣∣∣∫ f

∣∣∣∣ =

∫Re(e−iθf) ≤

∫|Re(e−iθf)| ≤

∫|e−iθf | =

∫|f |.

Proposição 3.3.3. a) Se f ∈ L1, então {x; f(x) 6= 0} é σ-finito.

b) Se f, g ∈ L1, então as seguintes condições são equivalentes:

i)∫E

f =∫E

g, para todo E ∈M;

ii)∫|f − g| = 0;

iii) f = g q.t.p.

Dem.: a) Sejam f ∈ L1 e A = {x; f(x) 6= 0}. Se f(x) 6= 0, então f(x) > 0 ou f(x) < 0.

1o) Se denotarmos B = {x; f(x) > 0}, então, em B, f ∈ L+. Além disso, como f ∈ L1,∫|f | <∞, donde

∫Re(f) <∞,

∫Im(f) <∞ e, consequentemente,

∫f <∞. Assim, pela

proposição 3.2.3, B é σ-finito.

2o) Para este caso a demonstração é similar, basta considerar C = {x; f(x) < 0} e notar

que −f ∈ L+.

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61

Portanto, como A = B ∪ C, segue que A é σ-finito.

b) A equivalência entre b)-ii) e b)-iii) segue da Proposição 3.2.2, observando que |f − g| ∈

L+.

Mostremos a equivalência entre b)-i e b)-ii. Separando as funções em suas partes real e

imaginária, é suficiente provarmos o resultado para o caso em que f e g são ambas reais.

Assim, para a primeira implicação observe que, para qualquerE ∈M, se temos∫|f−g| =

0 então, pela Definição 3.2.2 e pela Proposição 3.3.2, vem que∣∣∣∣∣∣∫E

f −∫E

g

∣∣∣∣∣∣ ≤∫χE|f − g| ≤

∫|f − g| = 0⇒

∫E

f =

∫E

g,

para todo E ∈M.

Para a prova da recíproca, é importante que o leitor perceba que, como já mostramos que

b)-ii e b)-iii são equivalentes, podemos supor que b)-iii é válida.

Assim, consideremos o conjunto E = {x; f(x) 6= g(x)}, e suponhamos que não ocorre

f = g q.t.p. Portanto, µ(E) > 0. Logo,

∫E

f −∫E

g =

∫fχE +

∫gχE > 0⇒

∫E

f >

∫E

g,

contradizendo a hipótese.

Observação 3.3.4. 1) Note que a proposição 3.3.3 mostra que alterar uma função em um con-

junto de medida nula, não altera o valor da integral.

2) Neste sentido, podemos tratar R-funções que são finitas q.t.p. como funções reais.

Neste momento apresentamos o mais importante teorema de convergência do trabalho, o

qual torna mais evidente a principal diferença entre as integrais de Riemann e Lebesgue. Este

teorema nos diz que, se conseguirmos obter uma convegência pontual de funções e encontrar-

mos uma determinada função que “domine” todas as funções na sequência, então os símbolos

de integral e limite “comutam”. Note que, quando se trata de integração a Riemann, é necessá-

rio obter uma convergência uniforme destas funções, o que é, em geral, muito mais complicado

e, por vezes, impossível. Assim, podemos dizer que a integral de Lebesgue representa uma

ferramenta mais flexível frente a convergência de funções e, por este motivo, é a ferramenta

utilizada no estudo de equações diferenciais e problemas de aplicação.

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62

Teorema 3.3.1. (Teorema da Convergência Dominada) Seja (fn) em L1, tal que

a) fn → f q.t.p. ,

b) exista uma função não negativa g ∈ L1, com |fn| ≤ g, para todo n ∈ N.

Então f ∈ L1 e∫f = lim

n→∞

∫fn.

Dem.: Inicialmente, observe que a menos de alterações dentro de um conjunto de medida

nula, f é mensurável, pelas Proposições 3.1.6 e 3.1.7. Além disso, como |f | ≤ g q.t.p., temos∫|f | ≤

∫g <∞. Assim, f ∈ L1.

Note que, a menos de considerar as partes real e imaginária de f , é suficiente assumir que

fn e f são funções reais. Disto, pela condição dada no item (b), temos g + fn ≥ 0 q.t.p. e

g − fn ≥ 0 q.t.p. Como g + fn e g − fn ∈ L+, podemos aplicar o Lema de Fatou, obtendo

∫g+

∫f =

∫(g+f) =

∫(lim inf(g+fn)) ≤ lim inf

(∫(g + fn)

)=

∫g+lim inf

∫fn,

∫g−∫f =

∫(g−f) =

∫(lim inf(g−fn)) ≤ lim inf

(∫(g − fn)

)=

∫g+lim inf

∫−fn

=

∫g − lim sup

∫fn.

Portanto, lim inf∫fn ≥

∫f ≥ lim sup

∫fn. Logo,

∫f = lim

n→∞

∫fn.

Teorema 3.3.2. Suponha (fj) uma sequência em L1 tal que∞∑1

∫|fj| < ∞. Então

∞∑1

fj con-

verge q.t.p. para uma função em L1 e∫ ∞∑

1

fj =∞∑1

∫fj .

Dem.: Como (|fj|) é uma sequência em L+, pelo Teorema 3.2.2,∫ ∞∑

1

|fj| =∞∑1

∫|fj| <

∞, donde∞∑1

fj ∈ L1. Em particular, pela proposição 3.2.3,∞∑1

|fj(x)| é finito, para quase todo

ponto x, e para cada um destes x, a série∞∑1

fj(x) converge. Ainda,∣∣∣∣ n∑

1

fj

∣∣∣∣ ≤ n∑1

|fj| ≤∞∑1

|fj|,

para todo n.

Portanto, podemos aplicar o teorema 3.3.1 a sequência das somas parciais. Logo∫ ∞∑

1

fj =

∞∑1

∫fj .

Teorema 3.3.3. Se f ∈ L1(µ) e ε > 0, então existe uma função simples integrável ϕ tal que∫|f − ϕ|dµ < ε.

Dem.: Seja (ϕn) a sequência dada pelo teorema 3.1.1 b). Note que tal sequência satisfaz

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63

as condições do teorema 3.3.1, donde obtemos ϕn → f q.t.p. Assim, |ϕn − f | → 0, ou seja,∫|ϕ− f | = lim

n→∞

∫|ϕn − f | < ε.

O próximo teorema nos garante que, sob hipóteses pouco restritivas, é possível “comutar”

as operações de derivação parcial e de integração.

Teorema 3.3.4. Suponha f : X × [a, b] → C(−∞ < a < b < ∞) e que f(·, t) : X → C seja

integrável para cada t ∈ [a, b]. Seja, ainda F (t) =∫X

f(x, t)dµ(x).

a) Suponha que exista g ∈ L1(µ) tal que |f(x, t)| ≤ g(x), para quaisquer x, t. Se limt→t0

f(x, t) =

f(x, t0) para todo x, então limt→t0

F (t) = F (t0). Em particular, se f(x, t) é contínua para cada x,

então F é contínua.

b) Suponha que∂f

∂texista e que exista uma g ∈ L1(µ) tal que

∣∣∣∣∂f∂t (x, t)

∣∣∣∣ ≤ g(x), para

qualquer x, t. Então, F é diferenciável e

F ′(t) =

∫∂f

∂t(x, t)µ(x). (3.3.2)

Dem.: a) Consideremos a sequência (fn) dada por fn(x) = f(x, tn), onde (tn) é uma

sequência que converge para t0. Assim, por hipótese, (fn) satisfaz as condições do Teorema

3.3.1 e, portanto,

F (t0) =

∫f(x, t0)dµ(x) =

∫X

limn→∞

f(x, tn)dµ(x) = limn→∞

∫X

f(x, tn)dµ(x) =

= limt→t0

∫X

f(x, t)dµ(x) = limt→t0

F (t).

b) Observe que∂f

∂t(x, t0) = lim

n→∞hn(x), onde hn(x) =

f(x, tn)− f(x, t0)

tn − t0, com (tn) sendo

alguma sequência que converge para t0. Pelo Corolário 3.1.5,∂f

∂té mensurável e, pelo Teorema

do Valor Médio, |hn(x)| ≤ supt∈[a,b]

∣∣∣∣∂f∂t (x, t)

∣∣∣∣ ≤ g(x). Então, aplicando o Teorema 3.3.1, temos

F ′(t0) = limn→∞

F (tn)− F (t0)

tn − t0= lim

n→∞

∫f(x, tn)− f(x, t0)

tn − t0= lim

n→∞

∫f(x, tn)− f(x, t0)

tn − t0=

= limn→∞

∫hn(x)dµ(x) =

∫limn→∞

hn(x)dµ(x) =

∫∂f

∂t(x, t0).

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64

A seguir apresentamos um dos principais resultados do trabalho, onde mostramos que a

Integral de Lebesgue amplia a classe de funções integráveis. Mais precisamente, se uma função

f é integrável no sentido de Riemann então f é integrável no sentido de Lebesgue e o valor de

ambas integrais coincidem.

Teorema 3.3.5. Seja f uma função real limitada em [a, b].

a) Se f é Riemann integrável então f ∈ L1(m) Além disso,

b∫a

f(x)dx =

∫[a,b]

fdm. (3.3.3)

b) f é Riemann integrável se, e só se, {x ∈ [a, b]; f é descontínua em x} tem medida de

Lebesgue nula.

Dem.: a) Suponhamos que f seja Riemann integrável. Observe que como [a, b] é limitado,

para provarmos o item a) é suficiente demonstrarmos que f é mensurável.

Para cada partição P = {a = t0 < t1 < ... < tn = b} e j = 1, 2, ..., n definimos

Mj = supx∈[tj−1,tj ]

f(x), mj = infx∈[tj−1,tj ]

f(x), GP =n∑1

Mjχ(tj−1,tj ] e gP =n∑1

mjχ(tj−1,tj ]. Como

GP é simples

∫GPdm =

n∑1

Mjm((tj−1, tj]) =n∑1

Mj(tj − tj−1] = SPf.,

no qual SPf denota a soma de Riemann da função f relativa à partição P. Analogamente,

obtemos sPf =∫gPdm.

