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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI Programa de Pós-Graduação em Geografia GABRIEL MAX DE OLIVEIRA DIAS EDUCAÇÃO, TRABALHO E VIDA NO “CAMPO”: POLÍTICAS PÚBLICAS NO DISTRITO DE RIO DAS MORTES EM SÃO JOÃO DEL-REI/ MG SÃO JOÃO DEL REI MINAS GERAIS BRASIL FEVEREIRO DE 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI

Programa de Pós-Graduação em Geografia

GABRIEL MAX DE OLIVEIRA DIAS

EDUCAÇÃO, TRABALHO E VIDA NO “CAMPO”: POLÍTICAS

PÚBLICAS NO DISTRITO DE RIO DAS MORTES EM SÃO JOÃO

DEL-REI/ MG

SÃO JOÃO DEL REI

MINAS GERAIS – BRASIL

FEVEREIRO DE 2018

GABRIEL MAX DE OLIVEIRA DIAS

EDUCAÇÃO, TRABALHO E VIDA NO “CAMPO”: POLÍTICAS

PÚBLICAS NO DISTRITO DE RIO DAS MORTES EM SÃO JOÃO

DEL-REI/ MG

Dissertação submetida ao Programa de Pós

Graduação em Geografia, Universidade

Federal de São João del Rei, como parte dos

requisitos necessários para obtenção do título

de “Magister Scientiae” (MS).

SÃO JOÃO DEL-REI (MG)

Aos meus pais Mauro e Vanda, que

com esforço e dedicação durante

toda a vida me possibilitaram

concluir esta travessia.

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar aos meus pais Mauro e Vanda, pelo apoio em todas as etapas

de minha vida, onde me apoiar e auxiliar sempre foi prioridade. Ao meu irmão André e

minha companheira Gisa pelo companheirismo. E também aos meus avós, tios, primos e,

em especial ao meu avô João Gustavo que nos deixou fisicamente no último ano.

À minha orientadora profª Dra. Lígia Maria Brochado de Aguiar pela confiança, apoio,

paciência e compreensão no decorrer desta pesquisa.

Aos professores Carla Juscélia Oliveira Souza, Ivair Gomes, Sérgio Luiz Miranda e

Thiago Santos que se prontificaram a auxiliar nos momentos de qualificação e/ou defesa.

À Universidade Federal de São João del-Rei, o Programa de Pós-Graduação em Geografia

com destaque à secretária Mônica e a CAPES por me fornecer a bolsa de estudos durante

o último ano de pesquisa.

Aos meus amigos da graduação, republica e outros que conheci durante minha vida em

Ervália e São João del-Rei, especialmente: Bruno Henrique (Brunão), Filipe César

(Lamim), Krishna Kelly e Marina Eduarda.

E à toda a comunidade escolar da Escola Estadual Evandro Ávila, por me receber e

possibilitar a realização desta pesquisa.

Resumo

Essa dissertação tem como tema o sistema público de ensino e as populações do campo

e, como problema, as potencialidades deste sistema para a construção do sujeito político

capaz de constituir seu território a partir da materialização das relações camponesas no

espaço, da participação política e das lutas de resistência. A partir da década de 90 foram

criadas políticas públicas voltadas especificamente para a agricultura familiar e, o Brasil

começou a delinear um novo padrão de desenvolvimento territorial. Entretanto, esse

significativo avanço não foi acompanhado de políticas públicas que valorizam a educação

para jovens do campo, pelo contrário, o que há é uma valorização do sistema de ensino

convencional voltado para o urbano, além do constante fechamento de escolas e, do

chamado processo de nucleação escolar. Abordamos o conceito de desenvolvimento e

algumas de suas adjetivações, especialmente a territorial, que está presente nas políticas

públicas para a agricultura familiar implementada a partir da década de 1990, estas são

problematizadas através da discussão do papel dos camponeses como sujeitos definidores

desta política e, o espaço definido como construção das classes sociais e, que não cabe

em uma divisão político-administrativa. Retomamos os principais documentos

direcionadores do Ensino Básico, além da realização do trabalho de campo para discutir

as atuais políticas públicas voltadas para o ensino médio, tendo como eixo o pressuposto

de que o conhecimento, além da sua “dimensão epistêmica” tem uma “dimensão de

identidade” que estamos perdendo com a globalização econômica liberal conservadora.

O local escolhido para este estudo foi o distrito do Rio das Mortes, em São João del-Rei

- MG, onde a dinâmica agrícola e as relações entre rural e urbano estão intimamente

ligadas.

Palavras chave: Sistema de ensino; desenvolvimento territorial; políticas públicas;

agricultura familiar camponesa; rural-urbano.

Abstract

The aim of this dissertation is to present the public education system and the rural

populations and, as a problem, the potentialities of this system for the construction of the

political subject capable of constituting its territory through the materialization of peasant

relations in space, political participation and resistance struggles. Since the 1990s, public

policies have been created specifically for family agriculture and, Brazil began to outline

a new pattern of territorial development. However, this significant advance has not been

accompanied by public policies that value education for young people in the countryside,

on the contrary, there is an appreciation of the conventional education system aimed at

the urban, as well as the constant closure of schools and the school nucleation process.

We approach the concept of development and some of its adjectives, especially the

territorial one, that is present in the public policies for family agriculture implemented

since the 1990s, these are problematized through the discussion of the peasants' role as

defining subjects of this policy and, the space defined as the construction of social classes,

which does not fit into a political-administrative division. We return to the main directives

of Basic Education, as well as the field work to discuss the current public policies focused

on high school, based on the assumption that knowledge, beyond its "epistemic

dimension" has an "identity dimension" that we are losing with conservative liberal

economic globalization. The place chosen for this study was the Rio das Mortes district,

in São João del-Rei, MG, where agricultural dynamics and rural-urban relations are

closely linked.

Keywords: Education system; territorial development; public policy; peasant family

farming; rural-urban.

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 01: Atividades econômicas dos responsáveis............................................. 127

GRÁFICO 02: Pais de alunos que não vivem ou trabalham no campo, mas têm a intenção

de migrar para esta atividade..........................................................................................128

GRÁFICO 03: Interesse em área de atuação profissional e em local de residência ......130

GRÁFICO 04: Opinião dos alunos sobre a atuação da escola.......................................137

LISTA DE QUADROS

QUADRO 01: Municípios da microrregião de São João del-Rei e dados relevantes ......21

QUADRO 02: Números por tipos de propriedades rurais em São João del-Rei ..............23

QUADRO 03: Políticas Públicas para a agricultura familiar e seus objetivos segundo o

documento “Políticas Públicas para a Agricultura Familiar” do Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA), de outubro de 2013 ..................................................62

QUADRO 04: População rural e urbana por distritos em São João del-Rei - 2010..........85

QUADRO 05: Eixos temáticos e tópicos do CBC ..........................................................99

QUADRO 06: Eixos temáticos e tópicos do CC ...........................................................100

QUADRO 07: Habilidades e detalhamento das habilidades a serem trabalhadas no eixo

temático VI do CC .........................................................................................................101

QUADRO 08: Alunos residentes dentro e fora da sede do distrito de Rio das

Mortes............................................................................................................................124

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01: Município de São João del-Rei na mesorregião do Campo das Vertente do

estado de Minas Gerais.....................................................................................................22

FIGURA 02: O distrito de Rio das Mortes e a E. E. Evandro Ávila.................................25

FIGURA 03: Distrito de Rio das Mortes - Distância da praça principal até as empresas

próximas e mais significativas.........................................................................................26

FIGURA 04: Parte externa da E. E. Evandro Ávila.........................................................28

FIGURA 05: Parte interna da E. E. Evandro Ávila - Quadra poliesportiva e ao fundo área

de lazer dos alunos utilizada durante o recreio..................................................................29

FIGURA 06: Distribuição dos distritos de São João del-Rei e as respectivas distâncias

das vilas distritais para a sede do município.....................................................................86

LISTA DE SIGLAS

ATER- Assistência Técnica e Extensão Rural

CBC- Conteúdo Básico Comum

CC- Conteúdos Complementares

CEASAs- Centrais de Abastecimento

CEFA- Centros Familiares de Formação por Alternância

EJA- Educação de Jovens e Adultos

EPAMIG- Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais

IDHM- Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

IPTU- Imposto Predial e Territorial Urbano

LDB- Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MDA- Ministério do Desenvolvimento Agrário

MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

PAA- Programa de Aquisição de Alimentos

PAC2- Programa de Aceleração do Crescimento

PCA- Paradigma do Capitalismo Agrário

PCN- Parâmetros Curriculares Nacionais

PIBID- Programa Institucional de Iniciação a Docência

PNAE- Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNATE- Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar

PNCF- Programa Nacional de Crédito Fundiário

PNLD Campo- Programa Nacional do Livro Didático do Campo

PNPB- Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel

PPP- Projeto Político Pedagógico

PQA- Paradigma da Questão Agrária

PRONAF- Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PRONERA- Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

SDT- Secretaria de Desenvolvimento Territorial

SECADI- Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SEE-MG- Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 15

Apresentação da área de estudo e de informações relevantes sobre a comunidade escolar

........................................................................................................................................ 20

O distrito de Rio das Mortes ....................................................................................... 24

A Escola Estadual Evandro Ávila e sua comunidade escolar ..................................... 27

CAPÍTULO 01 – PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ........................ 31

1.1 O materialismo histórico dialético: o conhecimento como práxis transformadora

.................................................................................................................................... 31

1.2 Concepção metodológica – como conhecer a realidade para transformá-la ......... 32

1.3 Procedimentos e técnicas de pesquisa................................................................... 40

CAPÍTULO 02 – DESENVOLVIMENTO, TERRITÓRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS

PARA A AGRICULTURA FAMILIAR ........................................................................ 45

2.1 – “O fim e o retorno do território” ........................................................................ 45

2.2 - O discurso do desenvolvimento e o desenvolvimento rural ............................... 52

2.3 - As políticas públicas para a agricultura familiar no Brasil ................................. 61

2.4 - A aplicabilidade das políticas públicas de enfoque territorial ............................ 66

CAPÍTULO 3 - RELAÇÕES CAMPO-CIDADE E O CONTEXTO ESCOLAR DE SÃO

JOÃO DEL-REI ............................................................................................................. 71

3.1 - A relação campo-cidade ao longo da história ..................................................... 71

3.2 - O debate acerca das relações campo-cidade ....................................................... 73

3.3 - As relações campo-cidade na atualidade ............................................................ 83

3.4 - O rural e o urbano no contexto escolar são-joanense ......................................... 85

CAPÍTULO 4 - CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE A EDUCAÇÃO RURAL NO

BRASIL E NO DISTRITO DE RIO DAS MORTES .................................................... 89

4.1 - Histórico da educação rural no Brasil................................................................. 89

4.2 Documentos regulamentadores para a educação básica - ensino médio............... 95

4.2.1 - Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) ................................................. 97

4.2.2 - Conteúdo Básico Comum ............................................................................ 99

4.2.3 Projeto Político-Pedagógico ......................................................................... 102

4.3 - O Professor e os Documentos Oficiais ............................................................. 103

CAPÍTULO 5 – CONHECENDO OS SUJEITOS E O LUGAR ................................. 112

5.1 – Refletindo sobre a realidade a partir dos professores. ..................................... 113

5.2 – Refletindo sobre a realidade a partir dos alunos .............................................. 122

5.3 - Refletindo sobre a realidade a partir dos pais e responsáveis: a escola deve

educar para a vida ..................................................................................................... 138

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 146

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 155

ANEXOS ...................................................................................................................... 163

15

INTRODUÇÃO

Nascer no campo, em uma pequena cidade da Zona da Mata mineira, cuja

economia é centrada na cafeicultura, proveniente de famílias com gerações dedicadas à

esta atividade e outras culturas agrícolas, ser filho de um agricultor familiar e de uma

professora que sempre atuou nos anos iniciais do ensino fundamental em escola rurais,

inclusive alfabetizando seus filhos, o trabalho no campo e os estudos formais sempre

foram valorizados pela família. Morar no campo e estudar na cidade a partir do 5° ano do

ensino fundamental até terminar o ensino médio, para só então sair de sua comunidade

para poder cursar Geografia em uma cidade maior e distante, bastaria para justificar a

escolha deste tema de pesquisa em nível de mestrado.

Ao longo da graduação em Geografia, na Universidade Federal de São João del-

Rei vivenciei experiências marcantes: participei do Programa Institucional de Iniciação à

Docência (PIBID), que durante três anos possibilitou um contado direto com o sistema

ensino público na periferia de São João del-Rei, assim como o estágio supervisionado e,

a Iniciação Cientifica que teve como tema principal o Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) neste mesmo município. Também é

importante destacar a atuação como professor de Geografia na rede estadual de ensino de

Minas Gerais.

Nossas experiências de vida, pessoais, acadêmicas e profissionais resultaram

grande interesse pelos pontos principais da pesquisa: o sistema de ensino público, o

trabalho e a vida no campo. Destacando as questões ligadas ao descaso com que o Estado

brasileiro trata os homens simples do campo.

Pensar o campo e o rural brasileiro é refletir sobre uma história de desigualdade e

exclusão da classe trabalhadora, que se inicia com a expropriação da terra que, até então

pertencia aos indígenas, pela força bruta, da escravização, do extermínio por doenças,

entre outros, e também, na medida em que estes foram rebaixados à gente inferior na

sociedade colonial ou expulsos para regiões, em que o domínio dos europeus não havia

chegado efetivamente, causando a exclusão das comunidades indígenas até a atualidade.

Outro processo de imposição da desigualdade no país se deu pela escravidão dos

africanos forçados a deixarem seus territórios, para trabalhar na mineração e na

agricultura, setores primários da economia. Deste modo, segundo Petruccelli (2012 apud

SENKEVICS, 2015) dois anos após a abolição da escravidão, ou seja, em 1890 existia

um total de 14.334.215 habitantes no Brasil, destes 6.736.221 eram negros ou pardos

representando quase a metade da população.

16

O início da ocupação do território que veio a constituir o Brasil, se deu

inicialmente pela concessão de terras pela coroa a europeus denominados de “capitalistas-

colonizadores” por Stedile (2005) os escolhidos, ainda segundo o autor, passavam por

critérios políticos e sociológicos impossibilitando na prática que pessoas menos

afortunadas ou de menor influência tivessem acesso à terra. Apesar de ser uma concessão

era garantido o direito à herança, assim as imensas áreas de terras cedidas a estes

indivíduos, com a exigência de haver produção era passada de geração a geração,

mantendo-se assim a estrutura fundiária.

Com a tendência e pressão para que a abolição da escravidão ocorresse é decretada

a Lei de Terras n° 601, de 18 de setembro de 1850. Para Stedile (2005, p. 285), esta lei

“[...] escravizou a terra e transformou um bem da natureza, que deveria ser democrático,

em um bem privado, acessível apenas aos ricos”.

Até então, a terra não era uma mercadoria, porque não podia ser comercializada e

o direito ao uso se dava pela posse, pela produção e concessão pela coroa, a partir da Lei

de Terras, a posse da terra se daria pela compra direta em negociações com proprietários

e compradores, ou mesmo pela coroa e compradores preservando-se o direito de sucessão

pelos herdeiros.

Assim, os negros libertos pelas leis anteriores, os libertos pela abolição da

escravidão, os brancos e mestiços de classes menos favorecidas e, os novos imigrantes

europeus que chegavam ao território brasileiro, não conseguiriam ter o acesso à posse e

titulação da terra, pois estes não possuíam recursos suficientes para tal aquisição, fazendo

com que esta população se deslocasse para as cidades e aos serviços disponíveis no

campo.

Para Stedile (2005) os camponeses no Brasil eram compostos por dois grupos:

um, formado pelos novos imigrantes europeus que receberam frações de terra no sul do

país ou que trabalhavam no modelo de colonato em fazendas de café no Rio de Janeiro e,

em São Paulo; o outro, formado pela população mestiça que não era submetida ao trabalho

escravo e foi se formando ao longo dos anos, mas, que também não possuíam a posse da

terra, assim se deslocavam para o interior do pais, onde ocupavam terras, principalmente

no interior do nordeste e, nos estados de Minas Gerais e Goiás, porém sem direito ao

título de propriedade, produzindo principalmente para a própria subsistência.

Essa situação de privilégio das classes dominantes, permanece até os dias de hoje

chegando à situação apontada pela Oxfam Brasil (2016), em que 0,91% das propriedades

rurais concentram 45% das áreas rurais do país. Com o passar dos anos a concentração

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de terras continuou, os camponeses foram forçados a migrarem para as cidades para

trabalharem nas indústrias e no setor de serviços, mas parte significativa da população se

manteve no campo realizando diversas atividades e recebendo várias denominações como

camponeses, agricultores familiares, pequenos agricultores, trabalhadores sem-terra,

entre outras. Apesar de todos os processos sofridos de exclusão, estes sujeitos produzem

atualmente segundo o Portal Brasil (2015) 70% do alimento consumido no país.

A exclusão desta classe não se deu somente por meio da expropriação do direito

à terra, mas também por ser negado o direito à educação, pois como mostraremos mais

detalhadamente nesta pesquisa, foi negada durante toda a formação do Brasil. Somente

com a nova Constituição Federal de 1988 é que a educação se torna direito universal e

dever do Estado.

Só então, as políticas públicas começaram a ser criadas efetivamente para que a

escola fosse acessível para toda a população. É importante lembrar que a educação não

era negada apenas à população pobre do campo, mas também aos que residiam nas

cidades e não pertenciam às classes dominantes.

Mesmo com o dever de fornecer um sistema de ensino para as populações do

campo, o modelo escolhido não tem como essência o modo de vida dessas pessoas, as

diretrizes a níveis nacionais, acabam priorizando o ensino voltado para o modo de vida

urbano.

Outras iniciativas do sistema educacional para as populações do campo, no

entanto, se reduzem com o fechamento de escolas e a criação de unidades polos, com a

justificativa de reduzir custos, pois muitas vezes, o número de alunos é reduzido se

comparado ao da cidade.

Os dados mostram que, o fechamento de escolas rurais no Brasil ocorre em grande

escala. Em levantamento feito pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST), em campanha intitulada “Fechar Escola é Crime”, consta que entre 2002 e 2009,

mais de 24.000 escolas rurais foram fechadas, prevendo-se para este último ano a

existência de 83.036. Ainda nestes apontamentos uma reportagem do jornal Folha de São

Paulo de março de 2014, relata que são fechadas em média oito escolas rurais por dia,

sendo que nos últimos 10 anos 32,5 mil foram fechadas, restando 70,8 mil em 2014.

O direito a educação está, cada vez mais sendo estendido a toda população

brasileira, com destaque aos sujeitos de nossa pesquisa que é a população do campo,

entretanto, apesar de toda evolução e criação de políticas públicas, este processo de ensino

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e aprendizagem não é adequado à realidade destes sujeitos, ocorrendo, muitas vezes,

longe dos lugares em que residem.

Por outro lado, a partir da década de 1990, o Brasil começou a delinear um novo

projeto de desenvolvimento para o campo, que colocava os agricultores familiares em

uma posição de destaque, a partir de políticas públicas que visavam principalmente inserir

estes sujeitos no mercado e aumentar a produção. Discutiremos mais afundo neste

trabalho os impactos destas iniciativas, mas podemos adiantar que em determinadas

situações estas políticas trouxeram avanços e, em outras não.

