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Eduardo Rodrigues dos Santos

#

PRINCIPIOS PROCESSUAIS

CONSTITUCIONAIS

2016

I );I EDITORA ~ JUsPODIVM

www.editorajuspodivm.com.br

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I );I EDITORA f JUsPODIVM www.editorajuspodivm.com.br

Rua Mato Grosso, 175- Pituba, CEP: 41830-151 -Salvador- Bahia Tel: (71) 3363-8617 I Fax: (71) 3363-5050 ·E-mail: [email protected]

Copyright: Edi~6es JusPODIVM

Conselho Editorial: Dirley da Cunha Jr., Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie Didier Jr., Jose Hen rique Mouta, Jose Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Junior, NestorTavora, Roberio Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogerio Sanches Cunha.

Diagrama~ao: Marcelo S. Brandao ([email protected])

Capa: Ana Caquetti

D722p dos Santos, Eduardo R. Princfpios Processuais Constitucionais I Eduardo Rodrigues dos

Santos- Salvador: JusPODIVM, 2016. 208 p.

Bibliograiia. ISBN 978-85-442-1179-3.

1. Direito constitucional. 2. Direito Processuall. Eduardo Rodrigues dos Santos. II. Tftulo.

CDD341.2

Todos os direitos desta edi~ao reservados a Edi<;6esJusPODIVM.

E terminantemente proibida a reprodu-;ao total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autoriza~ao do autor e da Edi<;6es JusPODIVM. A viola<;ao dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legisla~ao em vigor, sem prejufzo das san~6es civis cabfveis.

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A Deus, acima de tudo, pelo amor infinito e incondicional, pela grar;:a divinal da vida e pela misericordia que tern comigo desde o ventre de

minha mae.

Aos meus pais, Vlamir e Monica, pelo esforr;:o e dedicar;:ao de todos os anos. Par acreditarem que

eu poderia sempre subir um degrau a mais na escada da vida.

A minha av6 Teresa, pelo carinho e amor. Par sempre me proteger e par ter se dedicado

tanto a realizar os desejos de seu neto, tornando a minha injtmcia tao dace.

A minha av6 Aurea, pelos conselhos e orar;:oes. Par sempre estar presente nas horas dif£ceis

trazendo palavras de sabedoria e alento.

In memoriam

Ao meu avo Alaor, fonte eterna de inspirar;:ao, forr;a, perseveranr;:a, fe e amor, que me deixou inenarnivel saudade par absolutamente tudo.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu grande amigo, professor, orientador e eterno mestre, Luiz Carlos Figueira de Melo, por sempre ter acreditado em mim, as vezes, mais do que eu mesmo.

Aos amigos e professores Alexandre Walmott Borges e Ber­nardo Gonc;:alves Fernandes, os maiores constitucionalistas que conhec;:o e cujos ensinamentos foram indispensaveis a minha formac;:ao.

A Escola Mineira de Direito Processual, vanguardista do processo democratico, especialmente aos amigos e professores Dierle Jose Coelho Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia e Flavio Quinaud Pedron, os melhores processualistas que ja conheci.

Ao meu amigo, irmao e eterno professor, Moacir Henrique JUnior, que nos momentos mais diffceis da minha carreira docente me estendeu a mao e me orientou. A voce, porque os amigos se conhece nos momentos ruins.

Aos Profess ores do Curso de Mestrado em Direito Publico da Universidade Federal de UberHindia, especialmente aos queridos Fernando Rodrigues Martins e Edihermes Marques Coelho.

Aos meus alunos das diversas faculdades de direito em que leciono em Uberlandia e regiao.

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'Ji democracia e 0 governo do povo, pelo povo, para opovO"

Abraham Lincoln

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APRESENTA,AO DA OBRA

Retomando a linha de minhas primeiras pesquisas, que da­tam do anode 2009, ainda na graduac;:ao em direito sob orientac;:ao do Professor Luiz Carlos Figueira de Melo, esta obra tern por base a relas;ao entre Processo e Constitui~ao, tema, inclusive, de meu primeiro livro, lanc;:ado no termino do anode 2013. Assim, registro que o plano de fundo da abordagem dos Principios Processuais Constitucionais reside no modelo constitucional de processo brasileiro, a partir de urna 6tica democratica de processo.

Para ser mais claro, filio-me a Escola de Direito Processual Democratico, especialmente defendida pela vanguardista Escola Mineira de Direito Processual, cujas bases sustentam-se na com­preensao do processo a luz da Constituis;ao, vez que em nossa ordem normativa superior e possivel identifi.car urn modelo Unico de processo que deve ser seguido por todos dos ramos do direito processual, bern como na compreensao de que o pro­cesso e urn instrurnento jurisdicional que no ambito dos atuais Estados Democra.ticos de Direito deve ser entendido como urn procedimento em contradit6rio, incompativel com arbitrios e protagonismos (seja dos juizes, seja das partes) e que exige dos sujeitos processuais comparticipas;ao, policentrismo, correspon­sabilidade e cooperac;:ao.

Ora, se o direito processual possui suas bases normativas na Constituic;:ao, entao nao ha como se pensar em urn estudo do direito processual fora do direito constitucional, isto e, nao ha como estudar ou trabalhar com o processo sem conhecer antes o

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PRJNCiPJOS PRDCESSUAIS CONSTJTUCJONAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

sistema constitucional, notadamente, o subsistema constitucional processual.

Nesse sentido, destaca-se como marco processuallegal cons­titucionalizado o Novo C6digo de Processo Civil (2015), que ja em seu primeiro artigo confessa ser urn docurnento processual construido a luz da Constituiyao e de seu modelo {mico de processo. Ademais, conforme redayao expressa do mencionado dispositivo do novel documento processual civil brasileiro, nao se trata apenas de uma questao legislativa (clever de legislar con­forme a Constituiyao), mas tambem hermeneutica (clever de in­terpretar e aplicar conforme a Constituiyao). Ademais, para alem de inaugurar o c6digo a:firmando que o processo civil deve ser legislado e interpretado a luz da Constituiyao, o Novo Codigo de Processo Civil, ao longo de seu texto, preocupou-se efetivamente em incorporar, de modo otimizado, o modelo constitucional de processo (em que pese algumas divergencias doutrinarias acerca de urn ou outro procedimento, ou mesmo acerca de determinado dispositivo normativo ), seja positivando na lei processual civil as garantias jusfundamentais processuais, seja regulamentando-as, seja ampliando-as.

Assim, tendo como base normativa a Constituic;ao da Re­publica Federativa do Brasil de 1988 e os diplomas processuais infraconstitucionais (com destaque especial ao Novo C6digo de Processo Civil), para a consecuyao dos objetivos desta obra, es­pecialmente no que diz respeito a uma abordagem democratica e constitucional dos prindpios processuais constitucionais, nos a dividimos em quatro capitulos.

No primeiro capitulo, enfrentamos a problematica do que e processo democratico partindo de urna investigayao dos modelos processuais que o precederam. No segundo capitulo, nos dedi­camos a demonstrar o que e modelo constitucional de processo, abordando, ainda, o modelo constitucional de processo brasileiro, bern como suas relay6es como Novo C6digo de Processo Civil. Ja no terceiro capitulo, investigamos 0 que sao prindpios e quais sao as especies de prindpios constitucionais, para que com esses

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APRESENTAgAD DA OBRA

esclarecimentos pudessemos abordar de modo mais seguro os prindpios processuais constitucionais. Assim, no quarto capitulo investigamos a luz do modelo constitucional de processo brasilei­ro e da 6tica do processo democnltico, os prindpios processuais constitucionais do devido processo legal, do contradit6rio, da ampla defesa, do acesso a justis;a, do duplo grau de jurisdis;ao, da publicidade, da motivas;ao, do juiz natural, da inadmissibilidade das provas ilicitas, da duras;ao razoavel do processo e da eficiencia.

Por fim, desde ja, nos colocamos abertos as criticas, as sugest6es e ao debate, para que possamos aperfeis;oar, re:fletir e amadurecer nossas compreens6es sobre o modelo constitucional de processo brasileiro, sobre a compreensao do processo demo­cratico e sobre os prindpios processuais constitucionais.

Outono de 2016, Uberlandia.

Eduardo Rodrigues dos Santos

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SUMARIO

I. 0 PROCESSO DEMOCRATICO ou de como deve ser o processo em urn Estado Democratico de Direito 17

1. Os Modelos Processuais da Modernidade ................... 17

2. Breves incursoes sobre o protagonismo judicial ......... 27

3. 0 Modelo Democnitico de Processo ............................ 36

3.1. 0 Estado Democratico de Direito ........................ 37

3.2. 0 processo democratico ........................................ 43

3.3. Processo, democracia e cidadania ....................... 55

II. 0 MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO ... 63

1. A Constitucionalizas;ao dos Direitos ............................ 63

2. Breve delineamento da incursiio hist6rica do Mo-delo Constitucional do Processo ................................... 69

3. 0 Modelo COnico) Constitucional de Processo ......... 73

4. 0 Modelo Constitucional de Processo Brasileiro e o Novo C6digo de Processo Civil ................................. 77

III. PRINCfPIOS CONSTITUCIONAIS .......................... 85

1. 0 que sao prindpios? ...................................................... 85

1.1. As conceps;oes tradicionais de prindpios ........... 86

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PRINCfPIOS PROCESSUAJS CONSTJTUCJONAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

1.2. As novas concep<;:6es de prindpios ..................... 88

1.2.1. A concep<;:iio da norma juridica (e dos prindpios) na obra de Ronald Dworkin .... 89

1.2.2. A concep<;:ao da norma juridica ( e dos prindpios) na obra de Robert Alexy ........ 93

1.2.3. A concep<;:iio da norma juridica (e dos prindpios) na obra de Humberto Avila ..... 99

2. Os :grincipais criterios de diferencia<;:iio entre prin-dg:los e regras no direito contemporaneo .................. 116

3. {Iassifica<;:ao dos prindpios constitucionais .............. 118

IV: PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS ................................................ 125

I. Devido Processo Legal .................................................. 126

2. Contradit6rio .................................................................. 133

3. Ampla Defesa ................................................................. 140

4. Acesso a Justi<;:a .............................................................. 144

5. Duplo Grau de Jurisdi<;:ao ............................................. 150

6. Publicidade ..................................................................... 156

7. Motiva<;:iio ....................................................................... 161

8. Juiz Natural, Independente e Imparcial ...................... 173

9. Inadmissibilidade das Provas Ilicitas ......................... 177

10. Celeridade (dura<;:iio razoavel do processo) ............. 181

11. Eficiencia (ou o direito a resposta correta em tempo habil como menor custo possivel) ······~ 188

REFERENCIAS ································································· 197

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0 PROCESSO DEMOCRATICO ou de como deve ser o processo

em urn Estado Democratico de Direito

Neste capitulo inicial, nos dedicamos a analise do modelo de­mocratico de processo, contudo, por quest6es dida.ticas, iniciamos a abordagem analisando os modelos processuais que precederam o modelo processual dos Estados Democniticos (Constitucionais) de Direito, passando por urn exame urn pouco mais detido do problema do protagonismo judicial, para depois discorrermos propriamente sobre o processo democnitico e, por fun, realizar­mos uma breve analise entre processo, democracia e cidadania.

1. OS MODELOS PROCESSUAIS DA MODERNIDADE

Segundo a doutrina processualista, antes do advento proces­so democratico, outros modelos ja foram adotados, podendo-se dividir o processo em quatro fases: i) pre-liberalismo processual; ii) liberalism a processual; iii) socialismo processual; e iv) neolibe­ralismo processual.

0 pre-liberalismo processual era composto pelos sistemas processuais do Ancien Regime (Antigo Regime), marcados pela

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo RodriP,ues dos Santos

pluralidade de jurisdi<;:6es (jurisdiy6es feudais, e:clesiasticas, cor­porativas etc.), pela arbitrariedade dos juizos (autoritarismo) e pela complexidade e confusao das formas processuais. Apesar de suas varia<;:6es, o pre-liberalismo processual caracterizava-se pelo excesso de formalismo e tecnicismo; pala gama exorbitante de fontes processuais; pela ausencia dos juizes nos atos processuais, que se apresentavam somente no momenta da !:l.ecisao; pela ar­bitrariedade e corrups:ao dos juizes, que favoreciam os mais ricos e poderosos, pais nessa epoca os magistrados eram reml,lnerados pelas partes em razao do servi<;:o prestado, o qu~ eles chamavam de sportule; e o que, consequentemente, levava <Ds magistrados a prolongar o iter processual, constituindo urn processo longo e demorado.1

A partir da segunda metade do sec. XVfiii, sob grande influencia dos ideais ilurninistas, nota-se uma tendencia de uni­:ficas:ao das codi:ficas:oes juridicas a :fim de se sunpli:ficar a com­preensao do direito, inclusive, do direito procesSIUal. Nessa linha, em 1770 e nos anos seguintes, ocorrem mudany:as fundamentais no ambito do sistema processual, como a inttrodus:ao de urn novo metoda de recrutamento dos juizes, aboliln.do o sistema de sportule e implementando "a :figura do juiz pago pelo Estado com valores das taxas judiciarias, alem da introdus:ao de urn sistema de pre-constitui<;:ao dos julgadores - juiz naturai':2

Nada obstante, nesse momenta hist6rico, 1em que pese se identifique urna tendencia de reestruturas:ao do sistema processu­al, ha de se dizer que se tratou de urna reformula0J.o muito timida, que nao foi capaz de alterar as bases universais d01 modelo vigente, nao se tratando de uma reestruturas:ao geral, mas :con:figurando-se apenas mediante pequenas alteray6es que nao foram su:ficientes para provo car urn rompimento com os fundamehtos do processo

1. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui'jiio.ILeme: J. H. Mizuno, 2014.

2. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdiciona] Democnitico: uma amllise critica das reformas processuais. Curitiba: ]U1rua, 2008, p. 64.

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cap. I • 0 PROCESSO OEMOCRATICO

comum, ou seja, pouco mudou e o processo permaneceu extre­mamente formal, complicado e pouco acessiveP

Ja a partir da Ultima decada do sec. XVIII, especialmente com o advento da Revolw;:ao Francesa e os acontecimentos politicos que lhe sucederam, o sistema processual passa por uma reforma determinante, que viria a resultar no liberalismo processual. Nesse sentido, conforme bern sintetiza Dierle Nunes, "em 04.08.1790, na Fran<;:a, a Assembleia Constituinte vota, juntamente com o abandono dos privilegios, a abolis:ao das jurisdi<;:6es particulares e a gratuidade da justi<;:a, estabelecendo uma ruptura formal com o Antigo Regime. A partir dai, estrutura-se uma serie de reformas, decorrentes da ja existente desconfi.ans:a iluministica em relas:ao as profi.ss6es legais e ao mundo dos juristas, aliadas a umahostilidade em face das complicadas formalidades dos procedimentos. Tais reformas empreendidas no campo processual podem ser sintetiza­das da seguinte forma: a) a lei de organizas:ao judiciaria, de 16-24 de agosto, introduz a eleis:ao de juizes com mandata temporario, remunerados pelo Estado; b) na base do ordenamento judicia­rio, sao colocados juizes de paz, que, conjuntamente com dois assessores, formam o bureaux de paix et de conciliation, aos quais todos os litigantes devem obrigatoriamente dirigir-se, na tentativa de conciliar as controversias antes de buscar as vias judiciais; c) no contencioso, o juiz de paz e competente para as:oes de menor valor econ6mico, enquanto as demais causas sao atribuidas aos tribunais de distrito; d) a Lei 2-11, de setembro de 1790, suprime a Ordem dos Advogados, permitindo a autodefesa em juizo pelas pr6prias partes; e) ao inves de se estruturar um corpo de advoga­dos para os pobres ( cuja proposta surgiu nos debates legislativos), atribuiu -se ao bureaux a tarefa de desenvolver a funs:ao consultiva e preventiva para os pobres em suas defesas judiciais; f) as normas de processo civil sao mantidas inicialmente, mas sao abolidas pelo

3. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis:iio. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

decreto de 24.10.1973, que desformaliza o sistenia, de modo a se circunscrever a ditar algumas formas essenciais do juiz6':4

Nos anos iniciais do seculo XIX, como advento das legisla­s;oes napole6nicas, v.g. C6digo Civil (1804), C6digo de Processo Civil (1806), Lei de Organizas;ao Judiciaria (18101), dentre outras, tem-se o estabelecimento dos moldes que faltavrun ao liberalismo processual. Tais legislas;6es deram origem a urn sistema processual caracterizado por prindpios tecnicos e liberais, que objetivavam a manutens;ao da imparcialidade e do comportamento passivo do juiz. Dentre tais prindpios, destacam-se, a igualdade formal dos cidadaos, a escritura e, sobretudo, o prindp:io dispositivo.5

Essa conceps;ao deu origem a urn processo afastado da reali­dade social (espedalmente econ6mica), de caratei eminentemente tecnico, formalista, de cunho privatista, isto e, 0 lprocesso passou a ser, ou melhor, nao deixou de ser, urn mero instrurnento de re­solus;ao de conflitos, gerenciado em favor daqueles que eram eco­nomicamente mais poderosos. Contudo, agora, qom urna singela diferens;a: antes (no processo do Ancien Regime) los detentores do poder compravam os juizes para vencerem as as;oes, enquanto na egide do liberalismo processual eles sequer precisavam fazer isto, ja que os pobres, por nao terem condis;oes de se defender (em face de seu despreparo, falta de lido com as leis e dinlheiro para pagar alguem que pudesse faze-lo), fi.caram desprotegidos pela 16gica liberal do Estado, sendo considerados iguais perartte a lei, devendo, portanto, eles mesmos se defenderem ( ou pagare:m urn advogado, o que eles nao tinham condis;6es de fazer). Nas p;alavras de Dierle Nunes, "tal conceps;ao gerava, no processo, umai impossibilidade de compensas;6es de desigualdades (sociais e econ6micas) - es­trategias corretivas - pela atividade judicial ou pela assistencia de

4. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdiciona] Democratico: urna an:ilise critica das reformas processuais. Curitiba: Ju,rua, 2008, p. 71-72.

5. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui'faOI Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

advogados subsidiados pelo Estado"6, o que, na pra.tica, afastava a justic;:a das pessoas economicamente desfavorecidas.

Nesse cenario, o juiz era visto como urn mero decisor, nao podendo intervir no processo, nem mesmo dele participar, a nao ser form ulan do sua decisao (que deveria se ater ao que fora alegado e trazido pelas partes), isto e, 0 magistrado, no ambito do modelo liberal de processo, encontrava-se como urn estranho em face do objeto de litigio, exercendo uma func;:ao eminentemente passiva e imparcial em relac;:ao ao debate juridico, que deveria ser produzido pelas partes, sem a possibilidade de qualquer intromissao interpretativa do judiciario que pudesse conduzir a urn exame mais justo, igualitario ou sistematico das causas e das relac;:6es dos litigantes, sobretudo se essas relac;:6es fossem de ordem econ6mica e contratual.7 Aqui, vale lembrar que, durante o seculo XIX, na Franc;:a, predominou no campo hermeneutico a Escola da Exegese, conhecida, dentre outras coisas, por ser urna Escola nao-interpretativista. 8

Nessa perspectiva, o modelo processualliberal ficou marca­do por estruturar o processo sob a 6tica da autonomia privada e pelo predominio da igualdade formal, da imparcialidade e inercia do magistrado, pela preponderancia do prindpio dispositive e por urn protagonismo processual das partes (sendo o juiz urn observador passivo do processo), raz6es pelas quais o processo fora reduzido a urn instrurnento tecnico-formal de manutenc;:ao das relac;:6es de poder e das desigualdades sociais, sem a menor perspectiva de transformac;:iio das relac;:6es juridicas e completa­mente afastado de urn acesso a justic;:a real.9

6. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democratico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 75.

7. Ibidem, p. 75.

8. BOBBIO, Norberta. 0 positivismo juridico: li<;:6es de filosofia do direito. Sao Paulo: fcone, 2006.

9. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui<;:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Com o desencadear do tempo, tudo isso desftgu_ou nurn mo­vimento reformista que visava superar o modelo p:rocessualliberal, tendo como inspiradores no ambito legislativo Anton Menger e Franz Klein, dando origem ao socialismo processvcal. "Menger, to­mando, em parte, por base as solw;:oes tecnicas do Prozess-Ordnung da Prussia (1781), propoe altera<;:oes profundas n:o sistema de ad­ministra<;:ao da justi<;:a civil mediante urn refor<;:o alo papel judicial. Caberia ao juiz a assun<;:ao de urn duplo papel: 1a) de educador: extraprocessualmente, este deveria instruir to do cidadao acerca do direito vigente, de modo a auxilia-lo na defesa de seus direitos; b) de representante dos pobres: endoprocessualmen1ie, o juiz deveria, em contraste com a imparcialidade e com o prin<eipio dispositivo, assurnir a representa<;:ao da classe mais pobre':10

Por sua vez, Franz Klein vislurnbrava o pro<eesso como urna institui<;:ao estatal de bem-estar social que deve1ria buscar a pa­cifica<;:ao dos conflitos sociais. Em seu pensamtmto, o processo possuiria urna grande significancia politica, ecorlomica e social e reclamaria urn agir estatal mais efetivo em todaS1 as fases. Assim, para Klein, o juiz deveria abandonar a postura inerte e passiva que outrora marcou sua atividade, para assumir urn papel de prota­gonismo, colocando-se a servi<;:o do direito, do biem comurn e da paz social. Para alem disso, o juiz, conforme defehdido por Klein, assumiria urna discricionariedade forte, com urn :poder de escolha privilegiado no momento de interpretar e aplicar a legisla<;:ao. 11

Aqui urna critica precisa ser lan<;:ada: se <Ds juizes fossem grandiosos como gigantes, poderosos como Zeu:o, heroicos como Hercules, destemidos como Aquiles, justiceirtbs como Robin Hood, sabios como Buda, inteligentes e perspica~es como Ulisses, hurnildes como Socrates e virtuosos como GandhJi, talvez, as ideias de Menger e Klein tivessem sido bern sucedidas. Mas, infelizmen­te, os juizes eram, e ainda sao, seres hurnanos, dotados de todos

10. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo JurisdicionaliDemocratico: uma amilise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 80.

11. Ibidem, p. 81-87.

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cap. I • 0 PROCESSO OEMOCRATICO

os defeitos, vaidades e falibilidades hurnanas, sao observadores finitos do universo, nao possuindo nada de especial que lhes pu­desse conduzir ao privilegio de dizer o certo/errado, o juridical nao-juridico atraves de seu saber privilegiado, dispensando ou desprivilegiando a conceps;ao dos maiores interessados: as partes.

Atribuindo-lhes esse poder incalculavel e desmedido, Menger e Klein endeusaram homens vivos e a consequencia nao poderia ser outra a nao ser a arbitrariedade e o abuso, como se viu com o passar dos anos, sob a egide do modelo socialista de processo ( urna especie de coronelismo judici3.rio). Esqueceram-se que estavam ali para servir ao povo, para servir aos mais pobres, aos oprimidos e passaram a servir ao poder, em todas as form as possiveis e imagina­veis, do poder do capital ao poder do nazi-fascismo. Nesse sentido, Dierle Nunes demonstra que o juiz do Reich alemao passou a ser o protetor dos valores nazistas, dos "valores do povo alemao': que se materializavam atraves da figura do FUhrer. Conduziam o process a de maneira autoritaria, abrupta, "aniquilando os falsos valores de urn povo doente': 12 Nesse sentido, nao respeitavam as opini6es das partes, pouco lhes davam ouvidos. E nesse cen3.rio, autorizaram, ou melhor, determinaram a esterilizas;ao em massa de judeus, sem falar nas v3.rias execus;6es e outras formas de propagas;ao do 6dio, do horror, da tortura e do tratamento cruel e degradante.

De urn modo geral, o modelo sodalista de processo e a con­sequente atribuis;ao de poder e protagonismo ao magistrado fora adotada pelos governos fascistas e ditat6rias da primeira metade do sec. XX, a exemplo do governo fascista da Itilia que reconhece ao juiz a possibilidade de aplicas;ao do principia autorit3.rio, atri­buindo-lhe maiores poderes discricion3.rios, tal qual fez Codice italiano de 1940, tornando o juiz o senhor do processo e reduzindo as partes a meros colaboradores, tratando o magistrado como o representante do Estado no processo. No Brasil, as coisas seguiram o mesmo rumo, de modo que, durante o governo de inspiras;ao fas­cista de GetU.lio Vargas, o Estado Novo, fora promulgado o C6digo

12. Ibidem, p. 90.

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

de Processo Civil de 1939, tendo como base as dourt:rinas socialistas do processo. 0 referido c6digo promoveu o protagonismo judicial e submeteu as partes a urn papel quase fi.gurativol 13

-14

Com o fi.m dos regimes nacional-socialistas, o protagonis­mo judicial niio cede, mas pelo contrario, avan9a. 0 Direito e a Politica se fundem e o Judiciario passa a servir aos interesses do Estado. As perspectivas de Menger e Klein siio1 postas de lado, os magistrados, enquanto protagonistas do processo, em regra, niio se tornam guardi6es dos interesses do povo,i dos pobres, dos injustic;:ados, mas na verdade tornam -se os gran des defensores do poderosos (sao corrompidos pelo poder que lhes foi dado, passando a servi-lo, nurn cido vicioso).

Nesta perspectiva, ao mesmo tempo em <gue se tern essa exacerbada acentuac;:ao do protagonismo judicial, ha tambem urna reduc;:ao da import:lncia das partes e de sems procuradores, de modo que as partes tornam-se meras expectadoras das causas que decidem suas pr6prias vidas ( e seus pr6prioslinteresses). Esse processo de esvaziamento das func;:6es das partes gerou muitas consequencias negativas, dentre elas, urna postura passiva das partes e de seus procuradores, o que passou a 1impossibilitar o trabalho dos juizes e os fez perceber que niio podiam chegar a urn resultado satisfat6rio sem o auxilio dos interessad:los na causa, vez que, em regra, eram elas que possuiam os instnunentos, provas, dados etc. que poderiam levar a resoluc;:ao da causa.15

Neste cenario, com a crise do Estado Soci<d (Welfare State) e a consequente implementac;:ao do Estado NeoHberal nos paises

13. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui<;:aoJ Leme: J.H. Mizuno, 2014.

14. Para uma melhor compreensao do desenvolvimento d'o processo no Brasil, por todos, ver: PAULA, J6natas Luiz Moreira de. lilist6ria do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas a Escola <L:ritica do Processo. Barueri: Manole, 2002.

15. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui<;:aol Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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cap. I • 0 PRDCESSO DEMDCRATJCO

ricos, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, e subse­quentes politicas neoliberalizantes nos paises pobres, emergiu tambem, uma politicaneoliberalizante do processo, dando origem ao neoliberalismo processual. Este novo modelo de processo surge fundando-se nas bases da instrumentalidade processual, tendo o magistrado como o viabilizador da ordem con creta e hegemonica da Constituic;:ao, como o grande guardiao, uno, poderoso, sabio, o mais preparado para efetivar a ordem constitucional, despre­zando-se o legislador ordinaria e a argumentac;:ao das partes no processo, em suma, reforc;:ando o protagonismo judiciario.16

Ocorre que, como e sabido, OS magistrados sao homens, sao faHveis, sao corrompiveis e sao observadores tao limitados como qualquer outro. Como homens, estao sujeitos e propensos a privilegiarem seus pr6prios valores individuais, suas pr6prias consciencias morais, o que pode conduzir, especialmente quando protagonistas unissonos do process a, a decis6es que se distanciam dos argumentos das partes e do direito positivo (inclusive, do direito constitucional) e que culminam em sentenc;:as arbitnirias, formadas em concepc;:6es pessoais dos juizes e nao na ordem juridica vigente. Decidem conforme sua consciencia e nao con­forme as convenc;:6es legislativas democraticamente estabelecidas. Nesse sentido, o Ativismo surge no Estado Neoliberal nao como a soluc;:ao dos problemas, mas talvez como a fonte delesY

Seguindo a l6gica neoliberal, o processo busca a "efi.ciencia: entendida aqui como a resoluc;:ao nipida do maior nillnero de casos possiveis com os menores custos possiveis, independente­mente da qualidade da decisao proferida, solapando as garantias constitucionais do processo, ignorando os direitos fundamentais das partes, tudo em nome de uma cega celeridade (super velo­cidade). Dai decorrem os julgamentos em massa sem quaisquer

16. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democratico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008.

17. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituic;:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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PRINC[PJOS PROCESSUAIS CONSTJTUCJONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

distin<;:6es ou cuidado, e, em nome da produtivida.de, ignoram-se as particularidades dos casos concretos, lan<;:and01 no mesmo bolo processos distintos, mas que sao tratados como se iguais fossem. 18

Nesse sentido, conforme Dierle Nunes, o pro:cesso neoliberal assume urn trato privatistico e gera urna privatiza<;:ao da cida­dania, o que leva a urna interven<;:ao ilegitima d!o mercado que, consequentemente, "conduz o cidadao a urn pa]pel clientelistico (apatico) e periferico':19 Uma das consequencias da ado<;:ao do modelo processual neoliberal pode ser constataCJla pela pesquisa empirica realizada por Brisa Lopes de Mello Ferrao e Ivan Cesar Ribeiro,2° que tendo como base decis6es jurisdidonais proferidas pelamagistratura brasileira, constataram o 6bvio: 1"o favorecimen­to judicial beneficia prevalentemente a parte mais forte':Z1

Para :finalizar, vale dizer que grande parte desses delineamen­tos processuais neoliberais foram desenvolvidos tendo como base as recomenda<;:6es do Banco Mundial, atraves do1relat6rio intitu­lado "Docurnento Tecnico n.319: 0 setor judichirio na America Latina e no Caribe, elementos para reforma'~ que! tern como :fina­lidade dar celeridade ao processo, bern como transforma-lo em urn instrurnento de defesa da propriedade privadla e do mercado.

Por :fim, em breve arremate, pode-se a:firmar que, com a presente incursao hist6rica dos modelos processulais da moderni­dade, percebe-se que qualquer protagonismo, sej~ das partes seja do magistrado, nao traz garantia, e:ficiencia, seguran<;:a ou justi<;:a alguma para o processo, mas pelo contrario, 01 transforma em

18. Ibidem, idem.

19. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional(Democratico: uma an:ilise critica das reformas processuais. Curitiba: JuJ!Ua, 2008, p. 159.

20. FERRAO, Brisa Lopez de Mello; RIBEIRO, Ivan Cesar. :os juizes brasileiros favorecem a parte mais fraca? Berkeley program in law & economics: Latin American and Caribbean law and economics asslbciation. California: Berkeley Press, 2006.

21. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional tDemocnitico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Jllllua, 2008, p. 160.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCAATICO

urn instrumento meramente tecnico que beneficia, sobretudo, as classes dominantes e ignora a realidade social, reduz o processo, reduz a democracia, reduz a propria Constituic;:ao. Protagonismo nao combina com democracia, nem com constitucionalismo e muito menos com justic;:a!

2. BREVES INCURSOES SOBRE 0 PROTAGONISMO JUDICIAL

0 protagonismo judicial, estruturado, sobretudo, pelas ideias de Klein, no ambito legislativo, e de Billow, no ambito doutrinario, ganha especial reforc;:o e sedimentac;:ao na primeira metade do sec. XX, a partir de urna concepc;:ao estritamente publidstica do processo, que atribui ao magistrado urn poder e urna importancia desmedidos e superiores aqueles atribuidos as partes, cujas causas foram levadas ao Poder Judiciario.22

Nesse sentido, constata-se que o protagonismo dos juizes funda-se nurn arquetipo de processo compreendido enquanto relac;:ao juridica, isto e, compreendido como urn conjunto de vinculos de subordinac;:ao/submissao ao magistrado (aqui visto como urn observador privilegiado do universo, sabedor de todas as coisas, alguem acima do bern e do mal, do certo e do errado, alguem em quem se possa con:fiar as vidas e o destino de todos, porque superior aos demais). Assim, o processo seria urna insti­tuic;:ao de bem-estar social que se operacionalizaria por meio da atividade criativa dos juizes ( escola livre do direito) que imporiam sua vontade "superior" aos demais (como os deuses impunham sua vontade aos hom ens na mitologia grega), o que conduz a urna reduc;:ao do processo urn mero instrurnento de jurisdic;:ao ( esta, por sua vez, vista como atividade exclusiva dos juizes).23

22. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituic;:iio. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

23. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democnitico: uma anilise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 177.

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PRINGfPIDS PRDGESSUAIS GONSTITUGIONAIS • ·Eduardo Rodrigues dos Santos

Ademais, o protagonismo judicial conduz a urn esvazia­mento dos Poderes Legislativo e Executivo e, ate mesmo, a uma descren<;:a nesses poderes mediante uma supervalorizas;ao do Poder Judiciario, o que pode gerar afrontas severas a separas;ao dos poderes, especialmente atraves da judicializas;ao da poli­tica.24 Nesse sentido, os poderes legitimamente constituidos e democraticamente representados caem em descredito em face do protagonismo do judiciario, que comes;a a atxopelar as causas politicas e sobre elas tomar decis6es, impondoJ inclusive, obri­gas;6es aos demais poderes. Isso, perigosamente, pode fundar, na pratica, uma Republica dos Magistrados (inspirando-nos a qui na Republica dos Fil6sofos de Platao ), uma verdadeira aristocracia dos juizes.

No seio do protagonismo judicial, as partes sao desconsi­deradas, reduzidas, tern sua importancia diminuida ou mesmo desprezada pelo magistrado, de modo que sua1participas;ao no processo e minguada e a figura do advogado Jpassa a ser vista como urn entrave a ser eliminado, afinal urn juiz protagonista, e sabio 0 suficiente para nao precisar da colaboras;ao de advoga­dos, promotores e, ate mesmo, das partes. N esse cenario, a justi<;:a afasta-se de suas perspectivas democraticas e ]Dassa a ser fruto da atividade solitaria do juiz, como se ele fosse autossuficiente e tivesse sabedoria tamanha a tomar sempre a decisao correta sem a participas;ao ativa das partes e de seus advogados. Assim, o juiz, isoladamente, diz o direito, sem a menor necessidade de se ater ao que as partes produzem ao longo do process;o, ou mesmo ao que a legislas;ao estabelece (decide conforme s1!1a consciencia e nao conforme a ordem juridica vigente e ao qu6! fora produzido

24. Conforme explica Diede Nunes, a expressao judicializat;ao da polftica "ganhou delineamento a partir do trabalho coordemido por C. Neal Tate e Tobjorn Vallinder, intitulado The global expansion of judicial power, no qual foi denominada de judicializa<;:ao a tendencia Ide transferir poder decis6rio do Poder Executivo e do Poder Legislativo para o Poder Judi­dana': Ibidem, p. 179.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

no processo!). Nessa 6tica, a justi<;:a e urn criterio individual e arbitrario do magistrado.25

Nesse sentido, Dierle Nunes a:firma que "a visao de urn protagonismo judicial somente se adapta a urna concep<;:ao te6-rico-programatica, que entrega ao juiz a capacidade sobrenatural de proferir a decisao que ele repute mais justa de acordo com sua convic<;:ao e preferencia (solipsismo met6dico) segundo urna ordem concreta de valores, desprezando, mesmo em determi­nadas situa<;:6es (hard cases), possiveis contribui<;:oes das partes, advogados, da doutrina, da jurisprudencia e, mesmo, da hist6ria institucional do direito a ser aplicado'?6

No Brasil, o protagonismo nos Ultimos anos tern sido tao severo em alguns casos que se encontram senten<;:as de juizes e votos de Desembargadores e Ministros a:firmando descadaramente que decidem conforme sua consciencia e nao conforme a ordem juridica vigente, ou seja, pouco lhes importa a atividade do Poder Legislativo, porque nao irao seguir as leis democraticamente pro­mulgadas. Ademais, a:firmam em muitas dessas decisoes que nao se importam como que pensa a doutrina, como que pensam as partes, os advogados, os juristas de urn modo geral, pois todos devem se amoldar a eles, pois sao eles os portadoresda verdade e da razao. Mais: dizem, ainda, que sao sim seres especiais, de conhecimento superior etc. Em terrae brasilis, alguns magistrados nao s6 pensam que sao deuses, mas fazem questao de a:firmar isso em suas decisoes.

Dentre essas decisoes, destacamos inicialmente urn prece­dente do Superior Tribunal de Justi<;:a, em que o Ministro Hurn­berto Gomes de Barros assim afirmou:

Nao me importa o que pensam as doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justic;:a, assumo a autoridade de minha jurisdic;:ao. 0 pensamento daqueles que nao sao mi-

25. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui<?o. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

26. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democcitico: uma anillse critica das reformas processuais. Curitiba: Jurui, 2008, p. 191-192.

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PRJNC[PJOS PROCESSUAJS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

nistros deste Tribunal importa com orientac;cao. A eles, pon!m, nao me submeto. Interessa conhecer a doubrina de BARBOSA MOREIRA e ATHOS CARNEIRO. Decido, pon!m, conforme minha consciencia. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. E preciso consolidar o entendimento que os Srs. FRANCISCO PE­yANHA MARTINS e HUMBERTO GOMES DE BARROS decidem assim, porque pensam assim. E o ISTJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses minis­tros. Esse e o pensamento do Superior Tribmnal de Justi<;:a, e a doutrina que se amolde a ele. E fundamental expressarmos o que somos. Ninguem nos da li<;:5es. Nao somo aprendizes de ninguem. Quando viemos para este Tribur1al, corajosamente assumimos a declara<;:ao de que temos notavel saber juridico - uma imposi<;:ao da Constitui<;:ao Federal.IPode nao server­dade. Em rela<;:ao a mim, certamente, nao e, mas para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-tme a pensar que assim seja. (destaque nosso) (BRASIL, STJ ERESP 319.997-SC, Rel. Pe<;:anha Martins, 2003).

Aqui, em primeiro lugar, parece-nos que Humberto Gomes de Barros, quando aluno do curso de direito, jamais tenha lido urn livro, uma doutrina, sempre estudou as decis6es dos juizes e dos tribunais, a:final nao lhe importa 0 que pensam OS doutrina­dores, pois quem diz 0 que e 0 direito sao OS triJounais, devendo a doutrina se amoldar ao que eles dizem, ou seja,1 a doutrina deve lhes ser subserviente. Ora, urn dos trabalhos mais essenciais da doutrina, para alem de ensinar e formar juristas, e justamente constranger epistemologicamente a jurisprudencia, e, as vezes, parece que alguns juizes sentem-se ameas;ados <DU mesmo ame­drontados pela doutrina.27

27. "Por certo, a doutrina deve doutrinar. Tenho insistidb nisso. E todos sa­bern quanta! Deve estar pronta para exercer a sua ft.uil.c;:ao de constranger episternologicarnente a produc;:ao da jurisprudencia': Str'RECK, Lenio Luiz. Cornpreender Direito: desvelando as obviedades do discurso juridico. Sao Paulo: RT, 2013, p. 191.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

Ao comentar a decisao de Hurnberto Gomes de Barros, Le­nio Luiz Streck emblematicamente a:fi.rma que "para aqueles que pensam que 0 Direito e aquilo que OS tribunais dizem que e, 0

voto de Sua Excelencia e urn prato cheio. So que nao e bern assim, ou, melhor dizendo, nao pode ser assim (ou, melhor, ainda bern que nao pode ser assim!). Com efeito, o Direito e algo bern mais complexo do que o produto da consciencia-de-si-do-pensamen­to-pensante, que caracteriza a (ultrapassada) filosofi.a da consci­encia, como se o sujeito assujeitasse o objeto. Na verdade, o ato interpretative nao e produto nem da objetividade plenipotenciaria do texto e tampouco de urna atitude solipsista do interprete: o paradigma do Estado Democnitico de Direito esta assentado na intersubjetividade. [ ... ] Repetindo: o Direito nao e aquilo que o interprete quer que ele seja. Portanto, o Direito nao e aquilo que o Ministro Hurnberto Barros diz que e (lembremos, aqui, a asser­tiva de Herbert Hart, em seu Concept of Law, acerca das regras do jogo de criquet, para usar, aqui, urn autor positivista contra o proprio decisionismo positivista propagandeado pelo Ministro no voto em questao). A doutrina deve doutrinar, sim. Esse eo seu papel. Alias, nao fosse assim, o que fariamos com as quase mil faculdades de Direito, os milhares de professores e os milhares de livros produzidos anualmente? E mais: nao fosse assim, o que fariamos como parlamento, que aprova as leis? Se os juizes (do STJ) podem - como sustenta o Ministro Barros - 'dizer o que querem' sobre o sentido das leis, para que necessitamos de leis? Para que a intermedias;ao da lei? [ ... ] Numa palavra: o processo hermeneutico nao autoriza atribuis;6es arbitrarias ou segundo a vontade e o conhecimento do interprete. Alias, este e urn ponto fundamental da luta pela superas;ao do positivismo-normativista: o constitucionalismo - compreendido paradigmaticamente - co­loca freios a discricionariedade propria do positivismo-normati­vista. Mais do que isto, trata-se de urna questao de democracia''.28

STRECK, Lenio Luiz. Crise de Paradigmas: devemos nos importar, sim, com o que a doutrina diz. 2006.

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PRJNCfPJOS PROCESSUAJS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

situas;6es com imensa facilidade, uma vez quelinllineros argu­mentos justificariam urn posicionamento judidial':29

Nesse sentido, ao analisar o protagonismo judicial especial­mente na perspectiva da jurisdis;ao constitucidnal, afirma Luis Roberto Barroso que "os membros do JudiciariOI nao devem pre­sumir demais de si proprios - como ninguem ¢leve, alias, nessa vida -, supondo-se experts em todas as materias. Por fim, o fato de a Ultima palavra acerca da interpretas;ao da IConstituis;ao ser do Judiciario nao o transforma no Unico - ner,n no principal -foro de debate e de reconhecimento da vontadei constitucional a cada tempo. A jurisdis;ao constitucional nao detre suprimir nem oprimir a voz das ruas, o movimento social, os 1\:anais de expres­sao da sociedade. Nunca e demais lembrar que o poder emana do povo, nao dos juizes". 30

0 protagonismo judicial, bern como seus ieflexos, por si so ja constitui verdadeira aberras;ao juddica, espeqialmente porque parte do pressuposto de que 0 juiz e urn ser C:om, no minimo, urn conhecimento privilegiado, superior ao conhecimento das partes e dos representantes das funs;6es essencirus a justis;a, bern como de qualquer cidadao. Contudo, nurn Estado Democnitico (Constitucional) de Direito, partindo das conceps;6es haberma­sianas de democracia,31

0 protagonismo nao e lapenas inadmis­sivel ou arbitrario, ele e urna manifestas;ao aterttatoria a propria Constituis;ao, a cidadania, a soberania popular, a democracia e aos direitos fundamentais reconhecidos as pessoas ( especialmente aqueles direitos e garantias assegurados as partes no processo). Ademais, nurna perspectiva democratica, as pessoas so podem ser submeter as leis que elas mesmas ( diretametnte ou via repre-

29. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democnitico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: JUJiua, 2008, p. 194-195.

30. BARROSO, Luis Roberto. Constitui<;ao, democraci~ e supremacia judi­cial: direito e poHtica no Brasil contemporaneo. 2010.

31. Habermas, Jergen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012. v.l.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

sentantes) se propuseram a seguir, isto e, as leis das quais elas participaram do devido processo legislativo. Isso signi:fica dizer que os juizes s6 podem decidir com base no sistema juridico vigente, pois esse sistema foi legitimamente estruturado pelas pessoas de uma determinada comunidade e sao essas as normas que eles se propuseram livremente a seguir. Ou seja: os cidadaos de uma determinada comunidade democnitica constitucionalmente estabelecida nao se propuseram a serem servos da vontade ou da consciencia de nenhurn ser especial, mas somente se propuseram a seguir livremente as leis das quais eles pr6prios foram legisla­dores (diretamente ou via representantes).

Assim, o processo no paradigma do Estado Democratico de Direito deveni ser urn processo, em primeiro lugar, estruturado sob as bases constitucionais e democra.ticas, legalmente estabe­lecido, com possibilidade de participas;ao ampla e profunda das partes e com uma divisao de responsabilidades e importancia entre o magistrado, as partes e seus advogados. Trata-se, portanto, de urn processo policentrico, comparticipatlvo e que se funda numa corresponsabilidade de todos os sujeitos processuais. Nesse sentido, nas palavras de Dierle Nunes, "nao se pode acreditar mais em urna justis;a social predefinida antes do debate processual, uma vez que s6 as peculiaridades do caso concreto conseguem permitir, mediante o estabelecimento de urn fluxo discursivo entre os interessados e o 6rgao decisor, a formas;ao de urn provimento adequado [ ... ] Uma verdadeira democracia processual sera. obtida mediante a assuns;ao do debate da co-responsabilidade social e politica de todos os envolvidos (juizes, partes, advogados, 6rgaos de execus;ao do Ministerio Publico e serventuarios da Justis;a) segundo balizamentos tecnicos e constitucionais adequados, de modo a se estruturar urn procedimento que atenda as exigencias tanto de legitimidade quanto de eficiencia tecnica:'32

32. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democratico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 198.

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PRlNCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Porfun, cum pre dizer que a posiyao aquilevantadanao tern por obj etivo defender urn distanciamento do magistrado em relayao aos problemas sociais e muito menos a intenyao de torna-lo urn sujeito alijado do processo, urn "mero automata neutro na aplicayao do direito, ilhado na sociedade'?3 ate porque, como ja dissemos, to do e qualquer protagonismo fere a democracia, que presume igualdade de importancia entre todos os sujeitos processuais, ou seja, nao se combate o protagonismo do juiz defendendo-se o protagonismo das partes, mas sim com uma redistribuiyao isonomica da impor­tancia e da responsabilidade processual.

Assim, a critica aqui aventada direciona-se a combater a ideia de que 0 magistrado poderia aproximar-se da sociedade e realizar uma justiya social (ou qualquer outra forma de justiya) mediante uma postura ativista, invasiva e desrespeitosa do direito das par­tes, como se os juizes fossem seres moralmente privilegiados que possuissem uma cogniyao superior do sistema juridico e da vida em sociedade, ate mesmo porque, os juizes, ao contrario do que alguns deles pensam, nao sao deuses e OS tribunais nao sao 0 Monte Olimpo, de onde eles podem determinar o que e e o que nao e, conforme suas vaidades, consciencia e/ ou paix6es. Lembrando, ainda, que o juiz cumpre funyao fundamental e indispensavel ao processo, ao direito a democracia, vez que e urn garantidor cons­titucionalmente instituido dos direitos e garantias fundamentais dos cidadaos, inclusive e sobretudo, daqueles direitos e garantias assegurados aos sujeitos processuais de participarem do processo e da formayao da decisao que sera tomada sobre a vida das partes envolvidas.