Afirmação 1: Existe uma sequência (Pk) de partições de [a, b] tal que Pk ⊂ Pk+1 e ||Pk|| →

0, onde ||Pk|| denota a norma da partição Pk.

De fato, consideremos as seguintes partições de [a, b] :

P0 = {a, b} , P1 =

{a,b− a

2, b

}, P2 =

{a,b− a

4,b− a

2,3(b− a)

4, b

}, ...,

onde cada Pk é obtida a partir de Pk−1 dividindo os intervalos de Pk−1 em seu ponto médio.

Assim podemos escrever Pk = {a = tk0 < tk1 < .... < tk2k

= b} com tkj = a +j(b− a)

2k+1, j =

0, 1, ..., 2k. Note que ||Pk|| =j(b− a)

2k→ 0.

Afirmação 2: Para cada partição P = {t0 < t1 · · · < tj < · · · < tn} e cada ε > 0, existe

k ∈ N tal que SPkf < SPf + ε.

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65

De fato, tomando por base as partições Pk construídas na afirmação 1, teremos que os pontos

de P qualquer poderão ser de duas formas: ou pontos que estão entre dois pontos que perten-

cem a Pk ou pontos que tem um ponto de Pk entre eles. Denotemos estes pontos por t′j e t′′j ,

respectivamente. Assim,

∑M ′

j(t′j+1 − t′j) ≤Mj

∑t′j+1 − t′j ≤Mj(tj+1 − tj) ≤

∑Mj(tj+1 − tj) = SPf e

M ′′t (t′′j+1 − t′′j ) ≤M

b− a2k+1

.

Disto, vem que

SPkf =

∑M ′

j(t′j+1 − t′j) +

∑M ′′

t (t′′j+1 − t′′j ) ≤ SPf + αMb− a

2k,

onde α é o número de pontos na partição P .

Então, tome k ∈ N, de modo que αMb− a

2k< ε. Isto garante a validade da Afirmação 2.

Agora, dado ε > 0, existe P tal que SPf −b∫a

f(x)dx <ε

2. Pela Afirmação 2, obtemos

k0 ∈ N, de modo que SPk0f < SPf +

ε

2. Então

b∫a

f(x)dx < SPk0f +

ε

2. Como a sequência é

monótona, k > k0 ⇒b∫a

f(x)dx < SPkf + ε.

Seguindo um raciocínio análogo, podemos obter resultado semelhante para sPf .

Observe que isto nos permite utilizar partições “encaixadas” nesta demonstração, as quais

facilitarão a compreensão. Sendo assim, consideremos uma sequência (Pk) de partições, de

forma que cada uma destas é um refinamento da anterior e ||Pk|| → 0.

Agora, tomando Pk e Pk+1, temos que (tk+1j−1 , t

k+1j ] ⊂ (tkj−1, t

kj ], onde tkj−1 ≤ tk+1

j−1 e tkj ≤

tk+1j . Desta forma, teremos quemk

j ≤ mk+1j , donde gPk

≤ gPk+1. Analogamente, conclui-se que

GPk≥ GPk+1

. Portanto, as sequências (GPk) e (gPk

) são monótonas decrescente e crescente,

respectivamente. Também, pelo visto anteriormente, SPkf e sPk

f convergem parab∫a

f(x)dx.

Note que (GPk) e (gPk

) são limitadas inferior e superiormente, respectivamente, por f .

Além disso, gPk≤ GP0 e GPk

≤ GP0 , para todo o k. Isto nos permite aplicar o Teorema 3.3.1,

obtendo

b∫a

f(x)dx = limk→∞

SPkf = lim

k→∞

∫GPk

dm =

∫limk→∞

GPkdm =

∫Gdm.

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66

Como g ≤ f ≤ G,∫Gdm =

∫gdm =

b∫a

f(x)dx. Portanto,∫

(G − g)dm = 0, donde

G = g q.t.p. pela Proposição 3.2.2 e, assim, G = f q.t.p.

Como G é mensurável e m é completa resulta que f é mensurável e

∫[a,b]

fdm =

∫Gdm =

b∫a

f(x)dx.

b) Denotemos H(x) = lim supy→x

f(y) e h(x) = lim infy→x

f(y). Nossa demonstração seguirá

em três etapas:

i) H(x) = h(x) se, e somente se, f é contínua em x. Isso segue do Teorema 0.1.1.

ii) Na notação da parte a), H = G q.t.p. e h = g q.t.p. Portando, H e h são Lebesgue

mensuráveis e∫

[a,b]

Hdm =∫ baf(x) dx,

∫[a,b]

hdm =∫ baf(x) dx.

Primeiro, note que, como H = h = f q.t.p., por i), e f = G = g q.t.p., pelo item a),

H = G q.t.p. e h = g q.t.p. Agora, observe que GP =n∑1

Mjχ(tj−1,tj ] é Lebesgue mensurável,

dada a forma como é definida e, sendo G = limGPk, pela proposição 3.1.5, G é mensurável.

Como G = H q.t.p. e m é completa, pela proposição 3.1.6 a), H é mensurável. Analogamente,

concluímos que h é mensurável.

Finalmente,

∫[a,b]

Hdm =

∫[a,b]

limGPkdm = lim

∫[a,b]

GPkdm = limSPk

f = inf SPf =

∫ b

a

f(x) dx,

pois GPkdecresce. Analogamente, obtemos

∫[a,b]

hdm =∫ baf(x) dx, provando o item ii).

iii) Neste item, terminaremos a demonstração de b).

(⇒) Se f é Riemann integrável, então∫ baf(x) dx =

∫ baf(x) dx, donde

∫[a,b]

Hdm =∫[a,b]

hdm. Portanto, pela proposição 3.3.3, H = h q.t.p. e, por i), f é contínua q.t.p.

(⇐) Agora, supondo que m( {x ∈ [a, b]; f é descontínua em x}) = 0 temos, pelo item i),

que H = h q.t.p. Novamente, pela proposição 3.3.3, vem que∫

[a,b]

Hdm =∫

[a,b]

hdm. Portanto,

do item ii), vem que f é Riemann integrável.

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67

4 CONSTRUÇÃO DOS ESPAÇOS Lp

Neste capítulo, faremos a construção dos espaços Lp, primeiro para o caso em que 1 ≤ p <∞

e, em seguida, para p =∞. Tais espaços tem importância no estudo de EDPs, visto que muitas

técnicas de resolução buscam soluções em espaços Sobolev, que são subespaços dos Espaços

Lp.

O ponto central da construção está na necessidade de passagem ao quociente. Também

verificaremos que os Espaços Lp são Espaços de Banach.

4.1 Os espaços Lp com 1 ≤ p <∞

Definição 4.1.1. Se (X,M, µ) é um espaço de medida, para 1 ≤ p <∞ definimos o conjunto

Lp(X,M, µ) = {f : X → C; f é mensurável e∫|f |pdµ <∞}.

Notação: A menos que seja necessário especificar a σ-álgebra e a medida, denotaremos tal

conjunto apenas por Lp.

Exemplo 4.1.1. Consideremos X = R,M a σ-álgebra de Lebesgue, m a medida de Lebesgue,

1 ≤ p <∞ e as funções fα(x) =1

xαχ(0,1)(x) e gα(x) =

1

xαχ(1,∞)(x). Então, fα ∈ Lp se, e só

se, p < 1α

e gα ∈ Lp se, e só se, p > 1α

.

Observação 4.1.1. Podemos dizer que temos dois motivos para uma função f não pertencer a

Lp.

1) f cresce muito rapidamente próxima de um ponto.

2) f decai muito lentamente no infinito.

Observação 4.1.2. Observe que vale a seguinte relação

|f + g|p ≤ (2 ·max{|f |, |g|})p ≤ 2p(|f |p + |g|p).

Lema 4.1.1. Lp é um espaço vetorial complexo, com as seguintes operações:

+ : Lp × Lp → Lp

(f, g) 7→ f + ge· : C× Lp → Lp

(α, f) 7→ αf

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68

Dem.: Observe que estas são as operações usuais do espaço vetorial das funções, portanto,

precisamos apenas mostrar que tais operações estão bem definidas, ou seja, que o espaço é

fechado através delas.

De fato, se f, g ∈ Lp então∫|f |p,

∫|g|p <∞. Da Observação 4.1.2 resulta que

∫|f + g|p ≤ 2p

(∫|f |p +

∫|g|p)<∞.

Portanto f + g ∈ Lp.

Se f ∈ Lp então∫|α · f |p = |α|p

∫|f |p <∞. Portanto α · f ∈ Lp.

Proposição 4.1.1. A função || · ||p : Lp → R dada por

||f ||p =

(∫|f |pdµ

) 1p

define uma semi-norma em Lp.

Para prosseguir com a demonstração desta proposição, serão necessários alguns resultados

auxiliares e, portanto, primeiramente iremos apresentá-los.

Lema 4.1.2. Se a ≥ 0, b ≥ 0 e 0 < λ < 1, então aλb1−λ ≤ λa+ (1− λ)b. A igualdade ocorre

se, e só se, a = b.

Dem.: Primeiro, se a = 0 ou b = 0, o resultado é imediato. Agora, denotemos t =a

b, e

façamos a divisão da desigualdade dada por b, obtendo

bb1−λ ≤ λ

a

b+ (1− λ)⇔

(ab

)λ ab≤ λ

a

b+ (1− λ)⇔ tλ ≤ λt+ (1− λ),

com a igualdade valendo se, e só se, t = 1. Observe que a função tλ − λt tem derivada igual

a λtλ−1 − λ = λ(tλ−1 − 1), a qual é positiva, para 0 < t < 1, e negativa para, t > 1, donde

vem que a função é crescente e decrescente, respectivamente, em cada um destes intervalos.

Portanto, esta função tem um valor máximo, a saber 1− λ, que ocorre quando t = 1.

