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Educação Integral DiretrizesTRANSCRIPT
PORTARIA Nº 01 DE 27 DE NOVEMBRO DE 2009.
O SECRETÁRIO DE ESTADO EXTRAORDINÁRIO PARA A EDUCAÇÃO INTEGRAL DO DISTRITO
FEDERAL, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei e em especial pelo artigo 105,
Parágrafo Único, incisos III e V da Lei Orgânica do Distrito Federal e,
CONSIDERANDO que os termos do art. 227 da Constituição Federal preconizam que a família, a
comunidade, a sociedade e o Poder Público devem assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, ao
esporte, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência
familiar e comunitária;
CONSIDERANDO que o artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394
de 20 de Dezembro de 1996, determina a progressiva ampliação do período de permanência
na escola;
CONSIDERANDO que o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de Julho de
1990, garante às crianças e aos adolescentes a proteção integral e todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhes oportunidades a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e dignidade;
CONSIDERANDO que a situação de vulnerabilidade e risco a que estão submetidas parcelas
consideráveis de crianças, adolescentes e jovens e suas famílias, relacionadas à pobreza,
discriminação étnico- racial, baixa escolaridade, fragilização de vínculos, trabalho infantil,
exploração sexual e outras formas de violação de direitos;
CONSIDERANDO que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência comunitária, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, de acordo
com o art. 1° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional;
CONSIDERANDO a necessidade de ampliação da vivência escolar de crianças, adolescentes e
jovens, de modo a promover, além do aumento da jornada, a oferta de novas atividades
formativas e de espaços favoráveis ao seu desenvolvimento conforme preconizam o
Compromisso Todos pela Educação, o Plano Nacional de Educação (PNE) e o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE); e
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CONSIDERANDO que o principal objetivo desta secretaria é a implantação de uma concepção
de Educação Integral que compreenda a ampliação de tempos, espaços e oportunidades
educacionais, por meio da realização de atividades que possam favorecer a aprendizagem,
bem como desenvolver as competências inerentes ao desenvolvimento da cidadania;
RESOLVE,
Art. 1º Estabelecer as diretrizes constantes do Anexo que serão norteadoras para a
implementação de política de educação integral no Distrito Federal.
Art. 2º Normas Complementares serão editadas para a adequada implementação das
diretrizes ora estabelecidas.
Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Marcelo Aguiar
Secretário de Estado Extraordinário para a Educação Integral
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ANEXO
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL
SECRETARIA EXTRAORDINÁRIA PARA A EDUCAÇÃO INTEGRAL
EDUCAÇÃO INTEGRAL:
AMPLIANDO TEMPOS, ESPAÇOS E OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS
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Governador do Distrito Federal José Roberto Arruda
Secretário Extraordinário para a Educação Integral
Marcelo Aguiar
Secretária Adjunta para a Educação Integral
Hélvia M. Paranaguá Fraga
Coordenação
Ivanna Sant’Ana Torres
Jacy Braga Rodrigues
Organização
Andréa Vasconcelos Cavalcante
Ivanna Sant’Ana Torres
Revisão
Ivanna Sant’Ana Torres
Equipe Técnica
Andréa Vasconcelos Cavalcante
Dulce Tannuri
Irene Mattos
Jane Farias Chagas
Marília G. M. S. de Magalhães
Milena Rodrigues Fernandes do Rêgo
Colaboração Diretorias Regionais de Ensino Professores e coordenadores de Educação Integral Munique Dayenne Borges Camilo
Simão Francisco de Miranda
Viviane Maranimi Daemon
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Sumário
1. Educação Integral: uma construção coletiva ............................................................................ 6
2. Anísio Teixeira e a Educação Integral ........................................................................................ 9
3. Educação Integral: Porque ampliar tempos, espaços e oportunidades educacionais? .......... 18
3.1. Tempo .................................................................................................................................. 21
3.2. Espaço .................................................................................................................................. 23
3.3. Oportunidades ..................................................................................................................... 25
3.4. Os Atores da Educação Integral ........................................................................................... 28
4. Objetivos da Educação Integral no Distrito Federal ................................................................ 31
5. Princípios da Educação Integral no DF: ................................................................................... 32
5.1. Integralidade ........................................................................................................................ 32
5.2. Intersetorialidade ................................................................................................................. 33
5.3. Transversalidade .................................................................................................................. 33
5.4. Diálogo Escola e Comunidade .............................................................................................. 34
5.5. Territorialização ................................................................................................................... 34
5.6. Trabalho em Rede ................................................................................................................ 35
5.7. Cultura da Paz: ..................................................................................................................... 35
6. Currículo Integral e Integrado ................................................................................................. 37
6.1. Organização Curricular ......................................................................................................... 38
6.2. Campos de Conhecimento e Atividades Diversificadas ....................................................... 39
7. Referências Bibliográficas ....................................................................................................... 43
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1. Educação Integral: uma construção coletiva
O Governo do Distrito Federal elegeu a Educação como prioridade para o período de
2007/2010. A principal meta é o desenvolvimento de uma educação de qualidade, onde a
educação básica deve ter como meta formar o cidadão autônomo e propiciar ao educando a
construção de conhecimentos, atitudes e valores que o tornem solidário, crítico, criativo,
participativo e ético.
Para concretizar esse desenvolvimento e responder adequadamente às preocupações
e aos desafios da área educacional, o Governo do Distrito Federal definiu políticas públicas
consistentes para atender ao artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB
Nº 9.394/96, que estabelece: "a Educação Básica tem por finalidade desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe
meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores".
Nesse sentido, organizou, por meio da Secretaria de Estado de Educação, suas ações
institucionais pautadas em políticas públicas que permitem consolidar a educação de boa
qualidade nesta Unidade da Federação, observando os seguintes objetivos:
Promover a ampliação e a equidade na oferta das etapas e das modalidades da
Educação Básica na rede pública de ensino, com vistas ao atendimento da demanda, à
regularização do fluxo escolar e à ampliação da escolaridade da população do Distrito
Federal;
Promover a melhoria da qualidade do ensino para a Educação Integral do educando,
seu pleno desenvolvimento como pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, com a participação da família e a colaboração da
sociedade;
Implantar a Gestão Compartilhada nas instituições educacionais públicas do Distrito
Federal, com o objetivo de assegurar a execução das políticas públicas educacionais,
com transparência dos mecanismos administrativos, financeiros e pedagógicos;
Valorizar e reestruturar as carreiras do magistério público e de assistência à educação;
Implementar e aperfeiçoar os mecanismos de gestão da Secretaria de Estado de
Educação, quanto aos aspectos didático-pedagógicos, administrativos, de tratamento
da informação, de infra-estrutura de informática e comunicação para a base de dados
da avaliação.
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Os resultados dessas ações podem ser observados, por exemplo, na Prova Brasil, na
qual o Distrito Federal superou as metas do IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica - estabelecidas para 2009 nas séries do Ensino Fundamental.
No entanto, além dos objetivos e da meta estabelecida para o Distrito Federal em
2009 pelo IDEB, já especificados, esta Unidade da Federação tem como metas a serem
alcançadas até 2014, entre outras, as seguintes:
A redução da evasão escolar;
A melhoria do índice de frequência escolar;
A diminuição em 28% da defasagem idade-série no Ensino Fundamental;
A diminuição em 46% da defasagem idade-série no Ensino Médio;
A diminuição em 33% do índice de repetência;
O alcance do índice de 6,5% de desenvolvimento da Educação Básica.
Assim, no intuito de contribuir com a concretização dos objetivos almejados e das
metas estabelecidas até 2014, o Governo do Distrito Federal considerou necessária a
constituição da Secretaria de Estado Extraordinária de Educação Integral para colaborar com a
Secretaria de Estado de Educação.
A referida Secretaria Extraordinária de Educação Integral, nesse sentido, tem como
principal objetivo a implantação de uma concepção de Educação Integral, que compreenda a
ampliação de tempos, espaços e oportunidades educacionais, por meio da realização de
atividades que possam favorecer a aprendizagem, bem como desenvolver as competências
inerentes ao desenvolvimento da cidadania.
Diante dessas perspectivas, a Secretaria de Estado Extraordinária para a Educação
Integral em articulação com a Secretaria de Estado de Educação, iniciou em 2008 a
implantação da Educação Integral na rede pública de ensino, conforme preconizam as
Diretrizes Pedagógicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, aprovadas
pelo Parecer nº 325/2008 do Conselho de Educação do Distrito Federal - CEDF: “Educação
Integral: Amparada legalmente no art. 205 da Constituição Federal, combinado com o art. 2º
da LDB, e regulamentada pelo Decreto nº 28.504, de 04 de dezembro de 2007, do GDF,
constitui uma das principais metas do Plano de Desenvolvimento da Educação e objetiva
promover a melhoria qualitativa e quantitativa da oferta educacional escolarizada, visando ao
acesso, à permanência e ao êxito dos alunos na instituição educacional pública”.
Outro amparo legal é a ementa constitucional nº 53/2006, que institui o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica, prevê uma diferenciação de repasse de
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recursos para escolas ou sistemas que trabalhem com a ampliação da jornada escolar. Para sua
regulamentação foi estabelecido o Decreto Presidencial nº 6253/2007, que define o que é
ampliação de jornada para fins de implantação da legislação em questão.
Para concretização dessa política, a Secretaria Extraordinária de Educação Integral
mobilizou a rede de ensino, no sentido de obter apoio inicial das instituições educacionais de
Ensino Fundamental nas Diretorias Regionais de Ensino, por adesão da equipe gestora, sem
perder de vista a missão da Secretaria de Estado de Educação que é: “atuar de forma eficiente
e eficaz, oferecendo educação de qualidade à toda a população do Distrito Federal, articulando
ações que se consubstanciam na formação de um cidadão ético, crítico, com valores
humanísticos e na construção de saberes voltados para o conhecimento técnico-científico,
ecológico, cultural e artístico”.