Partimos da hipótese de que o sistema de ensino para as populações do campo não

é centrado no modo de vida desses sujeitos. Assim, o objetivo de nossa pesquisa é

investigar a fundo as políticas públicas para a agricultura familiar e, o discurso do

desenvolvimento territorial relacionando-os com o sistema de ensino para estes jovens,

com foco no ensino médio e, no conteúdo de Geografia, buscando entender como este

sistema de ensino se materializa na vida destes sujeitos e, como ele se reflete no seu modo

de vida no campo frente às novas políticas públicas para a agricultura familiar e o seu

desenvolvimento territorial.

É importante deixar claro inicialmente que a sede do distrito de Rio das Mortes

no município de São João del-Rei/ MG, escolhido nesta pesquisa, se pensada a partir da

legislação ou sobre a lógica das atividades econômicas que a população desenvolve, é

considerada uma área urbana, como abordado por Gomes et.al (2015) afirmando que:

Em relação às atividades econômicas predominantes no distrito,

percebeu-se que a comunidade do Rio das Mortes é mais um espaço

urbano que rural – pelo menos quando o ponto de partida para se chegar

a essa ideia baseia-se nas atividades econômicas que ali são exercidas:

predominam atividades no comércio, na Prefeitura, em escolas e em

indústrias próximas. (GOMES et.al, 2015, p.133)

Entretanto, a E. E. Evandro Ávila, localizada neste distrito, além da área urbana

atende às diversas comunidades situadas no seu entorno e que possuem número

significativo de pessoas que têm no trabalho agropecuário fontes de renda principais ou

secundárias. Outra questão relevante observada ao longo do trabalho de campo é que parte

significativa dos moradores da área urbana optaram por abandonar ou deixar em segundo

plano o trabalho no campo, para se dedicar por exemplo ao trabalho no comércio ou nas

indústrias locais, mesmo que vários destes possuam propriedades rurais existindo um

número significativo de propriedades sem nenhum uso, como mostraremos no decorrer

deste trabalho.

19

Assim, quando falamos de características voltadas para o rural nesta comunidade

escolar estamos nos referindo não apenas às pessoas que vivem e/ou trabalham no campo,

mas também àquelas que deixaram de ver neste espaço um lugar viável para se viver e/ou

trabalhar de forma digna em razão das históricas políticas públicas, que no Brasil foram

dirigidas para manter a concentração de terras, a produção voltada para o mercado externo

e, a tecnificação intensiva excluindo as populações do campo, ignorando as questões

ambientais.

As especificidades encontradas no distrito de Rio das Mortes foram definitivas

na escolha desta comunidade escolar, pois de acordo com as respostas dos questionários

pelos alunos do ensino médio, trata-se de um lugar em que atuam processos econômicos

e políticos em todas as escalas levando ao abandono do trabalho no campo pelo trabalho

nos setores secundários e terciários, ou ainda mudando a função da terra de produzir

alimentos para transformá-la em lugar de lazer nos finais de semana ou para consumo

turístico, mesmo tendo determinadas características favoráveis, como a propriedade da

terra.

Não buscamos construir um debate no sentido de que a comunidade como um todo

deva abandonar as atividades econômicas tipicamente urbanas, mas que o abandono das

práticas agropecuárias por estes sujeitos não contribui para real melhoria na vida da

maioria, sendo o campo uma alternativa viável quando, segundo Paulino (2010, p. 124),

no atual estágio do modo de produção capitalista, a venda da força de trabalho é limitada

pelo aumento do capital constante e não do capital variável, o que significa que qualquer

estratégia de desenvolvimento rural fundada na integração dos camponeses ao mercado

de trabalho está condenada ao fracasso contribuindo para o crescimento do exército

industrial de reserva.

Na pesquisa “Síntese dos Indicadores Sociais”, que analisa as condições de vida

dos brasileiros, o levantamento mostra que, em 2016, o Brasil tinha 13,4 milhões de

pessoas (ou 6,4% da população) vivendo em condição de extrema pobreza – com menos

de US$ 1,90 (cerca de R$ 6) por dia, critério de análise adotado pelo Banco Mundial. A

pesquisa mostrou também que a desigualdade social no Brasil persiste. De acordo com os

dados, os brasileiros mais ricos, que se encontram no topo da pirâmide social, têm 14

vezes mais chances de continuar nessa posição do que pessoas mais pobres têm de

ascender socialmente. A mobilidade social no Brasil, segundo a pesquisa, é de “curta

distância”, ou seja, metade da população consegue melhorar de vida em relação aos pais,

mas essa mobilidade está concentrada nos estratos mais baixos da população.

20

Por outro lado, a leitura geográfica nos leva a considerar a produção de territórios

e de territorialidades que não se conformam às políticas articuladas pelo Estado para o

desenvolvimento econômico, ou seja, as territorialidades específicas, ao mesmo tempo

em que, num movimento contrário e contraditório, os lugares passam a ser únicos e

fragmentados pela divisão territorial do trabalho e especializações crescentes.

Para realizar esta análise: no capítulo 1, apresentamos os pressupostos teóricos e

metodológicos; no capítulo 2, fazemos uma discussão teórica sobre o conceito de

território e desenvolvimento territorial referentes às políticas públicas para a agricultura

familiar; no capítulo 3, abordamos as relações campo-cidade e, relacionamos as

incoerências das delimitações de áreas rurais e urbanas com o sistema de ensino para as

populações do campo; no capítulo 4, trabalhamos a educação rural no Brasil, sua evolução

histórica, os documentos regulamentadores oficiais e o papel do professor frente a estes

documentos; por fim, no último capítulo, apresentamos os dados coletados no distrito de

Rio das Mortes no município de São João del-Rei – MG.

Este último capítulo contém, também, o registro das conversas informais que

mantivemos com os sujeitos de nossa investigação com o objetivo de identificar suas

representações sociais sobre a sujeição no campo do trabalho, da renda da terra que os

levam a abandonar o caráter produtivo de suas propriedades, ou dar a elas outro

significado. A dificuldade de explicar as diferenças entre o campo e a cidade, a divisão

administrativa do município; o papel da escola e sua proximidade com a comunidade na

ressignificação dos conteúdos geográficos relativos ao território, ao lugar, ao espaço, de

modo que ela possa se conscientizar da necessidade de uma práxis transformadora através

da participação na elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento territorial

enquanto amálgama de temporalidades e, não de acumulação desigual de tempos.

Apresentação da área de estudo e de informações relevantes sobre a comunidade

escolar

A mesorregião do Campo das Vertentes, no estado de Minas Gerais, se divide em

três microrregiões, sendo elas: Barbacena, Lavras e São João del-Rei. Esta última possui

15 municípios, que estão dispostos no Quadro 01 de forma detalhada e apresentando

informações relevantes para suas caracterizações, que são: a população em número de

habitantes, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), área territorial em

km² e densidade demográfica em hab/km².

21

Quadro 01: Municípios da microrregião de São João del-Rei e dados relevantes

Municípios População

(2010)

IDHM Área km² Densidade

demográfica

São João del-Rei 84.469 0,758 1.467,82 57,5

Conceição da Barra de Minas 3.954 0,685 273,67 14,47

Coronel Xavier Chaves 3.301 0,677 141,5 23,33

Dores de Campos 9.299 0,686 126,74 73,4

Lagoa Dourada 12.256 0,676 480,43 25,53

Madre de Deus de Minas 4.904 0,699 495,32 9,89

Nazareno 7.954 0,690 324,43 24,51

Piedade do Rio Grande 4.709 0,678 324,48 14,51

Prados 8.391 0,689 263,31 31,88

Resende Costa 10.913 0,685 633,37 17,24

Ritápolis 4.925 0,653 392,98 12,55

Santa Cruz de Minas 7.865 0,706 2,52 3123,02

Santana do Garambéu 2.234 0,667 203,75 10,97

São Tiago 10.561 0,662 575,03 18,35

Tiradentes 6.961 0,740 83,63 83,73

Fonte: Fundação João Pinheiro, 2010. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2017.

São João del-Rei, segundo o senso demográfico de 2010 e como apresentado no

Quadro 01, conta com uma população de 84.469 habitantes, diferenciando-se das demais

cidades de sua microrregião, que apresentam contingentes populacionais muito inferiores,

variando de 2.234 a 12.256 habitantes.

Este município exerce uma relação de polaridade, pois possui maior oferta de

serviços e estruturas, podendo destacar a Universidade Federal de São João del-Rei, o

campus do Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais, uma faculdade particular, hospitais,

batalhão da polícia militar, comércio variado, oportunidades de emprego no setor

secundário e terciário, além de outros atrativos. Entretanto, devido à proximidade

podemos inferir que municípios como Lavras, Barbacena e Conselheiro Lafaiete, todos

com mais de 100.000 habitantes, exercem influência sobre alguns municípios da

microrregião.

22

Figura 01: Município de São João del-Rei na mesorregião do Campo das Vertente

do estado de Minas Gerais

Fonte: Elaborado a partir da Base Cartográfica do IBGE, 2010. Adaptado por Gabriel

Max de Oliveira Dias, 2017

Segundo a Fundação João Pinheiro e como representado no Quadro 01 o Índice

de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de São João del-Rei é de 0,758, sendo

este o mais alto de sua microrregião.

A história do município de São João del-Rei, tem como marco inicial o século

XVIII, quando em 1713 se torna uma vila recebendo o nome que possui hoje. No ano

seguinte tornou-se sede da Comarca do Rio das Mortes, mas somente 1838, foi elevada à

categoria de cidade.

Sua importância nesta época deu-se, principalmente com a mineração do ouro.

Esta atividade entrou em decadência no final do século XIX, em contrapartida é

inaugurada a estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) e, algumas fábricas como a

Companhia Têxtil Sanjoanense, impulsionando a economia da cidade, mantendo-se sua

centralidade na região. Conjuntamente as atividades predominantes em diferentes

períodos, desenvolveram-se paralelamente as práticas agrícolas, que entre outras

destinações, contribuíam no abastecimento da cidade.

23

Após longo período de fragmentação territorial, graças às diversas emancipações,

atualmente, segundo o Censo Demográfico de 2010 do IBGE o município possui

1.452,002 km² de área territorial, comportando seis distritos que são: São João del-Rei,

Rio das Mortes, São Sebastião da Vitória, São Gonçalo do Amarante, Emboabas e

Arcangelo. A densidade demográfica é de 57,68 hab/km², porém a grande maioria das

pessoas se concentra no distrito sede, que segundo a Sinopse por Setores do IBGE (2010)

tem 418,6 hab/km² de densidade demográfica.

São João del-Rei, segundo o Censo Agropecuário de 2006 do IBGE, possui 988

estabelecimentos rurais: 814 (82,4%) são caracterizados como de agricultura familiar,

que juntos somam 22.648 hectares (47,5%); já a agricultura não familiar é constituída por

174 estabelecimentos (17,6%), somando um total de 25.027 hectares (52,5%), como

exemplificado no Quadro 02. Assim, apesar do município apresentar relevante

concentração de terras, estes números são menores que em outros municípios e regiões

do país, explicitando a importância da agricultura familiar.

Quadro 02: Números por tipos de propriedades rurais em São João del-Rei

Agricultura familiar Agricultura não familiar

Total de propriedades 814 174

Total de propriedades em (%) 82,4% 17,6%

Área total da propriedade em ha. 22.648 25.027

Área total das propriedades em (%) 47,5% 52,5%

Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2017.

Como abordado por Dias e Aguiar (2016), o município de São João del-Rei,

possui um relevante setor agrícola, onde parte da produção é comercializada por

atacadistas e destinada às Centrais de Abastecimento (CEASAS), mas também

comercializados no próprio município a partir de mercados e supermercados, além de

espaços como a feira do produtor rural, e o mercado municipal.

O Quadro 02 também representa a relevância da agricultura familiar no município

evidenciando a importância das políticas públicas articuladas para a educação e o

desenvolvimento territorial no sentido de possibilitar a sua viabilidade econômica para

garantir a vida civilizada. Em um país que precisa, além de um projeto de

desenvolvimento, também um projeto de país soberano que, através da participação

popular democrática se realize nas comunidades locais e regionais, sobretudo, com o

24

objetivo de estabelecer condições objetivas de acesso às políticas públicas,

principalmente aquelas estruturantes, de caráter local, de trabalho e renda, educação,

segurança alimentar, entre outras; também de condições subjetivas: consciência crítica,

participação, autoestima.

Considerando como principais elementos para a prática da agricultura os

elementos físicos, as técnicas de cultivo e criações e, a organização da produção e da

comercialização, no documento Diagnóstico Rural da Microrregião de São João del-Rei,

do ano de 2010, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), se

encontra a seguinte análise sobre a microrregião:

A prevalência de condições desfavoráveis tem acarretado a manutenção

de uma significativa parcela do território dessa microrregião à margem

do processo de modernização vivenciado em outras regiões do País,

durante as últimas décadas. Até mesmo nos municípios que se mostram

dinâmicos em relação à produção rural, a exemplo de Carandaí, Lagoa

Dourada, Madre de Deus de Minas e São João del-Rei, existem zonas

agroecológicas que apresentam grandes limitações para o uso agrícola,

sejam em função da declividade, sejam pelas características de seus

solos. Em algumas dessas áreas habitam pequenas comunidades que

convivem com problemas de baixa renda e subemprego. (EPAMIG,

2010, p.22)

Ainda segundo a EPAMIG (2010), as áreas de cultivo no ano de 2010 em São

João del-Rei, foram de 6.500 ha de milho, 800 ha de feijão, 500 ha de soja, 300 ha de

trigo, 286 ha de café, 228 ha de citros e 210 ha de cana-de-açúcar. Observamos a

relevância da cultura do milho para o município, no entanto, apesar da EPAMIG não

quantificar a área de pastagem, a atividade predominante é a pecuária leiteira, também se

destacando a horticultura, a fruticultura e o eucalipto.

Os principais problemas apontados pela EPAMIG para o desenvolvimento da

agropecuária estão no associativismo restrito, na baixa fertilidade e fragilidade dos solos.

Podemos acrescentar a este diagnóstico o peso que o movimento do capitalismo em sua

totalidade, reservou ao município e a sua região.

O distrito de Rio das Mortes

O Distrito de Rio das Mortes foi escolhido para o desenvolvimento desta pesquisa,

pelas suas características peculiares, mesmo com sua “vocação industrial”, expressão

utilizada pelos neoliberais, que ignora a divisão do trabalho no modo de produção

25

capitalista. O contato com o campo é recorrente, principalmente fora da vila principal, ou

seja, na área rural, mas a comunidade escolar engloba o distrito como um todo.

Este distrito é o mais próximo e de fácil acesso à sede do município de São João

del-Rei, cuja distância é de aproximadamente 12 km, via BR-265 que atravessa a periferia

de sua vila principal. Tal situação facilita o contato com a sede municipal, existindo linhas

de ônibus municipais que fazem o trajeto (inclusive para o distrito de São Sebastião da

Vitória).

As visitas realizadas em várias residências e os questionários aplicados aos alunos

durante a nossa pesquisa na escola permitiram considerar que existe um número

significativo de pais e responsáveis que se deslocam diariamente para a sede do município

para trabalhar. Inclusive, algumas dessas pessoas trabalham como motoristas e

cobradores na própria empresa de transporte.

Figura 02: O distrito de Rio das Mortes e a E. E. Evandro Ávila

Fonte: Google Earth. Adaptado por Gabriel Max de Oliveira Dias (2017).

Segundo a Sinopse por Setores do IBGE (2010), o distrito de Rio das Mortes

apresenta uma população de 2.746 habitantes, sendo que 1.555 residem na área urbana

(sede do distrito) e 1.191 na área rural.

Quanto ao número de residências, 572 situam-se na área urbana e, 582 na rural,

ou seja, apesar do número inferior de habitantes, a última apresenta maior quantidade de

residências. Este mesmo portal de informações divulgou a densidade demográfica

26

preliminar para os distritos, que neste caso foi de 20,53 hab/km², também é possível

extrair esta mesma informação somente para a parte urbana, que se divide em dois setores,

onde um o número é de 2.417,76 hab/km² e no outro é 3.397,51 hab/km².

Outro fator relevante para o distrito está nas indústrias presentes em seu entorno,

conforme representadas na Figura 03. Destaca-se a multinacional Bozel, que atua na

siderurgia, a Esteio produzindo principalmente mudas de eucalipto e peças de madeira

tratada e, a Calcinação Vitória que extrai e realiza beneficiamento básico de Calcário

Calcítico. Estas três empresas são locais de trabalho de muitos pais de alunos.

Figura 03: Distrito de Rio das Mortes - Distância da praça principal até as empresas

próximas e mais significativas

Fonte: Google Earth. Adaptado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2017.

Acrescenta-se que, durante as atividades de campo realizadas na comunidade

escolar foi possível observar pelas ruas do distrito um fluxo de ônibus de trabalhadores

com a indicação das empresas citadas acima. Entretanto, as profissões de caminhoneiro

para os homens e de empregadas domésticas para as mulheres também foram muito

encontradas, sendo que no segundo caso os principais locais de trabalho ocorriam na sede

do município.

Deste modo há predominância de pessoas residentes na sede do distrito realizando

atividades econômicas tipicamente urbanas, principalmente no comércio e na indústria,

já na área rural os locais de trabalho se dividem em atividades ligadas à agropecuária e,

também, às atividades urbanas em que alguns sujeitos deixam diariamente suas

27

residências em busca de trabalho na sede do distrito ou do município de São João del-

Rei. Entretanto, ocorrem exceções, moradores da área urbana trabalham no campo em

suas propriedades ou como diaristas e, também, tem aqueles que possuem suas

propriedades e não as utilizam para a produção, priorizando o trabalho urbano.

A Escola Estadual Evandro Ávila e sua comunidade escolar

A E. E. Evandro Ávila, localizada no distrito de Rio das Mortes, atende várias

comunidades de seu entorno podendo destacar os povoados do Canela, Goiabeira de

Baixo, Goiabeira de Cima e Goiabeira do Meio, os alunos destes povoados precisam

utilizar o transporte escolar para chegarem à escola.

Nestes povoados observamos menor concentração populacional e características

mais próximas do rural, a paisagem ao alcance do nosso olhar apresenta residências

afastadas umas das outras, algumas humildes, mas de alvenaria, pastagens e currais para

o gado, plantações, hortas domésticas, trabalhadores cuidando destas atividades.

Entretanto, parte significativa dos moradores entrevistados trabalha nos setores de

serviços e da indústria, deslocando-se diariamente para outras localidades.

Tal situação, também foi observada na fala da população idosa, aposentados que

encontramos no trabalho de campo, e que ressaltaram que, cada vez mais as pessoas,

principalmente os mais jovens, procuram as cidades para trabalharem, ou até mesmo para

viverem, em frases como: “Antigamente o pessoal plantava muitas roças de milho e

feijão nestas baixadas, hoje todo mundo está procurando emprego fora e o povo só quer

mexer com o gado, pois demanda menos mão de obra”.

Apesar do aparente abandono do campo, ao menos quando se trata de trabalho,

também encontramos pessoas que têm suas vidas intimamente ligadas às atividades

agrícolas. Alguns alunos retrataram que seus pais ou responsáveis realizam determinados

trabalhos no campo, seja como atividade principal ou secundária. Destacamos que a

ordenha do leite e a criação de gado tem um peso relevante na região, vários pais

trabalham, já trabalharam, ou pretendem voltar a trabalhar algum dia nesta atividade, mas

como proprietários.

