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EDUCAÇÃO PARA A TRANSFORMAÇÃO: UM ESTUDO DA
CATEGORIA CONSCIENTIZAÇÃO NA OBRA DE PAULO FREIRE
Ana Paula Salvador Werri (UEM) [email protected]
A preocupação central deste trabalho é compreender como se desenvolveu a
categoria conscientização na teoria educacional freiriana. Com este estudo,
pretendemos compreender a relação entre subjetividade e objetividade, bem
como, o papel destinado a educação por Paulo Freire durante a elaboração de
duas das suas mais importantes obras, Educação como prática de liberdade e
Pedagogia do oprimido. O recorte foi efetuado, por entendermos que estas são
obras de dois períodos subseqüentes, os quais guardam entre si diferenças
que devem ser consideradas, tanto em suas determinações históricas, como
nas diferentes influências teóricas que, conseqüentemente, resultaram em
significados teórico-práticos diferenciados, mesmo mantendo suas bases
filosóficas inalteradas.
Com o desenvolvimento do presente trabalho, objetivamos contribuir para a
elucidação dos fundamentos teórico-práticos deste renomado e polêmico
educador brasileiro, à luz das condições históricas, nas quais o mesmo
construiu sua obra e atuou como educador. A importância de estudar o
pensamento de Freire pela abordagem histórica, reside em sua obra se
constituir numa síntese do pensamento pedagógico de seu tempo, em que
podemos observar a concatenação das teorias e discussões daquele momento
em torno das idéias educacionais e pedagógicas1, representando o debate
entre diferentes interesses políticos e sociais.
As duas obras escolhidas para análise pertencem a dois momentos distintos,
Educação como Prática de liberdade é o primeiro livro de Freire, escrito em
1 SAVIANI (1999) diferencia idéias educacionais, entendidas como fenômenos educativos derivados de concepções de homem e sociedade; das idéias pedagógicas, orientadoras da prática educativa propriamente dita.
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1964 após o Golpe Militar, representa a primeira fase de sua produção2. Neste
livro Freire sintetiza sua elaboração teórica efetuada antes do exílio e
sistematiza seu método de alfabetização de adultos. A grande preocupação de
Freire neste momento era auxiliar na formação de um povo que se integrasse
aos problemas brasileiros e, assim, contribuísse para o seu desenvolvimento.
Pedagogia do Oprimido3 foi escrito entre 1967 e 19684, representa a segunda
fase de sua produção, neste momento Freire está num trabalho intensivo fora
do Brasil, onde pode rever seus escritos e refletir sobre as contradições
explicitadas pela ditadura militar e pelas diferenças sociais encontradas em
outros países. Esta obra é um marco de sua produção, pela adoção de um
referencial teórico mais próximo do marxismo e pela identificação das
diferenças antagônicas dos interesses entre opressores e oprimidos. A
pedagogia do oprimido vem imprimir um novo significado político a teoria
educacional freiriana.
Para compreender o significado da categoria conscientização nas duas obras
escolhidas faremos um estudo comparado entre elas, tentando identificar os
elementos teórico-práticos que as diferem. Inicialmente, apresentaremos as
bases filosóficas que fundamentam suas concepções de homem e sociedade.
Em seguida, demonstraremos como estas diferenças modificam a
compreensão da formação da consciência, o papel da educação e conseguinte
o da própria conscientização.
1- AS CONCEPÇÕES DE HOMEM E SOCIEDADE
A categoria “conscientização”, nosso objeto de investigação, está imbuída do
tipo de interpretação da realidade e das concepções de homem encerradas por
sua teoria. Portanto, se faz necessário a compreensão do seu referencial
2 A produção teórica de Paulo Freire pode ser dividida em três momentos: o primeiro, pelos escritos efetuados antes do Golpe Militar (1964); o segundo, corresponde ao exílio, quando trabalhou em diversos países do mundo e o terceiro, pelo retorno de Freire ao Brasil (1979), sua atuação como secretário de educação em São Paulo (1989-1991), até a sua morte (1997). 3 No decorrer do texto utilizaresmo EPL para o livro Educação como Prática de Liberdade e PO para o livro Pedagogia do Oprimido. 4 Editado somente em 1970 nos Estados Unidos.
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teórico, para inserir a categoria em seu contexto de concepção,
compreendendo suas determinações e verificando qual o seu papel histórico.
Por este motivo analisaremos as diferenças que podem ter cada período, visto
que qualquer alteração teórica desencadeará numa resignificação da categoria
conscientização e de sua aplicação social.
No estudo da concepção de homem nas duas obras escolhidas, encontramos
uma matriz teórica básica construída em EPL, mas que não se altera em PO e
permeará toda a obra freiriana. A concepção de homem de Freire está imbuída
das idéias humanistas cristãs, existencialistas e personalistas, verificamos forte
influência de Monier, Marcel e Jasper, dentre outros pensadores. Em EPL
muitas das características destas correntes filosóficas podem ser facilmente
encontradas, como as que se seguem.
O homem, para Freire, é um ser de relações, aberto à sua realidade, que “não
apenas está no mundo, mas com o mundo” (FREIRE: 1982b, p. 39). A forma
como estabelece suas relações “com o mundo” é que o diferencia dos simples
contatos feitos pelos animais, os quais apenas se encontram “no mundo”. Para
o autor a diferenciação entre homem e animal é importante para que possamos
compreender o homem como sujeito das transformações e construtor de sua
história.
