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EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA FRANCESA ANA ROSA VIDIGAL DOLABELLA (CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE). Resumo O presente artigo busca discutir uma experiência de Educação para as Mídias (EAM) desenvolvida a partir das ações do CLEMI – Centre de Liaison entre l´Enseignement et les Médias d´Information (www.clemi.org) durante as atividades realizadas na 19ª. Semana da Imprensa e das Mídias na Escola em Grenoble/França. Tal experiência consiste na apresentação, em forma de exposição comentada para a comunidade escolar (e aberta ao público em geral), de diferentes seqüências de atividades, voltadas para a sensibilização a respeito de estratégias de leitura, referente à mídia imprensa, por grupos de crianças, de 4 a 6 anos de idade – fase inicial da aquisição da leitura e da escrita, em uma escola pública francesa. Nesse sentido, o artigo propõe, em um primeiro momento, compreender o contexto pedagógico em que se inscrevem as propostas do CLEMI, como órgão do Ministério da Educação Nacional na França, responsável pela formação do senso crítico (“prática cidadã pelas mídias”) dos alunos (da Educação Infantil ao Ensino Médio) a partir da EAM, no conjunto do sistema educativo francês. Em um segundo momento, será abordada a questão das práticas sociais de leitura, no que concernem às práticas escolares de letramento, na perpectiva da mediação do professor como “agente de letramento” (KLEIMAN, 2006), e nas implicações da transposição didática (SOARES, 2004) da mídia impressa. Além disso, é proposta, neste artigo, uma reflexão a partir da noção de letramento apresentada em Wells & Chang–Wells (1992), que focaliza, nessa perspectiva, a construção dialógica nas interações em sala de aula, durante eventos de letramento, para a produção do conhecimento. Finalmente, discute–se a produção, resultante das atividades, exposta na apresentação da escola em questão, como uma possibilidade efetiva (ou não) de proposta de EAM na Educação Infantil. A autora é professora no UNI–BH (MG). Participou do PDEE – Capes 2008 na Université Stendhal, Grenoble/França. Palavras-chave: leitura , mídia impressa, mediação.
EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO INFANTIL:
UMA EXPERIÊNCIA FRANCESA
Ana Rosa Vidigal Dolabella1
Introdução
O presente artigo busca discutir uma experiência de Educação para as Mídias
(Education aux Médias/ EAM) ou Mídia-Educação, no contexto francês das práticas
escolares em classes iniciais de alfabetização, desenvolvida a partir das ações do
CLEMI – Centre de Liaison entre l´Enseignement et les Médias d´Information,
durante as atividades realizadas na 19ª. Semana da Imprensa e das Mídias de
Informação na Escola®.
Tal experiência consiste na apresentação, em forma de exposição comentada para
a comunidade escolar – pais e alunos (e aberta ao público em geral), de diferentes
sequências de atividades, voltadas para a sensibilização a respeito de estratégias
de leitura, referentes à mídia imprensa, por grupos de crianças, de 4 a 6 anos de
idade – fase inicial da aquisição da leitura e da escrita, em uma escola pública
francesa na região de Grenoble/França.
Nesse sentido, o artigo propõe, em um primeiro momento, compreender o contexto
pedagógico em que se inscrevem as propostas do CLEMI, como órgão do Ministério
da Educação Nacional na França, responsável pela formação do senso crítico
(“prática cidadã pelas mídias”) dos alunos (da Educação Infantil ao Ensino Médio) a
partir da EAM (Mídia-Educação), no conjunto do sistema educativo francês.
Em um segundo momento, será abordada a questão das práticas sociais de leitura,
no que concernem às práticas escolares de letramento, na perpectiva da mediação
do professor como “agente de letramento” (KLEIMAN, 2006), e da transposição
didática (SOARES, 2004) da mídia impressa. Além disso, é proposta, neste artigo,
uma reflexão da prática da EAM, a partir da noção de letramento apresentada em
Wells & Chang-Wells (1992), que focaliza, nessa perspectiva, a construção dialógica
nas interações em sala de aula, durante eventos de letramento, para a produção do
conhecimento.
Finalmente, discute-se a produção, resultante das atividades, exposta na
apresentação da escola em questão, como uma possibilidade efetiva (ou não) de
proposta de EAM (Mídia-Educação) na Educação Infantil, na perspectiva do
letramento.