Outra realidade encontrada foi de pessoas que atuam como diaristas em fazendas

da região, que contratam trabalhadores em períodos sazonais, como nos de colheitas.

Apesar de muitos trabalhadores terem abandonado o trabalho no campo, muitos

afirmaram ter vontade de voltar, outros ressaltaram que gostariam de algum dia conseguir

28

comprar um pedaço de terra, onde para eles seria possível tirar o sustento e ter uma vida

mais calma.

A partir do Projeto Político Pedagógico (PPP) da E. E. Evandro Ávila, podemos

traçar um pouco de sua história. Por meio de informações oficiais e extraoficiais este

documento afirma que na década de 1940, as aulas do primeiro ao terceiro ano primário

eram ministradas na casa das próprias professoras. A construção do prédio escolar ocorreu

no ano de 1947, graças à doação do terreno, por um morador. Nos anos de 1957, 1996,

1997, 1998, 1999, 2004, 2005, 2006, 2008 e 2011 o prédio passou por reformas e

ampliações significativas. Sua área externa atual está representada na Figura 04.

Figura 04: Parte externa da E. E. Evandro Ávila

Fonte: Acervo pessoal. 19/09/2016

Segundo o PPP, atualmente a estrutura da escola é adequada para atender ao

número de alunos matriculados, contando assim com biblioteca, acervo para pesquisa,

nove salas de aula, uma sala de supervisão, uma diretoria, uma secretaria, laboratório,

laboratório de informática, sala de recursos pedagógicos, sala improvisada para

professores, cozinha com despensa, refeitório, quadra poliesportiva coberta e iluminada,

banheiros masculino e feminino para alunos e banheiros para funcionários. O documento

29

também deixa claro que o espaço escolar é cedido para a comunidade quando solicitado.

A parte interna da escola é representada na Figura 05.

Figura 05: Parte interna da E. E. Evandro Ávila - Quadra poliesportiva e ao fundo

área de lazer dos alunos utilizada durante o recreio

Fonte: Acervo pessoal. 19/09/2016

Ainda segundo o PPP, inicialmente a escola era voltada exclusivamente para o

ensino primário (atualmente os anos iniciais do ensino fundamental), somente em 1992

ela foi autorizada a oferecer os quatro anos finais do ensino fundamental e, em 2000 o

ensino médio. Em 2005 se inicia a implantação do ensino fundamental de nove anos sendo

autorizado o funcionamento do projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA) no ensino

fundamental e médio.

Segundo o “Data Escola Brasil” do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP) no ano de 2014 (último disponibilizado), a escola

possuía um total de 290 alunos no ensino fundamental e 106 no ensino médio. Já no

projeto EJA não havia nenhuma matrícula para o ensino fundamental, porém no ensino

médio havia 33. Quanto ao transporte escolar público, eram atendidos 11 alunos

provenientes de zona residencial urbana e 48 da rural. A maior parte deste transporte é

30

realizada pela empresa Presidente responsável pelo transporte municipal atuando na área

urbana e, em parte dos distritos e povoados.

A E. E. Evandro Ávila localizada no distrito de Rio das Mortes, atende a um grupo

de alunos com realidades muito distintas que são produzidas pelas especificidades do

distrito como um todo, seja na área urbana ou rural. Estas contradições evidenciam a

necessidade da instituição pensar sua prática educacional incluindo os novos arranjos

sociais e institucionais, porque crescimento econômico não quer dizer desenvolvimento.

Estes novos espaços democráticos implicam participação, por exemplo, nos Conselhos

Municipais, Orçamento Participativo, Consórcios Intermunicipais, Fóruns, espaços

decisivos para a elaboração de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento que

não privilegiem a especulação, em detrimento do caráter produtivo da terra, além disso,

políticas que impeçam processos de “territorialização do capital” que, segundo Oliveira

(1986), “remete às experiências produtivas em que o circuito se fecha na extração da mais

valia, além evidentemente da extração da renda terra”.

Ainda no contexto da territorialização do capital, a “monopolização do território”

é outra questão vinculada aos camponeses que, através de uma lógica diferente dos

capitalistas: para os camponeses a terra, significa trabalho, enquanto para os capitalistas

é parte dos mecanismos de extração do valor que o trabalhador cria. Estas lógicas

diferentes e contraditórias explicam a insistência da classe camponesa, em permanecer na

terra, sobrevivendo a um modo de produção, cujos princípios estão baseados na

expropriação dos meios de produção. (PAULINO, 2010, p.123)

As políticas para a escola e sua participação na comunidade, se expressam com

objetividade e clareza, bastante pertinente em Costa (1998, p.40):

[...] é preciso conquistar o direito de existir sem ser idêntico ao

colonizador [...] é preciso encher o mundo de histórias que falam sobre

as diferenças, que descrevam infinitas posições espaço-temporais de

seres no mundo. É preciso colocar estas histórias no currículo e fazer

com que eles produzam seus efeitos.

Desde já deixamos claro que nos posicionamos favoravelmente a uma escola que

ensine menos e eduque mais. No seu lugar, uma, entre as muitas alternativas, a escola

libertadora seria aquela em que através do currículo, além da cultura cotidiana promoveria

uma práxis transformadora da sociedade.

Acrescentamos ao nosso posicionamento que “conscientização necessariamente

não significa emancipação”.

31

CAPÍTULO 01 – PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

1.1 O materialismo histórico dialético: o conhecimento como práxis transformadora

Pelo fato de nossa pesquisa ter como objetivo compreender a realidade de uma

comunidade escolar no contexto das políticas públicas na escala federal, estadual e

municipal destinadas ao desenvolvimento da educação e da agricultura pela ação do

Estado, sobre a vida das populações do campo, baseamos nossa investigação no método

materialista histórico dialético.

Nosso trabalho de investigação tem como eixo os princípios e fundamentos que

orientam o materialismo histórico dialético, teoria e método, que consideramos mais

adequado para o desenvolvimento da pesquisa que realizamos junto a E. E. Evandro

Ávila, e nas comunidades rurais, no Distrito do Rio das Mortes, São João del-Rei, Minas

Gerais, cujo eixo principal foi analisar as políticas públicas para o ensino das populações

do campo e as novas políticas públicas para o desenvolvimento territorial da agricultura

familiar, além da interpretação das suas representações quanto à vida no campo e

perspectivas para o futuro.

O objetivo geral da investigação foi verificar localmente como estas políticas se

desenvolvem e atuam para fortalecer a democracia como instrumento de mobilização

social, de processos educativos e formativos elevando as condições objetivas de acesso

às políticas públicas e, subjetivas que potencializam a reformulação e a proposição de

novas formas de atuação local.

Inicialmente, queremos destacar que nossas preocupações metodológicas não se

reduzem somente à definição de algumas técnicas de pesquisa, ou de como se faz uma

pesquisa, mas “definir como estruturar toda a lógica do processo de conhecimento”, ou

ainda:

A metodologia deve ser a visão global que orienta o, que dá unidade e

coerência a todos os elementos que intervêm nele, a todos os momentos

e a todos os passos deste processo [...], por isso, preferimos falar de uma

concepção metodológica. (JARA, xc, sd)

Feita esta diferenciação entre procedimentos de pesquisa e concepção

metodológica que julgamos ser importante para evidenciar que a busca do conhecimento

tem que orientar e organizar nossas práticas e, a sua transformação.

32

1.2 Concepção metodológica – como conhecer a realidade para transformá-la

Marx, ainda na Alemanha do século XIX, dividida em 36 estados e mais

preocupada com taxas alfandegárias do que com as revoluções na política e no campo

para dar lugar à industrialização, como jornalista político dirige a Gazeta renana, fundada

em Colônia por líderes liberais. No entanto, o conteúdo do seu jornalismo leva o periódico

a ser fechado em 1843, fato que leva Marx a residir, ou melhor, refugiar-se em Paris, onde

conheceu Engels e, voltou a participar de um novo periódico, os Anais franco-alemães,

com o objetivo de associar a experiência política da Revolução francesa ao pensamento

alemão e aproximá-las das “massas.” Esta iniciativa, entretanto, não obteve sucesso. Os

dois artigos que publica: um sobre “A questão judaica” e, outro, “Uma introdução política

à filosofia do direito.” Estas duas obras são consideradas marcos importantes do

desenvolvimento intelectual de Marx. Sua crítica não se volta mais para o estado, mas

para a sociedade burguesa na perspectiva do proletariado, classe capaz de revolucionar a

sociedade em sua totalidade.

Sua crítica inicia-se reconhecendo que Feuerbach demonstrou que a religião é uma

invenção do próprio homem como consciência invertida, portanto, para aproximar-se do

mundo real, do seu cotidiano e dos seus conflitos, para superar esta inversão, Marx

considera que é preciso voltar para as próprias coisas, ao homem como produtor de sua

própria história, colocar a filosofia a serviço dessa história, continuar a crítica à religião,

a crítica das instituições jurídicas e políticas, formas estruturantes do mundo.

Expulso novamente refugia-se na Inglaterra, em fevereiro de 1845. Segundo

Gianotti (2000, p. 37), Marx se envolve com sociedades secretas que cultivam o

socialismo, conhece Proudhon e outros líderes da esquerda revolucionária publicando no

periódico, “Avante” vários artigos, reunidos e publicados em 1932, sob o nome de

“Manuscritos Econômicos e Filosóficos.” Estes artigos com suas teses humanistas

provocaram uma reavaliação do seu pensamento que passou a ser concebido como crítica

da economia política e de suas relações com o estado, a moral e o direito.

Na Inglaterra presencia a miséria do proletariado e inicia seu contato com o

movimento da classe operária ressaltando seu caráter revolucionário, a necessidade de

abolir a propriedade privada e do retorno ao comunismo primitivo.

Neste período, destacamos também seu exílio em Bruxelas de, 1845 a 1846, em

que, juntamente com Engels escreve “A ideologia alemã”. Nesta obra rompem com os

jovens hegelianos e concluem que, se os homens se realizam no decurso do tempo, a

história se constitui como única ciência do homem. Para Gianotti (2000, p. 38-39), Marx

33

e Engels, definem os pressupostos necessários para que os homens se coloquem como

“condição do seu ser”:

Primeiro: os indivíduos são corporalmente determinados de maneira

a serem capazes de produzir seus próprios meios de vida; a forma pela

qual esses indivíduos determina um modo de vida, configurando o que

produzem e como produzem, em suma, o que são. Segundo: essa

produção implica aumento progressivo da população e de suas

necessidades, de sorte que os indivíduos passam a manter entre si um

intercâmbio, cuja forma está condicionada pela produção. Terceiro:

esse intercâmbio entre indivíduos mobiliza forças produtivas e se

configura, quer internamente, conforme o trabalho se divide entre

indivíduos e famílias formando uma nação, quer externamente, pondo

em contato nações entre si. (grifos nossos)

Nesse processo, se evidencia o fato de que “os homens tem história porque devem

produzir a sua vida, e devem fazê-lo de determinado modo.” (GIANOTTI, p. 39), ou seja,

as complexidades da divisão do trabalho dadas pelo desenvolvimento das forças

produtivas levam à diferenciação das formas de propriedade: a primeira é a comunal,

dependente do trabalho familiar; a segunda seria comunal e estatal, as famílias tribais

pactuam um contrato ou conquista para formar uma cidade. Marx e Engels chegam assim,

à propriedade privada moderna, em que o trabalhador por não possuir os meios de

produção não consegue se realizar genericamente, como ser humano.

Esta forma de intercâmbio nos diz Gianotti (2000, p. 40), “condicionada pelas

forças de produção existentes, dentre as quais se acrescenta a própria colaboração exigida

pela divisão social, constitui a sociedade civil, cujo desdobramento, culmina na sociedade

burguesa”.

Estas reflexões decorrentes da sua participação no movimento operário levam

Marx iniciar seu diálogo com a classe operária, insistindo no caráter efetivo e

revolucionário do seu movimento, enfatizando a supressão da propriedade privada. O

pensamento marxista transformou-se em projeto político e ideológico do proletariado. A

industrialização permitiu que se produzisse uma crescente riqueza concentrada nas mãos

de poucos promovendo a miséria da classe operária que frente à força avassaladora do

capitalismo realizava um movimento político, ainda no âmbito utópico.

Entretanto, a crescente pobreza da classe operária, explorada e oprimida pela força

cruel do sistema capitalista, cada vez mais, deixava de ser um sonho conscientizando-se

da necessidade de uma crítica teórica da sociedade capitalista burguesa, que levam Marx

e Engels a escrever “O manifesto comunista” onde explicam como o capital se organiza

34

e funciona para explorar o trabalhador, o mote final é a convocação para que os

trabalhadores se unam.

Em “O Capital”, Marx analisa como a sociedade, sob o modo de produção

capitalista do século XIX acumula riqueza. Sua participação nos acontecimentos de seu

tempo permitiu que, pela reflexão e conhecimento da realidade, sua obra se constituísse

em entendimento de como os homens produzem socialmente a sua existência, ou seja,

Marx não se limitou a presenciar os fatos do mundo de sua época, como propunha Hegel

com suas concepções idealistas de transformar o mundo através da perfeição das ideias

do espírito. Para o materialismo histórico-dialético não é apenas a produção de um

conhecimento crítico que transforma a realidade do mundo presente, a prática política

também é necessária.

O materialismo histórico-dialético do ponto de vista metodológico supõe a

existência concreta, material das coisas produzidas pelos homens e que podem ser

racionalmente conhecidas. Os homens, ao produzirem o concreto como síntese de

múltiplas determinações, segundo Karel Kosik (2010) vão além da aparência imediata

das coisas, do que é visível, para atingir a essência, o invisível como uma trama de

relações que tece e coloca em movimento as estruturas e processos conflituosos e as

contradições completando o círculo dialético do conhecimento.

Ao analisarmos uma coisa, um fenômeno, o primeiro passo é a atenção à sua

essência para ultrapassar as aparências que nos guiam até a porta que ao ser transposta

deixa que a essência seja apreendida. Produzido pelo sujeito, o objeto mais que uma

relação de identidade produz uma relação de unidade, os homens acabam por “naturalizar

a sociedade” e a “natureza é humanizada”.

As ideias, as representações e a consciência estão ligadas à atividade material, ao

trabalho, portanto, ligadas a linguagem da vida, à ação dos homens que, por sua vez, são

condicionadas e condicionam o desenvolvimento das forças produtivas, assim como, o

modo de relações correspondentes. O ser dos homens é o seu processo de vida real

(MARX; ENGELS, 1986), enquanto ser histórico e social, condicionado pela produção e

seus contextos econômicos, os homens criam a realidade e, também, a transformam.

Assim, ao mesmo tempo em que a sociedade produz o homem, ela

também é produzida por ele: A produção das ideias, de representações

e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à

atividade material e ao comércio material dos homens, é a linguagem

da vida real. São os homens que produzem, as suas representações, as

suas ideias, etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram

35

condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças

produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as

formas mais amplas que estas possam tomar. A consciência nunca pode

ser mais que o Ser consciente; e o Ser dos homens é o seu processo de

vida real (MARX; ENGELS, 1986).

O princípio explicativo do mundo, a materialidade ligada à objetividade concreta

é o ponto a partir do qual se inicia a construção do mundo. Nossa pesquisa, que se

desenvolve pelo viés do materialismo histórico contempla esta concretude entendida

como a “historicidade do ser”, e os determinantes econômicos, históricos, políticos e

culturais, considerando, nos vários momentos históricos, a complexidade da realidade

social.

A investigação científica deve responder a questões, fatos, situações que são

socialmente construídos, deste modo todo conhecimento também é um compromisso

porque necessariamente contém um projeto de emancipação social. Quanto mais se

estabelecer relações para conhecer a realidade, mais o que se investiga passa a ser visto a

partir da totalidade, por isso não podemos esquecer que é o fato em si, a essência e a

representação que interessam ao pensamento materialista histórico dialético.

Em sua atividade para conhecer o real este pensamento precisa, a partir das

primeiras impressões, ir de encontro às leis fundamentais, ou seja, mover-se do plano

abstrato para o plano concreto porque no processo de investigação, o que importa é o

“concreto pensado” mediado pela realidade histórica.

Na concepção dialética, o conhecimento crítico é uma reflexão em que não se

separa a teoria da prática, o que implica movimento, mudança.

Condiciona Elabora

Prática Pensamento Conhecimento

Dirige Informa

Fonte: Caio Prado JR, Teoria Marxista do Conhecimento e Método Dialético Conhecimento.

O materialismo histórico tem como foco a sociedade e seu desenvolvimento

através das práticas sociais dos homens com o objetivo de transformar a interpretação dos

36

fenômenos sociais que, até então, se baseava em concepções idealistas da sociedade,

substituem sua lógica sensível prática pela lógica do capitalismo.

Outro ponto a ser considerado na configuração desta nova interpretação da

sociedade: ao inverter a lógica hegeliana, Marx coloca no trabalhador a potência negadora

que só poderá efetivar-se quando este apropriar-se de uma lógica crítica. Desalienando-

se o trabalhador surge o homem novo, portanto, o negativo da sociedade, torna-se positivo

para si porque é capaz de se propor como a totalidade do homem emancipado.

A teoria e a prática, entendidas como uma unidade que deve se preservar, porém,

é preciso reconhecer a existência de certa autonomia da teoria em relação à prática. Para

Trivinõs (2006, p. 136):

Por outro lado, se reconhecemos que a prática se manifesta

fundamentalmente na produção, na experimentação e na ação

revolucionária, não devemos esquecer o que nos disse Marx em sua

Tese VIII sobre Feuerbach: existe uma prática e uma compreensão

desta prática. Isto significa que devemos conhecer as bases teóricas da

prática, ou seja, conhecer a teoria que origina essa prática, não

esquecendo que a teoria nasceu da prática, isto é, de múltiplas tentativas

realizadas pelo ser humano em seu devir, de variadas tentativas práticas.

Por exemplo, para elaborar a teoria da evolução o homem materializou

muitas atividades práticas.

As classes populares, em sua realidade imediata vivem situações e problemas

diversos que constituem o quadro de referência para seu pensamento e ação, por isso, as

questões metodológicas, como projeto educativo, deve colocar as seguintes perguntas:

[...] como podemos vincular o particular da vida cotidiana e da realidade

com a realidade global? Como articularmos o conhecimento comum

com o conhecimento científico, como vincular permanentemente a

prática e a teoria? Como podem as classes populares não somente

aprender a teoria já elaborada, mas aprender a teorizar por elas mesmas?

Como podemos articular os processos educativos com processos

organizativos? (JARA, xc, sd, p. 4)

Os termos materialismo histórico dialético referem-se à condição material da

existência humana, à compreensão da existência humana pelo reconhecimento dos

condicionantes históricos, que produzem o movimento dialético da contradição.

A realidade imediata, o trabalho produtivo e a vida cotidiana nos levam à

apropriação de um conhecimento através do senso comum que se desenvolve através dos

processos de ação-reflexão-ação. Mas, precisamos aprofundar esta lógica do

37

conhecimento comum e cotidiano a um processo educativo: partir da realidade imediata,

produto de toda a prática social e histórica e, não de uma ação ou experiência, para

apropriar-se de conceitos teóricos sobre as diferentes escalas da realidade imediata e sua

totalidade.