Teorema 4.1.1. (Desigualdade de Hölder) Suponha 1 < p < ∞ e p−1 + q−1 = 1 isto é,

q = pp−1 . Se f e g são funções mensuráveis em X , então ||f ·g||1 ≤ ||f ||p · ||g||q. Em particular,

se f ∈ Lp e g ∈ Lq, então fg ∈ L1 e, neste caso, vale a igualdade se, e só se, α|f |p = β|g|q

q.t.p., para certas constantes α, β com αβ 6= 0.

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69

Dem.: Primeiro, se ||f ||p = 0 ou ||g||q = 0, então f = 0 ou g = 0 q.t.p., o que tornará a

relação trivial. De maneira similar, se ||f ||p =∞ ou ||g||q =∞.

Suponha ||f ||p 6= 0 e ||g||q 6= 0. Dado x ∈ X , consideremos a =

∣∣∣∣ f(x)

||f ||p

∣∣∣∣p , b =

∣∣∣∣ g(x)

||g||q

∣∣∣∣p e

λ =1

pe apliquemos o Lema 4.1.2, donde

(∣∣∣∣ f(x)

||f ||p

∣∣∣∣p) 1p(∣∣∣∣ g(x)

||g||q

∣∣∣∣p)1− 1p

≤ 1

p

∣∣∣∣ f(x)

||f ||p

∣∣∣∣p +

(1− 1

p

) ∣∣∣∣ g(x)

||g||q

∣∣∣∣pe, assim,

|f(x)g(x)|||f ||p||g||q

≤ |f(x)|p

p∫|f(x)|pdµ

+|g(x)|q

q∫|g(x)|qdµ

. (4.1.1)

Integrando ambos os lados da desigualdade, temos

||fg||1||f ||p||g||q

=

∫|f(x)g(x)|dµ||f ||p||g||q

≤ 1

p

∫|f(x)|pdµ∫|f(x)|pdµ

+1

q

∫|g(x)|qdµ∫|g(x)|qdµ

=1

p+

1

q= 1.

Finalmente, a igualdade ocorre se, e só se, (4.1.1) vale q.t.p. e, pelo Lema 4.1.2, isto ocorre,

precisamente, quando ||g||qq|f |p = ||f ||pp|g|q q.t.p.

Definição 4.1.2. Se 1 < p < ∞ então o número q = pp−1 tal que p−1 + q−1 = 1 é chamado de

expoente conjugado de p.

Teorema 4.1.2. (Desigualdade de Minkowski) Se 1 ≤ p <∞ e f, g ∈ Lp, então ||f + g||p ≤

||f ||p + ||g||p.

Dem.:

Para começar, devemos provar que f + g ∈ Lp. De fato, como f, g são mensuráveis,

f + g também o é. Além disso, pelas observações 4.1.2 e 3.2.2 e a Proposição 3.3.1, vem que

f + g ∈ Lp. Agora, observemos alguns fatos:

i)

|f+g|p = |f+g||f+g|p−1 ≤ (|f |+|g|)|f+g|p−1 ≤ (|f |+|g|)|f+g|p−1 = |f ||f+g|p−1+|g||f+g|p−1.

ii) Como f + g ∈ Lp, |f + g|p ∈ L1.

iii) Considerando q como na Definição 4.1.2, temos que p = (p− 1)q e, consequentemente,

|f + g|p−1 ∈ Lq.

iv) p− p

q= 1.

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70

Assim, aplicando a Desigualdade de Hölder, obtemos

∫|f ||f + g|p−1dµ ≤ ||f ||p|||f + g|p−1||

pqp e

∫|g||f + g|p−1dµ ≤ ||g||p|||f + g|p−1||

pqp .

Portanto, segue que

||f + g||p ≤ ||f ||p|||f + g|p−1||pqp + ||g||p|||f + g|p−1||

pqp = (||f ||p + ||g||p)|||f + g|p−1||

pqp .

Agora note que, se ||f + g||p = 0, então não há o que demonstrar. E se ||f + g||p 6= 0, então

dividimos em ambos os lados por ||f + g||pqp . Logo, segue o resultado.

Dem. da proposição 4.1.1: A prova de que ||λf ||p = |λ|||f ||p será omitida e a desigualdade

triangular segue da Desigualdade de Minkowski.

Observação 4.1.3. Em geral || · ||p não é uma norma em Lp. Basta considerar X = [0, 1],M a

σ-álgebra de Lebesgue, m a medida de Lebesgue e p = 1. Tomando a função f : X → R dada

por f(x) = 1, se x = 0, e f(x) = 0, se x ∈ (0, 1], temos ||f ||1 =∫|f |dm =

1∫0

|f(x)|dx = 0,

mas f não é a função identicamente nula. Portanto falha a condição ||f ||1 = 0⇔ f ≡ 0.

Contudo, para fins de aplicação, necessitamos das propriedades que um espaço normado

completo possui. Assim, para podermos utilizar a teoria dos Espaços de Banach, produzire-

mos a partir de Lp, um novo espaço que tem as propriedades de ser normado e completo. Tal

construção é feita por uma passagem ao quociente.

Lema 4.1.3. A relação definida em Lp por

f ∼ g ⇔ f = g q.t.p.

é uma relação de equivalência.

Dem.: i) Como f = f segue que f = f q.t.p e portanto f ∼ f .

ii) f ∼ g ⇔ f = g q.t.p. ⇔ g = f q.t.p. ⇔ g ∼ f .

iii) f ∼ g ⇔ f = g q.t.p. e g ∼ h ⇔ g = h q.t.p. Consideremos os conjuntos A, onde

f 6= g, e B, onde g 6= h, tais que m(A) = m(B) = 0. Então, f = g em Ac e g = h em

Bc. Disto f = h em Ac ∩ Bc = (A ∪ B)c. Assim, f 6= h em A ∪ B. Mas, m(A ∪ B) ≤

m(A) +m(B) = 0⇒ m(A ∪B) = 0. Portanto f = h q.t.p. e, consequentemente f ∼ h.

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71

Seja Lp� ∼ o espaço quociente e denotemos por [f ] um elemento deste espaço. Definimos

as seguintes operações

+ : Lp� ∼ ×Lp� ∼ → Lp

([f ], [g]) 7→ [f + g]e· : C× Lp� ∼ → Lp

(α, [g]) 7→ [αf ]

Lema 4.1.4. As operações acima estão bem definidas.

Dem.: Primeiro, note que estas são operações naturais com classes. Portanto, verifiquemos

que as mesmas não dependem de seu representante. Para tanto, consideremos f1, f2, g1, g2 ∈ Lp

tais que [f1] = [f2] e [g1] = [g2]. Como f1 ∈ [f2], temos f1 = f2 q.t.p. Analogamente, para

g1, g2.

Consideremos os conjuntos A, onde f1 6= f2 e B, onde g1 6= g2. Assim f1 + g1 = f2 + g2

em Ac ∩ Bc = (A ∪ B)c. Novamente, µ(A ∪ B) = 0 e f1 + g1 = f2 + g2 q.t.p., donde

[f1 + g1] = [f2 + g2]. Para o produto por escalar, basta observar que se f1 = f2 q.t.p., então

αf1 = αf2 q.t.p., e aplicar argumentos análogos.

A prova da observação abaixo será omitida.

Observação 4.1.4. Lp� ∼ equipado com as opereções + e ·, acima definidas, é um espaço

vetorial real.

Lema 4.1.5. A função N : Lp� ∼→ R dada por N([f ]) = ||f ||p é uma norma em Lp� ∼.

Dem.: Vamos mostrar a boa definição de N . Sejam f1, f2, tais que [f1] = [f2]. Então

N([f1]) = ||f1||p =(∫|f1|pdµ

) 1p eN([f2]) = ||f2||p =

(∫|f2|pdµ

) 1p . Agora, como f1 e f2 per-

tencem à mesma classe segue que f1 = f2 q.t.p., donde |f1|p = |f2|p q.t.p. e, consequentemente,∫|f1|pdµ =

∫|f2|pdµ, pela Proposição 3.3.3. Portanto, N([f1]) = ||f1||p = ||f2||p = N([f2]).

Note que a multiplicação por escalar e a desigualdade triangular seguem da proposição

4.1.1. Resta comprovar a validade de N([f ]) = ||f ||p ≥ 0, para toda [f ] ∈ Lp� ∼ e N([f ]) =

||f ||p = 0 se, e só se, [f ] = [0], ou seja, f = 0 q.t.p.

De fato, como |f | ≥ 0, |f |p ≥ 0 para toda f ∈ Lp. Disto vem que ||f ||p ≥ 0 o que implica

N([f ]) ≥ 0 para toda [f ] ∈ Lp� ∼.

Finalmente, se [f ] = [0] então |f |p = 0 q.t.p. e, portanto,∫|f |pdµ = 0. Daí 0 = ||f ||p =

N([f ]). Por outro lado, se N([f ]) = ||f ||p = 0, então∫|f |pdµ = 0, donde |f |p = 0 q.t.p. e,

portanto, f = 0 q.t.p. Logo [f ] = [0].

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72

Observação 4.1.5. A partir deste momento, denotaremos Lp� ∼ por Lp, seus elementos por f

e a norma do elemento [f ] ∈ Lp� ∼ por ||f ||p.

Observação 4.1.6. Do teorema 3.3.3 segue que as funções simples integráveis são densas em

L1(µ), segundo a métrica de L1.

Teorema 4.1.3. Se 1 ≤ p <∞ então Lp é um espaço de Banach.

Dem.: Nosso objetivo será aplicar o Teorema 0.2.1 e concluir que Lp é completo, para tanto,

verifiquemos que as hipóteses do teorema são satisfeitas. Assim, consideremos uma sequência

(fk) ⊂ Lp tal que∞∑1

||fk||p = B < ∞. A partir disto, vamos definir as seguintes funções,

Gn =n∑1

|fk| e G =∞∑1

|fk|. Pela desigualdade triangular, temos que ||Gn||p ≤n∑1

||fk||p ≤ B,

para todo n ∈ N. Note ainda que, como cada Gn é uma soma de termos não negativos, segue

que Gn ≥ 0 e Gn+1 ≥ Gn, para todo n ∈ N. Observe que estamos nas hipóteses do Teorema

da Convergência Monótona e, portanto,∫Gp = lim

∫Gpn ≤ Bp. Assim, por definição, segue

que G ∈ Lp e, portanto, G < ∞ q.t.p. Consequentemente, da definição de G, vem que a série∞∑1

fk converge q.t.p.