3. 0 MODELO DEMOCRATICO DE PROCESSO

A compreensao daquilo que a doutrina processualista vern chamando de modelo democratico de processo ou simplesmente de processo democratico passa, antes de qualquer analise juridi-

33. Ibidem, p. 199.

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cap. I • 0 PROGESSO OEMOGRATIGO

co-processual, pelo estudo do que seja o proprio Estado Demo­cnitico de Direito, paradigma em que se desenvolve o modelo processual aqui ventilado, verdadeira conditio sine qua non, e que merece anilise em separado, ainda que breve.

3.1. 0 Estado Democratico de Direito 0 paradigma do Estado Democratico de Direito, cujo re­

ferendal historico reside no movimento juridico-politico rea­cionario vivenciado apos o fun da Segunda Guerra Mundial, especialmente no campo do direito constitucional, visa superar os paradigmas antecedentes - o Estado Liberal e o Estado Social34

- englobando seus principais avans:os, mas superando-os atraves de urn envolvimento mais efetivo da pessoa hurnana, do cidadao e da sociedade nas decisoes politicas do Estado.

0 Bstado liberal, resurnidamente, pode ser descrito como o Estado estruturado sob as bases do liberalismo econ6mico que emerge a partir das Revolus:oes burguesas do sec. XVIII, pautado nos prindpios de liberdade e igualdade perante a lei (igualdade formal). Trata-se de urn Estado de Direito, isto e, de urn Estado que encontra limites politicos, legalmente instituidos, ao exer­dcio de seus poderes. Ademais, juridicamente, e marcado pelo reconhecimento de direitos e garantias individuais aos cidadaos, sobretudo direitos civis e politicos, como liberdade, inviolabilida­de do domicilio, legalidade, propriedade privada, habeas Corpus, devido processo legal, direito de voto etc. Nesse paradigma ha urna excessiva abstens:ao do Estado.

Por sua vez, o Bstado social, resurnidamente, e aquele identi­ficado ainda na primeira metade do sec. XX a partir das revolus:oes sociais e das revoltas trabalhistas, que parte da compreensao de que o mero reconhecimento de direitos pelo Estado e insuficiente, fazendo-se necessaria a intervens:ao estatal no implemento desses

34. Para uma anilise ampla e profunda: BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. lO.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2011.

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PRJNCfPJOS PROCESSUAJS CONSTITUCJONAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

direitos. Assim, trata -se de um Estado (de Direito) estruturado sob o prindpio da igualdade material, impondo-lhe deveres pres­tacionais para com seus cidadaos. No campo da praxis politica, pode ser dividido no minimo em duas vertentes: o Estado de bem-estar social eo Estado socialista. Ademais, juridicamente, e marcado pelo reconhecimento de direitos sociais (sociais, econo­micos e culturais), como saude, educac;:ao, cultura, previdencia e assistencia social, transporte, moradia, alimentac;:ao, salario mi­nimo, ferias remuneradas etc. Nesse paradigma ha uma excessiva intervenc;:ao do Estado.

Ja o Estado democnitico de direito, como bern demonstra Bernardo Gonc;:alves Fernandes, trata-se de um novo paradigma sustentado sob as bases do Estado (Constitucional) de Direito e da democracia, que se unem para formar um conceito novo, aproveitando o que hade born dos paradigmas anteriores (Estado Liberal e Estado Social).35 Nessa perspectiva, antes de analisarmos esse "conceito novo': faremos uma breve investida sobre a compre­ensao de Estado de Direito e de democracia de modo separado.

Fac;:amos, inicialmente, de modo separado, uma analise do Estado de direito.

0 surgimento do Estado de Direito ("Rechsstaaf'), historica­mente, esta atrelado ao surgimento do Estado Liberal, cujas bases exigiam que 0 governo e OS governantes se submetessem as leis que eles mesmo criaram. Trata-se, portanto, de um "Estado legal" estruturado sob o imperio da lei, que submete a todos, inclusive OS governantes e 0 proprio Estado, as leis do pais, numa evidente negac;:ao do Estado Absolutista (no qual o monarca estava acima da lei). E expressao consagradora de uma pretensa impessoalida­de do Estado, que consagra eminentemente a igualdade formal (perante a lei) entre as pessoas, bern como direitos de liberdade.36

35. FERNANDES, Bernardo Gonc;:alves. Curso de Direito Constitucional. 7.ed. Salvador: Juspodivm, 2015.

36. Ibidem, p. 290.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

Ademais, como consagrado pela tradis;ao estadunidense, a rule of law, em que pese muitas semelhans;as com o inicial Estado de direito, :fi.rma-lhe, ainda, alguns outros postulados, como: existencia de uma dimensao processual (exigencia de que o Estado se submeta a procedimentos legais preestabelecidos); submissao do poder executivo ao parlamento; proeminencia de urn movimento constitucionalista de defesa dos direitos e liber­dades fundamentais; clever de publicidade das raz6es publicas das decis6es institucionais do Estado etc. Ja na tradis;ao francesa, o Etat legal :fi.rma-se sobre as ideias de vontade geral e soberania popular, estruturando-se na representatividade legislativa, fi.can­do sua legalidade por ela condicionada e nela fundamentada.37

Passando-se, agora, a uma breve analise da democracia, pode-se dizer, de forma simples, que democracia e 0 governo de todos. Isto e, nao e o governo de maiorias, nem de minorias, mas sim urn governo de todos. Ou, como ja consagrado pela celebre expressao de Abraham Lincoln, 'a democracia eo governo do povo, pelo povo, para o povo".

Ora, dizer que democracia e o governo de todos signifi.ca dizer que nao se pode excluir da participas;ao politica nem mi­norias nem maiorias, em razao de fatores que os diferenciam e os tornam urn grupo. Signifi.ca dizer que esse grupo nao pode ser simplesmente objeto da vontade de outros grupos, excluindo, ignorando e ferindo suas particularidades de vida. A democracia veda a exclusao, impede que minorias sejam suprimidas pela vontade das maiorias e exige que os direitos de todos sejam res­peitados, inclusive os direitos das minorias.38

Democracia signifi.ca reconhecer os mesmos direitos a todas as pessoas, independentemente de qualquer fator discriminador (ras;a, sexo, cor, sexualidade, origem, religiao, convics;ao politica, fi.los6fi.ca, economica etc.). Assim, por exemplo, sese reconhece o

37. Ibidem, idem.

38. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundam.entais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTJTUCJONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

casamento, reconhece-se a todas as pessoas, independentemente de sua sexualidade, nao podendo o Estado permitir que se casem apenas OS heterossexuais, pois isso seria uma afronta a igualdade e a democracia. Mais do que isso signi:fi.ca facilitar e promover o acesso de todas as pessoas a esses direitos reconhecidos, em face das limitas;6es faticas que a vida lhes imp6e. Assim, se uma pessoa com deficiencia tern limitas;6es fisicas que dificultam seu acesso ao direito ao transporte, o Estado deve criar mecanismos que facilitem isso na tentativa de igualar suas condis;6es as das demais pessoas (igualdade material), obrigando que OS onibus possuam elevadores ou rampas que possibilitem esse acesso, por exemplo.

P6r 6bvio que a regra procedimental de decisao politica nas democracias se baseia na prevalencia da vontade politica da maioria, afinal, faz-se necessario uma regra que possa decidir as quest6es politicas do Estado, sob pena de jamais se chegar a qualquer decisao. Nessa linha, pode-se dizer que a democracia comporta urn duplo sentido, uma dupla dimensao, podendo ser compreendida em sentido formal e em sentido material ou subs­tancial. Democracia formal seria aquela identi:fi.cada pela vontade da maioria, ja a democracia substancial seria aquela que exige respeito aos direitos e garantias fundamentais de todos, inclusive das minorias.39

Nesse senti do, a vontade da maioria nao pode ferir os direitos fundamentais ( constitucionalmente consagrados) das minorias, nero mesmo criar privilegios ou discriminas;oes negativas contra as minorias, pois isso feriria a propria essencia da democracia, que se traduz como sendo o governo de todos e nao apenas de urn grupo (seja majoritario, seja minoritario). Inclusive, pode-se dizer que as ditaduras, antiteses da democracia, podem ser tanto de maiorias como de minorias, isto e, ditaduras identificam-se justamente pela supressao dos direitos de certo(s) grupo(s) em face da proeminencia de outro. Deste modo, as ditaduras podem

39. FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. 4.ed. Madrid: Trotta, 2009.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

ser de urna minoria sobre urna maioria, assim como de urna maioria sobre urna minoria.

Para alem disso, a democracia desenvolvida na Idade Mo­derna fundou-se sobre as bases da representatividade, sendo predominantes as democracias representativas (nas quais o povo elege seus representantes para que eles legislem em seu nome) e nao democracias diretas (nas quais 0 povo legisla diretamente, isto e, participa de forma direta da formas;ao das leis as quais ira se submeter). Atualmente, muito se encontra, tambem, democracias semidiretas (nas quais o povo elege seus representantes para que eles legislem em seu nome, mas em alguns casos o proprio povo legisla diretamente).

Nada obstante, no constitucionalismo contemporaneo, a participas;ao popular (e a devida consideras;ao dos argumentos apresentados pelas pessoas) tern ganhado maior notoriedade, seja no campo teorico, seja no campo pratico, o que motivou a relei­tura da democracia para alem da mera representatividade. Nesse sentido, hoje, muito se fala em urna democracia deliberativa.

A democracia deliberativa, como define Claudio Pereira de Souza Neto, "surge, nas duas Ultimas decadas do sec. XX, como alternativa as teorias da democracia en tao predominantes, as quais reduziam a urn processo de agregas;ao de interesses particulares, cujo objetivo seria a escolha de elites governantes. Em oposis;ao a essas teorias agregativas e elitistas a democracia deliberativa repousa na compreensao de que o processo democratico nao pode restringir a prerrogativa popular de eleger representantes. A e:x:periencia historica demonstra que, assim concebida, pode ser amesquinhada e manipulada. A democracia deve envolver, alem da escolha de representantes, tambem a possibilidade de se delibe­rar publicamente sobre as quest6es a serem decididas. A troca de argumentos e contra-argumentos racionaliza e legitima a gestao das res publica. Se determinada proposta poHtica lograr superar a critica formulada pelos demais participantes da deliberas;ao, pode ser considerada, pelo menos prima facie, legitima e racional. Mas para que essa func;:ao se realiza, a deliberac;:ao deve se dar em urn

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contexto aberto, livre e igualitario. Todos devem ter, de fa to, iguais possibilidades para influenciar e persuadir. Esses pressupostos de uma deliberas:ao justa e efi.ciente sao institucionalizados atraves do estado de direito, que e entendido, portanto, como condis:ao, requisito ou pressuposto da democracia. De fato, nao ha verda­deira democracia sem respeito aos direitos fundamentais': 40

Assim, em face das considera<;:6es precedentes em rela<;:ao ao Estado de direito e a democracia, resumidamente, pode-se dizer que o paradigma do Estado democnitico de direito consagra-se como um Estado constitucional e constitucionalizado, estruturado legalmente pela democracia e submetido as leis que editaY Assim, trata-se de um Estado que encontra seu poder limitado e legiti­mado pelo poder do povo e pelo reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais de todos. Trata-se de um Estado que existe para proteger e promover as pessoas que o compoem, todas elas, sem discrimina<;:6es de qualquer natureza, um Estado que garanta e proteja o direito de todas as pessoas. Evidentemente consiste num Estado que e meio e nao tim, isto e, um Estado que existe para a consecus:ao dos fins humanos, que e mecanismo para a promo<;:ao e a protes:ao da pessoa humana.42 Ademais, e um Estado que tern suas

40. SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Constitucionalismo democratico e govemo das razoes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 3-4.

41. REALE, Miguel. 0 Estado democratico de direito e o conflito das ide­ologias. 3.ed. Sao Paulo: Saraiva, 2005.

42. Nesse sentido, J. C. Ataliba Nogueira ha muito ja afirmava: "Organismo mo­ral, o estado reduz a unidade grupos sociais ainda que heterogeneos na sua formayao, submetidos a sua soberania, com o fim de atingir o bern coletivo, que nao p6de diminuir ou reduzir 0 bern particular dos aludidos grupos mas, pelo contrario, fortalece-lo [ ... ] Pode ate a nayao existir sem o estado, desde que se mantenha fiel ao seu fim imediato, que consiste na conserva­yiio, transmissao e desenvolvimento dos elementos de cultura proprios, em beneficia da pessoa humana [ ... ] 0 fim do estado consiste na prosperidade publica, na sufficientia vitae necessaria a cada urn para atingir a perfeiyao fisica, intelectual e moral, correspondendo as necessidades e as deficiencias naturais mais profundas, que nao p6dem ser satisfeitas nem pelo individuo s6, nem pela familia isolada, nem par outros grupos sociais solitanos [ ... ]

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRAT/CO

decis6es politicas fundamentais tomadas com base num discurso racional publico, no qual se assegura o igual direito de participa<;ao a todos os cidadaos que o comp6e, para que participem do processo de formas:ao das leis as quais estarao se submetendo.

3.2. 0 processo demomhico 0 modelo processual democra.tico, como defende ha decadas

a escola mineira de direito processual, visa a superas:ao dos mo­delos antecessores (liberalismo processual, socialismo processual e neoliberalismo processual), bern como das distor<;6es e desiqui­librios por eles produzidos, pois tais modelos nao sao capazes de atender as necessidades de uma sociedade plural, democratica e participativa, pautada no principia de cidadania e estruturada sob a egide do Estado Democnitico de Direito, conforme consagrado pelas Constitui<;6es contemporaneas do mundo ocidental.

Desta forma, nesse modelo processual queda-se recha<;ado to do e qualquer protagonismo, seja das partes, seja do juiz, vez

Voltando ao estado, vimos que o seu fun e a seguran<;:a dos direitos individuais, da liberdade e a conserva<;:ao e aperfeiyoamento da vida social [ ... ] mesmo visando ao bern da coletividade, o que tern em mira o estado e a tutela e o desenvolvimento da pessoa humana. Assim o exigem a dignidade e o destino etemo do homem, ao qual tudo neste mundo esta subordinado como a seu fun, de modo que tudo ha de ser meio para conseguir a pessoa humana o seu fun ultimo [ ... ] Par destino natural e o estado meio para o plena desen­volvimento das faculdades individuais e sodais, meio de que o homem deve valer-se, ora dando, ora recebendo alguma coisa para o seu bern e para o bern dos outros [ ... ]Eo estado meio natural, de que pode e deve servir-se o homem, para consecu<;:ao de seu fun, sendo -o estado para o homem e nao o homem para o estado [ ... ] :E par isto que afumamos que o inclividuo nao foi feito para o estado, mas sim o estado para i individuo, para o seu bern estar morale material, para a sua felicidade [ ... ] 0 direito nao nasce como estado, mas com o homem. Escrito ou consuetudin:iri.o, nao deixou nunca de acompanhar o homem. Existe para servir o homem, como tambem para servir 0 homem existe 0 estado [ ... ] 0 estado nao e fun do homem, sua missao e ajudar o homem a conseguir o seu fun. E meio, visa a ordem ex:tema para a prosperidade comum dos homens': NOGUEIRA, J. C. Ataliba. 0 Estado e meio e nao fun. 2. ed. Sao Paulo: Saraiva, 1945, p.l47-155.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

que a democracia exige uma estrutura dialetica do procedimento processual, uma estrutura policentrica, pautada na comparti­cipayiio dos sujeitos processuais, em nivel de igualdade. Isto e, a luz do Estado Democratico de Direito, o processo deve ser urn instrurnento que trata os sujeitos processuais de forma isonomica, equilibrada, sem protagonismos (como se urn dos suj eitos pudesse ser melhor, mais importante OU mais sabio que OS demais), que divide a responsabilidade da resoluc;:ao do litigio, da demanda judicial, entre todos eles ( corresponsabilidade).43

Nesse sentido, com perfeic;:ao, assinala Dierle Nunes que "nurna visao constitucional democratica, pode-se a:firmar que niio existe entre os sujeitos processuais (tecnicos processuais) submissiio, mas, sim, interdependencia':44 pois para uma decisao correta, faz-se necessaria a participac;:ao responsavel de todos os sujeitos processuais, sendo que a colaborac;:ao de cada urn auxilia e in­fluencia no resultado final (sem a participac;:ao de urn, a decisao perde em democracia, perde em justic;:a, perde em aproximac;:ao da verdade, perde em certeza e correic;:ao).

Assim, o modelo democratico de processo tern o processo como instrurnento comparticipativo, no qual partes e juiz devem contribuir, de maneira isonomica, no debate processual, refutan­do-se as vis6es extremadas de jurisdic;:ao nas quais ou 0 juiz nao e nada alem de urn decisor gelido, que nao deve efetivamente parti­cipar do processo, mas apenas decidir ao final (protagonismo das partes), ou, de modo oposto, e urn deus olimpico, cuja sabedoria privilegiada deve ditar todos os rurnos do processo afastando-se as partes do processo (protagonismo do magistrado).45

43. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis;ao. Leme: J.H. Mizu­no, 2014.

44. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democratico: uma amilise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 204.

45. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis;ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

Ademais, o modelo democnitico de processo objetiva a su­pera<;:ao da visao de que o processo seria mero instrurnento de jurisdi<;:ao, isto e, mero instrurnento tecnico, por urna visao do processo enquanto mecanismo garantistico dos direitos funda­mentais das pessoas envolvidas na demanda judicial, bern como de preserva<;:ao da ordem juridica constitucionalmente estabele­cida, afastando os desvios e abusos do poder estatal, bern como do poder economico privado. Nesse sentido, Diede Nunes a:firma que o processo consiste em "uma verdadeira garantia contra o exerdcio ilegitimo de poderes publicos e privados em todos os campos': tendo como finalidade "controlar os provimentos dos agentes politicos e garantir a legitimidade discursiva e demo­cratica das decis6es': de modo que, "o processo corporifica urn instituto legitimante e estruturador da participa<;:ao cidada e da propria democracia:". 46

Nurna perspectiva democnitica discursiva, comparticipativa e policentrica, o process a deve ser visto como instrurnento garan­tistico dos direitos fundamentais das pessoas, vez que possibilita urn espa<;:o publico de comunica<;:ao entre os sujeitos envolvidos na demanda, de modo que o cidadao afetado pelo provimento judicial participa efetivamente da forma<;:ao desse provimento. As­sim, no processo democratico, deve-se fortalecer o debate endo­processual das partes, especialmente garantindo-se a observancia dos prindpios processuais constitucionais, com destaque para o principia do contraditorio, privilegiando-se, assim, a cidadania, a democracia e a soberania popular, bern como assegurando a supremacia da Constitui<;:ao, e, consequentemente, conferindo legitimidade aos provimentos jurisdicionais.47

46. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democritico: uma an:llise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 209.

47. Em sentido proximo, afirma Diede Nunes que: '~o se fazer uma releitura da teoria do processo a partir da teoria habermasiana, vislumbra-se que o processo estruturado em perspectiva comparticipativa e policentrica, ancorado nos principios processuais constitucionais, irnp6e urn espac;:o publico no qual se apresentam as condic;:6es comunicativas para aqueles

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PRINCfPIOS PROCESSUAJS CONSTJTUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

De tal modo, o processo do Estado (Constitucional) Demo­cratico de Direito inadmite privilegios cognitivos e/ ou participati­vos (seja do juiz, seja das partes),justamente porque a participa<;:ao de todos os sujeitos processuais em pede igualdade (prindpio da igualdade, prindpio do contradit6rio), consta do rol dos direitos e garantias fundamentais que devem ser observados em todo e qualquer processo estatal e e requisito inafastavel para uma real soberania popular, a:final se o povo ou qualquer urn dos seus (cidadao) nao participa do processo cujo resultado pode afetar sua propria vida, nao ha como se falar em soberania popular.48

Nurn ambiente democratico regido por urna Constitui<;:ao que consagra a cidadania e os direitos fundamentais da pessoa hurnana, nao se admite a existencia de urn sujeito majestoso o su:ficiente para dizer o que e justo ou injusto por si s6, partindo de suas concep­<;:6es unas e pessoais, como se elas fossem as melhores concep<;:6es que se pode ter de urna vida boa e justa (ou as linicas aceitaveis).49

Nao ha este ser especial porque o ser humano nao e urn ser perfeito, magnifi.co, de sabedoria plena, o homem definitivamente

que todos os envolvidos, assumindo a responsabilidade de seu papel, participem na formac;:ao de provimentos legitimos que permitir:i a clari­ficac;:ao discursiva das questoes f:iticas e juridicas [ ... ] Garante-se, desse modo, a cada afetado a exposic;:ao de razoes relevantes para a determi­nac;:ao do tema a ser debatido e julgado endoprocessualmente, dentro de uma linha temporal, de uma fixac;:ao adequada do objeto de discussao e de uma distribuir;:i:io dos papeis a serem desenvolvidos, em um espac;:o publico processual moldado pelos prindpios do modelo constitucional do processo': Ibidem, p. p. 211.

48. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituic;:iio. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

49. Nas palavras de Dierle Nunes, num processo democr:itico "devem-se afastar por completo buscas solitarias na aplicac;:ao do justo e creditar-se as procedimentalidades discursivas a aplicac;:ao normativa dos prindpios constitucionais em visao forte, sem pobreza conteudistica e sem prefixar as condic;:oes de vida boa': NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Juris­dicional Democr:itico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Juru:i, 2008, p. 222.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

nao e uma divindade ( e ainda que fosse, ha de se lembrar que muitas delas sao descritas como extremamente vaidosas e ego­istas50), em que pese alguns magistrados assim se sintam (como se verdadeiros deuses fossem), mas na verdade e urn ser falivel, vaidoso, arrogante muitas vezes, passivel de se in:B.uenciar por todas as paix6es existentes, in:flado de pre-compreens6es da vida.

"Hurnano, demasiado hurnano': como ja dissera NietzscheY Essa e a razao de nao se poder, em hip6tese alguma, deix:ar o con­trole nas maos de urna s6 pessoa ( ou de urn colegiado de pessoas pseudo-privilegiadas), e a razao pela qual o Estado Democratico de Direito nao combina com protagonismos, mas sim com com­participas;ao, policentrismo, pluralidade e corresponsabilidade, exigindo-se a constante participas;ao do cidadao para ter por legitima a atuas;ao estataP2

Nurna perspectiva comparticipativa e policentrica, de corres­ponsabilidade e interdependencia entre os sujeitos processuais, privilegia-se os aspectos positivos dos modelos liberais e sociais de processo, fundando-se urn modelo processual antenado as exigen­cias da cidadania, pautado na soberania popular e na legitimidade democratica dos provimentos jurisdicionais, cujas bases estao assentadas na propria Constituis;ao dos Estados Democraticos de Direito, atraves daquilo que a doutrina habituou-se a chamar de modelo constitucional de processo. Este modelo, ao qual nos dedicaremos com mais a:finco ainda, estrutura-se especialmente nos prindpios processuais constitucionais, agora relidos a luz do constitucionalismo contempora.neo.53

50. Apenas como referenda, as incontaveis passagens descritas de diversos deuses por: BULFINCH, Thomas. 0 livro dam.itologia. Sao Paulo: Martin Claret, 2013.

51. NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. Sao Paulo: Martin Claret, 2007, p. 85.

52. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituiyao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

53. Ibidem, idem.

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PRINCJPIDS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Estes dois modelos processuais (modelo democnitico de process a e modelo constitucional de processo) estao intimamente ligados, sendo que o processo democnitico tern suas balizadas normativas firmadas pelo modelo de processo constitucional­mente instituido, especialmente pelos prindpios processuais constitucionais, notadamente pelo principia do contradit6rio (vetor juridico que regula e fundamenta o discurso processual democratico dos sujeitos processuais).54

Nada obstante, em que pese a previsao constitucional atraves do estabelecimento de prindpios processuais constitucionais de vies democnitico, faz-se necessaria e indispensa.vel que a lei infra­constitucional processual institua procedimentos que assegurem nao SO a participayiiO isonomica de todos OS sujeitos processuais, mas que garantam a efetiva influencia e consideras;ao dos argu­mentos de todos eles na formas;ao dos provimentos jurisdicionais, isto e, que garanta que 0 contradit6rio das partes seja contemplado na decisao do magistrado, seja refutando-os fundamentadamente, seja deferindo-lhes fundamentadamente, pois os argumentos das partes interessadas, bern como a perceps;ao do juiz, devem compor simetrica e conjuntamente a decisao.55 Assim, aquila que as partes produzem durante o processo (procedimento em contradit6rio, como bern conceitua Fazzalari56

) deve ser objeto de enfrentamen­to pelo magistrado em sua decisao, ate porque esse provimento jurisdicional sera direcionado as partes litigantes.

Bern, aqui fica a pergunta: a lei processual brasileira estabe­lece procedimentos democraticos que asseguram a participariio isonomica de todos os sujeitos processuais de forma a garantir efetivamente a influencia e considerarao dos argumentos de todos eles na formariio dos provimentos jurisdicionais? A res-

54. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democnitico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurml., 2008.

55. Ibidem, p. 242.

56. FAZZALARI, Elio. Institui«;oes de Direito Processual. Campinas: Book­seller, 2006.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

posta e sim! Como bern analisara Dierle Nunes,57 ainda no ano 2008 (7 anos antes da publica<;:ao do novo Codigo de Processo Civil), a lei processual brasileira, de urn modo geral (e obvio que havia e ainda ha algumas exce<;:oes legislativas), contempla sim o processo democratico, especialmente, atraves da consagra<;:ao do contraditorio e da fundamenta<;:ao dos provimentos jurisdicionais nos procedimentos legalmente instituidos.

0 grande problema processual nao era ( e continua nao sendo!) de ordem legal, mas sim de indole interpretativa. Ainda que nao se alterasse a legisla<;:ao processual ( e ela acaba de ser alterada de maneira profunda com a substitui<;:ao do CPC/1973 pelo CPC/2015), seria possivel o implemento de urn modelo democratico de processo na pratica, visto que a lei processual, de urn modo geral (seja no processo civil, seja em outros ramos processuais, como no processo penal e no processo administrati­vo ), assegura a observancia do contraditorio das partes e exige que os magistrados decidam de forma fundamentada as demandas jurisdicionais que lhe sao levadas.58

Ademais, a dovtrina processual e, inclusive, a propria juris­prudencia superior, ha anos ja vern interpretando as normas pro­cessuais a luz de uma hermeneutica constitucional democratica, faltando apenas que isso seja implementado na praxis juridica dos foruns e tribunais brasileiros, nos quais ainda (muitas vezes) nos deparamos com juizes deuses que pensam estar num olimpo judiciario, em que sao sujeitos especialissimos e que decidem as demandas conforme sua propria consciencia (moral, religiosa, economica, cultural, juridica, politica etc.) e nao conforme a ordem juridica vigente.59

57. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democratico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008.

58. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democcitico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 246.

59. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituiyao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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PRINC[PIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Nessa linha de raciodnio, Dierle a:firma que "se urn contra­dit6rio dinamico como garantia de in:fluencia fosse assegurado, com base em uma 16gica policentrica e comparticipativa; se os sujeitos processuais soubessem manejar as tecnicas processuais de modo responsavel e interdependente; se se acabasse com a busca tao-somente do protagonismo judicial, da alta produtivi­dade decis6ria e da rapidez procedimental a qualquer preqo; se se parasse de enxergar o processo como urn instrumento tecnico a serviqo do juiz e que se constitui em entrave formal para o cidadao-cliente de serviqos, a democratiza<;:ao se imporia nos discursos de aplicaqao normativa':60

0 processo democratico, conforme assegurado pelo modelo constitucional consagrado nos Estados Democraticos de Direito, institui os fundamentos normativos e os mecanismos procedi­mentais de aplicaqao e controle do proprio direito, estruturan­do-se nos prindpios processuais constitucionais e numa herme­neutica constitucional democratica, afastando-se do estere6tipo de processo como mero instrumento tecnico-formal que deve ser super veloz e dirigido por urn ser privilegiado de saber (uma especie de computador supers6nico operado por uma placa-mae de conhecimento infinito - o juiz).61

Nesse sentido, bern observa Dierle que "resgatar a importan­cia do espaqo publico processual, no qual todos os interessados possam participar do aprimoramento do sistema juridico, pode representar a tentativa de redescoberta da importancia dessa es­trutura normativa contra a indiferenqa e a apatia ( coletiva) politica na qual os cidadaos (clientes nao participantes) estao imersos, e que sao geradas pelo argumento dos 'manipuladores olimpicos do poder' e pelos seus discursos tecnol6gicos de maxima efidcia pra­tica e de diminuta repercussao social (cidada) [ ... ]A necessidade

60. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democnitico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 247.

61. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui<;ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

da procedimentalidade fi.scalizadora e comparticipativa podeni, fi.nalmente, impedir que, sob o argumento ideol6gico de aplicacrao de valores compartilhados, imponha-se a vontade privatista dos manipuladores que, mascarados pelo papel de agente politico, impoem seus pr6prios interesses:'62 Ou seja, processo, em Estado Democnitico de Direito, nao combina com protagonismos, mas sim como isonomia comparticipativa e policentrica dos sujeitos processuais.

Bern, se ja sob a egide do C6digo de Processo Civil de 1973 este modelo democnitico podia ser legalmente identifi.cado, mais ainda, agora, com o Novo C6digo de Processo Civil (NCPC), de 2015, cujas bases normativas fundamentais residem na Consti­tuicrao Cidada de 1988, de indole democratica e humanista, o que alias e reconhecido j:i no artigo 1 o, do novel diploma processual, que assim dispoe: "0 processo civil sera ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituicrao da Republica Federativa do Brasil, observando-se as disposicroes deste C6digo:'

Para alem disso, em diversas passagens, o NCPC assume-se legislativamente como sendo urn c6digo processual democratico. Paz isso quando reconhece e regulamenta os prindpios processu­ais (que serao objeto de an:ilise espedfica), bern como em divers as passagens procedimentais.

Destaque-se que o novel dip lome processual civil, no capitulo das normas fundamentais do processo civil, consagra a compar­ticipacrao, a corresponsabilidade e a isonomia entre os sujeitos processuais em seus art. 6° e 7°, cujas redacroes afi.rmam, respecti­vamente que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razo:ivel, decisao de merito justa e efetiva" e que "e assegurada as partes paridade de tratamento em relacrao ao exerdcio de direitos e faculdades processuais, aos

62. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democratico: uma anilise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurml., 2008, p. 251.

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PRINCfPIOS PROCESSUAJS CONSTITUCIONAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

meios de defesa, aos onus, aos deveres e a aplicas:ao de sans:6es processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contradit6rio:'

Adotando expressamente urn modelo processual compartici­pativo e cooperativo,63 o NCPC imp6e certos deveres cooperati­vos, inerentes ao processo democratico, conforme consagrado na doutrina processualista democratica: a) clever de esclarecimento; b) clever de prevens:ao; c) clever de assistencia ou auxilio.64

0 dever de esclarecimento, como observa Jose Carlos Barbosa Moreira, faz parte do clever de cooperas:ao do magistrado com os litigantes que, "no prop6sito de contribuir com a mitigas:ao das desigualdades substanciais entre as partes, tem-se cogitado conferir ao juiz a faculdade ( ou mesmo o clever) de prestar-lhes informas:6es sobre o onus que lhes incumbem, convidando-as, por exemplo, a esclarecer e complementar suas declaras:6es acerca dos fatos, ou chamando-lhes a atens:ao para a necessidade de comprovar alegas:6es':65 Ademais, como demonstra Fredie Didier, o clever de esclarecimento "consiste no clever de o tribunal se esclarecer junto das partes quanto a duvidas que tenha sobre as suas alegas:6es, pedidos ou posis:6es em juizo, para evitar decis6es tomadas em percep<;:6es equivocadas/apressadas [ ... ] Assim, por exemplo, se o magistrado estiver em duvida sobre o preenchimento de urn requi­sito processual de validade, devera providenciar esclarecimento da parte envolvida, e nao determinar imediatamente a consequencia prevista em lei para esse ilicito processual ( extins:ao do processo, por exemplo). Do mesmo modo, nao deve o magistrado indeferir a peti<;:iio inicial, tendo em vista a obscuridade do pedido ou da causa de pedir, sem antes pedir esclarecimentos ao demandante. Parece que o clever de esclarecimento nao se restringe ao clever de o 6rgao

63. Sobre a cooperayiio: MITIDIERO, Daniel. Colaboras;ao no Processo Civil: pressupostos sociais, 16gicos e eticos. 2.ed. Sao Paulo: RT, 2011.

64. THEODORO JUNIOR, Humberto et al. Novo CPC: fundamentos e sistematizayiio. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 82 e ss.

65. BARBOSA MOREIRA, Jose Carlos. Temas de Direito Processual. 3. serie. Sao Paulo: Saraiva, 1984, p. 52.

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. cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRAT/CD

jurisdicional esclarecer-se junto as partes, mas tambem o clever de esclarecer os seus pr6prios pronunciamentos para as partes. E certo que esse clever decorre do clever de motivar, que e urna das garantias processuais ja consolidadas ao longo da hist6ria. 0 clever de motivar contem, obviamente, o clever de deixar claras as raz6es da decisao':66 Por fun, conste-se que o clever de esclarecimento, encontra-se expressamente consagrado no art. 139, VIII, do NCPC.

Ja o dever de prevenr;:iio imp6e ao magistrado urn clever geral de preven<;:ao, que resurnidamente pode ser descrito como o clever de apontar os defeitos processuais das postula<;:6es das partes, para que possam ser corrigidos. Na praxis, segundo a dou­trina processualista portuguesa, quatro seriam as possibilidades de aplica<;:ao do clever de preven<;:ao: a) saneamento de pedidos obscuros; b) possibilidade de se encontrar exposi<;:6es lacunares sobre fatos relevantes; c) indispensabilidade de adequa<;:ao dos pedidos formulados a situayao de fato e de direito descrita; d) sugestao de determinadas atua<;:6es pelas partes. Nesse sentido, como explica Miguel Teixeira de Sousa, "por exemplo, o tribunal tern o clever de sugerir a especi:fica<;:ao de urn pedido determinado, de solicitar a individualiza<;:ao das parcelas de urn montante que s6 e globalmente indicado, de referir as lacunas na descri<;:ao de urn facto, de se esclarecer sabre se a parte desistiu do depoimento de urna testemunha indicada ou apenas se esqueceu dela e de convidar a parte a provocar a interven<;:ao de urn terceiro"Y No ambito do NCPC, pode-se exemplificar o clever de preven<;:ao com o disposto no art. 321 do novel dispositivo processual civil, que assim assevera: "0 juiz, ao veri:ficar que a peti<;:ao inicial nao preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de merito, determinara que 0 autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a

66. DIDIER, Fredie. Fundamentos do principia da cooperac;:ao no direito processual civil portugues. Coimbra: Coimbra, 2010.

67. SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2.ed. Lisboa: Lex, 1997, p. 66.

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

emende ou a complete, indicando com precisao o que deve ser corrigido ou completado:'

Por sua vez, o dever de assistencia ou aux£lio, segundo o qual, nas palavras de Didier, "o tribunal tern o clever de auxiliar as partes na superas:ao das eventuais dificuldades que impe<;:am 0 exerdcio de direitos ou faculdades ou 0 curnprimento de onus ou deveres processuais. Cabe ao juiz providenciar, sempre que possivel, a remos:ao de obstaculo':68 Esse clever, ao que nos parece, estano nucleo fundamental daquilo que disp6e o art. 6° do NCPC.

Destaque-se ainda, nalinhagem processual democratica (poli­centrica, comparticipativa, de corresponsabilidade e isonomia entre os sujeitos processuais), que nos arts. 9°, 10 e 11, o NCPC busca assegurar que as partes litigantes nao sejam objeto da vontade una do magistrado, afastando a legalidade das decis6es, quando nao se oportunize as partes a possibilidade de se manifestarem, quando se decida com base em fundamentos sob os quais que as partes nao tiveram oportunidade de se manifestar, ou ainda impondo o clever de fundamentas:ao e publicidade as decis6es judiciais.69

Por fun, o NCPC trata-se evidentemente de urn diploma normativo legal e procedimentalmente muito mais democratico que 0 antigo c6digo processual ( 0 que e urn avans:o e nao deixa de ser importante). Contudo, como ja observado, o problema ( o deficit democratico e constitucional) do processo brasileiro, nao e urn problema de ordem legal, mas sim de indole interpre­tativa. A questao e hermeneutical Nao basta legislar e positivar procedimentos mais democraticos. E preciso que magistrados, advogados, promotores e demais juristas interpretem as normas processuais democraticamente a luz da Constitui<;:ao, assegu­rando-se efetivamente o policentrismo, a comparticipa<;:ao e a isonomia entre os sujeitos processuais ao longo do processo.

68. DIDIER, Fredie. Fundamentos do principio da coopera<;ao no direito processual civil portugues. Coimbra: Coimbra, 2010.

69. Fundamenta<;:ao e publicidade das decis6es judiciais serao objeto de an:ilise separada.

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cap. I • 0 PRDCESSD DEMOCRATICO

13. Processo, democracia e cidadania A cidadania, consagrada como fundamento basilar do Estado

Democnitico de Direito e positivada no inciso II do art. 1 o da Constitui<;:iio da Republica Federativa do Brasil, exige do Estado, em todas as suas acep<;:6es e instancias, bern como em todos os de­lineamentos de seus Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciario), que seja garantido ao cidadao o direito efetivo de participa<;:iio70

Nessa perspectiva, Thomas H. Marshall (talvez o mais impor­tante te6rico da cidadania nas Ultimas decadas), citado por Enzo Bello, identi:ficou a cidadania, sob a 6tica ideol6gica da social democracia, como sendo a corporifica<;:iio da ideia de seguridade social enquanto "rede de prote<;:iio que obriga o estado a assumir a responsabilidade pelos rumos da sociedade e, consequentemente, a compensar as desigualdades geradas pelo mercado na aloca<;:iio de recursos e distribui<;:iio de riquezas':71

A leitura de Marshall possibilitou a amplia<;:iio do conceito de cidadania, sobretudo, atraves do significativo alargamento do seu rol de direitos e da expansao do rol de sujeitos detentores do status de cidadao. Nesse sentido, Marshall refutou o modelo liberal restrito de cidadania, identificando uma amplifica<;:iio, cronologicamente perceptivel, dos direitos inerentes a ela, de modo a reconhecer

70. Ao analisar o referido dispositive constitucional (art 1 o, II, CF/1988), Jose Manso da Silva afirma que "a cidadania esta aqui num sentido mais amplo do que o de titular de direitos politicos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento do individuo como pessoa integrada na socie­dade estatal (art. so, LXXVII). Significa ai, tambem, que o funcionamento do Estado estara submetido a vontade popular. E ai o termo conexiona-se com o conceito de soberania popular (paragrafo Unico do art. 1 °), com os direitos politicos (art. 14) e como conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), com os objetivos da educas:i[o (art 205), como base e meta essencial do regime democratico'~ SILVA. Jose Manso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 104-105.

71. BELLO, Enzo. Cidadania e Direitos Sociais no Brasil: urn enfoque politico e social. In: SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coord.). Direitos Sociais: fundamentos, judicializat;:iio e direitos sociais em especies. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 180-181.

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PRINCfPIOS PRDCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodriguss dos Santos

todos eles, isto e, OS direitos civis (sec XVIII), OS direitos politicos (sec XIX) e os direitos socials (sec. XX). Ainda segundo Marshall, e responsabilidade dos tribunals, dos corpos representativos, dos servi<;:os socials e das escolas efetivar os direitos de cidadania.72

No que se refere aos 6rgaos ou entidades responsaveis pela efetiva<;:ao dos direitos de cidadania apontados por Marshall e citados acima, percebe-se a necessidade da amplia<;:ao do rol por ele elaborado (a nosso ver exempli:ficativo) em face do paradig­ma do Estado Democratico de Direito, em especial o brasileiro (estruturado pela Carta Cidada de 1988). Nessa linha, o dever de efetiva<;:ao dos direitos de cidadania deve ser de todos os 6rgaos e entidades do Estado, em todas as suas instancias e poderes, assim como dos 6rgaos representativos nao governamentals, dos servi<;:os socials, das escolas e da sociedade civil organizada.

Nessa linha de raciodnio, Jose Monso da Silva explica que a cidadania "quali:fica OS participantes da vida do Estado, e atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo politico de­corrente do direito de participar no govern a e direito de ser ouvido pela representa<;:ao politica'?3 Por sua vez, J.M. Barbalet aiinna que a "cidadania pode ser descrita como participa<;:ao numa comunidade ou como qualidade de membra dela':74 J:i Eduardo Camhi demons­tra que, atualmente, o status de cidadao envolve as mals variadas formas de participa<;:ao cidada no ambito estatal, exigindo que 0

Estado garanta esta participa<;:ao a todos, pois "os cidadaos sao atores politicos autonomos de uma comunidade de pessoas livres e iguals': garantindo-se a propria existencia do Estado pela prote<;:ao "de um processo inclusivo de forma~ao de opiniao e vontade':75

72. Ibidem, idem.

73. SILVA. Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 345-346.

74. BARBALET, J.M. A cidadania. Lisboa: Estampa, 1989, p. 12.

75. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direi­tos fundamentais, politicas publicas e protagonismo judiciano. 2.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.367.

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cap. I • 0 PROCESSO OEMOCRATICO

0 cidadao, no Estado Democnitico de Direito, consiste na figura central, trata-se de sujeito ativo da atividade estatal, nao podendo ser excluido do processo de tomada de decis6es, pois e ele o maior interessado na gerencia do Estado. Ademais, e justamente a partici­pacrao cidada que legitima a a<;:ao estatal, pois to do poder emana do povo (soberania popular). Isso aplica-se a todos os campos estatais, inclusive o judiciano, o que impede que cidadao seja excluido e/ou ignorado das rela<;:6es processuais das quais seja parte ou das quais possa vir a sofrer os efeitos, devendo sempre ter seus direitos e garan­tias fundamentais preservados na dialetica processual, especialmente o de participar do processo de forma<;:ao do provimento judicial?6

A imbrica<;:ao entre processo e democracia esta diretamente ligada a manuten<;:ao da ordem constitucional democratica e ao respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadao, pois o processo consiste num instrumento de legitima<;:ao democratica das delibera<;:6es estatais, a partir do momento em que o cidadao pode verdadeiramente in:fluenciar a forma<;:ao dessas delibera<;:6es, pois sob qualquer angulo que se analise, e indispensavel a demo­cracia a compreensao do processo como legitimo instrumento de participa<;:ao cidada. Como afirma Egon Bockmann, "e paci:fi.co que o cidadao tern o direito democratico de participar ativamente da forma<;:ao das decis6es administrativas do Estado, especialmente aquelas que incidirao sobre seus interesses (diretos ou indiretos):'77

No paradigma do Estado Democratico de Direito, alegitimidade das a<;:6es estatais esta diretamente ligada a ampla participac;:ao dos ci­dadaos no processo de forma<;:ao das decis6es politicas fundamentais das quais resultam essas a<;:6es. Neste sentido, o processo (em razao de sua estrutura dialetica) atua como mecanismo legitimo a assegurar a participa<;:ao dos cidadaos nas decis6es do Estado (em todos os poderes), vez que na democracia do Estado de Direito, os cidadaos

76. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituic;ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

77. MOREIRA, Egan Bockmann. Processo Administrativo: principios cons­titucionais e a Lei 9.784/1999. 4.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 85.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

tern o direito de partidpar do processo de formayao, interpretas:ao e aplicas:ao das leis as quais se submetem, conforme consagrado nao so pelos principios fundamentais do Estado Democnitico de Direito e da Cidadania, mas tambem pelos direitos e garantias fundamentais de ordem processual democratica, especialmente pelos prindpios do devido processo legal (garantia de previsao legal de urn modelo processual que assegure a participas:ao nos moldes constitucionais do processo ), do contradit6rio (garantia de participas:ao no processo e consideras:ao dos argumentos e provas trazidos pelas partes pelo juiz) e do acesso a justi<;:a (garantia de acesso real ao provimento jurisdicional, dentro de urn prazo razoavel, e com mecanismos que assegurem igualdade entre as partes e facilitem o acesso dos vulne­raveis e dos economicamente desfavorecidos).78

Como nos lembra Luiz Guilherme Marinoni, "o processo nao pode servisto apenas como rela<;:ao juridica, mas sim como algo que tern fins de grande relevancia para a democracia': o processo deve ser legitimo, em sentido amplo, o que com preen de, simultaneamen­te, aos seguintes desdobramentos: a) o processo deve ser legitimo, em sentido estrito, isto e, adequado a tutela dos direitos, sobretudo, dos direitos fundamentais; b) o processo deve legitimar atraves da ampla participa<;:ao; e c) o processo deve produzir urna decisao legitima (pautadano contradit6rio das partes).79 Nesse sentido, "por ser urn instrumento atraves do qual o Estado exerce o poder-dever de dar prote<;:ao jurisdicional aos direitos, nao ha como esquecer a sua dimensao de legitimidade democratica': pois este poder estatal de proteger os direitos, necessariamente, tern de ser desempenhado democratica e legitimamente, 0 que se da atraves da abertura a participas:ao, especialmente do cidadao jurisdicionado que e parte no processo ou que pode vir a sofrer os efeitos de seu provimento final. 80 Mais ainda, no processo democratico, o poder deve prestar

78. Ibidem, idem.

79. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v.l, p. 401.

80. Ibidem, p. 405.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRATICO

conta aos litigantes, o cidadao jurisdicionado tern o direito de ver seus argumentos contemplados de maneira fundamentada na deci­sao do juiz, seja para nega-los, seja para prove-los, assim inegavel se faz, segundo Marinoni, reconhecer urn a proeminencia democratica do prindpio do contraditorio, como mecanismo tecnico juridico habil a possibilitar a ampla participac;:ao do cidadao no processo jurisdicional, complementada pelos prindpios da publicidade dos atos jurisdicionais e da fundamentac;:ao das decis6es.81

Ademais, explica Eduardo Cambi que a ampla participac;:ao dos cidadaos na discussao das tematicas publicas, possibilitada pelo processo, consiste em relevante instrumento republicano de promoc;:ao da democracia, pois "o exerdcio da cidadania esta, diretamente, ligado ao controle do poder publico, por intermedio de mecanismos seguros, independentes e efetivos, vale dizer, de 'nao dominac;:ao: de participac;:ao': 82 N esse senti do, no ambito juris­dicional, destaque-se tres :figuras consagradoras da participac;:ao cidada que, ap6s a promulgac;:ao da Constituic;:ao de 1988, tern se tornado, cada vez mais, instrumentos de grande relevancia na promoc;:ao da cidadania e da democracia: as ac;:oes coletivas;83 a

81. Ibidem, p. 407.

82. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direi­tos fundamentais, politicas publicas e protagonismo judiciano. 2.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.373.