Quando partimos da prática, portanto, de uma expressão concreta da prática social

e histórica em um processo educativo estamos proporcionando o acesso a um processo de

teorização, em que nosso pensamento atravessa a realidade imediata para descobrir as

conexões internas da realidade em sua totalidade, caminhamos em direção às suas causas,

contradições e, para isso é necessário seguir um processo de abstração que não se

caracteriza por elevar-se a uma situação ideal, mas, descobrir o movimento interno da

realidade relacionando os fatos e situações, selecionando o que é importante do que é

secundário para atingir uma síntese que nos permite identificar e construir conceitos e

juízos.

Esta etapa do processo de conhecimento, a reflexão sobre a prática, ou movimento

de abstração, de teorização nos guia na descoberta de leis da natureza e da sociedade

através da sequência ordenada de conteúdos, produção de uma atitude investigadora e de

reflexão teórica com níveis, cada vez maiores de abstração, de reflexão teórica, caminho

que é muito mais complexo do que a “reflexão sobre situações ou ações” porque envolve

o exercício das diferentes capacidades intelectuais: associação, capacidade de análise, de

síntese.

Mais que ensinar, este processo ordenado de abstração nos permite conquistar a

capacidade de teorizar que vai além da aquisição de conhecimentos novos. A capacidade

de teorizar e, também, de analisar nos permite retornar à prática: a apropriação de

conceitos abstratos permite realizar análises sobre as situações concretas que orientarão

nossas práticas, por sua vez, se tornarão mais eficazes e apropriados para promover o

processo histórico de forma consciente.

O materialismo histórico-dialético caracteriza-se por realizar três movimentos

simultaneamente: crítica, construção do novo conhecimento e ação para a transformação.

A investigação deve considerar a “concretude”, ou seja, a totalidade e a dinâmica dos

fenômenos sociais, que são construídos historicamente. Este processo de articulação das

múltiplas dimensões do fenômeno com a totalidade requer uma ordenação lógica e

coerente do que se apreendeu da realidade estudada, de modo a não se esquecer do caráter

histórico do conhecimento.

38

Os fenômenos particulares estão articulados ao da sociedade como um todo. A

categoria de mediação concebe os homens como mediadores das relações sociais e, por

isso, capazes de intervir no real. A categoria de reprodução aponta para o fato de que o

modo de produção capitalista precisa adaptar-se às mudanças no modo de produção. A

categoria de hegemonia ideologicamente refere-se à visão de mundo considerada como

correta devendo reproduzir-se de modo que seja a única possível.

A historicidade dos fenômenos sociais implica na relatividade, provisoriedade do

conhecimento que precisa ser reconstruído, revisitado. As políticas educacionais e,

também, para o campo não estão separadas da sociedade como um todo, da totalidade

sociedade, da sua concretude, elas estão marcadas por interesses de diversas naturezas,

principalmente os econômicos, políticos, por isso é necessário investigá-las do ponto de

vista do movimento, das contradições, no contexto das relações mais amplas, do seu

movimento no interior da totalidade social do sistema capitalista com sua lógica global

excludente, fragmentária.

O recorte da realidade e a possibilidade de articular o singular, o particular e o

universal proporcionado pelo materialismo histórico-dialético enriquecem as reflexões

decorrentes do processo de investigação sobre políticas públicas.

Singularidade, porque as políticas públicas são recortes da realidade e seu

significado está na particularidade do movimento histórico sob as determinações do

capitalismo aceito como universal. Se, levarmos em conta a historicidade na investigação

sobre as políticas públicas, podemos conhecer a trama dos conflitos, contradições,

interesses e ideologias e, não apenas narrar e descrever fatos.

As políticas públicas na perspectiva da totalidade requerem a mediação histórica

do passado sobre o presente, no qual já está presente o seu devir. O esforço reflexivo, a

partir da mediação histórica não se limita à análise crítica. A análise crítica da realidade

deve levar à conscientização da prática social ao ponto de ser transformada em práxis

transformadora e instrumento de luta, ou seja, além do caráter mediador da história, o

conhecimento também é político: além da conscientização e da resistência este

conhecimento permite ir além das interpretações da realidade porque também promove a

participação dos sujeitos históricos na organização social.

A práxis, ou a prática social, é a unidade da teoria e da prática. É o

mundo material social elaborado e organizado pelo ser humano no

desenvolvimento de sua existência como ser racional. Esse mundo

material social, ou conjunto de fenômenos materiais sociais, está em

constante movimento, organizando-se e reorganizando-se

39

perpetuamente. Na existência real o ser humano, como ser social,

realiza uma atividade prática, objetiva, que está fora de sua consciência,

e que visa a transformação da natureza, da sociedade. Este processo de

mudanças fundamentais ou não, se realiza através dos seres humanos,

das classes sociais, dos grupos e dos indivíduos.

O pesquisador, na condução das pesquisas sobre políticas educacionais

a partir do enfoque metodológico materialista histórico-dialético deve,

essencialmente, apreender a totalidade da qual a problemática levantada

faz parte, identificando inclusive os sujeitos históricos a quem essa

problemática se refere. Isto implica ainda num resgate das produções

teóricas sobre esta problemática, de modo a identificar o que se já

produziu, o que já se evidenciou e o que necessita ser aprofundado e/ou

revisitado, até mesmo no sentido de uma ruptura. Portanto, não há como

investigar uma determinada realidade sem uma postura teórica desde o

início da investigação que possibilite apreender claramente as múltiplas

dimensões do problema que se pretende desvendar. A pouca

familiaridade do pesquisador com o trato da teoria, com a reflexão

filosófica e a epistemologia da ciência compromete a qualidade da

pesquisa. Pesquisadores vítimas da falta de preparo científico e

filosófico debatem em suas pesquisas argumentos já envelhecidos e

conhecidos só de segunda mão. É imprescindível uma acuidade

rigorosa com o desleixo teórico, até mesmo no que diz respeito à crítica

às fontes. A fundamentação teórica do pesquisador desafia o

movimento do pensamento no sentido de analisar os dados a partir das

conexões, mediações e contradições, superando as primeiras

impressões empiricistas (aparência) com vistas ao desvelamento do

real, à análise das relações entre a parte e o todo (essência). É um movimento que vai contra as argumentações retóricas e pouco

argumentativas, que partem somente da premissa imediatamente

manifesta que se admite como universalmente verdadeira sem

exigência de demonstração, como se bastasse afirmações pautadas em

achismos que exaltam a supremacia subjetivista e proclamam o

relativismo da verdade (a verdade de cada um), não se preocupando

com a refutação detalhada e rigorosa das posições contrárias. (TRIVINÕS, 2006, p. 130)

Apesar da longa citação, ela está repleta de elementos que chamam nossa atenção

para a necessidade de pensar a materialidade histórica das comunidades escolares e suas

relações com as comunidades rurais do distrito do Rio das Mortes, primeiro porque é

construída pelo trabalho humano ao longo de sua história, segundo porque exige a

fundamentação teórica não só como exercício do pensamento, mas da resistência prática

porque todo conhecimento também é político.

Pires (1997) aborda a lógica dialética deste método como instrumento de

construção e reflexão que resulta na elaboração de um pensamento “pleno”, ou seja, nos

orienta nesta investigação, na medida em que:

[...] movimentar o pensamento significa refletir sobre a realidade

partindo do empírico (a realidade dada, o real aparente, o objeto assim

como ele se apresenta à primeira vista) e, por meio de abstrações

40

(elaborações do pensamento, reflexões, teoria), chegar ao concreto:

compreensão mais elaborada do que há de essencial no objeto, objeto

síntese de múltiplas determinações, concreto pensado. Assim, a

diferença entre o empírico (real aparente) e o concreto (real pensado)

são as abstrações (reflexões) do pensamento que tornam mais completa

a realidade observada. (PIRES, 1997, 86).

É por este caminho que nossa pesquisa alcançou seus objetivos realizando uma

investigação a partir de dentro das diversas relações existentes na comunidade escolar,

pois para realizarmos as abstrações a partir do tema proposto, foi necessário o maior

contato empírico possível, ou seja, o contato com os alunos, professores, funcionários,

moradores, pais e responsáveis que compõem o lugar, nos seus aspectos urbanos e rurais,

Por isto, realizamos um longo trabalho de campo baseado na observação e no ato de ouvir

estes sujeitos buscando compreender seu modo de vida através da concretude, da

totalidade, da mediação e da historicidade.

1.3 Procedimentos e técnicas de pesquisa

A abordagem qualitativa da nossa pesquisa, também se apresentou como mais

adequada para a concepção metodológica que escolhemos. As principais características

desta abordagem são descritas por Lüdke e André (1986):

A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de

dados e o pesquisador como seu principal instrumento; Os dados

coletados são predominantemente descritivos; A preocupação com o

processo é muito maior do que com o produto; O significado que as

pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo

pesquisador; A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.

(LÜDKE e ANDRÈ, 1986, p. 11 e 13)

Nossa intenção foi compreender a comunidade escolar a partir das condições

objetivas e subjetivas, das suas práticas que, em muitas situações não poderiam ser

observadas e analisadas apenas em entrevistas ou questionários fechados, sem o contato

direto com o pesquisador. Por isto, foi necessário um longo trabalho de campo, que não

seguiu apenas um roteiro predefinido.

Para compreender a comunidade estudada, de acordo com nosso objetivo, o

trabalho de campo foi realizado tendo como referência o estudo de caso, que nos permitiu

dar maior visibilidade aos sujeitos sociais e aos seus contextos de ação.

Juntamente com a introdução elaboramos o tópico intitulado “Apresentação da

área de estudo e de informações relevantes sobre a comunidade escolar”, com o objetivo

41

de oferecer informações que permitam ao leitor se contextualizar sobre a realidade do

distrito de Rio das Mortes e da E. E. Evandro Ávila. As principais fontes foram artigos e

publicações sobre o município de São João del-Rei e sua microrregião, dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o Projeto Político Pedagógico da escola,

informações adquiridas através da observação, conversas informais, entrevistas e

questionários durante a realização do trabalho de campo.

No capítulo seguinte abordamos principalmente os conceitos de território,

desenvolvimento e desenvolvimento territorial, porque as políticas públicas para a

agricultura familiar foram criadas, a partir da década de 1990, centrando seus objetivos e

ações nestes conceitos. Realizamos uma revisão bibliográfica de autores como Haesbaert

(2012), Haesbaert e Limonad (2007), Santos (2000), Raffestin (1993) e Saquet (2009)

para contestarmos as visões de homogeneização dos territórios, que resultariam em seu

fim.

Sobre desenvolvimento e desenvolvimento territorial elaboramos, primeiramente

uma reflexão sobre a origem e o real significado do conceito de desenvolvimento, na

medida que pudemos refutar a ideia de que as políticas públicas de desenvolvimento

fossem um remédio para todos os problemas da humanidade, através por exemplo de

Silva (2004), Gómez (2006) e Santos (2002).

Estas leituras e reflexões nos permitiram entrar propriamente na questão das

propostas de desenvolvimento pensadas e efetivadas para o campo, até chegarmos ao

desenvolvimento territorial concernente às políticas públicas para a agricultura familiar,

a partir das obras de Navarro (2001), Rückert (2004), Shneider (2004), Fernandes (2004),

Santos (1982), Alentejano (2011), Oliveira (2007), entre outros.

Também utilizamos o documento Políticas Públicas para a Agricultura Familiar

(2013) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), para apresentarmos as

políticas públicas em execução até a presente data. Já para uma interpretação sobre estas,

partimos de Dias e Aguiar (2016), Beduschi Filho e Abramovay (2004), Pereira (2011),

Paulino e Almeida (2010), Schneider, Mattei e Cazella (2004), Hespanhol (2010), entre

outros.

No capítulo três tratamos inicialmente das relações campo-cidade e as situações

dos distritos municipais que, muitas vezes, apresentam baixos contingentes populacionais

e estruturas precárias, baseando-nos principalmente em Alentejano (2000 e 2003),

Hespanhol e Hespanhol (2006), Neuburger (2008-2009), Souza e Castilho (2014), Silva

42

(2008), Gomes e Binzstok (2009), Haesbaert e Mondardo (2010), Marafon (2014),

Hespanhol (2013), entre outros.

A fim de contextualizar estas relações com a situação do ensino no campo e em

pequenas cidades e sedes distritais, utilizamos o site Sinopse por Setores do IBGE para

poder quantificar o número de habitantes nas sedes e nas áreas rurais dos distritos são-

joanenses e para representar graficamente as delimitações destes distritos.

Para compreender o ensino básico público nestas localidades, recorremos às

informações da Secretaria Municipal de Educação, da Superintendência Regional de

Ensino de São João del-Rei, do site Fora da Escola Não Pode! do Fundo das Nações

Unidas para a Infância (UNICEF) e ao trabalho de Wierman e Carmo (2015).

O capítulo quatro é dedicado à compreensão de como se desenvolveu e como é

atualmente o sistema de ensino para as populações do campo. Primeiro, apresentamos

uma evolução histórica destas políticas públicas a partir de leis, decretos, resoluções,

constituições federais, entre outros documentos, que foram significativos para a educação

no meio rural brasileiro.

Posteriormente abordamos os documentos regulamentadores para a educação

básica no ensino médio, sendo principais os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de

Geografia no âmbito federal, o Conteúdo Básico Comum (CBC) de Geografia para o

estado de Minas Gerais e o Projeto Político Pedagógico (PPP) elaborado pela E. E.

Evandro Ávila.

Ainda discutimos sobre o papel e a postura do professor brasileiro perante aos

documentos direcionadores, baseando-nos principalmente em Mészáros (2005) pensando

em uma educação “para além do capital”.

No capítulo 5 apresentamos as características da comunidade estudada; é nele que

detalhamos o trabalho de campo, as falas, e principalmente os questionários e as

entrevistas, além do que ouvimos nas conversas informais.

Antes de iniciarmos nossas incursões ao distrito, conversamos de modo informal,

numa fase que podemos denominar de exploratória, com alguns moradores que se

colocaram à disposição para contar as suas histórias, a história do distrito, e suas visões

sobre a comunidade e o lugar em que vivem; posteriormente fomos até a escola para

saber da disponibilidade e viabilidade de realização desta pesquisa que foi prontamente

disponibilizada pela direção e supervisão, que a escola estava aberta para nossa atividade

e que, consultássemos o professor de Geografia que, também, se mostrou de acordo.

43

Começamos nossa observação, frequentando, uma vez por semana, as aulas do

professor de geografia, em todas as turmas do ensino médio, durante o mês de agosto, até

a primeira semana de novembro de 2016. Nestas aulas, o pesquisador não participou

efetivamente, era apenas um observador que registrava o acontecido em sala de aula,

entretanto, em determinados momentos ou no recreio conversava com os alunos e com os

professores e funcionários.

Na última semana deste período foi solicitada uma aula de cada turma, para a

aplicação de um questionário (Anexo 01). Cada questão era lida e explicada conforme as

dúvidas levantadas pelos alunos. Apresentamos também as justificativas para que eles

respondessem ao questionário, e que seu objetivo era compreender a visão deles sobre

temas como: os seus projetos de vida, a comunidade, o sistema de ensino, as relações

campo-cidade, a agricultura familiar, as políticas públicas para o ensino e o campo, e o

que entendiam sobre desenvolvimento.

Nossa intenção era realizar entrevistas ao invés de aplicação de questionários,

porém, tal ação iria comprometer a participação dos alunos em algumas aulas. Assim

buscamos, aproximar a aplicação de questionário a uma entrevista semiestruturada, com

questões fechadas e abertas como proposto por Lankshear e Knobel (2008).

As entrevistas semiestruturadas ficam a meio-caminho entre as

entrevistas estruturadas e as não estruturadas. Russel Bernard (2000,

p.190) descreve essa linha continua como representativa da quantidade

de controle que o pesquisador tenta exercer sobre as respostas dos

entrevistados. Examinadas dessa maneira, as entrevistas estruturadas

tentam controlar as respostas da maneira mais rígida possível para

propósitos comparativos (e frequentemente estatísticos), enquanto as

entrevistas não-estruturadas tentam minimizar o controle às respostas

dos participantes por parte do pesquisador. (LANKSHEAR E

KNOBEL, 2008, p.174)

No final da aplicação dos questionários foi informado aos alunos que tínhamos a

intenção de conversarmos informalmente com seus pais e responsáveis pedimos, então,

para aqueles que poderiam nos receber em suas residências, que informassem no verso

do questionário os locais de moradia e as informações relevantes para serem localizados.

Desde modo, nos deslocamos até às moradias disponibilizadas, tanto na sede do

distrito como na área rural, com o propósito ouvir e, também, de realizar as entrevistas

semiestruturadas com questões abertas e fechadas como proposto por Lankshear e Knobel

(2008) (Anexo 02), com os pais e responsáveis, para compreender a visão destes sujeitos

sobre os seus modos de vidas, suas relações com o trabalho e, outras sobre a qualidade

44

do ensino oferecido para seus filhos, as perspectivas futuras como as realizadas no

questionário dos alunos.

As entrevistas semiestruturadas incluem uma lista de questões

previamente preparadas, mas o pesquisador utiliza-a apenas como um

guia, acompanhando os comentários importantes feitos pelo

entrevistado. Tanto as entrevistas semiestruturadas quanto as não-

estruturadas permitem aos professores-pesquisadores sondar as

respostas dos entrevistados. Elas encorajam a elaboração de temas

importantes que venham surgir no curso da entrevista, em vez de

ligarem o entrevistador e o entrevistado a um programa fixo, que pode

limitar as oportunidades de enriquecer os dados verbais e obter

esclarecimentos sobre a maneira como os entrevistados “vêem” e

entendem o mundo (Heyl, 2001). (LANKSHEAR E KNOBEL, 2008,

p.174)

Diferentemente dos outros questionários, o aplicado para todos os professores do

ensino médio da escola (Anexo 03), foi elaborado somente com questões fechadas, sendo

entregue pela supervisora pedagógica a cada professor, que se desejasse poderia levar o

questionário para responder em casa.

O questionário nos permitiria compreender a relação dos professores com a

comunidade escolar, as suas visões sobre a agricultura e o currículo de geografia, os

processos de desenvolvimento e políticas públicas no distrito, o modo de vida de seus

alunos e uma compreensão sobre como desenvolvem suas práticas docentes, de acordo

com a realidade do lugar.

Por fim, apresentamos as considerações finais sobre a relação entre políticas

públicas para a agricultura familiar e para o sistema de ensino das populações do campo,

a partir de uma análise sobre o distrito de Rio das Mortes.

45

CAPÍTULO 02 – DESENVOLVIMENTO, TERRITÓRIO E POLÍTICAS

PÚBLICAS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

2.1 – “O fim e o retorno do território”

Para alguns, a globalização teria como consequência o “fim do território” pela

suposta globalização total dos lugares, caracterizando um mundo desenraizado pelos

fluxos e pelas redes motivadas pelo desenvolvimento das técnicas e das ciências e pelas

corporações transnacionais. Segundo Milton Santos (2005, p. 256), nos dias de “hoje,

quando vivemos uma dialética do mundo concreto, evoluímos da noção, tornada antiga,

de Estado Territorial para a noção pós-moderna de transnacionalização do território”.

Sabemos que a globalização não se realiza completamente e de forma

homogeneizadora a partir, por exemplo, da compreensão da globalização como fábula,

perversidade e possibilidade (SANTOS, 2003a). Em determinados lugares a integração

global é maior e, em outros menores por causa das especificidades dos lugares, que não

são eliminadas por completo e, também, porque processos capitalistas promovem um

desenvolvimento desigual e concentrado.