É importante destacar algumas medidas tomadas pelo Governo do Distrito Federal,
para oferecer melhores condições aos profissionais de educação e aos alunos beneficiados
pela Educação Integral, entre as quais destacam-se:
Garantia de coordenador pedagógico, conforme Portaria 74/2009, para a Educação Integral às
escolas que aderirem ao Projeto;
Formação para coordenadores;
Ampliação do número de alunos(as) bolsistas;
Formação para os estudantes universitários, isto é, bolsistas que atuarão nas escolas;
Formação para cozinheiros, que atuarão nas escolas;
Garantia de alimentação escolar para todos os alunos;
Ampliação da parceria com o MEC, no programa Mais Educação;
Cobertura das quadras esportivas;
Garantia de recursos para as obras solicitadas em 2008; e
Criação dos Centros de Referência da Educação Integral, inspirados nas Escolas-
Parque.
Outra medida adotada pelo Governo do Distrito Federal foi a formalização de convênio
de cooperação técnica internacional entre a Secretaria de Estado de Educação e a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO - que objetiva contribuir
para a elevação dos índices de freqüência, de aprendizado e da promoção da cultura da paz
nas escolas públicas, além de desenvolver e sistematizar aspectos teóricos, metodológicos e
operacionais alusivos à Educação Integral no Distrito Federal, oferecendo formação
9
permanente aos agentes educacionais, em especial, aos coordenadores, gestores, professores
e monitores envolvidos.
Considera-se que o engajamento da comunidade escolar nesse processo de
implantação da Educação Integral seja o desafio, a afirmação do compromisso com a
construção de uma escola pública de qualidade e o repensar do projeto pedagógico das
escolas.
É importante lembrar que a formação integral do educando não se constitui como uma
novidade. No Plano de Construções Escolares de Brasília (1961), Anísio Teixeira, grande
idealizador das escolas-classe e das escolas-parque, reitera a preocupação de adequar a escola
brasileira às demandas da civilização, o que veremos a seguir.
2. Anísio Teixeira e a Educação Integral
Inicialmente, é necessário salientar a influência sofrida por esse notável educador, da
pedagogia de John Dewey, durante o tempo em que foi seu aluno na Universidade de
Columbia, em meados dos anos vinte do século passado. Profundamente entusiasmado e
motivado pelo pensamento de John Dewey, indiscutivelmente um dos grandes filósofos da
educação do século XX, Anísio Teixeira em sua volta ao Brasil não se cansará de divulgar e
refletir sobre as idéias pedagógicas do autor de Democracia e Educação.
Esse dado é importante em relação ao legado de experiências deixado por Anísio, que
começa no Rio de Janeiro nos anos trinta, continua na Bahia, sobretudo no Centro Educacional
Carneiro Ribeiro, que Anísio inaugurou em 1950 como Secretário de Estado da Educação, e
tem continuidade nas escolas-classe e escolas-parque de Brasília, no final dos anos cinqüenta e
início dos anos sessenta, quando ele concebeu, a pedido de Juscelino Kubitschek, o Plano
Educacional de Brasília.
Em todos esses lugares, as atividades pedagógicas foram pensadas e experimentadas
em função de um conjunto de princípios educacionais defendidos por Dewey e Anísio, sendo
que muitos desses princípios permanecem atuais e podem se constituir em fontes inspiradoras
para a pedagogia da educação integral que o Governo de Distrito Federal procura implementar
em sua política de educação.
Suas tentativas de se valer das idéias de Dewey para modernizar a educação brasileira
e libertá-la das amarras de uma herança jesuítica secular e conservadora, insere-se no amplo
movimento de renovação da educação que começa nos anos vinte do século que passou. Esse
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movimento, por vezes chamado de movimento dos pioneiros, teve nos pressupostos
pedagógicos da Escola Nova os seus principais pilares de sustentação. Entre os grandes
teóricos da Escola Nova, certamente Dewey foi um dos principais, ao lado de Ferrière,
Kerchensteiner, Pestalozzi, Maria Montessori e tantos outros que também influenciaram a
educação brasileira. Todavia, é sempre oportuno lembrar que Anísio não tentou uma
transplantação pura e simples. Como um dos grandes pensadores da educação brasileira, ele
sempre fazia a necessária “redução sociológica”1 dos conhecimentos gerados em outros
ambientes e contextos. Dewey representava nesse tempo, talvez, o maior paladino das novas
idéias em educação.
Segundo Anísio (1965), um dos grandes méritos da teoria de educação de Dewey foi o
de restaurar o equilíbrio entre a educação tácita e não formal recebida diretamente da vida, e
a educação direta e expressa das escolas, integrando a aprendizagem obtida através de um
exercício específico da escola com a aprendizagem diretamente absorvida nas experiências
sociais. Nesse sentido, a aliança entre a experiência de vida de crianças e adolescentes e a
aprendizagem formal das escolas pode vir a ser uma atividade pedagógica motivadora na
medida em que o currículo deixa de ser algo estranho para o aluno e passa a utilizar como
matéria prima a própria vida.
No processo educativo, o indivíduo e o meio social são dois fatores harmônicos e
ajustados. O meio social ou o meio escolar, se bem compreendidos, devem fornecer as
condições pelas quais o indivíduo liberte e realize a sua própria personalidade (Idem). Realizar
sua própria personalidade, isto é, tornar-se sujeito responsável da vida em sociedade, constitui
um dos grandes objetivos da educação. Assim, não se trata apenas de lutar para a melhoria da
educação, mas fazer desse processo, uma estratégia para a melhoria da vida das pessoas. Um
IDEB2 alto deve significar também uma elevação das crianças e jovens como seres humanos.
No fundo, é o aprender a ser de que falava o primeiro grande relatório da Unesco coordenado
por Edgar Faure nos anos setenta do século que se findou e retomado posteriormente pelo
Relatório Delors (2003).
A implicação pedagógica é ressaltada por Anísio (Idem), quando diz que a escola não
pode ser uma instituição isolada, onde se prepara para a vida, mas a própria vida como
reconstrução permanente da experiência, ou seja, o lugar onde numa situação real de vida,
indivíduo e sociedade constituem uma unidade orgânica. Adicione-se que o processo
educativo deve ser um processo de crescimento indefinido, pois a capacidade humana de
aprender, ou seja, o poder de reter da experiência alguma coisa com que se poderá
transformar a experiência futura, é de sua natureza indefinida.
1 Título de um livro de Guerreiro Ramos.
2 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
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Já nos anos trinta, quando Anísio tenta, pela primeira vez, colocar essas idéias em
prática, com a inauguração de uma política de educação integral no antigo Distrito Federal nas
Escolas México, Estados Unidos e Argentina, afirmava que para a escola ter uma função
integral deveria organizar-se de sorte que a criança encontrasse ali um ambiente social em que
vivesse plenamente. A escola não deveria instaurar-se como uma simples classe de exercícios
intelectuais especializados.
Nas escolas do antigo Distrito Federal escolhidas para sediar a experiência, foi
implantado o chamado sistema Platoon, concebido nos Estados Unidos segundo informa
Miriam Chaves (2002) nos primeiros anos do século XX e que tinha por objetivo estruturar o
ensino sob o ponto de vista do trabalho, do estudo e da recreação, uma vez que se acreditava
que a educação deveria abarcar todos os aspectos da natureza infantil. Começava a nascer
assim uma concepção diferente do espaço escolar, que entendia a aula como alguma coisa que
envolvia o aluno diretamente nas atividades escolares, que deveriam ser ministradas de forma
viva e variada.
Nunca será demais lembrar que também Dewey havia tentado na Universidade de
Chicago, por volta de 1900, estruturar uma escola segundo os princípios que defendia. Foi a
chamada Escola Dewey que, apesar dos poucos anos de existência, procurou fazer uma
revolução na pedagogia de modo a proporcionar aos alunos um ensino pari passu com as
experiências de vida, tornando indissociável método e matéria.
Aliás, um dos fundamentos que permanece atual no legado de Anísio, refere-se ao
como aprendemos. Para o autor, método e matéria não são coisas distintas e independentes.
Método é o modo pelo qual a experiência se processa e, assim, não se distingue da
experiência, como também o seu objeto, isto é, a matéria. Sendo assim, diz Anísio (1965),
método não é nenhum conjunto de fórmulas ou regras pedagógicas, mas o modo que
devemos seguir na orientação das crianças para o seu máximo crescimento e aprendizagem.
Se o nosso interesse é pela vida, sublinha o autor, aprender significa adquirir um novo modo
de agir. Por isso, só se aprende o que se pratica, seja uma idéia, seja uma atitude ou mesmo
um controle emocional. Mas não basta praticar. Aprende-se através da reconstrução da
experiência. Aprende-se também por associação e nunca se aprende uma coisa só. Toda
aprendizagem deve ser integrada à vida, ou seja, adquirida em uma experiência real de vida.
Anísio sintetiza esses fundamentos num postulado-síntese de impressionante
atualidade: “A vida é, pois tanto melhor quanto mais alargarmos nossa atividade, pondo em
exercício todas as nossas capacidades. Esse ideal é não somente individual, como social: o
máximo desenvolvimento de cada um dirigido de modo que se assegure o máximo
desenvolvimento de todos”. (Idem)
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Para a concretização desse ideal educativo, outro princípio deveria converter-se em
diretriz, isto é, a criança no centro da escola. A criança é a origem e o centro de toda a
atividade escolar, sublinhava Anísio. E insistia: não é somente o desejo de dar liberdade à
criança que dirige os educadores, é, sobretudo a impossibilidade de a negar, se querem
construir obra de educação respeitável e sincera. O ensino deve levar em conta a intenção de
aprender da criança e não apenas a intenção de ensinar do professor. E aprender é uma
função normal da criança.
O currículo deve constituir-se numa série de experiências e atividades, de modo que a
criança ou o jovem se empenhem na escola para progredir mais rapidamente, de acordo com a
sabedoria da experiência humana em sua capacidade de viver. Ao partir da criança e de suas
necessidades, chega-se à conclusão de que o programa escolar deve se organizar em uma série
de experiências reais e socializadas e não como uma simples distribuição de matérias (Anísio,
1968).