As relações da esfera humana, para Freire, guardam em si características
exclusivas, que enriquecem o processo de existencialização5, de tal forma, que
ao se relacionar com seu meio, não se acomoda a ele, mas sim, o transforma
segundo suas necessidades. Esta diferenciação entre o homem e o animal,
demonstra que somente este é totalmente determinado biologicamente; e que
aquele é dotado de habilidades que o tornam criador, numa constante relação
com a natureza. Portanto, o homem não apenas cria, mas interfere em sua
realidade concreta, modificando-a segundo seus interesses. Assim, o homem
5 É a realização da vocação ontológica do homem, ou seja, a vocação histórica do homem de ser sujeito. O ser humano em sua busca constante pela sua “completude”, se percebem como seres capazes de pensar e transformar sua sociedade e assim, tornarem-se seres “para si”.
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revela sua dupla dimensão, a natural e a histórica, que é evidenciada no seu
poder criador e transformador (FREIRE: 1982b, p. 41).
Em Pedagogia do Oprimido Freire vai acrescentar ao homem a característica
de “ser inconcluso” que se constrói em suas relações e ações (FREIRE: 1987,
p.31). A “inconclusão” do homem se deve ao fato dele ter a vocação ontológica
de ser mais, o que se configura numa busca constante por seu
aperfeiçoamento, em sua construção efetiva como sujeito interferidor. Portanto,
o maior objetivo do homem é cumprir sua vocação de “ser mais”, lutando por
sua humanização. O processo de humanização é o caminho pelo qual
percorrem homens e mulheres na busca de se tornarem conscientes de si
mesmos, de sua forma de pensar e de agir, bem como, do desenvolvimento de
suas capacidades, de forma que se tornem “seres para si”. Ou seja, homens e
mulheres que tenham consciência da sua situação existencial, que sejam
capazes de pensar e transformar a sua realidade concreta.
Em EPL6 Freire fala do homem como um ser de relações, um sujeito cultural, o
qual cria, recria e transforma sua realidade. No entanto, ao fazê-lo, o autor trata
esta atuação do homem através do conceito antropológico de cultura,
diferenciando o mundo da natureza do mundo cultural. Freire neste momento
ainda não explicita teoricamente o elemento chave da ação transformadora do
homem, o meio pelo qual ele se faz sujeito em sua realidade – o trabalho. Em
Pedagogia do Oprimido (1987) e em Ação Cultural como Prática de Liberdade7
(1982b), Freire já não fala do homem em termos culturais, ele desenvolve a
idéia de homem histórico, o qual produz sua existência a partir do trabalho, tal
como podemos observar na passagem que se segue:
(...) os homens são seres da práxis. São seres do quefazer, diferentemente, por isto mesmo dos animais, seres do puro fazer. Os animais não “ad-miram” o mundo. Imergem nele. Os homens, pelo contrário, como seres do quefazer “emergem” dele e objetivando-o,
6 Na formulação teórica de concepção de homem, em EPL, Freire não fala do trabalho como mediador entre o homem e a natureza e entre o homem e os outros homens. No entanto, quando Freire relata a sua experiência educacional, na utilização do conceito antropológico de cultura, ele utiliza o trabalho como tal. Vemos a sua prática superar sua teoria. 7 Este livro contém textos escritos entre 1968 e 1974, foi publicado 1976 e pertence ao mesmo período de produção que Pedagogia do Oprimido, por este motivo foi utilizado.
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podem conhecê-lo e transformá-lo com seu trabalho (FREIRE: 1987, p. 121).
Os seres humanos são capazes de ter finalidades, de prever os resultados de
suas ações antes de iniciadas, diferentemente dos animais, eles são capazes
de projetar. Portanto, a maior diferença entre o trabalho humano e o animal é a
objetivação, ou seja, a possibilidade humana de reflexão sobre o produto a ser
realizado. Enquanto os animais se adaptam ao mundo para sobreviverem, os
seres humanos o transformam de acordo com as finalidades que se propõem.
Os seres humanos são seres da práxis e, ao transformar o mundo, estão
também transformando-se, “significa impregná-lo de sua presença criadora,
deixando nele as marcas de seu trabalho” (Freire: 1982b, p.69). Neste
processo constante de humanização do mundo pela ação transformadora do
homem, em que ambos se transformam, o homem e o mundo se historicizam
e, ao fazerem história, os homens também a contam.
Freire ainda complementa que o trabalho, para o ser humano não depende do
esforço físico empregado pelo sujeito, mas sim da consciência que ele tem de
suas habilidades essencialmente humanas, de seu próprio esforço, da
possibilidade de projetar a ação, de criar instrumentos para a atuação e de
prever seus resultados e finalidades. Para que a ação seja trabalho “é preciso
que dela resultem produtos significativos que, separando-se do produtor, se
podem dar à sua reflexão crítica ao mesmo tempo em que o condicionam”
(1982 b, p. 69).
O trabalho, desta forma, é o meio pelo qual o homem pode conhecer e
transformar o mundo, através da práxis:
(...) se os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma em que o quefazer é práxis, todo fazer do quefazer tem de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. O quefazer é a teoria e prática. É reflexão e ação. Não pode reduzir-se, como salientamos no capítulo anterior, ao tratarmos a palavra, nem ao verbalismo, nem ao ativismo. A tão conhecida afirmação de Lênin: ‘Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário’ significa precisamente que não há revolução com verbalismo, nem tampouco com ativismo, mas
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com práxis, portanto, com reflexão e ação incidindo sobre as estruturas a serem transformadas (FREIRE: 1987: p. 121).
