educação de jovens e adultos no campo: um estudo sobre o pronera em santa catarina
TRANSCRIPT
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
1/110
1
ANA PAULA VANSUITA
EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS DO CAMPO: UM ESTUDO SOBRE OPRONERA EM SANTA CATARINA.
Florianpolis, agosto de 2007.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
2/110
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
3/110
3
ANA PAULA VANSUITA
EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS DO CAMPO: UM ESTUDO SOBRE OPRONERA EM SANTA CATARINA.
COMISSO EXAMINADORA
Prof. Dra. Snia A. Branco BeltrameOrientadora (CED/UFSC)
Examinadora Maria Hermnia L. Laffin(CED/UFSC)
Examinadora Mnica Castagna Molina(UNB BRASLIA)
Florianpolis-SC2007
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
4/110
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
5/110
5
O quadro sombrio da vida, que arrasta esses gruposdisseminados pelo interior e recolhidos em choas de pau-
a-pique, em ranchos de sap ou em casebres em runa,contrasta violentamente com a suavidade buclica ou agrandeza soberba das paisagens, que se desenvolvem,para prazer dos olhos, contemplao dos forasteiros,mas a cuja prpria beleza a misria fsica e social jtornou quase indiferentes e insensveis s populaeslocais (Fernando de Azevedo, 1962).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
6/110
6
RESUMO
O estudo investiga o Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria
(PRONERA) desenvolvido em Santa Catarina, numa parceria com a Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) e o Instituto Nacional de Colonizao (INCRA).Os eixos fundamentais de anlise privilegiam a compreenso do Programa no
mbito da proposta de polticas pblicas nacionais para a Educao de Jovens e
Adultos que vivem e trabalham no campo.
As questes levantadas direcionam as anlises para a educao do campo nos
seus aspectos histricos e polticos, evidenciando as propostas educacionais
identificadas como ruralismo pedaggico desenvolvido a partir da dcada de 1950,
bem como as iniciativas do poder pblico para a Educao de Jovens e Adultos
(EJA) no campo na atualidade. A pesquisa desenvolvida junto aos sujeitos
envolvidos no PRONERA chama ateno para a necessidade de se construir
polticas pblicas comprometidas com o avano da educao dos povos do campo,
que apresentem propostas para alm de programas, ou seja, que se consolide uma
educao de jovens e adultos a qual viabilize um conhecimento contnuo e slido
em qualquer etapa da vida desses trabalhadores e trabalhadoras.
Palavras-chave: PRONERA, educao de jovens e adultos e polticas pblicas.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
7/110
7
ABSTRACT
The purpose of this study is to investigate the National Program of Education in
the Agrarian Reform (PRONERA) developed in the province of Santa Catarina in a
partnership between the Federal University of Santa Catarina (UFSC), Movement of
the Landless Workers (MST) and the National Institute of Settlement (INCRA).
The axis of this analysis aims at achieving the fundaments of this Program in
the national public politics scope for the Adult and Youth Education living in the
countryside.
The issues comprised by this essay direct us to an historical and political
analysis, expressing the educational propositions that are identified with the rural
pedagogy that has been developed since the fifties, just like the actual politics for the
rural EJA (Adult and Youth Education). The research was developed with the peasants
envoled with PRONERA, and it explicits that a rural education beyond the programs is
required, in other words, a continuous and substantial education has to be consolidated
for the Adults and Youth living and working in the countryside at any time of their
lives.
Key words: PRONERA, Adult and Youth Education, public politics.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
8/110
8
LISTA DE SIGLAS
ABCAR Associao Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
ACAR Associao de Crdito e Assistncia Rural
ANCAR Associao Nordestina de Crdito e Assistncia Rural
CBAR Comisso Brasileiro-Americana de Educao das Populaes Rurais
CEAA Campanha de Educao de Adolescentes e AdultosCED Centro de Cincias da Educao
CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil
CNER Campanha Nacional de Educao Rural
CNRH Comisso Nacional de Recursos Humanos
CONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
DNERu Departamento Nacional de Educao Rural
EJA Educao de Jovens e Adultos
ENERA Encontro Nacional de Educao na reforma Agrria
FAPEU Fundo de Amparo Pesquisa e Extenso Universitria
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
GTDN grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
IAI Instituto de Assuntos Internacionais
INCRA Instituto Nacional de Colonizao na Reforma Agrria
LDB Lei de Diretrizes e Bases
MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio
MEC Ministrio da Educao
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetizao
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTB Ministrio do Trabalho
PAS Programa de Alfabetizao Solidria
PLANFOR Plano Nacional de Formao e Qualificao Profissional
PRONASEC Programa Nacional de Aes Scio - Econmicas e Culturais
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
9/110
9
PRONERA Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria
PSECD Plano de Educao, Cultura e Desporto
SC Santa Catarina
SEA Servio de Educao de Adultos
SECAD Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade
SEFOR Secretaria de Formao de Desenvolvimento Profissional
SEPLAN Secretaria do Estado de Desenvolvimento e Planejamento
SESP Servio Social Rural
SSR Servio Social Rural
SUDESUL Superintendncia da Regio Sul
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNB Universidade de Braslia
UNESCO Organizao das Naes Unidas para Cincia e Cultura
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
10/110
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
11/110
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
12/110
12
INTRODUO
O presente estudo analisa a Educao de Jovens e Adultos, uma conquista de um
direito dos povos que vivem e trabalham no campo.
A escolha do tema foi fortemente influenciada pela experincia desenvolvida
como bolsista do projeto de extenso intitulado: Educao e Cidadania: interao
entre sujeitos educadores/as, implementado pelo Centro de Cincias da Educao
(CED), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Este projeto faz parte do
Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria (PRONERA)1.
O programa foi criado pelo Governo Federal em 1998, em parceria com o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), atravs do Instituto Nacional
de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), via Ministrio do Desenvolvimento
Agrrio, e executado por meio da parceria entre Universidades, o MST e outros
movimentos sociais do campo.
O referido programa vem possibilitando avanos no processo de alfabetizao e
escolarizao de assentados das reas de reforma agrria no Brasil. A sua constituio
teve origem nas reivindicaes e demanda dos movimentos sociais. Desde 1998 at
2002 o PRONERA tem nas suas estatsticas um nmero expressivo de educandos da
alfabetizao inicial e escolarizao de monitores2, bem como cursos de graduao e em
2007 inicia um curso de Ps-graduao lato senso.
1 Em 2007, o projeto est em andamento em sua 3 edio, no Estado de Santa Catarina. O projetoabrange 71 turmas formadas em 55 assentamentos e acampamentos do estado, e atendem 1420educandos/as do 1 segmento do Ensino Fundamental, (1 a 4 srie).2Os monitores so os educadores/as, tambm conhecidos como docentes leigos, costuma ser esta a
expresso usada na legislao educacional para professores/as que atuam nos assentamentos eacampamentos, sem titulao/escolarizao adequada para isso, como nesse caso(CALDART, 1997).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
13/110
13
Refletindo sobre a educao dos povos do campo3, o que se percebe que, ao
longo da histria, as polticas pblicas ou programas do governo destinados a essas
populaes foram polticas sem continuidade e elaboradas de modo hierarquizado, que
seguiam modelos internacionais e paradigmas da educao urbana. As reflexes sobre a
escola oferecida aos povos do campo apresentam, historicamente, um triste cenrio das
escolas rurais. O que se constata que as discusses, desenvolvidas por Calazans
(1993), ainda so muito atuais e que o debate sobre a Educao do Campo est posto
como desafio aos educadores e sociedade atual, nas reivindicaes dos movimentos
sociais por melhores condies de vida e trabalho no campo.
No caso da educao de jovens e adultos, os programas e projetos, via de regra,
evidenciam que os governos criaram em suas polticas uma prtica de dependncia aos
rgos internacionais, instituies privadas e outros, em que os modelos internacionais
servem de modelo para serem aplicados na educao brasileira.
Portanto, essa pesquisa instiga a buscar compreender quais os avanos do
Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria em relao s polticas da dcada
de 1950, identificadas pelo ruralismo pedaggico: seria uma reproduo das iniciativas
daquele perodo ou, ento, verificar o que se configura no programa.
A instabilidade dos programas e projetos que resultam de parcerias com o
Estado, na medida em que est submetida rotatividade do poder, sofrem os reveses da
falta de transparncia no acesso a informaes; dificuldades no processo de
consolidao de poltica pblica, bem como entraves no repasse dos recursos pblicos,
garantidos por lei. Beltrame (2000, p. 25) nos aponta que, ao rever as polticas para o
ensino dessas populaes, percebe-se um panorama de programas e projetos muito mais
para atender interesses do governo, seguindo de forma constante as prerrogativas
3
Povos do Campo inclui todos os movimentos que vivem e trabalham no e para o campo como: osmovimentos dos atingidos por barragens, os quilombolas, os ribeirinhos e outros.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
14/110
14
econmicas de desenvolvimento, mais conhecido pela sua propaganda do que pela sua
atuao.
Esses e outros percalos so historicamente conhecidos quando se estuda a
educao do campo. O Programa em anlise apresenta outro percurso, pretende ser uma
ao compartilhada entre diferentes sujeitos, porm com um objetivo em comum.
Portanto, o objetivo da pesquisa teve o intuito de compreender o carter desse
programa, investigou-se junto aos sujeitos que fizeram parte da elaborao e execuo
do projeto inicial, de forma a apreender os elementos que constituem e diferenciam o
PRONERA, tendo como pano de fundo o estudo das polticas da dcada de 1950,
buscando compreender os avanos da experincia atual.
Para tanto, estudou-se publicaes, documentos e materiais produzidos pelo
grupo Nacional e de Santa Catarina, ou seja, publicaes e relatrios que trazem
elementos do desenvolvimento do programa, suas origens e dificuldades durante o
processo de implementao. Os documentos analisados compreendem o perodo de
realizao do programa na UFSC.