Rogério Haesbaert (2012) apresenta as principais concepções de análises que

justificam o “fim do território” nas diferentes interpretações do processo denominado

desterritorialização produzido pela racionalidade instrumental que se sobrepõe ao

território, dando origem à “sociedade-rede” (CASTELLS, 1996), “pautada naquilo que

Santos (1985 e 1994) denominou meio técnico-científico informacional” (HAESBAERT

E LIMONAD, 2007, p.41), ou ainda aos “não-lugares” de Augé (1992), (HAESBAERT

2012).

Na interpretação economicista, segundo Haesbaert (2012) a produção não estaria

mais baseada nas normatizações locais, nem na dependência da localização de um espaço

geográfico específico. Michael Storper (1994) é um dos principais representantes desta

interpretação. Já a perspectiva cartográfica, baseada nas interpretações de Paul Virilio

(1997) e Pierre Lévy (1998), a desterritorialização tem como ponto central a superação

das distâncias pela aceleração do tempo que anula a distância entre pontos do espaço

geográfico.

Haesbaert (2012), em sua revisão sobre o tema, afirma que para Richard O’brien

(1992), com a desterritorialização, domínio da imaterialidade e do ciberespaço, não

teríamos mais a necessidade de um referencial concreto, as conexões informacionais

levariam ao fim da geografia. O “esvaziamento das fronteiras”, abordado por Bertrand

46

Badie (1995) e o “fim do Estado-nação” por Kenichi Ohmae (1996) permitiria a livre

circulação, resultante do enfraquecimento do Estado-nação.

Por último, tem-se a visão culturalista, que aborda a necessária identificação

simbólica e afetiva dos indivíduos com o território. Perdida esta identidade, se produz o

“não-lugar”, o “não-território”.

Entretanto, Haesbaert (2012) destaca que tais processos são mais complexos e, em

muitas situações que ocorrem com a mundialização1, não se enquadram nas perspectivas

(des) territorializantes apresentadas acima.

O que se vê, na realidade, são relações muito complexas. A

mundialização, paradoxalmente, tem alimentado também a retomada

dos localismos, regionalismos e/ou nacionalismos, muitas vezes

retrógrados e espacialmente segregadores, como vem ocorrendo na

fragmentação da ex-Iuguslávia e no interior da antiga União Soviética.

Colocando à parte interpretações economicistas do tipo “transformar-

se em novos Estados para melhor se integrar ao mercado mundial”, a

velocidade dos fluxos e a simultaneidade proporcionada pelo progresso

técnico não implicam, obrigatoriamente, a superação de uma

reterritorialização diferenciadora e ressingularizante. (HAESBAERT,

2012, p. 132)

No entanto, o território permanece apesar de ter sido decretado o seu fim, apenas

mudou de qualidade. Uma das possibilidades de interpretação para o seu não

desaparecimento estaria na necessidade humana de criar relações e “pertencer ao que lhe

pertence”. O estabelecimento de uma relação de pertencimento com os lugares não se dá

somente quanto às características físicas e arquitetônicas, mas também em relação aos

elementos culturais e sociais.

No entanto, o território permanece apesar de ter sido decretado o seu fim, apenas

mudou de qualidade. Uma das possibilidades de interpretação para o seu não

desaparecimento estaria na necessidade humana de criar relações e “pertencer ao que lhe

pertence”. O estabelecimento de uma relação de pertencimento com os lugares não se dá

1 A maior parte dos estudiosos vê a globalização - ou a mundialização, termo utilizado geralmente

como homônimo - antes de tudo como um produto da expansão cada vez mais ampliada do

capitalismo e da sociedade de consumo. Para alguns a distinção entre globalização? e

mundialização seria meramente idiomática, os ingleses preferindo a primeira, os franceses a

segunda. No Brasil acabou se firmando a vertente anglo-saxônica, mas alguns autores diferenciam

globalização - referida mais aos processos econômico-tecnológicos, e mundialização - referida

mais aos processos de ordem cultural (ver, por exemplo, Renato Ortiz, 1994). (HAESBAERT;

LIMONAD, 2007, p.41)

47

somente quanto às características físicas e arquitetônicas, mas também em relação aos

elementos culturais e sociais. Haesbaert e Limonad (2007) sobre a influência do território

(que é uma construção humana) se colocam a afirmar esta condição de pertencer:

[...] sem dúvida o homem nasce com o território, e vice-versa, o

território nasce com a civilização. Os homens, ao tomarem consciência

do espaço em que se inserem (visão mais subjetiva) e ao se apropriarem

ou, em outras palavras, cercarem este espaço (visão mais objetiva),

constroem e, de alguma forma, passam a ser construídos pelo território.

(HAESBAERT; LIMONAD, 2007, p. 42).

A origem do termo território e um dos seus principais usos vincula-se ao Estado-

Nação, que teria o território como base de sua sustentação, visão defendida classicamente

por Friedrich Ratzel (1844-1904). Posteriormente, esta visão foi sendo refutada,

principalmente por impulsionar práticas imperialistas como único caminho para o

crescimento e soberania dos Estados, assim surgiram outras propostas de como interpretar

e conceituar os territórios, sendo realizadas não somente na Geografia, mas também em

outras ciências como economia, filosofia, ciências políticas, ciências sociais, entre outras.

Para Santos e Silveira (2001), o Espaço Geográfico é sinônimo de “território

usado”, não havendo prioridade de determinados espaços e de seus agentes hegemônicos,

mas a busca pela compreensão de todos os elementos para explicar a inter-relação entre

os fenômenos. Esta proposta de interpretação do território leva à de “espaço banal”, o

espaço de todos, em oposição à noção de rede. Ainda, segundo estes autores, é no

território usado que se realiza a complexidade das relações humanas, sendo indispensável

compreendê-las em diversas escalas.

O uso do território pode ser definido pela implantação de

infraestruturas, para as quais estamos igualmente utilizando a

denominação de sistemas de engenharia, mas também pelo dinamismo

da economia e da sociedade. São os movimentos da população, a

distribuição da agricultura, da indústria e dos serviços, o arcabouço

normativo, incluídas a legislação civil, fiscal e financeira, que,

juntamente com o alcance e a extensão da cidadania, configuram as

funções do novo espaço geográfico. (SANTOS e SILVEIRA, 2001,

p.21).

Na perspectiva dialética do mundo concreto, a construção do espaço no período

técnico, científico e informacional impõe outras funcionalidades, através das

horizontalidades e verticalidades. As produções das primeiras supõem a continuidade

territorial, já as verticalidades ligam os lugares em rede transformando o território em

suporte, plataforma.

48

Os lugares unidos verticalmente no mundo global neoliberal concebido como

democracia de mercado criam a fragmentação, reduzem a vizinhança solidária baseada

no território compartilhado. A coesão horizontal está a serviço do mercado e, não da

sociedade civil que pode unir os lugares baseada na criação de normas locais, regionais,

etc. É a partir do território usado que se pode construir, segundo Milton Santos (2005) um

novo período da história, que ele chamou de popular.

Vivemos com uma noção de território herdada da modernidade

incompleta e do seu legado de conceitos puros, tantas vezes

atravessando os séculos praticamente intocados. É o uso do território,

e não o território em si mesmo, que faz dele um objeto da análise social.

Trata-se de uma forma impura, um híbrido, uma noção que, por isso

mesmo, carece de constante revisão histórica. O que ele tem de

permanente é ser nosso quadro de vida. Seu entendimento é, pois,

fundamental o risco de alienação, o risco da perda de sentido da

existência individual e coletiva, o risco de renúncia ao futuro.

(SANTOS, 2005, p. 255)

Para Santos (2005) o território é fundamental e deve fazer parte da reflexão

política. O território usado, praticado, é denso de experiências dos homens lentos, aqueles

que por viverem em condição de sobrevivência potencializam a mediação do território

sob a perspectiva de outra prática política. O Estado moderno não se reduziria ao território

em si mesmo, ao contrário, implicaria no reconhecimento das territorialidades que

revelam as múltiplas formas de sua apropriação do território através das lutas de

territorialização e que melhor se adequariam a um projeto de nação, abarcando os

múltiplos interesses e os confrontos entre as visões de mundo proporcionando um

adensamento da vida social.

Este adensamento da vida social nos leva à reflexão não só do território como

mediação das lutas pela sua apropriação, mas também à compreensão da mediação como

linguagem, como cultura. O adensamento da vida social permite dar visibilidade à

diversidade que é carregada de confrontos, dar visibilidade também às causas das lutas

pela apropriação ou territorialização que se realizam no cotidiano, porque o território é

espaço-tempo, portanto, temporalidade na qual a natureza prática do senso comum se

potencializa em territorialidades resistentes.

Por essas razões não há um modelo padrão de território, dimensão materializada

do espaço, por isso também, segundo Haesbaert e Limonad (2007) ocorre uma vasta gama

de territorialidades, desde o nível local até o supranacional. Cada território tem uma

determinada “permeabilidade” à aceitação de influência externa.

49

Raffestin (1993) utiliza as relações de poder para trabalhar o conceito de território.

As territorialidades, produto da vida humana no território, são produzidas a partir das

relações de poder.

De acordo com a nossa perspectiva, a territorialidade adquire um valor

bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido”

territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em

geral. Os homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o

produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais

e/ou produtivistas. Quer se tratem de relações existenciais ou

produtivistas, todas são relações de poder, visto que há interação entre

os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza

como as relações sociais. Os atores, sem se darem conta disso, se auto

modificam também. O poder é inevitável e, de modo algum, inocente.

Enfim, é impossível manter uma relação que não seja marcada por ele.

(RAFFESTIN, 1993, P. 158)

Nesse sentido, Saquet (2009, p. 90) afirma que o território é um produto social

cujo “[...] conteúdo das formas e relações materiais e imateriais, do movimento, significa

apropriação e dominação, também material e imaterial, em manchas e redes”. Entretanto,

para este mesmo autor a territorialidade possui maior complexidade, pelo fato dela estar

presente em todas as relações da vida humana, afirmando:

A territorialidade corresponde ao poder exercido e extrapola as relações

políticas envolvendo as relações econômicas e culturais, indivíduos e

grupos, redes e lugares de controle, mesmo que seja temporário, do e

no espaço geográfico com suas edificações e relações. A territorialidade

efetiva-se em todas as nossas relações cotidianas, ou melhor, ela

corresponde às nossas relações sociais cotidianas em tramas, no

trabalho, na família, na rua, na praça, na igreja, no trem, na rodoviária,

enfim, na cidade-urbano, no rural-agrário e nas relações urbano-rurais

de maneira múltipla e híbrida. (SAQUET, 2009, p. 90)

Assim, os territórios podem ser interpretados a partir de determinadas vertentes

conceituais, Haesbaert e Limonad (2007) destacam três: a jurídico-política baseada na

visão de Ratzel e na importância do poder estatal; a cultural(ista) que se fundamenta nas

obras de Gilles Deleuze e Félix Guattari; e, também, a de Yi-Fu Tuan que considera como

relevante a apropriação do espaço pelo imaginário e pela identidade cultural; já na visão

econômica destacam-se Michael Storper, Georges Benko, Pierre Veltz, os quais tem

como pontos principais, o embate entre classes sociais e a relação capital-trabalho.

Nossa proposta de interpretação dos processos de desenvolvimento territorial no

contexto do sistema de ensino para as populações do campo, não tem como objetivo

trabalhar a partir dos processos de desterritorialização, no entanto, a perspectiva político-

50

administrativa do território nos oferece um campo aberto de possibilidades para

trabalharmos uma política pública educacional centrada nas especificidades regionais do

Estado brasileiro, embora fundamentada nas finalidades neoliberais postas pelo Banco

Mundial através de uma agenda que inclui a preparação para o trabalho destinado ao livre

mercado e à livre concorrência, desde a realização da Conferência Mundial sobre

Educação para Todos em 1990. Nossa opção se torna ainda mais interessante quando

nossa escolha recai sobre uma comunidade escolar considerada urbana, mas inserida num

distrito com determinadas características rurais.

A perspectiva culturalista do território também enriquece nossa temática e

problema, seja: colocando em evidência as potencialidades do sistema educacional para

a construção do sujeito político capaz de constituir seu território, a partir da

materialização das relações camponesas no espaço e da participação e lutas de resistência

que devem estar presentes nas políticas públicas de desenvolvimento territorial.

Queremos seguir a indicação de Santos (1998): fazer “falar o território” superando

as colonizações tecnocráticas e populistas do sistema construindo a cidadania através da

Geografia, ou de outro modo, fazendo “falar o território” tornando visível para os alunos

o conhecimento do conhecimento geográfico, seus instrumentos de análise para que ela

não seja um “discurso vazio e vadio”, ou apenas engajado? Que compreendam porque o

“valor dos homens depende do lugar onde vivem?” Que o lugar em oposição às redes,

porém sem excluí-las, é “receptáculo de um feixe de determinações” enquanto um

conjunto de objetos e ações, o lugar não é uma determinação exclusiva da economia, mas

também, das determinações sociais, culturais e políticas. (SANTOS, 1996 p. 8)

Geograficizar o espaço do lugar implica para Santos (1996, p. 10) considerar a

espacialidade do cotidiano em três dimensões: o da corporeidade, da individualidade e da

sociabilidade. Estudar numa escola urbana, mas ser do mundo rural carrega uma

corporeidade que possa dar conta objetivamente de como nós apresentamos aos nossos

alunos o mundo, de como nos vemos a nós e aos outros e, também ao que somos; a

individualidade, por sua vez, tem a ver com aspectos subjetivos, com consciência que

tenho, ou não, do que sou e de onde me cabe viver junto com os outros. Estas três

dimensões definem outra cidadania, diferente daquela, presente na Declaração Universal

dos Direitos Humanos, importa o modo como são vividas as relações com o outro e, com

o mundo estimulando a produção da liberdade em nós mesmos.

51

Daí o papel do geógrafo neste fim de século. O papel do geógrafo

também se estende à produção do político. O cotidiano é um produtor

do fenômeno político na medida em que mostra como as diferenças se

estabelecem aconselhando a tomada de posições. É o caso dos

agricultores, que se reúnem para defender interesses territoriais. Tal

comportamento é a priori economicista, mas para ter eficácia, deve ser,

em seguida, um comportamento político. É essa produção do político

mediatizada pelo espacial que permite, a partir das metamorfoses do

setorial em geral, do particularismo em generalismo, as negociações

explícitas e implícitas que permitem avançar, primeiro na construção de

um ente explicativo e, segundo, na construção de um projeto.

(SANTOS, 1996 p. 13)

Como já mencionamos, com a globalização se propagou a ideia do fim dos

territórios, mas também se difundiu a ideia da diminuição e, até mesmo, do fim do

sentimento e da necessidade do território enquanto recurso natural e base para a vida

humana, os ecólogos levando ao máximo a desterritorialização até imaginaram uma

“espaçonave terra”. Até certo ponto podemos considerar tal suposição como verdadeira,

pois esse novo “meio técnico-cientifico-informacional” (SANTOS e SILVEIRA, 2001)

nos dá a possibilidade de em determinados lugares, viver com os recursos que não estão

disponíveis no local, ou não tendo que trabalhar somente com produtos ou questões locais,

entretanto, em outras regiões o trabalho e a vida se dá a partir das condições locais, mesmo

com a nova realidade deste período que atinge de maneira distinta cada lugar, sendo

relevante a seguinte análise:

Hoje, em muitos lugares do mundo, estamos bem distantes de uma

concepção de território como “fonte de recursos” ou como simples

“apropriação da natureza” em sentido estrito. Isto não significa,

contudo, que estas características estejam completamente superadas.

Dependendo das bases tecnológicas do grupo social, sua

“territorialidade” ainda pode carregar marcas profundas de uma ligação

com a terra, no sentido físico do termo. O mesmo ocorre com áreas em

que alguns fenômenos naturais (vulcanismos, abalos sísmicos,

furações) são profundamente reestruturadores da vida social.

(HAESBAERT, 2002, p. 47-48)

Nossa análise das políticas públicas de desenvolvimento territorial e a

potencialidade do estudo do território, a partir de uma epistemologia da existência para

os alunos do campo, nos permite praticar uma geografia cidadã através da construção de

outro discurso político capaz de fazer falar o projeto que queremos.

52

2.2 - O discurso do desenvolvimento e o desenvolvimento rural

A partir do final da Segunda Guerra Mundial, com a “ameaça” do avanço

comunista sobre o mundo capitalista, o discurso do desenvolvimento é apropriado pelos

Estados Unidos da América, a fim de fidelizar os países menos favorecidos, considerados

como os que tinham maior tendência de se aliarem aos soviéticos. Entretanto, uma

melhoria significativa nas condições socioeconômicas destes países não poderia se

concretizar, pois a ideia de desenvolvimento em questão no sistema capitalista tem por

consequência um agravamento nas desigualdades internas Silva (2004) destaca que:

O progresso técnico difundiu-se, rapidamente, modificando os estilos

de vida e de consumo e o projeto de melhoria da qualidade de vida da

população centrado apenas na modernização da economia começou a

se estruturar e se fortalecer. Ganhava força o modelo de

desenvolvimento alicerçado na ideia da industrialização dos países.

Mas essa forma de pensar não demorou muito a se mostrar

profundamente desigual, determinando ritmos de progresso

diferenciados, conforme o país e a região em que estivesse localizado.

(SILVA, 2004, p. 3)

Ainda segundo Silva (2004), a partir dos anos de 1960 foi difundida a ideia de que

para alcançar o desenvolvimento seria indispensável que ocorresse a industrialização.

Entretanto, esta visão não ficou restrita somente ao meio urbano, a agricultura através da

Revolução Verde, teria o papel de sustentar a industrialização e, consequentemente, o

desenvolvimento. Porém, destaca-se que a partir de 1970 já era visível à inviabilidade

deste projeto, que cada vez mais aumentava a pobreza e a desigualdade.

Para Gómez (2006), o discurso do desenvolvimento se materializa como uma

estratégia de controle social, pois o discurso difundido sobre ele é a promessa da melhoria

da qualidade de vida para toda a população, a partir das “maravilhas” do sistema

capitalista, entretanto os verdadeiros beneficiados são outros.

O desenvolvimento é um esplêndido negócio para as empresas

fornecedoras dos bens e serviços articulados nas políticas de

desenvolvimento, para as instituições financeiras que gerenciam os

fundos e as dívidas de que os programas de desenvolvimento precisam

e geram, para os institutos de pesquisa e universidades que são

contratadas para realizar estudos, para as ONG’s que, cada vez mais,

são parceiras nos programas de desenvolvimento, para as instituições

internacionais (Banco Mundial, Organização das Nações Unidas etc.),

que apresentam o desenvolvimento como uma ajuda altruísta, para os

governos dos países destinatários dos recursos, que dispõem de liquidez

para executar suas políticas sem responsabilizar-se pela dívida que vai

aumentando. Enfim, o desenvolvimento é um empreendimento

vantajoso para muitos, mas um negócio nefasto para a grande maioria

53

da população dos países que recebem “ajudas” para o desenvolvimento.