A práxis é, assim, a relação dialética entre os seres humanos e seu mundo, na
qual constroem sua realidade e, ao fazê-la, elaboram também sua consciência
desta realidade. Através da práxis o homem pode conhecer de forma crítica
sua realidade, refletir sobre ela e então agir. Esta ação, no entanto, não será
ativismo, será prática enriquecida pelo conhecimento crítico da realidade (o
concreto pensado), por uma teoria construída segundo as dadas condições
histórias e suas necessidades.
Ao analisarmos a concepção de homem em PO observamos que Freire
mantém a base filosófica próxima ao existencialismo cristão, no entanto ao
desenvolver a idéia de homem histórico acrescenta a categoria trabalho como
subsídio desta discussão. A categoria trabalho vem enriquecer e elucidar
atividade criadora do homem, o que lhe confere caráter histórico e social.
Passemos agora ao resultado do estudo comparativo entre EPL e PO no que
diz respeito à análise da sociedade.
Nos anos de 1950 a economia brasileira completava o processo de transição
de um modelo agro-exportador, para o modelo urbano-industrial intensificado
no início do século XX, sendo expressão do desenvolvimento tardio da
industrialização no Brasil. Neste período, tinha início a segunda fase do
processo de substituição de importações, a qual se caracterizava pela
instalação de indústrias que dava ênfase a produção de equipamentos, bens
de consumo duráveis e produtos químicos, o que conseqüentemente requeria
aportes de capital mais elevados utilizando-se, assim, de capital estrangeiro
(RIBEIRO: 1998, p. 153).
Politicamente se configurava um Estado populista-desenvolvimentista, que
representava a aliança entre os interesses entre os empresários nacionais e os
setores populares, os primeiros tinham o objetivo de intensificar o processo de
industrialização capitalista, sob amparo protecionista e os segundos,
almejavam maior participação econômica e política. Porém este arranjo era
manipulado pela ascendente burguesia nacional contra as oligarquias. A
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participação do capital estrangeira no momento de expansão não é visto como
perigoso, mas como uma imprescindível participação, que mais tarde vai expor
as contradições deste pacto, ao mostra a inviabilidade da conciliação de tais
interesses (FREITAG: 1980, p. 55).
Em EPL Freire analisa a realidade brasileira neste momento, para ele, ela é
uma sociedade em trânsito, que se desvencilha de sua estrutura de “sociedade
fechada”, para constituir-se numa “sociedade aberta”. De uma sociedade
brasileira marcada pela opressão, pela falta de diálogo, pelas relações
verticalizadas, para uma sociedade que pretendia-se democrática; este
processo de transição, para Freire, é um momento de “rachadura”, que rompe
com a herança da estrutura colonial, que se configurava por uma economia
dependente, baseada na agro-exportação, precária na vida urbana, reflexa em
sua economia e na cultura e mantida por relações verticalizadas e antidialogal
(FREIRE: 1982b, p. 49).
Tal estrutura, própria de uma sociedade escravocrata, sem participação das
camadas populares e antidemocrática, pautada no “mandonismo”, na
dependência e no “protecionismo”, impediu que se estabelecesse uma cultura
de diálogo, de comunicação, ou seja, a formação de uma mentalidade
democrática, em que se estabelecesse a participação do povo nas discussões
políticas. Para o educador, a inviabilidade de um comportamento participativo
seria, portanto, um dos elementos de estrangulamento de nossa democracia
(Freire: 1982b, p. 66).
A “rachadura” que inaugura o processo de transição, segundo Freire, decorreu
da “ruptura nas forças que mantinham a sociedade ‘fechada’ em equilíbrio”,
resultantes das alterações econômicas já em fins do século XIX, “com os
primeiros surtos de industrialização” (FREIRE: 1982b, p. 49). A modificação
econômica vem alterar a organização da sociedade e a própria relação de
poderes que, em decorrência, modifica também as estruturas sociais e as
culturais, de forma deflagrar um processo de re-laboração da identidade
nacional, e do novo homem necessário a esta sociedade.
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Freire capta este movimento a partir de seu interior, recebendo as influências
das idéias que, neste momento, fomentam a intelectualidade brasileira, ao
mesmo tempo, na sua prática como educador buscava respostas para a
situação concreta de seus educandos e para a forma pela qual deveria dirigir a
educação destes. O pensamento social cristão do qual Freire fez parte, bem
como da filosofia da existência, foram as respostas que o educador recebeu
naquele momento, para a constituição de sua concepção de homem. No
entanto, em relação a sua leitura da realidade brasileira, Freire não fez grandes
elaborações, como seu objeto era a educação, ele se apropriou de análises já
sistematizadas de alguns intelectuais que serviam a seu propósito, como
Gilberto Freyre, Tristão de Ataíde, mas principalmente nas teorias produzidas
pelos intelectuais do ISEB, como Hélio Jaguaribe, Alberto Guerreiro Ramos,
Roland Corbisier e Álvaro Vieira Pinto.
Para o ISEB (TOLEDO: 1982) era necessário a crescente participação das
massas nos problemas nacionais para que se efetivasse o desenvolvimento
econômico. O que dependeria da atuação de uma classe dominante
esclarecida, que fosse capaz de apreender as “necessidades faseológicas” da
nação e dirigir o povo de forma a legitimar o projeto de desenvolvimento como
um projeto de toda a sociedade, no qual todos se envolvessem e trabalhassem
em seu propósito. Ocorria, assim, em suas análises, uma singular união entre as expressões tipicamente capitalistas do capital e do trabalho, os obreiros e a burguesia empreendedora, contra os interesses privilegiados remanescentes da velha ordem senhorial. Solidários, os proprietários dos meios de produção e os vendedores da força de trabalho davam forma a um só povo, progressivamente crítico, voltado para o futuro, coeso na luta pela realização da sociedade desenvolvida e senhora de seus destinos (BEISIEGEL: 1982, p. 50).