A partir disso, percorreu-se um longo caminho para discutir elementos tericos
que possibilitem compreender o debate sobre o PRONERA que o governo e os
movimentos sociais vm desenvolvendo desde a dcada de 1990; bem como analisar as
suas propostas educativas, como um programa institucional do Governo Federal, que
escolariza jovens e adultos; e destacar as relaes estabelecidas entre Estado e sociedade
civil, envolvidos no processo de elaborao do programa no mbito do
PRONERA/UFSC, em Santa Catarina.
No primeiro captulo, apresentam-se reflexes sobre e os desdobramentos da
educao do campo na educao brasileira, tendo como pano de fundo o ruralismo
pedaggico.Esse pensamento que permeou toda a anlise e investigao nesta pesquisa,
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
15/110
15
nos fazendo entender concepo de educao rural, naquele perodo, da dcada de 50,
as caractersticas das polticas governamentais, para compreendermos de que forma os
programas atuais, destinados aos povos do campo, interferem na vida dos sujeitos, e se
trazem em seu bojo aspectos e caractersticas que se assemelham com as polticas de
governo do perodo estudado, como referido anteriormente.
No segundo captulo, v-se o histrico da educao de jovens e adultos no Brasil
e a relao do Estado e sociedade civil como integrantes dessa elaborao de polticas
pblicas. Ou seja, juntamente ao histrico de programas e projetos governamentais
destinados EJA, refletimos sobre o que so polticas pblicas. E como o Estado e a
Sociedade Civil se configuram nesse processo de disputa na construo de polticas
pblicas.
Em seguida, no terceiro captulo, discute-se como vm sendo pensado a
educao dos jovens e adultos do campo e os programas de suplncia, marcando as
iniciativas atuais. Para isso, investigamos o histrico do PRONERA, sua criao,
viabilizao, desenvolvimento, isso no mbito nacional. Posteriormente, no caso
especfico, analisamos o PRONERA na UFSC, em que buscamos compreender, as
especificidades do programa no estado, as demandas, as dificuldades, a trajetria de
implementao, e como o programa vem sendo executado frente s instituies e
organizaes locais.
No quarto captulo, descreve-se a metodologia da pesquisa em foco e analisam-
se as entrevistas luz de teorias com o enfoque de compreender as percepes dos
sujeitos frente elaborao e execuo do programa, especificamente em Santa
Catarina, e tambm debatendo sobre a Educao do Campo, com vistas
implementao de uma poltica pblica.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
16/110
16
Figura 1: Acampamento ndio Galdino II, situado no municpio de Curitibanos
Crdito: Rodrigo Jos Antnio Beltrame
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
17/110
17
1 EDUCAO DO CAMPO
1. 1 A Educao do Campo: o ruralismo pedaggico e os seus desdobramentos
na educao brasileira.
Pretende-se analisar, a conduo das polticas de governo destinadas ao meio
rural e os desdobramentos polticos, econmicos e sociais que interferiram na vida
dessas populaes, focalizando tal anlise na dcada de 1950, que os estudiosos da rea
chamaram de ruralismo pedaggico.
Para isso, faz-se necessrio uma retrospectiva sobre o desenvolvimento da
educao, ao longo das dcadas de 30 a 70 do sculo XX, para se entender se os
projetos governamentais, ainda hoje, podem estar retomando elementos da educao
desse perodo. Para apresentar essa perspectiva, utiliza-se informaes sistematizadas
por Romanelli (1986), detendo-se ao desenvolvimento da educao ao longo da dcada
de 1930, e Calazans (1993), trazendo um panorama dos projetos governamentais do
sculo XX, sobretudo evidenciando o perodo do ruralismo pedaggico.
A educao vem constituindo-se ao longo das dcadas como um elemento
fundamental para o desenvolvimento de comunidades.
A herana cultural, influindo diretamente sobre a composio e osobjetivos perseguidos pela demanda escolar, os rumos que toma aeconomia, criando novas necessidades pela qualificao profissional,e a expanso da educao escolarizada, obedecendo presso dessesdois fatores, compem o quadro situacional das relaes existentesentre educao e desenvolvimento. (ROMANELLI, 1986, p. 25).
Isso ocorre desde a dcada de 1930, quando j se considerava a educao como
fator predominante para todo o processo de desenvolvimento, e nesse perodo h um
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
18/110
18
crescimento da urbanizao e, conseqentemente, uma demanda escolar, ou seja, um
nmero cada vez maior de pessoas que pressionam a favor da expanso da escolaridade.
Mas, anteriormente dcada de 1930, a histria da educao mostra que nem
todas as pessoas tinham o direito ao acesso escola, ou seja, ao saber universal
produzido historicamente. Nesse sentido, resgata-se que na poca do Brasil Colnia
apenas as famlias de classes dominantes, os senhores de engenho, tinham esse poder ao
acesso escolarizao. Romanelli (1986, p. 33) aponta, nesse perodo, os seguintes
aspectos:
A primeira condio consistia na predominncia de uma minoria dedonos de terra e senhores de engenho sobre uma massa de agregadose escravos. Apenas queles cabia o direito educao e, mesmoassim, em nmero restrito, porquanto deveriam estar excludos dessaminoria mulheres e os filhos primognitos, aos quais reservava adireo futura dos negcios paternos. Destarte, a escola erafreqentada somente pelos filhos homens que no os primognitos.Estes recebiam apenas, alm de rudimentar educao escolar, apreparao para assumir a direo do cl, da famlia e dos negcios,no futuro. Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes classe dominante que estava destinada a educao escolarizada.
Sobre destaques anteriores dcada de 1930, cabe ressaltar o Plano de Educao
de 1812 que determina que no 1 grau seriam ensinados todos os conhecimentos
necessrios e no 2 grau, todos os conhecimentos necessrios aos agricultores. Em 1826,
houve uma reforma no Plano Nacional de Educao, definindo que o conhecimento
ensinado se restringiria aos terrenos e produtos naturais da maior utilidade nos usos da
vida. E, por ltimo, a reforma de 1879, que determinava que no 2 grau se daria
continuidade aos contedos ensinados no 1 grau, como noes de lavoura e horticultura
(CALAZANS, 1993, p. 18).
Toda essa evoluo e discusso da educao e dos projetos governamentais
mostram que, apesar da preocupao com a questo da escolaridade, o que permeava
toda essa ao e permanece at hoje so as prerrogativas econmicas. Ou seja, o sistema
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
19/110
19
de ensino, ao longo das dcadas, se pauta no desenvolvimento econmico, essa uma
constatao evidente em que a forma como evolui a economia interfere na evoluo da
organizao do ensino, j que o sistema econmico pode ou no criar uma demanda de
recursos humanos que devem ser preparados pela escola (ROMANELLI, 1986, p. 14).
O desenvolvimento ligado ao aspecto econmico e mo-de-obra visto como
indicador para a qualificao no sistema de produo, cada vez mais moderno.
1.1.1 Influncia do processo de industrializao na educao
Portanto, na dcada de trinta do sculo XX, com o processo de
industrializao, ocorre a transformao da sociedade brasileira. A industrializao
como viso de desenvolvimento e modernizao, acarreta o inchao das cidades como
possibilidade de progresso e sucesso econmico na vida das pessoas, ou seja, muitos
agricultores abandonam tudo no campo e seguem com suas famlias no ensejo de outras
condies para uma vida melhor. Nesse momento, h uma preocupao com esse
intercmbio campo-cidade e comeam a surgir as primeiras propostas de
desenvolvimento de reas rurais, tanto nos setores da sade quanto da educao, com o
intuito de fixar o homem do campo ao seu local de origem, criando condies para tal.
Aponta-nos Beltrame (2000, p. 26) que:
A crise econmica das cidades, que se delineava com a intensamigrao do homem do campo, trouxe o discurso da valorizaodesse homem e do seu trabalho, com o intuito de evitar seu xodo.Pensava-se que, para isso, bastava desenvolver uma prtica voltadapara a realidade e adaptada s especificidades das culturas locais.
Com todas as peculiaridades da poca e a preocupao do governo com a
fixao do homem no campo, o discurso dos programas governamentais visava
valorizao desse homem do campo e seu trabalho. Portanto, temos evidenciado, nessa
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
20/110
20
poca, a temtica do ruralismo pedaggico, que tinha como objetivo evitar o xodo
rural. Segundo Calazans (1993, p.18), Uma escola rural tpica acomodada aos
interesses e necessidades da regio a que fosse destinada [...] como condio de
felicidade individual e coletiva.
Entretanto, fica evidente que o ruralismo pedaggico, como forma de fixao
do homem no campo, atendia interesses influenciados pela relao campo-cidade. Ou
seja, acreditava-se que criando o bem-estar, respeitando as especificidades do homem
do campo e sua cultura, proporcionando nas escolas prticas educativas que
contemplassem as manifestaes culturais do campons e suas especificidades no
trabalho, o mesmo no abandonaria o campo e, desse modo, o problema do xodo
estaria resolvido. O pensamento pedaggico que norteava o ruralismo pedaggico era a
questo econmica dentro de uma proposta de educao, indicava para:
Uma escola que impregnasse o esprito brasileiro antes mesmo de lhedar a tcnica do trabalho racional no amanho dos campos, de alto eprofundo sentido ruralista, capaz de lhe nortear a ao e de seus
tesouros, com a convico de ali encontrar o enriquecimento prprioe do grupo social de que faz parte (isto em oposio escola literriaque desenraizava o homem do campo). (CALAZANS, 1993, p. 18).
O discurso de promover o bem-estar do homem rural forjava, atravs das
aes educativas, uma escola que exprimia o sentido da ordem e do controle, para os
grandes proprietrios de terra da poca no correrem riscos de conflitos sociais. Por
isso, os programas governamentais seguiam o paradigma da escola formal e
conservadora, tendo, assim, o controle de todos os segmentos da sociedade reforando
as oligarquias presentes no campo e reforando a necessidade da mo-de-obra no campo
para grandes proprietrios de terra (BELTRAME, 2000, p. 26).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
21/110
21
Ademais, as classes dominantes no reconheciam a importncia da educao para
a classe trabalhadora. Mas com a industrializao, houve a necessidade da escola, como
nos aponta Calazans (1993, p.16):
essencial destacar que as classes dominantes brasileirasespecialmente as que vivem do campo, sempre demonstraramdesconhecer o papel fundamental da educao para a classetrabalhadora. As revolues agroindustriais e suas conseqncias nocontexto brasileiro, principalmente a industrializao, provocaramalteraes que obrigaram os detentores do poder no campo aconcordar com algumas mudanas, como por exemplo, a presena daescola em seus domnios.