A fim de simplificar a notação no que segue, vamos denotar S =∞∑1

fk. Pela desigualdade

triangular e pelo fato de G <∞ q.t.p., temos que |S| ≤ G e, portanto, S ∈ Lp. Além disso, da

desigualdade triangular, em que∣∣∣∣S − n∑

1

fk

∣∣∣∣p ≤ (|S|+ | n∑1

fk|)p≤ (2G)p ∈ L1 .

Observe que estamos nas hipóteses do Teorema da Convergência Dominada e, portanto∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣S −

n∑1

fk

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣p

p

=

∫ ∣∣∣∣∣S −n∑1

fk

∣∣∣∣∣p

→ 0.

Logo, a série∞∑1

fk converge na norma de Lp, concluindo a demonstração do teorema.

Teorema 4.1.4. O espaço L2 é um Espaço de Hilbert.

Dem.: Verifiquemos que

〈f, g〉L2 =

∫fg. (4.1.2)

é, de fato, um produto interno em L2.

Das propriedades demonstradas para a integral no capítulo 4 vem que

i) 〈f + g, h〉 =∫

(f + g)h =∫

(fh+ gh) =∫fh+

∫gh = 〈f, h〉+ 〈g, h〉;

ii) 〈λf, g〉 =∫

(λf)g = λ∫fg = λ〈f, g〉;

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73

iii) 〈f, g〉 =∫fg =

∫gf = 〈g, f〉;

iv) Resta provar que 〈f, f〉 ≥ 0, para toda f ∈ L2 e 〈f, f〉 = 0 se, e só se, f ≡ 0. Basta

observar que 〈f, f〉 = ||f ||22 e utilizar o que já foi demonstrado para a norma.

Portanto (4.1.2) é um produto interno em L2. Note que pela definição dada para norma em

Lp, a norma em L2 será proveniente deste produto interno. Logo, L2 é um espaço de Hilbert.

4.2 O espaço L∞

Nosso próximo objetivo é introduzir o espaço L∞ das funções essencialmente limitadas, ou

seja, das funções limitadas q.t.p.

Definição 4.2.1. Consideremos f : X → R mensurável. Definimos

||f ||∞ = inf{a ≥ 0;µ({x ∈ X; |f(x)| > a}) = 0}.

Tal valor é chamado de supremo essencial de f.

Observação 4.2.1. Por convenção, inf ∅ =∞.

Exemplo 4.2.1. 1) Considere a função constante f(x) = 1, para todo x ∈ R. Para a ≥ 1 temos

{x ∈ R; |f(x)| > a} = ∅ e para 0 ≤ a < 1 ocorre {x ∈ R; |f(x)| > a} = R. Disto

{a ≥ 0;µ({x ∈ R; |f(x)| > a}) = 0} = [1,∞).

Portanto ||f ||∞ = inf{[1,∞)} = 1.

2) Se g(x) = x para todo x ∈ R então ||g||∞ =∞.

3) Se

h(x) =

x, se x ∈ Q

0, se x ∈ (R−Q),

então ||h||∞ = 0. Observe que h é limitada q.t.p.

Nos exemplos 4.2.1-2) e 3) não foram apresentados os cálculos pois se trata de um processo

de análise similar ao utilizado no exemplo 1.

Observação 4.2.2. 1) Se a1 > a2 ≥ 0 então

{x ∈ X; |f(x)| > a1} ⊂ {x ∈ X; |f(x)| > a2}.

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74

2) {x ∈ X; |f(x)| > a} =∞⋃n=1

{x ∈ X; |f(x)| > a+ 1n}.

Provemos 2). (⊆) Tome x ∈ X , tal que |f(x)| > a. Então existe n0 ∈ N, tal que |f(x)| >

a+ 1n0> a. Disto, x ∈ {x ∈ X; |f(x)| > a+ 1

n0} e, consequentemente,

x ∈∞⋃n=1

{x ∈ X; |f(x)| > a+1

n}.

(⊇) Tome x ∈∞⋃n=1

{x ∈ X; |f(x)| > a + 1n}. Então |f(x)| > a + 1

n, para algum n ∈ N.

Como a < a+ 1n

, para todo n ∈ N, temos que |f(x)| > a.

A seguir, provamos que existe algum a que satisfaz a definição de supremo essencial, ou

seja, que tal ínfimo é atingido.

Lema 4.2.1. Tomando a = ||f ||∞ vale µ({x ∈ X; |f(x)| > a}) = 0.

Dem.: Da definição de ínfimo, para cada n ∈ N, existe an ≥ 0 tal que

||f ||∞ ≤ an < ||f ||∞ +1

ne µ({x ∈ X; |f(x)| > an}) = 0.

Pelos itens 1) e 2) da Observação 4.2.2, µ({x ∈ X; |f(x)| > ||f ||∞ +1

n}) = 0 e, consequente-

mente, µ({x ∈ X; |f(x)| > ||f ||∞}) = 0

Observação 4.2.3. Do Lema 4.2.1, segue que |f | ≤ ||f ||∞ q.t.p.

O próximo lema mostra que o exemplo 4.2.1 é um fato geral.

Lema 4.2.2. Se ||f ||∞ <∞ então existe g : X → Rmensurável e limitada, tal que f = g q.t.p.

Dem.: Consideremos o conjunto E = {x ∈ X; |f(x)| ≤ ||f ||∞}. Note que Ec tem medida

nula. Definimos a função

g =

f(x), se x ∈ E,

0, se x ∈ Ec.

Observe que g 6= f possivelmente em Ec e µ(Ec) = 0. Portanto, g é a função procurada.

Definição 4.2.2. Se (X,M, µ) é um espaço de medida, então definimos o conjunto

L∞(X,M, µ) = {f : X → C; f é mensurável e ||f ||∞ <∞}.

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75

Observação 4.2.4. 1) O Lema 4.2.2 nos diz que f ∈ L∞ se, e só se, f é limitada q.t.p. Isso

justifica o fato de que f é chamada de função essencialmente limitada.

2) Não é difícil verificar que L∞ é um espaço vetorial com as operações usuais de funções.

Lema 4.2.3. A aplicação || · ||∞ é uma semi-norma em L∞.

Dem.: i) Note que

|f(x) + g(x)| ≤ |f(x)|+ |g(x)|, para todo x (4.2.1)

e pela, Observação 4.2.3,

|f |+ |g| ≤ ||f ||∞ + ||g||∞ q.t.p. (4.2.2)

Das equações (4.2.1) e (4.2.2) vem que |f + g| ≤ ||f ||∞ + ||g||∞ q.t.p. Isto significa que

µ({x ∈ X; |f(x) + g(x)| > ||f ||∞ + ||g||∞}) = 0. Da definição de ínfimo, segue o resultado.

ii) ||λf ||∞ = |λ|||f ||∞. A demonstração deste item será omitida por ser similar à anterior.

Observação 4.2.5. Note que, assim como no caso em que 1 ≤ p <∞, pode ocorrer ||f ||∞ = 0

sem que f ≡ 0. Basta considerar no Exemplo 4.2.1 o item 3). Sendo assim, utilizaremos um

processo similar ao anteriormente aplicado para obter um espaço normado e, mais ainda, um

espaço de Banach.

Definimos a seguinte relação de equivalência em L∞: f ∼ g ⇔ f = g q.t.p., e considere-

mos o espaço quociente L∞� ∼, com as operações usuais de classes, a saber, [f ]+[g] = [f+g]

e α[f ] = [αf ]. A boa definição destas operações se dá de maneira muito similar ao caso anterior

e, por isto, a omitiremos.

Observação 4.2.6. L∞� ∼, com as operações acima, é um espaço vetorial.

Lema 4.2.4. A função N , definida em L∞� ∼ por N([f ]) = ||f ||∞, é uma norma.

Dem.: Vamos mostrar que esta operação independe do representante da classe. Sejam

f1, f2 ∈ L∞ tais que [f1] = [f2], então f1 = f2 q.t.p. e daí |f1| = |f2| q.t.p. Como |f1| ≤ ||f1||∞q.t.p. resulta que |f2| ≤ ||f1||∞ q.t.p. Da definição de ínfimo, segue que ||f2||∞ ≤ ||f1||∞. Ana-

logamente obtemos a desigualdade oposta, logo, ||f1||∞ = ||f2||∞. Isso mostra que N está bem

definida.

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A desiguldade triangular segue do lema 4.2.3. Resta mostrar que ||[f ]|| ≥ 0, para toda [f ] ∈

L∞� ∼ e ||[f ]||∞ = 0 se, e só se [f ] = [0].

i) Observe que na definição de || · ||∞ tomamos o ínfimo de um conjunto de números não-

negativos. Portanto, ||[f ]|| ≥ 0.

ii) Suponha N([f ]) = 0. Como |f | ≤ ||f ||∞ q.t.p. segue que f = 0 q.t.p. e, portanto,

[f ] = [0].

Observação 4.2.7. A partir deste momento, denotaremos L∞� ∼ por L∞, seus elementos por

f e N([f ]) por ||f ||∞.

Teorema 4.2.1. (Desigualdade de Hölder) Se f e g são funções mensuráveis em X então

||fg||1 ≤ ||f ||1||g||∞.

Dem.: Primeiro, consideremos o conjunto E = {x ∈ X; |g(x)| > ||g||∞}, que sabemos

possuir medida nula. Assim

||fg||1 =∫X

|fg|dµ =∫

X−E|fg|dµ ≤

∫|f |||g||∞dµ =

||g||∞∫

X−E|f |dµ = ||g||∞

∫X

|f |dµ,

logo ||fg||1 ≤ ||g||∞||f ||1.