No campo político, ocorria uma mudança na composição da classe dominante,
em que a burguesia nacional se fortalecia politicamente (respaldada pela sua
ascendência econômica) frente à aristocracia rural, e tornava-se a protagonista
das mudanças estruturais da sociedade, exercendo, assim, uma forte influência
no direcionamento das mudanças. No entanto, para os isebianos, a classe
dirigente ainda não havia tomado ciência da sua responsabilidade como tal,
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não utilizando totalmente o poder que lhe era atribuído e, por este motivo ainda
não tinham clareza no seu papel. Contudo, estes intelectuais consideravam-se
os “iluministas” da sociedade, aqueles que conduziriam as classes ao
conhecimento das tarefas e problemas da sociedade, para que cada um fosse
capaz de exercer sua função.
Tal projeto ganhava corpo com a crescente politização das massas. O
desenvolvimento econômico previa o rompimento com a antiga elite de
dominação, substituindo as oligarquias pela inquietação das massas que,
tomando corpo e intensificando sua participação, delegaria a seus
representantes – burguesia industrial, de forma democrática – os poderes para
que sustentassem tal desenvolvimento.
Freire defende a importância da “integração” dos homens na sociedade, esta
idéia já havia sido desenvolvida em “Educação e atualidade brasileira8” e, com
a mesma clareza, em EPL, obras em que podemos perceber de forma clara a
sua convocação à toda a sociedade à integração no desenvolvimento
econômico brasileiro. As transformações almejadas, as quais requeriam a
integração do homem brasileiro, confluíam para o desenvolvimento das
estruturas capitalistas de produção e não das transformações destas
estruturas. Portanto o problema crucial era:
O de conseguir o desenvolvimento econômico, como suporte da democracia, de que resultasse a supressão do poder desumano de opressão das classes muito ricas sobre as muito pobres. E de coincidir o desenvolvimento com um projeto autônomo da nação brasileira (FREIRE: 1982b, p. 87).
O desenvolvimento econômico, segundo ele, amenizaria os problemas sociais,
fazendo uma redistribuição de renda, ao mesmo tempo em que contribuiria
para o desenvolvimento das formas democráticas de organização política.
Estamos convencidos, com Lipset, de que “o aumento da riqueza não está somente relacionado com o desenvolvimento da democracia para alterar as condições sociais dos trabalhadores; na realidade, ela atinge também a forma de estrutura social, que deixa de ser representada como um alongado
8 Tese de concurso para a cadeira de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas-Artes de Pernambuco, em 1959. Por corresponder ao primeiro período estudado e ter grande influencia na escrita de Educação como Prática de Liberdade será utilizada outras vezes em nosso texto.
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triângulo, para transformar-se num losango com uma classe média crescente. A renda nacional relaciona-se sempre com os valores políticos e o estilo de vida da classe dominante. Tanto mais pobre seja uma nação, e mais baixos os padrões de vida das classes inferiores, maior será a pressão dos estratos superiores sobre elas, então consideradas desprezíveis, inatamente inferiores (FREIRE: 1982b, p. 86).
Freire atribui à industrialização a crescente participação do povo na vida
nacional, no entanto, isto não se dá apenas porque a industrialização
desenvolve uma consciência crítica nos indivíduos, mas porque ela os
transformam em produtores e consumidores de mercadoria, ou seja, são
indispensáveis para a produção e reprodução do capital. A criticidade que
almejavam era somente o reconhecimento que o povo deveria ter da sua
importância para o desenvolvimento econômico e, portanto, deveriam trabalhar
para tanto, de forma harmoniosa, cada um exercendo sua função na
sociedade, tanto os trabalhadores, como a burguesia nacional. As mudanças,
portanto, deveriam ocorrer dentro dos limites estruturais do capitalismo, era
apenas a modernização de tais estruturas que se encontravam atrasadas em
relação ao restante do mundo.
A práxis de Freire aponta uma contradição entre a teoria aqui explicitada e sua
atuação nos movimentos sociais no início da década de 1960, a sua prática de
educador acaba superando a sua teoria que servia à ideologia nacional-
desenvolvimentista, e consequentemente a sua teoria é revista e reformulada a
partir de uma nova abordagem das relações sociais na sociedade capitalista.
O exílio foi um momento de refletir sobre as experiências passadas, à luz das
novas circunstâncias políticas dos países que o acolheram e aquilo que o
próprio golpe militar de 1964 evidenciou, a inviabilidade de uma relação
harmônica entre as classes sociais. A reação conservadora abortou a
efervescente participação política das massas, demonstrando os interesses
contraditórios entre a burguesia e os trabalhadores. A nova percepção política
da sociedade refletiu-se em sua análise educacional, levando-o a repensar a
sociedade e o papel da educação na mesma. Assim, Freire estaria pronto para
rever sua elaboração teórica de até então, a qual não se distanciava da
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concepção humanista cristã, no entanto, rompia com sua interpretação de
sociedade encontrada em seus primeiros escritos.