As Escolas-Parque em Brasília
No marco dessas novas idéias, Anísio, então Diretor do INEP em 1957, concebe o Plano
Educacional de Brasília.3 Tratava-se de um plano ousado e inovador que traria da Bahia a
experiência de escola-parque, do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Não somente,
reformaria os currículos vigentes, excluindo temas inadequados e introduzindo ferramentas de
ensino mais modernas como a televisão, o rádio e o cinema. O programa educacional
compreenderia verdadeiros centros para o ensino elementar, composto pelos jardins de
infância, escolas classe e escolas-parque4, além dos centros para o ensino secundário,
composto pela Escola Secundária Compreensiva e pelo Parque de Educação Média. Após a
3 Enquanto Israel Pinheiro, presidente da NOVACAP – Companhia Urbanizadora da Nova Capital
construía os diferentes setores planejados para a nova capital, Juscelino Kubitschek colocava nas mãos
de homens competentes o seu planejamento urbano como o transporte, as comunicações, a saúde, a
educação e todas as áreas primordiais para o completo funcionamento de uma cidade. A idéia era
transformar Brasília em realidade e exemplo a ser seguido com a inauguração em 1960.
4 As informações sobre as escolas-parque tiveram como fonte principal a pesquisa "Educação Básica
Pública no Distrito Federal: Origens de um Projeto Inovador - 1956/1964", financiada pela FAP-DF, e que
vem sendo desenvolvida há sete anos, na Faculdade de Educação da UnB, atualmente sob a
coordenação da Profª Eva Waisros Pereira. Além de pesquisadores da UnB, a pesquisa conta com a
participação de pesquisadores de outras instituições universitárias brasileiras e de professores do
sistema público de ensino do DF. Recomenda-se a leitura dos trabalhos da referida pesquisa para um
maior aprofundamento sobre as escolas-parque e o próprio Plano Educacional de Brasília. As aulas
começaram em 16 de maio de 1960
13
conclusão do ensino secundário, o aluno estaria preparado para ingressar na Universidade de
Brasília.
Os principais objetivos que nortearam o pensamento de Anísio para Brasília foram: a)
fazer escolas nas proximidades das áreas residenciais, para que as crianças não precisassem
andar muito para alcançá-las e para que os pais não ficassem preocupados com o trânsito de
veículos (pois não teria trafego de veículos entre o caminho da residência e da escola),
obedecendo a uma distribuição equitativa e eqüidistante; b) promover a convivência das mais
variadas classes sociais numa mesma escola, seja o filho de um ministro ou de um operário
que trabalhava na construção de uma superquadra, tendo como objetivo a formação de
cidadãos preparados para um mundo sem diferenças sociais; c) oferecer escolas para todas as
crianças e adolescentes; d) introduzir a educação integral, com vistas à formação completa da
criança e do adolescente; e) promover a sociabilidade de jovens da mesma idade, porém
provindos das diferentes classes sociais, por meio da junção num Centro de todos os cursos de
grau médio como atividades na biblioteca, na piscina, nas quadras de esporte, grêmios,
refeitório. (Kubistschek, 2000, p.141)
Ao delinear uma proposta de educação moderna, Anísio rompeu diversas barreiras e
apesar de inúmeras críticas, muitas vezes, infundadas, pensou numa educação integral, onde
as crianças e adolescentes pudessem ter ambientes que proporcionassem a interação entre a
sociedade e a escola. Não somente, os alunos teriam as ferramentas necessárias e também as
oportunidades de vida para ser um cidadão do futuro e do mundo industrializado. Cabia a
escola a preparação ampla deste novo cidadão da sociedade moderna, que iria além das
quatro horas diárias de estudo, em direção a educação integral, que não se resumia em dois
turnos na escola, mas em oito horas de formação do indivíduo com atividades de estudo,
trabalho e também esporte e recreação, incluindo-se intervalo para o almoço.
Lúcio Costa adequou o Plano Educacional de Anísio Teixeira aos moldes do
planejamento urbanístico proposto para a capital. Assim, para cada superquadra de 2.500 a
3.000 habitantes, haveria: a) um jardim de infância composto de quatro salas com capacidade
para vinte alunos, para atender 160 crianças em dois turnos; b) uma escola-classe com oito
‘salas para trinta alunos cada, para atender 480 crianças em dois turnos. Para cada grupo de
quatro superquadras, de 10 mil a 12 mil habitantes, haveria: uma escola-parque para atender
dois mil alunos em dois turnos em atividades de preparação para o trabalho (nas oficinas de
artes industriais: tecelagem, tapeçaria, encadernação, cerâmica, cartonagem, costura, bordado
e trabalhos em couro, madeira, metal, entre outras) para crianças de 10 a 14 anos ou em
atividades artísticas, sociais e de recreação (dança, música, teatro, pintura, exposições e
outros) para as faixas etárias de 7 a 14 anos. Notem a preocupação com o número de alunos
em sala de aula – no máximo trinta alunos, quando ainda hoje este assunto é pauta de
discussão dos educadores, que precisam lidar com um número bem maior de crianças em sala
de aula. A escola-classe e a escola-parque trabalhavam em conjunto, de forma que a segunda
complementasse a primeira.
14
Com um plano diferente como este, assim como Brasília, inovadora em sua essência,
não se poderia esperar somente elogios. Anísio Teixeira enfrentou resistência até mesmo de
alguns engenheiros da NOVACAP, que acreditavam ser a construção das escolas uma
responsabilidade do governo federal. Foi assim que Clóvis Salgado, então Ministro da
Educação, incluiu no orçamento do Ministério as verbas necessárias a construção das
primeiras escolas de Brasília, por meio da criação em 1959 da Comissão de Administração do
Sistema Educacional de Brasília (CASEB), tendo sido Anísio Teixeira membro da Comissão
Deliberativa.
É importante notar que a escola-parque baiana idealizada por Anísio foi construída na
periferia de Salvador, no bairro da Liberdade, e, portanto, abrigava uma população pobre,
desprovida de recursos e incentivos necessários ao ingresso numa faculdade. Isto explica a
importância das pequenas oficinas de artes industriais, onde o aluno poderia aprender uma
profissão. A experiência de Brasília de escola-parque era integrada, na maioria, por alunos de
alto poder aquisitivo, como filhos de políticos, jornalistas, funcionários do Banco do Brasil,
professores universitários e outros.
Embora a concepção das superquadras era mesmo a de possuir em seus blocos as mais
diversas classes sociais em convivência harmoniosa e democrática, com o tempo, os menos
favorecidos, os trabalhadores da construção civil, optaram pelas cidades-satélites, onde o
custo de vida era inferior. O público da escola-parque candanga, pelo próprio nível cultural,
não precisava aprender uma profissão nos moldes de Salvador. Estas crianças seriam os
futuros advogados, engenheiros, administradores, médicos, políticos do Brasil e se
interessariam pelas oficinas industriais apenas como hobby e não por necessidade.
Foi assim que Anísio repensou a finalidade das oficinas industriais para Brasília,
focando mais as atividades artísticas, sociais e de recreação. Entretanto, segundo a professora
pioneira Branca Rabello (2007), que participou da instalação e organização da escola-parque,
em Seminário intitulado “Educação no Distrito Federal: Memória dos professores, dos
estudantes e dos gestores pioneiros”:
Com a quantidade de crianças que vinham do Brasil
inteiro, havia uma troca de experiências. Cada qual com suas
músicas, seus costumes, seu folclore. Tudo isso era trocado lá
dentro da escola-parque entre eles, porque as crianças, além de
terem os horários obrigatórios .dispunham de outras duas horas,
durante as quais podiam freqüentar as atividades que mais
gostassem. (Rabello, 2007)
15
O que Anísio idealizou para a educação primária de Brasília, ao propor a escola-classe e
a escola-parque, foi um Centro de Educação Elementar, que o estudioso comparava a uma
universidade infantil, com objetivos distintos e que se voltavam às necessidades não somente
de educação, mas também de vida e convivência social. (1961)
A primeira escola parque5 foi inaugurada juntamente com Brasília, em 21 de abril de
1960.6 Esta escola, localizada à 307/308 Sul compunha a Unidade de Vizinhança, conforme
planejada por Lúcio Costa e a única finalizada até hoje - formada pelas escolas-classe das
quadras 107, 108, 307 e 308 Sul, o comércio local, a igreja, o clube, correios, cinema, posto de
saúde, delegacia e todas as facilidades para o dia-a-dia da comunidade local. O CASEB
encarregou-se do concurso público em nível nacional para professores dispostos a compor a
equipe e residir na nova capital. Apesar de jovens, os docentes aprovados possuíam
especialização na área que lecionavam (pelo INEP ou pelo SENAI ou pela Escola de Artes do
Brasil) e muitos ainda estagiaram na escola-parque de Salvador. Assim como o aluno, os
professores também careciam de uma formação moderna e continuada, especializada e não
generalista.
Sua estrutura administrativa era formada por diretor, vice-diretor, assistentes,
secretária e coordenadores para cada área: educação física, artes industriais, plásticas e
cênicas, música, literatura. Importante é ressaltar que os coordenadores eram escolhidos pelo
diretor com a participação dos pares. O corpo diretivo da escola-parque e o das quatro
escolas-classe se reunia com freqüência, no intuito de planejar as atividades de forma
integrada e transversal. O próprio Anísio, no primeiro ano de funcionamento, orientou à
direção e coordenadores da escola-parque quanto ao melhor caminho a ser seguido.
Diferentemente da organização tradicional da escola-classe, na escola-parque o aluno
era separado por idade, vocação e preferências. Uma aula de dança tinha alunas da mesma
faixa-etária, porém de diferentes escolas. Notem que o sistema integrava aluno, escolas classe
e escolas-parque e ainda o professor. O professor tinha participação ativa na discussão
curricular e juntamente com os coordenadores planejavam as atividades e trocavam
experiências educativas e enriquecedoras.
5 As informações sobre as Escolas-Parque tiveram como fonte principal a pesquisa "Educação
Básica Pública no Distrito Federal: Origens de um Projeto Inovador - 1956/1964", financiada
pela FAP-DF, e que vem sendo desenvolvida há sete anos, na Faculdade de Educação, UnB,
atualmente sob a coordenação da Profª Eva Waisros Pereira. Além de pesquisadores da UnB,
a pesquisa conta com a participação de pesquisadores de outras instituições universitárias
brasileiras e de professores do sistema público de ensino do DF.