Teorema 4.2.2. L∞ é um espaço de Banach.

Dem.: Consideremos uma sequência (fj) Cauchy em L∞. Mostraremos que (fj) converge

para uma função neste espaço. Para cada j, k ∈ N tomemos os conjuntos

Aj = {x ∈ X; |fj(x)| > ||fj||∞} e Bj,k = {x ∈ X; |fj(x) − fk(x)| > ||fj − fk||∞}, am-

bos com medida nula. Ponha

E =

(∞⋃j=1

Aj

)∪

(∞⋃

j,k=1

Bj,k

)

.

Pela σ−aditividade de µ concluímos que µ(E) = 0. Assim, se x ∈ Ec, então |fj(x)| ≤

||fj||∞ e |fj(x) − fk(x)| ≤ ||fj − fk||∞, para todo j, k ∈ N. Agora, consideremos o espaço

B(Ec,R), das funções f : Ec → R limitadas, equipado com a norma do sup. Observe que (fj)

é uma sequência de Cauchy em B(Ec,R). Como B(Ec,R) é completo existe f ∈ B(Ec,R) tal

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77

que fj → f em B(Ec,R). Isto significa que, para cada ε > 0, existe j0 ∈ N tal que

j > j0 ⇒ supx∈Ec

{|fj(x)− f(x)|} < ε.

Defina

f(x) =

f(x), se x ∈ Ec

0, se x ∈ E

Portanto se j > j0 então ||fj − f ||∞ < ε.

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78

5 MÉTODOS VARIACIONAIS: UM PRIMEIRO CONTATO

Neste último capítulo apresentamos a resolução de dois problemas de EDOs. O objetivo é

ilustrar a importância que a Teoria da Medida e Integração, bem como a Análise Funcional, tem

para a resolução de equações diferenciais. Este capítulo está baseado em Djairo (1988).

5.1 Resultados Preliminares

Nesta primeira seção, apresentamos alguns resultados e definições que serão utilizados du-

rante a resolução dos problemas de equações que seguem. Algumas das demonstrações serão

omitidas devido a delimitação do tema. Em um primeiro momento serão apresentados alguns

resultados gerais e, em seguida, focaremos nas propriedades apresentadas pelo espaço H1[a, b].

Ao longo de todo o capítulo usaremos a notação∫g para indicar

b∫a

g(t)dt.

Definição 5.1.1. Considerando o conjunto das funções de classeC1 em [a, b], definimosC10 [a, b] =

{v ∈ C1[a, b]; v(a) = v(b) = 0}.

Lema 5.1.1. C10 [a, b] é denso em L2[a, b].

Dem.: Este lema pode ser demonstrado utilizando ferramentas mais avançadas de análise

funcional, como convoluções. Tal demonstração pode ser encontrada em Brézis (1983).

Lema 5.1.2. (Desigualdade de Wirtinger) Para toda v ∈ C10 [a, b], existe uma constante c > 0,

tal que

∫|v′|2 ≥ c

∫v2.

Dem.: A demonstração desta desigualdade faz uso do Teorema Fundamental do Cálculo

para Integrais de Lebesgue e pode ser encontrada no artigo de Djairo (1988).

Observação 5.1.1. C10 [a, b], com as definições usuais de soma e produto por escalar, forma um

espaço vetorial sobre R. Mais ainda, munindo-o com a norma:

||v|| =(∫|v′|2

) 12

, (5.1.1)

obtemos um espaço normado. A verificação de que (5.1.1) realmente representa uma norma

em C10 [a, b], utiliza, essencialmente, a Desigualdade de Wirtinger. Na próxima seção deste

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79

capítulo, designaremos por X o espaço normado C10 [a, b], munido com a norma da (5.1.1), que

será representada por || · ||X .

Definição 5.1.2. Consideremos uma função u ∈ L2[a, b]. Dizemos que u tem derivada fraca

neste espaço se existir uma função v ∈ L2[a, b], tal que

∫vϕ = −

∫uϕ′, ∀ϕ ∈ C1

0 [a, b].

Lema 5.1.3. A derivada fraca de uma função u, quando existe, é única.

Dem.: De fato, consideremos v1, v2 ∈ L2[a, b] tais que

∫viϕ = −

∫uϕ′, ∀ϕ ∈ C1

0 [a, b], i = 1, 2.

Assim, ∫v1ϕ =

∫v2ϕ⇒

∫(v1 − v2)ϕ = 0,∀ϕ ∈ C1

0 [a, b]. (5.1.2)

Observe que a (5.1.2) é equivalente a 〈v1 − v2, ϕ〉L2 = 0,∀ϕ ∈ C10 [a, b]. Portanto, como

C10 [a, b] é denso em L2[a, b] e 〈 , 〉 é contínuo, concluímos que v1 = v2.

Observação 5.1.2. 1) Devido a unicidade da derivada fraca, demonstrada no lema anterior,

iremos denotá-la por u′.

2) Designaremos por H10 [a, b] o subespaço de L2[a, b] das funções u que possuem derivada

fraca em L2 e tais que u(a) = u(b) = 0.

Para o estudo dos problemas de equações que seguem, faz-se necessário compreender me-

lhor as propriedades do subespaço H10 [a, b]. Assim, para demonstrar algumas das propriedades

por ele apresentadas podemos nos restringir, num primeiro momento, ao subespaço H1[a, b],

ou seja, não vamos nos preocupar com as condições de contorno por enquanto. Este subespaço

está munido com os seguintes produto interno e a norma, respectivamente

〈u1, u2〉 =

∫u′1u

′2 +

∫u1u2, ∀u1, u2 ∈ H1

0 [a, b], (5.1.3)

||u|| =(∫|u′|2 +

∫u2) 1

2

. (5.1.4)

Note que a norma dada em (5.1.4) provém do produto interno em (5.1.3).

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80

Proposição 5.1.1. H1[a, b] é um espaço de Hilbert.

Dem.: A demonstração deste resultado pode ser encontrada em Djairo (1988).

Lema 5.1.4. Se u ∈ L2[a, b] for tal que

∫uϕ′ = 0, ∀ϕ ∈ C1

0 [a, b],

então u é constante.

Dem.: Fixemos ψ ∈ C10 [a, b] tal que

∫ψ = 1 e consideremos a função h dada por

h = v − ψ∫v, ∀v ∈ C0

0 [a, b].

Como v ∈ C00 [a, b], ψ ∈ C1

0 [a, b] e∫v ∈ R, temos que h ∈ C0

0 [a, b]. Definamos,

ϕ(t) =

t∫a

h(s)ds.

Note que ϕ′ é contínua, pois ϕ′ = h e h é contínua. Daí ϕ(t) ∈ C1[a, b].

Agora, se v ≡ 0 e ϕ ≡ 0 no complementar de algum intervalo [a1, b1] ⊂ [a, b], então

ϕ(t0) = 0 = v(t0), ∀t0 < a1. Analogamente para t1 > b1. Assim,

t1∫a

v =

b∫a

v e

t1∫a

ϕ =

b∫a

ϕ⇒ ϕ(t1) =

t1∫a

v −b∫

a

v ·t1∫a

ψ =

∫v −

∫v ·∫ψ = 0.

Donde temos ϕ ∈ C1c [a, b]. Segue que,

∫uϕ′ =

∫ [u

(v − ψ

∫v

)]=

∫ [v

(u− ψ

∫u

)]= 0, ∀v ∈ C0

c [a, b].

Como C0[a, b] é denso em L2[a, b], temos

u−∫uψ = 0⇒ u =

∫uψ

e, portanto, u é constante.

Proposição 5.1.2. Dada u ∈ H1[a, b], existe uma função u ∈ C0[a, b] tal que u = u q.t.p. Neste

sentido escrevemos H1[a, b] ⊂ C0[a, b].

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81

Dem.: Consideremos a função w dada por

w(t) =

t∫a

u′(s)ds, ∀t ∈ [a, b].

Temos que w é uniformemente contínua. De fato, dado ε > 0, seja δ =ε2

||u||2H1

. Assim, se

|t2 − t1| < δ =ε2

||u||2H1

⇒ |t2 − t1|12 < δ

12 =

ε

||u||H1

.

Agora, sejam t1, t2 ∈ [a, b], temos

|w(t2)− w(t1)| =

∣∣∣∣∣∣t2∫t1

u′ · 1

∣∣∣∣∣∣ ≤ t2∫t1

u′2

12 t2∫t1

1

12

t2∫t1

u′2 +

t2∫t1

u2

12

|t2 − t1|12 =

= ||u||H1 · |t2 − t1|12 <

ε

||u||H1

· ||u||H1 = ε.

Usando resultados de Teoria da Medida, segue que w é diferenciável e w′ = u′ q.t.p. Assim,

qualquer que seja ϕ ∈ C1c [a, b], temos wϕ diferenciável, com (wϕ)′ = w′ϕ+ wϕ′.

Agora, pelo Teorema Fundamental do Cálculo para Integrais de Lebesgue, vem que

0 = (wϕ)(b)− (wϕ)(a) =

∫(wϕ)′ =

∫w′ϕ+

∫wϕ′ ⇒

∫w′ϕ = −

∫wϕ′, ∀ϕ ∈ C1

c [a, b].

Além disso, como u ∈ H1[a, b], sabemos que u possui derivada fraca neste subespaço.

Deste fato e de w′ = u′ q.t.p., obtemos

∫wϕ′ =

∫uϕ′, q.t.p.⇒

∫(w − u)ϕ′ = 0, ∀ϕ ∈ C1

c [a, b].

Pelo Lema 1, ∃k ∈ R tal que w − u = k. Basta consideramos u = w − k e, assim, u é

contínua e tal que u = u q.t.p.

A próxima proposição será usada, posteriormente, para introduzirmos H10 [a, b] como um

subespaço de H1[a, b].

Proposição 5.1.3. Existe uma constante c > 0 tal que, para toda u ∈ H1[a, b], vale ||u||∞ ≤

c · ||u||. Onde ||u||∞ = max{|u(t); t ∈ [a, b]}.