Nesse caso, a educao segue diferenciada nas classes, ou seja, as classesdominantes usufruam de um saber sistematizado, como forma de deter conhecimento
sobre qualquer assunto. A classe trabalhadora era destinada aos cursos tcnicos, os quais
contriburam para qualificao dos sujeitos trabalhadores, sem qualquer reflexo sobre a
conjuntura da poca.
1.1.2 Os caminhos dos programas e projetos governamentais
Nas dcadas de 1940 e 1950, diversos programas e projetos governamentais
em parcerias ou no, fizeram parte na histria da educao rural. Algumas dessas
formulaes sero explanadas a seguir. Mais especificamente na dcada de 1940,
mesmo com os problemas sociais em ebulio, as transformaes na sociedade no
suscitavam debates e discusses em sala de aula. Assim,
A escola continuava (ano 1949) desenvolvendo processos e tcnicasimpermeveis s solicitaes das populaes que a ela tinham acesso.Os problemas sociais, as constantes transformaes da sociedade norepercutiam em sala de aula. Tudo deixa de existir no vestbulo daescola indiferente. A constatao integra a anlise de Escola para oBrasil Rural, promovido em 1949, no Rio de Janeiro (CALAZANS,
1993, p. 20).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
22/110
22
Nesse perodo das dcadas de 1940 e 1950, os programas do governo sobre
educao rural e da sade eram patrocinados pelo governo norte-americano.E foi na
dcada de 1950 que se deu o primeiro passo para essa parceria com a fundao da
Comisso Brasileiro-Americana de Educao das Populaes Rurais (CBAR), que
possibilitava um centro de treinamento, semanas ruralistas e clubes agrcolas. Essa
comisso tinha em seu cerne a seguinte definio para o progresso no campo:
O progresso na nossa agricultura depende, em grande parte, daeducao do homem do campo [...]. Uma obra de educao rural nopode, portanto, ficar adstrita ao ensino tcnico nas poucas escolasdestinadas ao preparo profissional dos trabalhadores da agricultura
[...]. (CALAZANS, 1993, p. 21).
Em 1945, surge a aldeia rural, que oferecia possibilidades para atender as
necessidades do conjunto de aldeias, seja na parte cultural, administrativas e industriais
que eram ocupadas pelos indgenas. (CALAZANS, 1993, p. 22).
Todo esse panorama de desenvolvimento de programas educativos visava
atender as bases populares dos estados do Brasil.
No perodo de 1952 e 1955, foram implantadas a Campanha Nacional de
Educao Rural (CNER) e a do Servio Social Rural (SSR), respectivamente, com
objetivo de desenvolvimento de comunidade. Na poca, a conjuntura mundial dava-se
pela Guerra Fria4 e nacionalmente pelo governo desenvolvimentista de Juscelino
4Disputa pela hegemonia mundial entre Estados Unidos e URSS aps a II Guerra Mundial. uma intensa
guerra econmica, diplomtica e tecnolgica pela conquista de zonas de influncia. Ela divide o mundoem dois blocos, com sistemas econmico e poltico opostos: o chamado mundo capitalista, liderado pelosEUA, e o mundo comunista, encabeado pela URSS. Provoca uma corrida armamentista que se estendepor 40 anos e coloca o mundo sob a ameaa de uma guerra nuclear. Aps a II Guerra Mundial, ossoviticos controlam os pases do Leste Europeu e os norte-americanos tentam manter o resto da Europasob sua influncia. Apoiado na Doutrina Truman segundo a qual cabe aos EUA a defesa do mundocapitalista diante do avano do comunismo , o governo norte-americano presta ajuda militar eeconmica aos pases que se opem expanso comunista e auxilia a instalao de ditaduras militares naAmrica Latina. O Plano Marshall, por exemplo, resulta na injeo de US$ 13 bilhes na Europa. AURSS adota uma poltica isolacionista, a chamada Cortina de Ferro. Ajudada pelo Exrcito Vermelho,
transforma os governos do Leste Europeu em satlites de Moscou. Nos anos de 1950 e 1960, a polticanorte-americana de conteno da expanso comunista leva participao da nao na Guerra da Coria ena Guerra do Vietn. A Guerra Fria repercute na prpria poltica interna dos EUA, com o chamado
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
23/110
23
Kubitschek. Nessas dcadas de 1940 e 1950, alguns programas do governo eram
vinculados tanto ao Ministrio da Agricultura quanto de Sade e Educao.
As implantaes desses programas educacionais representavam o pensamento
educacional da poca:
A CNER pretendia preparar tcnicos para atender s necessidadesda educao de base. Seus objetivos, inspirados na Unesco,preconizavam: a) investigar e pesquisar as condies econmicas,sociais e culturais da vida rural brasileira; b) preparar tcnicos paraatender as necessidades da educao de base; c) promover e estimulara cooperao das instituies e dos servios educativos existentes nomeio rural e que visem o bem comum; d) concorrer para a elevaodos nveis econmicos da populao rural pela introduo, entre osrurcolas, de tcnicas avanadas de organizao e de trabalho; e)contribuir para o aperfeioamento dos padres educativos, sanitrios,assistenciais, cvicos e morais das populaes do campo; f) oferecerenfim, orientao tcnica e auxlio financeiro a instituies pblicas eprivadas que, atuando no meio rural, estejam integradas aos objetivose finalidades do seu plano (CALAZANS, 1993, p.22).
O Servio Social Rural tambm trouxe caractersticas do pensamento
educacional da poca:
[...] mantinha um sistema de conselhos regionais sediados nascapitais dos estados de todo o territrio brasileiro, atingindo,portanto, os novos estados da Regio Nordeste. Repetia algunsprogramas j desenvolvidos pela CNER, cuidando ainda mais decooperativismo, associativismo, economia domstica, artesanato,entre outros (CALAZANS, 1993, p. 23)
macarthismo, que desencadeia no pas uma onda de perseguio a supostos simpatizantes comunistas.Corrida nuclear A Guerra Fria amplia-se a partir de 1949, quando os soviticos explodem sua primeirabomba atmica e inauguram a corrida nuclear. Os EUA testam novas armas nucleares no atol de Bikini,
no Pacfico, e, em 1952, explodem a primeira bomba de hidrognio. A URSS lana a sua em 1955. Assuperpotncias criam blocos militares reunindo seus aliados, como a OTAN, que agrega osanticomunistas, e o Pacto de Varsvia, do bloco socialista. Com a descoberta da instalao de msseissoviticos em Cuba, em 1962, os EUA ameaam um ataque nuclear e abordam navios soviticos noCaribe. A URSS recua e retira os msseis. O perigo nuclear aumenta com a entrada do Reino Unido, daFrana e da China no rol dos detentores de armas nucleares. Em 1973, as superpotncias concordam emdesacelerar a corrida armamentista, fato conhecido como Poltica da Dtente. Esse acordo dura at 1979,quando a URSS invade o Afeganisto. Em 1985, com a subida ao poder do lder sovitico MikhailGorbatchov, a tenso e a guerra ideolgica entre as superpotncias comeam a diminuir. O smbolo dofinal da Guerra Fria a queda do Muro de Berlim, em 1989. A Alemanha reunificada e, aos poucos,dissolvem-se os regimes comunistas do Leste Europeu. Com a desintegrao da prpria URSS, em 1991,o conflito entre capitalismo e comunismo cede lugar s contradies existentes entre o hemisfrio norte,que rene os pases desenvolvidos, e o hemisfrio sul, onde est a maioria dos subdesenvolvidos. (Fonte:
http://geocities.yahoo.com.br/fld2001/guerrafria.htm. Acessoem: jan. 2007)
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
24/110
24
Em 1947, o governo lana uma Campanha de Educao de Adultos, essa
proposta tinha como objetivo criar aes educativas que tivessem em seu cerne a
experincia do meio rural, e que foi denominada de Misses Rurais de Educao de
Adultos:
A idia que fundamenta a prtica de Misses Rurais a de aoeducativa integral para soerguimento geral das condies de vidamaterial e social de pequenas comunidades rurais (as CSRs). Aprimeira Misso Rural de Educao, no entanto, s comeou afuncionar em 1950, no municpio fluminense de Itaperuna(CALAZANS, 1993, p. 23).
Outro acordo firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos,
dentro do Ministrio de Educao e Sade e o Instituto de Assuntos Interamericanos
(IAI), foi a criao do Servio Especial de Sade Pblica (SESP), em 1942.
O SESP atuava exclusivamente em zonas rurais. Realizava atividades
educativas referentes educao sanitria, atravs da Diviso de Educao Sanitria,
criada no SESP em 1944, e do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu),
em 1956 (CALAZANS, 1993, p. 23).
Outra iniciativa do IAI foi o surgimento da Associao de Crdito e
Assistncia Rural (ACAR), no ano de 1948 em Minas Gerias. Esse processo
possibilitou a criao da Associao Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
(ABCAR), que era incumbida de coordenar programas de extenso e captar recursos
tcnicos e financeiros (CALAZANS, 1993, p. 23). Dessa forma, a ajuda vinha na
forma de suporte financeiro, assistncia tcnica e equipamento, enquanto a ACAR, no
mbito estadual, tinha como finalidade promover a extenso rural e o crdito rural
supervisionado, segundo modelos nos Estados Unidos (CALAZANS, 1993, p. 23). Em
meados da dcada de 1950 h uma expanso da ACAR ou ANCAR (Associao
Nordestina de Crdito Assistncia Rural) e essa expanso chega aos estados do
Centro-Sul e do Nordeste do pas.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
25/110
25
Em 1956, centraliza-se o extensionismo rural, ou seja, com a criao da
ABCAR firma-se um acordo entre o governo brasileiro e os organismos internacionais,
privados e outros, em que os mesmos influenciaram o extensionismo. Dessa maneira,
nos ltimos anos da dcada, comeava-se a analisar a extenso rural:
Os pequenos proprietrios familiares seriam atendidos a partir deento, preferentemente, via cooperativas ou associaes pr-cooperativas. Procurar-se- trabalhar com eles atravs de projetosvoltados para empreendimentos em que sejam altos os custos de mo-de-obra e de grande risco. Pouco a pouco so forjadas vriasintegraes no interior das quais os produtores (pequenos e mdios)so estimulados pela extenso rural a aumentarem sua produo, comuma maior estabilidade na oferta de seus produtos e com umaadequao dos mesmos aos requerimentos do mercado (dizia-semelhoria da qualidade) ( CALAZANS, 1993, p. 25).