(GÓMEZ, 2006, p. 37)

Muitas vezes o termo desenvolvimento é amplamente utilizado por diversas

disciplinas acadêmicas (Geografia, Sociologia, Economia, entre outras), também em

políticas públicas, em discursos partidários, publicidade, jornalismo, senso comum e

outros, por diferentes sujeitos com interesses variados. Muitas vezes, este termo ganha

diferentes significados, geralmente acompanhado de determinado adjetivo como

sustentável, econômico, local, rural, territorial, etc. Nossa investigação tem indicado que

estes adjetivos são atribuídos ao desenvolvimento pelos sujeitos envolvidos, o que em

nosso estudo de caso, aumenta a dificuldade de explicá-lo e justificar o desconhecimento

quanto à sua utilização sendo necessário para tanto a construção, (des) construção do

conceito de desenvolvimento.

Milton Santos (2003b) em “Planejando o Subdesenvolvimento e a Pobreza”

aborda as estratégias utilizadas pelos países centrais para a criação de condições em que

os países pobres possam aderir, à medida que, supostamente visam uma melhoria nas suas

condições internas. Entretanto, o que se observa são apenas mecanismos para a expansão

do capital, resultando no aumento da pobreza e da desigualdade, neste processo, Santos

(2003b) destaca o significativo papel da geografia que, graças às mudanças de paradigmas

chegou a uma “ciência regional desprovida da natureza e do homem” ressaltando a

necessidade de se pensar um planejamento dirigido para a sociedade como um todo.

Esta pesquisa tematiza o desenvolvimento, principalmente problematizando uma

de suas adjetivações que é a do desenvolvimento territorial. No Brasil, a partir da década

de 1990, o termo desenvolvimento passou a ser usado constantemente nos discursos das

políticas públicas para a agricultura familiar, quando esta classe passa a ter uma nova

posição frente ao Estado brasileiro. Entretanto, estas “políticas de desenvolvimento”

visavam principalmente inserir a agricultura familiar nas dinâmicas capitalistas de

produção seja através do aumento da produtividade através de kits tecnológicos, da

inserção no mercado, na busca pelo aumento da renda, entre outras, por isso nosso

interesse pelo tema aqui debatido. Porém, apesar de ter proporcionado alguns avanços

significativos para determinados grupos, as especificidades tocantes a esta classe ficaram

em segundo plano, não considerando devidamente as diversidades culturais, políticas,

ambientais, entres outras, existentes no território.

Em sua análise sobre o conceito de desenvolvimento rural no Brasil, Navarro

(2001) salienta que as primeiras concepções ficavam em torno do desenvolvimento

54

agrícola materializando uma análise muito vaga, que considerava quase unicamente os

fatores inerentes à produção. Posteriormente, o autor destaca o surgimento de uma nova

categoria de análise que engloba a primeira, porém com maiores aprofundamentos em

outras questões e que estão ligadas direta ou indiretamente ao espaço rural, que é a de

desenvolvimento agrário.

Normalmente, tal expressão refere-se a interpretações acerca do

“mundo rural” em suas relações com a sociedade maior, em todas as

suas dimensões, e não apenas à estrutura agrícola, ao longo de um dado

período de tempo. Quase sempre “meta-narrativas”, estudam as

mudanças sociais e econômicas no longo prazo, reivindicando uma

aplicação de modelos teóricos entre países e regiões. Sob tal expressão,

as condições próprias da produção (o desenvolvimento agrícola)

constituem apenas uma faceta, mas a análise centra-se usualmente

também nas instituições, nas políticas do período, nas disputas entre

classes, nas condições de acesso e uso da terra, nas relações de trabalho

e suas mudanças, nos conflitos sociais, nos mercados, para citar alguns

aspectos. Portanto a “vida social rural” e sua evolução adentram tais

análises em todos os seus aspectos. (NAVARRO, 2001, p. 86)

Ainda segundo Navarro (2001), a expressão desenvolvimento rural relaciona-se

principalmente a uma mudança significativa em determinado ambiente rural, onde

geralmente se busca melhoria da qualidade de vida da população, sendo realizado a partir

de quais objetivos e estratégias os governos possuem para determinado processo. Já o

desenvolvimento local tem como principal característica a descentralização tirando parte

da responsabilidade do Estado e elegendo, por exemplo, ONGs, sindicatos, cooperativas,

prefeituras etc., como agentes empreendedores deste processo.

Entretanto, apesar das inúmeras adjetivações do termo desenvolvimento citadas

ou não neste trabalho, não se pode considerá-las apenas isoladamente quando se trata do

espaço rural. Neste sentido Navarro afirma que:

[...] será sempre necessário analisar-se corretamente o desenvolvimento

agrícola para interpretar o desenvolvimento agrário de determinado país

ou região, o que permitirá construir uma estratégia de desenvolvimento

rural (ou, mais apropriadamente, por incluir dimensões ambientais, o

desenvolvimento rural sustentável). Adicionalmente, sob tal estratégia,

é provável que um conjunto de iniciativas no plano propriamente local

(desenvolvimento local) será igualmente imprescindível. (NAVARRO,

2001, P. 90)

Rückert (2004), também faz importante análise sobre está série de definições que

adjetivam o termo desenvolvimento, afirmando que:

55

As referências às teorias de desenvolvimento endógeno, territorial,

local, regional parecem, num primeiro momento, mais uma importação

de modelos exógenos chamados à luz da ocasião a iluminar as

realidades territoriais periféricas de nossos rincões distantes.

Entretanto, talvez seu mérito seja, contraditoriamente, provocar uma

reflexão sobre as nossas potencialidades locais/regionais. A ativação

permanente de nossas sociabilidades democráticas, a construção de

novas densidades organizacionais e institucionais de múltiplos corpos

de reflexão, investigação e ação nos remetem, inegavelmente à uma

nova aventura: a de entendermos que as antigas terras do interior (as

hinterlands) hoje podem não mais ser, necessariamente, territórios

periféricos e distantes dos grandes centros de poder. (RÜCKERT, 2004,

p. 17).

No Brasil, o conceito de desenvolvimento rural com enfoque territorial ganhou

maior notoriedade através das novas políticas públicas e ações do Estado brasileiro,

principalmente a partir dos anos 1990, quando se começou a pensar novos projetos para

o meio rural brasileiro. Inicialmente, com a chegada ao poder dos governos neoliberais,

mais especificamente Fernando Collor de Mello (1990-1992) e, posteriormente Fernando

Henrique Cardoso (1995-2003), quando este adota uma série de orientações do relatório

nº 11783-BR do Banco Mundial intitulado Brazil: the management of agriculture, rural

development and natural resources, como afirma Gómez (2006).

Estas orientações do Banco Mundial têm no seu fundamento a necessidade de

maior integração do meio rural ao mercado, na forma de criar uma agricultura familiar

dócil ao sistema capitalista de produção deixando para o Estado o papel de gerenciar e

possibilitar tal situação, como evidencia Gómez:

Segundo as recomendações do Banco Mundial, as funções do Estado

deveriam limitar-se, por um lado, a melhorar a infraestrutura e preparar

melhor sua população (mais saúde, mais educação...), com o objetivo

de oferecer à iniciativa privada a possibilidade de maiores retornos, nos

seus investimentos, e, por outro lado, reduzir as distorções e falhas

criadas pelo próprio funcionamento do mercado. (2006, p. 64)

Porém, esta mudança de enfoque no desenvolvimento rural, não ocorre somente

no Brasil, na década de 1990, o estado brasileiro se inspira em políticas públicas europeias

para a criação e execução de novas políticas e órgãos governamentais. Shneider (2004)

analisando os novos debates gerados pela ascensão do desenvolvimento rural fora do

Brasil considera que existem quatro pontos principais entre os autores referenciais, que

são:

[...] a erradicação da pobreza rural, a questão do protagonismo dos

atores sociais e sua participação política, o território como unidade de

56

referência e a preocupação central com a sustentabilidade ambiental.

(SHNEIDER, 2004, p. 94)

O enfoque territorial no desenvolvimento rural, segundo Favareto (2006), é uma

nova abordagem e, imprescindível graças às novas tendências das “ruralidades” no

capitalismo avançado e pelas novas categorias cognitivas que estão sendo criadas, para

compreender e induzir as performances das áreas rurais. Entretanto, Favaretto (2006)

também afirma que não existe uma teoria do desenvolvimento territorial, mas sim uma

“abordagem territorial”.

Esta nova visão de desenvolvimento deixa de lado o caráter regional para priorizar

o local, ou seja, o desenvolvimento territorial, na medida em que se tenta valorizar

agricultores, entidades, órgãos públicos, ONGs, entre outros, de atuação local, mas de

forma que esta valorização atenda as demandas do sistema capitalista, integrando os

diversos territórios ao mercado.

A valorização do enfoque territorial vai ao encontro, da análise do “território

usado” de Santos e Silveira e, também, ao de territorialidade que não está diretamente

ligado ao de Estado-nação.

Por território entende-se geralmente a extensão apropriada e usada. Mas

o sentido da palavra territorialidade como sinônimo de pertencer àquilo

que nos pertence [...] esse sentido de exclusividade e limite ultrapassa

a raça humana e prescinde da existência de Estado. Assim, essa ideia de

territorialidade se estende aos próprios animais, como sinônimo de área

de vivência e de reprodução. Mas a territorialidade humana pressupõe

também a preocupação com o destino, a construção do futuro, o que,

entre os seres vivos, é privilégio do homem. (SANTOS e SILVEIRA,

2001, p. 19)

Ao falarmos de território é indispensável trazer de volta o conceito de

territorialidade, que está na raiz dos processos territoriais e representam os modelos das

organizações humanas presentes e, suas consequências como a forma de organizações, os

conflitos, a geração de riquezas e pobrezas, mas principalmente, as relações de poder,

conforme as define Raffestin (1993) e, que têm suas presenças marcadas no campo

brasileiro ao interferir diretamente nos processos de desenvolvimento social.

Para Fernandes (2004), a noção de território é concernente ao processo de

desenvolvimento territorial, muitas vezes, tem como base a geografia positivista, que

prioriza o espaço físico desconsiderando as diversas dinâmicas territoriais como os

processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização motivados por

57

diversos conflitos inerentes e recorrentes no sistema capitalista. Em sua análise,

Fernandes (2004), entretanto, afirma que:

[...] o desenvolvimento territorial rural acontece por meio de relações

socializadoras e excluídoras em mercados e políticas públicas; com

justiça e injustiça social, com conflito e superação, construindo

histórias e experiências. (FERNANDES, 2004, p. 44).

Mesmo a partir deste novo enfoque territorial de desenvolvimento que prioriza os

agentes de atuação local, em detrimento da ideia anterior que priorizava as políticas e

ações em áreas maiores como mesorregiões e estados. Para tal processo territorial se

materializar atendendo as demandas territoriais é indispensável que se estabeleça contato

entre os diversos agentes e sujeitos presentes no processo de desenvolvimento territorial.

Sobre esta interação Raffestin (1993) destaca que:

Os indivíduos ou os grupos ocupam pontos no espaço e se distribuem

de acordo com os modelos que podem ser aleatórios, regulares ou

concentrados. São, em parte, respostas possíveis ao fator distância e ao

seu complemento e acessibilidade. Sendo que a distância pode ser

apreendida em termos espaciais (distância física ou geográfica),

temporais, psicológicos ou econômicos. A distância se refere à

interação entre os diferentes locais. Pode ser uma interação política,

econômica, social e cultural, que resulta em jogos de oferta e procura

que provém dos indivíduos e/ou grupos. Isso conduz a sistemas de

malhas, de nós e redes que se imprimem no espaço e que constitui de

algum modo, o território. Não somente se realiza uma diferenciação

funcional, mas ainda uma diferenciação comandada pelo princípio

hierárquico, que contribui para ordenar o território segundo a

importância dada pelos indivíduos e/ou grupos às suas diversas ações.

(RAFFESTIN, 1993, p. 150-151)

Para a interpretação das transformações que ocorrem no território, Milton Santos

(1982) utiliza o conceito de formação sócio espacial. Anteriormente, este conceito incluía

apenas os elementos econômicos e sociais (formação econômica e social), portanto não

se considerava devidamente a importância do espaço nas relações humanas: a Geografia

se interessava mais pelas “formas do que pela formação”. Assim, o conceito até então

existente que aceitava o dualismo das relações Homem-Natureza se modifica acolhendo

uma interpretação pertinente a partir da consideração de que: “Natureza e Espaço são

sinônimos, desde que se considere a Natureza como uma natureza transformada, uma

Segunda Natureza, como Marx a chamou.” (1982, p.1)

Deste modo, Milton Santos (1982) também considera o modo de produção, a

formação social e o espaço como categorias interdependentes. Assim, quando se pensa o

espaço rural, não se deve considerá-lo isoladamente, na medida em que ele está inserido

58

em uma realidade que, por exemplo, o contato com as cidades e outros espaços rurais é

evidente, pois mesmo com os processos de globalização e disseminação do capital, o

globo e os territórios não irão se tornar unos, pois:

Os modos de produção tornam-se concretos sobre uma base territorial

historicamente determinada. Deste ponto de vista, as formas espaciais

seriam uma linguagem dos modos de produção. Daí, na sua

determinação geográfica, serem eles seletivos, reforçando dessa

maneira a especificidade dos lugares. (SANTOS, 1982, p. 4)

É indispensável, portanto, analisar as transformações ocorridas nos territórios

motivadas pelas novas necessidades do chamado desenvolvimento, pois para possibilitar

a reprodução do sistema capitalista é indispensável manter o fluxo de capitais,

mercadorias e serviços, que se realizam a partir da construção e implementação de

sistemas de engenharias, de ações, de subsistemas de comunicação, entre outros.

As noções de território e de modelos de desenvolvimento são estabelecidas a partir

de uma série de interesses e ideologias por parte daqueles que as criam podendo ser um

movimento social, partido político, o próprio Estado ou determinada empresa privada,

entre outras. Neste sentido Cazella et. al (2009) afirmam a existência de:

[...] Quatro concepções de território, não excludentes entre si e que

guardam estreita ligação com os olhares disciplinares: a) território como

unidade de atuação do estado para controlar a produção de

externalidades pela agricultura, sejam elas positivas ou negativas; essa

abordagem responde essencialmente a uma preocupação da economia

política; b) território como unidade de construção de recursos

específicos para o desenvolvimento econômico; essa preocupação

corresponde ao ponto de vista da economia territorial; c) território como

produto de uma ação coletiva, concepção relacionada à economia das

organizações; d) território como componente fundamental das

sociedades tradicionais, no sentido das sociedades arcaicas, que se

inscreve na perspectiva da antropologia e da antropologia econômica.

(CAZELLA et. al, 2009, p. 51).

Tomando como base estas quatro concepções, fica evidente que o fato de se

priorizar mais determinado aspecto pode trazer uma série de problemas para determinadas

populações. Por exemplo, um modelo de desenvolvimento que priorize o crescimento

econômico, a partir da concentração de renda e da expropriação de direitos e meios de

produção (terra) das classes menos favorecidas, irá ter como um dos resultados, o

agravamento dos problemas sociais.

O fato do novo viés de desenvolvimento de caráter territorial adotado no Brasil

buscar maior diálogo e colocar maiores responsabilidades sobre os agentes locais, não

59

garante que a grande maioria dos problemas seja resolvida. Beduschi Filho e Abramovay

(2004) afirmam a necessidade da existência de organizações intermediárias, que vão além

das divisões municipais, mais aquém dos territórios estaduais. Nesse sentido, eles

abordam a importância da multiplicação dos conselhos gestores pelos municípios

brasileiros por incentivarem e possibilitarem a participação popular, entretanto, muitas

vezes estes atuam reproduzindo as relações de poder locais consolidadas.

Tratando da disputa entre o Paradigma da Questão Agrária (PQA) e do Paradigma

do Capitalismo Agrário (PCA), Coca (2015) afirma que elas representam uma correlação

de forças no campo, cabendo ao Estado estabelecer os caminhos que podem ir de encontro

aos interesses do campesinato ou do agronegócio. No entanto, como dissemos

anteriormente, seguindo as recomendações das grandes agências multilaterais

internacionais, os países da América Latina, especialmente o Brasil, optaram por um

padrão de desenvolvimento que exclui o campesinato em detrimento do modelo do

agronegócio.

A tendência dos governos latino-americanos que optam pela via

neoliberal tem sido a de embasar suas políticas em leituras de mundo

geradas pelo PCA, o que, evidentemente traz consideráveis prejuízos

para a agricultura camponesa. As políticas públicas que são elaboradas

tendo por referência o PCA não reconhecem os elementos estruturais

das unidades de produção camponesa em sua particularidade, pois a

tendência dessa leitura de mundo é a generalização das relações

capitalistas. Pensa-se em políticas públicas que tenham por finalidade a

reprodução ampliada dos lucros ou ações compensatórias, mas não se

propõe a centralidade do trabalho familiar nos moldes da agricultura

camponesa como uma via de desenvolvimento para o campo. Em tais

condições, a agricultura camponesa permanece em estado de

subalternidade, já que a maioria dos recursos públicos e privados é

orientada para a agricultura capitalista. (COCA, 2015, p. 56)

O principal motivo para que a agricultura familiar ou camponesa não deve ser

considerada pelo Estado como uma pequena unidade produtora comparada a grande

propriedade inserida no mercado e nas dinâmicas capitalistas de produção, está no fato

destes agricultores terem uma relação com a terra diferente, para eles a renda e o lucro

não são os únicos elos com a terra, pois as relações afetivas vão muito além, embora esta

seja o lugar em que se extrai o sustento da família, também pode ser o lugar em que os

sujeitos passaram grande parte de suas vidas aprendendo o oficio através do contato direto

com a terra que, muitas vezes, sempre foi de posse ou propriedade da família, ou é

localizada em lugares próximos, nos quais estabelecem as relações sociais de vizinhança.

Nesse sentido, Alentejano (2011) afirma que:

60

[...] quando se trata o agro como mero negócio (agronegócio) a terra é

de fato mera mercadoria que pode ser transacionada sem maiores

preocupações, diferentemente de quando o agro é lugar de vida

(agricultura) e a terra, portanto, não é uma mera mercadoria.

(ALENTEJANO, 2011, p.73)

Deste modo, a renda capitalista da terra assume papel central no campo brasileiro,

à qual se impõe a todos sujeitos uma visão de que o caminho para o desenvolvimento se

dá apenas pelo aumento da extração da renda da terra. Ariovaldo Umbelino de Oliveira

(2007) considera a existência de dois tipos principais de renda da terra, sendo a capitalista

centrada na extração da mais-valia pelos detentores dos meios de produção (terra), sobre

os trabalhadores expropriados, e a renda da terra pré-capitalista, que apesar do nome é

recorrente nas sociedades modernas apresentando-se como uma contradição do

capitalismo, ocorrendo em três formas:

A primeira, a renda da terra em trabalho consiste na forma mais simples

de renda fundiária, pois o produtor direto com seus instrumentos de

trabalho que lhe pertencem de fato ou de direito, durante parte da

semana, mês ou ano, trabalha as terras de outrem, muitas vezes

coercitivamente, recebendo em troca apenas o direito de lavrar parte

dessas terras para si próprio. A segunda forma é a renda da terra em

produto que se origina do fato de que o trabalhador cede parte de sua

produção pela cessão do direito de cultivar a terra de outrem. A terceira

forma é a renda da terra em dinheiro que se origina da conversão, da

simples metamorfose da renda em produtos em renda em dinheiro.