Dem.: A demonstração deste resultado pode ser encontrada em Djairo (1988).

Proposição 5.1.4. A inclusão H1[a, b] ↪→ C0[a, b] é contínua. Mais ainda, esta injeção é com-

pacta.

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82

Dem.: A demonstração deste resultado pode ser encontrada em Djairo (1988).

Agora que conhecemos um pouco melhor a estrutura de H1[a, b], desejamos considerar

H10 [a, b] como um subespaço do mesmo, a fim de transferirmos as propriedades obtidas. Para

tanto, consideremos o funcional linear `a : H1[a, b]→ R, definido por `a = u(a), o qual é con-

tínuo pela Proposição 5.1.3. De maneira similar obtemos `b. Assim, definimos H10 [a, b] como

`−1a (0) ∩ `−1b (0). Portanto, segue que H10 [a, b] é um subespaço fechado e, consequentemente,

um espaço de Hilbert com a norma dada em (5.1.4).

Observação 5.1.3. Pelo Lema 5.1.1, é possível estender a desigualdade de Wirtinger a todas

as funções de H10 [a, b]. Disto, segue que a norma dada em (5.1.4), em H1

0 [a, b], é equivalente a

norma:

||u||H1 =

(∫|u′|2

) 12

, ∀u ∈ H10 [a, b],

cujo produto interno correspondente é

〈u, v〉H1 =

∫u′v′ .

Observe que o completamento do espaço C10 [a, b] na norma dada na (5.1.1) pode ser identi-

ficado, portanto, com o espaço de funções H10 [a, b].

Definição 5.1.3. Dizemos que uma sequência (un) ⊂ H10 [a, b] converge fracamente para u ∈

H10 [a, b], se

〈un, v〉H1 → 〈u, v〉H1 , ∀v ∈ H10 [a, b].

Para terminar esta seção, enunciamos os dois principais resultados utilizados na resolução

dos problemas de EDO aqui estudados. Suas demonstrações podem ser encontradas em Djairo

(1988) ou em outros livros da área.

Teorema 5.1.1. Seja E um espaço de Banach e Φ : E → R um funcional semicontínuo inferi-

ormente e convexo. Então Φ é semicontínuo inferiormente na topologia fraca de E.

Teorema 5.1.2. Sejam X um espaço topológico compacto e Φ : X → R uma função real

semicontínua inferiormente definida em X . Então, o ínfimo de Φ existe e é assumido num

ponto u0 ∈ X .

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83

5.2 Um Problema de Contorno Linear

Nesta seção resolveremos um problema de contorno linear, fazendo uso de alguns dos resul-

tados presentes na seção anterior. O leitor deve perceber que os Teoremas 5.1.1 e 5.1.2 são o

centro da resolução do problema, pois é o Teorema 5.1.2 que garante a existência da função que

procuramos. Neste sentido, todas as afirmações feitas ao longo da resolução estão guiadas de

forma a aplicação do mesmo.

Supondo f ∈ C0[a, b] uma função dada, consideremos o seguinte problema de contorno:

Lu = f em [a, b], u(a) = u(b) = 0, (5.2.1)

ondeLu = −(p(t)u′)′ + q(t)u (5.2.2)

é um operador diferencial atuando em funções u ∈ C2[a, b]. É importe que o leitor observe a

expressão do operador L, pois ela indica que se trata de uma EDO de segunda ordem. Ainda,

requeremos as seguintes condições nos coeficientes do operador L:

p ∈ C1[a, b], q ∈ C0[a, b]; p(t) > 0, q(t) ≥ 0, ∀t ∈ [a, b]. (5.2.3)

Nosso objetivo é encontrar uma solução para o problema dado em (5.2.1). Do estudo de

EDOs, sabemos que uma função u ∈ C2[a, b] que satisfaz a (5.2.1) é chamada de solução

clássica de (5.2.1). Portanto, é esta função que almejamos encontrar.

Contudo, este trabalho tem por objetivo utilizar técnicas do cálculo variacional na resolução

do problema e, para tanto, necessitamos de uma expressão adequada. Portanto, vamos multipli-

car (5.2.1) por um função v ∈ C10 [a, b] e integrar esta nova expressão por partes, obtendo

∫pu′v′ +

∫quv =

∫fv, ∀v ∈ C1

0 [a, b], (5.2.4)

A partir da relação dada em (5.2.4), definimos uma solução fraca de (5.2.1) como sendo

uma função u ∈ C10 [a, b], que satisfaz (5.2.4).

Consequentemente, a questão de encontrar uma solução clássica para (5.2.1) pode ser resol-

vida nos seguintes passos:

1. determinar uma solução fraca para a (5.2.1);

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84

2. regularizar esta solução, ou seja, demonstrar que a função obtida é de classe C2.

1o Passo: Encontrar a solução fraca para (5.2.1).

Consideremos o seguinte funcional atuando em funções v ∈ C10 [a, b]:

Φ(v) =1

2

∫p|v′|2 +

1

2

∫qv2 −

∫fv.

Note que, para alguma u0 ∈ C10 [a, b], temos

Φ′(t)v = limt→0

1

t{Φ(u0 + tv)− Φ(u0)} =

∫pu′0v

′ +

∫qu0v −

∫fv, (5.2.5)

para qualquer v ∈ C10 [a, b]. Note que, se u0 for um mínimo de Φ, então Φ′(u0)v = 0 e u0 é uma

solução fraca de (5.2.1). Portanto, nosso problema agora é garantir que o funcional Φ tem um

mínimo em C10 [a, b]. Inicialmente, mostremos que Φ é limitado inferiormente em C1

0 [a, b].

Considerando 0 < p0 = min{p(t)2

; t ∈ [a, b]} e utilizando a Desigualdade de Cauchy-

Schwarz e o fato de q(t) ≥ 0, temos

Φ(v) =1

2

∫p|v′|2 +

1

2

∫qv2 −

∫fv ≥ 1

2

∫p|v′|2 +

1

2

∫qv2 −

(∫f 2

) 12(∫

v2) 1

2

≥ 1

2

∫p|v′|2 −

(∫f 2

) 12(∫

v2) 1

2

≥ p0

∫|v′|2 −

(∫f 2

) 12(∫

v2) 1

2

,

para todo v ∈ C10 [a, b]. Pelo Lema 5.1.2, temos

Φ(v) ≥ p0

∫|v′|2 −

(1

c

∫f 2

) 12(∫|v′|2

) 12

, (5.2.6)

donde, considerando

α2 =

∫|v′|2, temos Φ(v) ≥ p0α

2 −(

1

c

∫f 2

) 12

α.

Note que a expressão à direita é uma parábola côncava para cima, ou seja, que possui um

mínimo e o atinge na coordenada y do vértice. Portanto,

Φ(v) ≥ − 1

4p0c

∫f 2, ∀v ∈ C1

0 [a, b].

Logo, concluímos que Φ é limitado inferiormente em C10 [a, b]. Resta garantir que tal mínimo

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seja assumido. Para tanto, faz-se necessário introduzir uma topologia no espaço C10 [a, b].

Lema 5.2.1. O funcional Φ é contínuo em X .

Dem.: Com efeito, consideremos (vn) ⊂ X tal que vn → v, em X , então

∣∣∣∣∫ p|v′n|2 −∫p|v′|2

∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∫ p(v′n + v′)(v′n − v′)∣∣∣∣ 6 p

(∫|v′n + v′|2

) 12(∫|v′n − v′|2

) 12

=

= p||vn + v||X · ||vn − v|| → 0,

(5.2.7)

onde p = max{p(t); t ∈ [a, b]}.

∣∣∣∣∫ qv2n −∫qv2∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∫ q(vn + v)(vn − v)

∣∣∣∣ 6 q

(∫|vn + v|2

) 12(∫|vn − v|2

) 12

6

(5.2.8)

6 q

(1

c

∫|v′n + v′|2

)12

(1

c

∫|v′n − v′|2

) 12

=q

c||vn + v||X · ||vn − v|| → 0,

onde q = max{q(t); t ∈ [a, b]}.

∣∣∣∣∫ fvn −∫fv

∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∫ f(vn − v)

∣∣∣∣ 6 (∫ f 2

) 12(∫|vn − v|2

) 12

6

6

(1

c

∫|f ′|2

) 12(

1

c

∫|v′n − v′|2

) 12

= K||f ||X · ||vn − v||X → 0

(5.2.9)

Portanto, de (5.2.7), (5.2.8) e (5.2.9), concluímos que Φ(vn) → Φ(v), quando vn → v.

Logo, Φ é contínuo em X .

Consequentemente, para R > 0 convenientemente escolhido, podemos nos restringir à bola

BR = {v ∈ X; ||v|| 6 R} e tentar obter os resultados que desejamos considerando o funcional

Φ restrito à bola BR. Nesse momento, é necessário garantir que tal bola é compacta ou, ao

menos, fracamente compacta.

Para as afirmações que seguem estamos levando em consideração a Proposição 5.1.1, o

Lema 5.1.4, as Proposições 5.1.2, 5.1.3 e 5.1.4, demonstradas e discutidas na primeira seção

deste capítulo.

Neste sentido, consideremos Φ como um funcional definido em H10 [a, b]. É possível obser-

var que Φ é contínuo neste espaço. Mas ainda necessitamos da compacidade de BR e, para isto,

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introduziremos uma topologia fraca emH10 [a, b] fazendo uso da Definição 5.1.3 e da Proposição

5.1.1.

Ainda, do Teorema 5.1.1, garantimos que Φ é semicontínuo inferiormente na topologia fraca

de H10 [a, b]. Note que as condições do teorema são satisfeitas. Primeiro, como Φ é contínuo

neste espaço, também será semicontínuo inferiormente no mesmo. Quanto a convexidade, para

os dois primeiros termos a mesma será garantida pela convexidade da função quadrática e, para

o terceiro termo, segue da lineariedade do mesmo.