Segundo Beltrame (2000, p. 27), vrios projetos foram implantados nesse
perodo, ligados extenso rural, envolvendo indiretamente as escolas, criando
expectativas de transformao para as reas rurais, tendo a famlia como base material.
Ainda nesse perodo, na dcada de 1940, se fizeram presentes as idias do ruralismo
pedaggico, pois com o inchao das cidades e o fato de no ter mercado de trabalho
para toda mo-de-obra disponvel, disseminou-se essa idia:
[...] uma educao que levasse o homem do campo a compreender osentido rural da civilizao brasileira e a reforar os seus valores, afim de fix-lo terra, o que acarretaria a necessidade de adaptarprogramas e currculos ao meio fsico e cultura rural (CALAZANS,1993, p. 25).
Portanto, era cada vez mais freqente a discusso da educao rural por
parte dos profissionais da educao e, em 1942, com todos os questionamentos
possveis de tal classe, organizou-se o VIII Congresso Brasileiro de Educao,
promovido pela Associao Brasileira de Educao, com apoio do governo federal e do
governo de Gois.
Nesse congresso, tiveram grande predominncia as idias do ruralismo
pedaggico em que se defendia que a escola rural era a escola do trabalho, ou seja,
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
26/110
26
pretendia-se o ajustamento do indivduo ao meio rural, para fixar os elementos de
produo, assim a escola cumpria a funo de ser uma instituio educativa. Na
perspectiva dos preconizadores do ruralismo pedaggico, a escola rural deveria ser um
aparelho educativo organizado em funo da produo (CALAZANS, 1993, p. 26).
Para fixar o homem no campo, houve at uma crtica ao urbanismo e a escola vista
como salvadora de todos os problemas:
[...] a crtica ao urbanismo constituiu-se num dos argumentos maioresutilizados no combate ao xodo rural pela educao idias-chave doruralismo pedaggico. Por uma educao que ruralizasse o ruralatravs de uma nova escola que, adaptada s exigncias do campo,
prendesse o campons terra formando-o convenientemente no amor Ptria e em funo da produo. Inestimvel seria o alcance socialdessa providncia, destinada a preservar o espao urbano da aodeletria das desordens sociais (CALAZANS, 1993, p. 26 - 27).
Essas dcadas foram marcadas por muitas experincias educacionais, as quais
seguiram influncias dos pases norte-americanos e tambm da Europa. Portanto, no
final dos anos de 1940 e na dcada de 1950, o que j se indicava no manifesto dos
Pioneiros da Escola Nova, uma conscincia educacional, redigido por Fernando de
Azevedo, Ansio Teixeira, Loureno Filho, Carneiro Leo, entre outros (CALAZANS,
1993, p. 27).
Com essa exploso de idias e acontecimentos, constata-se que os programas
chegavam com diretrizes prontas e acabadas, ignorando toda a diversidade existente e
negando a realidade dos sujeitos. Pretendia-se, com essas polticas educacionais,homogeneizar a populao rural e que a mesma se moldasse aos produtores, que
precisavam de mo-de-obra especializada com tcnicas simplistas apenas para compor o
quadro de produo.
Enfim, essas prticas educacionais atravs de programas traziam em seu bojo
suas diretrizes gerais, seus pressupostos e seus objetivos definidos. Se bem analisadas,
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
27/110
27
observam-se fenmenos como: superposio de esforos, clubismo, comunidade-
homogeinizao e outros. (CALAZANS, 1993, p. 29).
1.1.3 Programas e projetos regionais
Em relao educao, no perodo da dcada de 1960, a mesma discutida,
formulada, estruturada, de acordo com as necessidades educacionais de cada regio
(CALAZANS, 1993, p. 30). A formulao de educao no pensamento da poca seguia
as prerrogativas do desenvolvimento econmico, ou seja,
As exigncias de planejamento e efetivao da educao rural estocorrelacionadas poltica do desenvolvimento e transformao dasestruturas do setor primrio. O modelo de desenvolvimento umavarivel que interfere no estabelecimento de diretrizes e polticas paraa educao rural, afirmavam os planejadores de educao e recursoshumanos da poca (CALAZANS, 1993, p. 30).
Os programas visavam o desenvolvimento de comunidade e educao de
adultos, em que os dois aspectos atuavam conjuntamente, dessa forma, imprimiram
algumas caractersticas da poca:
Conscientizao da populao de modo a permitir ao educando umaparticipao responsvel e produtiva [...]. Capacitao para assumiras novas formas correlatas de trabalho, bem como situaes maiscomplexas de organizaes coletivas (CALAZANS, 1993, p. 31).
Na regio Sul, com a Superintendncia da Regio Sul (SUDESUL) foram
implantados alguns projetos como: Projeto Integrado Sudoeste, situado na zona
sudoeste do Rio Grande do Sul, tambm foram incorporadas SUDESUL a Secretaria
Executiva e a Assessoria Jurdica da Comisso Brasileira e Uruguaia da Lagoa Mirim,
abaixo de um decreto federal. Todas as aes educacionais desenvolvidas pela
SUDESUL contriburam para as diretrizes do Plano Setorial de Educao, que tinha
como objetivo responsabilizar diversos organismos na execuo de tais projetos
(CALAZANS, 1993, p. 32).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
28/110
28
Nesse perodo, com o apoio do Ministrio de Educao e Cultura, foi elaborado
o II Plano Setorial de Educao (1975-1979), que contemplava em seus objetivos o
desenvolvimento de projetos educacionais rurais, na melhoria socioeconmica nas reas
rurais. Tambm foram realizados cursos de formao de educadores/as do meio rural,
numa parceria entre Secretaria Geral do MEC e CNRH/Seplan e Programa das Naes
Unidas para o desenvolvimento. A educao rural tambm recebeu meno no III
PSECD (Plano de Educao, Cultura e Desporto) do Ministrio da Educao e Cultura,
em que surge o PRONASEC (Programa Nacional de Aes Scio-Econmicas e
Culturais), destinado ao meio rural, com intuito significativo na luta contra a pobreza.
importante salientar que, nessa poca, surgiram os primeiros burburinhos
acerca dos movimentos educacionais e culturais. Nesse momento, as pessoas envolvidas
num debate educacional comeam a questionar esse modelo de desenvolvimento de
projetos que se traduzem numa educao para o desenvolvimento econmico, para a
produo, para o trabalho, sem considerar os sujeitos na sua completude. E dentro
desses debates no havia consenso.
necessrio considerar que a educao rural sempre se fez presente nos projetos
governamentais, mas essa presena no alterou significativamente a precariedade da
escola (BELTRAME, 2000, p. 28). A escola do meio rural ainda sobrevive dessa
precariedade de profissionais da educao que atendam s especificidades desse meio,
por longas dcadas, pois o descaso com a infra-estrutura, baixos salrios e o no
reconhecimento da cultura camponesa ainda so fatos que se discute no mbito
nacional, atualmente.
O que se percebe que, ao longo da histria, as polticas ou programas de
governo destinados para o campo foram polticas sem continuidade, e de modo
hierarquizado, os quais seguiam modelos externos (internacionais), e paradigmas da
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
29/110
29
cidade. Calazans tem um estudo que revela o cenrio das escolas rurais, e se percebe
como essas discusses ainda so muito atuais e que o debate est posto aos educadores e
a sociedade atual:
A prova mais eloqente do fracasso da escola rural tradicional era aexistncia da formidvel massa de analfabetos na roa. A rigor Dir ele [Anais do VIII Congresso Brasileiro de Educao] maisadiante no houve at agora educao rural no Brasil. Temosmilhares de escolas que de rurais s tm tabuleta na porta. Mas deresultados prticos, tangveis, mesmo depois de doze anos depropaganda e campanha ruralistas, salvo raras e honrosas excees,nada colheremos de significativo. que ningum inventa tcnicos agolpes de decretos (CALAZANS, 1993, p. 26).
Esse mapeamento dos programas e projetos evidencia o quo os governos
criaram em suas polticas uma prtica de dependncia com rgos internacionais,
instituies privadas e outros.
Entretanto, cabe ressaltar que a educao rural para alm de uma questo de
interesse pedaggico ainda vista, muitas vezes, pela tica puramente tcnica, ela de
uma grande complexidade. Nesse sentido, merece uma anlise profunda dos fatos para
que no se repitam polticas destinadas a melhoramentos rurais, os quais, muitas
vezes, nem condizem com a necessidade da populao do campo.