Mídia-Educação no contexto escolar francês
A noção de EAM (Education aux Médias) ou Mídia-Educação, no contexto francês
das práticas escolares em classes iniciais de alfabetização, se baseia no que propõe
o CLEMI, Centro de Ligação entre o Ensino e as Mídias de Informação, relacionado
ao Ministério da Educação Nacional, na França, e atuante, nesse país, desde 1983.
A missão do CLEMI é formar professores para “ensinar aos alunos uma prática
cidadã das mídias”2, ao “promover [...] a
utilização pluralista dos meios de informação no ensino, a fim de favorecer uma
melhor compreensão pelos alunos do mundo que os rodeia, desenvolvendo
simultaneamente o seu sentido crítico”3. Nesse sentido, a Educação para as Mídias,
promovida
pelo CLEMI, se inscreve no pilar comum de competências e habilidades que os
alunos devem dominar, ao final de sua escolaridade obrigatória, entre elas:
capacidade de argumentação e de espírito crítico; a reflexão sobre ética e sobre
noção de democracia; a autonomia e a iniciativa; e as competências sociais e
cívicas, no que se refere à preparação para a participação na vida cidadã (CLEMI,
2009).
O CLEMI é responsável, prioritariamente, pela formação de professores – inicial ou
continuada – e pela promoção de projetos escolares, em parcerias com escolas e
profissionais da comunicação/mídias, baseados nas diretrizes curriculares
francesas, nos diferentes segmentos de formação do aluno na educação básica - da
educação infantil ao ensino médio – no âmbito da Mídia-Educação (Éducmédias).
Entre esses projetos, a Semana da Impressa e das Mídias de Informação na
Escola® está, neste ano de 2009, em sua 20a. edição.
A cada ano, no mês de março, as escolas francesas de educação básica, dos
segmentos do maternal ao ensino médio, portanto, são convidadas, juntamente
com parceiros da comunicação midiática no país – empresas jornalísticas, etc – a
participar da Semana da Impressa e das Mídias na Escola®. É uma atividade
considerada de educação cívica, facultativa no currículo escolar francês, e que visa
ajudar aos alunos a compreender o sitema das mídias, a formar seu espírito crítico
e a desenvolver o gosto pela atualidade, bem como fortalecer sua identidade cidadã
(CLEMI, 20094). O evento consiste em um
conjunto de atividades pedagógicas, sugeridas aos professores em exercício, pela
equipe do CLEMI (profissionais da Educação ligados CRDP – Centres Régionaux de
Documentation Pédagogique/ Ministério da Educação) que propõe, entre outras,
sequências didáticas de leitura, análise e produção de jornais impressos, televisivos
e radiofônicos nas salas de aula.
A partir do currículo escolar obrigatório do sistema de ensino francês (referidos pelo
CNDP – Centro Nacional de Documentação Pedagógica/ Ministério da Educação
Nacional), no que se refere aos anos iniciais de escolarização (3 a 6 anos), o CLEMI
propõe parâmetros5 de formação para uma Mídia-Educação baseada na
identificação nos programas
curriculares de dois focos principais: a) a utilização das mídias como suporte
pedagógico (“educação pelas mídias”); e b) o estudo das mídias em si (“educação
para as mídias”). Por meio desses focos, são estabelecidos quatro eixos de leitura:
i) cidadania/compreensão do mundo/ aberturas para uma Educação para as Mídias;
ii) leitura da imagem/ visual; iii) mídias como objetos de estudo; iv) mídias como
documentos ou suportes pedagógicos.
No que concerne, especificamente, aos referentes curriculares da Educação Infantil,
na França, são previstas determinadas habilidades e competências em relação aos
quatro eixos de leitura. Quanto ao primeiro eixo – cidadania/ compreensão do
mundo – articula-se a “educação para o olhar” (p.4):
Descoberta ativa do mundo, descoberta de documentos (impressos ou virtuais) através da mediação do adulto que lê, explica e comenta os textos e as imagens fixas (fotografias, cartazes, livros infantis) ou em movimento (videos, tv e cinema). Primeiramente sensíveis às impressões que textos e imagens produzem, a criança aprende também a percebê-los como documentos. (PACAUD; RIGOTARD, 2006, p. 3-4)
Quanto ao segundo eixo, no qual se baseia a proposta de Educação para as Mídias,
ressalta-se a importância de favorecer a visualização de imagens diversas, e de
favorecer o aprimoramento do olhar da criança, ajudando-a a precisar o que está
vendo. O universo das imagens, que lhe é oferecido, deve fazer sentido para a
criança, a partir da ativação de conhecimentos prévios em relação ao próprio
universo de imagens, repertoriado particularmente por cada criança. Essas
explorações, em torno das imagens variadas, devem conduzir as crianças a
“capitalizar suas experiências visuais e a exercitar sua própria capacidade de
produzir imagens”(p.4). Além disso, espera-se que a criança expresse seus
sentimentos e pensamentos diante de uma imagem, ou uma obra, e escute o que
dizem também as outras crianças. Nesse sentido, reforçam-se os aspectos da
expressão oral e da criação individual.