Em PO a desumanização dos homens segundo Freire é “um fato concreto na
história, não é, destino dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera a
violência dos opressores e esta, o ‘ser menos’”. Portanto, a “humanização e
desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são
possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua
inconclusão” (FREIRE: 1987, p.30). Nesta perspectiva, é a contradição
existente na relação opressor e oprimido que gera a situação de opressão, ou
seja, a distorção do ser mais, para uma relação de submissão, a qual leva o
homem à acomodação, negando-lhe a vocação de interferidor, sendo
submetido a prescrições, dominado por mecanismos ideológicos, imerso na
sua realidade, passando de sujeito a objeto.
Ao constatar a existência da relação contraditória entre opressores e oprimidos,
Freire está reconhecendo que existe uma relação de opressão de uma camada
da sociedade por outra. Apesar de não utilizar o materialismo histórico como
referencial de análise, Freire identifica esta relação como uma relação de
classes, em que uma é detentora dos meios de produção da sociedade,
enquanto a outra é destituída dos mesmos, vendendo sua força de trabalho
como única forma de sobrevivência.
Freire fala dos opressores como os patrões, que dependem dos oprimidos para
manter-se como opressores, e os oprimidos como os empregados, que são
explorados pelos patrões. Ele não explica as bases fundamentais de tal
relação, mas identifica a contradição de interesses entre as duas classes, e fala
que uma tomou a liberdade da outra em virtude de seu poder, fruto de suas
posses, portanto, a opressão se dá nas bases objetivas da sociedade, as
quais, numa relação dialética, se amplia para a subjetiva.
Percebemos assim, que Freire supera a compreensão de sociedade
encontrada em EPL, que servia os interesses do nacional-desenvolvimentismo.
Apesar, da sua experiência mostrar seu compromisso com o povo,
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teoricamente, tinha um posicionamento liberal, defendendo a modernização do
país como uma necessidade de toda a sociedade. O contrário acontece em
Pedagogia do Oprimido, onde reconhece a contradição entre os interesses da
classe trabalhadora e os da burguesia, acabando por fazer a opção por uma
pedagogia que servisse a causa do oprimido, como instrumento de superação
desta relação violenta.
2- CONSCIENTIZAÇÃO: EDUCAÇÃO PARA A TRANSFORMAÇÃO?
A categoria conscientização é muito polêmica, há uma grande discussão em
torno de sua validade teórica. Porém, não abordaremos aqui a legitimidade
desta categoria, mas as características que ela ganha nos dois períodos de
produção de Freire abordados neste trabalho. Esta categoria foi escolhida por
permear toda sua teoria, mas principalmente por constituir-se na mediação
entre sua teoria e a sua prática. Além disso, é um objeto de pesquisa perfeito
para análise do seu pensamento, no que diz respeito a compreensão da
relação entre os elementos objetivos e subjetivos da realidade.
Já vimos que houve uma alteração significativa na compreensão das relações
sociais de EPL para PO, alterando o posicionamento político intrínseco a
educação. Agora passaremos à análise das determinações subjetivas do
sujeito, ou seja, a formação da consciência e sua relação com a objetividade, o
que pautará a redefinição do papel da educação nesta sociedade.
Em EPL Freire faz um estudo dos níveis de compreensão da realidade e
estabelece uma ligação direta entre consciência e o contexto econômico, a
promoção da consciência para ele acontece paralelamente “à promoção dos
padrões econômicos da comunidade”. Assim, a passagem da consciência
intransitiva para a transitiva-ingênua acontece de “forma automática”, à medida
que se intensifica o processo de urbanização e os sujeitos vivem novas
experiências e travam novas relações na sociedade em trânsito (FREIRE:
2001, p. 37).
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A Consciência Intransitiva é “própria de lugares poucos desenvolvidos, como
as áreas rurais, sendo o modelo de uma sociedade fechada”. Neste nível as
preocupações do homem se restringem às “formas mais vegetativas de vida”,
não tendo um “teor histórico”. Ela “representa um quase incompromisso entre o
homem e a sua existência”, circunscrevendo-se a áreas estreitas de interesse e
preocupação, as quais não ultrapassam o que há de “vital biologicamente”
(FREIRE: 2001, p. 34 e 1982b, p. 60).
A Consciência Transitiva corresponde às “zonas de desenvolvimento mais
fortes”, em um primeiro momento é predominantemente ingênua, pela
simplicidade de interpretações dos problemas, pela subestimação do homem
comum, pelo gosto às explicações fabulosas, pela fragilidade na argumentação
e pelo forte teor de emocionalidade. No segundo momento, ao sofrer a
interferência de uma “educação dialogal e ativa, voltada para a
responsabilidade social e política”, ela se torna predominantemente crítica. E
“caracteriza-se pela profundidade na interpretação dos problemas e pela
substituição de explicações mágicas por princípios causais (FREIRE: 2001, p.
34 e 1982b: p. 61).
Como bem sintetizou PAIVA (2000, p. 176), a consciência ingênua e a
consciência crítica podem ser resumidas em dois pólos, nos quais os eixos
centrais sejam: “1) dominância de emoção x dominância da razão; o qual
desdobra-se em capacidade/incapacidade de dialogar; 2) recusa x aceitação
de mudança; 3) subjetivismo x objetividade na explicação da realidade”. O
primeiro seria próprio de sistemas autoritários de governo, próprios de relações
de subordinação. Enquanto que, o segundo seria imprescindível para a
construção e preservação das organizações democráticas, revelando-se
abertas ao novo, flexível às mudanças, sendo objetiva na percepção da
realidade e agindo racionalmente na resolução de problemas, bem como,
relacionando-se através do diálogo.