6 As aulas começaram em 16 de maio de 1960.
16
A experiência da escola-parque em Brasília foi sem dúvida o pensamento de Anísio
colocado em teste e certamente aprovado por aquele seleto grupo de alunos que teve a sorte
de receber formação integral. Todavia, com o aumento no número das matrículas, a mudança
de governo na esfera federal - a saída de Kubstischek, somado a constante falta de verbas,
desvirtuaram os ideais do plano traçado por Anísio. As cinco escolas-parque construídas
recebem, hoje, alunos provindos de toda a rede de ensino público e ainda assim, para
atividades extra-curriculares.
Observa-se que muitos princípios anisianos continuam atuais e se colocados em
prática, devidamente contextualizados no tempo presente, poderão trazer ventos de
mudança, rumo ao desenvolvimento de uma educação de qualidade e integral, necessária a
nossa época. Entretanto, antes de avançar o presente trabalho e de apresentar um novo
paradigma para a educação integral, vale mencionar mais uma experiência.
Na década de 80, o governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, ao defender uma
educação democratizada e de qualidade, que levasse ao desenvolvimento dos países, convida
Darcy Ribeiro para idealizar o seu Programa Especial de Educação. Aperfeiçoando a proposta
de escolas-parque de Anísio Teixeira, que ambos acreditavam ter privilegiado as classes mais
favorecidas, surgem os CIEPs – Centros Integrados de Educação Pública, voltados à população
mais carente e instalados nas áreas menos favorecidas.
Os CIEPs eram revolucionários porque ultrapassam os limites da escola, ao oferecer
educação de dia completo (das 8 às 17 horas de segunda a sexta-feira, abrindo o seu pátio nos
finais de semana), incluindo aulas, atividades culturais e de recreação, alimentação, assistência
médico-odontológica, uniforme, material didático, numa espécie de escola-casa, onde a
criança retornava ao convívio com a família ao anoitecer alimentado e de banho tomado.
Projetados por Oscar Niemeyer, os CIEPs comportavam 1.000 crianças em ambiente
confortável e especialmente arquitetados para o ensino integral, com custo 30% inferior às
escolas tradicionais por utilizar concreto pré-fabricado. A estrutura era composta de um Prédio
Principal (administração, salas de aula, estudo dirigido, cozinha, refeitório, centro de
assistência médico-odontológica e abrigos para alunos residentes - crianças abandonadas), um
Salão Polivalente (ginásio coberto, banheiros amplos e auditório) e uma Biblioteca para
atender alunos e comunidade.
Sem dúvida, um projeto renovador, que envolvia a participação de alunos, professores,
diretores, funcionários e comunidade, rumo ao desenvolvimento de uma perspectiva mais
ampla de educação, onde o universo cultural do aluno era valorizado e o processo educativo e
as ações pedagógicas defensoras de uma visão interdisciplinar. Como bem sintetizado por
Niemeyer (1986) a proposta dos CIEPs se preocupou com “o sentido social, o desejo de levar
às classes mais pobres ... o apoio indispensável, instruindo-as, ocupando-as, dando-lhes a
possibilidade de uma participação futura nos problemas da vida brasileira.
17
Assim, na busca de experiências com vistas à implementação da Educação Integral,
nota-se que é imprescindível a superação de grande parte dos modelos educacionais vigentes,
prevendo novos conteúdos relacionados à sustentabilidade ambiental, aos direitos humanos,
ao respeito, à valorização das diferenças e à complexidade das relações entre a escola e a
sociedade. Esses conteúdos, os tempos e espaços escolares, suas interações com as
subjetividades e práticas e as diferentes etapas e modalidades de ensino ensejam a articulação
com os projetos político-pedagógicos. Trata-se da tarefa a ser empreendida, tanto pelos cursos
de formação inicial e continuada, quanto pelos sistemas educacionais e pelas próprias escolas.
(Ministério da Educação, 2009),
18
3. Educação Integral: Porque ampliar tempos, espaços e oportunidades
educacionais? Escola é...
o lugar onde se faz amigos
não se trata só de prédios, salas, quadros,
programas, horários, conceitos...
Escola é, sobretudo, gente,
gente que trabalha, que estuda,
que se alegra, se conhece, se estima.
O diretor é gente,
O coordenador é gente, o professor é gente,
o aluno é gente,
cada funcionário é gente.
E a escola será cada vez melhor
na medida em que cada um
se comporte como colega, amigo, irmão.
Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’.
Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir
que não tem amizade a ninguém
nada de ser como o tijolo que forma a parede,
indiferente, frio, só.
Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,
é também criar laços de amizade,
é criar ambiente de camaradagem,
é conviver, é se ‘amarrar nela’!
Ora , é lógico...
numa escola assim vai ser fácil
estudar, trabalhar, crescer,
fazer amigos, educar-se,
ser feliz.
Paulo Freire
Quando ouvimos falar em Educação Integral, muitos de nós professores nos
questionamos com desconfiança e preocupação sobre o que significa esse termo. Será que a
educação já não contém em si essa pretensa integralidade, com tantos conteúdos
programáticos, disciplinas, horários, didáticas, objetivos, planejamento e avaliações? Será que
já não é o suficiente o tempo em que os alunos estão em sala de aula? A gente ainda quer
mais? E aonde acontecerão as atividades previstas se a escola não tem espaço adequado?
São muitas perguntas que devem ser refletidas coletivamente para entendermos
porque a Educação Integral é um caminho trilhado por tantas secretarias de educação,
estaduais e municipais, e se constitui como objeto de estudo nas últimas duas décadas por
pesquisadores de diversos campos do conhecimento. É claro que esse documento não tem a
pretensão de solucionar ou dirimir todas as questões que suscitam o assunto, mas de lançar
sementes de diálogo no chão da escola, para que possam florescer como propostas
pedagógicas criativas, democráticas, comunitárias e éticas.
19
Assim, ao falar de Educação Integral, podemos citar a epígrafe de Paulo Freire: a escola
é feita de gente, de eu e de nós. Não se trata apenas do espaço físico, das salas de aula, das
quadras, refeitórios, ou sequer do seu conteúdo. A escola é um lugar de instrução e
socialização, de expectativas e contradições, de chegadas e partidas, de encontros e
desencontros, ou seja, um ambiente onde as diversas dimensões humanas se revelam e são
reveladas.
Trata-se de uma visão peculiar de homem e de educação. O homem não é um ser
fragmentado, um “Frankenstein”, dividido e depois juntado em partes. Ele é alguém com
identidade, história, desejos, necessidades, sonhos, isto é, um ser único, especial e singular, na
inteireza de sua essência, na inefável complexidade de sua presença. E a educação é uma
grande arte de convivência, que une os homens entre si em torno do direito de aprender e da
conquista da cidadania.
De acordo com o Relatório Delors (2003), a educação orienta-se para a formação
contínua e integral dos indivíduos, possibilitando o desenvolvimento pleno e em todas as suas
dimensões, isto é, espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético,
responsabilidade pessoal, associando o conhecimento ao desenvolvimento de habilidades que
possibilitem aos alunos protagonizarem seus próprios saberes.
Na sociedade atual, a escola é chamada a desempenhar intensivamente um conjunto
de diversas funções. Além da função de instruir e avaliar, a escola tem de orientar (pedagógica,
vocacional e socialmente), de guardar e acolher as crianças e os jovens em
complementaridade com a família, de se relacionar ativamente com a comunidade, de gerir e
adaptar currículos, de coordenar um grande número de atividades, de organizar e gerir
recursos e informações educativas, de se auto-gerir e administrar, de auto-avaliar, de ajudar a
formar seus próprios docentes, de avaliar projetos e de abordar a importância da formação ao
longo de toda a vida. (Alarcão, 1996).
Essa multiplicidade de funções que se atribui à escola, hoje, representa um grande
desafio. Essa instituição se vê como educadora e também como “protetora”, o que provoca
debates acerca de sua especificidade, dos novos atores sociais que buscam apoiá-la e das
organizações que buscam sua companhia para constituí-la e, talvez, reconhecê-la. A escola
pública passa a incorporar um conjunto de responsabilidades que não eram vistas como
tipicamente escolares, mas que, se não estiverem garantidas, podem inviabilizar o trabalho
pedagógico (Educação Integral, Texto Referência para o Debate Nacional, MEC, 2009).
Longe de uma visão de escola como instituição total ou panacéia para todos os males,
é nesse contexto educacional, que a Educação Integral também deve ser pensada, pois não
pretende substituir o papel e a responsabilidade da família ou Estado, ou ainda de seqüestrar o
educando da própria vida, mas que vem responder as demandas sociais de seu tempo.
20
Propõe-se um novo paradigma para a Educação Integral, que compreenda a ampliação
de tempos, espaços e oportunidades educacionais. É sobre essa amplitude da educação
alicerçada em três eixos estruturantes, que vamos dialogar a seguir.
21
3.1. Tempo
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo...
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo...
(Oração ao Tempo - Caetano Veloso)
Para Maurício (2009), o conceito de escola pública de horário integral introduz alguns
condicionantes. Em primeiro lugar, a criança precisa gostar da escola. Ela precisa querer estar
na escola. A escola precisa ser convidativa. Tirar a criança da rua pode ser conseqüência deste
fato, mas não um objetivo em si, que poderia redundar numa visão de enclausuramento. “A
escola não pode ser vista como um depósito de crianças para ocupar tempo ocioso ou para
passar o tempo. Existe uma intencionalidade educativa (grifo nosso).”
Em uma escola de tempo integral e não em uma escola dividida em turnos, todas as
atividades são entendidas como educativas e curriculares. Diferentes atividades – esportivas e
de lazer, culturais, artísticas, de educomunicação, de educação ambiental, de inclusão digital,
entre outras – não são consideradas extra-curriculares ou extra-classe, pois fazem parte de um
projeto curricular transversal que oferece oportunidades para aprendizagens significativas e
prazerosas.
Sobre esse aspecto, Guará (2006) nos lembra que há um conjunto de conhecimentos
sistematizados e organizados no currículo escolar e também há as práticas, habilidades,
costumes, crenças e valores que conformam a base da vida cotidiana e que, somados ao saber
acadêmico, constituem o currículo necessário à vida em sociedade.