Cabe aqui comentar programas e projetos at a dcada de 1970, como proposto
inicialmente e que embasou toda essa explanao. Mas ressalta-se que as estratgias de
projetos educacionais perduram at hoje, como se ver nos captulos seguintes: como se
d a criao e desenvolvimento de um programa de educao no campo, na atualidade, e
as interfaces que compem esse cenrio de projetos e programas mantidos pelo
governo. Finaliza-se esse captulo com uma citao de um autor que, na poca do
ruralismo pedaggico, se ops aos programas educacionais daquele perodo, e d uma
mostra de sua crtica:
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
30/110
30
O trabalhador ignorante e enfrmo, sem um gro de semeadura, semum arado, sem quinino, sem um real de crdito, exposto ao verme, cobra, maleita e intemprie, s inclemncias dos sis canicularesou avareza de solos intratveis, desajudado, desassistido, proscrito epria, na prpria ptria? (AZEVEDO, 1962, p. 44).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
31/110
31
Figura 2: Acampamento ndio Galdino II, situado no municpio de Curitibanos
Crdito: Rodrigo Jos Antnio Beltrame
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
32/110
32
2 EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS
2.1. O Estado e as Polticas Pblicas
O Brasil um pas que, atualmente, ainda sofre em sua formao social e
poltica os resqucios de sua histria de colonizao, de trabalho fundado na escravido
e no latifndio, durante um longo tempo colnia, imprio e repblica. No contexto
atual, o Brasil um pas que tem se organizado por uma sociedade com longa tradio
poltica autoritria, embasada no modelo de dominao oligrquico, patrimonialista e
burocrtico. Uma relao entre Estado e sociedade que segue com caractersticas
polticas e culturais marcadas pela marginalizao social e poltica das classes
populares, a restrio da esfera pblica e a privatizao dos bens sociais e culturais
pelas elites dominantes. Portanto, o Brasil chega ao sculo XXI sofrendo profundas
desigualdades sociais, culturais, econmicas, as quais se observam todos os dias nos
cidados que passam fome, misria, excluso social, violncia de todos os tipos,
analfabetismo, enfim, uma perda de direitos constante, onde so impedidos de
produzirem sua prpria histria. E, ainda, em um Estado Liberal, com altos ndices de
corrupo e com predominncia sobre a sociedade civil.
Vrias vertentes e abordagens abarcam a discusso sobre conceito de Estado e
Sociedade Civil5, no entanto, pretende-se, aqui, se deter aos conceitos bsicos que
perpassam em fomentar a construo de polticas pblicas, tendo como referncia a
abordagem que se configura no bojo das relaes da atualidade, das relaes entre
Estado e Sociedade Civil, ou seja, a abordagem neoliberal.
5 Para aprofundar esse tema ler: AZEVEDO, Janete M. Lins de. A Educao como Poltica Pblica.Campinas, SP: Autores Associados, 1997. (Coleo Polmicas do nosso tempo. v. 56).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
33/110
33
Essa abordagem teve incio no sculo XVII, mas foi sendo modificada
paulatinamente e adaptada, medida que o avano do capitalismo delineava as
estruturas de classes, trazendo-a para o centro da cena econmica e poltica.
O neoliberalismo fomenta os fundamentos da liberdade e do individualismo para
justificar o mercado como regulador e distribuidor da riqueza e da renda. Potencializam-
se as habilidades e a competitividade individual, possibilitando a busca ilimitada do
ganho, o mercado produz, consequentemente, o bem-estar social (AZEVEDO, 1997, p.
10).
Assim, o Estado apregoa sua condio de Estado Mnimo, em que se isenta
paulatinamente do seu papel de garantidor de direitos. Os neoliberais defensores do
Estado Mnimo creditam ao mercado a capacidade de regulao do capital e do
trabalho e consideram as polticas pblicas as principais responsveis pela crise que
perpassa as sociedades. A interveno estatal estaria afetando o equilbrio da ordem,
tanto no plano econmico como no plano social e moral, na medida em que tende a
desrespeitar os princpios da liberdade e da individualidade, valores bsicos do ethos
capitalista (AZEVEDO, 1997, p. 12).
Contudo, a Sociedade Civil se coloca fora do aparelho do Estado. Na relao
com o Estado, se configura como um fenmeno histrico que resulta do processo de
diferenciao social; em que ela prpria o resultado de um processo interno de
transformao nos quais os agentes individuais que dela participam tendem a se tornar
mais iguais e, assim, a sociedade civil mais democrtica (PEREIRA, 1999, p. 72).
Nesse paradigma neoliberal em que se vive, conta-se tambm com o
desenvolvimento da relao entre Estado e mercado. So duas instituies criadas pela
sociedade, a primeira, como reguladora ou coordenadora de toda a vida social, inclusive
estabelece as normas do mercado; j a segunda se coloca como coordenadora da
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
34/110
34
produo de bens e servios realizados por indivduos e empresas (PEREIRA, 1999,
p. 71).
A partir disso, a relao entre Estado e sociedade delineada por condicionantes
estruturais como:
[...] a crise do estado no ltimo sculo; o brutal aumento daprodutividade acompanhado contraditoriamente de melhoria dospadres de vida e de crescente concentrao e renda; causando aexcluso social; o desafio da globalizao to superestimado quantoreal, nesse caso, no plano poltico, a globalizao significa, ousignificaria, a relativa perda de autonomia decisria dos Estadosnacionais; o avano da democracia (PEREIRA, 1999, p. 74-78).
Um dos aspectos que perpassam esses conflitos o fomento das Polticas
Pblicas, que so uma verdadeira idia de que seu contedo deve ter um sentido
universalizante, dirigindo-se populao toda (DAGNINO, 2002, p. 297).
Com efeito, pode-se afirmar que um setor ou uma poltica pblica para um setor
(j que a sociedade divide-se em setores como: sade, educao, habitao, dentre
outros, e que necessita dessas condies para produzir sua histria), constitui-se a partir
de uma questo que se toma socialmente problematizada. A partir de um problema que
passa a ser discutido amplamente pela sociedade, exigindo a atuao do estado.
Concordamos com Boaventura (1998, p. 60), quando afirma que O estado deve
ser o grande articulador que integre um conjunto hbrido de fluxos, redes e organizaes
que se combinem e interpenetrem elementos estatais e no-estatais, nacionais e
globais.
Contudo, os Estados possuem ampla capacidade de definir polticas desde que
seu governo disponha de governabilidade, o que depende, principalmente, de sua
legitimidade junto respectiva sociedade civil e de governana, que funo da sade
financeira do estado, da competncia de seus polticos e burocratas em tomar decises
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
35/110
35
estratgicas, e da existncia de instituies que viabilizam uma administrao gerencial,
efetiva e eficiente do prprio estado (PEREIRA, 1999, p. 78).
Entretanto, h que se admitir a possibilidade de que pelo menos parte dos
projetos democratizantes originados na sociedade civil tenha, efetivamente, passado a
orientar a ao dos ocupantes do estado (DAGNINO, 2002, p. 282).
Tem-se que retomar a importncia das diversas concepes sobre a natureza da
participao da sociedade civil, como elementos centrais na configurao de distintos
projetos polticos. Essas diferentes concepes se manifestam, paradigmaticamente, de
um lado, na resistncia dos Executivos em compartilhar o seu poder exclusivo sobre
decises referentes s polticas pblicas; de outro, na insistncia daqueles setores da
sociedade civil em participar efetivamente dessas decises e concretizar o controle
social sobre elas (DAGNINO, 2002, p. 282).
Nesta perspectiva, os fazedores da poltica, ao tomarem decises que conduzem
sua definio e formulao, esto se apoiando em algum tipo de definio social da
realidade, peculiar a determinados grupos, que se ver a seguir ao se discutir o
PRONERA, como alvo de uma discusso para uma Poltica Pblica, analisando seus
elementos e identificando se h uma reedio do ruralismo pedaggico ou se o mesmo
traz em seu bojo avanos no aspecto de um projeto que se transforme numa poltica
universalizante.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
36/110
36
2.2 Reflexes sobre a Educao de Jovens e Adultos no Brasil
Neste item, faz-se uma reflexo sobre a educao de jovens e adultos no pas,
ou seja, como as polticas pblicas foram sendo delineadas na primeira metade do
sculo XX, para isso, referenda-se nos estudos de Srgio Haddad e Maria Clara de
Pierro (2000) e, para o aprofundamento histrico, recorre-se a outros autores como:
Paiva (1982), Gadotti (1988; 2000) e Gohn (2001).
A partir de 1920, houve, no Brasil, um movimento de educadores no
provimento de polticas pblicas para educao de jovens e adultos, num conjunto de
situaes que passou a engendrar uma exigncia maior do estado, para que este se
responsabilizasse pela oferta desses servios. Essas transformaes estavam interligadas
com o processo de industrializao e incio da acelerao da urbanizao, ou seja,
transformao da sociedade brasileira que acontecia no final da dcada de 1930. Desde
ento, surge no cenrio nacional preocupao com o ensino de jovens e adultos,
configurado no Plano Nacional de Educao. No entanto, apenas na dcada seguinte, a
Educao de Jovens e Adultos define sua identidade tomando forma de uma Campanha
Nacional.
Em 1934, a nova Constituio props um plano nacional de educao, fixado,
coordenado e fiscalizado pelo Governo Federal, responsabilizando as esferas da Unio,
dos estados e municpios.
Foi criado, em 1947, o Servio de Educao de Adultos (SEA) como Servio
Especial do Departamento Nacional de Educao do Ministrio da Educao e Sade.
Contudo, foi a partir da dcada de 1950 que teve incio um movimento social
organizado no campo, que exige do poder pblico a adoo de medidas mais favorveis
ao grupo de trabalhadores. Desde ento, a reforma agrria vem sendo alvo de debates e
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
37/110
37
lutas entre grupos com interesses opostos: grandes proprietrios ou trabalhadores rurais.
Nesse mesmo perodo, a educao de jovens e adultos passava a ser condio necessria
para que o Brasil se realizasse como nao desenvolvida, gerando uma Campanha de
Educao de Adolescentes e Adultos (CEAA). Com a criao desses servios, os
estados e municpios tiveram que investir numa infra-estrutura que atendesse a
educao de jovens e adultos. Tambm houve outras duas iniciativas organizadas pelo
ministrio da Educao e Cultura, em 1952 a Campanha Nacional de Educao Rural
e, em 1958, a Campanha de Erradicao do Analfabetismo, ambas duraram pouco e
no tiveram grandes resultados.
Durante o regime militar (entre 1964 e 1980), os conflitos de terra aumentaram
em todas as regies do pas, mas o movimento popular no campo foi duramente
reprimido, como em todos os demais setores da vida poltica nacional. Porm, os
sindicatos de trabalhadores rurais e a vigncia da legislao trabalhista no foram
suprimidos. Os movimentos religiosos deram continuidade luta dos trabalhadores
rurais, retomando a direo da Confederao Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG). Movimentos de educao e cultura popular, ligados a Igreja
Catlica e a governos, desenvolveram experincias de alfabetizao de adultos
orientadas a conscientizar os participantes de seus direitos.