No que se refere ao terceiro eixo – mídias como objetos de estudo – considera-se
conteúdo programático a descoberta das principais funções sociais da escrita,
passando pela imprensa e também pelos suportes digitais. Finalmente, no eixo que
trata sobre as mídias como suporte pedagógico, ressalta-se o caráter dialógico da
abordagem da leitura na sala de aula dos anos iniciais de escolarização. Essa leitura
tem como base “diferentes tipos de mídias” (p.4):
Todas essas experiências são fundamentos para debates, tentativas de representação (pelo desenho, pela fotografia), em si mesmas novos objetos de discussão... Elas constituem situações de questionamento sobre o mundo e se tornam, dessa forma, ocasiões de busca de informações (a partir da mediação do professor) [...]. (PACAUD; RIGOTARD, 2006, p.3)
Nas classes de alfabetização (6 e 7 anos), o eixo que se refere à cidadania e
compreensão do mundo focaliza a construção do sujeito em relação a si mesmo e
ao grupo. Como nos anos iniciais de escolaridade, descobrir o mundo continua a ser
o domínio privilegiado da “educação para a curiosidade” (p. 5). Mas a conquista da
leitura e da escrita pela criança, nessa etapa, tem a função de relançar o
questionamento sobre o mundo que rodeia a criança e a conduzir na busca de
novos conhecimentos (p.5). O foco desses conhecimentos, como prevê o programa
curricular nessa fase, deve permitir aos professores “mostrar [às crianças] tanto a
riqueza e a diversidade das culturas do mundo, quanto a unidade da humanidade,
conduzindo-as às primeiras formas de solidariedades que ampliam o horizonte
limitado do grupo” (PACAUD; RIGOTARD, 2006, p. 5).
Espera-se que as crianças, nessa fase, comecem a observar as imagens de forma
mais aprofundada – o que demanda, do professor, a condução de discussões, em
classe, de maneira que as crianças consigam elaborar verbalmente o que propõe a
imagem, a partir do ponto de vista adotado pelo autor (p.5-6). Além de observar
imagens e analisá-las – descrevê-las e compará-las utilizando um vocabulário
apropriado, espera-se que as crianças sejam capazes de produzir suas próprias
imagens, transformá-las e manipulá-las, visando dominar efeitos de sentido (p.6).
No que se refere ao estudo das mídias em si, ressalta-se a importância de
apresentar às crianças documentos de mídias autênticos, assim como considerá-los
em sua função de referência na vida social. Além disso, acredita-se que conhecer
diferentes pontos de vista sobre uma mesma representação pela mídia, é essencial
“para um trabalho de construção do conhecimento” (PACAUD; RIGOTARD, 2006,
p.5), bem como a produção coletiva de documentos manuscritos ou digitalizados
(como um CD, uma página na internet etc).
Letramento, agência e práticas escolarizadas de leitura e escrita
A partir da proposta de uma Educação para as Mídias no contexto escolar francês
descrito acima, fica claro que, como toda prática escolarizada de leitura e escrita,
torna-se necessário considerar três noções básicas para a produção de saberes na
escola: i) o letramento; ii) o professor como agente de letramento; e iii) a
especificidade da transposição didática6 de textos que são produzidos, recebidos e
que circulam, originariamente, em outras esferas sociais.