Espera-se, com essa lógica curricular, favorecer o encontro inter e transdisciplinar,
bem como evitar a valoração entre um tempo de alegria, caracterizado por atividades não
convencionalmente escolares, e um tempo de tristeza, caracterizado pelo conteúdo formal e
acadêmico, pois a Educação Integral não pretende rachar a escola ou levantar um muro
temporal conturbado e fragmentado.
22
Essa compreensão do tempo escolar, entretanto, exige, ao contrário do que possa
parecer à primeira vista, um nível mais complexo e flexível de organização do trabalho
pedagógico. Para tanto, é vital que o corpo docente esteja envolvido com a proposta,
repensando o projeto pedagógico, no que se refere à regulação do tempo, horários,
planejamentos curtos e longos, prazos, execução de tarefas, propiciando vivências
multidimensionais, distribuídas em uma grade horária, curricular, articulada e integrada.
Segundo Cavaliere (2006), um tempo de escola organizado de forma convencional e
meramente duplicado em horas é desnecessário e ineficaz. A ampliação progressiva do tempo
diário de permanência na escola, previsto no artigo 34 da LDB, só faz sentido – especialmente
na sociedade brasileira, dadas as peculiaridades culturais – se trouxer uma reorganização
inteligente desse tempo. Não se trata de imaginar uma escola sem horários ou regras, mas de
recriá-los em função de um projeto curricular mais ambicioso do ponto de vista das
oportunidades formativas, que ali os indivíduos possam encontrar.
Guará (2006) também nos diz que esse aumento do tempo de estudo deve vir
acompanhado da ampliação do acesso das crianças e adolescentes aos espaços múltiplos de
apropriação da cidade e de seus saberes, para que não se engessem as opções num projeto
educativo regulado por oportunidades limitadas. Assim, tempo, espaço e oportunidades são
elos indissociáveis para a realização da Educação Integral.
23
3.2. Espaço
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua,
na igreja ou na escola, de um modo ou de
muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida
com ela: para aprender, para ensinar, para
aprender e ensinar. Para saber, para fazer,
para ser ou para conviver, todos os dias
misturamos a vida com a educação.
(Carlos Rodrigues Brandão)
A escola não é só um espaço físico. É um clima de trabalho, uma postura, um modo de
ser. Assim, a Educação Integral considera a existência de uma complexa rede de atores,
ambientes, situações e aprendizagens que não podem ser reduzidas a mera escolarização, pois
correspondem às diversas possibilidades, requisições sociais e expressões culturais presentes
no cotidiano da vida (Freire, 1993).
Ao entender que a educação extrapola os muros da sala de aula, sendo realizada na
vida vivida, em diversos momentos e múltiplos lugares, é necessária a ressignificação do
próprio ambiente escolar: a escola deixa de ser o único espaço educativo, para se tornar uma
articuladora e organizadora de muitas outras oportunidades educacionais no território da
comunidade.
Segundo Torres (2005), em uma comunidade de aprendizagem todos os espaços são
educadores - museus, igrejas, monumentos, ruas e praças, lojas e diferentes locações, cabendo
à escola articular projetos comuns para utilizá-los, considerando espaços, tempos, sujeitos e
objetos do conhecimento.
Desse modo, na Educação Integral é necessária a emergência de outra referência de
escola, isto é, de uma ambiência escolar voltada para os saberes comunitários e para uma
escuta sensível da complexidade existente entre o que ocorre dentro e fora dos muros
escolares.
Como observa Gadotti (1995), a escola é o lócus central da educação. Por isso, deve
torna-se o pólo irradiador da cultura, não apenas para reproduzi-la ou executar planos
elaborados fora dela, mas para construí-la, seja a cultura geral, seja a popular. Uma verdadeira
escola cidadã preocupada com a mudança do contexto social, por meio de um maior diálogo
24
com a comunidade. Assim, a escola não pode ser mais um espaço fechado. Sua ligação com o
mundo se dá com o trabalho, procurando unir-se ao mundo exterior pelos espaços sociais das
múltiplas atividades humanas. A escola é um laboratório do mundo que a penetra.
O papel da escola não deve se limitar apenas à região intramuros, onde a prática
pedagógica se estabelece. A escola é, sobretudo, um ambiente que recebe diferentes sujeitos,
com origens diversificadas, histórias, crenças e opiniões diversas, que trazem, para dentro do
ambiente escolar, discursos que colaboram para sua efetivação e transformação. Essa
construção de identidades e de significados, por sua vez, é diretamente influenciada pela
reestruturação do espaço escolar rumo à aproximação com a comunidade.
Nas escolas de tempo integral, as histórias de vida, os valores pessoais e culturais, as
idéias, a arte, a linguagem devem ser respeitados e refletidos em uma ambiência favorável às
trocas de saberes formais e não formais. Não existe uma negação das aprendizagens que
acontecem para além do ambiente escolar, mas que são resgatadas e revistas criticamente.
O projeto político-pedagógico numa perspectiva de Educação Integral não pode ser
elaborado para a comunidade, mas pode e deve ser pensado com a comunidade. A primeira
perspectiva compreende a comunidade como incapaz de projetar para si mesma uma escola
de qualidade, a segunda possibilidade, percebe a comunidade como participante ativa da
construção do processo educacional.
O trabalho pedagógico, os métodos e a organização da escola devem ter como
referência, como ponto de partida, a prática social, isto é, a realidade social, política,
econômica e cultural, da qual os atores da escola e da comunidade são parte integrante.
25
3.3. Oportunidades É!
A gente quer valer o nosso amor
A gente quer valer nosso suor
A gente quer valer o nosso humor
A gente quer do bom e do melhor...
(...) É!
A gente quer viver pleno direito
A gente quer viver todo respeito
A gente quer viver uma nação
A gente quer é ser um cidadão
A gente quer viver uma nação...
É! É! É! É! É! É! É!...
(É - Gonzaguinha)
É inegável que existe uma necessidade que emerge das novas relações e papéis no
mundo do trabalho: a criança vai para a escola de horário integral porque a mãe precisa
trabalhar. Mas, essa requisição social não pode ser a justificativa central para a realização da
educação integral. A opção pela educação integral emerge da própria responsabilidade dos
sistemas de ensino preconizada no artigo 22 da LDB: “A Educação Básica tem por finalidade
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornece-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.
E quando se fala da importância da educação para o exercício da cidadania, não se
trata apenas de garantir o ingresso na escola, mas de buscar a aprendizagem e o sucesso
escolar de cada criança, adolescente e jovem nesse espaço formal de ensino. O Artigo 206 da
Constituição Federal preconiza “a igualdade de condições para o acesso e a permanência na
escola”. Assim sendo, o direito à educação de qualidade se constitui como requisito
fundamental para a vivência dos direitos humanos e sociais.
Embora a educação Integral apareça como uma alternativa de prevenção ao
desamparo das ruas, além da expectativa de cuidado e proteção dos filhos, há, nas famílias, o
desejo de que o tempo maior de estudo seja uma abertura às oportunidades de
aprendizagem, que são negadas para grande parte da população infanto-juvenil em situação
de pobreza ou de risco pessoal e social (Guará, 2006).
Se nas classes sociais mais favorecidas, os alunos têm acesso às mais diversificadas
atividades (judô, balé, informática, línguas estrangeiras, teatro, música, entre outras), nas
menos favorecidas, as crianças e adolescentes podem freqüentar escolas públicas e também
26
ter uma educação de qualidade, rica em oportunidades educativas. Resgata-se uma dívida
social e reduz-se o fosso das desigualdades sociais a partir do direito de aprender.
Diante desse desafio, não se pode deixar de mencionar que a Educação Integral vai ao
encontro de uma sociedade democrática de direitos, se constituindo, portanto, como uma
política pública de inclusão social e de vivência da cidadania:
(...) Entendemos que a escola, enquanto instituição pública criada pela
sociedade para educar as futuras gerações, deve se preocupar também com a
construção da cidadania, nos moldes que atualmente entendemos. Se os
pressupostos atuais da cidadania têm como base a garantia de uma vida
digna e a participação na vida política e pública para todos os seres humanos
e não apenas para uma pequena parcela da população, essa escola deve ser
democrática, inclusiva e de qualidade, para todas as crianças e adolescentes
(Ulisses F. Araújo – Ética e Cidadania, MEC, 2007).
Quando falamos de Educação Integral, partimos do próprio Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA, instituído pela Lei 8.069 de julho de 1990 e inspirado pela Constituição
Federal de 1988, que regulamenta os direitos destes brasileiros, sem distinção de raça, classe
social, ou qualquer forma de discriminação. Passam a ser considerados sujeitos de direitos, em
sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento, com prioridade absoluta na
formulação de políticas públicas do país, que possibilitem o exercício igualitário da cidadania.
Não somente, em consonância com a Doutrina da Proteção Integral das Nações
Unidas, o Estatuto da Criança e do Adolescente cria as condições de exigibilidade desses
direitos nos seus 267 artigos, em especial:
Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-
se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade.
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Dessa forma, a Educação Integral faz parte de um conjunto articulado de ações por
parte do Estado na tentativa de aplicação da Doutrina de Proteção Integral à Criança e ao
Adolescente, que preconiza a importância do desenvolvimento humano em todas as suas
dimensões, além da necessidade de se garantir direitos e oportunidades fundamentais para a
população infanto-juvenil.
27
E para o alcance desse horizonte, a Educação Integral pode ser pensada como uma
política de proteção social, também voltada à promoção de uma cultura da paz, em defesa das
crianças e adolescentes, contra situações de risco pessoal e social ou circunstâncias
especialmente difíceis, entre elas: a negligência, a discriminação, a exploração, a violência, a
crueldade e a opressão.
De acordo com Diskin e Roizman (2008), a cultura da paz é um processo promotor de
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores. Estes são necessários para induzir mudanças
de comportamentos que possibilitam às crianças, aos jovens e aos adultos a prevenção da
violência, a resolução de conflitos de forma pacífica e a criação de condições que conduzam à
paz. A educação para a paz é um processo que dura toda a vida, permeia todas as idades,
sendo seu campo de atuação complexo, multifacetado e integral.