Nesta poca, a concepo de EJA era marcada por uma viso do analfabetismo
como causa e no como efeito da situao econmica. At ento, o adulto no-
escolarizado era percebido como um ser imaturo e ignorante, que deveria ser atualizado
com os mesmos contedos formais da escola primria, percepo esta que reforava o
preconceito contra o analfabeto (PAIVA, 1973, p. 209).
No ano de 1967, foi fundado o Movimento Brasileiro de Alfabetizao
(MOBRAL) e, posteriormente, em 1971, houve a implantao do Ensino Supletivo,
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
38/110
38
para e educao de jovens e adultos, em vista de os militares terem a proposta de
construir um grande pas e, assim, denotando nacionalmente e internacionalmente a
ao nos setores da educao, principal canal de mediao do governo com a sociedade.
A implantao do Ensino Supletivo se deve Lei Federal n 5.692, que reformulou as
diretrizes do ensino de 1 e 2 graus.
Todavia, foi no mbito estadual que se firmou o ensino supletivo, tendo uma
diversidade na sua oferta. A Lei Federal props que o ensino supletivo fosse
regulamentado pelos conselhos estaduais de educao. Portanto, foram criados em
quase todas as unidades da Federao rgos especficos para o ensino supletivo dentro
das secretarias de educao.
Quanto ao MOBRAL, mantido pela esfera municipal, obteve muitas crticas
ao trabalho de alfabetizao. Seus materiais pedaggicos e planejamentos foram
entregues sob responsabilidade de empresas privadas que elaboraram algo homogneo,
sem considerar a diversidade existente nacionalmente. Outra crtica foi o pouco tempo
destinado alfabetizao e os critrios para a verificao de aprendizagem. J o Ensino
Supletivo acabou suprindo a escolarizao regular e fomentando a educao do
futuro, baseada nos meios de comunicao, em que a escola tem o papel da
sistematizao dos conhecimentos.
No incio, o governo autoritrio queria suprimir todos os movimentos de
educao e cultura popular no perodo anterior ao de 1964, pois acreditava que os
processos educativos poderiam levar a manifestaes populares, desestabilizando o
regime. Com o MOBRAL e Ensino Supletivo, os militares estavam interessados em
reconstruir, por via da educao, a mediao com os setores populares.
No incio da dcada de 1980, com o fim do regime militar, os movimentos
sociais no campo voltaram a atuar de modo organizado. Do lado dos trabalhadores
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
39/110
39
rurais, nasceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, inicialmente no
estado Rio Grande do Sul e, posteriormente, atingindo outros estados.
Nesse perodo, houve o alargamento dos direitos sociais, juntamente com a
Constituio de 1988 em que se reconheceu o direito de pessoas jovens e adultas
educao fundamental, sob responsabilidade do Estado, da educao pblica, gratuita e
universal. E, com a ampliao dos debates, aos poucos o sujeito dito analfabeto (nessa
sociedade que reconhece somente a leitura e escrita como alfabetismo), passou a ser
visto como um ser produtivo capaz de raciocinar e resolver os seus problemas.
Com a Constituio Federal de 1988, ficou assegurado o direito a Educao para
todos, porm, na atual LDB, a EJA vem caracterizada enquanto direito de todos, mas
no como dever do estado, o que se torna contraditrio, pois h a afirmao, no plano
jurdico, do direito formal dos jovens e adultos educao bsica e, por outro lado, a
negao pelas polticas pblicas concretas, as quais criem condies para esse processo
de estudo.
Em 1985, o MOBRAL extinto e surge a Fundao Educar, a qual no se constitui
como programa, mas como instituio que apia pedagogicamente outros projetos. Nos
anos Collor, a Fundao Educar foi extinta, deixando um enorme vazio em termos de
polticas para a Educao de Jovens e Adultos.
Um marco na educao de jovens e adultos, nessa dcada, foi a transferncia
da responsabilidade dos programas de alfabetizao e ps-alfabetizao de jovens e
adultos da Unio para estados e municpios. Tambm em 1996, foi aprovada a nova Lei
de Diretrizes e Bases (LDB) n 9394/96, em que ressalta o direito do ensino bsico aos
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
40/110
40
jovens e adultos, adequados s condies de estudo e oferta de ensino gratuito na
forma de cursos supletivos6.
Na segunda metade dos anos de 1990, foram concebidos trs programas em
nvel nacional, so eles:
a) Programa de Alfabetizao Solidria (PAS), criado em 1996,
inicialmente atendia s regies Norte e Nordeste; campanha de
alfabetizao inicial, pblico juvenil. Depois, com a crescente demanda,
estendeu-se regio Centro-Oeste e ao estado de Minas Gerais, e s
regies metropolitanas de So Paulo e Rio de Janeiro. Coordenado pelo
Conselho da Comunidade Solidria, organismo vinculado Presidncia
da Repblica;
b) Plano Nacional de Formao e Qualificao Profissional (PLANFOR),
implementado em 1995, convnio com os Estados que visa oferta de
educao profissional com vistas a qualificar e requalificar a populao.
Coordenado pela Secretaria de Formao do Desenvolvimento
Profissional do Ministrio do Trabalho (SEFOR/MTB) e financiado com
os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);
c) Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria (PRONERA),
criado em 1998, coordenado pelo Instituto de Colonizao e Reforma
Agrria (INCRA), vinculado ao Ministrio de Desenvolvimento Agrrio
(MDA) e tendo articulao com o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST). O Objetivo do programa alfabetizar e escolarizar
6Os cursos de ensino supletivo so caracterizados por serem aligeirados, o que os diferencia do ensinoregular. So cursos semestrais, o aluno que interrompe o curso no precisa esperar o ano inteiro para
voltar escola.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
41/110
41
jovens e adultos nas reas de reforma agrria. Este programa o foco da
atual pesquisa, o qual ter seus elementos aprofundados e debatidos no
captulo II.
Percebe-se que as trs iniciativas referidas abarcam pontos em comum: todos so
iniciativas desenvolvidas em regime de parceria, implicando no processo de
escolaridade pelas diversas parcerias de instncias governamentais, organizaes da
sociedade civil, movimentos sociais e instituio de ensino e pesquisa. No entanto,
nenhum deles coordenado pelo Ministrio da Educao.
No prximo captulo, pretende-se expor o papel do Estado frente a essas
iniciativas relacionadas acima, as lutas da sociedade civil na presso a favor da
ampliao das Polticas Pblicas, para o atendimento dos povos que vivem e trabalham
no campo.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
42/110
42
Figura 3: Assentamento 1 de Maio, situado no municpio de Curitibanos;
Crdito: Rodrigo Jos Antnio Beltrame.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
43/110
43
3 UM NOVO PROGRAMA PARA O CAMPO
3.1. Novas polticas pblicas para o campo: O Programa Nacional de Educao na
Reforma Agrria.
A populao do campo faz parte de um imaginrio popular, aparecendo como
um lugar de atraso, arcaico e inferior. Desse modo, os sujeitos do campo sofrem com a
excluso social e o descaso dos governos, legitimando ausncia de polticas pblicas e
servios pblicos, seja na rea da educao, da sade, habitao e outros. Mesmo
sobrevivendo em condies adversas, a populao da zona rural vem resistindo e
lutando por seus direitos atravs de diversas iniciativas.
Azevedo (1997, p. 05-06), afirma que as polticas pblicas so definidas,
implementadas, reformuladas ou desativadas com base na memria da sociedade ou do
estado em que tem lugar e que, por isso, guardam estreita relao com as representaes
sociais que cada sociedade desenvolve sobre si prpria. E que, nesse sentido, so
construes informadas pelos valores, smbolos, normas, enfim, pelas representaes
sociais que integram o universo cultural e simblico de uma determinada realidade. Este
o caso da Educao do Campo, que tem uma especificidade, de acordo com sua
realidade, com seus sujeitos, suas necessidades e a poltica pblica a ser elaborada tem
que atender s especificidades da realidade daqueles sujeitos.
A partir disso, a educao escolar segue desempenhando papel fundamental na
luta da populao do campo:
A escola passou a ser vista como uma questo tambm poltica comoparte da estratgia de luta pela Reforma Agrria, vinculada spreocupaes gerais do Movimento com a formao de seus sujeitos(CALDART, 2000, p. 146).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
44/110
44
A histria da concentrao fundiria marca o Brasil desde 1500. Por conta disso,
aconteceram diversas formas de resistncia como os Quilombos, Canudos, as Ligas
Camponesas, as lutas de Trombas e Formoso, a Guerrilha do Araguaia, entre muitas
outras.
Em 1961, com a renncia do ento presidente Jnio Quadros, Joo Goulart o
Jangoassume o cargo com a proposta de mobilizar as massas trabalhadoras em torno
das reformas de base, que alterariam as relaes econmicas e sociais no pas. Vive-se,
ento, um clima de efervescncia, principalmente sobre a Reforma Agrria.
Com o golpe militar de 1964, as lutas populares sofrem violenta represso.
Nesse mesmo ano, o presidente-marechal Castelo Branco decretou a primeira Lei de
Reforma Agrria no Brasil: o Estatuto da Terra. Elaborado com uma viso progressista
com a proposta de mexer na estrutura fundiria do pas, ele jamais foi implantado e se
configurou como um instrumento estratgico para controlar as lutas sociais e
desarticular os conflitos por terra. As poucas desapropriaes serviram apenas para
diminuir os conflitos ou realizar projetos de colonizao, principalmente na regio
amaznica. De 1965 a 1981, foram realizadas 8 desapropriaes em mdia, por ano,
ainda que tivessem ocorrido pelo menos 70 conflitos por terra, anualmente
Nos anos da ditadura, apesar das organizaes que representavam as
trabalhadoras e trabalhadores rurais serem perseguidas, a luta pela terra continuou
crescendo. Foi quando comearam a ser organizadas as primeiras ocupaes de terra,
no como um movimento organizado, mas sob influncia principal da ala progressista
da Igreja Catlica, que resistia ditadura. Foi esse o contexto que levou ao surgimento
da Comisso Pastoral da Terra (CPT), em 1975.