(OLIVEIRA, 2007, p. 44)

O processo de desenvolvimento territorial não deve ser visto única e

exclusivamente restrito às áreas rurais, pois mesmo se as principais ações diretas forem

realizadas nestas localidades, seus desdobramentos irão muito além. Neste sentido

Navarro (2001) considerando os processos de desenvolvimento rural faz relevante análise

sobre a relação do rural e do urbano no desenvolvimento, dizendo que:

Desenvolvimento rural, portanto, não se restringe ao rural estritamente

falando, famílias rurais e produção agrícola - nem exclusivamente ao

plano das interações sociais, também principalmente rurais -

comunidades, bairros e distritos rurais, por exemplo -, mas

necessariamente abarcam mudanças em diversas esferas da vida social

as quais, se têm por limite mais imediato de realização o município,

podem estender-se para horizontes territoriais mais extensos, como

provavelmente ocorrerá em curto prazo. Parecem assim desaparecer

definitivamente o corte rural–urbano e as formas de sociabilidade,

igualmente demarcadas por tal segmentação. (NAVARRO, 2001, P. 97)

61

Outro ponto que torna incoerente a ideia de desenvolvimento focada

exclusivamente no rural é a incapacidade das políticas de delimitações de áreas rurais e

urbanas, que geralmente não fazem um estudo mais aprofundado sobre o modo de vida

de determinada população, considerando atividades econômicas, sistema de ensino,

serviços públicos e privados disponíveis, entre outros. Como iremos abordar em capítulo

posterior, no caso brasileiro a responsabilidade por tais delimitações fica por conta das

prefeituras que determinam as localidades rurais e urbanas, não cabendo ao IBGE

questionar tal definição.

2.3 - As políticas públicas para a agricultura familiar no Brasil

Como tratado anteriormente, a partir da década de 1990 houve uma grande

mudança na maneira do direcionamento das políticas públicas para a agricultura familiar

no Brasil, o primeiro grande passo foi a criação do Programa Nacional para a Agricultura

Familiar (PRONAF) no governo de Fernando Henrique Cardozo. Posteriormente, com a

ascensão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 é criada a Secretaria de

Desenvolvimento Territorial (SDT), no âmbito do Ministério do Desenvolvimento

Agrário (MDA)2, assim o PRONAF recebe mudanças, começando pelo nome, se

tornando Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),

cujo objetivo era torná-lo mais democrático através dos Colegiados Territoriais

constituídos por representantes institucionais públicos e a sociedade civil; esta iniciativa

de caráter intermunicipal buscava libertar-se da visão municipalista que é: “mais propensa

à ingerência político partidária das administrações municipais, tenta-se também

considerar as relações e os fluxos que extrapolam o espaço rural em direção ao espaço

urbano e o seu entorno”. (HESPANHOL, 2010 p. 137).

Com o passar dos anos, outras políticas públicas para a agricultura familiar foram

criadas. No documento Políticas Públicas para a Agricultura Familiar3 do MDA publicado

2 Com o impedimento da presidenta da república Dilma Vana Rousseff e, com a ascensão de

Michel Miguel Elias Temer Lulia ao cargo em 2016, ocorreu uma reforma ministerial onde o

Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi incorporado ao Ministério do

Desenvolvimento Social (MDS) formando, assim o Ministério do Desenvolvimento Social e

Agrário (MDSA). Devido ao fato da pesquisa estar em andamento nesta ocasião e também por

considerarmos recente para apontar as consequências, esta pesquisa não considerará as citadas

mudanças. 3 Também motivado pelo processo de impedimento da presidenta do Brasil e as mudanças

institucionais no governo federal, por ora restringiremos nossa pesquisa neste documento.

62

em outubro de 2013, consta a existência de doze programas totalmente voltados para esta

categoria indo além da simples concessão de crédito existente no PRONAF, visando

atender outras demandas do campo. Os objetivos principais destas políticas estão no

Quadro 03.

Quadro 03: Políticas Públicas para a agricultura familiar e seus objetivos segundo

o documento “Políticas Públicas para a Agricultura Familiar” do Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA), de outubro de 2013

Política Pública Objetivos

Programa

Nacional de

Fortalecimento

Da Agricultura

Familiar

(PRONAF)

Programa de crédito que permite acesso a recursos financeiros para

o desenvolvimento da agricultura familiar. Beneficia agricultores

familiares, assentados da reforma agrária, e povos e comunidades

tradicionais, que podem fazer financiamentos de forma individual

ou coletiva, com taxas de juros abaixo da inflação. Facilita a

execução das atividades agropecuárias, ajuda na compra de

equipamentos modernos e, contribui no aumento da renda e

melhoria da qualidade de vida no campo

Assistência

Técnica e

Extensão Rural

(ATER)

É uma política pública que leva assistência técnica às propriedades

rurais. Tem como objetivo melhorar os processos no trabalho e,

consequentemente, a qualidade de vida dos agricultores.

Programa de

Aquisição de

Alimentos

(PAA)

O PAA busca garantir o atendimento de populações em situação de

insegurança alimentar e nutricional e para promover a inclusão

social no campo e fortalecer a agricultura familiar. Criado em 2003

e, atualizado pela Lei no 12.512/2011, autoriza os órgãos públicos

federais, estaduais e municipais adquirir os alimentos diretamente

dos produtores.

Programa

Nacional de

Alimentação

Escolar (PNAE)

Instituído pela Lei no. 11.947/2009, o PNAE prevê a compra de

pelo menos 30% dos alimentos provenientes da agricultura familiar

para serem servidos nas escolas da rede pública de ensino. É

alimento fresco e de qualidade na alimentação escolar. O objetivo

é gerar renda para os agricultores e o município, dinamizando a

economia local.

63

Programa

Nacional de

Crédito

Fundiário

(PNCF)

Facilitar o acesso à terra e aumentar a renda dos trabalhadores rurais

é o objetivo desse programa. O PNCF financia a aquisição de

imóveis rurais não passíveis de desapropriação.

Programa de

Aceleração do

Crescimento

(PAC2)

Dentro do PAC, o MDA atua na entrega de retroescavadeiras e

moto niveladoras às prefeituras de municípios com até 50 mil

habitantes não localizados em regiões metropolitanas. Além de

caminhões-caçamba, caminhões-pipa e pás-carregadeiras para o

Semiárido. Com isso, o Programa promove melhor escoamento da

produção dos agricultores familiares e, mais desenvolvimento e

qualidade de vida na área rural.

Sistema

Unificado de

Atenção à

Sanidade Animal

(SUASA)

Legaliza e acelera a implantação de novas agroindústrias. Os

produtos de origem animal são inspecionados por qualquer

instância do SUASA e podem ser comercializados no mercado

formal, em todo o território brasileiro facilitando que as

agroindústrias locais ampliem a comercialização de seus produtos.

A descentralização do serviço de inspeção fortalece a economia dos

municípios, incentivando o desenvolvimento local e dos territórios.

Facilita a implantação de novas unidades agroindustriais e, como

consequência, a circulação de maior volume de dinheiro no

comércio local.

Programa

Terra Legal

O Terra Legal assegura a titulação de propriedades de terras

públicas federais na região da Amazônia Legal. Ele garante, ainda,

o acesso dos proprietários dessas terras a políticas públicas de

incentivo ao desenvolvimento rural e aos modelos de produção

sustentável.

Programa de

Cadastro de

Terra e

Regularização

Fundiária

Para garantir a permanência dos agricultores familiares na terra, o

MDA criou o Programa de Cadastro de Terras e Regularização

Fundiária, visando assegurar juridicamente a posse do imóvel ao

trabalhador do campo.

64

Terra Forte O programa visa estimular e apoiar o incremento de renda nos

projetos de assentamento, por meio de atividades socioeconômicas

sustentáveis, valorizando as características regionais, experiências

e potencialidades locais.

Programa

Nacional de

Produção e Uso

do Biodiesel

(PNPB)

Um dos objetivos do Programa Nacional de Produção e uso do

Biodiesel (PNPB) é estimular a produção e o consumo de

combustíveis que não sejam derivados de petróleo. Ele incentiva

agricultores familiares a cultivar oleaginosas que possam ser

utilizadas na produção desse combustível. O PNPB contribui para

que o Brasil compre menos óleo diesel de petróleo de outros países

e deixe de exportar grãos in natura. Com isso, melhora a renda

produção desse combustível.

Garantia-Safra É um seguro que serve de garantia aos agricultores familiares em

caso de perda de produção causada por problemas climáticos, como

a seca, por exemplo. Ele é voltado aos produtores com renda

familiar de até 1,5 salário mínimo por mês, desde que possuem

Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) e tenham feito a adesão ao

Garantia-Safra.

Fonte: Políticas Públicas para a Agricultura Familiar - MDA (2013) Elaborado por Gabriel Max

de Oliveira Dias, 2017.

Como detalhado neste quadro, observamos que muitas destas políticas públicas

vêm ao encontro com o que se tem discutido sobre o desenvolvimento territorial e a nova

realidade do campo brasileiro, por exemplo, as políticas de compra de alimentos não são

pensadas exclusivamente para o produtor, mas busca atender uma necessidade da

sociedade como um todo.

Outras como o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) que se

materializa na compra de terras, por aqueles que não possuem ou possuem em quantidade

muito reduzida, pode ser relevante e coerente para determinadas regiões do país, mas

também pode acarretar em uma desmobilização pela luta a favor da reforma agrária, pois

se cria outros meios para o acesso à terra.

Evidentemente, estas políticas públicas possuem orientação neoliberal, pois é

centrada principalmente no aumento da produção e, muitas vezes, desconsideram

características locais, como exemplo temos, o Programa Nacional de Produção e Uso do

65

Biodiesel (PNPB), que geralmente impõe uma nova prática agrícola para determinados

agricultores que se interessam em se adequar ao programa promovendo uma mudança

significativa no modo de produção e de vida em determinado lugar. Neste sentido, sobre

o modo de implementação pelo Estado destas políticas públicas é relevante a seguinte

afirmação:

Os camponeses, por apresentarem especificidades no tocante às

relações sociais de produção, fruto particular da não separação da figura

do proprietário da terra do conjunto da força de trabalho,

costumeiramente são reconhecidos nas políticas públicas do governo

brasileiro como agricultores familiares, denominação, no mínimo,

reducionista, porque focada no econômico em detrimento do modo de

vida. (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 19)

Entramos, assim, no embate conceitual entre a agricultura familiar e a agricultura

camponesa que produz uma discussão muito extensa e significativa, no entanto, não é

objetivo desta pesquisa propor uma interpretação sobre o tema, mas é indispensável

mencionar que o termo camponês está ligado a uma visão mais tradicional do produtor

rural que produz com diversidade, principalmente para a sua subsistência tendo como

base do trabalho a própria família. Com uma relação mais intensa com a terra, evitam

e/ou não têm acesso a utilização de pacotes tecnológicos para poder produzir, entre outras

características. Já o agricultor familiar, também tem a base de seu trabalho na própria

família, entretanto está mais inserido nas dinâmicas capitalistas de produção, mesmo que,

muitas vezes estas possam inviabilizar a produção, pela voracidade do mercado.

Diferentemente de Paulino e Almeida (2010), Schneider; Mattei; Cazella (2004)

sobre uma das políticas públicas implementadas no Brasil, consideram relevante o papel

do Estado na legitimação da agricultura familiar, ao afirmar que:

Dentre os acontecimentos mais marcantes que ocorreram na esfera das

políticas públicas para o meio rural brasileiro, no período recente, pode-

se destacar a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (PRONAF). O surgimento deste programa

representa o reconhecimento e a legitimação do Estado, em relação às

especificidades de uma nova categoria social – os agricultores

familiares – que até, então, era designada por termos como pequenos

produtores, produtores familiares, produtores de baixa renda ou

agricultores de subsistência. (SCHNEIDER; MATTEI; CAZELLA

2004, p.1).

É evidente que cada uma destas políticas públicas tem seus objetivos e finalidades,

algumas podem até atuar sobre temas mais controversos como é o caso do Programa

66

Nacional de Crédito Fundiário, entretanto, apesar de determinadas críticas para que estas

tenham um papel relevante sobre o campo e toda a sociedade brasileira é necessário que

elas não sejam pensadas isoladamente, como no caso do PRONAF que apenas com sua

política de crédito não será capaz de resolver os vários problemas existentes, assim como

qualquer outra dessas que forem utilizadas isoladamente sem que se tenha preocupação

com cada realidade.

2.4 - A aplicabilidade das políticas públicas de enfoque territorial

Como apontado por Dias e Aguiar (2016) no caso especifico do Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), em um estudo realizado

no município de São João del-Rei, esta política pública e as demais para a agricultura

familiar se, analisadas a partir de critérios específicos, pode-se afirmar que trouxeram

determinados benefícios para a comunidade atendida, por exemplo, alguns produtores

aumentaram a produtividade e, consecutivamente a renda. Entretanto, tais políticas

surgiram através de instruções de agências multilaterais, que priorizavam ações de

inserção de agricultores de base familiar ou camponesa no sistema capitalista de

produção, cabendo ao Estado o papel de articular tal processo.

Na realidade econômica atual, em que os países cada vez mais são guiados por

visões neoliberais e, portanto, estando mais propensos às crises que afetam drasticamente

determinados setores, principalmente os que não estejam devidamente organizados e/ou

em condição de “privilégio” é indispensável salientar a importância do Estado, como

agente relevante no equilíbrio de forças neste cenário de grande desigualdade social, onde

os grandes detentores dos meios de produção se encontram em posições privilegiadas.

Neste cenário Pereira (2011) afirma que:

Ficou provado que quanto mais aberta é a economia, maior a

necessidade de proteção social do Estado e não o contrário. Qualquer

que seja o rumo que o novo estruturalismo venha a tomar no futuro, o

ponto de partida, sem dúvida, deverá ser a redefinição das funções do

Estado, particularmente em relação a sua inserção no mundo

globalizado. (PEREIRA, 2011, p. 140)

Pensar que todos os agricultores de base familiar e camponesa terão seus

problemas resolvidos com a sua inclusão no mercado é um grande erro, pois, muitas

vezes, estão na contramão da agricultura patronal, não priorizando somente o lucro e a

renda. Em algumas situações esta inclusão poderá causar prejuízos incalculáveis quando,

67

por exemplo, um dos motivos é o fato destas ações se basearem principalmente na

concessão de crédito que, na maioria das vezes, tem a terra dos produtores como garantia

de pagamento.

Pensar o desenvolvimento da agricultura familiar a partir da análise territorial,

como exposto neste trabalho, pode ser um meio de criar mecanismos que fortaleça esta

classe, desde que as ações sejam voltadas para relações solidárias entre os sujeitos

envolvidos. Assim, o ponto de partida poderia ser o conceito de formações sócio espaciais

de Milton Santos (1982), pelo fato de não desconsiderar o espaço no processo de

desenvolvimento da vida humana, ao contrário, considerando-o tão importante como os

modos de produção e a formação social.

Os conselhos gestores apontados por Beduschi Filho e Abramovay (2004) podem

ser excelentes espaços para se discutir os caminhos para o desenvolvimento, entretanto,

devem-se criar mecanismos para que as relações de forças desiguais da sociedade não se

reproduzam nestes espaços.

Outra questão é pensar os territórios em relação à totalidade buscando, por

exemplo, uma ligação entre os espaços rurais e urbanos, o que é cada vez mais um

imperativo se, considerarmos as inúmeras incoerências que estas delimitações possuem

no Brasil. Nessa questão vale levantar a necessidade de se pensar, também, um sistema

de ensino voltado para a realidade do lugar, discurso vazio quando se pensa o

desenvolvimento territorial e as políticas públicas para o campo, ou ainda, em uma

educação que reconheça na classe trabalhadora do campo, a materialidade objetiva das

suas vidas, as suas lutas cotidianas. Sobretudo, é preciso reconhecer, nos diz Caldart

(2009), com veemência:

[...] a necessidade e a importância, política, teórica, de compreender

este fenômeno chamado de Educação do campo em sua historicidade,

o que implica buscar apreender as contradições e tensões que estão na

realidade que a produziu e que a move, e que ela ajuda a produzir e

mover; que estão no ‘estado da coisa, afinal, e não apenas nas ideias ou

entre ideias sobre o que dela se diz. Entendo que uma das características

constitutivas da Educação do campo é a de se mover desde o início

sobre um ‘fio de navalha’, que somente se consegue compreender pela

análise das contradições reais em que está envolvida.

E que, nunca é demais repetir, não são as contradições do território

restrito da pedagogia, mas da luta de classes, particularmente de

como se desenvolve hoje no campo brasileiro, em todas as dimensões

de sua realidade. [...] A Educação do campo inicia sua atuação desde a

radicalidade pedagógica destes movimentos sociais e entra no

terreno movediço das políticas públicas, da relação com um Estado

comprometido com um projeto de sociedade que ela combate se

68

coerente for com sua materialidade e vínculo de classe de origem. A

Educação do campo tem se centrado na escola e luta para que a

concepção de educação que oriente suas práticas se descentre da

escola, não fique refém de sua lógica constitutiva, exatamente para

poder ir bem além dela enquanto projeto educativo. E uma vez mais,

sim! A Educação do campo se coloca em luta pelo acesso dos

trabalhadores ao conhecimento produzido na sociedade e ao

mesmo tempo problematiza, faz a crítica ao modo de conhecimento

dominante e à hierarquização epistemológica própria desta

sociedade que deslegitima os protagonistas originários da

Educação do campo como produtores de conhecimento e que resiste

a construir referências próprias para a solução de problemas de outra

lógica de produção e de trabalho que não seja a do trabalho

produtivo para o capital. (CALDART, 2009, p. 38, grifos nosso)

Caldart (2009) apreende, do ponto de vista teórico e metodológico as questões

chaves que também acolhemos para a Educação do Campo: uma pedagogia radical que

vai além da proposta iluminista da modernidade que em sua arrogância ignora o

conhecimento produzido pelos sujeitos do campo, no sentido de que o projeto político

pedagógico ultrapasse os muros da escola e explique as contradições que se realizam no

espaço e resultam da materialização do modo de produção que assalta os recursos da

natureza através do trabalho alienado, este movimento se traduz socialmente pela luta de

classes. A educação do campo alicerçada na sua luta contra a exploração, subordinação e

expropriação tem outra lógica, outro projeto de mundo e de educação.

Pensar este lugar não a partir da competição ou como uma “guerra dos lugares”

na interpretação de Santos e Silveira (2001), mas sim, a partir da valorização das

especificidades, singularidades que devem estar no cerne do processo de ensino-

aprendizagem para que os sujeitos deste processo sejam como propulsores da sua própria

história.

O lugar é a oportunidade do evento. E este, ao se tornar espaço, ainda

que não perca suas margens de origem, ganha características locais. É

como se a flecha do tempo se entortasse no contato com o lugar. O

evento é, ao mesmo tempo, deformante e deformado. Por isso fala-se

na imprevisibilidade do evento, a que Ricoeur chama de autonomia, a

possibilidade, no lugar, de construir uma história das ações que seja

diferente do projeto dos atores hegemônicos. É esse o grande papel do

lugar na produção da história, e apontá-lo é a grande tarefa dos

geógrafos neste fim de século (SANTOS, 2008, p. 163).