Assim, o que chamamos letramento deve ser entendido, neste artigo, a partir da
contribuição de Wells & Chang-Wells (1992): “literacy, understood as the conscious
exploitation of the symbolic potential of language as an instrument for thinking,
provides the means for achieving this intentional control over learning”. (WELLS &
CHANG-WELLS, 1992, p. 99). Nesse sentido, espera-se, para esses autores, que
todo texto seja, necessariamente, uma ocasião de leitura baseada na troca
simbólica realizada pela linguagem, em interação, ou seja, na “aprendizagem
dialógica”. Texto, nessa perspectiva, é considerado como todo artefato que é
construído como uma representação de sentido e que usa um sistema simbólico
convencional7 (WELLS; CHANG-WELLS, 1992, p.145) – ou seja, a leitura, nas
práticas pedagógicas de Educação para as Mídias, pode ser lançada como uma
“ponte”, no sentido bakthiniano, tanto para um texto verbal quanto para um texto
icônico.
Para fazer parte dos eventos de letramento, determinados textos serão, de alguma
forma, “escolhidos” para participar do processo de transposição didática (ou
escolarização), que é inerente às práticas de letramento na escola. Esses textos
devem ser selecionados por atender às demandas sociais de formação do sujeito-
cidadão. Os critérios podem ser baseados na frequência desses textos na vida
social e profissional, ou ainda podem estar baseados na valorização cultural8, que
esses textos assumem nas práticas sociais, por exemplo.
A proposta sugerida para uma Mídia-Educação, na França, se baseia, de acordo
com o conteúdo programático dos segmentos de formação escolar em questão
(educação infantil e classes de alfabetização), em situações em que as crianças
devem expressar pensamentos, sentimentos a partir da leitura de diferentes textos
e imagens. Constituem-se de participações dialógicas do grupo, em que debate,
discussão, e elaboração do pensamento pela verbalização de impressões em
produções coletivas são focalizados no âmbito da sala de aula.
O professor assume, dessa forma, o papel de mediador da construção de
conhecimentos, no âmbito da sala de aula, visando, especificamente, o “letramento
escolar” (SOARES, 2004, p. 111) a partir de determinadas competências e
habilidades contempladas no conteúdo programático em questão, como: condução
de debates; a “educação para o olhar”; a “educação para a curiosidade”; relançar
questionamentos sobre o mundo a partir de novos conhecimentos construídos, a
cada etapa de escolaridade; conduzir a aprendizagem da oralidade pela
verbalização de impressões, além das habilidades de descrição e análise de textos
verbais e/ou imagéticos na fase escolar observada.
O “lugar”, que assume esse professor, nessa perspectiva, parece próximo ao que
Kleiman nomeia de “agente de letramento” (Kleiman, 2006, p.82): o professor
como agente social, responsável pela inserção dos alunos nas práticas de
letramento escolar. Para o exercício desse papel de “agente social”, ao qual se
refere a autora, acredita-se que “[...]a familiaridade com múltiplas práticas de
letramento é ainda essencial, mas tão importante quanto isso é a capacidade de
mobilização da comunidade de leitores (em formação) com vistas a um objetivo em
comum.” (Kleiman, 20089).
Portas Abertas
“Portas abertas” foi a atividade acompanhada na Escola Maternal Mas-des-Îles10,
em Seyssins, região metropolitana de
Grenoble (/França, em uma manhã letiva de sábado (5/4/2008), para famílias e
crianças, que tinha como objetivo de divulgar o resultado do trabalho desenvolvido
com duas turmas de alunos de 3 a 6 anos, na ocasião da 19a. Semana da Imprensa
e das Mídias de Informação na Escola, promovida pelo CLEMI. O CLEMI foi
convidado pela escola para presenciar o evento. Na ocasião, participou Mireille
Cazeneuve, professora do ensino fundamental II e representante do CLEMI na
região de Grenoble (Isère). Cazeneuve ressaltou que a importância de atividades
escolares como essa, em questão, denominada “Portas abertas”, se mostra
também, nas práticas pedagógicas francesas, como uma oportunidade de
mobilização da comunidade Escola/família, além de favorecer a relação pais/filhos.
Os trabalhos expostos, no evento, buscaram ilustrar um processo desenvolvido em
cinco etapas, correspondentes aos “ateliês” didaticamente apresentados na
exposição, realizado no período de 15 dias. Segundo as professoras responsáveis11,
por opção, as docentes se organizaram de forma a proporcionar as atividades
acadêmicas curriculares voltando-se para os objetivos pedagógicos para cada faixa
etária, de maneira intuitiva no que se refere à EAM, especificamente; portanto, não
se basearam, efetivamente, nas orientações didáticas do CLEMI para a 19a.