83. Chamadas por Cambi de instrumentos privilegiados da participar;flo politica e do exerdcio permanente da cidadania, voltados a transformar;i.io social emancipat6ria, as ac;:oes coletivas emergem como valorosos mecanismos democniticos, pois segundo ele, "por intermedio da via ou do conduto das ac;:oes coletivas, a jurisdic;:ao se to rna urn local que acolhe a participar;i.io (v.g., pela ac;:ao popular permite-se que o povo participe do poder, apontando os desvios na gestao publica), o que viabiliza a realizac;:ao de uma prestac;:ao estatal imprescindivel aos direitos fundamentais. As ac;:oes coletivas confe­rem urn plus a func;:ao jurisdicional, porque permitem naci somente que o judicimo tutele direitos coletivos, mas tambem que a jurisdic;:ao tome o seu lugar de efetivar;i.io da democracia, que necessita de tecnicas e participac;:ao 'direta para poder construir uma sociedade mais justa: Ibidem, p. 374. Atualmente, as ac;:oes coletivas, cada vez mais, sao objetos de estudos dos grandes pesquisadores do Direito, tamanha sua importancia. Dentre eles,

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PRINCfPIDS PROCESSUAJS CONSTITUCIONAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

fi.gura do amicus curiae84 e as audiencias publicas85, fi.guras que

possibilitam uma participac;:ao mais ampla por parte da socieda­de nas discuss6es mais relevantes levadas a apreciac;:ao do poder judiciario. Em arremate, nas palavras de Cambi, ''a democracia exige deliberafi5es comuns e, por isto, pressupoe a existencia de espafOS publicos abertos que permitam que pessoas e grupos pas­sam discutir questoes juridicas socialmente relevantes. Promo­ver 0 dia[ogo niio e acirrar disputas, mas incentivar a obtenfiiO de argumentos racionais que possam conduzir aos consensos necessarios a ejetiVafiiO das resolUfOes que melhor atendam OS interesses comunitarios e individuais de cada cidadiio".86

A cidadania e fundamento basilar da democracia e, ao mesmo tempo, exigencia de participac;:ao do cidadao nas decis6es estatais, que

o professor Camilo Zufelato, recentemente publicou obra espedfica, na qual, em razao do sucesso e relevancia das ac;:6es coletivas, ja afirma que "ao fenomeno juridico denominado tutela jurisdicional coletiva nao se pode mais atribuir o qualificativo novo. Apesar dos poucos anos de vigencia dos instrumentos processuais em defesa de direitos transindividuais, a tutela coletiva nao e mais novidade. Sua recepc;:ao na ciencia juridica patria foi tao intensa e proficua que se arraigou de forma indelevel, consolidada e fortalecida na teoria e na pratica, constituindo talvez a experiencia juridica mais bem-sucedida e promissora do processo civil brasileiro recente': ZU­FELATO, Camilo. CoisaJulgada Coletiva. Sao Paulo: Saraiva, 2011, p. 48.

84. Como ensina Cambi, "a figura do amicus curiae e corolario do escopo po­litico da jurisdic;:ao. Decorre do pluralismo juridico e e desdobramento do Estado Democratico de Direito. E manifestac;:ao de cidadania processual, porque permite a participac;:ao de seguirnentos diferentes da sociedade na formac;:iio da decisao judicial': CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direitos fundamentais, politicas publicas e prota­gonismo judiciario. 2.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 376.

85. De acordo com as lic;:6es de Eduardo Cambi, as audiencias publicas consistem num meio efetivo e democnitico de participac;:ao e influencia diretas nas decis6es jurisdicionais. Segundo ele, as audiencias publicas tern alcance bastante amplo, "podendo servir para a discussao de criterios para que o judiciario decida quest6es cientfficas complexas e socialmente relevantes': assirn como para os entes legitirnados a propositura das ac;:6es coletivas embasarem e promoverem tais ac;:6es etc. Ibidem, p.378.

86. Ibidem, p. 380.

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cap. I • 0 PROCESSO DEMOCRAT/CO

se materializa mediante o direito garantia ao processo (instrumento constitucionalrnente instituido para assegurar, fi.scalizar e reivindi­car os direitos postos na propria Constituic;:ao).87 Ou, nas palavras de Dierle Nunes, "o processo corporifica urn instituto legitimante e estruturador da participac;:ao cidada e da propria democracia':ss

Tal relac;:ao, como ja exposto, do ponto de vista processual, passa por urna releitura democratico-cidada do prindpio do contraditorio. Nessa perspectiva, como explicaElio Fazzalari, o contraditorio deriva do prindpio juridico da audic;:ao do cidadao interessado, de fonte austriaca, originalrnente chamado de ParteienghOr. Hodiemamente, o prindpio do contraditorio liga-se diretamente a ideia de processo, vez que este seria urn procedimento em contraditorio, o que significa dizer que o processo consiste em urn procedimento (atos legalrnente pre-estabelecidos, devido processo legal, que estejam de acordo com o modelo constitucional de processo - devido processo constitucio­nal) em contraditorio, isto e, que possibilite urna participac;:ao ampla e efetiva de todos os interessados na causa (participayao do cidadao interessado). Mais ainda, o magistrado, no processo jurisdicional ( ou 0 decisor em qualquer processo) esta vinculado aqu:ilo que fora produzido pelo contraditorio das partes, devendo sua decisao en:frentar todo o produto resultante do contraditorio, de modo que 0 juiz "pode desatender, mas nao ignorar':89

Em arremate, pode-se dizer que o processo democratico estru­tura-se atraves da comparticipayao e do policentrismo, o que implica dizer que o processo democratico, pautado no modelo Unico de pro­cesso estruturado pela Constituic;:ao, sobretudo, atraves de prindpios juridico-processuais (garantias fundamentais destinadas a proteyao dos direitos fundamentais individuais e coletivos do cidadao, bern

87. DIAS, Ronalda Bretas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Deroocratico de Direito. Belo Horizonte: Del Rey; 2010.

88. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional Deroocritico: urna analise critica das reforroas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 209.

89. FAZZALARI, Elio. Instituic;:oes deDireito Processual. Caropinas: Book­seller, 2006, p. 120.

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PRINCfPJOS PROCESSUAJS CONSTJTUCJONAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

como da preservac;:ao da ordem juridica e da paz social), submete-se a participac;:ao isonomica (igualdade material e nao simplesmente igualdade formal) de todos os cidadaos interessados no provimento jurisdicional, atraves dos institutos e procedimentos legalmente pre-estabelecidos ( devido processo legal) para tanto, no qual nao M hierarquia entre os sujeitos processuais, isto e, entre o decisor e as partes, mas sim uma harmonica simetria (paridade) na busca do provimento final, que deve ser legitimo e justo (conforme o Direito). Tudo isso se harmoniza perfeitamente com o prindpio da Cidadania (art. 1°, II, da CF/88) e do Estado Democratico·de Direito (art 1°, caput, da CF/88), cuja base fundamental e a soberania do povo (art. l 0 , paragrafo Unico, da CF/88) e dos direitos e garantias fundamentais dos cidadaos (Titulo II da CF/88 mais disposic;:6es esparsas).90

Por :fim, o processo do Estado Democratico de Direito reve­la-se como autentico instrumento de participac;:ao do cidadao, em duplo sentido: participa~ao no processo (atraves do contraditorio das partes envolvidas, que levam ao processo sua opiniao, suas provas, suas posic;:6es sobre os fatos eo direito etc., devendo elas serem contempladas fundamentadamente pela decisao do julga­dor, seja para afasta-las, seja para contempl<i-las) e participa~ao pelo processo (atraves do processo vislumbra-se uma participac;:ao politico-juridica a luz do prindpio democratico, fazendo-se ouvir as vozes dos cidadaos, especialmente nas demandas, individuais e/ou coletivas, que estejam envolvidos ou que sejam interessados, sobretudo em tempos de judicializac;:ao da politica).91

90. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democratico: uma anilise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008.

91. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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0 MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO

Conforme identificado pela melhor doutrina processualista

patria e estrangeira, existe urn modelo processual estabelecido

na Constituic;:ao que serve como base para todos os ramos do

direito processual, nao podendo ser ignorado e, muito menos, afrontado, em face do principia da supremacia da Constituic;:ao. Este modelo unico de processo estabelecido pela Constituir;:iio e

conhecido como Modelo Constitucional de Processo.

Deste modo, to doe qualquer estudo que se refira a materia

processual deve partir deste "modelo'~ que se encontra sedimen­tado, sobretudo, nas garantias fundamentais processuais (quase

sempre positivadas em forma de prindpios juddicos). Assim,

antes de analisarmos os prindpios processuais constitucionais

em especie, nos dedicaremos a compreender as bases normativas

que os sustentam.

1. A CONSTITUCIONALIZA~AO DOS DIREITOS

0 Direito, como urn todo, passa atualmente por urn pro­cesso de constitucionalizac;:ao, isto e, por urn processo de ade­

quac;:ao a Constituic;:ao. Urn processo que nao e exclusividade do sistema juddico brasileiro, mas que se desenvolve, de urn

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

modo geral, nos Estados Democniticos de Direito do mundo ocidental contemporaneo.

Fruto do Neoconstitucionalismo\ esse movimento inspira­-se, sobretudo, na supremacia da Constituic;:ao e na consequente necessidade de amoldamento do restante do ordenamento juri­dico a ordem juridica estabelecida pela Carta Maior, superando assim a preterita visao de que a Constituic;:ao seria urn mero do­cumento politico procedimental que estabeleceria apenas metas

1. Como explica Daniel Sarmento, o termo Neoconstitucionalismo ainda nao esta rigidamente definido, possuindo algumas varia'f6es, entretanto pode-se conceitua-lo como "urn novo paradigma tanto na teoria juridica quanto na pratica dos tribunals" que, de modo geral, envolve "varios fenomenos diferentes, mas reciprocamente implicados, que podem ser assim sintetizados: (a) reconhecimento da for'fa normativa dos prind­pios juridicos e valoriza'faO da sua importancia no processo de aplica'faO do Direito; (b) rejei'faO ao formalismo e recurso mais frequente a meto­dos ou 'estilos' mais abertos de raciodnio juridico: pondera'faO, t6pica, teorias da argurnenta'faO etc.; (c) constitucionaliza'fao do Direito, com irradia'faO das noras e val ores constitucionais, so bretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; (d) reaproxima'faO entre o Direito e a Moral, com a penetra'faO cada vez maior da Filosofia nos debates juridicos; e (e) judicializa'faO da politica e das rela'f6es sociais, com urn significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciario SARMEN­TO, Daniel. 0 Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e possibilidades. In: SARMENTO, Daniel (coord.). Filoso:fia e Teoria Constitucional Contemporiinea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 113-114. Por sua vez, Max Moller afirma que o Neoconstitucionalismo possui sete caracteristicas comuns a maior parte das defini'f6es tra'fadas pela dou­trina, sendo elas: a) rigidez constitucional; b) garantia jurisdicional da Constitui'fao; c) for'fa vinculante da Constitui'fao; d) sobreinterpreta'f5.0 da Constitui'faO (implica dizer que toda materia nao regrada, isto e, toda lacuna, encontra na Constituiyao urn minimo de regula'faO em face da sistematica constitucional); e) aplicayao direta das normas constitucio­nais; f) interpreta'faO conforme a lei (compreendendo a interpretayao conforme a Constituiyao e a interpretayao conforme o ordenamento legal, isto e, infraconstitucional que sao complementares); g) influen­cia da Constituiyao sobre as relay6es politicas. MOLLER, Max. Teoria Geral do Neoconstitucionalismo: bases te6ricas do constitucionalismo contemporaneo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

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cap. II • 0 MDOELD CONSTITUCIDNAL DE PRDCESSO

para o Estado de Direito, como acreditavam, por exemplo, Carl Schmitf e Ferdinand Lassalle3

Na seara deste pensamento, Luis Roberto Barroso ensina que o Neoconstitucionalismo eo consequente processo de constitu­cionalizas:ao dos direitos possuem tres marcos fundamentais, que se dividem em i) hist6rico; ii) filos6fico; e iii) te6rico.4

0 marco hist6rico consiste no constitucionalismo do p6s­-guerra, isto e, no desenvolvimento das Constitui<;:6es garantistas da ultima metade do seculo passado, no Brasil representado pela Constituis:ao de 1988. 0 marco filos6fico consiste na superas:ao do modelo positivista do direito pelo p6s-positivismo juridico,5

sobretudo no que concerne ao reconhecimento da normativida­de dos prindpios.6 0 marco te6rico divide-se em tres grandes transformas:oes que, em conjunto, possibilitaram a adequas:ao do conhecimento convencional ao Direito Constitucional: a) o reconhecimento da for<;:a normativa da Constitui<;:ao, ideia di-

2. Nesse sentido, afirma Carl Schmitt que "a Constituic;:ao escrita do Estado legiferante parlamentar deve restringir-se fundamentalmente a regula­mentos organizacionais e juridicos processuais. SCHMITT, Carl. Legali­dade e Legitimidade. Bela Horizonte: Del Rey, 2007, p. 26.

3. LASSALLE, Ferdinand. A essencia da Constituic;:ao. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 200 1.

4. BARROSO, Luis Roberto. Neo Constitucionalismo e constitucionalizac;:ao do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 384, p. 71-104, mar/abr, 2006.

5. DOS SANTOS, Eduardo Rodrigues. 0 p6s-positivismo juridico e a normatividade dos prindpios. Bela Horizonte: D'placido, 2014.

6. Nesse sentido, Dalmo de Abreu Dallari afirma que "uma das mais importantes inovac;:6es introduzidas pelo neoconstitucionalismo foi o reconhecimento da natureza juridica dos prindpios referidos expressa­mente ou implicitos no texto constitucional, igualando-os, em termos de efi.cacia e imediata exigibilidade, as normas constitucionais'; de modo que os prindpios juridicos constitucionais deixaram de ser tratados como "recomendac;:6es ou sugest6es" e passaram a ser "obrigat6rios e exigiveis por meios juridicos': DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituic;:ao na vida dos povos: da Idade Media ao seculo XXI. Sao Paulo: Saraiva, 2010, p. 320-321.

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PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

fundida por diversos autores do p6s-guerra, dentre eles Konrad Hesse;7 b) a expansao ( ampliac;:ao) da jurisdic;:ao constitucional;8

e c) o desenvolvimento de uma nova dogmatica de interpretac;:ao constitucional pautada, sobretudo, em prindpios instrumentais trazidos pela propria Constituic;:ao.9

For sua vez, Luis Prieto Sanchis ensina que o processo de constitucionalizac;:ao dos direitos se desenvolve, sobretudo, nas Constituic;:oes que conjugam duas caracteristicas fundamentais: a materialidade e o garantismo. De modo que ele as chama de Constituciones materiales y garantizadas.10

Para Prieto, material e a Constituic;:ao que "presenta un denso contenido sustantivo formado par normas de diferente denominaci6n (valores, principios, derechos o directrices) pero de un identico sentido, que es decirle al poder no solo c6mo ha de organizarse y adoptar sus decisiones, sino tambien que es lo que puede e incluso, a veces, que es lo que debe decidir". 11 -

12

Ja Constituic;:ao garantizada significa que "como ocurre con cualquier otra norma primaria, su protecci6n o efectividad se encomienda a los jueces; o si se prefiere, que en el sistema existen normas secundarias, de organizaci6n y procedimiento,

7. HESSE, Konrad. A fon;anormativa da Constituis:io. Porto Alegre; Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

8. BARROSO, Luis Roberto. 0 controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Sao Paulo: Saraiva, 2012.

9. BARROSO, Luis Roberto. Interpretac;:ao e aplicac;:ao da Constituic;:ao. 7. ed. Sao Paulo: Saraiva, 2009.

10. Constituic;:6es materiais e garantidas (traduc;:ao livre).

11. Apresenta urn denso conteudo material composto de normas de diferentes denominac;:oes (valores, prindpios, direitos ou diretrizes), entretanto de identico sentido, que e dizer ao poder niio s6 como se organizar e tomar as suas decis6es, mas tambem o que e que pode e inclusive, as vezes, o que e que deve decidir (traduc;:ao livre).

12. SANCHfS, Luis Prieto. El Constitucionalismo de los Derechos. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, n. 15, jul/set, 2009, p. 4.

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cap. II • 0 MOOELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO

destinadas a depurar o sancionar la infracci6n de las normas sustantivas o relativas a derechos". 13- 14

As Constituciones materiales y garantizadas de Prieto sao, majoritariamente, como o proprio autor observa, as Constitui­<;:6es dos Estado Democniticos de Direito que se desenvolveram a partir da segunda metade do seculo passado e que possibilitaram a compreensao da Constitui<;:iio, simultaneamente, como garantia e como norma diretiva fundamental. 15

A constitucionalizar;iio do direito, assim, esta ligada direta­mente a expansao normativa constitucional cujo conteudo mate­rial e valorativo se irradia por todo o ordenamento. Por sua vez, os valores, os fins publicos e os comportamentos contemplados pelas normas constitucionais passam a condicionar a validade das normas de todo o ordenamento infraconstitucional. Como consequencia, a constitucionalizas:ao reflete sobre a atua<;:iio dos tres poderes e das rela<;:6es privadas, influenciando diretamente em suas decis6es, que jamais poderao contrariar ou, ate mesmo, deixar de cumprir com as determina<;:6es constantes da Consti­tui<;:iio.16

Nada obstante, advirta-se que existe uma linha muito tenue entre a constitucionalizas:ao do direito e a banalizar;iio do direi­to constitucional, especialmente no que diz respeito a tematica dos direitos e garantias fundamentais. E aqui vale lembrar que quando tudo se torna uma mesma coisa, entao nada e esta coisa,

13. Como ocorre com qualquer outra norma primaria, sua protes:ao ou a efi.d.cia esta confi.ada aos juizes, ou se se preferir, que no sistema e.xistem normas secundarias, de organizas:ao e procedimento, destinadas a depurar ou sancionar a violayao das normas substantivas ou relativas a direitos ( tradus:ao livre).

14. SANCHiS, Luis Prieto. El Constitucionalismo de los Derechos. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, n. 15, jul/set, 2009, p. 4.

15. Ibidem, idem.

16. BARROSO, Luis Roberto. Neo Constitucionalismo e constitucionalizas:ao do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 384, p. 71-104, mar/abr, 2006.

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ou melhor, quando tudo e direito fundamental, entao nada e direito fundamental, pois a fundamentalidade ( essa qualidade especial atribuida a urn direito reconhecendo-o como essencial a vida digna da pessoa humana em uma dada sociedade) perde sua razao de ser. 17

Ademais, como observa Leonardo Martins, "a forc;:a norma­tiva da Constituic;:ao reside em sua capacidade de ser uma pla­taforma normativo-refl.exiva. Para tanto, a autonomia do direito privado ( e, consequentemente, a do proprio legislador, que esta atras do direito privado) e essencial. 'Constitucionalizar' todo o ordenamento e, portanto, juridicizar a politica, comprometendo toda sua autonomia sistemica, vale dizer, o cumprimento de sua func;:ao prevista justamente na Constituic;:ao. Comprometer essa diferenc;:a signi:fica, paradoxalmente, comprometer a propria razao de ser do direito constitucional".18

Nesse sentido, como explica Luis Roberto Barroso, "nao deve passar despercebido o fato de que a constitucionalizac;:ao exacerbada pode trazer consequencias negativas': tais como o esvaziamento do poder das maiorias e o decisionismo judicial, de modo que, "nao se deve alargar alem do limite razoavel a consti­tucionalizac;:ao por via interpretativa, 19 sob pena de se embarac;:ar,

17. BORGES, Alexandre Walmott; DOS SANTOS, Eduardo Rodrigues; MA­RINHO, Sergio Augusto. 0 Estatuto do Idoso: analise dos direitos fun­damentais da lei em rela<;:ao aos direitos fundamentais constitucionais. In: CORDEIRO, Carlos Jose; GOMES, Josiane Araujo (coord.). Temas Contemporaneos de Direito das Familias. Sao Paulo: Pilares, 2013, p. 271.

18. MARTINS, Leonardo. Direito Processual Constitucional A!emao. Sao Paulo: Atlas, 2011, p. 78.

19. Nessa perspectiva, Luis Roberto Barroso adverte que "o uso abusive da discricionariedade judicial na solu<;:ao de casos di:ffceis pode ser extrema­mente problematico para a tutela de valores como seguran<;:a e justi<;:a, alem de poder comprometer a legitimidade democratica da fun<;:ao judicial. Prindpios como dignidade da pessoa humana, razoabilidade e solidariedade nao sao cheques em branco para o exerdcio de escolhas pessoais e idiossincraticas. Os parametres da atua<;:iio judicial, mesmo

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cap. II • 0 MDOELD CONSTITUCIONAL DE PRDCESSO

pelo excesso de rigidez, o governo damaioria, componente impor­tante do Estado democratico'~ ate mesmo porque "a Constituic;:ao nao pode pretender ocupar to do o espas;o jurfdico em urn Estado democnitico de direito".20

Em arremate, pode-se a:fi.rmar que a constitucionalizas;ao dos direitos se irradia por todos os ramos juridicos, devendo eles se adequarem a Constituis;ao, vez que ela consiste no fun­damento de validade de todas as normas juridicas vigentes no Estado Democratico de Direito. Contudo nao se pode olvidar da temeraria banalizas;ao do direito constitucional, sobretudo, dos direitos fundamentais em face do seu uso indiscriminado e desprovido de parametros pertinentes, isto e, nao se pode deixar levar pelo climax do momento de constitucionalizas;ao e passar a se a:fi.rmar que tudo e direito constitucional, ou pior, que tudo e direito fundamental, como fazem alguns mais "entusiasmados". Enfim, a Constituis;ao tras;a as normas fundamentais, mas nao dita todas as normas, pois se assim fosse nao precisariamos de C6digos, Leis, Decretos etc. A valorizas;ao da Constituis;ao, nao diminui a relevancia da legislas;ao infraconstitucional, inclusive, para sua propria regulamentas;ao, aplicas;ao e efetivas;ao.

Z. BREVE DELINEAMENTO DA INCURSAO HISTORICA DO MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO

0 direito processual nao e diferente dos demais ramos do direito, devendo, por isso, se amoldar a ordem constitucional para que seja considerado valido ( compatibilidade vertical de normas),

quando colhidos fora do sistema estritamente normative, devem corres­ponder ao sentimento social e estar sujeitos a urn controle intersubjetivo de racionalidade e legitimidade': BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporaneo: os conceitos fundamentais e a construr;:ao do novo modelo. 2.ed. Sao Paulo: Saraiva, 2010, p. 393.

20. BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contempo­raneo: os conceitos fundamentais e a construr;:ao do novo modelo. 2.ed. Sao Paulo: Saraiva, 2010, p. 392-393.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

ou seja, ele tambem, inevitavelmente, passa pelo processo de constitucionaliza<;:ao.

Em razao disso, emerge na ciencia processual contemporanea aquilo que a doutrina vern chamando de modelo constitucional de processo, desenvolvido sob a egide das Cartas Constitucionais Modernas, sobretudo, daquelas promulgadas na Ultima metade do seculo passado.

Entretanto, apesar do modelo constitucional de processo ter se desenvolvido, predominantemente, ap6s a promulga<;:ao das Constitui<;:6es democniticas de que falamos, suas raizes datam de momentos hist6ricos mais antigos, sobretudo da emancipa<;:ao do direito processualY

Como explica Willis Santiago Guerra Filho, essa emancipa­<;:ao da ciencia processual ocorreu no Ultimo quartel do sec. XIX, quando "autores da fase tardia do pandectismo alemao" procla­maram a "autonomia da ciencia processual e de sua categoria fundamental, o processo':22 Entretanto, entre o primeiro passo ( emancipa<;:ao do Direito processual) e o desenvolvimento de urn modelo geral de processo com base na Constitui<;:ao existe urna diferen<;:a de mais de urn seculo que, apesar de passar por alguns movimentos processuais (liberalismo processual, socialis­mo processual etc.), substancialmente pouco alterou, enx:ergando o processo como "mero instrurnento da jurisdi<;:ao':23

Ao final desse periodo, porem, a humanidade vivenciou urn de seus momentos mais catastr6ficos: a Segunda Guerra Mundial. Este mom en to hist6rico foi urn campo fertil, no qual floresceram os piores atentados contra a humanidade, o nazismo foi o pior deles, entretanto nao se poderia olvidar dos atentados estadunidenses

21. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

22. GUERRA FILHO. Willis Santiago. Teoria Processual da Constituis:iio. 3.ed. Sao Paulo: RCS, 2007, p. 13.

23. NUNES, Diede Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democratico: uma analise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008.

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contra o povo japones, lans;ando, ao final da guerra (no ano de 1945), sobre Hiroshima (06 de agosto) e Nagasaki (09 de agosto), duas bombas at6micas, condenando a morte milhares de pessoas, em sua malaria civis inocentes, e deixando um rastro de destruis;ao e morte, sem falar nas horriveis sequelas deixadas pela radias;ao.

Com o fun da guerra, muitos paradigmas foram questionados, inclusive no campo do direito, o que corroborou para o desenvol­vimento de uma teoria constitucional humanista com fulcra na supremacia da constituis;ao e dos direitos e garantias fundamentals da pessoa, identifi.cada no direito processual pelo modelo consti­tucional de processo que assegura a todos o direito a um processo democratico, justo e efetivo, 24 fundamentado nas novas Constituis;6es dos Estados ocidentals, de cunho garantista e humanista, pautadas na efetivas;ao dos direitos do homem, agora positivados nas constitui­s;oes sob a forma de Direitos Fundamentals. Direitos Fundamentals nao apenas materials, mas tambem processuals, a:final, como ja fora dito, o processo tambem fora constitucionalizado.25

24. Nesse senti do, afirma Humberto Theodora Jlinior que:·~ segunda metade do seculo XX, depois da apavorante tragedia de duas grandes guerras mundiais, viria exigir da revisao constitucional dos povos democniticos urn empenho, nunca dantes experimentado, de aprofundar a intimidade das rela<;:5es entre o direito constitucional e o processo, ja que os direitos fundamentals deixaram de ser objeto de simples declara<;:5es e passaram a constituir objeto de efetiva implementa<;:ao por parte do Estado Demo­cratico de Direito': THEODORO JUNIOR, Humberto. Constitui<;:ao e Processo: desafios constitucionais da reforma do processo civil no Brasil. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattani de ( coord.). Constitui<;:ao e Process a: A contribui<;:ao do process a ao constitucionalismo democratico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 234.

25. Nesse sentido, Jose Alfredo de Oliveira Baracho explica que "o processo, como garantia constitucional consolida-se nas constitui<;:5es do seculo XX, atraves da consagrac;:ao de principios de Direito processual, com o reconhecimento e a enumera<;:ao de direitos da pessoa human a, sen do que esses consolidam-se pelas garantias que os torna efetivos e exequiveis': BARACHO, Jose Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Processo Consti­tucional. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 383, jan/fev, 2006, p. 132.

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PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Nesse contexto, o processo (democnitico e constitucionali­zado) perpassa sua caracteristica preterita de mero instrumento de jurisdi<;:ao, de mero instrumento tecnico, para tornar-se um instrumento garantistico do Estado (Constitucional) Democrati­co de Direito, 26 identificando-se, segundo ensina Marcelo Cattoni, como "procedimento discursivo, participativo, que garante a gera<;:ao de decisao participada':Z7

Nada obstante, por 6bvio que a referida mudan<;:a paradigmati­ca de compreensao do processo nao abdica do formalismo, ou mes­mo da tecnica, mas apenas busca evitar que a forma sobreponha-se a essencia, vindo a impossibilitar que o provimento material fatico seja alcan<;:ado de maneira efetiva. Ou seja, o que se nega e o puro formalismo, o formal por formal, sem sentido, sem objetividade material, que ao inves de garantir direitos, os restringe.28

Nesse sentido, como explica Rosemiro Pereira Leal, "claro que nao se decreta, por impr6prio, 0 abandono do formalismo juridico, porque a ciencia do direito se afira pelo esclarecimento dos sistemas juridicos que se expressam nas formas do direito. 0 que se pretende afastar, no campo do conhecimento cientifi­co-juridico, e 0 arquetipo (prindpio magicista) da forma pura, irredutivel a qualquer conteudo socioecon6mico decorrente do modo de produ<;:ao economico-liberal do direito, nas diversas realidades dinamicas de sua manifesta<;:ao e vigencia':29 Ademais, · como ensina Aroldo Plinio Gon<;:alves, "a instrumentalidade tecnica do processo esta em que ele se constitua na melhor, mais agil e mais democnitica estrutura para que a sentens:a que dele

26. ARRUDA ALVIM. Processo e Constituic;:ao. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 408, p. 23-87, mar/abr, 2010.

27. CATTON! DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Processual Cons­titucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 198.

28. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituic;:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

29. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiros estudos. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 14.

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cap. II • 0 MODELD CONSTJTUCJONAL DE PROCESSO

resulta se forme, seja gerada, com a garantia de participa):ao igual, paritaria, simetrica, daqueles que receberao seus efeitos".30

Deste modo, em arremate, pode-se dizer que a ciencia proces­sual, assim como o direito por urn to do, a partir da segunda metade do seculo passado, passa porum movim.ento de constitucionaliza):aO, tendo como fundamento o paradigma do Estado ( Constitucional) Democnitico de Direito e o hurnanismo etico, buscando superar o mero tecnicismo processual para compreender o processo como ver­dadeiro direito-garantia, isto e, como urn instrurnento democratico que deve assegurar a participa):aO ison6rnica e efetiva do cidadao na forma):aO da decisao jurisdicional que a ele se destina.

3. 0 MODELO (UNICO) CONSTITUCIONAL DE PROCESSO

Como visto, nas Ultimas decadas do seculo passado a compre­ensao do processo passou por uma releitura a luz do paradigma constitucional do Estado Democratico de Direito, sen do com preen­dido como verdadeira garantia jusfundamental. Nessa perspectiva, as bases normativas do processo encontram-se nao mais (apenas) na lei processual, mas proeminentemente na Constitui):ao, po­dendo-se identificar no texto magno urn modelo constitucional

. de processo que deve ser seguido por todos os ramos do direito processual (processo civil, processo penal, processo administrativo etc.), em face do prindpio da supremacia da ordem constitucional.

0 desenvolvimento deste modelo constitucional de proces­so, como observa a doutrina processualista, passa pela obra dos processualistas italianos ftalo Andolina e Giuseppe Vignera,31 ao formularem seu "modelo unico de processo", cujas bases normati­vas residem na Constitui):aO, por ser o documento jusfundamental de unidade sistemica ao qual toda a legisla):aO infraconstitucional,

30. GON<;:ALVES, Aroldo Plinio. Tecnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.

31. ANDOLINA, ftalo; VIGNERA, Giuseppe. Il modello costituzionale del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli, 1990.

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PRINCfPJOS PROCESSUAJS CONSTJTUCJONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

inclusive a processual, deve se sub meter ( compatibilidade vertical de normas) sob pena de invalidade.

Andolina e Vignera afi.rmam que na perspectiva "p6s-consti­tucional"32, o processo nao pode levar em considerac;:ao apenas o seu ser, isto e, "sua organizac;:ao con creta segundo as leis ordinarias vigentes': mas deve, necessariamente, levar em considerac;:ao o seu dever-ser, isto e, "a conformidade de sua ordem positiva a norma­tiva constitucional sobre o exerdcio da atividade jurisdicional" e e, justamente, neste ponto que surge o modelo constitucional do processo (tradw;iio livre).33

Nessa perspectiva, "as normas (regras e prindpios) cons­titucionais inerentes a atividade jurisdicional, consideradas em sua complexidade, possibilitam ao interprete delinear urn verda­deiro e adequado esquema geral de processo': que por sua vez, e "susceptivel de constituir o objeto de uma exposic;:ao unitaria: de modo que podemos afi.rmar que "existe urn paradigma {mico de processo" (traduc;iio livre).34

Nada obstante, em que pese se possa identi:ficar urn modelo Unico de processo na Constituic;:ao (modelo constitucional de pro­cesso aplicavel a todos os ramos do direito processual), como bern advertem Andolina e Vignera, a pluralidade de procedimentos ju­risdicionais, bern como os diferentes tipos de processos, devem ter suas particularidades respeitadas ( existem regras, constitucionais e legais, que sao pr6prias de certos ramos processuais, com por exemplo, as regras processuais destinadas aos procedimentos de prisao, que destinam-se ao processo penal), o que, por outro lado, nao impede nem impossibilita a existencia deste modelo linico.35

32. Neoconstitucionalista, ou melhor, perspectiva do constitucionalismo contemporaneo (do p6s-Guerra), ou constitucionalismo dos Estados Democniticos de Direito do mundo ocidental.

33. ANDOLINA, ftalo; VIGNERA, Giuseppe. II modello costituzionale del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli, 1990.

34. Ibidem, idem.

35. Ibidem, idem.

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cap. II • 0 MODELO CONSTITUCJONAL DE PROCESSO

Nesse sentido, com base nas ideias dos processualistas italia­nos, Flaviane de Magalhaes Barros, explica que "tal compreensao de modelo constitucional de processo, de urn modelo linico e de tipologia plurima, se adapta a nos;ao de que na Constituis;ao encontra-se a base unfssona de prindpios que de:finem o processo como a garantia, mas que para alem de urn modelo linico ele se expande, aperfeis;oa e especializa, exigindo do interprete com­preende-lo tanto a partir dos prindpios-bases como, tambem, de acordo com as caracterfsticas pr6prias daquele processo':36

Ademais, hade se perceber que este modelo processual (cons­titucional) linico de processo possui urn duplo movimento, pois, se por urn lado, visa-se realizar urna materializas;ao constitucional do processo, por outro lado, visa-se realizar urna procedimenta­lizas;ao do direito constitucional a :fim de se efetivar as garantias previstas na Constituis;ao.37 Neste sentido, pode-se dizer que o modelo constitucional de processo abrange tanto a tutela consti­tucional dos prindpios fundamentais da organizas;ao judiciaria e do processo38, quanto a jurisdis;ao constitucional.39 Isto e, trata-se, como demonstra Willis Santiago Guerra Filho, de urn movimento

36. BARROS, Flaviane de Magalhiies. 0 Modelo Constitucional de Processo e o Processo Penal: a necessidade de uma interpreta\=ao das reformas do processo penal a partir da Constitui'rao. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLNEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (coord.). Consti­tui'rao e Processo: A contribui'rao do processo ao constitucionalismo democnitico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 335.

37. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui'rao. Leme: J. H. Mizu­no, 2014.

38. Conforme Cintra, Grinover e Dinamarco, "a tutela constitucional dos prindpios fundamentais da organiza~o judiciaria corresponde as nor­mas constitucionais sobre os 6rgaos da jurisdi\=ao, sua competencia e suas garantias': CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 85.

39. A jurisdi\=ao constitucional, conforme ensinam Cintra, Grinover e Di­namarco, compreende "o controle judiciario da constitucionalidade das leis - e dos atos da Administra\=ao, bern como a denominada jurisdi\=ao constitucional das liberdades, com o uso dos remedios constitucionais-

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

duplo que abrange "urna materializa<;:iio do direito processual, ao condiciona-lo as determina<;:6es constitucionais" e, concomitan­temente, "urna procedimentaliza<;:iio do direito constitucional".40

Ao desenvolverem especi:ficamente o modelo constitucional do processo civil italiano, ftalo Andolina e Giuseppe Vignera identi:ficaram tres caracteristicas gerais que conduzem a urn "esquema em branco" - urn esquema que contem elementos constantes e indefectiveis que se encontram em todos os pro­cessos, mas que, tambem, possui elementos m6veis, vagos, que exigem complementa<;:iio, para que as variaveis sejam preenchidas de acordo com o processo em que se encontramY

Segundo afirmam Andolina e Vignera, essas caracteristicas identi:ficam-se na expansividade, na variabilidade e na perfec­tibilidade. Em primeiro lugar, "na expansividade, que consiste na sua idoneidade (consequente a posi<;:iio primaria (inicial) das normas constitucionais na hierarquia das fontes) de condicio­nar a fisionomia de cada urn dos procedimentos jurisdicionais introduzidas pelo legislador ordinario, a qual (fisionomia) deve ser, nao obstante, compativel com os tra<;:os daquele modelo"; em segundo lugar, "na variabilidade, que indica a sua atitude para assumir formas diversas, de modo que a adequa<;:iio ao modelo constitucional (para obras do legislador ordinario) das figuras processuais concretamente funcionando pode acontecer segundo varias modalidades em vista da persegui<;:iio de fins particulares"; e, por fim, "na perfectibilidade, que designa a sua idoneidade para ser aperfei<;:oada pela legisla<;:iio subconstitucional, a qual (scilicet [isto e]: no respeito, nao obstante, aquele modelo e em fun<;:ao da consecu<;:iio de objetivos particulares) bern pode construir pro cedi-

-processuais -habeas corpus, mandado de seguran)=a, mandado de injun­)=iio, habeas data e a)=iiO popular': Ibidem, p. 85-86.

40. GUERRA FILHO. Willis Santiago. Teoria Processual da Constituic;:ao. 3.ed. Sao Paulo: RCS, 2007, p. 17.

41. ANDOLINA, ftalo; VIGNERA, Giuseppe. II modello costituzionale del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli, 1990.

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cap. II • 0 MODELO CONSTJTUCJDNAL DE PROCESSO

mentos jurisclicionais caracterizados pelas (posteriores) garantias e institutos desconhecidos pelo modelo constitucional: pense-se, por exemplo, no prindpio de economia processual, aquele do duplo grau de jurisclic;:ao e ao instituto da coisa julgada"42 (tradu~i:io livre)

Essas caractedsticas gerais dao origem a urn modelo ( linico) constitucional de processo, ao qual se adequam ( devem se ade­quar!) todos os ramos do direito processual, desde a teoria geral do processo ate o ramos processuais especi:fi.cos (processo civil, processo penal, processo administrativo etc.), inclusive o processo constitucional (jurisclic;:ao constitucional, seja abstrata, seja difusa). Isso decorre, conforme observam Cintra, Grinover e Dinamarco, do fato de que o direito processual como urn todo possui "suas linhas fundamentais trac;:adas pelo direito constitucional': isto e, possui suas bases normativas delineadas pela Constituic;:ao.43

Deste modo, em brevissima conclusao, pode-se dizer que a Constituic;:ao estabelece as bases normativas e as garantias mfnimas que processo deve ter no ambito de Estados (Constitucionais) De­mocraticos de Direito, criando, assim, urn modelo linico de proces­so que deve ser sempre observado por todos os ramos processuais sob penal de nulidade. Por outro lado, a propria Constituic;:ao, em respeito as particularidades de cada area do sistema juriclico, con­fere ao legislador infraconstitucional o clever de proceclimentalizar cada ramo do direito processual bus cando sua otimizac;:ao ( efiden­cia), evidentemente, respeitando-se o modelo por ela estabelecido.

4. 0 MODELO CONSTITUCIONAl DE PROCESSO BRASILEIRO E 0 NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL

0 modelo constitucional de processo, enquanto arquetipo ideal Unico, no ambito dos Estados (Constitucionais) Democraticos de

42. Ibidem, idem.

43. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRlNOVER, Ada Pellegrini; DINA­MARCO, Candido Rangel. Teoria Gerai do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 84.

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PRINCJPIOS PRDCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Direito, estabelece as bases normativas que devem ser observadas por todos os ramos do direito processual (por tratar-se de um modelo Unico, este modelo constitucional estabelece normas que servem para todos OS processos), isto e, as normas processuais infralegais devem estar em conformidade com as normas processuais constitucionais (compatibilidade vertical de normas), sob pena de invalidade.

Ora, se o direito processual possui suas bases normativas na Constituic;:ao, entao nao ha como se pensar em um estudo do di­reito processual fora do direito constitucional, isto e, nao ha como estudar ou trabalhar com o processo sem conhecer antes o sistema constitucional, notadamente, o sub sistema constitucional processu­al. Nesse sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco afirmam que e da Constituic;:ao que "deve utilizar-se o processualista para o completo entendimento do fenomeno processo e de seus prindpios".44

No mesmo sentido, Canotilho, em exame ao modelo cons­titucional de processo portugues, afirma que "a existencia de um paradigm a processual na Constituic;:ao portuguesa o briga a estudar e a analisar os diferentes processos nao apenas na sua configurac;:ao concreta dada pela lei ordinaria (os codigos processuais ordina­rios), mas tambem sob o angulo da sua conformidade com as normas constitucionais respeitantes as dimens6es processuais das varias jurisdic;:6es':45 Essa analise, em que pese feita a luz da Consti­tuic;:ao de Portugal, aplica-se com perfeic;:ao ao constitucionalismo brasileiro e ao seu modelo processual, especialmente porque sao documentos magnos construidos sobre as bases dos mesmos paradigmas: o Estado Democratico de Direito e o humanismo etico. Por 6bvio, isso nao significa que nao haja diferenc;:as entre os modelos constitucionais de processo portugues e brasileiro, pois ha, enfim, sao ordens juridicas diferentes.

44. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRIN OVER, Ada Pellegrini; DINA­MARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p 85.

45. CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui<;:ii.o. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 967.

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cap. II • 0 MDDELO CONSTITUCIDNAL DE PRDCESSO

Deste modo, pode-se afirmar que o modelo constitucional de processo estabelece urn modelo Unico de processo, pautado nos val ores estabelecidos pela Constitui<;:ao, ao qual os diferentes ramos do direito processual estao submetidos. Consiste ele, em urn mode­lo processual que visa nao so instituir urna fonte processual geral, mas que visa estabelecer e implementar a propria Constitui<;:ao, bern como suas garantias, sejam elas processuais ou materiais, visto que, quando nao implementados voluntariamente pelo Estado e/ ou sociedade, e atraves do processo que se obtem a tutela dos direitos.

Passando-se a analise espedfi.ca do processo civil brasileiro, mesmo antes do advento do NCPC, pode-se afi.rmar, com certa seguran<;:a, que o modelo constitucional de processo positivado na Constitui<;:ao brasileira de 1988 ja vinha sendo, gradativamente, implementado, especialmente atraves de reformas no Codigo de Processo Civil de 1973.46 Ademais, naquilo que a lei processual civil ainda nao havia se amoldado ao modelo constitucional, a doutrina e a jurisprudencia ja vinham harmonizando atraves da hermeneutica, mesmo que muitas vezes de forma insufi.ciente.

Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno, ao analisar o mo­delo constitucional de processo em rela<;:ao especifi.camente ao processo civil brasileiro (do antigo codigo), afi.rmava que "todos os 'temas fundamentais do direito processual civil' so podem ser construidos a partir da Constitui<;:ao [ ... ] e impensavel falar-se em urna 'teoria geral do direito processual civil' que nao parta da Constitui<;:ao Federal, que nao seja diretamente vinculada e extraida dela':47 Para alem disso, "estudar o direito processual civil na e da Constitui<;:ao, contudo, nao pode ser entendido como algo

46. Nesse sentido: CARREIRA ALVIM, J.E. Procedimento Sum<irio na Reforma Processual. Belo Horizonte: Del Rey, 1996; SANTOS, Ernane Fidelis dos. Novos perfis do processo civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996; SANTOS, Ernane Fidelis dos. As reformas de 2006 do Codigo de Processo Civil. Sao Paulo: Saraiva, 2007.

47. BUENO, Cassio Scarpinella. 0 "Modelo Constitucional do Direito Pro­cessual Civil": urn paradigma necessaria de estudo do direito processual civile algumas de suas aplica<;:6es. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA,

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PRINCiPJOS PROCESSUAJS CONSTJTUCIDNAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

passivo, que se limita a identi:ficas:ao de que determinados assuntos respeitantes ao direito processual civil sao previstos e regulamen­tados naquela Carta. Muitos mais do que isso, a importancia da aceitas:ao daquela proposta metodologica mostra toda plenitude no sentido ativo de aplicar as diretrizes constitucionais na cons­trw;ao do direito processual civil, realizando pelo e no processo, isto e, pelo e no exerdcio da funs:ao jurisdicional, os misteres constitucionais reservados para o Estado brasileiro, de acordo com o seu modelo politico, e para seus cidadaos.48

Ora, como bern observa Marcelo Cattani, no Brasil "nao ha processo que nao deva ser constitucional'~ sobretudo em razao do processo, hodiernamente, estar estruturado em prindpios de ordem constitucional que podem motivar urn controle de com­patibilidade vertical de normas em face da Constitui<;:ao ( controle de constitucionalidade) em todo e qualquer 6rgao jurisdicional, seja de primeiro, segundo grau ou de instancia superior.49

Nesse sentido, o NCPC, publicado em 2015, ja em seu pri­meiro artigo, confessa ser urn docurnento processual construido a luz da Constitui<;:ao e de seu modelo Un.ico de processo. Ademais, conforme reda<;:ao expressa do mencionado dispositivo do novel docurnento processual civil brasileiro, nao se trata apenas de urna questao legislativa ( dever de legislar conforme a Constitui<;:ao ), mas tambem hermeneutica ( dever de interpretar e aplicar conforme a Constitui<;:ao). Assim, segundo o art. 1°, do NCPC, "o processo civil sera ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na ConstituifiiO da Republica Federativa do Brasil, observando-se as disposi<;:6es deste C6digo':

Todavia, para alem de inaugurar o c6digo afi.rmando que o process a civil deve ser legislado e interpretado a luz da Constitui-

Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra (coord.). Processo Civil: Novas Tendencias. Bela Horizonte: Del Rey, 2008, p. 159.

48. Ibidem, p. 158.

49. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Processual Cons­titucional. Bela Horizonte: Mandamentos, 2001, p 207.

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cap. II • 0 MODELO CONSTJTUCJONAL DE PROCESSO

c;:ao, o NCPC, ao longo de seu texto, preocupou-se efetivamente em incorporar, de modo otimizado, o modelo constitucional de processo (em que pese algumas divergencias doutrinarias acerca de urn ou outro procedimento, ou mesmo acerca de determinado dispositivo normativo), seja positivando na lei processual civil as garantias jusfundamentais processuais, seja regulamentando-as, seja ampliando-as.50

0 novo codigo nao e perfeito, ate porque ha serias duvidas sobre a existencia da perfeic;:ao. 0 novo codigo nao goza de unanimidade ( e alguma coisa nesse mundo goza?), mas ao que nos parece, em regra, foi muito bern aceito pela maior parte dos juristas do pais, recebendo inumeros elogios de juizes, advogados, promotores e professores. Agora, com toda certeza, o novo c6digo e muito mais democnl.tico e atende com muito mais intensidade e amplitude as exigencias de nossa Constituic;:ao.