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Influenciado por Guerreiro Ramos e Vieira Pinto9, percebemos uma influência
marcante da interpretação dualista de sociedade sobre a determinação
também dualista da consciência, como se a infra-estrutura fosse determinante
direto da superestrutura, sem mediações entre as complexas tramas que
articulam o particular e o geral e vice-versa, ficando preso, portanto, a uma
relação unilateral. Esta é uma interpretação mecanicista, que despreza a
relação dialética entre a objetividade e a subjetividade na constituição da
consciência, enfatizando o fator econômico em detrimento das relações em sua
totalidade. No entanto, vemos Freire avançar em relação aos isebianos,
quando enfatiza a importância da interferência pedagógica.
O desenvolvimento econômico, no entanto, não é suficiente para completar a
passagem da consciência transitiva predominantemente ingênua para a
transitiva predominantemente crítica, pois esta passagem não ocorrerá de
forma automática, pelo contrário, ela acontecerá somente a partir de uma
intervenção educativa. Mas, será necessário um “trabalho educativo com essa
destinação”, em “íntima relação com a industrialização, que nos é um
imperativo existencial”, ou seja, a educação deve trabalhar em consonância
com o desenvolvimento econômico, que tem por base a industrialização.
O processo educativo, para Freire, deveria propor “ao povo a reflexão sobre si
mesmo, sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no
novo clima cultural da época em transição”. O processo de conscientização,
realizado na relação educativa, promoveria a passagem de uma consciência
transitiva ingênua para uma consciência crítica (FREIRE: 1982b, p. 59). A
educação, assim, tem um papel fundamental no processo de transição, na
formação do homem necessário à sociedade democrática e industrial, o qual
deve se integrar de forma crítica nesta sociedade, contribuindo para o seu
desenvolvimento.
A educação, neste sentido, faz-se necessária para legitimar o projeto da
burguesia industrial para o país, representado pela ideologia nacional
9 Álvaro Vieira Pinto, Consciência e a Realidade Nacional e Alberto Guerreiro Ramos, A Redução Sociológica.
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desenvolvimentista entre as massas, “pois o processo de desenvolvimento é
função das massas” (PINTO: 1956 apud FREIRE: 2001, p. 21). Assim, o
trabalho educativo não pode ser feito para o povo, mas com o povo, no sentido
de integrá-lo à nação. Percebemos, portanto, que a base da teoria educacional
de Freire neste momento, está ligada à ideologia do nacional-
desenvolvimentismo.
Contudo, será que uma afirmação como esta é tão fácil de se fazer? Mesmo
perante a demonstração de sua ligação com a ideologia burguesa de dado
momento, podemos afirmar categoricamente que a concepção de educação
Freiriana serviu aos interesses da elite?
A atuação e influência de Freire nos movimentos sociais da década de 1960
estabelecem uma contradição entre sua concepção educacional e a prática
pedagógica instituída nestes movimentos. Os movimentos de cultura e
alfabetização representavam os conflitos sociais e a polarização da sociedade,
em vista ao fracasso da aliança nacional desenvolvimentista, que a partir da
utilização de seu método educativo contribuiu para a politização das massas,
instrumentalizando-as em sua organização. A superação da concepção
educacional de Freire se dá na práxis, quando os atores sociais se apropriam
de suas idéias pedagógicas e a utilizam para o tensionamento das relações em
que estavam inseridos.
A defesa da “integração” do povo nos problemas nacionais rui, com a
conjuntura social que se delineia no início da década de 1960, quando ocorre
uma nítida polarização das forças sociais da sociedade; entre setores
populares, até certo ponto representados pelo Estado e intelectuais da classe
média, e do outro lado, grande parcela da classe média, a burguesia nacional,
o capital estrangeiro e as oligarquias (FREITAG: 1980, p. 56). As contradições
entre os interesses de classe se afloram, mostrando a inviabilidade do projeto
nacional harmônico, deflagrando na organização popular. Neste momento as
idéias pedagógicas de Freire serão úteis para os movimentos populares na
preparação de uma consciência para a contestação da ordem vigente.
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As modificações da compreensão das relações sociais em PO também
decorrem da análise deste movimento. O papel da subjetividade ganha uma
nova conotação política e a formação da consciência ganha uma explicação de
acordo com a contradição entre opressor e oprimido, gerando uma nova
compreensão do ser social e de seu papel histórico. A opressão se dá nas
relações concretas da sociedade e, como a consciência é constituída ao
mesmo tempo em que o mundo, veremos que Freire compreende a
consciência como expressão desta relação.
A consciência do opressor dá-se na relação que este estabelece com seu
contrário, da mesma maneira, a consciência do oprimido dar-se-á nesta mesma
relação. Portanto, a percepção de mundo, de homem e das relações
estabelecidas neste mundo por estes homens, terão como referência sua
relação objetiva da estrutura de dominação, ou seja, a relação de submissão e
exploração entre opressor e oprimido.
A consciência do oprimido se constitui na base concreta da sociedade e se
manifesta de forma ideal na consciência. Da mesma forma a consciência do
opressor se dá nesta mesma relação. Portanto, a visão de mundo dos
oprimidos é a visão de mundo da classe dominante, à medida que pensam na
superação da sua situação de opressão, somente almejam um dia tornarem-se
opressores. Pois, para eles o ideal de homem é o opressor e o tipo de vida que
sua posição pode oferecer.