Nesse perodo, o Brasil vivia uma conjuntura de extremas lutas pela abertura
poltica, pelo fim da ditadura e de mobilizaes operrias nas cidades. Fruto desse
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
45/110
45
contexto, em janeiro de 1984, ocorre o primeiro encontro do MST em Cascavel, no
Paran, onde se reafirmou a necessidade da ocupao como uma ferramenta legtima
das trabalhadoras e trabalhadores rurais. A partir da, comeou-se a pensar um
movimento com preocupao orgnica, com objetivos e linha poltica definidos.
Em 1985, em meio ao clima da campanha "Diretas J", o MST realizou seu
primeiro Congresso Nacional, em Curitiba, no Paran, cuja palavra de ordem era:
"Ocupao a nica soluo". Neste mesmo ano, o governo de Jos Sarney aprova o
Plano Nacional de Reforma Agrria (PNRA), que tinha por objetivo dar aplicao
rpida ao Estatuto da Terra e viabilizar a Reforma Agrria at o fim do mandato do
presidente, assentando 1 milho e 400 mil famlias. Mais uma vez, a proposta de
Reforma Agrria ficou apenas no papel. O governo Sarney, modificado com os
interesses do latifndio, ao final de um mandato de 5 anos, assentou menos de 90 mil
famlias sem-terra. Ou seja, apenas 6% das metas estabelecidas no PNRA foram
cumpridas por aquele governo.
Com a articulao para a Assemblia Constituinte, os ruralistas se organizam na
criao da Unio Democrtica Ruralista (UDR) e atuam em trs frentes:
a) o brao armadoincentivando a violncia no campo;
b) a bancada ruralista no parlamento;
c) a mdia como aliada.
Os ruralistas conseguiram impor emendas na Constituio de 1988 ainda mais
conservadoras que o Estatuto da Terra.
Porm, nessa Constituio, os movimentos sociais tiveram uma importante
conquista no que se refere ao direito terra: os artigos 184 e 186. Eles fazem referncia
funo social da terra e determinam que, quando ela for violada, a terra seja
desapropriada para fins de Reforma Agrria. Esse foi tambm um perodo em que o
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
46/110
46
MST reafirmou sua autonomia, definiu seus smbolos, bandeira, hino. Assim, foram se
estruturando os diversos setores dentro do Movimento.
A eleio de Fernando Collor de Melo para a presidncia da Repblica, em
1989, representou um retrocesso na luta pela terra, j que ele era declaradamente contra
a Reforma Agrria e tinha ruralistas como seus aliados de governo. Foram tempos de
represso contra os Sem Terra, despejos violentos, assassinatos e prises arbitrrias. Em
1990, ocorreu o II Congresso do MST, em Braslia, e que continuou debatendo a
organizao interna, as ocupaes e, principalmente, a expanso do Movimento em
nvel nacional. A palavra de ordem era: "Ocupar, resistir, produzir".
Em 1994, Fernando Henrique Cardoso vence as eleies com um projeto de
governo neoliberal, principalmente para o campo. o momento em que se prioriza
novamente a agro-exportao. Ou seja, em vez de incentivar a produo de alimentos, a
poltica agrcola est voltada para atender aos interesses do mercado internacional e para
gerar os dlares necessrios para pagar os juros da dvida externa.
No ano seguinte, o MST realizou seu III Congresso Nacional, em Braslia. Cresce a
conscincia de que a Reforma Agrria uma luta fundamental no campo, mas que se
no for disputada na cidade, nunca ter uma vitria efetiva. Por isso, a palavra de ordem
foi "Reforma Agrria, uma luta de todos".
J em 1997, o Movimento organizou a histrica "Marcha Nacional Por
Emprego, Justia e Reforma Agrria" com destino a Braslia, com data de chegada em
17 de abril, um ano aps o massacre de Eldorado dos Carajs, quando 21 Sem Terra
foram brutamente assassinados pela polcia no Par.
Em agosto de 2000, o MST realiza seu IV Congresso Nacional, em Braslia, cuja
palavra de ordem foi "Por um Brasil sem latifndio" e que orienta as aes do
movimento at hoje.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
47/110
47
O Brasil sofreu oito anos com o modelo econmico neoliberal implantado pelo
governo FHC, que provocou graves danos para quem vive no meio rural, fazendo
crescer a pobreza, a desigualdade, o xodo, a falta de trabalho e de terra. A eleio de
Lula, em 2001, representou a vitria do povo brasileiro e a derrota das elites e de seu
projeto. Mas, mesmo essa vitria eleitoral no foi suficiente para gerar mudanas
significativas na estrutura fundiria e no modelo agrcola. Assim, necessrio
promover, cada vez mais, as lutas sociais para garantir a construo de um modelo de
agricultura que priorize a produo de alimentos e a distribuio de renda.
Em 2007, completando vinte e dois anos de existncia, o MST entende que seu
papel como movimento social continuar organizando os pobres do campo,
conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os para que lutem por mudanas. Nos
23 estados em que o Movimento atua, a luta no s pela Reforma Agrria, mas pela
construo de um projeto popular para o Brasil, baseado na justia social e na dignidade
humana7.
O modo como so organizados os grupos de assentados, sem, necessariamente,
terem constitudo um vnculo social, leva a situaes de conflitos internos e
desorganizao que dificultam o processo de fortalecimento grupal e a construo de
vnculos de solidariedade necessrios agricultura familiar.
Portanto, pode-se dizer que o processo de reforma agrria tem como desafio ser
mais do que a simples distribuio de terra. Para isso, preciso haver assistncia tcnica
e social adequadas, e um amplo processo de educao do campo. Esse movimento por
uma educao do campo, confluiu para uma articulao interinstitucional da qual
participam os movimentos sociais, organizaes governamentais e no-governamentais,
com o apoio da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Organizao
7 Fonte do histrico do MST: Mitsue Morissawa. A histria da luta pela terra e o MST. So Paulo:Editora Expresso Popular, 2001.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
48/110
48
das Naes Unidas para Cincia e Cultura (UNESCO), do Fundo das Naes Unidas
para a Infncia (UNICEF), e da Universidade de Braslia (UNB). Essa articulao
possibilitou que, em 1998, fosse realizada em Braslia a 1 Conferncia Nacional Por
Uma Educao Bsica no Campo, que assumiu a responsabilidade de mobilizar a
sociedade e os rgos governamentais no fomento de polticas pblicas que garantam o
direito educao para a populao do campo.
Nesse contexto, por presso dos movimentos sociais, em 1998 foi criado o
Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria, vinculado aos movimentos
sociais do campo8, e instalado no Instituto de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA).
O PRONERA nasce como um experimento, assim afirma um dos
coordenadores da avaliao do referido programa, [...] um experimento com vistas
construo de uma poltica pblica de Educao do Campo e um instrumento da
estratgia de democratizao do acesso terra e desenvolvimento rural sustentado por
meio da Reforma Agrria (HADDAD, apud ANDRADE; DI PIERRO, 2004, p. 13).
Essa iniciativa vem possibilitando o processo de alfabetizao e escolarizao de
assentados da reforma agrria no Brasil desde 1998, ano em que foi criado.
Este Programa tem como principal objetivo:
Fortalecer a educao nos Projetos de Assentamento da ReformaAgrria, estimulando, propondo, criando, desenvolvendo ecoordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadaspara a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para o
desenvolvimento rural sustentvel (MANUAL, 2001, p. 12)9.
Tem, ainda, como objetivos especficos:
a) alfabetizar e oferecer formao e Educao Fundamental a jovens e
adultos nos Projetos de Assentamentos da Reforma Agrria;
8Como o MST e CONTAG, entre outros.9Objetivo retirado do Manual de Operaes do PRONERA, Braslia, 2001.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
49/110
49
b) desenvolver a escolarizao e formao de monitores para atuar na
promoo da educao nos Projetos de assentamento da Reforma
Agrria;
c) oferecer formao continuada e escolarizao mdia e superior aos
educadores/as de jovens e adultos EJA e do ensino fundamental nos
Projetos de Assentamento da Reforma Agrria;
d) oferecer aos assentados escolarizao e formao tcnico-profissional
com nfase em reas do conhecimento que contribuam para o
Desenvolvimento Rural Sustentvel;
e) produzir e editar os materiais didtico-pedaggicos necessrios
consecuo dos objetivos do programa.
O pblico alvo de tal programa so jovens e adultos moradores de Projetos de
Assentamentos da Reforma Agrria criados pelo INCRA ou por rgos Estaduais de
Terras, desde que haja parceria formal entre o INCRA e esses rgos. Os beneficirios
diretos do PRONERA so os jovens e adultos, moradores de Projetos de assentamento
de Reforma Agrria, analfabetos e/ou com escolarizao incompleta; monitores e
educadores do ensino fundamental que atuam nos Projetos de Assentamento de
Reforma Agrria. Coordenadores locais e alunos universitrios. (MANUAL, 2001,p. 13).
Os princpios tericos - metodolgicos do PRONERA dividem-se em:
a) Carter interativo: as aes so desenvolvidas por meio de parcerias
entre rgos governamentais, Instituies de Ensino Superior,
movimentos sociais e sindicais e as comunidades assentadas, no intuito
de estabelecer uma interao permanente entre esses atores sociais, pela
via da escolarizao continuada;
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
50/110
50
b) Carter multiplicador: a educao dos assentados visa a ampliao no s
do nmero de alfabetizados mas tambm do nmero de monitores e de
agentes educadores/ mobilizadores nos Projetos de Assentamento de
Reforma Agrria;
c) Carter participativo: a indicao das necessidades a serem atendidas
feita pela comunidade beneficiria, que dever estar envolvida em todas
as fases elaborao, execuo e avaliao - dos projetos (MANUAL,
2001, p. 13-14).