No cotidiano escolar, a cultura da paz é, além de um anseio coletivo, uma necessidade
que emerge de circunstâncias reais, de conflitos regulados por atitudes agressivas e violentas
nas bases das relações interpessoais e intergrupais entre os atores. O conflito é necessário no
interior dos encontros dialógicos, porém, é preciso manifestá-los sem recorrer à violência. Daí
a necessidade imperiosa de se tratar essa questão no âmbito da Educação Integral.
Portanto, educar integralmente envolve a garantia do direito de aprender, o acesso a
oportunidades educativas, a vivência igualitária da cidadania, a proteção social, o
desenvolvimento integral do sujeito e a promoção da cultura da paz. E não se faz um projeto
tão ousado, se o mesmo não for pactuado e pensado a partir do projeto político-pedagógico
de uma escola comunitária, integral e cidadã.
28
3.4. Os Atores da Educação Integral
Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco
Não há nada pra temer
(Chico Buarque – Todos Juntos)
Para concretizar a Educação Integral alicerçada na ampliação dos três eixos
estruturantes - tempo, espaço e oportunidades - é necessária a união de experiências, na
constituição de uma comunidade de aprendizagem formada por diversos atores sociais. São
eles, diretores, professores, coordenadores pedagógicos, alunos, pais, estudantes
universitários, agentes comunitários, em prol duma educação de qualidade.
Segundo Titton (2008), uma proposta de Educação Integral implica estabelecer um
novo paradigma para a educação, enquanto responsabilidade coletiva, mobilizando diversos
atores sociais na construção e no desenvolvimento de projetos pedagógicos próprios de
diferentes comunidades educativas, comprometidas com a formação integral de crianças,
adolescentes e jovens.
Nessa mudança paradigmática, a educação tem uma tarefa a desempenhar: ela tanto
pode ser defensora do modelo atual onde o professor é o único ator que pode ensinar no
espaço escolar, como também pode ser fomentadora de uma reflexão crítica, na busca de
alternativas para uma prática social concreta.
Não se trata de desvalorizar ou diminuir a importância do professor no cenário
educacional, pois sem o seu envolvimento e a sua participação efetiva, é impossível
concretizar com sucesso a Educação Integral. Esse novo paradigma requer a emergência da co-
responsabilidade e da valorização de diversos saberes e diversos atores necessários à
realização de atividades de caráter integral, sendo eles:
Coordenador Pedagógico: as escolas que aderirem ao projeto de Educação Integral terão a
presença de mais um coordenador pedagógico que, durante quarenta horas, será responsável
por: acompanhar as atividades educativas e, portanto, integrais; coordenar a equipe de
monitores da escola; efetuar ações que proporcionem a criação de vínculos da escola com a
comunidade; buscar parceiros para o desenvolvimento das atividades; planejar, juntamente
29
com o corpo docente e com a direção, a programação das atividades e a regulação do tempo,
no que se referem aos horários, tarefas e vivências multidimensionais, dentro e fora da escola.
Monitores: são estudantes universitários, parceiros dos professores, para a execução das
atividades de Educação Integral, que deverão atuar em sintonia com o projeto pedagógico da
escola, de acordo com as Diretrizes e Orientações Curriculares da Secretaria de Estado de
Educação (2008) e, principalmente, relacionando, transversalmente, as atividades com o
conteúdo ministrado pelo professor em sala de aula. Vale lembrar que segundo o Ministério
da Educação (2009), a Educação Integral requer uma maior interação com os estudantes da
pedagogia e das licenciaturas em seu universo cotidiano. A escola pautada pela Educação
Integral representa um laboratório permanente desses futuros profissionais que, desde o
início de seus cursos, passarão a manter intenso contato com as crianças e com os jovens,
numa troca de experiências úteis para a sua formação e para o trabalho pedagógico do
professor.
Agentes Comunitários: são atores sociais (agentes culturais, mestres-griôs, bonequeiros,
mestres de capoeira, entre outros), que podem qualificar, com suas histórias de vida e
habilidades específicas, a educação das novas gerações. Isso converge com caminhos já
trilhados pelo Programa Escola Aberta,7 do Ministério da Educação em parceria com a
UNESCO, que financia a abertura de escolas públicas nos finais de semana, valorizando os
saberes populares e os talentos da comunidade.
Parceiros: são pessoas físicas e/ou jurídicas que contribuam, de forma institucional, para a
viabilização da Educação Integral na escola e comunidade (exemplo: ONGs, associações de
moradores, igrejas, templos, clubes, comerciantes locais, pais, entre outros).
Direção: a direção da escola tem um papel essencial na gestão da Educação Integral,
estimulando acordos locais e parcerias para implantação e viabilização das atividades e, ainda,
executando arranjos institucionais propostos pelo Governo do Distrito Federal. É a grande
fomentadora de momentos de discussão, planejamento e elaboração do projeto pedagógico, à
luz dos princípios da Educação Integral, estreitando os elos da escola com a comunidade e,
principalmente, mobilizando os professores em torno de um projeto comum e articulado.
7 O Programa Escola Aberta proporciona aos alunos da educação básica das escolas públicas
e às suas comunidades espaços alternativos para o desenvolvimento de atividades de cultura,
esporte, lazer, geração de renda, formação para a cidadania e ações educativas
complementares durante o final de semana.
30
Professor: é o protagonista da cena educacional e quem orquestra a Educação Integral com
sua práxis pedagógica, associando transversalmente conhecimentos, ao aproximar conteúdos
e saberes. Cria e planeja projetos de caráter interdisciplinar e comunitário. Acompanha os
diversos atores na realização de atividades culturais, artísticas, esportivas, de lazer, de meio
ambiente, de ciência e tecnologia, dentre outras.
É importante dizer que, não há como melhorar a qualidade do ensino por meio da
Educação Integral, se o professor não se envolve com a configuração educacional. Em outras
palavras, as atividades culturais, esportivas, artísticas, entre outras, terão maior rebatimento
no rendimento dos alunos se forem associadas aos conteúdos trabalhados em sala de aula
pelo professor.
O conjunto de elementos aqui expostos, leva a uma nova postura profissional, que
deve ser construída por meio de processos formativos continuados. Processos estes que
reconheçam as requisições sociais do mundo em que vivemos e seus mecanismos de
sustentação, rumo à invenção de novos caminhos a partir do direito de aprender do educando.
31
4. Objetivos da Educação Integral no Distrito Federal
Objetivo Geral:
Promover uma Educação Integral que compreenda a ampliação de tempos, espaços e
oportunidades educacionais, por meio da realização de atividades que possam favorecer a
aprendizagem, com vistas à formação integral do educando.
Objetivos Específicos:
Promover e ampliar tempos e oportunidades educacionais, sociais, culturais,
esportivas e de lazer;
Contribuir para a elevação dos índices de aprendizagem das crianças, adolescentes e
jovens do Distrito Federal;
Articular ações intersetoriais dos diferentes órgãos governamentais;
Articular parcerias locais;
Promover e intensificar a integração entre escola e comunidade;
Contribuir para a promoção da cultura da paz.
32
5. Princípios da Educação Integral no DF:
Tirar os muros entre viver, aprender, ser e fazer.
Gilberto Dimenstein
Estreitamente vinculados aos objetivos expostos, propõem-se os seguintes princípios a serem
observados pelas escolas no planejamento, na organização e na execução das ações de
Educação Integral:
5.1. Integralidade
A educação integral é um espaço privilegiado para se repensar o papel da educação no
contexto contemporâneo, pois envolve o grande desafio de discutir o conceito de
integralidade. É importante dizer que não se deve reduzir a educação integral a um simples
aumento da carga horária do aluno na escola. Integralidade deve ser entendida a partir da
formação integral de crianças, adolescentes e jovens, buscando dar a devida atenção para
todas as dimensões humanas, com equilíbrio entre os aspectos cognitivos, afetivos,
psicomotores e sociais. Esse processo formativo deve considerar que a aprendizagem se dá ao
longo da vida (crianças, adolescentes, jovens e adultos aprendem o tempo todo), por meio de
práticas educativas associadas a diversas áreas do conhecimento, tais como cultura, artes,
esporte, lazer, informática, entre outras, visando o pleno desenvolvimento das potencialidades
humanas. Assim, propõe-se que cada escola participante da Educação Integral no Distrito
Federal, ao elaborar seu projeto político-pedagógico, repense a formação de seus alunos de
forma plena, crítica e cidadã.
Inicialmente, sobre a ampliação do tempo de permanência do aluno na escola, essa
proposta de Educação Integral apresenta-se em consonância com a Lei 10.172, de 09 de
janeiro de 2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), preconizando a ampliação
progressiva da jornada escolar para um período de, pelo menos, 7 (sete) horas diárias, além de
retomar e valorizar a educação integral, como possibilidade de formação integral do homem.
Para a realidade do Distrito Federal, é importante destacar o entendimento de que
Educação Integral pressupõe a ampliação progressiva de ações educativas para um período de,
pelo menos 8 (oito) horas diárias em 3 (três) dias da semana, tendo como meta o atendimento
de segunda à sexta-feira, durante todos os dias letivos, na totalidade dos alunos
atendidos/matriculados na escola. Deve-se evitar o tratamento de contra-turno ou turno
contrário ou ainda, de atividades complementares, em prós do turno único, sendo integral o
33
período de permanência dos alunos nas escolas. Não é o aluno que ganha mais tempo na
escola e sim a escola que ganha mais tempo para trabalhar com seus alunos.
5.2. Intersetorialidade
A Educação Integral terá assegurada a intersetorialidade no âmbito do Governo entre
as políticas públicas de diferentes campos, em que os projetos sociais, econômicos, culturais e
esportivos sejam articulados, buscando potencializar a oferta de serviços públicos como forma
de contribuição para a melhoria da qualidade da educação.
Projetos de caráter educacional, desenvolvidos pelas áreas de saúde (prevenção e
combate a doenças, saúde escolar), de ação social (prevenção ao uso de drogas, cuidados com
o idoso), de desenvolvimento da agricultura (horta escolar, alimentação saudável), de meio
ambiente (coleta seletiva, ambiente saudável, água e energia), de cultura (educação
patrimonial, formação de platéia, incentivo à leitura, cines-clube, visitas guiadas em
exposições, oficinas específicas), de segurança (polícia cidadã, paz no trânsito) e de esporte
(segundo tempo) deverão ser disponibilizados às instituições educacionais para que sejam
incorporados à Educação Integral.