A classe dominante, consciente da relação que estabelece com o oprimido, tem
clareza de seu papel na sociedade, que se configura na manutenção das
estruturas sociais, além disso, reconhece as ações que tem de realizar para
tanto. No entanto, o oprimido nem sempre reconhece o tipo de relação em que
está envolvido, para Freire o oprimido pode ter níveis diferentes de
compreensão da realidade, à medida que ele se desprenda das explicações
fatalistas inculcadas pela ideologia da classe dominante e possa compreender
de forma crítica a realidade em que vive.
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Para Freire, as explicações míticas e as interpretações deterministas da
sociedade são doações da classe dominante, a qual utiliza-se de mecanismos
de ocultamento das relações reais para impedir que a classe trabalhadora
possa compreender a realidade e as determinações que resultam na sua
opressão. Portanto, as explicações que os oprimidos têm do mundo são as
explicações de velamento das relações de exploração, o que naturaliza tal
situação, impedindo que a maioria explorada por uma minoria, se levante
contra tal situação.
Freire, no entanto, aponta que à medida que os oprimidos se descobrem em
uma relação contraditória com o opressor, reconhecendo que são explorados e
que tal situação não mais os satisfaz, adquirem uma nova compreensão da
realidade, assumindo uma consciência “em si”, em que conseguem identificar o
opressor fora de si. Esta nova compreensão da realidade revela uma
consciência mais enriquecida das relações que partilham, no entanto, não é
ainda uma consciência “para si”10, em que tal percepção incitaria uma luta para
sua superação.
Ao fazer isso, Freire supera sua compreensão de consciência encontrada em
EPL e identifica um caminho para superação desta relação, não sugerindo a
harmonização dos interesses das classes, pelo contrário, a consciência crítica
em Pedagogia do Oprimido é uma consciência revolucionária que, em sua
práxis, busca a superação da sociedade de classes.
Para Freire “não se pode pensar em objetividade sem subjetividade. Não há
uma sem a outra”, portanto, estas dimensões “não podem ser dicotomizadas”
(FREIRE: 1987, p. 37). A relação dialética entre a consciência e a realidade
concreta é fundamental para Freire, mas ele adverte, somente rompendo com
a interpretação simplista da realidade, ou seja, do senso comum, pode-se
reconhecer a verdadeira relação existente entre os pólos contraditórios da
sociedade e reconhecer-se em um deles. 10 A compreensão de Freire de consciência “em si” e “para si”, revela a leitura de “História e consciência de classe”, obra de Lukács, marcada pela influência de Hegel, os quais foram citados algumas vezes em Pedagogia do Oprimido. A própria contradição entre opressor e oprimido, revela uma certa influência da idéia de “servo e escravo” de Hegel.
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Reconhecer-se fora do opressor é condição fundamental para o processo
revolucionário, no entanto, não é o seu fim, pois, tal reconhecimento não
modifica em nada as relações concretas, apenas é o primeiro passo para a
tomada de consciência. Para Freire, a tomada de consciência não é ainda a
consciência crítica, pois esta somente se dá no processo de conscientização,
em que o homem ultrapasse a esfera espontânea de apreensão da realidade e
passe a elaboração da práxis revolucionária, assumindo um compromisso
histórico:
A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transforma a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens (FREIRE: 1987, p. 37).
Frente a esta relação de opressão, Freire destaca a grande tarefa humanista
da história dos oprimidos: “libertar-se a si e aos opressores”, pois somente o
oprimido pode libertar-se da opressão e da exploração e, ao fazê-lo, está
libertando também aquele que o oprime, não colocando-se no lugar dele, mas
sim, trabalhando para a superação da relação de exploração. O oprimido, desta
forma, estaria lutando por sua humanização, cumprindo sua verdadeira
vocação (FREIRE: 1987, p. 35).
A conscientização, como um processo educativo, é um meio de organização
política do oprimido, ela instrumentaliza na luta pela superação da realidade de
exploração. O processo de conscientização permeia toda a proposta
educacional de Freire e é essencial para o movimento revolucionário, como
imperativo educativo na constituição de sua práxis. Assim, percebemos o
comprometimento político de Freire na sistematização de uma teoria
educacional que, por entender a inviabilidade de sua neutralidade, faz-se
revolucionária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As teses eminentemente educacionais, não se alteram estruturalmente de EPL
para PO, o que se altera é a finalidade da educação, ao ser considerada em
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uma nova perspectiva teórica, atribui um novo significado político e social que
se contrapõe ao primeiro livro. Neste sentido, podemos destacar as alterações
teóricas fundamentais da utilização da educação que se propõe a
conscientizar.
Percebemos que a essência de sua teoria pouco se altera, como sua
concepção de homem, e, mesmo incorporando elementos do materialismo-
histórico, não abandona a fundamentação existencialista-cristã11. No entanto,
perceberemos uma alteração significativa entre os dois livros na compreensão
das relações sociais, o que será decisivo na significação política da educação
em cada momento. Em EPL, Freire propõe uma educação que fosse
significativa para seu momento histórico, em que se configurava a transição de
uma sociedade fechada para uma sociedade aberta, ou seja, de uma
sociedade marcada por uma economia agrário exportadora e essencialmente
rural, para uma sociedade que industrializava-se e intensificava seu processo
de urbanização.
A educação deveria responder às exigências deste momento, contribuindo para
a modernização do país, oferecendo os instrumentos de criação de uma
sociedade democrática e formando os quadros técnicos de uma economia
industrial. Neste contexto, a educação era um importante veículo de integração
social nos moldes da democracia liberal, em que se pregava a harmonia social
para o desenvolvimento do país.