Diante desses elementos, evidencia-se a interao entre as partes envolvidas no
desenvolvimento de todo o programa, ou seja, a comunidade implicada no processo a
elaborar as aes e objetivos dos projetos, o que no ruralismo pedaggico no ocorria,
os programas eram pensados e coordenados pelo governo, o qual no atendia, na
maioria das vezes, a real necessidade da populao do campo.
Na avaliao do PRONERA Nacional, constatou-se que desde sua criao, em
1998 at 2002, o PRONERA j alfabetizou quase 110 mil assentados ou acampados em
nvel nacional10.
Entretanto, os assentados/as atravs do programa podem ter acesso ao processo
de alfabetizao, escolarizao ou formao tcnico profissional. Para inserir-se nos
projetos, foram estabelecidos alguns parmetros. O educando deve residir no
assentamento, ser analfabeto ou no ter concludo as sries iniciais (de 1 a 4 srie) e
demonstrar interesse em freqentar as aulas. Os educadores ou monitores so indicados
pelas lideranas dos movimentos sociais e da comunidade e devem ter um nvel elevado
de escolaridade em relao s pessoas do seu grupo, como condio mnima. Esses
critrios nem sempre so rigorosamente seguidos, principalmente quando se trata do
10Fonte: Relatrios de Atividade MDA/INCRA/Coordenao de Projetos Especiais
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
51/110
51
grau de escolaridade dos educadores/as. No entanto, o programa, atravs da
Universidade, prev a escolarizao desses monitores.
Contudo, os projetos realizados pelo programa devem conter trs aes:
a) a alfabetizao e/ou escolarizao de jovens e adultos, entendendo esse
processo como a aquisio das capacidades e habilidades de domnio da
leitura e da escrita; de conhecimentos bsicos de matemtica; da
sociedade; da vida e da natureza;
b) capacitao pedaggica e escolarizao de monitores para o ensino
fundamental na modalidade supletiva, para que venham a atuar como
agentes multiplicadores nos assentamentos;
c) as visitas de acompanhamento pedaggico em que o grupo da
universidade juntamente com os coordenadores locais11visita as turmas
de EJA, auxiliando pedagogicamente o trabalho dos monitores e o
processo de escolarizao dos educandos (MANUAL, 2001,p. 24).
Mas, o programa, bem como o cenrio do campo, enfrenta grandes dificuldades
de diferentes ordens, uma delas a desmotivao dos educandos/as, a questo da infra-
estrutura dos lugares de dar aulas nos assentamentos algo que comprova o total
descaso dos rgos institucionais com os habitantes da zona rural:
Os educandos/as esto submetidos s condies adversas para assistirem suas
aulas. Todas essas dificuldades implicam em todo o processo educativo, ou seja, nada
est isolado, cada dificuldade implica em outra e, desse modo, vai se agravando a
situao, o que traz uma grande preocupao que a evaso dos educandos/as12.
11 Atuam como agentes multiplicadores e organizadores de atividades educativas e comunitriasacompanham o desenvolvimento das turmas e dos educadores (MANUAL, 1998, p. 24).12
Para aprofundar o estudo sobre os elementos que levam os educandos a evadirem desse processo, ler:RODRIGUES, Lyvia Mauricio.Desafios e Possibilidades na Educao de Jovens e Adultos no contextodo Pronera. Dissertao (Mestrado em Educao) UFSC. Florianpolis, 2006.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
52/110
52
Diversos elementos, como o estigma criado sobre os habitantes da zona rural,
bem como a mobilizao poltica em que muitas vezes os militantes precisam ausentar-
se das aulas em virtude de mobilizaes, manifestaes pblicas e motivao da base, as
interrupes freqentes do financiamento, tudo isso contribui para o processo de evaso,
o qual est sempre em pauta para a discusso nos mais diversos mbitos da parceria
entre universidade, movimentos sociais e INCRA.
A evaso dos cursos de educao de jovens e adultos nos cinco primeiros anos
do programa, em nvel nacional, oscila, entre 7,6% a 70%, chegando, algumas vezes, ao
fechamento de turmas13. Tambm se tem o dado de que no Brasil 10% de pessoas de 7 a
14 anos no freqentavam a escola em 200014. No caso dos jovens e adultos, o
problema do analfabetismo na zona rural se agrava ainda mais, trs em cada dez adultos
so analfabetos absolutos. Entre jovens e adultos de 15 a 24 anos, havia um milho de
analfabetos15. Esse o cenrio do descaso e do desconhecimento da problemtica das
polticas educacionais das populaes do campo.
Diante disso, o PRONERA, aos poucos vem ocupando lugar central nos debates
de polticas pblicas e de insero na formulao dos debates por uma educao de
qualidade.
[O Pronera], alavancado pelos movimentos sociais do campo, com opropsito de inserir na agenda pblica a discusso sobre uma polticade direito constitucional dos povos do campo a uma educao dequalidade (ANDRADE; DI PIERRO, 2004, p. 37).
Os pontos mencionados at o momento servem de reflexo do papel desse
programa e o que se tem feito para organizar todas essas aes num comprometimento
13Dado retirado da avaliao do PRONERA, realizado pela ONG Ao Educativa (2004, p. 31).14
Fonte: Censo Demogrfico 2000, IBGE, citado pelo Unicef no Relatrio da situao da infncia eadolescncia brasileira.15Dado retirado da avaliao da Ao Educativa (2004, p. 19).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
53/110
53
maior do governo, dos estados e municpios, os quais devem assumir mais formalmente
as polticas educacionais do campo.
Acredita-se que so essas prticas e reflexes produzidas pelos sujeitos
organizados nos movimentos sociais que contriburam para que realmente entrasse na
agenda poltica da sociedade brasileira a importncia da construo de polticas pblicas
especficas para a Educao do campo16 na perspectiva de criar condies reais de
desenvolver este territrio, de desenvolver o espao do campo a partir do
desenvolvimento das potencialidades de seus sujeitos (MOLINA apud ANDRADE; DI
PIERRO, 2004, p. 76).
Por isso, a importncia da formulao de um novo paradigma que a
Educao do Campo, e que contribuir, tambm, na formulao das polticas pblicas
do campo, na luta pelos direitos dos povos do campo. Toda essa discusso de
Educao do Campo se d no grupo denominado Articulao nacional por Uma
Educao do Campo, organizado junto SECAD, e que tiveram um ganho que foi a
aprovao das Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica das Escolas do Campo.
Todas essas discusses transcendem a educao escolar, mas segue a
reivindicao de um conjunto de elementos os quais criam condies para uma vida
digna no campo.
O envolvimento das parcerias com o programa traz, na sua avaliao, outras
consideraes como:
Ainda temos que avanar nas polticas pblicas nessa nova concepode Estado, pois, mesmo que o PRONERA tenha progredido, ainda hmuito outros elementos que so impeditivos ou dificultadores dessalgica. Um exemplo disso pode ser observado na concepo deparceria apresentada pelos sujeitos educadores/as, educandos/as,professores universitrios , quando apontam como grandes parceiros
16Quando nos remetemos a Educao do Campo, concebe o campo como espao de vida e resistncia, emque camponeses lutam por acesso e permanncia na terra, que respeite suas diferenas quanto relao
com a natureza, sua cultura, seu trabalho, suas relaes. A Educao Rural, como vimos em captulosanteriores, vem embasada historicamente associada a uma educao precria, atrasada, com poucaqualidade e poucos recursos (Molina, 2003, p. 76).
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
54/110
54
apenas as instituies pblicas de educao, tendo dificuldades deavanar em termos de novas relaes no-governamentais com oEstado. [...] Podemos dizer que h flexibilizao na participao dasparcerias e que a gesto compartilhada depende de cada parceiro, aforma de envolvimento e a forma da participao de cada sujeito(JESUS, apud ANDRADE; DI PIERRO, 2004, p. 97-98).
Na anlise dos organizadores, o PRONERA um programa que tem muitos
limites no seu desenvolvimento, mas ao mesmo tempo, vem abrindo caminhos para a
discusso de polticas pblicas educacionais no meio rural.
No h aqui a inteno de explorar ou esgotar todas as anlises que configuram
este debate e as controvrsias do programa em questo. Apresentam-se, apenas alguns
elementos com o vis dos autores e colaboradores do projeto que permitem
problematizar e implicar os sujeitos envolvidos no processo, e as polticas sociais. No
Captulo 4, aprofundam-se as especificidades do PRONERA na UFSC, quanto ao modo
que vem se desenvolvendo frente s instituies e organizaes locais.
3.2. A organizao do PRONERA em Santa Catarina, na UFSC
Nesse captulo, pretende-se refletir sobre a trajetria do Programa Nacional de
Educao na Reforma Agrria PRONERA, ou seja, historicizar e analisar o
desenvolvimento de tal programa no Estado de Santa Catarina, no projeto desenvolvidocom a UFSC.
O projeto Alfabetizao e Liberdade: interao entre sujeitos educadores/as,
foi gestado para ser desenvolvido em trs frentes que trabalham em parceria, quais
sejam: Universidade Federal de Santa Catarina, Ministrio do Desenvolvimento
Agrrio MDA e Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
-
7/21/2019 Educao de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina
55/110
55
A participao do MDA se d via Instituto Nacional de Colonizao e Reforma
Agrria INCRA que subsidia o PRONERA. Nas instncias regionais do INCRA, o
vnculo operacional com a universidade ocorre atravs do papel da asseguradora do
PRONERA. A atribuio dos parceiros da Superintendncia Regional do INCRA
acompanhar o desenvolvimento do projeto, bem como o cumprimento do convnio. No
entanto, constatou-se que a participao da asseguradora, nos momentos de construo,
anlise e avaliao dos projetos, traz a necessidade de fortalecimento e de continuidade
deste vnculo.
A participao da UFSC requer uma articulao entre diversos setores, quais
sejam: Reitoria, Pr-reitoria de Cultura e Extenso, Pr-reitoria de assuntos da
Comunidade, Fundao de Amparo Pesquisa e Extenso Unive