Por 6bvio, isso nao significa que o novo diploma processual civil va resolver todas as mazelas de nosso sistema juridico pro­cessual, ate porque nossos maiores problemas nao sao de ordem legislativaY Nada obstante, como ja demonstrado, o NCPC esta muito mais alinhado com o modelo constitucional de processo e com o processo democratico.

Resta saber se os juristas brasileiros, que lidam diariamente com o processo civil, se esforc;:arao em cumprir o c6digo, pois nao basta uma legislac;:ao alinhada ao modelo constitucional de proces­so, e preciso uma hermeneutica diaria que se esforce em cumprir com essa legislac;:ao e, consequentemente, cumprir com a Cons­tituic;:ao e com as exigencias do Estado Democratico de Direito.

Bern, essa e uma luta diaria que vislumbraremos nos f6runs e tribunais ao redor do pais, mas que mesmo antes da entrada em

50. MADEIRA, Dhenis Cruz. A influencia do processo constitucional sabre o novo CPC. In: DIDIER JR., Fredie (coord.). Novo CPC Doutrina Se­lecionada: parte geral. Salvador: Juspodivm, 2015. v.1, p. 187 e ss.

51. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui~ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

vigor do novo c6digo ja teve seus primeiros capitulos nebulosos. Apenas para exempli:ficar, o Tribunal Regional do Trabalho da rsa Regiao se reuniu, nos elias 25 e 26, de junho, de 2015, para discutir o NCPC e criaram, dentre outros, o seguinte enunciado:

Enunciado n. 0 13 - I Jornada sobre o C6digo de Processo Civil de 2015.

AINDA QUE SE REPUTE POR CONSTITUCIONAL, REVE­LA-SE MANIFESTAMENTE INAPLICAVEL AO PROCES­SO DO TRABALHO 0 DISPOSITNO DO NOVO CPC QUE EXIGE FUNDAMENTAc;Ao SENTENCIAL EXAURIENTE COM 0 ENFRENTAMENTO DE TODOS OS ARGUMEN­TOS DEDUZIDOS NO PROCESSO PELAS PARTES. 0 in­ciso rv; do § 1 o, do artigo 489, do Novo CPC, ao exigir fun­darnenta<;:iio sentencial exauriente, e inaplid.vel ao processo trabalhista, seja pela inexistencia de omissao normativa, diante do caput do artigo 832, da CLT, seja pela flagrante incompa­tibilidade com os prindpios da simplicidade e da celeridade, norteadores do processo lab oral, sendo-lhe bastante, portanto, a classica fundamenta<;:ao sentencial suficiente.

Segundo 0 TRT da rsa Regiao, OS magistrados do trabalho nao precisam fundamentar suas decisoes de forma exauriente. Isso ja seria extremamente preocupante independentemente de previsao na lei processual, pois se trata de urna exigencia consti­tucional em face do principia da motivac;:ao das decisoes judiciais e de urna exigencia da democracia (do process a democratico, no qual os juizes devem enfrentar todos os argumentos das partes em suas decisoes, seja para afasta-los, seja para contempla-los, sempre fundamentadamente).

Dizer que nao e necessaria fundamentar de forma exauriente, e dizer que nao e preciso seguir as normas da Constituic;:ao por inteiro, basta seguir urn "pouquinho': Isto, inclusive, vai contra a propria compreensao normativa de principia, pois, em que pese, segundo a teoria dominante, aplique-se em graus, deve sempre ser aplicado no maior grau possivel (otimizac;:ao). Bern, qual se­ria a impossibilidade de urn magistrado nao fundamentar suas

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cap. II • 0 MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO

decis6es de forma exauriente? Preguis;a? lsso nao justifi.ca! Ora, do que adianta ter um c6digo democnitico alinhado as normas constitucionais, se niio se tem juristas democniticos dispostos a aplicar as normas constitucionais?

Conste-se, ainda, que alem do classico art. 769 da CLT que afi.rma ser aplicavel, como fonte subsidiaria do direito processual do trabalho, o direito processual comum ( ou, seja, o direito pro­cessual civil), o NCPC, em seu art. 15, afi.rma que "na ausencia de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou adminis­trativos, as disposis;6es deste C6digo lhes serao aplicadas supletiva e subsidiariamente". Este dispositivo aplica-se nao apenas a situ­as;6es de ausencia de norma, mas tambem a situas;6es em que a norma existente seja insufi.ciente ou incompleta, assim, ainda que haja norma processual do trabalho regulamentando as decis6es judiciais da justis;a trabalhista, as normas do novo diploma pro­cessual civil aplicam-se para suprir suas lacunas e complementar seu texto. Ademais, como ja frisado, a fundamentas;ao exauriente trata-se de uma exigencia constitucional e nao meramente legal. 52

Ademais, ha de se registrar que num modelo {mico de pro­cesso construido a partir da Constituis;ao, segundo a teoria domi­nante (adotada expressamente pelo NCPC, no § 2°, do art. 489), uma norma nao pode ser abstratamente incompativel com outra, isto e, 0 prindpio da fundamentas;ao nao pode ser incompativel com o prindpio da celeridade. Na verdade, qualquer potencial

52. N esse sentido: STRECK, Lenio Luiz. 0 que e isto: decido conforme minha consciencia? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010; CATTONl DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; QUINAUD PEDRON, Flavia. 0 que e uma decisao judicial fundamentada? Reflex6es ara uma perspectiva democni­tica do exercicio da jurisdi~ao no contexto da reforma do processo civil. In: BARROS, Flaviane de Magalhaes; BOLZAN DE MORAIS, Jose Luiz (orgs.). Reforma do processo civil: perspectivas constitucionais. Bela Horizonte: Forum, 2010; OMMATI, Jose Emilio Medauar. A fundamen­ta~ao das decis6es jurisdicionais no projeto do novo c6digo de processo civil. In: FREIRE, Alexandre et. al. (org.). Novas tendencias do processo civil: estudos sabre o projeto do novo c6digo de processo civil. Salvador: Juspodivm, 2014. v. III.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

tensao Jatica entre essas ou outras normas constitucionais, deve ser harmonizada atraves dos metodos constitucionais de reso­luc;:ao de conflito normativo (ponderac;:ao, segundo essa teoria), sempre tentando aplicar ao maximo o conteudo normativo de cada urn dos prindpios (otimizac;:ao).

A fundamentac;:ao exauriente, a nosso ver, nada tern de con­tnma a celeridade processual: gastar urna ou duas paginas a mais para proferir urna decisao nao toma o processo lento. Os problemas concementes a celeridade processual sao de outras naturezas que nao a normativa. Se existe urn potencial conflito, ele reside entre a preguic;:a eo dever; ou entre o ego (decido como quero) e os prind­pios republicano (prestar conta sobre a coisa publica) e democratico.

Como dissemos, essa e urna luta diaria que vislurnbraremos nos f6runs e tribunais ao redor do pais, ate porque, repita-se, os maiores problemas processuais brasileiros nao sao de ordem legislativa.

Para alem dessa discussao, ha de se registrar que o NCPC curnpriu, com muito mais profundidade e amplitude que o antigo c6digo, com o dever (inerente a legislac;:ao infraconstitucional) de regulamentar as normas constitucionais processuais. A exemplificar; podemos citar o direito de fundamentac;:ao das decis6es judiciais, cuja regulamentac;:ao, inclusive, esta provocando certo desconforto (insatisfac;:ao) entre alguns juizes que nao sao chegados ao trabalho arduo e/ou que nao estao acostumados a decidir conforme a ordem juridica vigente, mas apenas conforme suas pr6prias ordens morais de conscU~ncia (os que decidem conforme suas consciencias).

Por fun, em breve conclusao, podemos dizer que o mode­lo constitucional de processo consiste nurn modelo linico de processo identificado nas Constituic;:6es dos Estados Democra­ticos de Direito e estruturado basicamente sobre os prindpios processuais constitucionais. Esse modelo, aplicavel a todos os ramos do direito processual, deve ser seguido e regulamentado pela legislac;:ao processual civil. Nessa linha, o Novo C6digo de Processo Civil brasileiro (2015), reconheceu-se como sendo urn c6digo democratico e que segue o modelo processual previsto em nossa Constituic;:ao.

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PRINCfPIOS CONSTITUCIONAIS

0 modelo constitucional de processo, enquanto modelo processual democra.tico construido a luz do paradigma do Estado Constitucional Democratico de Direito, estrutura-se a partir de prindpios processuais previstos na Carta Magna. Isso decorre da propria essencia da Constitui<;:ao, enquanto documento poli­tico-juridico fundamental, que, dentre outras coisas, estabelece as normas que devem fundamentar e delinear o sistema juridico infraconstitucional.

Deste modo, neste capitulo nos dedicaremos aoestudo esped­fi.co dos prindpios constitucionais, passando antes por uma ancilise sobre a propria compreensao do que sao os prindpios juridicos.

1. 0 Q_UE SAO PRINClPIOS?

Os sistemas juridicos dos Estados Constitucionais Democni­ticos de Direito, sao sistemas juridicos normativos estruturados especialmente, em que pese para alguns nao exclusivamente, em duas especies normativas: regras e prindpios. Esse tern sido o pensamento dominante no constitucionalismo contemporaneo, inclusive no brasileiro.

Os sistemas juridicos contemporaneos sao sistemas que re­gem sociedades hipercomplexas, multiculturais e que regulamen­tam (devem regulamentar) uma infinidade de situa<;:6es, muitas

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCJONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

delas impossiveis de se prever normativamente antes de se realizar · no mundo dos fatos. Isso faz com que o sistema juridico classico, estruturado apenas sobre regras juridicas, seja incompativel com os atuais Estados Democraticos de Direito.1

Nada obstante, os prindpios juridicos podem ser compre­endidos de diversas maneiras e especialmente no campo do di­reito constitucional comportam uma in:finidade de classificac;:6es doutrinarias, o que, muitas das vezes, acaba dificultando o seu entendimento, interpretac;:ao e aplicac;:ao.

1.1. As conceproes tradicionais de princfpios Nao se pode negar que falar de principios esta na moda. Ao

longo das Ultimas decadas, muitos juristas dedicaram-se a estudar os principios, uns com seriedade, outros apenas para nao perder a onda que passava ( e ainda passa!). Como bern a:firma Jose Adercio Leite Sampaio, "a literatura juridica poluiu-se como uso do termo 'principia' entre a convicc;:ao de quem muito refletiu a respeito e o simples prazer do verniz de cultura ou de vanguarda".2

Aqui, brevemente e sem a intenc;:ao de esgotar todas as con­tribuic;:6es doutrinarias possiveis, tentaremos expor as principais compreens6es tradicionais a respeito do significado de principia, compreens6es essas que tern suas raizes em debates juridicos travados desde o :final do sec. XIX.

Principios como val ores supremos de um ordenamento juri­dico: segundo essa compreensao, principios nao sao normas juri­dicas, mas sim "val ores" eticos metajuridicos referentes a justic;:a e a moral, que orientam a ordenac;:ao, a construc;:ao, a interpretac;:ao e a aplicac;:ao do direito positivo.3

1. DOS SANTOS, Eduardo R. 0 p6s-positivismo juridico e a normativi­dade dos prindpios. Belo Horizonte: D'placido, 2014.

2. SAMPAIO, Jose Adercio Leite. Teoria da Constituis;ao e dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p. 355.

3. DOS SANTOS, Eduardo R. 0 p6s-positivismo juridico e a normativi­dade dos principios. Belo Horizonte: D'placido, 2014.

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cap. Ill • PRINCfPJOS CONSTJTUCJDNAJS

Princfpios como normas juridicas superiores (de hierarquia superior): aqui os prindpios sao concebidos como normas juridi­cas hierarquicamente superior as demais normas do ordenamento juridico, sao 0 nucleo fundamental do sistema, a base normativa que deve guiar e harmonizar a ordenas;ao, a construs;ao, a inter­pretas;ao e a aplicas;ao do direito positivo.

Na classica conceituas;ao de Celso Antonio Bandeira de Mello, "prindpio e, pois, por definis;ao, mandamento nuclear de urn sistema, verdadeiro alicerce dele, disposis;ao fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espirito e servindo de criterio para a exata compreensao e inteligencia delas, exatamente porque define a l6gica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tonica que lhe da sentido harmonico':4 Assim, segundo o autor, "violar urn principio e muito mais grave que transgredir uma norma. A desatens;ao ao prindpio implica ofensa nao apenas a urn especi:fico mandamento obrigat6rio, mas a todo o sistema de comandos':s

Principios como normas juridicas de alto grau de generali­dade semantica: para OS defensores dessa compreensao, prind­pios sao normas de ato grau de generalidade, sendo impossivel sua aplicas;ao imediata a casos concretos. Como explica Jose Adercio Leite Sampaio, para essa corrente, os principios "limitam-se ao estabelecimento de bens a serem protegidos ou fins juridicos a serem alcans;ados, sem indicarem especificamente as condutas que os realizam, de modo que abrangem urn nlimero indefinido de atos ou fatos da vida e, por consequencia, uma serie indeter­minada (ou para alguns imprecisa) de aplicas;ao':6

Princfpios como normas de normas: para essa conceps;ao, prindpios sao normas implicitas que precedem a elaboras;ao das

4. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administra­tivo. 27.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 53.

5. Ibidem, idem.

6. SAMPAIO, Jose Adercio Leite. Teoria da Constituic;:ao e dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p. 362.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

demais normas do ordenamento jurid.ico, consistindo na razao de ser das normas do sistema (razao legislativa). Sao o fundamento juridico das regras, sao o ponto de partida de elaboras;ao das regras, sua matriz normativa.7

Principios como normas sobre normas: segundo essa forma de entender, os prindpios ligam-se ahermeneutica juridica, sendo normas (juridicas ou nao) que se destinam a interpretar e aplicar as demais normas do sistema juridico.8

Principios como elementos epistemol6gicos juridicos: segun­do essa compreensao, os prindpios consistem nos "elementos basicos e estruturantes da ciencia do direito, seus fundamentos te6ricos e principais institutos': Aqui, os prindpios identificam-se como sendo as compreens6es mais essenciais e basilares da ciencia juridica. Assim, faz-se todo sentido falar em prindpios de direito penal, de direito civil, de direito processual civil etc. identificando as normas, institutos e fundamentos essenciais daquele ramo jurid.ico.9

1.2. As novas concep~oes de princfpios Para alem das tradicionais compreens6es sobre os prindpios

e sobre a teoria da norma juridica, surgiram nas Ultimas decadas conceps;6es consagradas sobre os prindpios e a norma juridica, conceps;6es sustentadas no paradigma do Estado ( Constitucional) Democratico de Direito e no constitucionalismo contemporaneo.

Essas novas conceps;6es ja foram contempladas, inclusive, no t6pico anterior, em que se apresentou os principais criterios de diferencias;ao entre prindpios e regras no direito contemporaneo. Contudo, nao foram abordadas de maneira direta e espedfica, como se pretende fazer neste t6pico.

Aqui, elegemos as tres conceps;6es mais trabalhadas pela doutrina e jurisprudencia brasileiras, que se identifica nos tra-

7. Ibidem, idem.

8. Ibidem, p. 363.

9. Ibidem, p. 364.

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cap. Ill • PRINCfPIOS CONSTJTUCIDNAIS

balhos de Ronald Dworkin, nos Estados Unidos da America do Norte, Robert Alexy; na Alemanha, e Humberto Avila, no Brasil.

1.2.1. A concePfao do norma jurfdica (e dos princfpios) no obra de Ronald Dworkin

Ronald Dworkin, considerado urn dos maiores expoentes do direito estadunidense do Ultimo seculo, prop6e uma revisao ( 6bvia, segundo ele) da norma juridica, que deveria ser compreendida nao somente como regra (tal qual sepercebe na classicaliqao positivista de Hans Kelsen 10 e Herbert L.A. Hart, 11 por exemplo ), mas como sen do um genera que comportaria duas especies: regras e principios.12

Segundo constata Dworkin, os prindpios juridicos, conce­bidos pelos positivistas como meras recomendaq6es, axiomas, metas ou programas de politica, devem, na verdade, ser compre­endidos como verdadeiras normas juridicas, possuindo todos os

10. 0 jurista austriaco e considerado por muitos como o maior expoente do po­sitivismo juridico, sen do conhecido por ter elaborado uma ciencia juridica normativista, isto e, que considerava o direito como sendo o conjunto de normas juridicas vaJ.:idas. Nesse sentido, Hans Kelsen afirma que o direito "e uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, urn sistema de normas que regulam o comportamento humano': KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. Sao Paulo: Martios Fontes, 2003, p. 5.

11. 0 jurista ingles, considerado o maior expoente do positivismo no ambito dos paises de tradiyiio Common Law, denominava seu positivismo como sen do urns oft positivism (positivismo suave ou bran do). Contudo, Herbert L. A. Hart, tambem, estruturara sua teoria da norma, fundamentalmente sabre a perspectiva das regras juridicas que para ele se dividiam em regras primarias (regras que regulavam as condutas humanas) e regras secun­darias (regras de reconhecirnento). HART, Herbert L.A. 0 Conceito de Direito. 3.ed. Lisboa: Fundayiio Calouste Gulbenkian, 2001.

12. DOS SANTOS, Eduardo. R.; MELO, Luiz Carlos Figueira de. 0 direito em novos paradigmas de cidadania: do jusnaturalismo ao p6s-positivis­mo juridico: delineamentos para a construyiio de urn novo paradigma juridico. In: KNOERR, Viviane Coelho de Sellas; BORGES, Alexandre Walmott. (Org.). Cidadania, Desenvolvimento Social e Globalizas;ao. Curitiba: Classica, 2013.

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCJONAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

atributos inerentes a normatividade, especialmente, a imperati­vidade, pois, assim como as regras, sao normas de direito, e nao meras recomendas;6es.13

Dworkin explica que os principios juridicos, de modo ge­nerico, sao tanto OS principios propriamente ditos, como as politicas. Sendo politica "aquele tipo de padrao que estabelece urn objetivo a ser alcans;ado, em geral urna melhoria em algum aspecto econ6mico, politico ou social da comunidade'~ enquanto principia consiste no "padrao que deve ser observado porque e urna exigencia de justis;a ou equidade ou alguma outra dimensao da moralidade': 14

0 professor norte-americano analisa diversos casos para de­monstrar que a jurisprudencia dos tribunais estadunidenses a plica os prindpios e nao somente as regras, alem de, muitas das vezes, apartar-se da aplicas;ao direta da regra juridica ao caso concreto (subsuns;ao) por entender que tal aplicas;ao geraria evidente in­justis;a, utilizando-se assim dos prindpios juridicos para obter-se urna solus;ao adequada, justa (que esteja em conformidade com a 16gica do direito estadunidense). Como exemplo, dentre os varios fragmentos de julgados reproduzidos por Dworkin, pode-se apre­sentar urn pequeno trecho de uma decisao do Tribunal de Nova Jersei, de 1969, no caso Henningsen contra Bloomfield Motors, Inc, na qual o referido tribunal indaga: "Existe algum prindpio que seja mais familiar ou mais fi.rmemente inscrito na hist6ria do direito anglo-americano do que a doutrina basilar de que os tribunais nao se permitirao ser usados como instrumentos de iniquidade e injustis;a?"15

Passando a distins;ao entre regras e prindpios, Dworkin demonstra que as referidas especies normativas podem ser di­ferenciadas quanta ao modo de aplicafiio, pois, de urn lado, as

13. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Serio. 3.ed. Sao Paulo: Mar­tins Fontes, 2010.

14. Ibidem, p. 36.

15. Ibidem, p. 39.

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cap. Ill • PRINCfPJOS CONSTJTUCIONAJS

regras juridicas sao aplicadas ao modo tudo-ou-nada, ou seja, se uma regra e valida e o caso concreto corresponde a sua pre­visao, entao a regra deve ser aplicada (subsuns;ao), a nao ser que exista alguma exces;ao (prevista positivamente no ordenamento) que nao permita a sua aplicas;ao naquele tipo de situas;ao, o que acarreta uma especificas;ao maior da regra,. tornando-a mais completa a medida que possui mais especifi.cas;6es.16 De outro lado, os principios juridicos atuam auxiliando e fundamentando a decisao do magistrado de modo a conduzi-lo a melhor solu­s;ao, entendida por ele como uma solus;ao que respeite a justis;a e a equidade. Assim, os magistrados utilizam-se dos prindpios juridicos para produzirem sua decisao, que dara origem a uma regra particular que se aplicara aquele caso concreto, entretanto essa regra s6 passa a existir ap6s a decisao, ou seja, a decisao e feita e pautada em prindpios juridicos e nao em regras juridicas. Ademais, segundo o autor estadunidense, os prindpios tambem possuem aplicas;ao subsidiaria as regras. Isso se da quando uma regra traz em seu enunciado palavras cujo significado e aberto a interpretas;ao como "razoavel': "negligente': "injusto': "significa­tivo': o que "faz com que sua aplicas;ao dependa, ate certo ponto, de prindpios e politicas que extrapolam a [propria] regra':17

Desta primeira distins;ao entre prindpios e regras (quanta ao modo de aplicas;ao), conforme explica Dworkin, decorre uma segunda distins;ao, que se da quando essas especies de norma

16. Nesse sentido, Ronald Dworkin afirma que "a diferenya entre principios juridicos e regras juridicas e de natureza 16gica. Os do is con juntos de padr6es apontam para decis6es particulares acerca da obrigac;:ao juridica em circuns­tancias especfficas, mas distinguem-se quanta a natureza da orientac;:iio que oferecem. As regras sao apliciveis a maneira tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, en tao ou a regra e valida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou nao e valida, e neste caso em nada contribui para a decisao [ ... ] A regra pode ter excec;:6es, masse tiver, sera irnpreciso e incompleto sirnplesmente enunciar a regra, sem enunciar as excec;:6es. Pelo menos em teoria, todas as excec;:5es podem ser arroladas e quanta mais o forem, mais completo sera o enunciado da regra: Ibidem, p. 39-40.

17. Ibidem, p. 45.

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PRINCiPJOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

juridica entram em conflito: quanta ao modo de resolw;iio do conjlito normativo (prindpios versus prindpios; regras versus regras; e prindpios versus regras).

Como ex:plica Dworkin, "os princfpios possuem urna dimen­sao que as regras nao tern - a dimensao do peso ou importancia': 18

De modo que, quando os prindpios entram em conflito, ou seja, quando em urn caso concreto os prindpios a ele supostamente apli­caveis apontam para sentidos contrarios, o magistrado deve levar em conta a fon;:a relativa de cada urn frente ao caso concreto a fun de aplicar naquele determinado caso aquele( s) que possibilitar( em) a decisao mais justa ( conforme a ordem juridica vigente, nurna perspectiva de integridade), entretanto aquele(s) prindpio(s) que nao for(em) considerado(s) na decisao nao sera(ao) dedarado(s) invilido(s) e ex:purgado(s) do ordenamento juridico. Todos os prindpios continuam tendo validade, eles apenas sao sopesados em razao do caso concreto, e aplica-se aqueles que conduzem a decisao correta, a decisao mais conforme a justiya e a equidade (frise-se: nurna perspectiva de integridade da ordem juridica).19

Ja no que se refere ao conjlito entre uma regra juridicae um principia juridico, Dworkin defende que deva prevalecer aquela norma juridica que frente ao caso concreto, esteja mais conforme com a justiya e com a equidade da ordem juridica vigente, ap6s o sopesamento pelo juiz do prindpio que sustenta a regra com o prindpio com o qual ela colide, podendo o magistrado julgar em desconformidade com a regra quando entender que ela, naquele caso concreto, criara uma situayao de evidente injustiya (nurna perspectiva de integridade do ordenamento juridico).20

18. Ibidem, p. 42.

19. Sobre "resposta correta'; "decisao justa'; para alem da obra de Ronald Dworkin, ver, por todos, no Brasil: CRUZ, Alvaro Ricardo de Souza. A Resposta Correta: incurs6es juridicas e filos6ficas sobre as teorias da justiya. B elo Horizonte: Arraes, 2011.

20. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Serio. 3.ed. Sao Paulo: Mar­tins Fontes, 2010.

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cap. Ill • PRINC[PJOS CONSTITUCIDNAIS

Por sua vez, quando uma regra juridica entra em conjlito com outra regra, uma delas nao pode continuar vigente no or­denamento juridico, ou seja, uma delas necessariamente deveni ser declarada invalida, recorrendo-se aos criterios tradicionais de resoluc;:ao de confl.ito normativo, dando-se precedencia a regra promulgada por autoridade superior (criteria hierarquico), a regra promulgada mais recentemente (criteria temporal), a regra mais especi:fica (criteria da especificidade).21

Por fim, pode-se dizer que a concepc;:ao de Ronald Dworkin sobre as normas juridicas, nao s6 alc;:ou os prindpios a catego­ria das normas, mas os inseriu no sistema juridico como sendo especies normativas mais dinamicas, que possibilitam ao decisor proferir decis6es conforme a justic;:a e a equidade, transpassando o direito positivo e adotando uma 16gica de integridade da ordem juridica vigente, o que foi de fundamental valia para o direito das sociedades contemponmeas, especialmente para a resoluc;:ao dos, cada vez mais comuns, hard cases, o que, evidentemente, nao exclui a importancia das regras, que, por sua vez, oferecem mais seguranc;:a juridica que os prindpios e regulam com mais precisao as relac;:6es sociais, estando, entretanto, submetidas aos prindpios nos quais se fundamentam.

1.2.2. A conceprao da norma jurfdica {e dos princfpios) na obra de Robert Alexy

0 jusfil6sofo alemao, Robert Alexy, partindo dos estudos de Ronald Dworkin no direito norte-americana, elabora no direito tedesco uma teoria da norma juridica que, tambem, a divide num genera que comporta como especies as regras e os principios. Segundo Alexy, nao sao apenas as regras juridicas que estatuem um clever ser, como pretendia a teoria da norma a luz da doutrina positivista, mas tambem os prindpios juridicos. Para o jurista alemao, am bas as especies normativas dizem o que

21. Ibidem, idem.

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PRINCiPIOS PROCESSUAJS CONSTITUCJONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

deve ser, podendo ser formuladas atraves dos modais deonticos da norma juridica, isto e, atraves das formularoes basicas do dever, da permissiio e da proibiriio.22

No que se refere a diferencias;ao entre as duas especies normativas, Alexy a:fi.rma que o ponto decisivo para a distins;ao entre regras e prindpios pauta-se no seu modo de aplicariio, que se relaciona ao fato de que principios siio mandamentos de otimizariio, isto e, sao normas que determinam que algo seja realizado na maior medida possivel em face das possibilidades fatico-juridicas, enquanto regras consistem em determinaroes, isto e, sao normas que estabelecem uma exigencia fatico-juridica que deve ser satisfeita nos exatos termos que ela estabelece.23

Outro ponto relevante para a distinc;:ao entre regras e prin­dpios, encontra-se, segundo o jurista alemao, nos conjlitos nor­mativos e nos metodos de resoluriio desses conflitos.

N esse sentido, quando duas regras juridicas en tram em con­jlito, ou seja, possuem disposis;ao em sentido contrario, ou uma delas deve ser declarada invaJ.ida, ou, entao, deve-se introduzir

22. N esse sentido, Robert Alexy afirma que "tanto regras quanta prindpios sao normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formu­lados por meio das express6es de6nticas basicas do clever, da permissao e da proibic;:ao. Prindpios sao, tanto quanta as regras, raz6es para juizos concretes de dever-ser, ainda que de especie muito diferente. A distinc;:ao entre regras e prindpios e, portanto, uma distinc;:ao entre duas especies de normas" ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Sao Paulo: Malheiros, 2008, p. 87.

23. Nesse sentido, Robert Alexy afirma que "prindpios sao normas que ordenam que alga seja realizado na maior medida possivel dentro das possibilidades juridicas e faticas existentes. Prindpios sao, por conseguin­te, mandamentos de otimizar;iio, que sao caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfac;:ao nao depende somente das possibilidades faticas, mas tambem das possibilidades juridicas [ ... ] Ja as regras sao normas que sao sempre ou satisfeitas ou nao satisfeitas. Se uma regra vale, entao, deve se fazer exatamente aquila que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contem, portanto, determinar;oes no ambito daquilo que e fatica e juridicamente possivel:' Ibidem, p. 90-91.

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cap. Ill • PRINCiPIDS CONSTITUCIDNAIS

uma exce<;:ao a urna das regras, eliminando-se, assim, o conflito. Isto se da em decorrencia do fato de que "nao e possivel que dois juizos concretos de dever-ser conflitantes entre si sejam vaJ.idos': pois se trata, fundamentalmente, de urna decisao sobre validade.24

Ja quando dais principios juridicos entram em conjlito (co­lisao de prindpios), nem urn dos dois e dedarado invilido e nem mesmo e criada urna exce<;:ao. No caso dos prindpios, o que ocorre e que urn deles possui precedencia em razao do outro frente as condi<;:6es do caso in concreto, em outras palavras, urn deles deve ceder a aplicas:ao do outro sobre determinadas condi<;:6es faticas, entretanto, "sobre outras condi<;:6es a questao da precedencia pode ser resolvida de forma oposta': Isto decorre do fato de que os prin­dpios possuem urna dimensao de peso que varia em face do caso concreto, de modo que o prindpio com maior peso no caso fatico tera precedencia sobre o prindpio de menor peso no caso fatico.25

Em face do sopesamento de interesses entre os prindpios, surge o que Alexy chama de Lei de Colisiio. Essa lei resulta das possibilidades que o sopesamento de prindpios coli dentes fornece aquele que vai decidir o caso concreto, de modo que "essa colisao pode ser resolvida ou por meio do estabelecimento de urna rela<;:ao de precedencia incondicionada ou por meio do estabelecimento de uma rela<;:ao de precedencia condicionada':26

Nessa perspectiva, considerando que Pl seja urn dos prind­pios colidentes e P2 o mitro, cujos juizos concretos de dever-ser sao contraditorios entre si. Considerando que P seja o sinal de precedencia. Considerando, ainda, que C simbolize as condi<;:6es sobre as quais urn prindpio tern precedencia sobre o outro. Temos entao, como explica Alexy, quatro possibilidades de decisao, que podem ser representados do seguinte modo: 27

24. Ibidem, p. 92.

25. Ibidem, p. 93.

26. Ibidem, p. 96.

27. Ibidem, p. 97.

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PRINCfPIOS PRDCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

(1) P1 P P2;

(2) P2 P P1;

(3) (P1 P P2) C;

(4) (P1 P P2) C.

As possibilidades (1) e (2) simbolizam as relati5es incon­dicionadas de precedencia, tambem chamadas de relas;oes de precedencia abstratas ou absolutas. Segundo Alexy; elas se dao quando a precedencia de urn prindpio sobre o outro nao depende, ou seja, nao esta condicionada ao caso concreto. Exemplo disso ocorre quando se tern urn conflito entre urn prindpio constitu­cional e urn prindpio infraconstitucional, conflito este em que se prevalecera o prindpio constitucional, em razao do seu maior peso incondicionado, vez que se trata de norma juridica superior hierarquicamente.

Ja as possibilidades (3) e ( 4) simbolizam as relati5es condicio­nadas de precedencia, ou seja, as relas;6es em que o pressuposto fatico, ou melhor, as condis;oes do caso concreto determinam qual prindpio devera prevalecer naquele determinado caso. Exemplo disso ocorre no conflito entre dois prindpios constitucionais, que possuem precedencia condicionada as especi:fi.cidades fatico-ju­ridicas do caso concreto.

Assim, a Lei de Colisiio pode ser determinada do seguinte modo: "Se o prindpio P1 tern precedencia em face do prindpio P2 sob as condis;6es C: (P1 P P2) C, e se do prindpio P1, sob as condis;oes C, decorre a consequencia juridica R, entao, vale urn regra que tern C como suporte fatico e R como consequencia juridica: C ~ R': Ou ainda, em urna formulas;ao menos tecnica: 'lis conditoes sob as quais um principia tem precedencia em face do outro constituem o suporte fatico de uma regra que expressa a consequencia juridic a do principia que tern precedencia". 28

28. Ibidem, p. 99.

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cap. Ill • PRINCJPIOS CONSTJTUCIDNAIS

Como visto, os prindpios juridicos exigem que aquilo que eles tutelam normativamente seja realizado de maneira otimizada, isto e, que seja realizado na maior medida possivel dentro das possibi­lidades fatico-juridicas do caso concreto. Em razao disso, explica Alexy, OS principios nao possuem urn mandamento dejinitivo, mas somente mandamentos prima facie, vez que seus manda­mentos sao cambiantes de acordo com a realidade fatico-juridica que se lhes apresente. Nada obstante, esse seu carater prima facie pode ser fortalecido atraves de urna carga argumentativa a favor de certos prindpios ou de certas classes de prindpios, o que, por outro lado, nao iguala seu carater prima facie ao das regras juridicas.29

As regras juridicas, pelo contrario, possuem um manda­mento definitivo, de modo que seu conteudo e determinado em face das suas possibilidades juridicas e faticas. De maneira que, preenchidas tais possibilidades vale de:finitivamente aquilo que a regra prescreve; por outro lado, em face de impossibilidades juridicas e faticas isso nao ocorre. Mais ainda, no caso das regras existe a possibilidade de se criar uma excec;:ao quando da decisao de urn determinado caso. Se isso acontecer, "a regra perde, para a decisao do caso, seu carater de:fi.nitivo".30

Ademais, segundo Alexy, a regra, ao contrario do principia - que em casos de colisao com outro prindpio, prevalece aquele cujo peso seja maior frente ao caso concreto -, exige para a sua superar;:iio, que sejam superados tanto os principios que a sustentam, como certos principios formais - "prindpios que estabelecem que as regras que tenham sido criadas pelas auto­ridades legitimadas para tanto devem ser seguidas e que nao se deve relativizar sem motivos urna pratica estabelecida':31 Nesse liame, Alexy conclui que regras e prindpios possuem "carater prima facie distinto".32

29. Ibidem, p. 103-106.

30. Ibidem, p. 103-106.

31. Ibidem, p. 105.

32. Ibidem, p. 106.

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PRINCiPIOS PRDCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Registre-se que, segundo Alexy; niio existem principios abso­lutos, isto e, niio ha principios que niio cedam jamais a nenhum outro princfpio ou regra juridica. Alexy nao admite a existencia de um prindpio desses e apresenta alguns argumentos em defesa de sua tese. 0 principal deles e o de que se urn prindpio fosse absolute ele s6 poderia ser inerente a um linico sujeito de direito, vez que se dois sujeitos de direitos tivessem esse mesmo direito absolute em razao deste prindpio, quando eles colidissem, seria a colisao de dois direitos absolutes, algo impossivel de ser solucio­nado. Alexy nega esse status de absolute ate mesmo ao prindpio da dignidade da pessoa humana e fundamenta demonstrando, dentre outras coisas, urn caso in concreto da jurisprudencia alema em que ele cedeu ao prindpio da protes:ao do Estado.33

Por :fim, ainda, falta-nos explica a relafiiO dos princfpios juridicos com a maxima da proporcionalidade, ponto essencial para sua compreensao na teoria do jurista alemao. Para Alexy; a proporcionalidade, bern como suas mmmas - da adequas:ao, da necessidade, e da proporcionalidade em sentido estrito - derivam logicamente da natureza dos prindpios juridicos, assim como a natureza dos prindpios juridicos implica a maxima da propor­cionalidade. Em breve sintese pode-se dizer que, para Alexy; a adequafiiO consiste basicamente na maneira mais adequada, mais efetiva, que melhor realizara o prindpio cujo peso deva prevale­cer no caso concreto; a necessidade consiste no mandamento do meio menos gravoso, ou seja, consiste na m:ixima preserva<;:ao do prindpio cedente, de modo a sacrifica-lo o minimo possivel; e a proporcionalidade em sentido estrito corresponde ao man­damento do sopesamento propriamente dito.34

Nessa perspectiva, segundo Alexy; a maxima da proporcio­nalidade em sentido estrito deriva do fato de prindpios serem

33. 0 referido caso demonstra a precedencia do principia da prote<;:ao do Estado em face do principia da dignidade humana, em rela<;:ao a deter­minada prote<;:ao judicial em caso de escuta. Ibidem, p. 112-113.

34. Ibidem, p. 116-120.

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cap. Ill • PRINCfPIOS CONSTITUCIONAIS

mandamentos de otimizas:ao em razao das possibilidades juridicas, enquanto as maximas da adequar;:ao e da necessidade derivam da natureza dos prindpios como mandamentos de otimizas:ao em razao das possibilidades jaticas.35

Deste modo, resumidamente, pode-se dizer que, na teoria de Robert Alexy, a maxima da proporcionalidade consiste em sacrificar o menos possivel o principia cedente e ao mesmo tempo realizar 0 maximo possivel 0 principia que prevalece em face do sopesamento realizado em um caso concreto.

1.2.3. A concep{ao do norma jurfdica (e dos princfpios) no obra de Humberto Avila

A recente obra de Humberto Avila, intitulada Teoria dos Prin­cipios: da de.finir;:ao a aplicar;:ao dos principios juridicos, cuja primeira edis:ao fora impressa no ano de 2003, caracteriza -se, sobretudo, pel a originalidade da conceps:ao do autor, pela rapida e ampla aceita<;:ao pelo universo juridico brasileiro e pela gradual difusao de suas ideias pelo mundo, ja tendo sido publicada, em sua primeira decada de existencia, nas linguas inglesa, alema e espanhola.

Segundo o jurista brasileiro, "normas niio siio textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construidos a partir da interpre­tariio sistemica de textos normativos", ou seja, as normas juridicas sao aquilo que se interpreta dos enunciados normativos, de modo que os dispositivos (enunciados juridicos) consistem no objeto da interpretas:ao, enquanto as normas no seu resultado, entretanto, "nao ha correspondencia biunivoca entre dispositivo e norma':36

35. Ibidem, p. 116-120.

36. Avila explica que nao existe correspondencia biunivoca entre norma e dispositivo, isto e, pode haver dispositivo e nao haver norma, ou haver normae nao haver dispositivo que lhe sirva de suporte. Assim como uma Unica norma pode ser construida a partir de mais de urn dispositivo, ou a partir de urn linico dispositivo construir-se mais de uma norma. AVILA, Humberto. Teoria dos principios: da definiyao a aplicayao dos prindpios juridicos. ll.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 30-31.

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Disso decorre, como explica Avila, que a interpretar;:iio nao consiste em urn ato descritivo de urn significado previamente estabelecido, mas sim em urn ato de decisao que constr6i a signifi.ca<;:ao e os sentidos de urn determinado texto. 0 ponto central de tudo isso "esta no fato de que o interprete nao atribui 'o' significado correto aos termos legais': na verdade o que ele faz e construir arquetipos de uso da linguagem ou vers6es de signi­ficado (sentidos), pois "a linguagem nunca e algo pre-dado, mas algo que se concretiza no uso, ou melhor, com uso': deste modo e inaceitavel en tender a atividade interpretativa como sen do urna atividade que se procede mediante urn processo de subsun<;:ao.37

Em razao disso, "o interprete nao s6 constr6i, mas reconstr6i sentido" em face da existencia de significay6es incorporadas ao uso da linguagem, ou seja, "interpretar e construir a partir de alga, por isso, significa reconstruir': Isso se deve, em primeiro lugar, ao fato da interpreta<;:ao partir inicialmente dos pr6prios textos normativos, que limitam a constrw;:ao de sentidos e, em segundo lugar, por manipular a linguagem, "a qual sao incorporados nu­cleos de sentidos, que sao, por assim dizer, construidos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual''.38

& normas, bern como sua extensao e significado, dependem de urna constru<;:ao realizada pelo interprete - quer julgador, quer cientista- no caso in concreto. Disso decorre que uma norma niio pode, segundo Avila, ser classificada como regra ou como principia sem antes passar pelo processo de interpretar;:iio em face de deter­minado caso jatico, pois "essa qualifi.cayao normativa depende de conex6es axiol6gicas que nao estao incorporadas ao texto nem a ele pertencem, mas sao, antes, construidas pelo proprio interprete':39

Avila refuta as distin<;:6es classicas entre regras jur{dicas e princfpios jurfdicos, inclusive as propostas por Dworkin e Alexy,

37. Ibidem, p.32.

38. Ibidem, p.33-34.

39. Ibidem, p.34.

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cap. Ill • PRINCfPIOS CONSTITUCIONAIS

por entender que tais distin96es, em verdade, nii.o distinguem as duas especies da norma juridica. Segundo ele, os principais crih~rios tradicionais de distin<;:ao sao: i) criteria do carater hipotetico-condicional; ii) criteria do modo final de aplica9iio; iii) criteria do fund amen to axiol6gico; e iv) criteria do relacio­namento normativo, ou do conjlito normativo.

De acordo como criteria do carater hipotetico-condicio­nal, as regras possuem uma hip6tese e uma consequencia que predeterminam a decisao, pois sao aplicadas ao modo ''se ... , en­tao ... ", enquanto os prindpios somente apontam o fundamento que o interprete utilizani para posteriormente encontrar a regra a ser aplicada ao caso fatico. Avila refuta este criterio, de urn lado, por entender que as regras tambem indicam fundamen­tos, pois em qualquer norma juridica "ha referenda a fins': de outro lado, por entender que "os prindpios tambem possuem consequencias normativas': de modo que "o quali:ficativo de prindpio ou de regra depende do uso argumentativo, e nao da estrutura hipotetica:".40

Conforme o criteria do modo final de aplica9ii.o, as regras sao aplicadas de modo absoluto (tudo-ou-nada), enquanto os prindpios sao aplicados de modo gradual (mais ou menos), conforme o caso concreto. Avila afasta tal criterio, sobretudo, sob o argumento de que "quando se defende que os prindpios sao aplicados mais ou menos centra-se a amilise, em virtude da ausencia de descri<;:ao da conduta devida, no estado de coisas que pode ser mais ou menos atingido': entretanto, segundo ele, nao sao OS prindpios que sao aplicados de modo gradual, "mas e o estado de coisas que pode ser mais ou menos aproximado, dependendo da conduta adotada como meio': Nesse sentido, Avila a:firma que o prindpio e ou nao e aplicado, isto e, "ou 0 comportamento necessario a realiza<;:ao ou preserva<;:ao do estado de coisas e adotado, ou nao e adotado"Y

40. Ibidem, p.43.

41. Ibidem, p.SO.

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PRINCiPIDS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Segundo o criteria do fundamento axiol6gico, os prindpios, de modo diverso as regras, sao considerados como sendo fun­damentos axiol6gicos para a tomada de decisiio. Avila aparta-se de tal concepyiio a:firmando categoricamente que "a dimensiio axiol6gica niio e privativa dos prindpios, mas elemento integrante de qualquer norma juridica'; inclusive das regras "em funyiio dos valores e fins que elas visam resguardar':42

De acordo com o criteria do relacionamento normativo ou do conflito normativo a antinomia entre regras juridicas e solucionada mediante a invalidayiio de urna delas, ou mediante a criayiio de urna exceyiio, ja o con.flito entre prindpios e solucionado mediante ponde­rayiio, que atribui urna dimensiio de peso a cada urn deles frente ao caso concreto. Avila refuta esta distinyiio, sobretudo, por considerar que a ponderayaO nao e exclusiva dos principios, "mas e qualidade geral de qualquer aplicayao de normas'; de modo que a diferenya niio se encontra no fato das regras, ao contrano dos prindpios, niio poderem ser ponderadas, mas sim no tipo de ponderayiio que se faz.43 Nessa linha, o jurista brasileiro a:fi.rma que, "em alguns casos as regras entram em conflito sem que percam sua validade, e a soluyiio para o conflito depende da atribuiyiio de peso maior a urna delas, devendo entiio ser ponderadas, o que se da "mediante urn processo de ponderayiio de raz6es'; que consiste em urn "sopesamento de circunstancias e de argumentos':44 Nesse sentido, Avila nos exp6e algumas situay6es em que, segundo ele, veri:fica-se a atividade de ponderayiio de regras, dentre as quais destacamos: i) na delimitar;:ao de hip6teses normativas semanticamente abertas ou de conceito jurfdi­co-politicos; ii) nas decisoes a respeito da aplicabilidade de precedentes judiciais ao caso concreto; iii) na utilizar;:ao de formas argumentativas como analogia e "argumentum e contrario".45

42. Ibidem, p. 59.

43. Ibidem, p. 58-59.

44. Ibidem, p. 51-54.

45. Para urn estudo rnais detalhado das situac;:6es ern que, segundo Hurn­berto Avila, verifica-se a atividade de ponderac;:ao de regras, ver: AVILA,

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cap. Ill • PRINCJPIOS CONSTITUCIDNAIS

Ap6s analisar e criticar as conceps;oes tradicionais da distins;ao entre prindpios e regras, .Avila constr6i uma definis;ao propria, a qual, de maneira breve e simpli:ficada, tentaremos reproduzir aqui, mesmo correndo o inevitavel risco da simpli:ficas;ao excessiva.

Partindo-se da compreensao de que as normas nao podem ser classificadas como regras ou como prindpios sem antes passarem pelo processo de interpretas;ao em face do caso concreto, .Avila afirma que "os dispositivos podem gerar, simultaneamente, mais de uma especie normativa': de modo que "um ou varios disposi­tivos, ou mesmo a implicas;ao l6gica deles decorrente, pode expe­rimentar uma dimensiio imediatamente comportamental (regra), finalistica (prindpio) e/ou met6dica (postulado)".46

Assim, segundo .Avila, pode-se distinguir os prindpios das regras atraves de tres criterios principais: i) criterio da natu­reza do comportamento prescrito ou da natureza da descrifiiO normativa; ii) criterio da natureza da justificafiio exigida; e iii) criterio da medida de contribuifiiO para a decisiio. 47

Conforme o criterio da natureza do comportamento pres­crito ou da natureza da descrifiio normativa, regras e prindpios se diferenciam com base no modo como prescrevem o compor­tamento. Nesse sentido, .Avila afirma que as regras sao "normas imediatamente descritivas': pois constituem obrigas;oes, permis­s6es e proibis;6es descrevendo a conduta a ser adotada. Por outro lado, OS prindpios sao "normas imediatamente finalisticas': pois estabelecem um estado ideal de coisas a ser promovido e cuja concretizas;ao depende da ados;ao de certas condutas.48

De acordo com o criterio da natureza da justificafiiO exigi­da, regras e prindpios se dissociam tendo como base a justifi.cas;ao

Humberto. Teoria dos principios: da defini<;:ao a aplica<;:ao dos principios juridicos. ll.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p.52-58.