Semana da Impressa e das Mídias na Escola (apenas o “kiosque de jornais”
impressos foi uma atividade ligada diretamente à atuação do CLEMI; uma aquisição
da escola por estar inscrita no programa: os jornais do kioske são enviados por
empresas de comunicação, inscritas como parceiras, da 19a. Semana da Imprensa
na Escola®).
Fig. 1 Cartazes indicam os ateliês desenvolvidos em cada etapa do trabalho com as
mídias na escola
A primeira etapa, mostrada em forma de ateliê intitulado “Nem tudo é livro”12,
consistiu na descoberta (vocabulário) da imprensa pela manipulação de diferentes
publicações presentes na biblioteca da escola.
Figs 2 e 3: Atividades desenvolvidas são apresentadas através de esquemas para
os pais
O segundo ateliê centrou-se no kiosque de jornais e revistas especificamente,
proporcionado pela 19a. Semana da Imprensa a todas as escolas participantes; foi
intitulado “Descobertas/ leitura: consultar, folhear, ler, descobrir, discutir,
trocar...”13.
Na sequência, o terceiro ateliê propôs atividades de reconhecimento visual pelas
leituras, apresentando às crianças fichas em que constavam os títulos de periódicos
de imprensa. Essa proposta foi realizada em colaboração com a biblioteca da
cidade, o que foi bem ressaltado nos cartazes que ilustravam as atividades desse
ateliê.
Figs. 4 : Nos kiosques, jornais diversos e uma variada publicação para o público
infantil
O quarto ateliê apresentou o “Jogo da vendedora”14, que consistia no levantamento
pela criança da quantia referente ao
preço estampado na primeira página de jornais e revistas, como se fosse comprá-
lo, através de papéis recortados em forma de moedas e notas de diferentes valores
à disposição dos alunos.
Fig. 5: Fotografias das atividades compõem os cartazes esquemáticos da exposição
A quinta etapa realizada foi a construção de um jornal-revista por grupos de oito
crianças, a partir da questão apresentada pelas professoras: “O que vocês
gostariam de propor ou mesmo de encontrar em uma revista para crianças se
vocês pudessem opinar ou inventar uma?”15
Foi observado que diversos cartazes retratam o processo vivenciado pelos alunos
em cada ateliê, evidenciando as questões propostas pelas professoras e as
reflexões sugeridas a partir das respostas das crianças, também afixadas nos
cartazes.
Fig. 6: A partir do relato das atividades coletivas, são apresentadas as reflexões
dos alunos
Foi apresentado, em todo atelier, como informação complementar, o grupo etário16
ao qual a atividade se destinava, como
forma de orientação aos pais para a manhã escolar “portas abertas”, e como relato
das experiências anteriormente desenvolvidas na escola.
Fig. 7: Trocas verbais realizadas em sala de aula, durante o trabalho com alunos de
4 a 5 anos
Na ocasião, ressaltou-se também a dificuldade de desenvolver atividades de
Educação para as Mídias com crianças na faixa etária focada – classes de educação
infantil – “pelo tumulto que o processo gera no ambiente escolar, com muita
participação ativa dos alunos, tanto em movimentação física quanto em relação às
trocas verbais”17 (VIE-BAUDUCCO, 2008).
Considerações finais
A experiência de Mídia-Educação, no contexto escolar francês, aqui apresentada,
evidencia, em primeira instância, a efetiva busca de sistematização desse domínio
interdisciplinar – Comunicação e Educação – no conteúdo programático dos anos
iniciais de escolarização. É importante perceber a focalização do desenvolvimento
de competências e habilidades tanto no que se refere ao estudo das mídias, como
metalinguagem, quanto na utilização dessas mídias como suporte para leitura e
produção de textos verbais e/ou imagéticos na escola. As mídias, nessa
perspectiva, são efetivamente meio e mensagem. A ênfase no papel do professor,
como mediador dos debates na classe, em torno da construção de conhecimentos é
evidente nos programas curriculares de proposição da Mídia-Educação,
documentada pelo CLEMI.