Já em PO, a relação entre a classe dominante e a classe dominada é
percebida nas suas contradições, como uma relação de opressão que se dá
nas bases objetivas da sociedade, mas que se manifesta na subjetividade dos
indivíduos. Compreendendo, assim, a inviabilidade de uma educação neutra,
pois a educação é um instrumento tanto de dominação, quando nas mãos da
11Freire fala sobre tal conciliação, numa entrevista: “[...] Marx me ensinou a reler os evangelhos. [...] eu não vejo nenhuma contradição à minha opção cristã pretender uma sociedade que não se funda na exploração de uma classe por outra. [...] devo dizer que tanto a minha posição cristã quanto a minha aproximação a Marx, ambas jamais se deram ao nível intelectualista, mas sempre referidas ao concreto. Não fui às classes oprimidas por causa de Marx. Fui a Marx por causa delas. O meu encontro com elas é que fez encontrar Marx e não o contrário” (LEITE: 1979, p. 75).
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elite dominante; como de organização revolucionária, quando nas mãos dos
oprimidos.
A educação, desta forma, ganha um caráter essencialmente político. Em que o
conhecimento será ferramenta estratégica na libertação das estruturas de
opressão da sociedade, em contraposição aos mecanismos de dominação
utilizados pela classe dominante. Por este motivo, a educação é ação cultural
para a libertação, que através do processo de conscientização, pretende
adensar a compreensão da realidade do educando, de modo que este se
organize politicamente em uma atitude de transformação.
A educação em EPL, tinha a função de integrar o homem à sua realidade,
munindo-o da capacidade de participação política, ao transitar de uma forma
ingênua de compreender a realidade (consciência transitivo ingênua), para uma
com um teor mais crítico (consciência transitivo crítica). Em PO, a educação
tem a finalidade de auxiliar o oprimido a extrojetar o opressor de sua
“consciência hospedeira”, identificando-o como seu antagônico. A consciência
que está em “aderência” ao opressor é uma “consciência dual”, pois
compreende as idéias da classe dominante, como suas próprias idéias.
Extrojetar o opressor é reconhecer-se em uma relação contraditória com seu
antagônico, ao fazer isso, o oprimido estaria adquirindo a consciência “em si”, a
qual não é ainda uma consciência crítica, é apenas a tomada de consciência.
O desenvolvimento de uma consciência crítica implica o desenvolvimento da
tomada de consciência, à qual realiza-se a partir de uma educação
problematizadora da realidade do educando, que o faça ultrapassar o nível de
“consciência real” e atinja o da “consciência máxima possível”. A consciência
crítica não é apenas a percepção da relação de opressão, implica ainda um
comprometimento com sua transformação. Ela não pode existir fora da práxis,
pois constitui-se no processo de conscientização, que é um contínuo
desvelamento da realidade, de maneira dialética, ou seja, com a constante
reflexão sobre a prática. Por este motivo, a conscientização em PO é
imprescindível para a constituição da práxis revolucionária. Enquanto a
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“consciência crítica”, em EPL, é integração ao processo democrático, em PO
ela é consciência revolucionária.
As mudanças ocorridas nas teses epistemológicas evidenciam-se tanto com o
novo significado político que é atribuído à educação em PO, como na mudança
da influência teórica que pode ser percebida com as referências bibliográficas.
Em EPL suas referências eram, Álvaro Vieira Pinto, Guerreiro Ramos, Tristão
de Ataíde, Fernando de Azevedo, Gilberto Freyre, Oliveira Viana, Anísio
Teixeira, Karl Mannheim, Karl Jaspers, Gabriel Marcel, Simone Weil, Karl
Popper, Barbu Zevedei, entre outros. Em PO suas principais referências são
Karl Marx, Vladimir Lênin, Che Guevara, Louis Althusser, Eric Fromm,
Marcuse, Mao Tse-tung, Lucien Goldmam, dentre outros. Isso não significa que
as primeiras tenham se tornado irrelevantes, mas que as outras vieram
acrescentar uma nova compreensão da realidade e do papel da educação.
No entanto, não foram somente as novas influências teóricas que contribuíram
para a modificação de sua teoria, sua prática mostrou-lhe novas possibilidades
de compreensão da realidade. O processo metodológico, dialógico e dialético,
a que Freire se propôs, acabou por educá-lo. As contradições da realidade de
opressão expressavam-se tanto no cotidiano dos educandos, durante a
pesquisa do conteúdo programático, como nos diálogos descodificadores,
quando os educandos-educadores apresentavam novas problematizações de
sua realidade, levando os educadores-educandos a perceber novas mediações
para a compreensão da realidade (concreta). No processo de conscientização,
o conscientizado, foi também, o próprio Freire, ao perceber que as situações
concretas de seus educandos revelavam-se muito mais complexas que ele
presumia.
Percebemos no decorrer do estudo, que as alterações teóricas ocorridas na
produção freiriana, propiciaram a modificação na significação da categoria
conscientização. Embora reconhecemos que em EPL, a prática havia superado
a teoria, não podemos deixar de destacar que em PO há uma compreensão
mais elaborada do significado social que tal método de alfabetização implica.
Se, no primeiro momento a conscientização significava a integração do povo às
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discussões políticas no modelo da democracia liberal, no segundo, é condição
fundamental para a constituição de uma “consciência de classe”, a qual se faz
na práxis revolucionária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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