46. Ibidem, p. 69.

47. Ibidem, p. 71-78.

48. Ibidem, p. 71.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIDNAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

que exigem. Nessa linha, Avila explica que as regras exigem, para sua interpreta<;:ao e aplica<;:ao, "uma avalia<;:ao da correspondencia entre a constru<;:ao conceitual dos fatos e a constru<;:ao conceitual da norma e da finalidade que lhe da suporte': Ja os prindpios exigem, para sua interpreta<;:ao e aplica<;:ao, "uma avalia<;:ao da correla<;:ao entre o estado de coisas posto como fim e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessaria':49

Segundo o criteria da medida de contribuifiiO para a deci­siio, regras e prindpios distinguem-se quanto ao modo que con­tribuem para a decisao. Nesse sentido, Avila ensina que as regras sao normas "preliminarmente decisivas e abarcantes, na medida em que, a despeito da pretensao de abranger todos os aspectos relevantes para a tomada de decisao, tern a aspira<;:ao de gerar uma solu<;:ao espedfica para o conflito entre raz6es': Por outro lado, OS prindpios sao "normas pre[iminarmente complementares e preliminarmente parciais': uma vez que albergam somente parte dos aspectos proeminentes para a tomada de decisao e, por isso, "nao tern a pretensao de gerar uma solu<;:ao esped:fica, mas de contribuir, ao lado de outras raz6es, para a tomada de decisao".50

Em face das distin<;:6es estabelecidas, Avila desenvolve o seguinte quadro esquematico:51

Prindpios Regras

Dever imediato Promoc;ao de um Adoc;ao da conduta estado ideal de descrita coisas

49. Ibidem, p. 73.

50. Ibidem, p. 76.

51. Ibidem, p. 78.

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cap. Ill • PRINCJPIOS CONSTITUCIONAIS

Prindpios Regras

Dever mediato Ado<;ao da conduta Manuten<;ao necessaria de fidelidade

a finalidade subjacente e aos princfpios superiores

Justifica~ao Correla<;ao entre Correspondencia efeitos da conduta entre o conceito da e o estado ideal de norma e o conceito coisas do fato

Pretensao de Concorrencia e Exclusividade e decidibilidade parcialidade abard\ncia

Ap6s estabelecidas as distins;6es entre prindpios e regras, Humberto Avila apresenta os seguintes conceitos para as men­cionados especies normativas: "As regras sao normas imediata­mente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensao de decidibilidade e abrangencia, para cuja aplicas;ao se exige a avalias;ao da correspondencia, sempre centrada na :finalidade que lhes da suporte ou nos prindpios que lhes sao axiologicamente sobrejacentes, entre a construs;iio conceitual da descris;iio nor­mativa e a construs;ao conceitual dos fatos [ ... ] Os principios sao normas imediatamente finalisticas, primariamente prospectivas e com pretensiio de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicas;iio se demanda uma avalias;ao da correlas;ao entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessaria a sua promos;iio':52

Nada obstante, a teoria da norma de Humberto Avila estabe­lece uma concepriio complexa da norma juridica, que compre-

52. Ibidem, p. 78-79.

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PRINCfPIOS PROCESSUAJS CONSTJTUCJONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

ende alem das regras e dos principios, os postulados juridicos ( uma categoria de norma jurfdica de segundo grau), que, segundo o au tor brasileiro, de forma generica, consistem nas ''condif6es es­senciais, sem as quais o objeto niio podeser sequer apreendido". 53

Na seara juridica, segundo Avila, os postulados dividem-se em duas especies: i) postulados hermeneuticos, que se destinam a compreensao geral do direito; e ii) postulados normativos aplicativos, que consistem em "normas imediatamente meto­dicas que instituem os criterios de aplicaqao de outras normas situadas no plano do objeto da aplicaqao': ou seja, consistem em "normas sobre a aplicaqao de outras normas, isto e, como metanormas': cuja funqao primordial e estruturar a aplicaqao concreta do Direito.54

Iniciando-se a analise pelos postulados hermeneuticos -aqueles "cuja utilizaqao e necessaria a compreensao interna e abstrata do ordenamento jurfdico"-,55 Avila apresenta-nos o pos­tulado da unidade do ordenamento juridico, o postulado da coe­rencia (subelemento do postulado da unidade do ordenamento juridico) e o postulado da hierarquia.

Em relaqao ao postulado da unidade do ordenamento juri­dico, Avila explica que tal postulado exige do interprete do direito "o relacionamento entre a parte e o to do mediante o emprego das categorias de ordem e de unidade':56

Ja o postulado da hierarquia, segundo Avila, remete-nos a visualizaqao do ordenamento como sendo urn arcabouqo es­calonado (hierarquizado) de normas, em face do qual derivam criterios importantes para a interpretaqao das normas juridicas, como, por exemplo, a interpretaqao conforme a Constituiqao.57

53. Ibidem, p. 123.

54. Ibidem, p. 123-124.

55. Ibidem, p. 125.

56. Ibidem, p. 126.

57. Ibidem, p. 126.

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cap. Ill • PRINCiPJOS CONSTITUCIONAJS

Nessa perspectiva, segundo Avila, no que tange a problema­tica da hierarquia das normas constitucionais, pode-se dizer que ela engloba dois pianos: plano concreto e plano abstrato. 0 plano concreto exige a existencia de urn conflito concreto entre normas juridicas, importando saber qual delas (normas colidentes) devera prevalecer frente aquele caso. Assim, no plano concreto o que se investiga e a relac;:ao de prevalencia concreta (fatica) de uma nor­ma, em urn caso real de conflito normativo. Ja no plano abstrato, Avila a:firma que ha dois problemas a serem resolvidos: urn que diz respeito a relac;:ao de prevalencia abstrata entre normas e outro que diz respeito a relac;:ao de conexao de sentido entre normas. No primeiro problema, isto e, sobre a relac;:ao de prevalencia abs­trata entre normas, Avila a:firma que "importa saber se algumas normas juridicas possuem hierarquia superior, no sentido de uma preferencia imanente ao sistema juridico, de carater definitivo ou relativo, relativamente a outras normas':ss ou seja, importa descobrir qual norma tern "maior valor': qual norma se "sobre­p6e''. No segundo problema, isto e, sobre a relac;:ao de conexao de sentido entre normas, tambem denominada: ordenac;:ao interna, combinac;:ao de normas e/ou conexao de fundamentac;:ao, Avila a:firma que "e preciso saber quais sao as relac;:6es de dependencia (abhi:i.ngigkeitsbezeihungen) existentes entre as normas juridicas dentro de urn sistema juridico espedfico':59

Em surna, o ponto determinante para a compreensao do postulado da hierarquia,60 e que ele refere-se a ideia de preva­Iencia de uma norma sobre a outra, isto e, a ideia de se apontar

58. Ibidem, p. 126.

59. Ibidem, p. 126.

60. Avila, ainda, aborda a hierarquia sob outras perspectivas, como a da se­mi6tica, por exemplo, contudo nao se faz oportuno discorrer sabre elas neste trabalho. Para uma melhor compreensao do postulado da hierarquia na visao do professor Humberto Avila, ver: AVILA, Humberto. Teoria dos principios: da definiyaO a aplicayiiO dos princfpios juridicos. 1l.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 126 e ss.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

qual norma "vale mais':61 For :fim, vale dizer que, para Avila, o postulado da hierarquia e insu:ficiente para abarcar as complexas rela<;:6es juridico-normativas, fazendo-se necessaria sua comple­menta<;:ao por urn novo modelo de sistematiza<;:ao,62 qual seja: o postulado da coerencia.

0 postulado da coerencia, segundo Humberto Avila, advem da ideia de conexao de sentido, isto e, da rela<;:ao de dependencia entre normas, sendo condi<;:ao de possibilidade do conhecimento que deve ser preenchido atraves da interpreta<;:ao dos textos nor­mativos. A coerencia, nos dizeres do jurista brasileiro, "e tanto urn criterio de rela<;:ao entre dois elementos como uma propriedade resultante dessa mesma rela<;:ao':63 Mais ainda, apoiando-se em Susanne Bracker,64 Avila demonstra que a coerencia divide-se em formal e material ( ou substancial), de modo que, a coerencia formal relaciona-se a no<;:ao de consistencia e completude, e a coe­rencia material/substancialliga-se a conexao positiva de sentido.65

No que se refere a coerencia formal, Avila a:firma que, formalmente, urn conjunto de proposi<;:6es deve preencher os

61. Ibidem, p. 127.

62. Conforme explica Humberto Avila, sua proposta e de complementarida­de, visto que o modelo hienirquico de sistematiza~ao, caracterizado pela linearidade, pela simplicidade e por nao ser gradual, tern consequencias, em face de sua nao implementa~ao, que se alocam, principalmente, no plano da validade da norma. Assim, ele prop6e "urn modelo de siste­matiza~ao circular (as normas superiores condicionam as inferiores, e as inferiores contribuem para determinar os elementos das superiores), complexo (nao ha apenas uma rela~ao vertical de hierarquia, mas v:irias rela~6es horizontais, verticais e entrela~adas entre as normas) e gradual (a sistematiza~ao sera tanto mais perfeita quanto maior for a intensidade da observancia dos seus varios criterios), cuja consequencia preponderante esta alocada no plano da e:fi.c:icia': Ibidem, p. 129.

63. Ibidem, p. 129.

64. BRACKER, Susanne. Koharenz und juristische Interpretation. Baden­-Baden: Nomos, 2000.

65. AVILA, Humberto. Teoria dos prindpios: da defini~ao a aplica~ao dos prindpios jur1dicos. ll.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 129.

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cap. Ill • PRINCfPIOS CONSTITUCIONAIS

requisitos de consistencia e completude para serem considerados coerentes. 0 primeiro criteria, a consistencia, implica na ausencia de contradic;:ao, isto e, exige que urn conjunto de proposic;:6es nao contenha, simultaneamente, urna determinada proposic;:ao e sua negac;:ao. Ja o segundo criteria, a completude, implica na "relac;:ao de cada elemento com o restante do sistema, em termos de inte­gridade ( o conjunto de proposic;:6es con tern todos os elementos e suas negac;:6es) e de coesao inferencial ( o con junto de proposic;:6es contem suas pr6prias consequencias l6gicas)".66

Quanta a coerencia substancial, Avila afirma que, material­mente, urn conjunto de proposic;:6es caracteriza-se como sendo coerente, quanta maiores forem: a) a reciproca relar;:ao de depen­dencia entre as proposir;:oes do con junto, dentre de urn criteria de· implicac;:ao l6gica e equivalencia l6gica;67 e b) os seus elementos comuns, em face da semelhanc;:a dos significados de suas propo­sic;:6es.68 Nesse sentido, a coerencia material/substancial e gra­duavel, isto e, permite a graduac;:ao ( diferentemente da coerencia formal), vez que ela pode ser maior ou menor. No que se refere a coerencia substancial, ha de se destacar, ainda, dois pontos importantes na obra de Avila, que tangem a fundamentac;:ao: a fundamentar;:ao par suporte e a fundamentar;:ao par justificar;:ao reciproca.

Segundo Avila, a fundamentar;:ao par suporte refere-se a sustentac;:ao de urn enunciado pelo outro, de modo que, quanta mais bern sustentado (suportado) urn enunciado for por outro

66. Ibidem, p. 130.

67. Segundo Avila, "a coerencia substancial em razao da dependencia red­proca existe quando a relas:ao entre as proposis:oes satisfaz requisitos de implicas:ao 16gica (a verdade da premissa permite concluir pela verdade da conclusao) e de equivalencia 16gica (o conteudo de verdade de uma proposis:ao atua sobre o conteudo de verdade da outra e vice-versa)". Ibidem, p. 130.

68. Segundo Avila, "a coerencia substancial em raziio de elementos comuns existe quando as proposis:oes possuem significados semelhantes': Ibidem, p. 130.

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enunciado, mais coerente sera. a fundamentac;:ao. Por uma ques­tao l6gica, como assinala Avila, esta fundamentac;:ao se da na direc;:ao do espedfi.co para 0 geral, isto e, OS enunciados mais espedfi.cos devem ser suportados (sustentados, fundamentados) pelos mais gerais. Garante-se a intensidade atraves da escolha de premissas plausfveis, das quais decorram logicamente as conclu­s6es. '~ conexao de sentido fundamenta-se na ideia de unidade e coerencia do sistema juridico, bem como preconiza clareza conceitual, unidade formal e plenitude sistemica:': A estrutura­c;:ao das normas juridicas deriva dos prindpios da igualdade, da tendencia generalizadora da justic;:a e da seguranc;:a juridica, e "determina que as normas devem ser reconduzidas a poucos prindpios aglutinadores':69 Nesse sentido, os prindpios de maior grau de abstrac;:ao dentro do sistema determinam o significado das normas menos abstratas.70 Assim, como bem leciona Ingo Wolfgang Sarlet, o prindpio fundamental da dignidade da pessoa humana, no ambito do constitucionalismo brasileiro vigente, e 0

fundamento juridico axiol6gico unifi.cador e matriz (em maior ou menor grau) de todos os direitos fundamentais.71

Ja a fundamentar;iio par justificar;iio redproca, segundo Avila, liga-se a relac;:ao entre dois elementos, dentro do sistema, em que o primeiro elemento pertence a premissa da qual, logicamente, decorre o segundo elemento e, simultaneamente, o segundo elemento pertence a premissa da qual, logicamente, decorre o primeiro elemento, isto e, trata-se de uma relac;:ao 16gica de re­ciprocidade justificante, em que, ao mesmo tempo, um justifi.ca

69. Ibidem, p. 132.

70. Nos dizeres de Avila: "pode-se afirmar que a constru<;:ao substancial de urn sistema deve ser feita a partir do grau de abstra<;:ao vinculado a sobreposi­<;:iio axiol6gica das normas juridicas, no sentido de que os prindpios que possuem maior grau de abstra<;:ao determinam o significado normative de outras normas menos abstratas': Ibidem, p. 133.

71. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficacia dos direitos fundam.entais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 110-111.

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cap. Ill • PRINCJPIOS CONSTITUCIDNAIS

o outro e vice-versa.72 Nesse sentido, como bern demonstra Ingo Wolfgang Sarlet, o principia fundamental da dignidade da pessoa hurnana e a matriz juridico-axiol6gica dos direitos fundamentais, ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais consistem na materializas:ao constitucional do principia da dignidade da pessoa hurnana, isto e, atraves dos direitos fundamentais implementa-se o principia fundamental da dignidade da pessoa humana, ao mesmo tempo em que o conteudo essencial e comurn dos direitos fundamentais encontra-se assegurado no principia fundamental da dignidade da pessoa humana.73 Avila afirma ainda, que ha tres formas principais de fundamentas:ao por justificas:ao reciproca: a empirica, a analitica e a normativa. A fundamentar;:Ci.o reciproca empirica se da quando a existencia de urn elemento depende da exist en cia do outro elemento e vice-versa, 74 assirn, a nosso ver, nao ha como se chegar aos direitos fundamentais sem assegurar-se a dignidade da pessoa humana (pois nascem dela), bern como nao ha como se chegar a dignidade da pessoa humana sem assegurar os direitos fundamentais (pois sao a materializas:ao desta no ambito do Estado Constitucional). A Jundamentar;:Ci.o reciproca analitica se da quando a existencia de urn elemento e condis:ao conceitual necessaria para a existencia do outro e vice-versa/5

assirn, a nosso ver, nao ha como se conceituar o principia fun­damental da dignidade da pessoa hurnana (art. l 0 , III, CF/88) sem mencionar os direitos fundamentais (pois consistem na sua materializas:ao no ambito constitucional), bern como nao ha como se conceituar os direitos fundamentais, no ambito do constitu­cionalismo brasileiro, sem se mencionar o principia fundamental

72. AVILA, Humberto. Teoria dos prindpios: da defini<;:ao a aplica<;:ao dos principios juridicos. 1l.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 134.

73. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficacia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 93-115.

74. AVILA, Humberto. Teoria dos prindpios: da defini<;:ao a aplica<;:ao dos principios juridicos. 1l.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 134.

75. Ibidem, p. 134-135.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIDNAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

da dignidade da pessoa humana (pois ele consiste na sua matriz juridico-axiol6gica). Afundamentar;:ao reciproca normativa se da "quando duas linhas argumentativas diversas podem ser combi­nadas urna com a outra76 de duas maneiras: a) "a fundamenta<;:ao de mais de urn enunciado especifi.co por urn enunciado mais geral (fundamenta<;:ao dedutiva)77 a nosso ver, por exemplo, atraves da fundamenta<;:ao dos diversos direitos fundamentais ( enunciados mais espedficos), tais como o direito fundamental a liberdade, direito fundamental a igualdade, direito fundamental a suade etc., pelo principia fundamental da dignidade da pessoa hurnana (enunciado mais geral); b) "a fundamenta<;:ao de urn enunciado mais geral por urn enunciado mais espedfico (fundamenta<;:ao indutiva)'/8 a nosso ver, por exemplo, abstraindo o conteudo de dignidade humana contido em cada direito fundamental espe­dfico, isto e, abstraindo a dimensao de liberdade da dignidade da pessoa humana contida no direito fundamental a liberdade, chegando-se, entao, a dignidade da pessoa hurnana, abstraindo a dimensao de igualdade da dignidade da pessoa humana contida no direito fundamental a igualdade, chegando-se, en tao, a digni­dade da pessoa hurnana etc., ate mesmo porque nao ha como se falar em dignidade da pessoa hurnana sem se falar em urn minima de direitos inerentes a ela, que a resguardam e a promovem.

Passando-se a analise dos postulados normativos aplicativos, aqueles que regem a aplica<;:ao do direito de forma concreta, ou seja, a aplica<;:ao dos prindpios e regras juridicas aos casas faticos, na esteira dos dizeres de Hurnberto .Avila, pode-se afirmar que sao entendidos como "deveres estruturais, isto e, como deveres que estabelecem a vincula<;:ao entre elementos e imp6em deter­minada relar;:ao entre eles': podem ser divididos em postulados inespecificos e postulados especificos. 79

76. Ibidem, p. 135.

77. Ibidem, p. 135.

78. Ibidem, p. 135.

79. Ibidem, p. 144.

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cap. Ill • PRINCJPIOS CONSTITUCIONAIS

Os postulados inespecificos (tambem chamados de incon­dicionais) sao aqueles que se aplicam "independentemente dos elementos que serao objeto de relacionamento': isto e, OS elemen­tos e OS criterios sao inespedficos, indeterminados.80 Nos dizeres de Avila, "nessas hip6teses os postulados normativos exigem o relacionamento entre elementos, sem especifi.car, porem, quais sao os elementos e os criterios que devem orientar a relas;ao entre eles. Sao postulados normativos eminentemente formais. Constituem-se, pois, em meras ideias gerais, despidas de criterios orientadores de aplicas;ao':81

De outro modo, os postulados especificos (tambem chama­dos de condicionais) sao aqueles que dependem da existencia de certos elementos e se pautam em certos criterios, isto e, sua aplicabilidade condiciona-se a especificidade dos elementos. No dizeres de Avila, "nessas hip6teses os postulados normativos exi­gem o relacionamento entre elementos espedficos, com criterios que devem orientar a relas;ao entre eles. Tambem sao postulados normativos formais, mas relacionados a elementos com especies determinadas': 82

Humberto .Avila apresenta-nos os seguintes postulados normativos aplicativos inespecificos: pondera9iio, concordan­cia pnitica e proibi9iio de excesso; e os seguintes: igualdade, ra­zoabilidade e proporcionalidade. Seguindo-se, exporemos agora, brevemente, cada urn deles.

A pondera9iio, segundo Avila, "consiste num metodo desti­nado a atribuir pesos a elementos que se entrelas;am, sem referen­da a pontos de vista materiais que orientem esse sopesamento': podendo ser objeto deponderas;ao, os bens juddicos, os interesses, os valores, os prindpios juridicos, dentre outros elementos. Ape­sar de se tratar de urn postulado inespedfico, Avila ressalva que se

80. Ibidem, p. 144.

81. Ibidem, p. 144.

82. Ibidem, p. 145.

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PRINCiPJDS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

faz necessario estrutuni-lo de maneira que ele possa se apresentar como urn postulado mais seguro e criterioso.83

A concordancia pnitica, conforme ensina Avila, consiste na ":fi.nalidade que deve direcionar a ponderas;ao: o clever de reali­zas;ao m8.xima dos valores que se imbricam': ou seja, trata-se de urn clever de harmonizas;ao de val ores, protegendo-os ao maximo, bus cando o equilibrio entre os val ores con:flitantes atraves de urna sintese dialetica.84

A proibip:io de excess a, como explica Avila, consiste na proibi­s;ao da restris;ao excessiva de qualquer Direito Fundamental, isto e, mesmo em urna ponderas;ao entre Direitos Fundamentais, nenhurn deles pode ser restringido de maneira "que lhe retire urn minimo de e:fi.d.cia:': Segundo Avila, muitas vezes esse postulado e confundido como sendo urna das facetas do "prindpio da proporcionalidade': o que e urn erro, visto que a "proibis;ao de excesso esta presente em qualquer contexto em que urn direito fundamental esteja sendo restringido'; independentemente se isto esta sendo feito mediante, ou em funs;ao do "prindpio da proporcionalidade':ss

A igualdade, de acordo com Avila, assume tres faces distintas: de regra, de prindpio e de postulado. Como regra, prescreve a proibis;ao de tratamento discriminat6rio; como prindpio, estabe­lece urn estado ideal de igualdade a ser promovido; e como pos­tulado estrutura "a aplicas;ao do Direito em funs;ao de elementos ( criterio de diferencias;ao e :fi.nalidade da distins;ao) e da relas;ao entre eles (congruencia do criterio em razao do :fi.m)".86

A razoabilidade, como ensina Avila, "estrutura a aplicas;ao de outras normas" (prindpios e regras), sobretudo das regras juridicas, podendo ser utilizada em varios sentidos e em diversos contextos, entretanto podendo ser tipificada em tres aceps;6es principais: i)

83. Ibidem, p. 145.

84. Ibidem, p. 147.

85. Ibidem, p. 148.

86. Ibidem, p. 152.

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cap. Ill • PRINCfPIOS CONSTITUCIDNAIS

como equidade, o postulado darazoabilidade exige aharmonizas;ao do caso concreto a norma geral; ii) como congruencia, "exige a har­monizas;ao das normas com suas condis;6es e:x:ternas de aplicas;ao"; iii) como equivalencia, exige que a relas;ao entre a medida adotada eo criterio que a dimensiona seja equivalente.87

Aproporcionalidade,88 conforme explica Avila, exige que se­jam escolhidos meios adequados, necessarios e proporcionais (em sentido estrito) para a promos;ao de seus fins. De modo que, "urn meio e adequado se promove 0 :fim'; e necessmo quando "dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fun, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais'; e e proporcional, em stricto sensu, "seas vantagens que promove supe­ram as desvantagens que provoca''. Ou seja, a aplicas;ao do postulado da proporcionalidade consiste em urna relas;ao de causalidade entre meio e fun, de modo que, "adotando-se o meio, promove-se o fim".89

Conforme observa Avila, razoabilidade nao se confunde com proporcionalidade, sobretudo em razao de o postulado da razoabilidade nao se :referir a urna relas;ao de causalidade entre meio e fun, ao contrario do que ocorre com o postulado da pro­porcionalidade.90

Em arremate, deve-se dizer que Hurnberto Avila apresenta­-nos urna conceps;ao inovadora da norma juridica, especialmente no ambito do ordenamento juridico patrio, de urn lado, porque admite urn processo de ponderas;ao nao s6 dos prindpios, mas

87. Ibidem, p. 160.

88. Para urn maior aprofundamento sobre a proporcionalidade na 6tica de Humberto Avila, ver: AVILA, Hurnberto. A distinyao entre principios e regras e a redefi.niyao do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, no. 215, jan.-mar., 1999, p. 151-179.

89. AVILA, Hurnberto. Teoria dos principios: da defi.niyao a aplicayao dos principios juridicos. 1l.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 161.

90. Para urn aprofundamento da distinyao, na 6tica de Hurnberto Avila, ver: AVILA, Hurnberto. Teoria dos principios: da defi.niyaO a aplicayaO dos principios juridicos. 1l.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 161-162.

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PRJNCiPJOS PROCESSUAJS CONSTJTUCIDNAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

tam bern das regras juridicas, de outro lado, porque comporta uma terceira especie normativa, os postulados juridicos.

Z. OS PRINCIPAlS CRITERIOS DE DIFERENCIACAO ENTRE PRINCIPIOS E REGRAS NO DIREITO CONTEMPORANEO

Ap6s apresentarmos as concepc;:6es tradicionais e as "novas" (porem, ja chl.ssicas) dos prindpios juridicos, faz-se importante apresentar, resumidamente, quais os principais criterios de dife­renciac;:ao entre regras e prindpios nos atuais sistemas juridicos dos Estados (Constitucionais) Democraticos de Direito.

Assim, partindo-se da compreensao de que o sistema juri­dico, no paradigma do Estado Democratico de Direito, consiste num sistema normativo aberto composto por regras e prindpios e tendo como base as compreens6es novas e tradicionais da norma juridica, J.J. Gomes Canotilho identifica os principais criterios de distinc;:ao entre as duas especies normativas.91

Segundo explica Canotilho, sao cinco os principais criterios de diferenciar;iio entre regras e prindpios apresentados pela doutrina.

i) Grau de abstrar;iio: com base neste criteria, as regras sao entendidas como as normas juridicas que possuem baixo grau de abstrac;:ao, por outro lado, os prindpios sao entendidos como as normas juridicas que possuem urn elevado grau de abstrac;:ao;92

ii) Grau de determinabilidade na aplicar;iio do caso concre­to: atraves deste criteria, entende-se que as regras consis­tem nas normas juridicas que sao suscetiveis de aplicac;:ao direta, mediante subsunr;iio, enquanto os prindpios, por serem semanticamente indeterminados e abertos, neces-

91. CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui"iio. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1159.

92. Ibidem, p. 1160.

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cap. Ill • PRINCJPIOS CONSTJTUCJONAIS

sitam de interferencias consolizadoras (do legislador, do magistrado, do interprete);93

iii) Caniter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito: conforme este criterio, os prindpios consis­tem nas "normas de natureza estruturante ou com urn papel fundamental no ordenamento juridico devido a sua posis;ao hienirquica no sistema das fontes ou a sua importancia estruturante dentro do sistema juridico";

iv) Proximidade da ideia de direito: segundo este criterio, as regras consistem nas "normas vinculativas com urn conteudo meramente funcional': enquanto os prindpios consistem em "'standards' juridicamente vinculantes ra­dicados nas exigencias de 'justi<;:a' (Dworkin) ou na 'ideia de direito' (Larenz)";94

v) Natureza normogenetica: com base neste criterio, os prindpios consistem em "fundamento de regras, isto e, sao normas que estao na base ou constituem a ratio de regras juridicas, desempenhando, por isso, uma funs;ao normogenetica fundamentante".95

Assim, segundo Canotilho, os principios consistem em norm as juridicas que imp6em urna otimizas;ao de seu conteudo normativo, sen do possivel sua realizas;ao em graus diferentes de concretizas;ao, em face das possibilidades fatico-juridicas de cada caso concreto, sendo sua convivencia conflitual, isto e, existindo tens6es entre os prindpios do ordenamento juridico sem que haja, contudo, a invalidade de urn deles.96 Ademais, "os prindpios, ao constituirem exigencias de opmitizar;iio, permitem o balanceamento de valores e interesses (nao obedecem, como as regras, a <<16gica do tudo ou nada>> ), consoante o seu peso e a ponderas;ao de outros prindpios

93. Ibidem, idem.

94. Ibidem, idem.

95. Ibidem, p. 1161.

96. Ibidem, idem.

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PRINCfPIOS PRDCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

eventualmente conflituantes; [ .. ] ern caso de conflito entre principios, estes podern ser objecto de ponderac;:ao e de harrnonizac;:ao, pois eles contern apenas <<exigencias>> ou <<standards>>, que ern <<prirneira linha>> (prima facie), devern ser realizados [ ... ] Real­c;:a-se tarnbern que os principios suscitarn problemas de validade e peso (irnportancia, ponderac;:ao e valia)':97

Ja as regras consistern ern norrnas que preveern urn conteudo norrnativo irnperativo que exige urna proibic;:ao, urna perrnissao ou urna obrigatoriedade, que e ou nao e curnprido ern sua totalidade, ou se curnpre to do o conteudo norrnativo, ou nao se curnpre nada, nao podendo ser aplicadas ern graus diferentes, sendo sua convi­vencia antinornica, assirn ern urn potencial conflito entre regras, urna excluira a outra, invalidando-a.98 Alern disso, "as regras nao deixarn espac;:o para qualquer outra soluc;:ao, pois se urna regra vale (tern validade) deve curnprir-se na exacta rnedida das suas prescric;:6 es, nern rnais nern rnenos [ ... ] as regras con tern < <fixac;:6 es norrnativas> > definitivas, sendo insustentavel a validade sirnultanea de regras contradit6rias [ ... ] as regras colocarn apenas quest6es de validade (se elas nao sao correctas devern ser alteradas)':99

1 CLASSIFICA~AO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS

Como visto nos t6picos anteriores, ha no ambito juridico inu­rneras concepc;:6es (aceitas, inclusive) do que sejarn os principios. Bern, e nesse sem numero de possibilidades de compreender os principios, 0 que se percebe e que muitas dessas compreensoes tem uma raziio de ser (seja entre as concepc;:6es "tradicionais" ou entre a(s) "nova(s)") e possuem uma relevancia para a ciencia juridica.

Assirn, niio se pode ( ou ao menos niio deve-se) monopolizar a compreensiio do que sejam "principios" para o direito, pois,

97. Ibidem, p. 1161-1162.

98. Ibidem, p.1161.

99. Ibidem, p. 1161-1162.

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cap. II! • PRINCiPIOS CONSTITUCIDNAIS

muitas vezes nos referimos a eles, querendo indicar sim uma nor­ma juridica aplid.vel; outras vezes nos referimos a eles querendo indicar os vetores hermeneuticos que orientaram o interprete/ aplicador do direito; outras vezes nos referimos querendo simples­mente indicar as bases normativas fundamentais (que podem ser regras ou prindpios aplid.veis, segundo a(s) nova(s) concepq6es) que fundamentam e regulamentam urn certo ramo juridico, por exemplo, os prindpios do direito penal, os prindpios do direito ambiental, os prindpios do direito processual civil etc.

0 que e verdadeiramenfe importanfe em relafii.O as COncep­fOeS sobre OS principios e saber dissocia-las bem, e saber quando se esta usando uma certa compreensiio ( e conhecer as caracter{s­ticas dos principios segundo essa compreensiio) e quando se esta usando outra, sem misturar concepfi5es inconciliaveis criando confusoes insuperaveis.

Nesse sentido, questiona Jose Adercio Leite Sampaio: "Que sobra depois dessa analise terminol6gica toda? Ou confusiio ou arbitrariedade. A diferenciaqao, a pretexto de precisar a lingua­gem, acaba por criar dificuldades em contrapeso ou como efeito colateraL Alem da preocupaqao em distinguir o sentido do prin­dpio, teremos que saber qual a sua natureza ou a classi:ficaqao, o nome a ser atribuido em substituiqao, o que, como vemos, da espaqo a dissensos. Niio ha pecado capital em utilizar a palavra em diversos sentidos, desde que se saiba separa-los."100

Nessa perspectiva, cabe observar que as concepq6es de prin­dpios de Ronald Dworkin e, sobretudo, de Robert Alexy vern sendo cada vez mais incorporadas a doutrina e a jurisprudencia brasileiras, contudo nem sempre com a precisao e coerencia ne­cessarias. Parece-nos que alguns doutrinadores e magistrados de terrae brasilis, simplesmente, querem citar a compreensiio dos mencionados autores para demonstrar que as conhecem e que as

100. SAMPAIO, Jose Adercio Leite. Teoria da Constituis;ao e dos Direitos Fundamentais. Bela Horizonte: Del Rey, 2013, p. 371.

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PRJNCJPJOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

dominam, como se isso pudesse atestar certo nivel de erudip'io, de inteligencia ou de excelencia.

Bern, ocorre que a falta de seriedade cientifica acaba justa­mente conduzindo ao processo contnirio e criando verdadeiras aberraq6es juridicas, 101 de modo que alguns autores adotam as compreens6es dos prindpios de Dworkin ou de Alexy; ou mesmo ambas (0 que e pior ainda, VeZ que SaO inconciliaveis),102 COIDO base juridica para a estruturac;:ao de seus trabalhos e, posterior­mente, tipificam os prindpios espedficos da tematica abordada com base nas concepc;:6es tradicionais.103

101. Nesse sentido, Virgilio Afonso da Silva, ao discorrer sabre as diferentes teorias da norrna juridica e, consequentemente, diferentes conceituac;:6es de prirlcipios juridicos, afi.rma que "essa diferenc;:a entre os conceitos de prirlcipio tern consequencias irnportantes na relac;:ao entre ambas as concepc;:6es. Tais consequencias, no entanto, passam muitas vezes desper­cebidas, vista que e comum, em trabalhos sabre o tema, que se proceda, preliminarmente, a distinc;:ao entre principios e regras com base nas teorias de Dworkin ou Alexy, ou em am bas, para que seja feita, logo em seguida, uma tip alogia dos prirlcipios constitucionais, nos moldes das concepc;:6es que chamei de tradicionais. Hi, contudo, uma contradic;:ao nesse pro ceder. Muito do que as classificac;:6es tradicionais chamam de principia deveria ser, se seguirrnos a forma de distinc;:ao proposta por Alexy, chamado de regra. Assirn falar em principia do nulla poena sine lege, em principia da legalidade, em principia da anterioridade, entre outros, s6 faz sentido para as teorias tradicionais. Se se adotam os criterios propostos por Ale­xy, essas normas sao regras, nao principios': SILVA, Virgilio Afonso da. Principios e Regras: mitos e equivocos acerca de uma distirlc;:ao. Revista Latirlo-Americana de Estudos Constitucionais. Bela Horizonte, n. 1, jan/jun, 2003, p. 613.

102. Adotar ambas as teorias da norma como plano de fundo de urn mesmo trabalho e, no minima, irlcoerente, vista que existem diferenc;:as signifi­cativas entre as duas teorias. Por exemplo, para Alexy, os prirlcipios sao prirlcipios tao somente em raziio de sua estrutura normativa. Ja para Dworkin a fundamentalidade, isto e, a essencialidade da norma enquanto mandamento nuclear do sistema juridico, e suficiente para qualifica-la como principia. DOS SANTOS, Eduardo R. 0 p6s-positivismo juridico e a normatividade dos prindpios. Bela Horizonte: D'placido, 2014.

103. Nessa perspectiva, Virgilio Afonso da Silva aponta como exemplos, dentre outros: Walter Claudius Rothenburg, que em trabalho intitulado principios

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cap. Ill • PRINCiPIOS CONSTITUCIONAIS

Talvez urn dos exemplos mais comuns sejano ambito do direito penal, em que alguns manuais trazem previamente uma estrutura­c;:ao normativa dos prindpios na concepc;:ao de Dworkin e/ou de Alexy e, logo em seguida, iniciam uma tipificac;:ao dos prindpios penais apontando, dentre outros, a legalidade e a anterioridade pe­nal, que para Robert Alexy sao claramente regras e nao prindpios.

Superadas (ou esclarecidas) essas quest6es terminologicas, pode-se, com base na doutrina,104 apresentar uma classificariio dos principios juridicos, numa perspectiva geral, dividindo-os em: estruturais, funcionais e positivos.

Os principios estruturais, tambim chamados de estruturantes ou principios-construriio, siio aqueles que se destinam ao fun­cionamento do sistema juridico em si, des de a sua existencia ate a sua fundamentariio, organizariio e operacionalizariio. Como explica Jose Adercio Leite Sampaio, "sao pressupostos, condic;:6es e meios operacionais do proprio sistema juridico. Os pressupostos e condic;:6es sao fi.cc;:6es, ideias ou qualidades, postos a priori ou fora da discussao, pela dogmatica e pela pratica juridicas, para que o sistema juridico exista como tale atinja os seus objetivos ou, para atender a todos os gostos te6ricos seu linico fi.m. Sao condic;:6es de possibilidade, referidas tanto a existencia do sistema (legalidade, legislador racional), quanto a sua organizac;:ao (supremacia da Constituic;:ao, sistema de fontes do direito, rigidez constitucional, coerencia sistemica, vedac;:ao de escusa de desconhecimento da

constitucionais, promove a distinyao entre regras e principios segundo Alexy e, em contrapartida realiza uma classificat;:ao tradicional dos principios se­gundo vanos autores; e Ruy Samuel Espindola, que em trabalho intitulado conceito de princfpios constitucionais, realiza a distint;:ao entre regras e prin­cipios conforme Dworkin e Alexy e procede a classificat;:ao dos principios conforme Canotilho. SILVA, Virgilio Afonso da. Principios e Regras: mitos e equivocos acerca de uma distint;:ao. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Bela Horizonte, n. 1, jan/jun, 2003, p. 613.

104. Adotando-se aqui a classificat;:ao apresentada por: SAMPAIO, Jose Ader­cio Leite. Teoria da Constituit;:ao e dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p. 371 e ss.

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PRINCiPJOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

lei). Esses prindpios sao cumulativos: existem em assoda<;:6es, sem exclusao reciproca. Podem ser, entretanto, positivados em alguns sistemas. E o caso, no Brasil, da legalidade geral ou negativa (art. 5°, II), da supremacia constitucional (arts. 97, 102, I, a, III, be c) e da proibi<;:ao de escusa de conhecimento da lei (art. 3°, LICC)".105

Ja os principios funcionais, tambem denominados de ins­trumentais ou operacionais, siio aqueles que se destinam a operacionalizar;iio da hermeneutica jurfdica, seja orientando e/ ou regulando o processo de interpretar;iio e aplicar;iio do direito, seja orientando e/ou regulando a resolur;iio dos conflitos norma­tivos do sistema jurfdico, ou ainda orientando a integrar;iio das lacunas do ordenamento jurfdico. Sao os prindpios que orientam a intepreta<;:ao/aplica<;:ao do direito, como, por exemplo, o da in­terpreta<;:ao conforme a Constitui<;:ao, ou OS que regulamentam a interpreta<;:ao/aplica<;:ao do direito, que neste caso se confundem COlli OS metodos da interpreta<;:ao juridica, que estabelecem as normas fundamentais que o interprete/aplicador deve seguir para interpretar os dispositivos normativos e aplicar as normas, como, por exemplo, OS metodos literal, teleol6gico, sistematico, hermeneutico-concretizador etc. Sao, tambem, os prindpios que orientam e/ou regulamentam a resolu<;:ao das antinomias do ordenamento juridico, como os da razoabilidade e da proporcio­nalidade, bern como os classicos da hierarquia (norma superior revoga norma anterior), da especialidade (norma especial revoga norma geral) 106 e da temporalidade (norma posterior revoga norma anterior). Ademais, sao os prindpios que orientam a in­tegra<;:ao das lacunas do sistema juridica, como, por exemplo, os prindpios gerais do direito e os costumes juridicos.107

105. Ibidem, p. 371-372.

106. Em que pese no caso da especialidade nao haja revogayao, mas apenas a impossibilidade de se aplicar a regra geral a situayao especial, vez que a norma geral pode continuar sendo vigente para os casos que nao possuem norma espedfica.

107. SAMPAIO, Jose Adercio Leite. Teoria da Constituiyao e dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p. 372.

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cap. Ill • PRINCfPIOS CONSTITUCIONAJS

Por sua vez, os principios positivos sii.o aqueles que preveem comandos e/ou estabelecem conteudo de natureza deontol6gica, aproximando-se do classico conceito de normas, estando, prima­riamente, previstos na Constituirii.o (mas nii.o s6!) e dividindo-se em fundamentais, formais e materiais. Os fundamentais con­sagram as decis6es politicas fundamentais e a ideologia adotas pelo sistema juridico. No ambito de nossa ordem jurfdica, basi­camente estao previstos no Titulo I, da Constitui<;:ao da Republica Federativa do Brasil de 1988, como, por exemplo, os prindpios republicano, democratico, do Estado de direito, presidencialista, federalista, de cidadania, da soberania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, do pluralismo politico, da soberania popular, bern como aqueles que regem o Brasil em suas rela<;:6es externas, dentre outros. Os princfpios Jormais sao aqueles que versam sobre a organiza<;:ao do Estado e dos poderes e sobre os fins e programas estatais. Por fun, OS princfpios materiais sao OS queversam predominantemente sobre direitos e garantias, especialmente aqueles que preveem direitos e garantias fundamentais ( constitucionais) .108

Por fun, ap6s demonstrarmos a classifi.ca<;:ao dos prindpios juridicos, num sentido geral, apresentar-se-a, especifi.camente, a classifi.ca<;:iio dos prindpios constitucionais, tendo como base a consagrada taxonomia idealizada por J.J. Gomes Canotilho.109

Segundo o professor portugues, os principios constitucionais podem ser classifi.cados em quatro especies: principios jurfdicos fundamentais, principios politicos constitucionalmente confor­madores, principios constitucionais impositivos e principios­-garantia.

Resumidamente, como explica Canotilho, os princfpios ju­rfdicos fundamentais (Rechtsgrundsatze) sao aqueles "historica­mente objectivados e progressivamente introduzidos na conscien-

108. Ibidem, p. 372-373.

109. CANOTILHO, Jose Joaquirn Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui<;lio. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1164 e ss.

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PRINCfPIDS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

cia juriclica e que encontram urna recep~ao expressa ou irnplicita no texto constitucional. Fertencem a ordem juriclica positiva e constituem urn irnportante fundamento para a interpreta~ao, integra~ao, conhecimento e aplica~ao do clireito positivo".U0 Ja os princfpios politicos constitucionalmente conformadores sao os "que explicitam as valora~6es politicas fundamentais do legislador constituinte. Nestes prindpios se condensam as op~6es politicas nucleares e se reflecte a ideologia inspiradora da constitui~ao':m For sua vez, os princfpios constitucionais impositivos sao aqueles que "irnp6em aos 6rgaos do Estado, sobretudo ao legislador, a realiza~ao de fins e a execu~ao de tarefas. Sao, portanto, prin­dpios dinamicos, prospectivamente orientados': 112 For :fim, os princfpios-garantia sao aqueles que "visam instituir clirecta e irnecliatamente urna garantia dos cidadaos. E-lhes atribuida urna densidade de autentica norma juriclica a urna for~a determinante, positiva e negativa:': 113 Ora, os prindpios processuais constitucio­nais materializam-se, justamente, nesta Ultima especie de prin­dpios cotlstitucionais: os prindpios-garantia, pois asseguram ao cidadao uma garantia ( ou ainda, urn direito-garantia) de ordem processual.

llO. Ibidem, p. 1165.

111. Ibidem, p. 1166.

112. Ibidem, p. 1166-1167.

113. Ibidem, p. 1167.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

Como constatamos, o modelo constitucional de processo, enquanto modelo processual democratico construido a luz do paradigma do Estado Constitucional Democratico de Direito, estrutura-se a partir de prindpios processuais previstos na Carta Magna. Isso decorre da propria essencia da Constituiyao, enquan­to documento politico-juridico fundamental, que, dentre outras

coisas, estabelece as normas que devem fundamentar e delinear o sistema juridico infraconstitucional.

Assim, ap6s estudarmos a significancia dos prindpios (espe­cialmente dos prindpios constitucionais) para o sistema juridico, faremos agora uma analise espedfica dos prindpios processuais constitucionais a luz do modelo constitucional de processo do Estado Democratico de Direito brasileiro, com foco legislativo em nosso novo diploma normativo processual civil, o NCPC.

Advirta-se: quando no referimos aos principios processuais constitucionais, queremos indicar as normas de direitos e garan­tiasfundamentais que regem efundamentam o modelo (unico) constitucional de processo brasileiro, podendo, segundo a(s) nova(s) concepfoes dos principios jurfdicos, tratar-se de princ£­pios ou regras jurfdicas aplicaveis (imediatamente aplicaveis,

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCJONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

conforme determina o § 1°, do art. so, da CF/88), a depender do referendal te6rico que se utilize para analisa-las.

1. DEVIDO PROCESSO LEGAL

0 prindpio constitucional do devido processo legal, ou due process of law no original em ingles, tambem conhecido pela dou­trina processual contemporanea como o prindpio dos prindpios processuais, por englobar OS demais prindpios processuais, e, sem duvidas, uma das normas mais importantes a reger o direito processual.

Sua origem data da Magna Carta de 1215, apesar de alguns poucos doutrinadores defenderem que o due process of law possa ser encontrado em escritos do seculo IV eVa. C., inclusive na obra de Platao e Arist6teles, 1 urna visao urn tanto quanto distorcida e ampli:ficada demais, em face da real magnitude deste prindpio, tal como edi:ficado na Carta Inglesa do seculo XIII e sedimentado no pensamento juridico moderno.2

A Magna Carta, assinada pelo Rei Joao Sem-Terra, em 15 de junho de 1215, na Inglaterra, perante a nobreza inglesa e o alto clero, fora redigida originalmente em latim b:irbaro, apesar de se tratar de urn documento de origem inglesa, sob a titulas;ao de Magna Carta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannem et Barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni Angliae. 3

1. BERARDI, Luciana Andrea Accorsi. Interpretac;:ao Constitucional e o principia do devido processo legal. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Sao Paulo, n. 54, p. 210-275, jan/mar, 2006.

2. Defendendo a origem do devido processo legal na Magna Carta de 1215, na linha da doutrina majoritaria, dentre outros: CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. 0 devido processo legal e os prindpios da razoabilidade e da proporcionalidade. S.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010; LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.

3. Carta Magna das Liberdades ou Concordia entre o Rei Joao e os Bar6es para a outorga das liberdades da igreja e do reino ingles (traduc;:ao livre).