O que foi percebido na experiência francesa descrita é que, além das práticas
escolares realizadas no âmbito da Mídia-Educação, buscou-se divulgá-las na
comunidade como forma de mobilização de pais/alunos, pelos agentes sociais de
letramento escolar, responsáveis pelo processo. Não somente as atividades
realizadas na sala de aula foram expostas - “o que foi feito” - como também foram
consideradas, na exposição “Portas Abertas”, a explanação didática de “como foi
feito”, o que favorece a proximidade dos pais das etapas de produção de
conhecimentos pelas ações e pelas interações entre crianças e professoras. Se um
evento de letramento é construído na interação em sala de aula, a partir de
questionamentos promovidos pela leitura de mundo, que conduz o professor, não
seria diferente no que se refere ao letramento no âmbito do discurso midiático,
apropriado pelas práticas escolares de leitura.
O que caracteriza, assim, a especificidade do evento de letramento em Mídia-
Educação é, de fato, a conscientização do professor na importância da construção
desse tipo de conhecimento para a formação, pela escola, do cidadão inserido em
seu “mundo”, conhecedor de seus diferentes papéis e participante efetivo das
diferentes práticas sociais, nesse mundo que o rodeia, e no qual ele atua. Nesse
sentido, é necessário que o cidadão seja preparado, pela educação formal, para
desenvolver habilidades e competências específicas para essa atuação; e já que
esse desenvolvimento se fundamenta na complexificação do pensamento e da
expressão oral, é possível iniciá-lo nos primeiros passos dessa escolarização.
Referências
CLEMI “qui sommes nous?”. Disponível em http://www.clemi.org/fr/spme/; acessado em 5/7/2009.
KLEIMAN, A . O professor e a leitura – questões de formação. 2008 (no prelo)
KLEIMAN, A . Processos identitários na formação profissional - o professor como agente de letramento. In CORRÊA, Manoel (org.) Ensino de Língua: Letramento e Representações. São Paulo: Mercado de Letras, 2006 (p. 75 a 105).
PACAUD, C.; RIGOTARD, B. Lecture des programmes scolaires sous l’angle de l’éducation aux médias (école primaire, collège, lycées techniques et d’enseignement général). Documentation du CLEMI, 2006.
WELLS, G.; CHANG-WELLS, C. Constructing kowledge together: classrooms as centers of inquiry and literacy.Portsmouth, NH: Heinemann, 1992.
SOARES, M. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera Masagão (org). Letramento no Brasil – reflexões a partir do INAF. São Paulo: Global, 2004 (p. 89 a 103).
1A autora é professora no Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH (MG). É doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras/Linguística da PUC Minas. Participou do Programa de Doutorado com Estágio no Exterior/ PDEE – Capes 2008 na Université Stendhal, Grenoble/França.
2Disponível em http://www.clemi.org/fr/qui-sommes-nous-/; acessado em 5/07/2009.
3Code de l’Éducation, livre III, chapitre IV, titre Ier articles D.314-99 à D.314-106. Disponível em http://www.clemi.org/fr/portugais/; acessado em 5/07/2009.
4Disponível em http://www.clemi.org/fr/spme/; acessado em 5/7/2009.
5 Dossier produzido pelo Centro de Documentação do CLEMI, em novembre de 2003, publicado em novembre 2006 por C. Pacaud et B. Rigotard.
6“saber a ensinar” (CHEVALLARD, 1997/1991 apud SOARES, 2004).
7“[...] any artifact that is constructed as a representation of meaning using a conventional symbolic system.” (WELLS; CHANG-WELLS, 1992, p.145)
8 A escolha de textos que são produzidos, divulgados e que circulam nas mídias pode ser um dilema, no contexto escolar francês, que valoriza, tradicionalmente, as produções textuais literárias na escola. Talvez seja esse um dos motivos para a existência do CLEMI na França.
9KLEIMAN, A . O professor e a leitura – questões de formação. 2008 (no prelo)
10École Maternelle Mas-des-Iles – 50, rue de la Liberté 38180 Seyssins.
11Isabelle Vie-Bauducco e Isabelle Bussinet, professoras da escola maternal Mas-des-Iles, Seyssins/Grenoble/França.
12“Tout n´est pas livre”!
13“Atelier Découverte/lecture: consulter, feuilleter, lire, découvrir, discuter, échanger...”
14“Jeu de la marchande”
15“Qu'est-ce que vous aimeriez mettre ou trouver dans un magazine pour enfant si vous pouviez donner des idées ou en inventer un?”
16“Petite séction (¾ ans); moyenne séction (4/5 ans); grande séction (5/6 ans)”
17(Vie-Bauducco, 2008; entrevista concedida a esta autora na escola na ocasião do evento)