Outro programa que integra o escopo das ações intersetoriais de Educação Integral do
Distrito Federal é o Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial nº 17 de 2007,
como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e estratégia do Ministério da
Educação e do Governo Federal de ampliação da Jornada Escolar e a organização curricular, na
perspectiva da Educação Integral.8
5.3. Transversalidade
A ampliação do tempo de permanência do aluno na escola deverá garantir uma
Educação Integral que esteja em consonância com as Diretrizes Pedagógicas da Secretaria de
Estado de Educação do Distrito Federal (2008), uma vez que competências, habilidades e
conteúdos oferecidos aos alunos devem ser contextualizados e integrados. Educação Integral
pressupõe a aceitação de muitas formas de ensinar, considerando os diversos conhecimentos
que os alunos trazem de fora da escola.
8 O Programa Mais Educação é um exemplo, existindo outros como o Escola Aberta e a Escola
Modelo -(introdução de disciplinas para a formação humanística dos estudantes do ensino
fundamental como teatro, música, informática, xadrez, primeiros socorros, ética e boas
maneiras, com o objetivo é fortalecer valores de cidadania e solidariedade e melhorar o
desempenho. Ver nota de rodapé n° 7.
34
Cada instituição educacional participante, ao elaborar o seu projeto pedagógico,
deverá procurar integrar conteúdos e temas transversais, adotando metodologias de ensino,
que privilegiem a criatividade e a reflexão numa ambiência escolar frutífera ao
desenvolvimento da curiosidade e do saber experimentado por parte dos alunos. Uma das
tarefas da coordenação pedagógica e do corpo docente será a articulação e a integração entre
os conteúdos e a conseqüente transversalidade dos temas tratados. A transversalidade só faz
sentido dentro de uma concepção interdisciplinar de conhecimento, vinculando a
aprendizagem aos interesses e aos problemas reais dos alunos e da comunidade.
5.4. Diálogo Escola e Comunidade
As escolas que avançaram na qualidade da educação pública foram as que avançaram
no diálogo com a comunidade (Redes de Aprendizagem, Unicef, 2008). Na Educação Integral é
necessária a transformação da escola num espaço comunitário, legitimando-se os saberes
comunitários como sendo do mundo e da vida. Assim, o projeto pedagógico implica pensar na
escola como um pólo de indução de intensas trocas culturais e de afirmação de identidades
sociais dos diferentes grupos presentes, com abertura para receber e incorporar saberes
próprios da comunidade, resgatando tradições e culturas populares.
Para tanto, é vital a intensificação do diálogo da escola com a comunidade, por meio
de algumas ações: criação de condições para que toda comunidade conviva no espaço escolar
durante os finais de semana, como forma de promover a cultura da paz e a inclusão social,
otimizando o Programa Escola Aberta. A gestão escolar deve ser efetivamente compartilhada,
envolvendo a participação de todos os atores nas decisões do grupo.
Nesse sentido, o conselho escolar é uma instância fundamental para propiciar esse
diálogo, pois sua composição possibilita a interação de diversos segmentos e ainda a relação
com atores que não fazem parte do cotidiano escolar. Além das questões administrativas
próprias dessa instância, o conselho escolar terá papel fundamental em relação à organização
do trabalho pedagógico, a partir de uma perspectiva da educação integral.
5.5. Territorialização
Diversas experiências exitosas em Educação Integral (Bairro-Escola/Nova Iguaçu;
Escola Integrada/Belo Horizonte; entre outras) revelam a importância do processo de
territorialização para a ressignificação do papel da escola. Ou seja, romper com os muros
escolares, entendendo a cidade como um rico laboratório de aprendizagem. Afinal, a educação
não se restringe ao ambiente escolar, e pode ser realizada em espaços da comunidade como
igrejas, salões de festa, centros e quadras comunitárias, estabelecimentos comerciais,
associações, posto de saúde, clubes, entre outros, envolvendo múltiplos lugares e atores, que
35
se estrutura no trabalho em rede, na gestão participativa e na co-responsabilização pelo
processo educativo.
Torna-se necessário enfrentar o desafio primordial de mapear os potenciais educativos
do bairro em que a escola se encontra, planejando trilhas de aprendizagem e buscando uma
estreita parceria local com a comunidade, sociedade civil organizada e poder local, com vistas
à criação de projetos socioculturais significativos e ao melhor aproveitamento das
possibilidades educativas.
5.6. Trabalho em Rede
Todos devem trabalhar em conjunto, trocando experiências e informações, com o
objetivo de criar oportunidades de aprendizagem para todas as crianças, adolescentes e
jovens. O aluno não é só aluno da professora ou da escola, e sim aluno da rede, existindo uma
co-responsabilidade pela educação e pela formação do educando. Nessa ambiência favorável
ao diálogo, o professor não está sozinho, e faz parte da equipe da escola e da rede de ensino.
Assim, o aluno pode participar de diversos espaços e projetos educacionais, que fazem parte
das políticas públicas do Governo do Distrito Federal, tais como Centros Interescolares de
Línguas, Escola de Música, Escolas-Parque, Centros de Referências e outros, inclusive para
efeito da avaliação do aluno na escola em que está regularmente matriculado. No trabalho de
rede, destacam-se as diversas oficinas dos Centros de Referência para integralizar atividades:
Origami, Meio Ambiente, Raciocínio Lógico, Artesanato, Produção de Texto, Música, Educação
Física, Ciência e Tecnologia, Robótica, Inglês, Dança, Desenho, Enem/PAS/Pré-Vestibular,
Cuidador de Idoso, Apicultura, entre outras.
5.7. Cultura da Paz:
Ao considerar que a Educação Integral pressupõe o direito de aprender e o
compromisso com a não-violência, pretende-se, ao mobilizar as escolas em torno da cultura da
paz, intensificar o estabelecimento de um sistema educacional integrado para as questões dos
direitos humanos e da democracia. Deve-se promover uma cultura da paz, baseada num
conjunto de valores e compromissos com seis pontos do Manifesto 2000, assinado por 75
milhões de cidadãos, em prol da convivência edificante e justa:
Respeitar a vida: respeitar a vida e a dignidade de cada ser humano, sem discriminação nem
preconceito.
Rejeitar a violência: praticar a não-violência ativa, rejeitando a violência em todas as suas
formas: física, sexual, psicológica, econômica e social, em particular contra os mais
desprovidos e os mais vulneráveis, como crianças e adolescentes.
Ser generoso: compartilhar o tempo e os recursos materiais no cultivo da generosidade e pôr
um fim à exclusão, à injustiça e à opressão política e econômica.
36
Ouvir para compreender: defender a liberdade de expressão e a diversidade cultural,
privilegiando sempre o diálogo sem ceder ao fanatismo, à difamação e à rejeição.
Preservar o planeta: promover o consumo responsável e um modo de desenvolvimento que
respeitem todas as formas de vida e preservem o equilíbrio dos recursos naturais do planeta.
Redescobrir a solidariedade: contribuir para o desenvolvimento da comunidade com plena
participação das mulheres e o respeito aos princípios democráticos, de modo a incentivar a
criação coletiva de novas formas de solidariedade.
37
6. Currículo Integral e Integrado
Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados,
receitas, ameaças, representações, punições, mas participar coletivamente
da construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feita,
que leva em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta,
possibilitando-lhe transformar-se em sujeito de sua própria história (Paulo
Freire, Pedagogia do Oprimido, 1993).
A epígrafe acima retrata um dos grandes desafios da Educação Integral: construir
coletivamente um saber como fruto de uma ação reflexiva, que leve em consideração as
demandas do nosso tempo e as necessidades dos nossos alunos, numa escola ainda
tradicional, centrada em uma grade curricular hierarquizada em disciplinas.
De acordo com Moreno (1999), se rastrearmos a origem das disciplinas, veremos que
provêm de núcleos de interesses intelectuais que ocupavam os pensadores da Grécia Clássica,
em cujo pensamento, geralmente, situam-se as origens da ciência ocidental. Aqueles
pensadores antigos determinaram os campos temáticos mais importantes sobre os quais valia
a pena concentrar os esforços intelectuais, convertendo-os em temas de discussão e no centro
dos seus escritos. Assim, nasceram, mais ou menos, próximas das fronteiras da Filosofia,
disciplinas como a Física, a Biologia, a Matemática, a História, a Gramática, etc., que, através
dos séculos, tomando diversas rotas, subdividiram-se e especializaram-se, chegando até os
dias de hoje. Aquilo que não estava próximo dessas matérias, ou seja, trabalhos manuais e
saberes da vida cotidiana não constituíam a tarefa dos pensadores, mas sim de mulheres e
escravos, sendo considerados inferiores e de segunda categoria.
As matérias curriculares são instrumentos por meio dos quais se pretende desenvolver
a capacidade de pensar e de compreender e manejar adequadamente o mundo que nos
rodeia. Quando isto é esquecido e elas se convertem em finalidades em si mesmas,
descontextualizam-se e distanciam-se do universo real, passando a receber um tratamento
semelhante ao que nossos antepassados gregos lhes concediam; para eles – ao contrário dos
nossos alunos e alunas – a elucubração era uma tarefa livremente escolhida. Sem um contexto
para situá-los, para grande parte dos estudantes, os conteúdos curriculares transformaram-se
em algo absolutamente carente de interesse ou totalmente incompreensíveis (Idem).
Para entender o presente, sempre é útil reconstruí-lo a partir do passado. Se a cultura
e, conseqüentemente, o ensino são produtos das idéias predominantes ao longo da história, e
se estas idéias avançam, é natural que estes avanços também se reflitam na escola.
38
De acordo com Freitas (2002), o trabalho no interior da estrutura tradicional da escola,
tem uma tendência a se constituir em um trabalho divorciado de uma prática social mais
ampla, seja porque a concepção de conhecimento que orienta a organização da escola admite
a separação sujeito/objeto, teoria/prática, seja porque a escola reproduz e legitima a divisão
de classes sociais, através da hierarquização do trabalho intelectual e do trabalho manual.