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cap. IV • PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

Sua insen;:ao no direito medieval ingles tern origem nos conflitos entre a realeza e a nobreza a designio dos privilegios feudais e da centralizaqao do poder, majorados consideravelmente desde OS prim6rdios do sec. XI, com a invasao de Guilherme, 0

"Conquistador':4 Contudo, a partir do reinado de J oao Sem-Terra, a supremacia do poder do rei sobre os bar6es feudais ingleses se enfraqueceu, em face de urna disputa pelo trono entre o monaica ingles e urn adversario e, tambem, em razao de urn ataque frances vitorioso contra a Normandia, ducado que pertencia ao Rei Joao por heranqa dinastica (familia Plantagenet). Por conta destes acontecimentos o rei Joao teve de aurnentar consideravelmente as exaq6es fi.scais em desfavor dos bar6es feudais para fi.nanciar suas campanhas de guerra. Em contrapartida, para atenderem as exigencias fiscais da realeza, os nobres passaram a exigir perio­dicamente o reconhecimento expresso de alguns direitos. Alem disso, concomitantemente, Joao Sem-Terra entrou em disc6rdia com o papado, nurn primeiro momento, apoiando seu sobrinho, o Imperador 6ton IV, nurn conflito contra o rei frances, poste­riormente, recusando-se a aceitar a designaqao papal de Stephen Langton para cardeal de Canterbury, vindo, assim, a ser exco­mungado pelo papa Inocencio III.

Em 1213, em razao da pressao do clero e da carencia de recur­sos fi.nanceiros, Joao Sem-Terra suci.unbiu-se a Igreja declarando a Inglaterra feudo de Roma, obtendo, assim, o levantamento de sua excomunhao. Ja em 1215, em face de urna revolta armada dos bar6es feudais, que, inclusive, ocuparam a cidade de Lon­dres, o rei J oao teve de assinar a Magna Carta para que os atos de resistencia e revolta fossem interrompidos. Curiosamente, o docurnento foi entregue ao rei Joao para assinatura pelo cardeal Stephen Langton, cuja nomeaqao ele se recusara a aceitar anos antes e que resultara na sua excomunhao. Contudo, apos assinar

4. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. 0 devido processo legal e os prin­cipios da razoabilidade e da proporcionalidade. S.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

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PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

a Magna Carta, Joao Sem-Terra imediatamente recorreu ao papa para que declarasse a nulidade do documento, vez que sua assi­natura se deu mediante coas;ao e sem a devida anuencia papal. Na epoca, o papa Inocencio III declarou mua a carta de direitos, entretanto, ela foi confirmada, com poucas alteras;6es, por sete sucessores do trono ingles.

A Magna Carta talvez seja o primeiro documento formal a reconhecer direitos aos homens, por 6bvio que os direitos reco­nhecidos, o foram apenas a alguns homens, isto e, aos nobres e aos clerigos. Contudo ela pode ser considerada o ponto de par­tida para o moderno sistema de direitos e garantias dos homens ( direitos humanos internacionais e direitos fundamentais cons­titucionais) que se tern hoje, vez que ela limita o poder do rei a certas liberdades e direitos dos cidadaos (membros da nobreza e do clero). '1\ Magna Carta deixa implicito pela primeira vez, na hist6ria politica medieval, que o rei achava-se naturalmente vinculado pelas pr6prias leis que edita':s

Nesse contexto, pela primeira vez, o devido processo legal foi expressamente assegurado em um documento de natureza juridica. Anote-se que, na Magna Carta, ainda nao recebera a designas;ao de due process of law, mas sim de law of the land,

sen do que, nos primeiros seculos ap6s a outorga da Magna Carta, "as express6es law of the land, due course oflaw e a due process of

law, que acabou se consagrando, eram tratadas indistintamente pela mentalidade juridica entao vigorante': designando o mesmo conteudo normativo.6 Assim, conforme preve a Magna Carta:

Art. 39. No free man shall be seized or imprisoned, or stripped of his rights or possessions, or outlawed or exiled, or deprived of his standing in any other way, nor will we proceed with force

5. COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmac;:ao Historica dos Direitos Humanos. 7. ed. Sao Paulo: Saraiva, 2010, p. 91-92.

6. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. 0 devido processo legal e os prin­cipios da razoabilidade e da proporcionalidade. S.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 7-8.

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cap. IV • PRINCfPIOS PRDCESSUAIS CONSTITUCIDNAIS

against hi, or send others to do so, except by the lawful judgment of his equals or by the law of the land. 7

No original em latim:

Art. 39. Nullus liber homo capiatur, vel impresonetur, aut disseisetur de libero tenemento, vellibertatibus, velliberis con­suetudinibus suis, aut utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo destruatur, nee super eum ibimus, nee super eum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum, vel per legem terrae.

No ambito do direito ingles, registre-se, ainda, que o Statute of Westminster of the Liberties of London, editado pelo Parlamento ingles, em 1354, foi o primeiro documento a substituir o termo per legem terrae por due process of law. Ademais, registre-se, tambem, que a Petition ofRights, de 1628, editada pel a Camara dos Comuns, disp6e de modo emblematico que: "that freeman be imprisioned or detained only bay the law of the land, or by due process of law, and not by the king's special command without any charge"8

0 devido processo legal, como explica Carlos Roberto Si­queira Castro, pelo fenomeno da receps;ao, "ingressou desde o primeiro instante nas colonias inglesas da America do Norte (a Nova Inglaterra)':9 Entretanto, o principia do devido processo legal so foi positivado na Constituis;ao dos Estados Unidos com a sa e a 14a Emendas, apesar deja compor o ordenamento juri-

7. Em portugues: Nenhum homem livre sera. detido ou sujeito a prisao, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei ou exilado, ou de qualquer modo molestado e n6s nao procederemos ou mandaremos proceder contra ele, senao mediante urn julgamento regular pelos seus pares e de harmonia com as leis do pais (tradw;:ao livre).

8. Em Portugues: o homem livre somente pode ser aprisionado ou detido pela lei da terra, ou pelo devido processo legal, e niio pela ordem especial do Rei sem qualquer acusa;;:ao (tradw;:ao livre).

9. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. 0 devido processo legal e os prin­dpios da razoabilidade e da proporcionalidade. S.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 8.

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dico constitucional estadunidense de forma tacita, podendo ser encontrado, tambem, em varias declaraq6es de direito das antigas col6nias inglesas, tais como aDeclaraqao dos Direitos da Virgi­nia, de 16 de agosto de 1776; a Declaraqao de Delaware, de 2 de setembro de 1776; a Declaraqao de Direitos de Maryland, de 3 de novembro de 1776, dentre outras. 10

Ate antes do advento das sa e 14a Emendas e, sobretudo, do inicio da jurisdiqao constitucional estadunidense com o caso Marbury versus Madison, o devido processo legal era entendido sob uma 6tica meramente processualistica, que implicava na observancia do procedimento legalmente estabelecido para que o cidadao pudesse ser privado de sua vida, liberdade ou proprie­dade.U Entretanto, com o advento das revoluq6es burguesas, das cartas de direitos da modernidade e, sobretudo, do judicial review estadunidense, o devido processo legal passou a ser visto tam­bern em sentido substantivo,l2 isto e, sob uma 6tica material, de conteudo garantista, limitando a aqao estatal no campo de todos os poderes (Judiciario, Executivo e Legislativo) e garantindo urn processo nao s6 legal, mas tambem justo e adequado.B

Nesse sentido, como explica Canotilho, "o processo devido deve ser materialmente informado pelos prindpios da justis;a': tanto no campo juridico-processual como no campo normati-

10. Ibidem, p. 9.

11. DOS SANTOS, Eduardo R. 0 contradit6rio e a ampla defesano processo civil a luz do modelo constitucional do processo enquanto "instrumento garantidor de Justi~a: Boletim Conteudo Juridico. Brasilia, n. 140, 03 mai 2011. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.brl?arti­gos&ver=2.31967> Acesso em 23 de novembro de 2015.

12. Conforme Roberto Rosas, o "devido processo legal substantivo representa limite ao Poder Legislativo, isto e, as leis devem ser elaboradas com justi~ e racionalidade': ROSAS, Roberto. Devido processo legale abuso de poder. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte, n. 7, p. 173-178, jan/jun, 2006, p. 177.

13. CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui«;io. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003.

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cap. IV • PRJNCfPIDS PROCESSUAJS CONSTJTUCJONAJS

vo-legislativo, de modo que a legislac;:ao deve ser produzida de maneira justa visando atingir urn processo justo de acordo com a ordem constitucional vigente, cabendo as Cortes Constitucionais o clever de rever aquelas leis que nao estiverem de acordo com a Constituic;:ao e seus prindpios ( compatibilidade vertical de nor­mas), dentre eles o devido processo legal, que, dentre outras coisas, impede o Legislativo de criar leis que disponham arbitrariamente dos direitos a vida, a liberdade, a propriedade ou de qualquer outro direito fundamental da pessoa hurnana.14

A partir de urna 6tica evolutiva, tem-se que o prindpio do devido processo legal inicialmente estava ligado somente ao pro­cesso penal, entretanto pouco demorou a se estender ao processo civil e, posteriormente, ao processo administrativo, de modo que o due process of law passou a regulamentar tanto as relac;:6es privadas, como as publicas. Deste modo, como observa Siqueira Castro, o devido processo legal tornou-se urn dos prindpios mais importantes de toda a doutrina processual, nao podendo ser vis­to somente como urn procedimento ou a observancia dele, mas e:xigindo ser compreendido como "urn autentico 'processo"' com todas as suas garantiasP

A atual Constituic;:ao da Republica Federativa do Brasil con­sagra prindpio do devido processo legal em seu art. 5°, inciso LIV, com redac;:ao nitidamente inspirada na Magna Carta inglesa de 1215, dispondo que "ninguem sera privado da liberdade au de seus bens sem o devido processo legal".

0 conteudo e a abrangencia do due process of law natural­mente nao podem ser limitados, sob pena de se "engessar" urna garantia que historicamente sempre esteve aberta a recepcionar novos conteudos normativos que foss em necessarios a construc;:ao de urn processo justo. Assim, qualquer conceituac;:ao, apresenta-

14. Ibidem, p. 494.

15. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. 0 devido processo legal e os prin­dpios da razoabilidade e da proporcionalidade. S.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 32.

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c;:ao de conteudo e/ ou abrangencia do devido processo legal deve ser feita tendo-se em mente que se trata de urna norma juridica fundamental aberta, que nao se esgota naquele conceito ou na­queles conteudos apresentados (que devem ser entendidos como exempli:ficativos). Nesse sentido, h8. muito ja a:firmara o Juiz Felix Frankfurter da Suprema Corte estadunidense, que o "due process nao pode ser aprisionado dentro dos traic;:oeiros lindes de urna formula ... due process e produto da historia, da razao, do :fluxo das decis6es passadas e da inabalavel con:fianc;:a na forc;:a da fe democratica que professamos. Due process nao e urn instrumento mecanico. Nao e urn padrao. :E urn processo".16

Nada obstante, a luz do modelo constitucional de processo brasileiro, parece-nos ser possivel apresentar urna conceituac;:ao que englobe o conteudo normativo mais essencial do devido processo legal, conforme previsto em nossa Constituic;:ao. Assim, pode-se a:firmar que o devido processo legal possui urna alta abrangencia axiologica, englobando os demais prindpios pro­cessuais constantes na Carta Maior, implicitos ou expressos, tais como o contraditorio, a ampla defesa, o acesso a justic;:a, o duplo grau de jurisdic;:ao, a publicidade, a motivac;:ao, o juiz natural, a inadmissibilidade das provas ilicitas a durac;:ao razoavel do proces­so, a e:ficiencia processual, dentre varios outros, fazendo-se guiar pela razoabilidade e pela proporcionalidade, buscando decis6es pautadas na justic;:a e na equidade, respeitando e fazendo respeitar os direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela propria Constituic;:ao e vinculando OS magistrados a lei processual e, as­sim, coibindo os abusos e ativismos inconcebiveis em urn Estado Democratico de Direito.17

16. Ibidem, p. 45.

17. DOS SANTOS, Eduardo R. 0 contradit6rio e a ampla defesa no processo civil a luz do modelo constitucional do processo enquanto "instrumento garantidor de Justic;:a': Boletim Conteudo Juridico. Brasilia, n. 140, 03 mai. 2011. Disponivel em: <http:/ /www.conteudojuridico.eom.br/?arti­gos&ver=2.31967> Acesso em 23 de novembro de 2015.

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cap. IV • PRINC[PIDS PROCESSUAIS CDNSTITUCIDNAIS

Do conceito apresentado, percebe-se que o conteudo e abran­gencia do devido processo legal, encontram-se, sobretudo, nas ga­rantias processuais fundamentais consagradas pela Constitui<;:ao e que sao englobadas pelo due process oflaw, bern como na exigencia de urn procedimento legal previa que assegure essas garantias ao longo do processo, tratando-se, portanto, genuinamente, de urn devido process a constitucional, 18 vez que essas garantias fundamentais estao previstas no ambito de nossa Constitui<;:ao, impondo-se e vinculando a legisla<;:ao processual. Ademais, o de­vida processo exige que esse procedimento legalmente instituido respeite a 16gica democratica do processo, assegurando a isono­mia entre os sujeitos processuais nurna perspectiva policentrica e comparticipativa.

Nesse sentido, o Novo C6digo de Processo Civile, sem duvi­das, urn documento impar na hist6ria de nosso direito processual, assegurando a observancia do devido process a legal ( constitucio­nal) substantivo e procedimental como nenhurn outro diploma normativo o fez, prevendo e regulamentando as garantias jus­fundamentais processuais da Constitui<;:ao, bern como aquelas necessarias ao desenvolvimento democratico e justo do processo, sendo e:x:pressamente mencionado pelos arts. 26, I, e 36, caput, do NCPC, alem de estar no cora<;:ao do modelo constitucional de processo, reconhecido pelo art. 1 o do novel diploma processual.

2. CONTRADITORIO

0 prindpio do contradit6rio, tambem identificado como prindpio da bilateralidade da audiencia, consiste em urn des­dobramento direto do prindpio do devido processo legal e se en contra positivado na Constituit;iio brasileira, juntamente como

18. CAMARA, Alexandre Freitas. Dimensao processual do principia do devido processo constitucional. In: DIDIER JR., Fredie (coord.). Novo CPC Doutrina Selecionada: parte geral. Salvador: Juspodivm, 2015. v.1, p. 245 e ss.

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prindpio da ampla defesa, em seu art. so, inciso LV, o qual dispoe que '~os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral siio garantidos o contradit6rio e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Como ensina Jose Afonso da Silva, o prindpio do contradi­torio e ''pressuposto indeclinavel de realizariio de um processo justa", sem o qual a apreciayao judicial e ausente de valor. Se­gundo ele, a natureza processual do contraditorio se encontra historicamente na regra audiatur et altera pars, que implica na necessidade de se dar d~ncia a cada litigante "dos atos praticados pelo contendor, para serem contrariados e refutados".19 Nesse mesmo sentido, Jose Souto Maior Borges advoga que "o proces­so governa o seu movimento dialetico pela audiencia das partes (audiatur et altera pars), prindpio modernamente denominado do 'contradit6rio":Z0

Nesse sentido, a mais moderna doutrina italiana, repre­sentada principalmente pelos professores Nicola Picardi e Elio Fazzalari, defendem que o processo consiste num procedimen­to caracterizado pela presenra indissociavel do contradit6rio, atraves do qual se deve sempre buscar a mixima participayao daqueles, cuja esfera seni atingida pelo provimento final da ayao, de modo que nao ha processo sem a devida observancia do efetivo contraditorioY

Nessa perspectiva, Elio Fazzalari explica que ''o 'processo' e um procedimento do qual participam (sao habilitados a par-

19. SILVA. Jose Afonso da. Comentirio Contextual a Constituis;ao. 6.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2009, p. 154.

20. BORGES, Jose Souto Maior. 0 Contradit6rio do processo judicial: uma visao dialetica. Sao Paulo: Malheiros, 1996, p. 71.

21. GUERRA FILHO. Willis Santiago. Teoria Processual da Constituis;ao. 3.ed. Sao Paulo: RCS Editora, 2007. Com base nesse entendimento, no Brasil, dentre outros, o professor Alexandre Freitas Camara afirma que "nao existe processo, onde nao existir contradit6rio': CAMARA, Ale­xandre Freitas. Lis;oes de Direito Processual Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. v. 1. p. 55.

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cap. IV • PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

ticipar) aqueles em cuja esfera juridica o ato final e destinado a desenvolver efeitos: em contradit6rio':22 de modo. que "on de e ausente o contradit6rio - isto e, onde inexista a possibilidade, prevista pela norma, de que ele se realize - nao existe processo':23

Para Fazzalari o contradit6rio e uma estrutura dialetica que "consiste na participac;:ao dos destinatarios dos efeitos do a to final em sua fase prep aratoria; na simetrica paridade das suas posic;:6es; na mutua implicac;:ao das suas atividades (destinadas, respecti­vamente, a promover e impedir a emanac;:ao do provimento); na relevancia das mesmas para o autor do provimento;24 de modo que cada contraditor possa exercitar urn conjunto - conspicuo ou modesto, nao importa - de escolhas, de reac;:6es, de controles, e deva sofrer os controles e as reac;:6es dos outros, e que o autor do ato deva prestar conta dos resultados:'25

Nessa linha de raciocinio, no Brasil, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini advogam que o principia do contradit6rio

22. FAZZALARI, Elio. Instituis;oes de Direito Processual. Campinas: Book­seller, 2006, p. 118-119.

23. FAZZALARI, Elio. Instituis;oes de Direito Processual. Campinas: Book­seller, 2006, p~ 121.

24. Autor do provimento ou autor do ato final consiste naquele que decide a lide, no processo judicial: o magistrado. Segundo Fazzalari, o autor do ato final nao pode abster-se de enfrentar qualquer dos argumentos trazidos pelas partes, nem mesmo impedi-las de modo arbitrario de argumentar no processo, "ele pode desatender, mas niio ignorar': Para Fazzalari, em raziio do principia do contradit6rio, partes (contraditores) e decisor (autor do ato final) estiio "em pe de simetrica paridade': com excer;:ao da fase em que o decisor (representante do poder publico) executa o ato final, ou seja, do momenta da decisao, em que o magistrado e livre para apreciar os argumentos e provas trazidos e chegar a uma conclusao, entretanto essa decisao deve estar de acordo com aquila que fora trazido pelas partes ao processo e de acordo como Direito Justo, em outras palavras, o magistrado tern o clever de dar a resposta correta adstringindo-se ao contradit6rio das partes. FAZZALARI, Elio. lnstituis;oes de Direito Processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 120-123.

25. FAZZALARI, Elio. Instituis;oes de Direito Processual. Campinas: Book­seller, 2006, p. 119-120.

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consiste na garantia constitucional de que e necessaria dar-se a parte re ciencia de que corre em juizo urn pedido em seu desfavor, bern como, dar conhecimento dos atos processuais subsequentes a ambas as partes, aos terceiros interessados e aos assistentes e, tambem, "garantir possiveis reac;:6es contra decis6es, sempre que desfavora.veis".26 Em sentido semelhante, Katia Aparecida Mango­ne demonstra que o contradit6rio comp6e-se de tres elementos essenciais: a informac;:ao (ciencia de todos os atos processuais de interesse da parte, favoniveis ou contra), a reac;:ao (possibilidade de argumentar, contra-argumentar e produzir provas de seus ar­gumentos) e a participac;:ao (direito de participar e acompanhar todos os atos processuais, bern como deter todos os seus argu­mentos enfrentados pelo juiz na hora da decisao).27

Em complemento, na linha dos ensinamentos de Edilson Mougenot Bonfun, o contradit6rio e "uma garantia conferida as partes de que e[as efetivamente participariio da jormafiiO da convicfiio do juiz", ou seja, nao basta dar ciencia as partes de cada a to praticado, faz-se necessaria que elas tenham participac;:ao ativa em cada urn desses atos no decorrer do processo. Assim, e primordial que 0 juiz de igual oportunidade as partes de se manifestarem, para que entao, ele possa proferir uma decisao. Ademais, em respeito ao principia da igualdade, deve-se assegurar as partes nao so a igual oportunidade de se manifestarem, mas tambem, "iguais direitos de participar da produc;:ao da prova e de se manifestar sobre os documentos juntados e argumentos apresentados pelo ex adversu ou pelo juiz"28

26. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avanc;ado de Processo Civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 10. ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 1, p. 82.

27. MANGONE, Katia Aparecida. A garantia constitucional do contradit6rio e a sua aplicac;ao no direito processual civil. Revista de Processo. Sao Paulo, n. 182, p. 362-383, abr, 2010.

28. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5. ed. Sao Paulo: Saraiva, 2010, p. 73-74.

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cap. IV • PRINCiPJOS PRDCESSUAJS CONSTITUCIDNAIS

Ja Humberto Theodoro Jlr.nior e extremamente incisivo ao discorrer a respeito do contradit6rio, a:B.rmando que a conceps;ao moderna do processo e SUStentada pela participafiiO ativa dos sujeitos processuais e niio permite que o juiz decida sem cha­mar com antecedencia as partes para se manifestarem sabre a questiio em litigio e sem conceder a elas um prazo razoavel para prepararem suas alegaroes. Pondera, ainda, que nao se admite a decisao de surpresa, ou seja, fora do contradit6rio, pois a decisao tern de ser fruto do debate entre as partes, tendo o juiz de motivar sua decisao com base nos argumentos destas.29

Como bern a:B.rma Dierle Nunes, pautando-se nos ensina­mentos de Corrado Ferri, "o contradit6rio constitui uma ver­dadeira garantia de niio surpresa que imp6e ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as quest6es, inclusive as de conhecimento ofi.cioso, impedindo que em 'solitaria onipotencii, aplique normas ou embase a decisao sobre fatos completamente estranhos a dialetica defensiva de uma ou de ambas as partes':30

Nesse sentido, o Novo C6digo de Processo Civil, em seu artigo 10, afi.rma que "o juiz niio pode decidir, em grau algum de jurisdifiiO, com base em fundamento a respeito do qual niio se tenha dado as partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de materia sabre a qual deva decidir de oficio". Perceba que o dispositivo consagra o prindpio do contradit6rio,

29. THEODORO Jl)NIOR, Humberto. Constitui<;:iio e Processo: desafios constitucionais da reforma do processo civil no Brasil. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattani de ( coord.). Constitui<;:iio e Processo: A contribui<;:ao do processo ao constitucionalis­mo democratico brasileiro. Bela Horizonte: Del Rey, 2009. Nesse sentido, Araujo Cintra, Ada Pellegrini e Candido Dinamarco explicam que o juiz s6 pode proferir uma decisiio atraves de urn processo dialetico, devendo formar uma sintese atraves da "soma da parcialidade das partes ( uma representando a tese e a outra a antitese)': CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido RangeL Teoria Geral do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 61).

30. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democratico: uma anilise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 229.

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asseverando a impossibilidade de o magistrado proferir decisoes de surpresa, decisoes cujas partes nao tenham tido a oportunidade de se manifestarem, mesmo que se trate de materia sobre a qual o juiz deva decidir de oficio.

Para alem disso, como observa Theodoro JUnior, e atraves do contradit6rio que se realiza "o principal consectario do tra­tamento igualitario das partes", nao podendo haver privilegios ou perseguis;oes a nenhuma delas, isto e, devendo 0 juiz tratar as partes de forma isonomica (prindpio da igualdade de tratamento processual), sem sequer tentar auxiliar ou prejudicar qualquer uma delas.31

Nessa linha, o Novo C6digo de Processo Civil, em seu artigo 7°, consagra que "e assegurada as partes paridade de tratamento em relar;iio ao exercicio de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos onus, aos deveres e a aplicar;iio de sanr;oes processuais, competindo ao juizzelarpelo efetivo contradit6rio". Assim, percebe-se que o magistrado deve incentivar e assegurar o efetivo contradit6rio das partes com animus de que elas ( verdadei­ras interessadas no provimento jurisdicional) possam, assegurada a isonomia de tratamento e a paridade de armas, produzir os argumentos e as respectivas provas para que o magistrado tome fundamentadamente sua decisao.

Ademais, segundo Theodoro JUnior, o contradit6rio deve '~empre ser observado, sob pena de nulidade do processo", po­rem isso nao implica em uma "supremacia absoluta e plena do contradit6rio sobre todos os demais prindpios': Ha vezes em que o contradit6rio deve ceder momentaneamente a algumas medidas para que se possa dar efetividade ao processo justo, o que ocorre com as medidas cautelares ou antecipat6rias, pelas quais a medida judicial e diferida em favor de uma das partes antes de a outra se manifestar. Contudo, isso nao "agride':. ou melhor, nao afasta

31. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil:

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Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 1.

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cap. IV • PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIDNAIS

a apllcas;ao do contradit6rio, "mas apenas se protela urn pouco o mom en to de seu exerdcio': a fun de se garantir o acesso a justis;a. 32

Nesse sentido, pode-se falar em duas especies de contradit6-rio; sendo uma de execus;ao imediata, chamada de contradit6rio real, e uma de execus;ao posterior ao momenta da argumentac;:ao ou exposis;ao probat6ria da parte contnl.ria ou do juiz, chamada de contradit6rio diferido. No entanto, para que o contradit6rio possa ser diferido, exige-se que os requisitos especi:fi.cos das medidas judiciais sejam preenchidos, em respeito ao proprio contradit6rio e a seguranc;:a juridica. E o que ocorre, por exemplo, nas medidas cautelares inaudita altera pars. Nessas medidas, frise-se, nao ha inobservancia do contradit6rio, mas apenas uma breve posterga­c;:ao de seu exerdcio para que se assegure a observancia de outros prindpios que se encontram latentes no caso concreto.33

Nessa perspectiva, o art. 9°, do Novo C6digo de Processo Civil, assegura que "niio se proferira decisiio contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida", sendo que seu paragrafo unico dispoe que "o disposto no caput niio se aplica: I - a tutela provis6ria de urgencia; II - as hip6teses de tutela da evidencia previstas no art. 311, incisos II e III; III - a decisao prevista no art. 70 1':

Por fun, vale o registro da sempre atualllc;:ao de Francesco Car­nelutti, segundo quem, o Contradit6rio e o instrumento processual que possibilita 0 aparecimento da verdade, pois e ele que instiga "as partes combaterem uma com a outra, batendo as pedras, de modo que termina por fazer com que solte a centelha da verdade': 34

Dito isto, pode-se a:firmar que o contradit6rio, enquanto consectario do devido processo legal, sob uma perspectiva cons-

32. Ibidem, p. 27-29.

33. MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sergio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo C6digo de Processo Civil Comentado. 2.ed. Sao Paulo: RT, 2016.

34. CARNELUTTI, Francesco. Como se faz urn Processo. 2. ed. Belo Hori­zonte: Lider, 2002, p. 67.

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titucional, consiste no principia que proporciona a dialetica democratica entre os sujeitos processuais, estabelecendo um estado idea( de igualdade (paridade) entre os mesmos e lhes possibilitando argumentar e provar aquilo que argumentam, impondo ao Estado-fuiz o dever fundamental de contemplar os argumentos das partes de modo fundamentado em suas de­cisoes, seja para deferi-los ou indeferi-los ( direito da parte de influenciar as decisoes que sobre ela recairiio).

3. AMPLA DEFESA

0 prindpio da ampla defesa, como visto, esta positivado na Constituic;:ao brasileira juntamente com o prindpio do contradi­t6rio, sendo, ambos, consectarios do devido processo legal.

Sem prejuizo a sua tutela constitucional, merece registro a consagrac;:ao do prindpio da ampla defesa no Direito Internacio­naP5, sobretudo na Declarac;:ao Universal de Direitos Humanos e na Convenc;:ao Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica).

0 artigo XI da Declarac;:ao Universal dos Direitos Humanos disp6e que "toda pessoa" possui o direito de "ser presumida ino­cente" ate que se prove o contrario "de acordo com a lei" em urn "julgamento publico" no quallhe devem ser asseguradas "todas as garantias necessarias a sua defesa".

Ja a Convenc;:ao Interamericana de Direitos Humanos, em seu artigo 8°, a:firma que sao garantias judiciais da pessoa huma­na, dentre outras, a "concessiio ao acusado do tempo e dos meios necessarios a preparar;iio de sua defesa"; 0 "direito do acusado de

3S. No Brasil, desde o advento da Emenda Constitucional no. 4S de 2004, segundo o STF, por forr;:a do § 2°. do art. so. da Constituir;:ao Federal, OS Tratados e Convenr;:6es Internacionais dos quais 0 Brasil e signatano complementam a legislar;:ao federal. Ja aqueles que versem sabre direitos humanos e que forem aprovados no Congresso Nacional por urn processo similar ao da Emenda a Constituir;:ao, serao equivalentes a ela, conforme o § 3°, do art. so, da nossa Carta Maior.

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cap. IV • PRINCJPJDS PRDCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

defender-se pessoalmente ou de ser assistido par um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor"; o "direito irrenunciavel de ser assistido par um defensor proporcionado pelo Estado" nos casos em que o acusado nao se defenda sozinho, nem nomeie defensor dentro do prazo legal; o "direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lanr;ar luz sabre OS fatos"; e 0 "direito de nao ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada'~

Em face dos te:x:tos ora apresentados e possivel a:fi.rmar que a

ampla defesa consiste em um principia complexo que estabelece um estado ideal de defesa a ser garantido aquele que esteja sendo acusado, que inclui o direito de ser cientificado e de argumentar contra tudo aquilo que corre contra ele, o direito de argumentar e produzir provas em seu favor, o direito de permanecer em silencio, o direito de ser informado de todos os seus direitos, o

direito de nao ser compelido a dizer a verdade, o direito de se autodefender, o direito de ser defendido por um profissional tecnico habilitado, 0 direito de falar par ultimo no processo, hem como todo e qualquer direito e/ ou garantia que lhe possibilite uma defesa efetiva e adequada.

Nesse sentido, segundo Gil Ferreira de Mesquita, "por ampla defesa devemos entender o conjunto de garantias que asseguram ao reu 0 direito de impugnar a pretensao do autor em todos OS

seus termos, quer dizer, deve-lhe ser assegurado o direito de contrapor-se ao pedido do autor e seus fundamentos, alegando fatos e produzindo provas, sendo vedado ao 6rgao jurisdicional, e ao proprio autor, qualquer atitude que venha a tolher o exerdcio de tal direito do reu [ ... ] 0 direito constitucional a defesa nao se restringe a fase inicial do processo, ou seja, nao se exaure a partir do momenta em que o reu oferece sua resposta ou permanec;:a inerte. Na verdade, o direito de defesa garante o exerdcio de uma serie de atividades e poderes, aqui incluindo OS de iniciativa processual e de produc;:ao probat6ria idoneos a demonstrac;:ao da existencia do material fatico que da suporte a arguic;:ao de

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PRINCfPIDS PRDCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

defesa, de modo a influir na convicc;:ao do magistrado. Pode-se a:firmar, assim, que a ampla defesa garante a possibilidade efetiva de reac;:ao em juizo, como todos os meios processuais colocados a disposic;:ao pelo ordenamento, para que 0 reu fac;:a valer suas raz6es. [ ... ] Como o mandamento constitucional refere-se a am­pia defesa fazendo menc;:ao aos meios e recursos a ela inerentes, o substrata da garantia para o autor pode ser assim apresentado: direito de receber citac;:ao, direito de sustentar sem restric;:6es as suas raz6es em contestac;:ao por meio de profissional habilitado, infirmar as raz6es do adversario, produzir provas e contraprovas amplamente, participar da colheita de provas em audiencia (ate aqui os meios) e o direito de usar dos recursos para fazer valer suas raz6es perante as instancias superiores (aqui os recursos)"36

Em sentido semelhante, Agustin Gordillo a:firma que "la de­fensa en juicio es inviolable, dicen p. ej. la Constituici6n y normas superiores. Ese es un principia que establece un lfmite de la acci6n estatal en el cas a de una controversia judicial, pero que ademas tiene un contenido de defensa de la personalidad humana, de derecho a ser o{do. El principia se aplica tanto para anular una sentencia que impide a una parte defenderse, como para una sentencia que le permite expresarse, pero ignora arbitrariamente su exposidon; como para un procedimiento administrativo del que no se da vista al interesado ni oportunidad de hacer o{r sus razones y producir la prueba de descargo de que quiera valerse".37- 38

36. MESQUITA, Gil Ferreira de. Principios do contradit6rio e da ampla defesa no processo civil brasileiro. Sao Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 169-171.

37. GORDILLO, Agustin. Tratado de Derecho Administrativo: Parte Gene­ral. 7.ed. Bela Horizonte: Del Rey e Fundaci6n de Derecho Administrative, 2003. v.1, p. VI-27.

38. Em portugues: A defesa em juizo e inviolavel, dizem, par exemplo, a Constitui<;:ao e normas superiores. Esse e urn principia que estabelece urn limite da a<;:iio estatal em caso de urna controversia judicial, mas que ademais tern urn conteudo de defesa da personalidade humana, de direito a ser considerado. 0 principia se aplica tanto para anular urna senten<;:a que impede urna parte de se defender, como para urna senten<;:a que lhe perrnite expressar-se, mas que ignora arbitrariamente sua exposi<;:ao;

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cap. IV • PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

No que se refere a produfiio probat6ria, ha de se registrar que o magistrado nao pode obsta-la despropositadamente, sobretudo quando se tratar de provafundamental a defesa do reu. Nestes termos, caso o juiz vede a produ<;:ii.o de alguma prova que seja essendal para a apura<;:ii.o da ocorrencia de urn determinado fato que seja objeti­vamente relevante para o processo, configura-se o cerceamento ao exerddo do direito a ampla defesa, 0 que gera nulidade.39

No que tange a autodefesa no Direito processual brasileiro, isto e, aquela exerdda diretamente pelo acusado, Bonfim explica que se constitui pelo direito de audienda e pelo direito do reu de se fazer presente nos atos processuais, entretanto, via de regra, nao compreende, como em outros paises, o direito do reu se defender sozinho, sem urn profi.ssional tecnico habilitado.40

Nesse sentido, o direito patrio se encontra evolucionado, ja tendo incorporado a inafastavelgarantia de um defensor tecnica­mente capacitado para defender de maneira adequada 0 reu, guar­dando pelos seus direitos e possibilitando-lhe urna resposta mais justa, sendo, em regra, obrigat6ria, em que pese algumas poucas excec;:oes legais. Esta defesa tecnica consubstanda-se nas figuras do advogado privado ou do Defensor Publico, sendo sua profissao func;:ao essendal a justic;:a, como assevera a Constituic;:ao de 1988.

Para alem disso, faz-se de suma importancia ressaltar que para o born curnprimento do prindpio fundamental da ampla defesa, deve 0 reu falar por ultimo no process a, 0 que nao exclui a fala do autor sempre que 0 reu trouxer fatos, provas, ou qualquer elemento novo ao processo.

Nada obstante, apesar de desdobrar-se em diversas garantias, a ampla defesa niio consiste em um principia absoluto, tendo, assim como toda e qualquer norma juridica, suas limitafi5es.

como para urn procedimento administrativo em que nao se da vista ao interessado, nem oportunidade de fazer ouvir suas raz6es e produzir provas de defesa de que queira se valer (traduc;:ao livre).

39. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5. ed. Sao Paulo: Saraiva, 2010, p. 76.

40. Ibidem, idem.

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PRINCJPIOS PRDCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Em consonancia com este pensamento, Bonfim explica que o prindpio da ampla defesa consiste no direito do reu, dentro dos limites legais, oferecer argumentos em seu favor, bern como cons­tituir prova para demonstni -los, ponderando que tal prindpio nao sup6e "uma infinitude de produc;:ao defensiva a qualquer tempo': pois essa produc;:ao deve realizar-se "pelos meios e elementos to­tais de alegac;:6es e provas no tempo processual oportunizado pela lei':41 No mesmo sentido, Vicente Greco Filho afirma que "a lei estabelece os termos, os prazos e os recursos suficientes, de forma que a eficacia, ou nao, da defesa dependa da atividade do reu, e nao das limitac;:6es legais': ou seja, a lei estabelece os parametros para a defesa, devendo 0 reu, dentro desses parametros, produzir sua defesa, bern como as provas inerentes a ela_42

Ante o exposto, pode-se afirmar que o prindpio consti­tucional da ampla defesa apresenta-se enquanto urn prindpio garantidor de direitos, aplidvel a todos os ramos do processo (jurisdicional ou administrativo), que tern como essen cia evi­tar que ocorram condenac;:6es sem direito de defesa plausivel, coerente e justa, o que implicaria necessariamente em urn ato autoritario e ditatorial, desrespeitando o Estado Democratico de Direito e solapando a Constituic;:ao Federal e os direitos dos homens construidos por longos seculos de lutas.

4. ACESSO A JUSTICA

0 prindpio juridico-processual do acesso a justic;:a, positiva­do em nossa atual Carta Maior no inciso XXXV, de seu art. 5°, o qual, literalmente, garante que ''a lei niio excluini da apreciar;:iio do Poder Judiciario lesiio ou amear;:a a direito", podendo ainda ser identificado da leitura sistematica das garantias processuais estabelecidas pela Constituic;:ao, nao se restringe ao direito de

41. Ibidem, p. 75.

42. GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 17. ed. Sao Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 56.

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cap. IV • PRINCfPIOS PRDCESSUAIS CONSTITUCIDNAIS

peticionar ou reivindicar urn direito frente ao Estado-juiz. Isto e, nao se trata de mero direito de as:ao, como muitas vezes e tratado.

0 Novo C6digo de Processo Civil consagrou o acesso a justi<;:a, em seu art. 3°, com redas:ao semelhante aquela do te:x:to constitucional, afirmando que "niio se excluini da apreciar;iio jurisdicional amear;a ou lesiio a direito".

Partindo-se de urna perspectiva democratica e constitucional do direito processual, pode-se afirmar que a garantia do "acesso a justi<;:a'' abarca urn conteudo amplo e complexo de direitos e garantias fundamentais individuais e coletivas, estando direta­mente ligada a nos:ao de democracia e igualdade, bern como de justi<;:a, que visa efetivar os direitos dos cidadaos atraves da as:ao jurisdicional, ou melhor, do processo ( constitucionalmente es­tabelecido). Nas palavras de Kazuo Watanabe, '~cesso a Justi<;:a'' consiste no "acesso a ordem juridica justa':43 Em sentido seme­lhante Jose Cichocki Neto ensina que o acesso a justi<;:a constitui "urn direito fundamental do homem e, ao mesmo tempo, urna garantia a realizas:ao efetiva dos demais direitos".44

Nessa perspectiva, ao comentar o citado artigo 3°, do Novo C6digo de Processo Civil, Daniel Amorim a:firma que, numa vi­sao moderna, 0 acesso a justir;a, na ambiencia processual civil, esta fundado em quatro vigas mestras: "(a) amplo acesso ao processo, em especial para OS hipossujicientes economicos e para os direitos transindividuais; (b) ampla participar;iio e efetiva influencia no convencimento do juiz, eu seriio obtidas com a ador;iio do contradit6rio real e do principia da cooperar;iio; (c) decisiio com justir;a, com aplicar;iio da lei sempre levando-se em considerar;iio os principios constitucionais de justir;a e os direitos

43. WATANABE, Kazuo. Acesso a justic;:a e sociedade moderna. In: GRI­NOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel; WATANABE, Kazuo (coord.). Participac;:iio e Processo. Sao Paulo: Revista dosTribu­nais, 1988, p. 128.

44. CICHOCKI NETO, Jose. Limitac;:oes ao Acesso aJustic;:a. Curitiba: Jurmi, 1999, p. 65.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIDNAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

fundamentais; e (d) eficacia da decisiio, o eu se obtem com um processo mais celebre, com a tutela de urgencia, com sanfi5es pelo descumprimento e com a adofiiO de formas executivas indiretas e de sub-rogafiiO, inclusive atipicas".45

Ademais, Mauro Cappelletti e Bryant Garth demonstram que a garantia do aces so a justis;a constitui requisito fundamental de urn ordenamento juridico que pretenda garantir, e nao somente enunciar direitos, vez que determina duas fi.nalidades basicas do sistema juridico: "primeiro, o sistema deve ser igualmente aces­sivel a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos". Isto e, o sistema juridico precisa pautar-se na igualdade e na equidade.46

Neste ponto insurge urn dos pontos principais da garantia do aces so a justis;a: a igualdade de condifi5es entre as partes litigantes em processo. A hist6ria da sociedade humana demonstra que os homens estao sujeitos as desigualdades inerentes a propria luta de classes de todo e qualquer sistema social. Deste modo, para que condis;6es iguais sejam garantidas a todos os seus membros, o Estado deve criar meios que possibilitem urna equiparas;ao entre eles, tais como a inversao do onus da prova nos casos de hipossu:ficiencia de urna das partes em relas;ao a outra, o acesso gratuito dos mais pobres as defensorias publicas, a instituis;ao de 6rgaos de defesa do consumidor, dos idosos, das crians;as e adolescentes (e demais minorias), a isens;ao de taxas e tarifas daqueles que nao possuem condis;6es fi.nanceiras de arcar com tal onus etc., de modo a quebrantar as "barreiras ao acesso"47

impostas, sobretudo, pela condis;ao social e economica dos in-

45. NEVES, Daniel Amorim Assumps:ao. Novo C6digo de Processo Civil Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016.

46. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso aJustis:a. Porto Alegre: Serio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 8.

47. Expressao utilizada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth para referirem­-se aos empecilhos so dais, economicos, politicos, culturais e educacionais ao acesso a justis:a que se da, sobretudo, em relas:ao as classes mais pobres das sociedades.

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cap. IV • PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

dividuos sociais. Assim, e dever do Estado promover solus;oes a essas "barreiras ao acesso': tanto antes como durante o processo (com assistencia juridica gratuita, bern como com a gratuidade dos atos processuais e com leis que viabilizem uma igualdade de condis;6es processuais entre os litigantes).48

Conforme demonstrado, o acesso a justis;a consiste em ga­rantia constitucional que visa proteger e resguardar a efetividade dos direitos dos cidadaos, atraves de sua forma instrumental, isto e, o processo, que por sua vez, deve ser desenvolvido em conformidade com o modelo constitucionalmente estabelecido, respeitando os direitos e garantias fundamentais. Dai falar-se em garantia fundamental ao processo (ou direito fundamental ao processo, segundo alguns autores), pois o acesso a justis;a garante ao cidadao o "direito de agir em juizo, para obter prote­s;ao da propria situas;ao juridica em que se encontra': atraves do processo, ou seja, nessa perspectiva o processo emerge como o instrumento garantidor do acesso a justis;a, que visa resguardar, proteger e efetivar os direitos.49

Em razao disto e que se a:firma que o acesso a justifa, deve ser desenvolvido de acordo com o modelo constitucionalmente estabelecido, respeitando-se todos os direitos e garantias dos cidadiios e buscando-se, ao maximo, a igualdade de condifi5es entre as partes, atraves de um modelo democni.tico de processo, fundado na comparticipafiiO e no policentrismo, possibilitando entiio uma decisiio, verdadeiramente, pautada na equidade, entendida como a justira do caso concreto, fundada nos padri5es de justira estabelecidos pela ConstituifiiO e nao pela imaginas;ao ou conceps;ao pessoal dos magistrados.50

48. PORTANOVA, Rui. Prindpios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

49. BARACHO, Jose Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional: aspectos contemporaneos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 17.

50. Quando se fala em justo processo ou processo justo, fala-se em processo decidido com base nos parfu:netros de justic;:a estabelecidos na Constitui-

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PRJNcfPJOS PROCESSUAIS CONSTITUCJONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Nesse sentido, Ronalda Bretas de Carvalho Dias afirma que, sob uma perspectiva constitucional do processo, "o ato decis6rio estatal sera. o resultado l6gico de urna atividade juridica realizada com a obrigat6ria participa<;:ao em contradit6rio daqueles inte­ressados que suportarao seus efeitos': pois a fun<;:ao jurisdicional do Estado deve obedecer ao modelo constitucional de processo, "nao se podendo conceber o processo como se fosse urn meio de obediencia servil a jurisdi<;:ao': Ademais, "a manifesta<;:ao de poder do Estado, exercido em nome do povo, que se projeta no pronun­ciamento jurisdicional ( e, tam bern, no pronunciamento legisla­tivo) tern de ser realizada sob rigorosa disciplina constitucional principiol6gica, qualificada como devido process a constitucional [ ... ] o Estado s6 pode agir, see quando chamado a exercer a fun<;:ao jurisdicional [ ... ] afasta-se qualquer subjetivismo ou ideologia do agente publico decisor (juiz), investido pelo Estado do poder de julgar, sem espa<;:o para a discricionariedade ou a utiliza<;:ao de hermeneutica canhestra fundada no prudente ou livre arbitrio do julgador ou prudente criteria do juiz, incompativel com os postulados do Estado Democn\.tico e Direito [ ... ] a declara<;:ao final do Estado (ato decis6rio), decorrente de curnprir o dever de prestar a jurisdi<;:ao, ( ... ) jamais sera urn ato isolado ou onipotente do 6rgao jurisdicional, ditando ou criando direitos a seu talente, maxime se fundados nas formulas il6gicas, inconstitucionais e antidemocraticas do livre (ou prudente) arbitrio ou prudente criteria do juiz ou sentimento de justi<;:a do julgador':51

No mesmo sentido, Dierle Nunes, sob urna 6tica constitucio­nal e democratica da fun<;:ao jurisdicional do Estado, afirma que "nao existe entre os sujeitos processuais (tecnicos processuais)

yao e nao em parametros pessoais ou da consciencia dos juizes, ate mesmo porque, eles nao tern legitimidade democratica (nao foram democratica­mente eleitos) para dizer quais devem ser os padr6es sociais, morais ou de justiya adequados para a sociedade, sob pena de se criar uma ditadura do Judiciario, verdadeira aristocracia olimpica de deuses togados.

51. DIAS, Ronaldo Bretas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Democnitico de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 35-38.

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cap. IV • PR/NCJP/OS PROCESSUA/S CONST/TUCIONAIS

submissao, mas, sim, interdependencia, fazendo-se inaceita.vel o esquema da relac;:ao juridico-processual que imp6e submissao das partes ao juiz, como ja disseram dezenas de processualistas, entres estes, mais recentemente, Fazzalari, na Ita.Iia, e Gonc;:alves, no Brasil, e outros seguindo seus ensinamentos, mesmo sem confessa-lo. 0 juiz nao pode mais constranger, subjulgar e sub­meter as partes, advogados e 6rgaos de execuc;:ao do Ministerio Publico no ambito da discussao e do debate endoprocessual, com base em suas pre-compreens6es, uma vez que nao ha submissao destes a sua figura. Ao magistrado cumpre, na alta modernidade, o papel democratico de garantidor dos direitos fundamentais, nao podendo ser omisso em relac;:ao a realidade social e devendo assumir sua func;:ao institucional decis6ria num sistema de regras e prindpios, embasado no debate endoprocessual e no espac;:o publico processual, no qual todos os sujeitos processuais e seus argumentos sao considerados e influenciam a formac;:ao dos provimentos. Tal perspectiva nao importa num esvaziamento do papel do magistrado, mas, sim, em sua redefinic;:ao. Nao ha mais possibilidade de o juiz democratico se portar como expert ilumi­nado de uma concepc;:ao privilegiada de bern viver (engenheiro social), que lhe garantiria uma postura ativista (muitas vezes subjetivista ou autoritaria) incontrolavel e desgarrada do marco procedimental do Estado Constitucional vigente. A submissao e o constrangimento ao cumprimento sao determinadas pelos provimentos e pelas normas, nunca pelo exerdcio totalitario da func;:ao jurisdicional, e tal nao se trata de mero jogo de pala­vras. Ademais, o juiz democratico nao pode pautar sua atuac;:ao com objetivos estrategicos, mas sim performativos, buscando o entendimento e nao uma eficacia numerica (produtividade) no exerdcio de sua func;:ao':52

Ante 0 exposto, pode-se afirmar que 0 acesso a justifa im­plica na garantia fundamental ao process a constitucionalmente

52. NUNES, Dierle Jose Coelho. Processo Jurisdicional Democr:itico: uma an:ilise critica das reformas processuais. Curitiba: Jurua, 2008, p. 256.