Finalmente, podemos considerar Φ restrito a bolaBR emH10 [a, b] munido da topologia fraca

e aplicar o Teorema 5.1.2. Assim, concluímos que Φ assume seu ínfimo em u0 ∈ BR.

Mais ainda, se escolhermos R tal que Φ(v) > Φ(0) = 0, para ||v||H1 = R, concluímos que

u0 está no interior deBR. Note que, pela equação (5.2.6) e pela expressão da norma emH1[a, b],

tal R existe. É importante observar que Φ em H10 [a, b] é diferenciável a Fréchet. Designemos

sua diferencial por ∇Φ : H10 [a, b] → H1

0 [a, b] e apliquemos o Teorema de Riez-Fréchet para

identificar o espaço dos funcionais lineares contínuos sobre H10 [a, b] com o próprio H1

0 [a, b].

Assim,

〈∇Φ(t0), v〉H1 = Φ′(u0)v,

onde Φ′(u0)v foi definida em (5.2.5). Portanto, u0 ∈ H10 [a, b] satisfaz (5.2.4), com a diferença

de que agora consideramos a derivada fraca, enquanto que lá estavamos com a derivada clássica.

Tal u0 é o que se chama solução fraca do problema (5.2.1). Ainda, observe que tal solução fraca

é única. Para concluir a veracidade de tal fato, basta supor existirem duas soluções u1, u2 que

satisfazem (5.2.4) e, utilizando as hipóteses em (5.2.3), a definição de derivada fraca, o Lema

5.1.4 e as condições de fronteira, concluir que u1 = u2.

2o passo: Regularização da solução.

Vamos mostrar que tal solução fraca é, na verdade, a solução clássica para (5.2.1). Reescre-

vendo a expressão em (5.2.4), com a solução fraca u0, temos

∫pu′0v

′ = −∫

[qu0 − f ]v , ∀v ∈ H10 [a, b].

Isso mostra que pu′0 possui derivada fraca em L2[a, b], com (pu′0)′ = qu0− f . Portanto, pu′0

é contínua, o que implica u′0 contínua. Mais ainda, desenvolvendo a derivada, temos

p′u′0 + pu′′0 = qu0 − f ⇒ pu′′0 = −p′u′0 + qu0 − f .

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87

Isto mostra que u′′0 é contínua. Logo, tal u0 é, na verdade, a solução clássica para o problema

(5.2.1).

5.3 Um Problema de Contorno Não Linear

Nesta seção nosso objetivo será resolver um problema não linear. É interessante observar

que, muitas das considerações feitas nas duas seções anteriores serão diretamente transferidas

para esta seção. Contudo, devido ao surgimento do termo não linear, teremos de utilizar alguns

resultados mais “fortes”, tais como o Teorema da Convergência Dominada, a fim de obter os

resultados desejados a respeito da não lineariedade.

Consideremos, então, o seguinte problema

Lu = f(t, u) em [a, b], u(a) = u(b) = 0, (5.3.1)

onde L é o operador definido em (5.2.2) e f : [a, b]×R→ R é uma função contínua e limitada.

Assim como fizemos no problema anterior, procuraremos primeiro obter uma solução fraca para

o problema (5.3.1), ou seja, u0 ∈ H10 [a, b] tal que

∫pu′0v

′ +

∫qu0v =

∫f(t, u0)v , ∀v ∈ H1

0 [a, b]. (5.3.2)

A este problema iremos associar o funcional:

Φ(u) =1

2

∫p|u′|2 +

1

2

∫qu2 −

∫F (t, u), onde F (t, u) =

u∫0

f(t, s)ds. (5.3.3)

Sendo f limitada, de (5.3.3) vem que |F (t, u)| ≤ k|u|, ∀u ∈ R, ∀t ∈ [a, b] e algum k ∈ R

positivo.

Agora, observe que Φ está bem definido em H10 [a, b], pois a parte quadrática é a mesma

dada no funcional do problema linear e o terceiro termo é contínuo em [a, b], visto que u é

necessariamente contínua e, portanto, o terceiro termo é integrável. Com este mesmo argumento

podemos concluir que Φ é contínuo em H10 [a, b], dada a continuidade da injeção H1[a, b] ↪→

C0[a, b]. Mais ainda, Φ é de classe C1 com derivada

〈Φ′(u), v〉H1 =

∫pu′v′ +

∫quv −

∫f(t, u)v , ∀v ∈ H1

0 [a, b].

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Observe que uma dada função u0 ∈ H10 [a, b] que minimize este funcional, irá satisfazer

(5.3.2) e, portanto, será uma solução fraca para (5.3.1). A fim de obter tal solução, iremos

seguir os mesmos passos utilizados no problema linear. Assim, mostremos que Φ é limitado

inferiormente. De fato,

Φ(u) ≥ 1

2

∫p|u′|2 −

∫F (t, u) ≥ p0

∫|u′|2 −

∫k|u| ≥ p0

∫|u′|2 − k(b− a)

12

(∫u2) 1

2

,

onde p0 = min{p(t)2

; t ∈ [a, b]} e utilizamos as hipóteses em (5.2.3), a limitação de f e a

Desigualdade de Cauchy-Schwarz. Agora, fazendo uso da Desigualdade de Wirtinger, obtemos:

Φ(u) ≥ p0

∫|u′|2 − k

(b− ac

) 12(∫|u′|2

) 12

,

donde, aplicando raciocínio análogo ao caso linear, concluímos se tratar de uma parábola côn-

cava para cima e, portanto, possuí um mínimo no vértice. Assim, vem que Φ é limitada inferi-

ormente. Além disso, para R > 0, suficientemente grande, temos

inf Φ = inf{Φ(u); ||u||H1 ≤ R}.

Para aplicarmos o Teorema 5.1.1, novamente precisamos garantir que Φ é semicontínuo

inferiormente na topologia fraca de H10 [a, b]. Observemos que a semicontinuidade inferior na

topologia fraca já está garantida para a parte quadrática, pelos argumentos dados no caso li-

near. Resta garanti-la para o terceiro termo do funcional. De fato, dada (un) ⊂ H10 [a, b] tal

que un converge fracamente para u em H10 [a, b], assim toda subsequência wn de un converge

fracamente para u em H10 [a, b]. Como wn converge, ela é limitada. Agora, da compacidade

da injeção H10 [a, b] ↪→ C0[a, b], vem que existe uma subsequência (wnj

) de (wn) que converge

para u emC0[a, b]. Portanto, como f é limitada e isto nos leva a concluir que F (t, u) é Lipschitz

com relação a u, vem que F (t, wnj(t))→ F (t, u(t)) em C0[a, b]. Do Teorema da Convergência

Dominada temos

∫F (t, unj

)→∫F (t, u).

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Logo, aplicando a Proposição 0.2.1, concluímos que

∫F (t, un)→

∫F (t, u),

e, portanto, Φ é semicontínuo inferiormente na topologia fraca de H10 [a, b].

Finalmente estamos nas hipóteses do Teorema 5.1.2 e podemos, portanto, concluir que

existe u0 ∈ H10 [a, b] que minimiza Φ. Para completar a resolução do problema, resta mos-

trar que tal u0 é de classe C2. Para tanto, aplicaremos um processo de regularização similar ao

aplicado no caso linear. De fato,

∫pu′0v

′ =

∫[qu0 − f(t, u0)]v, ∀v ∈ H1

0 [a, b].

Disto, pu′0 possui derivada fraca em L2[a, b], a saber (pu′0)′ = qu0 − f(t, u0). Como pu′0 é

contínua, u′0 também o é. Mais ainda, da última igualdade, podemos concluir que

pu′′0 = −p′u′0 + qu0 − f(t, u0),

o que mostra que u′′0 também é contínua e, portanto, u0 é uma solução clássica para (5.3.1).

Exemplo 5.3.1. As seguintes equações são do tipo apresentado em (5.3.1):

a) −u′′ = e−u2

b) −u′′ = f(t) cos(u)

c) u′′ = sen(u)

Sendo que valem as condições de fronteira u(a) = u(b) = 0 para os três exemplos. Nos

dois primeiros casos não é trivial a existência de soluções que satisfaçam tais condições, além

disso, o último caso representa o problema físico do pêndulo.

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90

6 CONCLUSÃO

Antes de iniciar este trabalho o acadêmico já utilizava muitos dos resultados aqui apresentados

para resolver problemas em Equações Diferenciais Parciais, contudo, não conhecia os detalhes

de muitas das demonstrações. Ao concluir este trabalho tais detalhes foram esclarecidos, o que

possibilitou ao acadêmico prosseguir em seus estudos com mais propriedade, pois adquiriu um

maior entendimento das ferramentas que utiliza. Também foi possível compreender a relação

intrínseca entre medida e integração, o que ressaltou as diferenças entre as integrais de Riemann

e Lebesgue, em especial no que concerne a teoremas de convergência.

Objetiva-se dar continuidade aos estudos, abordando alguns tópicos mais avançados de Teo-

ria da Medida e Distribuição, a fim de possibilitar ao acadêmico dar continuidade a seus estudos

na área de EDPs.

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REFÊRENCIAS

BARTLE, R. G. The Elements of Integration and Lebesgue Measure. New York: John Wi-ley & Sons, 1995.

BREZIS, H. Analyse Fonctionnelle. Paris: Masson, 1983.

BREZIS, H. Functional Analysis, Sobolev Spaces and Partial Differential Equations. NewYork: Springer, 2010.

BURK, F.; WILEY, J. Lebesgue Measure and Integration: An Introduction. New York:John Wiley & Sons, 1997.

de FIGUEIREDO, D. G. Métodos Variacionais em Equações Diferenciais. Matemática Uni-versitária, São Paulo, n. 7, p. 21-47, Jun. 1988.

FOLLAND, G. B. Real Analysis Modern Techniques and their Applications. New York:John Wiley & Sons, 1984.

ISNARD, C. Introdução à Medida e Integração. Rio de Janeiro: IMPA, 2008.

KREYSZIG, E. Introductory Functional Analysis with Applications. New York: John Wileyand Sons, 1978.