A organização do trabalho pedagógico, muitas vezes, fica restrita às paredes da escola,
sem preocupação com a prática da vida cotidiana das crianças e dos jovens que estão fora da
escola (que influem poderosamente nas condições de aprendizagem) e sem voltar os olhos
para o fato de que o ensino busca resultados para a vida diária, para o trabalho e para a vida
na sociedade (Libâneo,1990).
Assim, o trabalho pedagógico, os métodos, o currículo e a organização da escola,
também devem preocupar-se com a prática da vida cotidiana da comunidade. Segundo Freitas
(2002) o trabalho pedagógico é mais amplo do que o trabalho docente realizado em sala de
aula – esta última seria a configuração mais simples e visível do processo educacional – pois o
ensino, por mais simples que possa parecer à primeira vista, é uma atividade complexa que
envolve tanto condições internas, quanto condições externas das situações didáticas.
A Educação Integral, ao promover a formação do educando com a valorização de
atividades diversificada e a aproximação entre os atores escolares e a comunidade, leva a
subversão das próprias bases da organização do trabalho pedagógico da escola tradicional.
A Educação Integral se configura como oportunidades de reflexão sobre as relações
sociais, sobre os direitos e deveres legalmente instituídos, associando teoria e prática, trabalho
intelectual e trabalho manual e, portanto, aproximação do currículo escolar à vida. A
organização do trabalho pedagógico na perspectiva da Educação Integral, proposta nesse
documento, foi pensada da seguinte forma:
6.1. Organização Curricular
A LDB 9394/96 em seu artigo 26 prevê que os currículos do ensino fundamental e
médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de
ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
39
Em virtude dessa orientação, as escolas de Educação Integral do DF poderão organizar
os componentes curriculares a partir de duas possibilidades:
1. Os componentes da base nacional podem ser agrupados em um turno, e a
parte diversificada de artes, esporte, lazer, biblioteca, música, animação cultural, rádio
escola, etc., pode ser agrupada no outro turno, desde que as disciplinas e atividades sejam
relacionadas transversalmente pelos professores e demais atores sociais, monitores e
agentes culturais, em um currículo integrado e articulado.
2. A parte diversificada de artes, lazer, biblioteca, música, cultura, rádio escolar,
etc., pode ser entremeada no tempo, durante o dia, independentemente de sua natureza
mais ou menos sistemática. Um horário de aula de matemática (componente da base
nacional) pode ser seguido de uma atividade diversificada de teatro, que, por sua vez, pode
prosseguir num horário de biblioteca ou numa aula de língua portuguesa. Essas atividades
podem, em função de um projeto elaborado, estar integradas, rompendo a rigidez da
própria grade horária curricular. Pretende-se, com essa nova lógica organizacional,
favorecer o encontro interdisciplinar, bem como evitar a valoração prévia entre
componentes curriculares. Tal sistema exige uma reorganização do trabalho pedagógico, do
planejamento docente, bem como das dinâmicas de deslocamentos e usos dos espaços.
6.2. Campos de Conhecimento e Atividades Diversificadas
Tendo em vista que o Governo do Distrito Federal pretende promover uma Educação
Integral que compreenda a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educacionais,
foram estabelecidos campos de conhecimento de caráter prioritário e eletivo, a serem
trabalhados como a parte diversificada dos componentes curriculares, assim elencados:
Campos de conhecimento de caráter prioritário: são considerados como espinha
dorsal que não podem faltar na implantação e na execução da Educação Integral do DF, sendo
compostos de:
• Acompanhamento Pedagógico:
- Matemática e Letramento (Ensino Fundamental);
- Matemática e Língua Portuguesa (Ensino Médio).
Como um dos objetivos principais da Educação Integral prevê a melhoria da qualidade
de educação, a realização de projetos e atividades no campo de Acompanhamento Pedagógico
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deve estar de acordo com as Diretrizes Curriculares emanadas pela Secretaria de Estado de
Educação e sua Subsecretaria de Educação Básica (2008).
A ampliação progressiva e qualitativa do atendimento escolar considera as seguintes
demandas:
I. programação de atividades de alfabetização, com fluência em leitura para os
estudantes que estejam nos quatro primeiros anos do ensino fundamental;
II. projetos de Educação Matemática, cuja metodologia de ensino enfatize a resolução de
problemas, com o objetivo de fortalecer, estimular e desmistificar a compreensão da
matemática e os conteúdos tratados em sala de aula;
III. ampliação das atividades de ensino da Língua Portuguesa, com foco na leitura,
interpretação, apreciação e avaliação do que se lê;
Cada escola deverá, prioritariamente, desenvolver pelo menos dois projetos do Campo de
Acompanhamento Pedagógico e evitar o tratamento de reforço escolar, já que esse termo
supõe que o ensino seja fraco e, portanto, precisa ser reforçado.
Além do Acompanhamento Pedagógico, a Educação Integral prevê esporte e recreação,
cultura e artes, como campos de conhecimento prioritários. Esses campos geram uma grande
diversidade de atividades que podem ser implementadas pelas escolas, de acordo com suas
peculiaridades e demandas locais:
Esporte e Recreação: Voleibol, Basquete, Futebol, Futsal, Handebol, Tênis de Mesa,
Judô, Yoga, Xadrez Tradicional, Xadrez Virtual, entre outras.
Arte e Cultura: Leitura, Banda, Canto Coral, Hip-Hop, Danças, Teatro, Pintura, Grafite,
Desenho, Escultura, Percussão, Capoeira, entre outras.
Campos de conhecimento de caráter eletivo: são aqueles que não estão presentes na maioria
das escolas, mas que devem ser considerados de suma importância para a garantia da
transversalidade de um currículo integral e integrado, sendo eles:
Educação Ambiental: Horta Escolar e/ou Comunitária, Viveiros, Com-vidas, Agenda 21
na Escola, entre outras.
Educomunicação; Jornal Escolar, Rádio Escolar, Histórias em Quadrinhos, Mídias
Alternativas, Novas Tecnologias (TIC), entre outras.
Prevenção e Promoção da Saúde: Prevenção e combate à doenças e saúde escolar,
entre outras.
41
Inclusão Digital: Robótica, Oficinas de Informática, entre outras.
Cada um desses campos de conhecimento, seja de caráter prioritário ou eletivo, gera um
vasto leque de atividades, que deve ser proposto e escolhido de acordo com as demandas dos
alunos e com as diversas realidades locais das escolas. É importante destacar que, a exemplo
das escolas-parque, os alunos deverão participar das atividades definidas pela escola, mas
poderão escolher até três atividades que lhes interessem.
Vale dizer que, a intencionalidade educativa desses campos de conhecimento para a
realização da Educação Integral necessita, também, carregar consigo traços de encantamento
sobre as dimensões do aprender (a conhecer, a fazer, a viver juntos, a ser) de um educando,
que deve ser visto em sua inteireza e em sua integralidade.
É possível apresentar os princípios norteadores de uma educação de qualidade, que
podem ser sintetizados nos “Quatro Pilares da Educação para o Século 21” (Delors, 2003):
Aprender a conhecer: significa dominar os instrumentos do conhecimento, o
desenvolvimento do desejo e das capacidades de aprender a aprender, o
desenvolvimento de habilidades cognitivas e a compreensão do mundo que nos cerca.
Aprender a fazer: implica o desenvolvimento de competências que envolvem
experiências sociais e de trabalho diversas, que possibilitem às pessoas enfrentar, de
forma mais autêntica, as diversas situações e a um melhor desempenho no trabalho
em grupo.
Aprender a viver juntos: desenvolver a compreensão do outro e a percepção das
interdependências entre os seres humanos, no sentido de realizar projetos comuns e
preparar-se para gerir conflitos. Aqui, se faz uma reflexão sobre o respeito às
diversidades (culturais, étnico-raciais, gênero, orientação sexual, dentre outras) e se
desenvolve valores necessários à convivência harmoniosa na sociedade. Cabe à escola
trabalhar conteúdos que contemplem assuntos como a diversidade da espécie
humana e promover um ambiente que permita ao aluno a valorização do próximo e o
espírito de cooperação em contraposição à competitividade cega.
Aprender a ser: a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa,
isto é, espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade
pessoal, espiritualidade, possibilitando ao mesmo, um potencial significativo que lhe
permita um pensamento reflexivo e crítico. Neste pilar, cabe à educação preparar o
outro, não para a sociedade do presente, mas para criar um referencial de valores e de
42
meios para compreender e atuar em sociedades que dificilmente imaginamos como
serão.
Assim, um dos principais desafios da formação na educação integral é pensar em ações
formativas que objetivem a vivência dos quatro pilares descritos no Relatório Delors, como
orientadores da práxis pedagógica. Para tanto, é necessário pensar na escola como ambiência
criativa para os seus diversos e diferentes atores, fundamentada em valores como a
participação, o respeito mútuo, a solidariedade, a autonomia, entre outros.
Os processos formativos na Educação Integral devem prever intensas trocas de reflexões e
mediações entre seus diversos atores - responsáveis pelo trabalho pedagógico (diretores das
escolas, coordenadores locais, corpo docente, monitores, comunidade), com vistas a colocar o
cotidiano da práxis pedagógica no centro do processo de formação, em busca de uma
educação de qualidade.
Por fim, vale mencionar que não há dados empíricos suficientes para provar o impacto
positivo da Educação Integral nos indicadores clássicos de qualidade de educação, mas a
escola de horário integral tem seu argumento mais forte na potencialidade de futuro que ela
oferece. É urgente que se invista em soluções e, entre elas, está a Educação Integral como uma
semente de esperança lançada no território da escola comunitária no Distrito Federal. Em
outras palavras:
Quem vai impedir que a chama
Saia iluminando o cenário
Saia incendiando o plenário
Saia inventando outra trama
Quem vai evitar que os ventos
Batam portas mal fechadas
Revirem terras mal socadas
E espalhem nossos lamentos
Já foi lançada uma estrela
Pra quem souber enxergar
Pra quem quiser alcançar
E andar abraçado nela
(Canción Por Unidad Latinoamericana –
Chico Buarque De Holanda)
43
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