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

estabelecido ( englobando-se aqui todas as garantias fundamen­tais do modelo constitucional de processo, bem como os meios e mecanismos que garantem o acesso isonomico de todos os cidadiios a Justifa, tais COmO a gratuidade do proceSSO para OS pobres, a assistencia juridica gratuita, a inversiio do onus da prova em casas de hipossuficiencia etc.) que vise dar uma solufiiO adequada · e justa (de acordo com o ordenamento juridic a cons­titucional) aos casas concretos levados a apreciafiiO do Poder Judiciario que, por sua vez, deve agir em conformidade com os preceitos processuais constitucionais e niio conforme o arbitrio ou a discricionariedade de seus magistrados, respeitando as partes e seus representantes, sobretudo os Advogados e membros do Ministerio Publico, em um sistema que constitucionalmente esta fundado na comparticipafiiO e no policentrismo, fruto de uma democracia real.

5. DUPLO GRAU DE JURISDICAO

Ate o advento da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995) poder-se-ia definir o duplo grau como sendo 0 principia que garante a parte interessada a possibilidade de reanaiise da sentens;a proferida por 6rgao jurisdicional de grau inferior, ou melhor, a possibilidade de reexame da questao por urn juizo hierarquicamente superior. Entretanto, com o advento da referida legislas;ao ficou claro que tal reaprecias;ao poderia ser feita por 6rgao de grau semelhante ao da sentens;a que se reforma, como nos juizados especiais em que o reexame e feito por urn colegiado de juizes em face de uma sentens;a proferida, tambem, por umjuiz.

Nesse sentido, a professora Djanira Maria Radames de Sa conceitua o principia do duplo grau de jurisdis;ao como sendo a "possibilidade de reexame, de reapreciafiiO de sentenfa definiti­va proferida em determinada causa por outro 6rgiio de jurisdi­fiiO que niio o prolator da decisiio, normalmente de hierarquia superior, vindo dessa circunstancia a utiliZafiiO do termo grau,

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cap. IV • PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

na denominafiiO do principia, a indicar os niveis hienirquicos de organiZafiiO judiciaria".53

Hi que se registrar que sua hierarquia constitucional e, conse­quentemente, sua jusfundamentalidade material nao sao unanimes. Contudo, a doutrina majoritaria advoga pela constitucionalidade da referida garantia fundamental. 54 Nada obstante, pode-se dizer que se trata de garantia jusfundamental atipica implicita as garantias fundamentais tipicas do devido processo legal, do contradit6rio, da ampla defesa e do acesso a justifa, que em seu conjunto exigem,

53. sA, Djanira Radames de. Duplo grau de jurisdis;ao: conteudo e alcance. Sao Paulo: Saraiva, 1999, p. 88.

54. N esse senti do, realizando urna leitura constitucional do duplo grau de ju-. risdis;ao, dentre outros: Sergio Luizkukina aiirma que o duplo grau "possui matiz constitucional': KUKINA, Sergio Luiz. 0 principia do duplo grau de jurisdis:ao. Revista de Processo. Sao Paulo, n. 109, p. 97-112, jan/mar, 2003, p. 105. Carolina Alves de Souza Lima explica que "a Constitui<;:ao de 1988, ao tratar do Poder Judiciario, organiza-o de forma que demonstre a ados:ao do Principia do Duplo Grau de Jurisdis:ao". LIMA, Carolina Alves de Souza. 0 principio constitucional do duplo grau de jurisdis;ao. Barueri, SP: Manole, 2004, p. 83. Eduardo Arruda Alvirn demonstra que o duplo grau esta inserido no rol dos principios processuais constitucionais implicitos. ARRUDA ALVIM, Eduardo. Curso de Direito processual civil. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v.2. Rui Portanova aiirma que o duplo grau de jurisdis:ao possui "dignidade constitucional': POR­TANOVA, Rui. Prindpios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 265. Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvirn Wambier asseveram "ser o principia do duplo grau de jurisdi<;:ao urn principia constitucional por estar incidivelmente ligado a nos:ao que hoje temos de Estado de direito". WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAM­BIER, Teresa Arruda Alvirn. Breves comentarios a 2a fase da reforma do C6digo de Processo Civil: Lei 10.352, de 26.12.2001 -Lei 10.358, de 27.12.2001. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 95. Araujo Cintra, Ada Pellegrini e Candido Dinamarco aiian<;:am ser o duplo grau de jurisdi­s:ao urn principia processual constitucional implicito. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRIN OVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010. E, por fun, Jose Afonso da Silva aiirma que o duplo grau "e urn postulado de base constitucional': SILVA, Jose Afonso. Comentirio Contextual a Constituis:iio. 6.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2009, p. 536.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

em face do principio democnitico e do prindpio da seguram;a juridica, no minimo, uma dupla analise, sendo que a analise de revisiio, em regra, deve ser feita por um 6rgiio colegiado. Aqui nao se quer dizer que o juizo de wn colegiado seja melhor ou mais correto que wn juizo monocratico, mas apenas que esse juizo a ten­de aos prindpios democniticos e da seguran<;:a juridica, dan do ao cidadao jurisdicionado a seguran<;:a de que seu caso foi analisado por wna pluralidade de magistrados que, em conjunto, chegaram a decisao, afastando, ou pelo menos diminuindo, a sensa<;:ao de injusti<;:a que wna decisao monocratica muitas vezes carrega, como se wna Unica pessoa (o decisor) tivesse wn olhar privilegiado do mundo que pudesse resolver todos os casos da vida.55

Ademais, como a:fi.rma Elio Fazzalari, tal principia funda­-se, sobretudo, "no luto da perda': sobre o qual "se assenta'' o sucwnbente, de modo que este, "pede e obtem wna nova fase de conhecimento do merito':56 Em sentido semelhante, Araujo Cintra, Ada Pellegrini e Candido Rangel demonstram que o duplo grau de jurisdi<;:ao fundamenta-se em diversos fatores, dentre eles, "na possibilidade de a decisao de primeiro grau ser injusta ou errada''; na inconformidade do vencido; no fato dos tribunais de segundo grau se constituirem em 6rgaos colegiados, o que oferece mais seguran<;:a e esta mais conforme ao principia democratico; no fator psicol6gico, cienti:ficamente demonstrado, de que "o juiz de primeiro grau se cerca de maiores cuidados no julgamento quando sabe que sua decisao podera ser revista pelos tribunais da jurisdi<;:ao superior"; e, sobretudo, na natureza poli­tica do principia, vez que "nenhwn ato estatal pode ficar imune aos necessarios controles':57

55. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis;ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014, p. 129 e ss.

56. FAZZALARJ, Elio. Instituis;oes de Direito Processual. Campinas: Book­seller, 2006, p. 197.

57. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRJNOVER, Ada Pellegrini; DINA­MARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 80-81.

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cap. IV • PRJNCiPJOS PRDCESSUAJS CONSTITUCJONAJS

Ainda nesse sentido, conforme aduz J.M. Othon Sidou, "o recurso e urna forma de clamor e rebeldia; o grito dos que, no foro intimo julgando-se injusti<;:ados, acenam para urn juizo superior, na expressao de Couture. Defender a dupla jurisdis:ao e exercitar defesa de urn instinto hurnano, porque o recurso satisfaz tanto os sentimentos do que vence quanto os do vencido, ao passo que oferece mais autoridade a sentens:a de primeiro grau, pelo ensejo de melhor estudo, mais clareza e maior possibilidade de resolver melhor, como sublinha Augustin Costa, citando Dassen. E adota-la e obter vantagens de natureza social, politica, juridica, judicial propriamente dita, ou seja, vantagens para o proprio desenvolvimento interno do processo".58

Para alem das fundamenta<;:6es anteriormente expostas, enquanto direito fundamental atipico, a garantia implicita do duplo grau de jurisdi<;:ao tern sua jusfundamentalidade no "regi­me" constitucional (lata e stricto sensu), pois trata-se de direito fundamental que, alem de estar implicito a dispositivos expres­sos da Constitui<;:ao Formal, funda-se no sistema recursal cons­titucional e no sistema processual constitucional (lata sensu), bern como no sistema de direitos e garantias jusfundamentais constitucionais (stricto sensu), estando implicito, especialmente as garantias fundamentais tipicas do devido processo legal, do contraditorio, da ampla defesa e do acesso a justi<;:a. Ademais, fundamenta-se nos prindpios constitucionais, pois tern por base os prindpios fundamentais do Estado Democratico de Direito (que exige urna maior seguran<;:a das decis6es judiciais e que, por dar-se o segundo grau, em regra, na forma colegiada de ju­risdi<;:ao, contempla, em certa medida, o prindpio democratico) e da dignidade da pessoa humana, que exige, no minimo, uma segunda analise para que a pessoa humana possa ser privada de algum direito ou bern fundamental, sob pena de lhe violar os direitos fundamentais inerentes a propria dignidade da pessoa

58. SIDOU, J. M. Othon. Os recursos processuais na hist6ria do direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 8.

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PRINClPJOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

humana,59 atraves de urn simples juizo monocnitico, de urn {mico magistrado, como se fosse urn ser privilegiado que pu­desse determinar o passado, o presente e o futuro das pessoas, de urn lugar privilegiado no universo, quando na verdade e urn observador finito, tao finito quanta qualquer pessoa.60

Registre-se, por fim, que a garantia do duplo grau de juris­dic;:ao, alem de direito fundamental implicito, e, tambem, direito humano fundamental consagrado em Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil e signatario, tais como o Pacto dos Direitos Civis e Politicos, da Organizac;:ao das Nac;:6es Unidas (ONU), de 1966, que em seu art. 14.5 assegura que "toda pessoa declarada culpada par um delito tera o direito de recorrer da sentenr;a condenat6ria e da pena a uma instancia superior, em conformidade com a lei"; eo Pacto de San Jose da Costa Rica, da Organizac;:iio dos Estados Americanos (OEA), de 1969, que em seu art. 8°, 2, h, assegura, processualmente, que toda pessoa tern "direito de recorrer da sentenr;a a juiz ou tribunal superior".

No que tange a tutela do duplo grau na legislac;:ao processual infraconstitucional brasileira, o referido principia apresenta-se no processo civil e no processo penal sob a forma de revisiio de sentenc;:a definitiva de 6rgiio jurisdicional e consiste em urn dos principais fundamentos dos recursos. Ja no process a administrati­vo, o duplo grau de jurisdic;:ao esta estabelecido pelo principia da revisibilidade, que implica no direito de o administrado recorrer de decisiio administrativa que lhe seja desfavoravel.61

59. DOS SANTOS, Eduardo. R.; MELO, Luiz Carlos Figueira de. Os direitos fundamentais atipicos e os tratados internacionais de direitos humanos: a incorporac;:ao dos direitos humanos aos direitos fundamentais atraves do §

2°, do art. so, da CF/88. In: OLMO, Florisbal de Souza Del; GUIMAR.AES, Antonio Marcia da Cunha; CARDIN, Valeria Silva Galdino (Org.). XXII Encontro Nacional do CONPEDI: Direito Internacional dos Direitos Humanos. Florian6polis: PUNJAB, 2014.

60. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituic;:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

61. Ibidem, idem.

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cap. IV • PRINCfPIOS PRDCESSUAIS CDNSTITUCIONAIS

Apesar de implicitamente estatuido pela Constituic;:ao, o duplo grau de jurisdifiiO, assim como qualquer principia juridico, niio e absoluto, em outras palavras, esta submetido a restri96es. Exemplifi.cativamente, pode-se citar ao menos tres importantes restric;:6es ao duplo grau de jurisdic;:ao: i) a soberania dos veredictos do tribunal do juri, conforme o art. so, XXXVIII, c, da Constituic;:ao de 1988; ii) a inexistencia de recurso contra as decis6es do Supremo Tribunal Federal nas ac;:6es de sua competencia originaria, em razao de se tratar da ultima instancia judici<l.ria do ordenaii?-ento juridico brasilei­ro; e iii) o modelo dos juizados especiais estabelecido pela ja mencionada Lei 9.099 de 1995, cujos respectivos recursos sao submetidos a apreciac;:ao do mesmo juizado e nao a urn tribunal superior (de grau maior).62

No que se refere ao modelo dos juizados especiais, em ver­dade nao M restric;:ao ao principia do duplo grau de jurisdic;:ao. Nesse sentido, Araujo Cintra, Ada Pellegrini e Candido Rangel afi.rmam que na referida lei o duplo grau se queda resguardado, vez que "nao deve necessariamente ser desempenhado por orgaos da denominada 'jurisdic;:ao superior": ou seja, por uma jurisdic;:ao "de grau maior': conforme ja demonstrado.63

Deste modo, pode-se concluir que o principia do duplo grau de jurisdifii.O e, por conseguinte, os recursos, buscam dar seguranfa e [egitimidade a prestafii.O jurisdiciona[, sobretudo, quando a reapreciafii.O e realizada por orgiio co[egiado, vez que este torna o debate mais amplo e instiga o amadurecimento das ideias relativas a questiio objeto do caso, em respeito a justifa e a democracia.

62. DALLARJ, Dalmo de Abreu. 0 poder dos juizes. Sao Paulo: Saraiva, 1996.

63. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRIN OVER, Ada Pellegrini; DINA­MARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 83.

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PRINC[PJDS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

6. PUBLICIDADE

A publici dade consiste em urn dos mais democniticos prin­dpios processuais. Consagrada nos pactos e tratados internacio­nais de direitos dos homens e nas Constituic;:oes democniticas da modernidade, garante a todos o acesso aos atos processuais do Estado, sejam eles administrativos, legislativos ou judiciarios.

Como demonstra Ada Pellegrini Grinover, a publicidade e fruto da I uta dos hom ens contra os processos inquisitivos e autori­tarios dos juizos secretos oriundos da Idade Media, ganhando for­c;:a, sobretudo, com a Revoluc;:iio Francesa e os ideais iluministas.64

Poi positivada dentre os direitos dos homens, estando garantida pelo artigo X da Dedarac;:iio Universal dos Direitos Humanos.

No Brasil, como :fim da desgrac;:ada Ditadura Militar e com o advento da ConstituifiiO cidadii de 1988, :ficou consagrada expressamente em diversos dispositivos do texto constitucional, como no caput do art. 37 (como prindpio basilar da Adminis­trac;:iio Publica) e no inciso IX do art. 93, no qual esta positivada juntamente com o principia da motivac;:iio das decis6es judiciais, 65 que disp6e: "todos os julgamentos dos 6rgiios do Poder fu­diciario seriio publicos, e fundamentadas todas as decisoes, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presenfa, em determinados atos, as pr6prias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservafiiO do direito a intimidade do interessado no sigilo niio prejudique o interesse publico a injormafiiO".

64. GRINOVER, Ada Pellegrini. Os principios constitucionais e o C6digo de processo civil. Sao Paulo: Jose Bushatsky Editor, 1975.

65. Conforme ensina Roberto Jose Ferreira de Almeida, "a liga<;:ao da publi­cidade com a motiva<;:ao e intima, de instrumentalidade redproca, pois ambas tern o objetivo comum de possibilitar que a atividade processual se comunique como ambiente social': ALMEIDA, Roberto Jose Ferreira de. A garantia processual da publicidade. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 87.

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cap. IV • PRINCiPJOS PROCESSUAJS CONSTITUCJONAJS

Ja no ambito do Novo C6digo de Processo Civil, a publici­dade encontra-se consagrada no art. so, que a:firma que o juiz, ao aplicar o ordenamento jurfdico, devera observar o principia da publicidade, bern como no art. 11, segundo o qual, "todos os julgamentos dos 6rgiios do Poder fudiciario seriio publicos, e fundamentadas todas as decisoes, sob pena de nulidade", complementando seu paragrafo unico que "nos casas de segredo de justifa, pode ser autorizada a presenfa somente das partes, de seus advogados, de defensores publicos ou do Ministerio Publico".

Segundo as lis;oes de Jose Alfredo de Oliveira Baracho, o principia processual da publicidade esta diretamente ligado ao sistema de governo democratico, consistindo em "urna garantia imprescindivel, para possibilitar a participas;ao da cidadania, pelo que todos tern direito a urn processo publico". Ademais, o principia da publicidade "contribui para assegurar a con:fians;a da opiniao publica na administras;ao da Justis;a': pais em face dele, o ato jurisdicional passa por urna avalias;ao social, "expondo-se as criticas das partes e de seus representantes, evitando o juizo arbitrano".66 No mesmo sentido, Ada Pellegrini a:firma que a pu­blicidade consiste no "mais seguro instrurnento de :fiscalizas;ao popular sabre a obra dos magistrados, do Ministerio Publico e dos defensores': pais, "em Ultima analise, 0 povo e 0 juiz dos juizes".67

Ainda nesta perspectiva, Julio Fabbrini Mirabete assevera que "a publicidade e urna garantia para o individuo e para a sociedade decorrente do proprio principia democratico [ ... ] A regra geral da publicidade dos atos processuais esta em correspondencia com os interesses da comunidade, sendo considerada urn freio contra a fraude, a corrups;ao, a compaixao e as indulgencias faceis. 0

66. BARACHO, Jose Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Processo Constitu­cional. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 383, p. 131-180, jan/fev, 2006, p. 137-138.

67. GRINOVER, Ada Pellegrini. Os principios constitucionais e o C6digo de processo civil. Sao Paulo: Jose Bushatsky Editor, 1975, p. 131.

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PRINCfPIDS PROCESSUAIS CONSTITUCJONAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

procedimento secreta revela o temor da justis;a a critica do povo, nao garante ao acusado o direito de defesa e cria urn regime de

censura e irresponsabilidade".68 Nao obstante a ampla publicidade garantida pela atual Carta da Republica, tambem chamada de publicidade popular, a propria Carta Magna, em seu art. so, LX, garante a ocorrencia de uma publicidade restrita, chamada ainda de publicidade para as partes, que se configura quando a lei re­

conhece a preferencia de outros prindpios constitucionais sobre a publici dade para determinados casos, como, por exemplo, aqueles em que a ampla publici dade poderia provo car danos a intimidade conjugal das partes. Deste modo, na publicidade restrita, os atos processuais somente sao publicos em relas;ao as partes e aos seus representantes, ou a urn grupo restrito de pessoas.

A publicidade restrita dos atos processuais esta prevista em alguns textos da legislas;ao infraconstitucional brasileira, como por exemplo, no art. 2°, V, da Lei 9.784 de 1999 (Lei do Processo Administrativo no ambito da Administras;ao Publica Federal); no art. 189, do atual C6digo de Processo Civil (NCPC); no art. 792, §

1 o, do vigente C6digo de Processo Penal; no art. 143 da Lei 8.069 de 1990 (Estatuto da Crians;a e do Adolescente), dentre outros.

Especificamente em relas;ao ao processo jurisdicional dena­

tureza dvel, a publicidade restrita, conforme mencionada acima, regulamentada pelo art. 189, do Novo C6digo de Processo Civil, que assim disp6e:

Art. 189. Os atos processuais sao publicos, todavia tramitam em segredo de justic;:a os processos:

I - em que o exija o interesse publico ou social;

II- que versem sobre casamento, separac;:ao de corpos, div6r­cio, separac;:ao, uniao estavel, filiac;:ao, alimentos e guarda de crianc;:as e adolescentes;

68. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 15.ed. Sao Paulo: Atlas, 2003, p. 46.

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cap. IV • PRINCfPIOS PROCESSUAJS CONSTITUCIONAJS

III- em que constem dados protegidos pelo direito constitu­cional a intimidade;

N - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumpri­mento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipu­lada na arbitragem seja comprovada perante o juizo.

§ 1 o 0 direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justic;:a e de pedir certidoes de seus atos e restrito as partes e aos seus procuradores.

§ 2° 0 terceiro que demonstrar interesse jurfdico pode reque­rer ao juiz certidao do dispositivo da sentenc;:a, bem como de inventario e de partilha resultantes de div6rcio ou separac;:ao.

0 novo diploma processual civil, no inciso I, do art. 189, reservou ao juiz (a pedido das partes) o dever de declarar o si­gilo nos casos em que fi.carem configurados o interesse publico ou social, lidando-se na referida hip6tese com conceitos abertos, indeterminados, verifid.veis somente em casos espedfi.cos e con­cretos. Janas hip6teses dos incisos II, III e IV, do art. 189, tem-se materias cuja publici dade, como regra, sera restrita. Por fors;a do §

1°, do respectivo artigo, a publici dade fi.cara restrita as partes e aos seus procuradores, contudo, conforme dispoe o § 2°, sem prejuizo a terceiros juridicamente interessados, que poderao requerer ao magistrado certidao do dispositivo da sentens;a.

Nada obstante a ocorrencia da publicidade restrita, M de se destacar, conforme dispoe o art. 93, IX da Constituis;ao eo art. 11, do NCPC, que nos casos em que o processo tenha tramitado em segredo de justis;a (publicidade restrita), quando nao configurada a hip6tese de restris;ao, nula e a relas;ao processual.69 Nesse sen­tido, Roberto Jose Ferreira de Almeida afirma que "descumprida a exigencia plena da publicidade dos autos e dos julgamentos judiciarios, fora das balizas dos preceitos que consagram a sua

69. Nesse sentido, por todos: CAPUTO, Paulo Rubens Salomao. Teoria Pro­cessual Civil: parte geral do NCPC. Leme: JH Mizuno, 2016.

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anapaula
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PRINC[PJOS PROCESSUAIS CONSTJTUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

imparcialidade do juiz e a legalidade e justi<;:a das decis6es"?3 No mesmo sentido, Jose Alfredo de Oliveira Baracho e:x:plica que a motiva<;:ao das decis6es consiste em uma exigencia instransponi­vel estabelecida pela Constitui<;:ao, que se liga nao s6 a no<;:ao de justi<;:a e con:fi.abilidade, mas tambem a concep<;:ao de cidadania e democracia.74

A exigencia constitucional da motivar;iio das decisoes refle­te-se em todos OS ramos do processo, isto e, jurisdicional, admi­nistrativo e ate mesmo arbitraF5 Advirta-se, no entanto, no que se refere ao processo administrativo, que existe certa discordancia doutrinaria quanto a sua ampla aplica<;:ao, entretanto, como expli­cam Irene Nohara e Thiago Marrara, a maior parte da doutrina entende que a motiva<;:ao deva ser obrigat6ria em todos os atos decisionais da Administra<;:ao, inclusive naqueles vinculados.76

Na perspectiva do modelo constitucional de processo, pode­-se a:fi.rmar, com apoio na doutrina de Lenio Streck, que a moti­var;iio possui intima relar;iio com o principia do contradit6rio, assumindo papel fundamental no ambito do Estado Democnitico de Direito, vez que se desdobram na ''garantia que cada cida­diio tern de que a decisiio estara devidamente fundamentada" e respeitara a dialetica processual desenvolvida pelas partes. Em outras palavras, numa democracia, nao basta que o decisor fundamente sua decisao, e ainda necessario que ele e:x:plique 0

que foi fundamentado, isto e, justi:fi.que sua fundamenta<;:ao, ou

73. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRIN OVER, Ada Pellegrini; DINA­MARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 74.

74. BARACHO, Jose Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional: aspectos contemporaneos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

75. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 6. ed. Sao Paulo: Atlas, 2010. v. 1.

76. NOHARA, Irene Patricia; MARRARA, Thiago. Processo Administrativo: Lei no 9.784/99 Comentada. Sao Paulo: Atlas, 2009.

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cap. IV • PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

nas palavras do professor Streck, e indispensavel "fundamentar a fundamentac;:ao".77

N esse mesmo senti do, ha muito ja anotara Miguel Reale, para quem "e claro, porem, que motivar nao signi:fica urn ato superior de opc;:ao, de per si va.Iido, entre o que foi alegado pelo autor e contestado pelo reu, como simples adesii.o a este e nao aquele, nurn soberano ato de vontade que e ao mesmo tempo regula sui. Motivar signi:fica antes a enunciac;ii.o dos Jundamentos em que se baseia a decisao, constituindo, desse modo, urn ato transpessoal que emerge do vivo cotejo das quest6es de fato e de direito".78

0 clever de fundamentac;:ao das decis6es fundamenta-se, dentre outras coisas, na devida deferencia a dialetica processual e na ampla participac;:ao dos sujeitos processuais no processo decis6rio (direito de influencia), inerentes ao devido processo legal de Estados Democraticos de Direito e de Constituic;:6es que tern por base axiol6gica os prindpios fundamentais de cidadania e soberania popular, sendo, portanto, a motivac;:ao das decis6es judiciais urna exigencia 16gica e racional do proprio Estado De­mocratico de Direito.79

Nesse sentido, a doutrina ha muito vern criticando decis6es "fundamentadas" com base em argurnentos de politica, tais como os de fins coletivos, fins sociais etc., que remetem quase sempre a termos imprecisos e indeterminados, sob pena de "se criar urn grau zero de sentido a partir de argurnentos de politica (policy), que justificariam atitudes/ decis6es meramente baseadas em estra-

77. STRECK, Lenio Luiz. Hermeneutica, Constituic;:ao e Processo, ou de "como discricionariedade nao combina com democracia": a contraponto da resposta correta. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattani de (coord.). Constitui<;:iio e Processo: A con­tribuic;:ao do processo ao constitucionalismo democratico brasileiro. Bela Horizonte: Del Rey, 2009, p. 17-18.

78. REALE, MigueL Questoes de Direito Publico. Sao Paulo: Saraiva, 1997, p. 158.

79. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constitui<;:iio. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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PRINC[PJOS PROCESSUAIS CONSTITUCJONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

tegias econ6micas, sociais ou morais':so de modo que, com base em tais argumentos, poder-se-ia justificar tudo, banalizando e descaracterizando os institutos, os direitos e as garantias. Born exemplo e pensar no juiz que profere uma decisao motivando-se meramente na moralidade publica, ou na finalidade social, ou no bem-estar da coletividade, etc., sem apresentar os motivos (de fato e de direito) espedficos do caso in concreto que o levaram a decidir de determinada maneira e a reconhecer a presen<;:a de tais motivos no caso.

Neste ponto, faz-se necessario lembrar que a ausencia de motivafiiO enseja nulidade da decisiio, conforme dispoe ex­pressamente a ConstitUifiiO (art. 93, IX) e o Novo C6digo de Processo Civil (art. 11, caput), pois se trata de vicio dos mais graves, constituindo afronta direta ao due process of law. Deste modo, se a decisiio niio estiver motivada, ou se sua motivafiiO for insuficiente, au imprecisa, ou padecer de qualquer v{cio, ela sera nula e ensejara recurso em todos OS ambitos processuais possiveis, obedecido o devido processo legal e as competencias constitucionalmente estabelecidas. 81

Nesse sentido, parte da doutrina defende que as decis6es proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais que, conforme previsto na lei 9.099/95, dispensam motiva<;:ao quando confirmam a senten<;:a proferida pelo juizo a quo sao inconstitu­cionais, pois nao respeitam a exigencia do art. 93, IX, da Carta da Republica.82

80. STRECK, Lenio Luiz. Hermeneutica, Constituis:ao e Processo, ou de "como discricionariedade nao combina com democracia": o contraponto da resposta correta. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (coord.). Constituiyiio e Processo: A con­tribuis;ao do processo ao constitucionalismo democnitico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 21.

81. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituiyiio. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

82. FELISBERTO, Adriano Cesar; IOCOHAMA, Celso Hiroshi. 0 principio da motivas:ao nas decis6es de segunda instancia dos juizados Especiais

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cap. IV • PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

Seguindo justamente a linha de raciocinio de processo de­

mocratico constitucionalizado, o Novo C6digo de Processo Civil, para alem de repetir a Constituifii.O e assegurar que a ausencia de motivm;:ii.o enseja nulidade (art. 11), regulamentou e esta­beleceu as bases minimas para uma motivafii.O das decisoes conforme as exigencias constitucionais de um devido processo legal democratico, nos§§ JD e 2°, de seu art. 489.

§ 1 o Nao se considera fundamentada qualquer decisao judicial, seja ela interlocut6ria, sentenya ou ac6rdao, que:

I - se limitar a indicayao, a reproduyao ou a parafrase de ato normativo, sem explicar sua relayao com a causa ou a questao decidida;

II- empregar conceitos juridicos indeterminados, sem expli­car o motivo concreto de sua incidencia no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justifi.car qualquer outra decisao;

IV - nao enfrentar todos os argumentos deduzidos no pro­cesso capazes de, em tese, infirmar a conclusao adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de slimu­la, sem identifi.car seus fundamentos determinantes nem demonstrar que 0 caso sob julgamento se ajusta aqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de sumula, jurisprudencia ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a exis­tencia de distinyao no caso em julgamento ou a superayao do entendimento.

§ 2° No caso de colisao entre normas, o juiz deve justifi.car o objeto e os criterios gerais da ponderayao efetuada, enuncian­do as raz6es que autorizam a interferencia na norma afastada e as premissas faticas que fundamentam a conclusao.

Civeis. Revista de Processo. Sao Paulo, n. 190, p. 127-154, dez, 2010.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIDNAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

0 inciso I, do § 1 o, do art. 489, afuma que nao se considera fundamentada qualquer decisao judicial que se limitar a indica­c;:ao, a reproduc;:ao ou a panifrase de ato normativo, sem e:x:plicar sua relac;:ao com a causa ou a questao decidida. Isto e, o decisor nao pode meramente deferir ou indeferir determinado pedido "em conformidade com o art. X, da Lei Y': sem demonstrar como o dispositivo normativo se adequa ao caso que ele esta decidin­do. Exige-se que o magistrado demonstre racionalmente como OS jatos de determinado caso concreto adequam-se a previsiio normativa geral e abstrata, levando-o a decidir em certo sentido. Assim, niio pode o juiz apenas indicar, reproduzir ou mesmo pa­rajrasear o dispositivo normativo em que se pauta para decidir, sob pena de ser nula sua decisiio.

0 inciso II, do § 1 o, do art. 489, assevera que nao se considera fundamentada qualquer decisao judicial que empregar conceitos juridicos indeterminados, sem e:x:plicar o motivo concreto de sua incidencia no caso. Por conceitos juridicos indeterminados entende-se aqueles termos juridicos vagos, imprecisos, como, por exemplo: func;:ao social, dignidade, boa-fe, medidas necessarias etc.83 Aqui, niio e que o magistrado niio possa fundamentar suas decisoes em normas juridicas instituidas por termos juridicos indeterminados, mas ao faze-lo, deve o magistrado demonstrar sua incidencia no caso concreto, isto e, ao decidir com base num termo juridico indeterminado, deve demonstrar como o caso especfjico se adequa ao conteudo normativo do termo juridico indeterminado (clever de dar contornos mais precisos ao termo juridico indeterminado em face do caso concreto) e, portanto, como aquele termo direciona sua decisao, numa perspectiva de integridade, aquele sentido decis6rio.

0 inciso III, do § 1 o, do art. 489, afianc;:a que nao se considera fundamentada qualquer decisao judicial que invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisao. Isto e, niio se

83. THEODORO JUNIOR, Humberto et al. Novo CPC: fundamentos e sistematizas;ao. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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cap. IV • PRINCJPIOS PROCESSUAJS CONSTJTUCJONAIS

consider a fundamentada 'aecisiio padriio", aquela ''cola-copia", que poderia ser usada numa infinidade de casos semelhantes, isto e, siio nulas aquelas decisoes que niio se dedicam a enfren­tar o caso de modo especi.fico ("ja que cada caso e um caso"), apenas o fundamentando de modo abstrato, de modo que sua fundamentafiiO possa ser usada em outros casos que tratem de materia semelhante. Como bern demonstram Marinoni, Are­nhart e Mitidiero, "e que a fundamenta<;:ao constitui, antes de qualquer coisa, a resposta judicial a argumenta<;:ao formulada pelas partes em torno das raz6es existentes para julgar nesse ou naquele sentido determinado caso concreto. Se a decisao se presta para justificar qualquer decisao, e porque normalmente nao se atem aos fatos concretos que singularizam a causa que a fundamenta<;:ao tern justamente por endere<;:o resolver. Vale dizer: nao serve para solucionar o caso concreto para o qual a senten<;:a se encontra pre-ordenada':84

0 inciso rv, do § 1 o, do art. 489, afirma que nao se considera fundamentada qualquer decisao judicial que nao enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusao adotada pelo julgador. Bern, segundo este dispositivo, o juiz deve enfrentar todos os argumentos relevantes ( argumentos capazes de infirmar a conclusiio adotada pelo julgador, isto e, argumentos capazes de formar e/ou modificar a decisiio do ma­gistrado) aduzidos pelas partes sob pena de nulidade da decisiio. Frise-se: o magistrado deve enfrentar sob pena de nulidade da decisiio, todos os argumentos relevantes ( capazes de infirmar a conclusiio adotada pelo julgador) e niio todos os argumentos apre­sentados pelas partes. Este dispositivo vern atender as exigencias do prindpio contradit6rio no ambito do modelo constitucional de processo brasileiro e que, muitas vezes, vinha sendo desrespeitado por certos magistrados pouco afeitos aos direcionamentos demo-

84. MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sergio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo C6digo de Processo Civil Comentado. 2.ed. Sao Paulo: RT, 2016, p. 577.

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PRINC[PJOS PRDCESSUAIS CONSTJTUCJONAJS • Eduardo Rodrigues dos Santos

cnitico e republicano e que acreditam que o direito seja aquilo que eles pensam que e (ou que deveria ser, conforme suas concepc;:6es pessoais) e que as normas juridicas sao fruto de uma interpretac;:ao privilegiada, isolada e autocratica dos juizes, quando na verdade as normas sao o produto de uma interpretac;:ao do magistrado, que, por sua vez, deve partir do contraditorio das partes em urn process a hermeneutico policentrico e comparticipativo que se funda numa corresponsabilidade democnitica de todos os sujeitos processuais.

0 inciso V, do § 1 a, do art. 489, assevera que nao se con­sidera fundamentada qualquer decisao judicial que se limitar a invocar precedente ou enunciado de slimula, sem identi:fi.car seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob jul­gamento se ajusta aqueles fundamentos. Ora, o inciso em analise consagra aquilo que a doutrina processualista mineira ja vinha ha anos defendendo em vanguarda, isto e, que quando 0 magistra­do se utiliza de precedentes ou sumula para fundamentar sua decisiio, ele deve necessariamente identificar os fundamentos do precedente/sumula que justificam sua aplicafiio no caso em ana­lise, bem como demonstrar como o caso a ser julgado se adequa aos fundamentos identificados, niio bastando a mera alusiio, citafiiO ou remissiio ao precedente ou sumula. E obrigat6rio demonstrar racionalmente a conexiio dos fundamentos do pre­cedente/sumula com o caso a ser julgado, sob pena de nulidade da decisiio. Em outras palavras, e necessaria que o magistrado de­sempenhe seu papel de hermeneuta, que nao se traduz num papel mecanicista de reproduc;:ao de precedentes em decis6es como se isso pudesse fundamentar o caso a ser decidido. Nas palavras de Marinoni, Arenhart e Mitidiero, "os precedentes sao vertidos em textos que dizem respeito a determinados casos. Isso quer dizer que, como todo e qualquer texto, nao dispensam interpretac;:ao (nada obstante tenham por func;:ao reduzir a equivocidade ine­rente ao discurso das fontes legislativas) a respeito do significado da linguagem empregada e a proposito do respectivo ambito de aplicac;:ao. Dai que trabalhar com precedentes signi:fi.ca individu­alizar raz6es e conecta-las as hip6teses fatico-juridicas que nela

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cap. IV • PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

recaem. Por essa razao, trabalhar com precedentes nao signi:fica de modo nenhum simplesmente alinhar julgados - condensados ou nao em slimulas - sem individualizar as suas origens, os seus signi:ficados e a pertinencia que guardam com o caso concreto. Nao se considera fundamentada a decisao, portanto, que apenas :tinge aplicar precedentes, mas que na verdade nao patrocina efetivo processo de identifica<;:ao de razoes e de demonstra<;:ao da pertinencia da ratio decidendi como caso concreto':ss

0 inciso VI, do § 1 a, do art. 489, afian<;:a que nao se considera fundamentada qualquer decisao judicial que deixar de seguir enun­ciado de sUm.ula, jurisprudencia ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existencia de distin<;:ao no caso em julgamento ou a supera<;:ao do entendimento. Fica evidente que o NCPC quis com este dispositive reafirmar a forc;:a dos precedentes e dos direciona­mentos hermeneuticos dos tribunais superiores para as demais ins­tancias do Poder Judiciario com animus de conferir maior coerencia e uniformidade as suas decisoes reforc;:ando a seguranc;:a juridica, especialmente no que diz respeito a sua ambiencia jurisprudencial. Assim, sen£ nula decisiio judicial que deixar de seguir enunciado de sumula, jurisprudencia au precedente invocado pela parte: i) sem demonstrar a existencia de distinr;iio no caso em julgamento, isto e, que 0 caso que esta sendo julgado e distinto daqueles a que se destina a sumula, 0 precedente ou a jurisprudencia; ou ii) sem demonstrar a superar;iio do entendimento, isto e, sem demonstrar que asumula, jurisprudencia ou precedente invocado pel a parte ja se encontra superado pela propria corte superior do qual emanou ( especialmente, STF em materias constitucionais e STJ em materias de legislac;:ao federal), ja que so as cortes superiores podem superar seus pr6prios entendimentos. 86

85. MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sergio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo C6digo de Processo Civil Comentado. 2.ed. Sao Paulo: RT, 2016, p. 578.

86. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigat6rios. 4.ed. Sao Pau­lo: RT, 2015.

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PRJNCJPJOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

Ja o § 2°, do art. 489, do novo diploma normativo processual civil, dedi ca-se a resolufiiO de conjlitos normativos, aderindo ex­pressamente a teoria da ponderafiiO, de auto ria de Robert Alexy. Bern, em que pese discordemos da opc;:ao legislativa que e extre­mamente criticavel, 87 vale registrar que ao menos foi feita uma opc;:ao, 0 que afasta a inseguranfa das multiplas ( e muitas vezes esdruxulas) opf6es metodol6gicas que vinham sendo utilizadas pelos magistrados na praxis juridica. Ademais, considerando o enunciado do NCPC, exige-se que o magistrado demonstre o objeto e os criterios gerais da ponderac;:ao efetuada, enunciando as raz6es que autorizam a interferencia na norma afastada e as premissas faticas que fundamentam a conclusao, isto e, exige que o magistrado demonstre o iter de da ponderafiiO realizada, fundamentando-a, o que assegura o controle da legitimidade de sua decisiio, hem como possibilita seu controle pela via recursal.

Advirta-se: o que o Novo C6digo de Processo Civil deseja com a comentada regulamentafiio niio sao decisoes longas e prolixas, mas sim decisoes devidamente fundamentadas. Isto e, nao se quer que os magistrados gastem 15 laudas para decidirem processo simples, mas que nao gastem apenas uma linha fingindo que estao fundamentando aquele caso, por exemplo, dizendo: "defiro o pedido, com base no art. X, da Lei Y': Ate porque, de­cisao fundamentada nao se confunde com decisao longa, sendo possivel ter-se uma sem a outra.88

Nada obstante, ha de se reconhecer que nao e o fato de a legislac;:ao infraconstitucional (art. 489, NCPC) passar a dispor expressamente aquilo que a Constituic;:ao ja previa (por uma questao l6gica, de coerencia e de integridade) ao reconhecer a

87. STRECK, Lenio Luiz. Ponderac;:ao de normas no novo CPC? E o caos. Presidente Dilma, por favor, veta! 08 jan. 2015. Disponfvel em: <http:// www.conjur.eom.br/2015-jan-08/senso-incomum-ponderacao-normas­-cpc-caos-dilma-favor-veta >. Acesso em 22 de abril de 2016.

88. THEODORO T0NIOR, Humberto et al. Novo CPC: fundamentos e sistematizac;:ao. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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cap. IV • PRINCfPJOS PROCESSUAJS CONSTJTUCIONAIS

garantia fundamental a motivas;ao das decis6es judiciais (art. 93, IX, CF/88), que fara com que seja cumprido pelos magistrados. Niio ha duvidas de que os §§ 1 o e 2°, do art. 489, NCPC enfren­tara resistencia, notadamente de juizes pouco afeitos ao traba­lho arduo que e inerente a magistratura, ou de juizes que niio querem aderir ao sistema democratico e republicano instituido em 1988, o que fez dos magistrados cidadaos comuns e sujeitos processuais em pe de igualdade com os demais (rompendo com uma tradicional superioridade olimpica pre-existente).

Nesse sentido, mesmo antes do termino de sua vacatio le­gis, os referidos dispositivos ja foram objeto de uma gama de enunciados de escolas da magistratura89 e de jornadas juridicas de tribunais, quase sempre no sentido de restringir e diminuir a garantia fundamental a motivas;ao das decis6es judiciais e amp liar a discricionariedade eo poder dos magistrados, desvinculando-os de seus deveres constitucionais.

A exemplo, o Enunciado no 13, da Primeira Jornada sobre o Novo C6digo de Processo Civil realizada pela Escola Judicial do TRT da 18a Regiao, que ocorreu entre os dias 25 e 26 de junho, de 2015, in verbis:

ENUNCIADO No 13: AINDA QUE SE REPUTE POR CONS­TITUCIONAL, REVELA-SE MANIFESTAMENTE INAPLI­CAVEL AO PROCESSO DO TRABALHO 0 DISPOSITIVO DO NOVO CPC QUE EXIGE FUNDAMENTAyAO SEN­TENCIAL EXAURIENTE, COM 0 ENFRENTAMENTO DE TO DOS OS ARGUMENTOS DEDUZIDOS NO PROCESSO PELAS PARTES. 0 inciso IV, do § 1 o, do artigo 489, do Novo

89. A exemplo dos 62 enunciados da ENFAM (Escola Nacional de Formayiio e Aperfeiyoamento de Magistrados) que, segundo a propria escola "ser­virao para orientar a magistratura nacional na aplicayiio do novo C6digo de Processo Civil (CPC)': Os textos foram aprovados por cerca de 500 magistrados durante o seminano "0 Poder Judiciano e o novo CPC" realizado de 26 a 28 de agosto, de 2015. Disponivel em: <http://www. enfam.jus.br/2015/09/enfam-divulga-62-enunciados-sobre-a-aplicacao­-do-novo-cpc/>.

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PRINCiPIDS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

CPC, ao exigir fundamentac;:ao exauriente, e inaplicavel ao processo trabalhista, seja pela inexistencia de omissao norma­tiva, diante do caput do artigo 832, da CLT, seja pela flagrante incompatibilidade com os prindpios da simplicidade e da celeridade, norteadores do processo laboral, sendo-lhe bas­tante, portanto, a chis sica fundamentac;:ao sentencial su:ficiente.

Note-se que o transcrito enunciado demonstra bern o medo que os magistrados do trabalho do TRT goiano tern da demo­cracia e da republica, ou ainda, como deuses nao desejam tor­nar-se homens. Segundo os magistrados goianos entendem, a Constituic;:ao da Republica Federativa do Brasil de 1988 s6 lhes e aplid.vel naquilo que, segundo eles mesmos, os beneficiam, ja quanto aos onus inerentes ao exerdcio da magistratura numa ambiencia democratica e republicana, esses devem ser afastados de suas excelencias, que estao num outro patamar, muito acima dos reles mortais. Ademais, ainda que o NCPC, por forc;:a expres­sa seja aplicavel a justic;:a do trabalho (art. 15), segundo o TRT goiano, a fundamentac;:ao exauriente que ele exige nao se aplica aos processes trabalhistas. A exposic;:ao dos motivos apresentada para sua inaplicabilidade nos lembra uma bela "birra de crianc;:a mirnada'~ esperneando ininterruptamente para tentar se esquivar de seus deveres. Veja bern: o NCPC s6 regulamentou aquilo que a propria Constituic;:ao ordenou! A justic;:a do trabalho, em suas decis6es, deve realizar a fundamentac;:ao exauriente desde, no minirno, 05 de outubro de 1988, porque a Constituic;:ao determina que assirn seja feito. 0 art. 489, IV, do NCPC vern apenas deixar claro para os "meninos birrentos" que eles devem cumprir com seus deveres constitucionais, pois eles nao estavam cumprindo.

Por fim, vale reafirmar a indispensavel necessidade de mo­tivac;:ao de todas decis6es judiciais, por se tratar de garantia constitucionalmente estabelecida que, caso nao observada enseja nulidade do processo. Ademais, em democracias nao se admite autoritarismos, decisionismos, nem fundamentac;:oes insuficien­tes, meramente pautadas em elementos politicos, ou indetermina­dos ou indefinidos, pois o juiz tern o dever de formar sua decisao

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cap. IV • PRINCfPIOS PROCESSUAJS CONSTITUCJONAIS

sob o crivo do contraditorio das partes fundamentando-se nos elementos de fato e nas raz6es de direito trazidos pelas mesmas ao processo, demonstrando de forma clara e concreta os motivos que o levaram a decisao.