LIMA, E. L. Espaços Métricos. 2. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 1983.

LIMA, E. L. Curso de Análise, v.1. 14. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2014.

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APÊNDICE

0.1 Aritmética dos números reais estendidosNo estudo de Medida e Integração é conveniente acresecentar dois pontos, que denotamospor −∞ e +∞, ao conjunto R. O conjunto dos números reais estendidos é definido porR=R∪{−∞,+∞}. Estendemos a ordenação usual deR paraR declarando que−∞ < x <∞,para todo x ∈ R. A propriedade de completude de R passa a ser enunciada como segue: todosubconjunto não vazio de R tem supremo. Com isso temos que toda sequência monótona emR é convergente. Segue ainda que toda sequência {xn} em R possui limsup e liminf, que sãodefinidos por

lim supxn = infn≥1

supj≥n

xj e lim inf xn = supn≥1

infj≥n

xj.

Então {xn} é convergente se, e somente se limsupxn = liminf xn.Se f : R→R então para cada a ∈R definimos

limsupx→a f = infδ>0

sup0<|x−a|<δ

f(x) e liminfx→a f = supδ>0

inf0<|x−a|<δ

f(x).

Além disso, as operações aritméticas em R são parcialmente extendidas para R, da seguinteforma:

x±∞ = ±∞(x ∈ R),∞+∞ =∞,−∞−∞ = −∞,x · (±∞) = ±∞(x > 0), x · (±∞) = ∓∞(x < 0), 0 · (±∞) = 0.

Não definiremos o que ocorre quando∞−∞.

Teorema 0.1.1. Considere a função f : I → R definida no intervalo I ⊂ R. Então limx→a

f(x) = l

se, e só se,lim supx→a

f = lim infx→a

f = l.

Dem.: (⇐) Suponhamos limx→a

f(x) = l, ou seja, ∀ε > 0,∃δ > 0 tal que 0 < |x− a| < δ ⇒l − ε < f(x) < l + ε. Daí segue que

sup0<|x−a|<δ

{f(x)} ≤ l + ε, (0.1.1)

el − ε ≤ inf

0<|x−a|<δ{f(x)} ≤ l. (0.1.2)

Como ε > 0 é arbitrário, de (0.1.1) resulta

lim supx→a

f(x) = infδ>0{ sup0<|x−a|<δ

{f(x)}} ≤ l.

e de (0.1.2)l ≤ sup

δ>0{ inf0<|x−a|<δ

{f(x); |x− a| < δ}} = lim infx→a

f(x).

Então lim sup f(x) ≤ l ≤ lim inf f(x). Como lim supx→a f(x) ≥ lim infx→a f(x) segue que oresultado.

(⇒) Suponhamos por absurdo que ∃ε > 0 com a seguinte propriedade: ∀δ > 0,∃xδ tq0 < |x − a| < δ e |f(xδ) − l| ≥ ε, então⇔ f(xδ) − l ≥ ε ou f(xδ) − l ≤ −ε. Suponhamos

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que ocorre f(xδ)− l ≥ ε.

f(xδn) ≥ l + ε⇒ sup0<|x−a|<δ

{f(x)} ≥ l + ε

logolim sup f(x)x→a = inf

δ>0{ sup0<|x−a|<δn

{f(x)}} > l.

Se ocorre f(x)−l ≤ −ε então seguindo argumentos similares obtemos que lim infx→a f(x) <l.

0.2 Alguns Resultados de AnáliseNesta seção apresentaremos algumas definições e resultados a respeito de análise real e funci-

onal, omitindo suas demonstrações. Contudo as mesmas podem ser encontradas nas referênciascitadas.

Definição 0.2.1. Uma função f : X → R é dita semicontínua inferiormente (s.c.i.) no pontoa ∈ X se, para cada c < f(a) dado, existe δ > 0 tal que x ∈ X , |x − a| < δ ⇒ f(x) > c.Quando f for s.c.i. em todo ponto a ∈ X , será dita s.c.i. em X .

Proposição 0.2.1. Uma sequência de números reais converge para um real α se, e somente se,toda subsequência da sequência original possui uma subsequência que converge para α.

Teorema 0.2.1. Um espaço normado (X, || · ||) é completo se, e somente se, toda série absolu-tamente convergente em X converge.

Definição 0.2.2. Consideremos f : X → Y . Se numa vizinhança de a0 ∈ X o limite

limh→0

||f(a0 + h)− f(a0)− L(h)||Y||h||X

,

onde L é uma transformação linear de X em Y , existe, então f é dita diferenciável a Fréchetem a0 e L é dita diferencial de Fréchet de f em a0. Se isto ocorrer para todo a0 ∈ X , então f édiferenciável a Fréchet em X .

Teorema 0.2.2. (Teorema de Representação de Riesz-Fréchet) Seja X um espaço de Hilbert.Defina o operador T : X → X∗ que associa a cada f ∈ X o funcional linear T (f) : X → R,definido por

T (f)(u) = 〈f, u〉, para toda u ∈ X.

Então, T é uma isometria linear de X em X∗.

0.3 Noções de Espaços MétricosNesta seção apresentaremos algumas definições e resultados a respeito de espaços métri-

cos, omitindo suas demonstrações. Contudo as mesmas podem ser encontradas nas referênciascitadas.

Definição 0.3.1. Consideremos um conjunto X 6= ∅ e uma função d : X × X → R, que acada par ordenado (x, y) de X associa um número real d(x, y), chamado a distância de x a y.Se esta função d satisfaz:

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i) d(x, x) = 0,

ii) x 6= y ⇒ d(x, y) > 0,

iii) d(x, y) = d(y, x),∀x, y ∈ X,

iv) d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z),∀x, y, z ∈ X,

então d é uma métrica em X .

Definição 0.3.2. Um espaço métrico é um par ordenado (X, d), onde M é um conjunto nãovazio e d é uma métrica em M .

A seguir apresentamos exemplos importantes de espaços métricos.

Exemplo 0.3.1. (R, d) é um espaço métrico, onde d(x, y) = |x− y|, para todo x, y ∈ R.

Exemplo 0.3.2. (Rn, d1), (Rn, d2) e (Rn, d∞) são exemplos de espaços métricos, onde as defi-nições das respectivas métricas são dadas por

d1(x, y) = |x1 − y1|+ · · ·+ |xn − yn|,

d2(x, y) =√

(x1 − y1)2 + · · ·+ (xn − yn)2,

d∞(x, y) = max{|x1 − y1|, · · · , |xn − yn|}.

Aqui x = (x1, x2, ..., xn) e y = (y1, y2, ..., yn) denotam pontos de Rn.

Exemplo 0.3.3. Denotamos por C[a, b] o conjunto de todas as funções reais contínuas definidasno intervalo [a, b] deR. Então (C[a, b], d) e (C[a, b], d1) são exemplos de espaços métricos, comas respectivas métricas definidas por

d(f, g) = supa≤x≤b

|f(x)− g(x)|,

d1(f, g) =

b∫a

|f(x)− g(x)|dx.

Generalizando o Exemplo 0.3.2 temos

Exemplo 0.3.4. Se (X1, d) e (X2, d′) são espaços métricos então cada uma das aplicações

d1(x, y) = d(x1, y1) + d′(x2, y2),

d2(x, y) =√d(x1, y1)2 + d′(x2, y2)2,

d∞(x, y) = max{d(x1, y1), d′(x2, y2)},

onde denotamos x = (x1, x2), y = (y1, y2) ∈ X1 ×X2, são métricas em X1 ×X2. Além disso,não é difícil verificar que vale

d∞(x, y) ≤ d2(x, y) ≤ d1(x, y) ≤ 2d∞(x, y), x, y ∈ X1 ×X2. (0.3.1)

Definição 0.3.3. Sejam (X; d) um espaço métrico, x ∈ X e r > 0. Chamamos de bola abertade centro x e raio r em X o conjunto Br(x) = {y ∈ X; d(x; y) < r}. Dizemos que A ⊂ X éaberto se, para todo x ∈ A existe r > 0 tal que Br(x) ⊂ A.

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Observação 0.3.1. Se (X1, d) e (X2, d′) são espaços métricos então os conjuntos abertos no

produto cartesiano X1 ×X2 não dependem da particular escolha das métricas apresentadas noExemplo 0.3.4. Esse fato decorre de (0.3.1).

Definição 0.3.4. Uma topologia sobre X é uma família τ ⊂ ℘(X) tal que:i) X,∅ ∈ τ ,ii) dada uma família arbitrária {Aα ∈ τ ;α ∈ I}, I um conjunto de índices, então

⋃α∈I

Aα ∈τ ,

iii) dados A1, A2, ..., An ∈ τ , entãon⋂1

Aj ∈ τ .

Observe que todo espaço métrico é um espaço topológico. Basta que consideremos o con-junto de todas as bolas abertas segundo a métrica do referido espaço. Será possível verificar astrês condições dadas na definição acima e, portanto, tais conjuntos formarão uma topologia noespaço métrico. Tal fato é apresentado com maiores detalhes em Vilches - Topologia Geral.

Definição 0.3.5. Se τ for uma topologia e B ⊂ τ , diz-se então que B é uma base da topologiaτ se qualquer elemento de τ pode ser escrito como reunião de elementos de B.

Proposição 0.3.1. As seguintes afirmações a respeito de um espaço métricoX são equivalentes:

a) X contém um subconjunto enumerável denso;

b) X possui uma base enumerável de abertos;

c) Toda cobertura aberta de X admite uma subcobertura enumerável (Propriedade de Lin-delöf).

Definição 0.3.6. Um espaço métrico X chama-se separável quando cumpre uma das (e por-tanto todas as) condições a), b) ou c) dadas na Proposição 0.3.1.

Exemplo 0.3.5. (R, d) é separável (veja Exemplo 0.3.1), pois Q é um subconjunto enumeráveldenso em R.

Exemplo 0.3.6. Rn com qualquer uma das métricas definidas no Exemplo 2 é separável, poisQn = Q× · · · ×Q é um subconjunto enumerável denso em Rn.