B. JUIZ NATURAL, INDEPENDENTE E IMPARCIAL

0 prindpio do juiz natural, tambem chamado pela doutrina de juiz legal ou juiz constitucional ( ou ainda juizo natural ou jui­zo constitucional), consiste historicamente em um mandamento juridico de densidade axiologica que consagra diversas garantias em seu profundo conteudo. Ainda sob uma perspectiva historica, Rui Portanova explica que a expressao juiz natural foi positivada pela primeira vez no art. 17 do titulo II da Lei Francesa de 24 de agosto de 1790. Ja sua primeira referenda constitucional consta da Constituic;:ao francesa de 1971.90

Atualmente, o prindpio do juiz natural encontra-se consa­grado em diversas legislac;:oes internacionais e em constituic;:6es democraticas, tais como a brasileira. Como exemplo, pode-se citar o artigo X da Declarac;:ao Universal dos Direitos Humanos de 1948 que disp6e que "toda pessoa tem direito, em plena igual­dade, a uma audiencia justa e publica par parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusac;iio criminal contra ele"; o inciso XXXVII, do artigo so, da Constituifii.O brasileira de 1988 que assegura que "niio haveni juizo ou tribunal de excefiio";91 bern como o inciso LIII do mesmo artigo de nossa Carta da Republica

90. PORTANOVA, Rui. Prindpios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

91. Conforme ensina Jose Afonso da Silva, Tribunal de Excec;:ao consiste naquele "que nao integra 0 sistema judici<irio preestabelecido, 0 que e criado ad hoc, isto e, apenas para o caso, e post facto, ou seja, depois da ocorrencia do fato objeto do processo e do julgamento': SILVA. Jose Afonso da. Comentario Contextual a Constituic;:ao. 6.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2009, p. 136.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

que afirma que "ninguem sera process ado nem sentenciado seniio

pela autoridade competente".

Em razao de ter-se consagrado em documentos de profundo

conteudo a:x:iol6gico, o prindpio do juiz natural encontra-se do­

mmado porum complexo sentido etico que se liga diretamente a

noyao de justiya, pois, como explicam Araujo Cintra, Ada Pellegri­

ni e Candido Rangel, apenas "a jurisdiyao subtrafda a influencias

estranhas pode configurar uma justiya que de a cada um 0 que e

seu e somente atraves da garantia de um juiz imparcial o processo

pode representar um instrumento nao apenas tecnico, mas etico".92

Nessa perspectiva, o prindpio do juiz natural nao pode ser

compreendido como mera proibiyao de existencia de tribunais

de exceyao, mas sim como uma complexa garantia que engloba

varias outras garantias e diversos subprindpios que estabelecem

um verdadeiro juiz natural constitucionalmente estabelecido, ou

um juiz constitucional.93 Em face disto, e com base na doutrina

de Hector Fix-Zamudio/4 e possfvel afi.rmar que o juiz natural

compreende uma jurisdiyao complexa constitucionalmente pre­

estabelecida que seja imparcial e independente95

92. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRIN OVER, Ada Pellegrini; DINA­MARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 59.

93. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

94. FIX-ZAMUDIO, Hector. Constituici6n y proceso civil en Latinoameri­ca: Estudios Comparatives. Derecho Latinoamericano. Serie D. Numero 5. Mexico: UNAM. 1974.

95. Conforme esclarecem os professores Javier Garcia Roca e Jose Miguel Vidal Zapatero, "independencia e irnparcialidade sao conceitos pr6xi­mos e inter-relacionados': ROCA, Javier Garcia Roca; ZAPATERO, Jose Miguel Vidal. El derecho a un tribunal independiente e imparcial (art. 6.1 del Convenio Europeo de Derechos Humanos). Revista de Direito Constitucional e lntemacional. Sao Paulo, n. 57, p. 267-309, out/dez, 2006, p. 307. (tradus:ao livre).

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cap. IV • PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

Ronalda Bretas de Carvalho Dias ensina, ainda, que o juizo natural e em um principia diretivo da funfii.O jurisdicional que esta diretamente ligado a nOfii.O de Estado Democratico de Direito, de modo que podemos a.firmar que o desrespeito a tal principia consiste em afronta direta ao proprio Estado De­mocratico de Direito, vez que tal principia se estabelece como garantia dos direitos fundamentais de liberdade, dignidade e ampla defesa, impossibilitando que sejam criados 6rgiios juris­dicionais com competencias p6s-de.finidas, isto e, de.finidas ap6s os fatos a serem julgados. 96 No mesmo sentido, Ernane Fidelis dos Santos ensina que a instituic;:ao destes 6rgaos jurisdicionais com competencias p6s-definidas, isto e, de Tribunais de Excec;:ao "peca contra os prindpios democraticos': em face do juiz natural e do Estado Democratico de Direito.97

Em suma, pode-se dizer que o principia do juiz natural compreende, dentre outras, as seguintes garantias: proibifii.O de julgamento por 6rgiio constituido ap6s a ocorrencia do Jato; instituifii.O dos 6rgiios jurisdicionais e .fixafii.O da competencia pela Carta Maior; cumprimento rigoroso das determinaf6es procedimentais referentes a divisiio funcional interna; inercia da jurisdifiio; independencia, imparcialidade, inafastabilidade e gratuidade judiciaria, investidura, aderencia ao territ6rio, indelegabilidade, indeclinabilidade, inevitabilidade e indepen­dencia da jurisdifii.O civil da criminal, perpetuatio jurisdictiones e recursividade. 98

Todas essas garantias, asseguram (no campo do dever-ser), em face de seu amplo teor democratico, que o julgador (normal­mente identificado pelo Poder Judiciario) nao se quede subser-

96. DIAS, Ronalda Bretas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Democratico de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

97. SANTOS, Ernane Fidelis dos. Manual de Direito Processual Civil: pro­cesso de conhecimento. lS.ed. Sao Paulo: Saraiva, 2011. v.l, p. 88.

98. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

viente a autoritarismos, nem se deix:e influenciar por lideran<;:as politicas, econ6micas etc., isto e, visam impossibilitar que o julga­dor se torne urn "fantoche" ou "servidor" de determinada classe.99

Nada obstante, vale destacar, na esteira das li<;:6es de Nelson Nery Junior, que niio se pode confundir determinadas prerro­gativas de foro com tribunal de excefiio, tais como os foros por prerrogativa em funfiiO do cargo!funfiiO ou interesse publico, isto porque, a Constitui<;:ao estabelece tais prerrogativas de foro em razao do interesse publico geral, visando 0 melhor funcionamento da justi<;:a e das institui<;:6es publicas do pais. Deste modo, nao ha de se falar em tribunal de exce<;:ao nas a<;:6es de div6rcio e anula<;:ao de casamento que devem ser processadas no foro em que reside a mulher, assim como nas a<;:6es de alimentos que se processam no foro em que reside o alimentado, nem mesmo nas a<;:6es em que ha foro por prerrogativa de fun<;:ao, tais como as a<;:6es penais em que e reu 0 presidente da republica, por exemplo. 100

Por fi.m, registre-se que o prindpio do juiz natural se aplica, inclusive, ao processo administrativo, sendo chamado pelos ad­ministrativistas de prindpio do julgador natural. E valido tambem dizer, que o juizo arbitral nao constitui ofensa ao prindpio do juiz natural, sobretudo porque se origina de uma conven<;:ao livre entre as partes que nao versa sobre direitos indisponiveis.101

Em conclusao, ressalte-se que o principia do juiz natural consiste na garantia de que os homens s6 seriio submetidos a julgamentos justos, imparciais, e idoneos, nos quais eles teriio a possibilidade de demonstrar seus argumentos sem juizos previos ou intervenf6es politicas, economicas etc. que intentem moldar 0

resultado do julgamento. Neste sentido, a classica li<;:ao de Rudolf Von Ihering, que ha muito afi.rmara que ceo homem vitima de uma

99. Ibidem, idem.

100. NERY JUNIOR, Nelson. Principios do processo na Constituis:ao Fede­ral. 10.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

101. Ibidem, idem.

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cap. IV • PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

justir;a venal ou parcial encontra-se violentamente arrojado para fora das vias do direito". 102

9. INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILfCITAS

0 prindpio da inadmissibilidade das provas ilicitas encon­tra-se positivado no art. 5°, LVI, da Carta Republicana, segundo 0 qual ccsiio inadmissiveis, no processo, as provas obtidas por meios ilicitos".

Ja no Novo C6digo de Processo Civil, fica evidente da leitura do art. 369, que afirma: '~ partes tem o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legitimos, ainda que niio especificados neste C6digo, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e injluir eficazmente na convicr;iio do juiz". Assim, se as partes tern direito de empre­gar todos os meios legais e legitimos, por uma questao logica, teleologica e sistemica, a contrario sensu, e vedado pelo sistema juridico processual o uso de pro vas ilegais e de pro vas ilegitimas.

Ora, o processo tern a busca da verdade como urn prindpio inerente a sua propria existencia, enfi.m, nao ha porque instaurar -se urn processo sem o objetivo de se encontrar a verdade e, por con­seguinte, aplicar o direito da forma mais justa e equitativa possivel.

Entretanto, niio se pode buscar a verdade a qualquer custo, isto e, sea busca da verdade e urna garantia fundamental consa­grada pela Constituis;ao, por outro lado, existem outros direitos e garantias fundamentais (materiais e processuais) que, em de­terminados casos, colidem com ela e que, tambem, devem ser respeitados, verbi gratia: 0 direito a intimidade, a integridade fisica e moral, a inviolabilidade do domicilio e das correspondencias etc.

Definitivamente, os fins niio justificam os meios! Assim, a busca da verdade niio pode passar por cima dos demais direitos

102. IHERING, Rudolf Von. A I uta pelo Direito. Sao Paulo: Martin Claret, 2009, p. 74.

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PRINCJPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

e garantias fundamentais das pessoas. E preciso que o processo seja legitimo e licito. 0 Estado-juiz para fazer cumprir as leis, niio pode desrespeita-las, sob pena de macular o processo e ate mesmo manipular os rumos da verdade, distanciando-se dela. E exemplo, poderiamos lembrar dos processos conduzidos pela "Santa Inquisis;ao': cujas "provas" eram obtidas pelos meios mais crw~is possiveis, como torturas, pris6es imotivadas e sem obser­vancia do devido processo legal, confisco de bens etc., levando muitas vezes a falsas confiss6es, a falsas delas;6es, a falsos testemu­nhos, como forma de aliviar-se das a:flis;6es fisicas, psicol6gicas, IDOraiS, eCOllOIDicaS, dentre OUtraS, impostaS pelo prOCeSS0. 103

Em face desta tensao normativa entre o prindpio da busca da verdade e outros prindpios consagradores de direitos e ga­rantias fundamentais, a Constituis;ao estabeleceu que nao sao admitidas em processo as provas obtidas por meios ilicitos, ou seja, niio se admite provas que advirem de violarao de direitos e garantias fundamentais, hem como de violariio das leis ou da moral juridica. 104

Nada obstante, ha situaroes em que havera de se superar a inadmissibilidade das provas ilicitas, conforme as exigencias do caso in concreto, em raziio da tensiio entre as normas fundamen­tais consagradoras de direitos e garantias da pessoa humana, devendo-se, conforme o NCPC, proceder-se a ponderariio das referidas normas atraves da regra de proporcionalidade, como por exemplo, quando se utiliza de uma prova ilicita para absolver urn reu inocente em processo penal.105 Contudo, frise-se: estas

103. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

104. Nesse sentido, dentre outros: AVILA, Thiago Andre Pierobom de. Pro vas ilicitas e proporcionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007; e AVO­LIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilicitas: interceptas:oes telefOnicas, ambientais e gravas:oes clandestinas. 4.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribu­nais, 2010.

105. Vale ressaltar que no processo penal, a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilicitos consubstancia-se quase que em urn principia

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situac;:6es sao excepcionais, vez que a garantia da proibic;:ao das provas ilicitas ja e fruto de uma pre-ponderac;:ao do Constituinte (entre o prindpio da busca de verdade e os prindpios constitu­cionais com ele colidentes), ficando consagrada como a regra em nossa Constituic;:ao.106

A doutrina tern distinguido conceitualmente as provas ob­tidas por meios ilegais e/ou inconstitucionais em provas ilicitas e provas ilegitimas, sendo as primeiras aquelas que contrariam dispositivos de direito material e as segundas aquelas que contra­riam dispositivos de direito processual, contudo, essa distinc;:ao nao tern qualquer utilidade quanto as consequencias juridicas, alem de que muitas normas tern conteudo material e processual simultaneamente, sem falar que essa dicotomizac;:ao tern sido objeto de diversas criticas em razao, sobretudo, de nao favorecer uma abordagem sistematica do direito.107

Parte da doutrina, ainda tern identificado que a ilicitude da prova pode ter duas causas, duas origens: i) obtenfiiO por meios indevidos, ilicitos (ex.: uso de tortura, violencia ou grave ameac;:a para se obter a confissao, delac;:ao ou testemunho) e ii) meio empregado para a demonstrafiiO do Jato (ex.: violac;:ao de sigilo bancario sem autorizac;:ao judicial, interceptac;:6es telefoni­cas etc.).108 Contudo, ao que nos parece, alem de ser de pouca valia pnitica, essa e uma classificac;:ao confusa, cujas linhas de definic;:ao sao demasiadamente tenues e imprecisas.

absoluto, contudo, quando em favor do reu, as provas ilicitas tern sido admitidas pela jurisprudencia e pela maioria da doutrina, ou seja, quando sopesada em face do prindpio da liberdade, da ampla defesa e do favor rei ou in dubio pro reo, a proibi<;ao das provas ilicitas tern cedido.

106. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Prova. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

107. OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. lS.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

108. GON<;ALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esque­matizado. 3.ed. Sao Paulo: Saraiva, 2013, p. 381.

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Ainda no que se refere a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilicitos, faz-se de suma importancia destacar que o ordenamento juridico brasileiro consagrou a teoria dos frutos da arvore envenenada, criada pela Suprema Corte estadunidense com o nome de the fruit of the poisonous tree.

Em sintese, a teoria dos frutos da arvore envenenada con­siste em niio admitir que se utilize no processo, nao apenas as provas obtidas por meios ilicitos, mas, tambem, as provas que '~e baseiam, derivam ou tiveram sua origem em informafi5es ou dados conseguidos pela prova ilicita", guardando com ela uma relafiiO de jato ou de direito. 109

Nesse sentido, Luiz G8Jvez Munoz, reproduzindo pequeno trecho de julgado do Tribunal Supremo da Espanha, explica que "la inefid.cia de una diligencia determinada no impide la validez de outra prueba, salvo que esta guarde una directa reladon com aquella, de tal modo que sin la primera no hubiera existido la segunda': Ho-m

Nada obstante, conforme bern demonstram Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart, a the fruit of the poisonous tree doctrine, tambem, esta submetida a ja referida rela<;:ao de sopesamento, quando a prova oriunda de urn meio ilicito ou dele derivada e posta em conflito com algum outro direito ou garantia fundamental. Em razao disto, ao longo do tempo foram criadas algumas exCefOeS a referida teoria, tais COIDO a teoria do desco­brimento inevitavel (inevitable discovery exception), a teoria do descobrimento provavelmente independente (hypothetical

109. NERY JUNIOR, Nelson. Principios do processo na Constituis:ao Fede­ral. 10.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 274.

ll 0. MUN6 Z, Luiz G:ilvez. La ineficacia de la prueba o btenida con violaci6n de derechos fundamentales. Navarra: Aranzadi, 2003, p. 171.

111. Em portugues: A ineficacia de uma determinada diligencia nao exclui a validade de outra prova, a menos que esta guarde uma relas:ao direta com aquela, de modo que sem a primeira nao teria surgido (existido) a segunda (traduc;:ao livre).

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independent source rule). Assim, una exceriio de descobrimento inevitavel, admite-se que a segunda prova deriva da ilfcita, po­rem entende-se que niio ha raziio para reputa-la nula ou ineficaz. Isso porque a descoberta advinda da prova ilfcita ocorreria mais cedo ou mais tarde". Ja "na exceriio de descobrimento prova­velmente independente, a segunda prova niio e admitida como derivada, mas como uma prova provavelmente independente e, assim, despida de nexo causal com a prova ilfcita".112

E valido ainda apresentar a teoria da descontaminariio do julgado, que rechara a possibilidade do juiz que proferiu o pri­meiro julgamento julgar novamente a causa nos casos em que o Tribunal reconhecer a ilicitude de uma prova e exclui-la do processo. Tal teoria baseia-se na manutens;ao da garantia do devi­do processo legal e na isens;ao e imparcialidade do julgador, que na hip6tese levantada encontra-se evidentemente em suspeis;ao, conforme ensinam.113

Por fim, vale destacar, que o prindpio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilicitos, assim como todos os prind­pios constitucionais processuais, comp6e o modelo constitucional de processo brasileiro e se irradia por todos os ramos processuais (processo civil, processo penal, processo administrativo etc.), por ser uma garantia fundamental que busca assegurar urn processo lfcito e legitimo, cujas provas nao estejam maculadas pela ilega­lidade ou pela imoralidade juridica.

10. CELERIDADE (DURACAO RAZOAVEL DO PROCESSO)

0 prindpio da razoavel duras;ao do processo, tambem cha­mado de prindpio da celeridade processual, sempre possuiu sta­tus constitucional, podendo ser abstraido dos prindpios do due process of law e do acesso a justis;a, entretanto s6 foi positivado

112. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Prova. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 256-257.

113. Ibidem, p. 259.

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em nossa Carta Maior com a Emenda Constitucional n °45 de 2004, encontrando-se, desde entao, em seu art. so, LXXVIII, que disp6e que "a todos, no ambito judiciale administrativo, sao assegurados a razoavel durarao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitarao':

A Constituis;ao deixa claro que o referido prindpio se aplica tanto aos processos jurisdicionais, quanto aos processos admi­nistrativos, assim como to do e qualquer prindpio que comp6e o modelo constitucional de processo por ela estabelecido, respei­tadas as especi:ficidades de cada urn deles.

No ambito da legislas;ao administrativa, a garantia a razoa­vel duras;ao do processo ja se encontrava positivada desde a Lei 9.487 de 1999 (Lei do Processo Administrativo Federal). Por sua vez, na ambiencia jurisdicional, o Novo C6digo de Processo Civil a consagrou em seu artigo 4°, afirmando que '~ partes tem o direito de obter em prazo razoavel a solurao integral do merito, incluida a atividade satisfativa", e em seu artigo 6°, declarando que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoavel, decisao de merito justa e efetiva".

Em primeira analise, pode-se dizer que o novo diploma pro­cessual civil foi extremamente feliz em sua redas;ao, ao reconhecer que e urn direito das partes (art. 4°), mas que, tambem, exige dessas partes um dever de cooperas;ao para que esse direito se efetive. Isto e, para que o direito a razoavel duras;ao do processo se concretize, os sujeitos processuais precisam adimplir com suas obrigaroes processuais respeitando os prazos legais ( o que e l6gico e decorre do proprio devido processo legal) e, ademais, devem agir de forma cooperativa no iter processual.

A duras;ao razoavel do processo, isto e, a exigencia de que os processos sejam julgados em tempo habil fora positivada em nosso ordenamento, sobretudo, em razao da excessiva demora de nossos julgadores em proferir suas decis6es, ou seja, da incapaci­dade/incompetencia do Estado-juiz por fun aos conflitos sociais e as demandas a ele levadas em tempo adequado. Enfun, como

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nos lembra Ricardo Rodrigues Gama, "justis;a tardia nao e outra coisa senao a maior das injustis;as': 114

A morosidade do Bstado em julgar os processos se deve a um conjunto bastante amplo de jatores, dos quais se destacam: i) a pessima estrutura da Administras;ao Publica, principalmente do Poder Judiciario; ii) a insuficiencia de servidores e a pessima qualificas;ao dos que existem; iii) a resistencia a tecnologia (in­formatizas;ao do processo, que caminha a passos de tartaruga, por exemplo) eo apego ao papel; iv) a falta de punis;ao para os magistrados, julgadores e servidores em geral pela desidia e falta de compromisso com seus deveres, de modo que, nao e raro ver juizes que demoram mais de ano(s) para sentenciar urn processo que ja esta com os autos conclusos, dando infinitos despachos procrastinatorios; v) o desrespeito dos juizes para com os prece­dentes e a jurisprudencia dos Tribunais Superiores, bern como os decisionismos, pautados nas conceps;oes pessoais dos magistra­dos e nao nas leis democraticamente instituidas; vi) o pessimo comportamento das partes e de seus advogados, que muitas das vezes, esperando uma decisao contraria a seus interesses, agem com rna-fe no senti do de procrastinar o maximo possivel o proces­so, impetrando com petis;oes descabidas e sem sentido, recursos inadmissiveis, tumultuando audiencias, abandonando audiencias etc.; vii) o demandismo que se alastrou pelo Brasil nas Ultimas decadas, pautado numa falsa esperans;a de que o Poder Judiciario poderia resolver todas as mazelas da sociedade, ou ainda, num animus beligerante ao inves de urn animus de pacificas;ao social, muitas vezes incentivado pela midia, outras vezes incentivado por alguns pessimos advogados, sedentos por ganhar em qualquer causa, mesmo que nao haja uma. 115

114. GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade do Processo Civil. Campinas: Bookseller, 2002, p. 21.

115. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituicrao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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Nesse sentido, Rui Portanova explica que "as pedras no ca­minho da celeridade sao o acW::nulo de serviqo ( originario dos muitos conflitos sociais que aportam ao judiciario) e o pequeno nW::nero de juizes"Y6 Ja Nelson Nery Junior demonstra que "so­fremos de problemas estruturais e de men tali dade. Queremos nos referir a forma com que sao aplicadas as leis e a maneira como se desenvolve o processo administrativo e judicial em nosso Pais. E necessaria dotar-se o poder publico de meios materiais e logisticos para que se possa melhorar sua infraestrutura e, ao mesmo tempo, capacitar melhor os juizes e servidores publicos em geral': 117 For sua vez, Ricardo Rodrigues Gama afi.rma que a morosidade dos processos, muitas das vezes, e de responsabilida­de dos jufzes, sendo que "nao sao pOUCOS OS que nao cumprem 0

prazo determinado pela lei. Sob o manto do excesso de trabalho, parece valer tudo, acobertando aqueles que nao tern intimidade com 0 trabalho arduo".118

For outro lado, niio se pode deixar de reconhecer que o processo exige um tempo considenfvel para sua resoluriio, vez que se necessita preservar os direitos e garantias processuais do modelo constitucional de processo, tais como o contradit6rio, a ampla defesa, a instruriio probat6ria, o duplo grau de jurisdi­fiiO etc., isto e, "o processo contencioso niio pode prescindir da durariio temporal, em raziio mesmo da sua natureza dialetica e contradit6ria", 119 ate mesmo porque, "nem sempre a melhor justiqa corresponde a rapidez nos julgamentos".U0

116. PORTANOVA, Rui. Principios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 71.

117. NERY JUNIOR, Nelson. Prindpios do processo na Constituic;:ao Fede­ral. 10.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunals, 2010, p. 323.

118. GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade do Processo Civil. Campinas: Bookseller, 2002, p. 22-23.

119. PORTANOVA, Rui. Prindpios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 173.

120. ARAOJO, Justina Magno. Direito de defesa no process a civile no processo penal. Revista da Ajuris. v. 26, p. 54-71, 1982, p. 65.

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Em razao da natureza temporal do proprio processo, nao se deve sair criando leis desenfreadamente como se isso fosse solucionar os problemas estruturais e culturais de que padece o Estado, ate porque, as leis que foram criadas nesse sentido mostraram-se demasiadamente simbolicas. Menos ainda, deve­-se criar leis que suprimam e obstem o exerdcio dos direitos e garantias processuais consagrados pelo modelo constitucional de processo, em nome de uma celeridade mitologica, isto e, em nome da "rapidez acima de tudo': sob pena de se abrir mao da qualidade em razao da quantidade. "Leis nos temos. Boas e muitas", 121 especialmente agora que se tern urn Codigo de Processo Civil adequado a Constituis;ao.

Nesse sentido, Jose Carlos Barbosa Moreira, ao discorrer sobre a crens;a de que cabe aos defeitos da legislas;ao processual a maior responsabilidade pela duras;ao excessiva dos pleitos, a:firma que "o chavao, repetido a cada momenta- sobretudo em editoriais da imprensa, redigidos, ao que parece, por pessoas que nunca sequer passaram pela porta do Forum -, acompanha-se de recomendas;6es veementes de que se reduzam prazos e re­cursos, se cancelem oportunidades para as manifestas;6es das partes, e outras do genera [ ... ] No entanto, a demora resulta da conjugayaO de mUJ.tiplos fatores, entre OS quais nao me parece que a lei, com todas as imperfeis;6es que tern, ocupe o lugar de maximo relevo".122

Contudo, como demonstra Lenio Streck, no Brasil, nas ultimas decadas o que se viu foi uma crescente produs;ao legis­lativa, sobretudo processual, que visa "assegurar efetividades meramente 'quantitativas: em detrimento de uma efetividade qualitativa do sistema juridico". Essas novas leis tiveram como tendencia suprimir e ignorar alguns dos direitos e garantias fun-

121. NERY JUNIOR, Nelson. Prindpios do processo na Constituic;:ao Fede­ral. 10.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 323.

122. BARBOSA MOREIRA, Jose Carlos. 0 Futuro da Justic;:a: alguns mitos. Temas de Direito Processual - 8• serie. Sao Paulo: Saraiva, 2004, p. 4.

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damentais estabelecidos pelo modelo constitucional de processo (due process of law, contradit6rio, ampla defesa, duplo grau de jurisdic;:ao, motivac;:ao etc.) e desequilibrar a relac;:ao proces­sual exacerbando de maneira autoritaria e antidemocnitica os poderes do juiz (aumento da discricionariedade irracional dos julgadores), propugnando uma cultura decisionista dos magistrados.123

Nesse sentido, Ronalda Bretas de Carvalho Dias demonstra que dentre as vanas reformas feitas no antigo C6digo de Processo Civil brasileiro, muitas delas apresentavam "seus conteudos normativos em afronta ou sem sintonia tecnica como processo constitucional':124

Em sentido contrano, a nosso ver, o Novo C6digo de Processo Civil rompeu, ao menos sistematicamente, com essas incompatibilidades do antigo diploma processual civil com o modelo constitucional de processo, na tentativa de tomar 0 processo mais celere, contudo, respeitando os direitos e garantias fundamentais das partes que serao afetadas pela decisao, tal qual exige a Constituic;:ao.125

123. STRECK, Lenio Luiz. Hermeneutica, Constitui<;:ao e Processo, ou de "como discricionariedade nao combina com democracia": o contraponto da resposta correta. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (coord.). Constitui<;:ao e Processo: A con­tribui<;:ao do processo ao constitucionalismo democritico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 16-17.

124. DIAS, Ronaldo Bretas de Carvalho. As reformas do C6digo de Processo Civil e o Processo Constitucional. In: DIAS, Ronaldo Bretas de Carvalho; NEPOMUCENO, Luciana Diniz (coord.). Processo Civil Reformado. Belo Horizonte: Del Rey; 2007, p. 224.

125. Uma leitura sistemica do modelo processual estabelecido pela Constitui­<;:iio demonstra que "o prazo razoavel e garantido para que 0 processo se inicie e termine, incluida, portanto, a fase recursal, ja que se pode en tender como terminado o processo no momento em que ocorre o transito em julgado'; com o devido respeito aos direitos e garantias processuais, pois "o que se deve buscar nao e uma justi<;:a 'fulminante', mas apenas uma 'du­ra<;:ao razoavel do processo; respeitados os demais val ores constitucionais" para que se possa atingir a justi<;:a, ou pelo menos a melhor resposta para o caso in concreto de acordo com a Justi<;:a e o Direito. NERY JUNIOR,

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Contudo, frise-se: o problema da demora excessiva dos processos no Brasil niio e um problema legal, isto e, niio se deve as leis! E um problema muito mais complexo e que deve ser enfrentado pelas instituif6es juridicas com seriedade, especial­mente pelo Poder Judiciario, Ministerio Publico e Advocacia.

Nada obstante, nao se pode ignorar a relas;ao da morosidade processual e o interesse secundario do Estado, ou interesse dos pessimos gestores da maquina publica. Como bern demonstra Nelson Nery Junior, o Estado :fi.gura como parte na maior parte das as;6es judiciais atualmente existentes, chagando a ser protago­nista em mais de 60% das que tramitam no STF e STJ, de modo que, "tem interessado ao poder publico valer-se da morosidade do Poder Judiciario para adiar o cumprimento de seus deveres constitucionais perante os administrados e cidadiios". 126

Em contrapartida, tem-se reconhecido o dever do Bstado de indenizar a parte que sofreu danos morais ou patrimoniais decorrentes da durafiiO exagerada do processo ( administrativo ou jurisdicional). A referida indenizas;ao fundamenta-se no art. 37, § 6° da Constituis;ao que imp6e ao Estado a obrigas;ao de indenizar, objetivamente, os danos morais e materiais que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, por as;ao ou omis­sao, culposa ou dolosa.127

Por :fi.m, reitere-se: No ambito do Bstado Democratico de Direito devem ser respeitados todos os direitos e garantias es­tabelecidos pelo modelo constitucional de processo, o que inclui a razoavel durafiiO do processo, OU seja, a garantia de que 0

processo tenha uma solufiiO em tempo habil, entretanto esta solufiiO deve, tambem, ser adequada, correta, justa e satisfativa.

Nelson. Prindpios do processo na Constituis:ao Federal. 10.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 319-323.

126. Ibidem, p. 324.

127. Nesse sentido, por todos: MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sergio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo C6digo de Processo Civil Co­mentado. 2.ed. Sao Paulo: RT, 2016, p. 151.

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E, como resta demonstrado, a resposta correta e justa deve passar pelo crivo do contradit6rio e respeitar o devido processo legal estabelecido pela Constituir;:iio, niio podendo suprimir os prin­cipios processuais por ela estabelecidos em face de uma '~uper velocidade" incompativel com a propria dialetica processual.

11. EFICIENCIA (OU 0 DIREITO A RESPOSTA CORRETA EM TEMPO HABIL COM 0 MENOR CUSTO POSSfVEL)

0 princfpio da eficiencia ou efetividade processual128, coro­lario do due process of law129, desdobra-se no meio e na resposta ideal a ser perseguida no processo. De outra forma, significa dizer que o processo tem de respeitar o modelo processual estabelecido pela Constituir;:iio, sendo instruido dentro de um prazo razoavel, com um minimo de custo possivel, devendo ao final atingir a res­posta "correta", conforme o direito e a justir;:a, garantindo a parte vencedora o desfrute efetivamente do seu direito.

Nessa perspectiva, Rui Portanova explica que o processo persegue o ideal de ser "barato, nipido e justo".130 Por sua vez, Edu­ardo Cambi demonstra que o jurisdicionado possui urn "direito fundamental a tutela jurisdicional celere, adequada e efetiva".131

Ja Humberto Dalla Bernardina de Pinho a:firma que a prestac;:ao jurisdicional deve ser "adequada, justa e e:fi.caz" respeitando,

128. A doutrina e divergente quanto a nomenclatura. 0 proprio NCPC, refere-se atividade satisfativa (art. 4°), decisiio efetiva (art. 6°) e efici!~ncia (art. 8°).

129. Para alguns doutrinadores a efetividade niio e urn principia, mas urn ob­jetivo do processo. Entretanto, se entendemos principia como urn estado ideal de coisas a ser atingido, entendemos a efetividade como sendo o estado ideal de processo e, mais do que isso, da decisiio final do processo.

130. PORTANOVA, Rui. Principios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 171.

131. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direi­tos fundamentais, politicas publicas e protagonismo judiciano. 2.ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 20ll, p. 218.

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sempre, os principios do devido processo legal, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da razoabilidade.132

Assim, o processo deve ser justo e garantir o acesso da parte a uma justis;a imparcial e independente de modo que "nao somente possibilite a participas;ao efetiva e adequada dos litigantes, mas que tambem permita a efetividade da tutela dos direitos, consi­deradas as diferentes posis;6es sociais e as determinadas situas;6es de direito substancial".133 Ademais, a atividade jurisdicional deve ter urn desempenho satisfatorio, o que implica em uma qualidade tecnica elevada e na tempestividade do pronunciamento judicial para que se possa chagar a resposta adequada. Contudo, mais que simplesmente chegar-se a resposta correta/adequada/justa o processo deve "dispor de mecanismos aptos a realizar a funs;ao institucional que lhe toea, qual seja a de assegurar ao jurisdiciona­do que tenha razao praticamente tudo aquilo e exatamente aquilo que, porventura, tenha direito de perceber':134

Nesse sentido, Jose Carlos Barbosa Moreira ensina que a efetividade do processo consubstancia-se do seguinte modo: i) necessidade do processo dispor, essencialmente, de mecanismos de tutela adequados a todos os direitos ou a outras posis;6es ju­ridicas de beneficio; ii) que os referidos mecanismos possam ser faticamente utilizaveis pelos titulares dos direitos ou em favor deles iii) que os meios probantes reconhecidos sejam capazes de assegurar condis;6es propicias a precisa e completa reconstituis;ao dos fatos proeminentes, em correspondencia com a realidade; iv) que o resultado do processo seja tal que assegure a partevencedora

132. PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Teoria Geral do Processo Civil Contemporaneo. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 50.

133. GAIO JUNIOR, Antonio Pereira. Direito Processual Civil: teoria geral do processo, processo de conhecimento e recursos. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. v.l, p. 86.

134. TUCCI, Jose Rogerio Cruz e. Dura<;:ao Razoavel do Processo (art. so, LXXVIII, da Constitui<;:ao Federal). In: JAYME, Fernando Gonzaga; FA­RIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra (coord.). Processo Civil: Novas Tendencias. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 434.

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o gozo pleno do bern juridico a que faz jus; v) que o jurisdicionado possa atingir semelhante resultado dentro do men or tempo e com o menor gasto possivel. 135

Ja para Paulo Roberto Gouvea Medina, a efetividade do processo esta ligada diretamente ao principia da eficiencia da Administrar;iio Publica - positivado em nossa Constituir;iio no art. 37, caput, pela Emenda no 19/1998- "notadamente quando se cuida de alcanr;ar, no plano processual, um resultado tal que assegure a parte vitoriosa 0 gozo pleno da especfjica utilidade a que faz jus''. 136

Nesse sentido, o professor Ronaldo Bretas de Carvalho Dias entende que o prindpio da efi.ciencia (art. 37, caput, da Constituis;ao) e aplicavel a todos OS 6rgaos da Administras;ao, inclusive aos do Poder Judiciario, nao se restringindo apenas as suas prerrogativas administrativas internas (gerenciais). A refe­rida interpretas;ao e facilmente percebida da leitura do referido dispositivo que assegura que "a administras;ao publica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniao, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munidpios obedecera aos prindpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiencia': Nesse sen­tido, e complementar a este entendimento, a norma prevista no dispositivo do art. 175, paragrafo linico, inciso IV da Constituis;ao, que assevera ser obrigas;ao do Estado prestar servis;os publicos adequados, o que, conforme analisa Ronaldo Bretas, abrange a ideia de servis;os publicos jurisdicionais efi.cientes137

135. BARBOSA MOREIRA, Jose Carlos. Notas sobre o problema da efetivi­dade. Temas de Direito Processual- 3• serie. Sao Paulo: Saraiva, 1984.

136. MEDINA, Paulo Roberto de Gouvea. Processo Civil e Constituic;:ao. Re­vista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte, n. 3, p. 237-246, jan/jun, 2004, p. 243.

137. Segundo o Professor Ronaldo Bretas de Carvalho Dias, "nao se pode compreender o prindpio da eficiencia somente recomendado aos 6rgaos administrativos, como estaria a indicar uma interpretac;:ao meramente lite­ral do texto da Constituic;:ao, admitindo-se, a partir dai, de forma absurda, pudessem ser ineficientes os demais 6rgaos do Estado, ou seja, os 6rgaos

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cap. IV • PRINC[PJOS PROCESSUAIS CONSTITUCJONAJS

Assim, ao discorrer sobre o conteudo do principia da efi­ciencia processual, Ronaldo Bretas de Carvalho Dias confere uma das defini<;:6es mais fidedignas da aludida norma constitu­cional, afirmando: "A eficiencia e a adequas:ao do servis:o publico jurisdicional constituem dever juridico do Estado por fors:a de recomendas:ao constitucional, e pressup6e, por parte dos 6rgaos jurisdicionais, obediencia ao ordenamento juridico e a utilizas:ao de meios racionais e tecnicas modernas que produzam o efeito desejado, qual seja, servis:o publico jurisdicional prestado a tempo e modo, por meio da garantia constitucional do devido processo legal, preenchendo sua finalidade constitucional, a de realizar imperativa e imparcialmente o ordenamento juridico, apto a proporcionar um resultado util as partes [ ... ] alem de rigorosa obediencia ao ordenamento juridico, sobretudo em relas:ao aos prazos ali prescritos, a eficiencia dos 6rgaos estatais no exercicio da funr;ao jurisdicional exige atividade precisa e normal, no senti do de cumprimento dos prazos legais e, sobretudo, do dever de impulso oficial. A eficiencia da fuw;:ao jurisdicional afasta o descaso do Estado na boa estruturas:ao tecnica de seus 6rgaos jurisdicionais, a lentidao, a negligencia e a omissao daqueles 6rgaos estatais nos processos instaurados, o que gera a inobservancia pelo Estado dos prazos processuais estabelecidos em lei, disto resultando dilas:oes indevidas do processo, frustrando o resultado eficaz e Util dessa atividade estatal a pessoa interessada do povo que a postulou':138

Na busca de amoldar-se ao sistema processual constitucional, o Novo C6digo de Processo Civil dedicou-se, expressamente, no capitulo das normas fundamentais do processo civil, em pelo

legislativos e os 6rgiios jurisdicionais. Na realidade, se bern interpretado, o que o texto constitucional esta preconizando - de forma abrangente - e a eficiencia do Estado, prindpio ao qual estiio condicionados, em raziio disso, alem dos 6rgiios administrativos, tambem os 6rgiios legislativos e os 6rgiios jurisdicionais. DIAS, Ronaldo Bretas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Democratico de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 141.

138. Ibidem, p. 143. (grifo nosso).

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PRINCiPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIDNAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

menos tres dispositivos a tratar da eficiencia, efetividade ou tu­tela satisfativa. Logo no art. 4°, assegurou que "as partes tem o direito de obter em prazo razoavel a solw;iio integral do merito, incluida a atividade satisfativa". Ja no art. 6°, afirmou que "to­dos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoavel, decisiio de merito justa e efetiva". Ademais, no art. 8°, asseverou que '~o aplicar o ordenamento juridico, o juiz atendera aos fins sociais e as exigencias do hem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a e.ficiencia".

Bern, dos argumentos lans;ados acima e das disposis;6es cons­titucionais e processuais civis, restam evidentes quatro caracteris­ticas das mais fundamentais a efetividade do processo, as quais estao submetidos constitucionalmente os 6rgaos jurisdicionais, sendo elas: i) o clever de obediencia ao ordenamento juridico; ii) a utilizas;ao de meios racionais e tecnicas modernas aptos a produzirem o resultado desejado (informatizas;ao do processo, por exemplo, NCPC, especialmente, art. 193 e seguintes); iii) o cumprimento dos prazos legais (por todos os sujeitos processuais: partes e juizes); e iv) o clever do impulso oficial (consagrado no art. 2°, do NCPC).139

No que se refere ao dever de obediencia ao ordenamento juridico, a pratica hodierna tern demonstrado a incapacidade de alguns magistrados, bern como de outros servidores do Poder Judiciario em entender que eles estao submetidos a legislas;ao e, sobretudo, a Constituis;ao no exerdcio de suas funs;6es, sendo a justis;a e o processo regulados por estes instrumentos democra­ticamente legislados e nao pela conceps;ao pessoal do julgador ( discricionariedade e decisionismo ), o que vulgarmente, mas com muita precisao, se da o nome de "juizite':

139. DOS SANTOS, Eduardo R. Processo e Constituis:ao. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

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cap. IV • PRINCJPIOS PRDCESSUAJS CONSTJTUCJONAIS

') Quanto a UtiliZafiiO de meios racionais e tecnicas modernas ciptos a produzirem o resultado desejado, em que pese o avan<;:o Ctbs Ultimos anos, nota-se uma demasiada demora das instancias ahministrativas, sobretudo do Poder Judiciario, em aderir as dcnologias mais adiantadas que poderiam facilitar e agilizar o tfabalho dos orgaos jurisdicionais, inclusive, corroborando para uma maximiza<;:ao da qualidade dos resultados, isso para nao ehtrar na discussao da falta de recursos humanos e da pessima

c[~alidade do existente.140

No que tange ao cumprimento dos prazos legais pelos or­gaos jurisdicionais e possivel afirmar de antemao - sem fazer c/ualquer analise mais precisa, baseando-se somente na vivencia fbrense e nos relatos dos mais variados profissionais (advoga­dos, promotores, delegados etc.) - que a situa<;:ao e um caos e E'fta extremamente banalizada. Muitos magistrados perderam o respeito pelos jurisdicionados, perderam o amor pela justi<;:a, se ehqueceram de seu juramento e se distanciaram da dura fun<;:ao cfe trabalhar em prol da resolu<;:ao dos conflitos sociais, como 1huito bern demonstra Ricardo Rodrigues Gama, em trecho ja ttanscrito quando falamos da celeridade processual, mas que vale ~~ pena repetir. Afuma o autor, em rela<;:ao aos magistrados, que "riio siio poucos os que niio cumprem o prazo determinado pela lei. Sob o manto do excesso de trabalho, parece valer tudo, acober­tando aqueles que niio tern intimidade com o trabalho drduo': 141

Muitos sao os exemplos sobre os quais poderiamos discorrer aqui, mas vale lembrar, em especial, que sao muitas as senten<;:as

1.:40. Quando se fala em pessima qualidade niio se esta a jogar a culpa nos ombros dos servidores. A verdade e que muitos realmente sao desidiosos, pregui<;:osos e mal-educados. Contudo, isso niio retrata a maioria, que e de bans servidores. Nada obstante, mesmo entre essa maioria de bans servidores, em regra ha uma falta de conhecimento e de instru<;:iio que deriva da ausencia de mecanismos de forma<;:ao continuada, que e culpa do proprio Judiciario (do Estado).

GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade do Processo Civil. Campinas: Bookseller, 2002, p. 22-23.

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PRINCfPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS • Eduardo Rodrigues dos Santos

judiciais que com autos conclusos demoram mais de ano(s) para serem proferidas. Mas o que mais nos deixa indignados e saber que, na pnitica, nao ha punis;ao para atos tao desidiosos e para manifestas;6es de tamanho descaso com a Justis;a, atos estes que constituem verdadeiros iHcitos142

, vez que contrariam disposis;6es e:x:pressas de lei. Sem prejuiz() da devida indenizas;ao, 143 por parte do Estado, pela demora excessiva da resolus;ao dos conflitos le­vados a aprecias;ao do Judiciario. Ja esta na hora dos magistrados e demais servidores do Judiciario comes;arem a ser punidos pela sua desidia, pelos seus atos infracionais a justi<;:a e a lei (tal como

142. Nesse sentido, conforme leciona o professor Ronaldo Bretas de Carva­lho Dias, "obviamente, quando os 6rgaos jurisdicionais descumprem essas normas do ordenamento juridico, relativas aos prazos, o que e pratica ilicita corriqueira no Estado brasileiro, a jurisdic;:ao se apresenta morosa, intempestiva e ineficiente, ao contnirio do que comumente se fala- 'processo moroso' - de forma tecnicamente inadequada. Na reali­dade, nao e processo que se mostra moroso, mas morosa e a atividade essencial e monopolizada do Estado denominada jurisdic;:ao, ate porque, normalmente, as partes cumprem os prazos que lhe sao impostos, a fim de lhes afastar a inexor:ivel preclusao temporal, que e a perda do direito a pratica do ato processual pelo decurso do prazo. Os 6rgaos jurisdicionais brasileiros e que, sistematica e ilicitamente, nao cumprem OS prazos que 0

ordenamento juridico lhes determina para a pratica dos atos jurisdicionais nos processos, sem que nada acontec;:a aos agentes publicos julgadores infratores': DIAS, Ronaldo Bretas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Democratico de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 144.

143. Nessa perspectiva, de acordo como professor Ronaldo Bretas de Carvalho Dias, "a evidencia, a cr6nica e enervante ineficiencia dos servic;:os publicos jurisdicionais em nosso pais, revelando seu mau funcionamento, ora em virtude da obtusidade ou da indolencia dos agentes publicos julgadores (juizes) ora causada pela negligencia do proprio Estado em prover ade­quadamente de recursos materiais e pessoais os 6rgaos jurisdicionais, ora pela ocorrencia simultanea dos mencionados fatores, situac;:6es afrontosas a recomendac;:ao que o ordenamento juridico fez ao Estado, a de pres­tar servic;:os publicos adequados e eficientes, e passivel de acarretar sua responsabilidade, se disso resultar prejuizos aos jurisdicionados, ja que nenhum dano causado pelo Estado as pessoas do povo pode ficar sem reparac;:ao': Ibidem, p. 145.

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cap. IV • PRINCJPJOS PROCESSUAIS CONSTJTUCIONAIS , d ilicito descumprimento dos prazos legais, por exemplo) e pelo ~;~u descaso com o jurisdicionado.

I Em rela<;:ao ao dever de impulso oficial pelos magistrados, cpnforme ensinam Araujo Cintra, Ada Pellegrini e Candido Rangel, e possivel afirmar que consiste em urn prindpio juridico 1irocessual que "visa a assegurar a continuidade dos atos proce­dimentais e seu avan<;:o em dire<;:ao aos resultados esperados do JJrocesso': atraves do qual e atribuido "ao 6rgao jurisdicional a a~iva<;:ao que move o procedimento de fase em fase, ate a solu<;:ao cfefinitiva da causa: 144 isto e, ap6s instaurado 0 processo, apesar da j~risdi<;:ao ser inerte, o magistrado deve movimentar o processo (~uando as partes nao 0 fizerem, ou 0 fizerem incorretamente) 1r;isando a resolu<;:ao do conflito, sempre em conformidade com cj que disp6e a lei processual e a Constitui<;:ao (dever de obedi­i!ncia ao ordenamento juridico), respeitando sobretudo o devido I J~rocesso legal, o contradit6rio, a ampla defesa, o juizo natural, independente e imparcial, assim como todas as garantias proces­s~ais estabelecidas pela Carta Maior.

I Por fim, ressalte-se a amplitude e complexidade do princi-11io da efetividade do processo, que engloba diversas garantias, dentre as quais se destacam a razoavel durafiio do processo, o 1hreito a resposta correta/justa/adequada, a economia proces­!:laz, a maximiZafiiO da executoriedade daquilo a que a parte 1J,encedora faz jus, o respeito ao due process e as garantias por ele dnglobadas, a obediencia ao ordenamento juridico, a incorpo-1~afiiO e utiliZafiiO das tecnicas modernas em favor da resolufiiO 1~apida e qualitativa do conflito, o cumprimento dos prazos legais 1~elos magistrados e demais servidores dos 6rgiios jurisdicionais, o dever de impulso oficial, dentre outras.

i

(44. CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRJNOVER, Ada Pellegrini; DINA-MARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26.ed. Sao Paulo: Malheiros, 2010, p. 356.

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