Pensando no papel que as políticas públicas para a agricultura familiar

desempenham na comunidade escolar estudada por nós, encontramos uma situação de

grande desinformação. Mesmo aqueles que vivem no campo, com exceção de um

69

produtor rural mais estruturado, que vivia exclusivamente do trabalho no campo,

desconheciam as políticas públicas, as formas de sujeição da terra e do trabalho sob o

capitalismo.

Como a mãe de um aluno do segundo ano, que por estar desempregada, trabalhava

somente quando havia demanda como diarista em lavouras de fazendas da região. Quando

indagada se gostaria de um dia possuir uma propriedade rural, respondeu que “seria um

sonho... viveria com qualidade e trabalharia e moraria no que é meu”, a expressão em

seu semblante ao falar, revelava o sentimento de que esse desejo seria algo impossível ou

distante e, uma interrogação. A mesma mulher afirmou não saber o que é crédito rural e,

também o PRONAF, e políticas públicas para a agricultura familiar.

Como explicar que uma pessoa residindo em um pequeno povoado que, não deve

possuir mais de 20 casas, que trabalha no campo e acredita que um pedaço de terra seria

um meio para melhoria de vida, não tem conhecimento sobre as políticas públicas

voltadas para a agricultura familiar? Todo conhecimento também é político porque

permite nos conscientizarmos, resistir e ir além das interpretações da realidade

promovendo a participação dos sujeitos históricos na organização social. A situação

acima descrita é a negação de toda a possibilidade da existência de espaços de diálogo e

de convivência democrática.

Situação parecida foi encontrada em uma residência em um sítio não utilizado

para geração de renda, cujos proprietários, pais de uma aluna do primeiro ano do ensino

médio não tinha conhecimento sobre estas políticas e também em uma família residente

na sede do distrito, cujo sonho do pai era aumentar o tamanho de sua propriedade rural

utilizada para criação de gado leiteiro, fonte de renda secundária, para um dia se tornar a

fonte de renda principal.

Para a maioria das pessoas da comunidade escolar, que possuem um contato mais

direto com o campo, predominava a desinformação quanto aos programas do governo de

apoio à agricultura familiar, mesmo desempenhando atividades com pouca qualificação

no meio urbano, como pedreiro, motorista e diarista nas lavouras e nas casas de famílias

como empregadas domésticas, entre outros e, possuindo o sonho, embora considerado

impossível, de ter um pedaço de terra para viver da sua renda e criar os filhos para estudar

na cidade.

Podemos inferir que este desconhecimento também parte da escola, pois em

questionários aplicados aos alunos e em conversas informais, estes não conseguiam

definir com clareza e coerência termos como território e políticas públicas, mas o que

70

mais chamou atenção foi a grande maioria descrever agricultura familiar de forma

simplória e, em muitos casos, desconsiderando o viés econômico, social e político, em

frases como: “Agricultura familiar é quando se produz em uma horta no quintal, para

fornecer legumes e verduras para a família”. Como mencionaremos a seguir, alguns

professores também não demonstraram ver relação entre a escola e as políticas públicas

para o desenvolvimento da agricultura no distrito.

A escola pode ter um papel de extrema importância quando se pensa o processo

de desenvolvimento territorial, pois ela participa de forma decisiva na formação das

crianças e dos jovens. Destacamos que, quando falamos do papel da escola no

desenvolvimento territorial, não estamos sugerindo um sistema de ensino voltado apenas

para aqueles alunos que têm suas vidas diretamente ligadas à vida no campo e à produção

agrícola, mas sim, um sistema de ensino pensado a partir das especificidades locais, da

integração territorial, dando voz e possibilidades de participação para todo os sujeitos,

agentes do lugar e, que conferem a ele sua historicidade.

[...] uma transformação na educação rural requer mais do que melhorar

fisicamente as escolas ou a qualificação dos professores. Implica,

necessariamente, a presença de um currículo baseado na vida e valores

da população do campo para que o aprendizado escolar também possa

ser um instrumento para o desenvolvimento sociocultural e econômico

do campo. (SILVA; MORAIS; BOFF, 2006, p.74).

A ideia de desenvolvimento é cercada por diferentes interesses sociais, territoriais,

políticos, entre outros, podendo ter entre os seus resultados o enfraquecimento da

agricultura de base familiar ou camponesa, em detrimento do avanço da grande

agricultura capitalista e de toda cadeia do agronegócio, mas também, dependendo da

forma em que for concebida e implantada poderia propiciar uma melhoria significativa

da qualidade de vida das populações do campo, que estão na periferia do sistema

capitalista, ou dito de outra forma, o que seria o negativo da sociedade (as populações do

campo) se tornaria o lado positivo. Assim, um enfoque territorial que valorize as

especificidades culturais, ambientais, fundiárias, entre outras, existentes no território

pode abrir perspectivas bastante coerentes e sólidas deste novo padrão de

desenvolvimento, desde que se busque outra lógica produtiva que não se subordine às

demandas destrutivas do sistema capitalista.

71

CAPÍTULO 3 - RELAÇÕES CAMPO-CIDADE E O CONTEXTO ESCOLAR DE

SÃO JOÃO DEL-REI

3.1 - A relação campo-cidade ao longo da história

Historicamente fazer a diferenciação entre o campo e a cidade não era uma tarefa

tão complexa como hoje, pois os papéis que cada espaço desempenhava, geralmente

seguiam um padrão. Ao campo cabia principalmente as atividades primárias como

agricultura, pecuária, extrativismo nas suas diversas formas, enquanto nas cidades

desempenhavam as atividades secundárias e terciárias como o comércio, os bancos e as

indústrias, embora houvessem algumas exceções.

Nesta situação o contato entre os dois espaços não acontecia de maneira tão

intensa, a população do campo apesar de fornecer alimentos e demais meios para a vida

na cidade, tinha grande independência produzindo grande parte dos próprios alimentos,

ferramentas, utensílios domésticos, entre outros, comprando na cidade apenas o que não

era possível produzir no campo.

Com o advento da industrialização, as cidades passam a demandar mão de obra

para o trabalho nas indústrias intensificando o êxodo rural, que no Brasil ocorreu

principalmente, a partir dos anos 1950. Deste modo, o campo além de liberar mão de obra

para as cidades continuava com o papel de sustentar a sociedade urbana, que passava por

um crescimento contínuo. É neste contexto, que se inicia o processo de modernização do

campo, os produtores que conseguiram se estabelecer nesta nova realidade (geralmente

os grandes e médios) passaram a buscar nas cidades condições e meios para o novo modo

de produzir como assistência técnica, financiamentos, maquinários, fertilizantes,

agrotóxicos, entre outros.

Teixeira (2005) considera que a modernização da agricultura ocorre em duas

vertentes. Em uma delas o processo é considerado como sinônimo de mecanização e

tecnificação da lavoura, com a utilização de máquinas e insumos modernos possibilitando

o crescimento da produção. Já a outra não considera apenas os equipamentos usados, mas

todas as modificações ocorridas nas relações sociais de produção. Sobre sua real

influência e resultados no campo, este mesmo autor afirma que:

A verdade é que a modernização da agricultura segue os moldes

capitalistas e tende a beneficiar apenas determinados produtos e

produtores, tendendo a fortalecer a monocultura. Com a modernização

ocorre o que vários autores denominam de “industrialização da

72

agricultura”, tornando-a uma atividade nitidamente empresarial,

abrindo um mercado de consumo para as indústrias de máquinas e

insumos modernos. (TEIXEIRA, 2005, p. 22)

A reorganização produtiva motivada por esta modernização, não apenas mudou o

modo de produção e de ocupação no campo, mas impulsionou uma reestruturação

complexa da sociedade, principalmente pelo advento da globalização e, o crescimento da

dependência que a sociedade passou a ter das técnicas e da ciência, levando Santos (1993)

afirmar que estamos vivendo um período técnico-científico-informacional.

[...] esse meio técnico-científico (melhor será chamá-lo de meio

técnico-científico-informacional) é marcado pela presença da ciência e

da técnica nos processos de remodelação do território essenciais às

produções hegemônicas, que necessitam desse novo meio geográfico

para sua realização. A informação, em todas as suas formas, é o motor

fundamental do processo social e o território é, também, equipado para

facilitar a sua circulação. (SANTOS, 1993, p.35)

Pensando o território brasileiro, Santos e Silveira (2001) consideram que a união

das ciências e da técnica, a partir da década de 1970 teve uma série de influências em

nosso território, ganhando um grande impulso com os recursos da informação, criando-

se um mercado global. Entretanto, essa instalação do que ele denomina de meio técnico-

científico-informacional não ocorre de maneira homogênea por todo território brasileiro,

sendo mais concentrado nas regiões sudeste e sul criando “manchas e pontos” no restante

do país, assim, a fluidez do espaço se torna indispensável nesse novo modo de produção

e, uma das principais questões para se compreender as dinâmicas territoriais.

Este meio técnico-científico-informacional, além de influenciar diretamente nas

dinâmicas territoriais, também interfere fortemente nas territorialidades, nas organizações

e nos conflitos sociais, na geração de riquezas e pobrezas, mas principalmente nas

relações de “poder” como abordado por Raffestin (1993), deixando marcas explícitas nos

territórios, nas transformações no modo de vida e nos sistemas produtivos.

Estas mudanças na sociedade como um todo trouxeram uma nova realidade para

o território brasileiro, com a formação das grandes e problemáticas metrópoles, as quais

inicialmente tinham grande vocação para o setor industrial, mas que com o tempo

passaram a desempenhar cada vez mais atividades do setor terciário. Também surgiram

as cidades médias, que se tornaram polos regionais, tendo como base diversas atividades

do setor primário, secundário e terciário. Este processo inicialmente ocorreu devido à

liberação e expulsão de mão de obra do campo para a cidade, embora, o êxodo rural tenha

perdido força nas últimas décadas.

73

Essa situação fez com que características do modo de vida rural fossem

reproduzidas nas cidades e, vários elementos do modo de vida urbano se estabelecessem

no campo. Este movimento criou várias situações como: trabalho não agrícola no campo,

turismo rural, a segunda residência de pessoas da cidade no campo e, também de pessoas

que trabalham no campo, mas moram nas cidades ou moram nas cidades e desenvolvem

agricultura urbana, por exemplo.

Compreender estas novas relações entre o campo e a cidade no Brasil é

indispensável para alcançarmos o objetivo desta pesquisa que é correlacionar o

desenvolvimento territorial concernente às políticas públicas para a agricultura familiar

com o sistema de ensino público e suas políticas, principalmente no ensino médio, para

as populações do campo, onde situações deste tipo são cada vez mais recorrentes,

inclusive no distrito do Rio das Mortes, que é investigado nessa pesquisa, mesmo

predominando em sua vila principal características urbanas, onde grande parte, das

pessoas trabalha no setor secundário e terciário da economia, o contato com o rural

também é significante, além do seu entorno que é considerado área rural e, as pessoas

efetivamente tem um contato mais próximo com o modo de vida rural, principalmente

pelo fato do trabalho no campo ser mais recorrente.

Assim, mesmo com alguns dos sujeitos que moram nas áreas rurais do distrito

trabalhando em empregos urbanos, em quase todas as casas visitadas ou observadas ao

longo do trabalho de campo, se encontravam animais de pequeno porte como galinhas,

patos e porcos e, também, hortas pelos grandes quintais que, muitas vezes, ocupam a

estrada de terra e as pequenas “praças” ou ruas pavimentadas dos povoados.

Consideramos esta paisagem como permanência do modo de vida rural, esses elementos

da paisagem rural também aparecem na vila principal, porém em escala menor, porque

os terrenos das residências são menores, mas geralmente com apenas um pavimento e

quintal.

3.2 - O debate acerca das relações campo-cidade

A mudança nas relações entre o campo e a cidade, segundo Alentejano (2000) ao

abordar questões ligadas à “nova” dinâmica existente no rural brasileiro, coloca como

fato de extrema relevância as ações dos governos de Fernando Henrique Cardozo,

voltadas especialmente para o rural, como o documento “Agricultura familiar, reforma

agrária e desenvolvimento local”, que apesar de várias incoerências e problemas

74

estruturais, como o fato de ter por base um modelo europeu e, eleger o mercado como

meio para o desenvolvimento possui quatro noções centrais, representando uma nova

visão do rural que, até então, não existia no país, que são: “importância da agricultura

familiar; desenvolvimento local/regional sustentável; multiplicidade de atividades no

meio rural; dinamização econômica via redistribuição e racionalização dos ativos.”

(ALENTEJANO, 2000, p.89).

No entanto, as ações destes governos, se realizam via políticas neoliberais, cujos

objetivos não são a real transformação da estrutura agrária brasileira, mas causar um

embate direto com os movimentos sociais do campo, no sentido de criminalizá-los e

enfraquecê-los. Um exemplo relevante destas intencionalidades é o fato de:

Ao eleger o Banco da Terra como instrumento fundamental de obtenção

de terras e propor a descentralização das ações fundiárias, transferindo

a maior parte da responsabilidade para o âmbito municipal - num país

tradicionalmente marcado pelo poder das oligarquias locais -, o governo

não só busca desarticular o movimento, apostando na incapacidade

deste de se contrapor ao poder local, como aposta na desmobilização

dos sem-terra, pois oferece, teoricamente, a possibilidade de obtenção

de terra sem necessidade de mobilização, pressão política e tampouco

sacrifícios. (ALENTENO, 2000, p.97)

Abordando a visão de determinados autores sobre as transformações no rural

brasileiro, Alentejano (2000, p.102) afirma que, no sentido que tal discussão tem tomado,

resta apenas duas opções: “aceitar a ideia de que o rural foi ou está sendo sepultado pela

expansão do urbano e, portanto, não é mais uma categoria descritiva ou explicativa útil,

ou considerar que rural e urbano sempre foram categorias inúteis para a análise”.

Entretanto, coloca como essencial o que chama de “terceira opção” que é: “considerar

que ainda há lugar para o rural como elemento de descrição e explicação da realidade,

mas seu significado atual mudou”.

Em obra posterior, mas também abordando a mesma temática, este autor afirma

que:

[...] os tradicionais estereótipos que definiriam campo e cidade, rural e

urbano, não são pertinentes e isto não se deve a uma unificação da

realidade que moldaria tudo à imagem e semelhança das características

atribuídas às cidades. Não se trata da eliminação pura e simples do rural

e sua transmutação em urbano, mas de um fenômeno mais complexo,

onde um novo urbano e um novo rural surgem do choque entre ambos.

Na realidade, a diversidade de formas de organização social que

proliferam, tanto no campo como na cidade, poderia levar à tentação de

se dizer que não existe um urbano e um rural, mas vários urbanos e

rurais. (ALENTEJANO, 2003, p.10)

75

É necessário diferenciar em nossa pesquisa, as relações cidade-campo e rural-

urbano, em que a primeira está ligada principalmente ao espaço físico, já a segunda

considera os demais fatores como relações sociais e econômicas, modos de vida, entre

outros. Sendo assim, para Alentejano (2003) um dos principais aspectos para delimitação

do rural está ligado à relação que os sujeitos têm com a terra, afirmando que nas atividades

econômicas e na vida urbana nas cidades esta ocorre com intensidade muito inferior.

Dando continuidade à sua discussão, Alentejano (2003) coloca como um dos

grandes problemas o fato da reforma agrária ser pensada de modo restrito à agricultura e

ao meio rural, afirmando que ela deveria ser um agente de transformação também no

urbano brasileiro.

O caráter fortemente urbanizado da sociedade brasileira deve ser o

ponto de partida para a nova reflexão sobre o lugar da reforma agrária

no debate sobre o modelo de desenvolvimento a ser adotado no país,

não para negar importância à reforma agrária, mas para afirmá-la como

essencial para, no curto prazo, garantir melhores condições de vida para

uma imensa massa de explorados e excluídos presentes hoje no campo

e na cidade e, a médio e longo prazo, possibilitar a construção de uma

sociedade justa e democrática. ALENTEJANO (2003, p.3)

Deste modo, a proposta de reforma agrária ultrapassa o limite do campo,

envolvendo também diretamente as cidades e, principalmente, os grandes centros urbanos

levando a uma desconcentração espacial, que não visa atender apenas o setor primário da

economia, indo além da possibilidade de que aqueles que já haviam deixado o campo

possam voltar para a situação da qual haviam saído. É necessário pensar uma reforma

agrária como agente de transformação social elaborada através da totalidade do território.

O autor deixa clara a necessidade de pensar o rural conjuntamente com o urbano,

rompendo as definições e delimitações tradicionais, indo de encontro com a proposta de

desenvolvimento territorial.

Abordando a questão do impacto da industrialização e da urbanização sobre o

espaço rural, Hespanhol e Hespanhol (2006) trabalham com a questão campo-cidade no

Brasil. Os autores afirmam que com as transformações ocorridas, o trabalho rural passou

a ter um papel secundário na sociedade, ajudando a manter os graves problemas da

estrutura fundiária, quando a agropecuária no período de 1950 a 1980 sustentou o

processo de urbanização.

A partir de 1980, formas alternativas de agricultura adquiriram força,

paralelamente à manutenção da grande produção. Com a chegada da década de 1990,

76

contrapondo-se a um cenário de intensificação do modelo neoliberal se busca uma

valorização da agricultura familiar com o Programa Nacional para a Agricultura Familiar

(PRONAF), que confere perspectiva territorial ao desenvolvimento rural.

Para Hespanhol e Hespanhol (2006), a modernização da agricultura através de

instalações de complexos agroindustriais, causou um impacto significativo sobre as

relações campo-cidade; os grandes e médios produtores que conseguiram se estruturar

neste novo cenário aumentaram o contato com a cidade, em razão da dependência de

técnicos especializados, agências bancárias, empresas e cooperativas. Por outro lado,

muitos pequenos produtores, que não conseguiram se adequar, dirigiram-se para as

cidades buscando restabelecer suas vidas, fato que acabou por aumentar a exclusão,

ressuscitando movimentos sociais de luta pela terra.

Hespanhol e Hespanhol (2006) apontam relativamente na mesma direção que

Alentejano (2000 e 2003), na medida que, devem ser considerados vários aspectos para

interpretar as relações campo-cidade no Brasil, juntamente com os problemas estruturais.

Para eles o campo também pode ter um papel fundamental na transformação da sociedade

como um todo, sendo alternativa de trabalho e geração de renda, pois demanda

investimentos menores, como é expresso no trecho abaixo:

A marginalização econômica e social de parcela apreciável da

população nas cidades tem feito com que o campo seja apontado como

uma alternativa para a sua sobrevivência. O volume de investimento

para se gerar um posto de trabalho no campo é, em media, menor do

que na cidade e o custo de manutenção da população no campo é

tambem menor do que na cidade.

No espaço rural brasileiro ainda reside uma parcela significativa da

população e é importante que ela permaneça e desenvolva não somente

atividades agropecuárias, mas também outras atividades e obtenha

renda suficiente para viver dignamente, pois as oportunidades de

trabalho na área urbana são escassas. (HESPANHOL; HESPANHOL,

2006, p. 147)

Investigando a região matogrossense cujas características são peculiares em

relação à agricultura no Brasil, Martina Neuburger (2008-2009) a partir dos fundamentos

propostos por Milton Santos, tem como premissa que as relações campo-cidade são

constituídas pelos fluxos de mercadorias, pessoas, informações, pelas relações de poder

e pela atribuição de valor dada a cada categoria espacial.

A autora considera que as relações de forças entre os dois espaços são desiguais,

restando para o campo um papel de submissão às decisões tomadas na cidade. Entretando,

também é destacado que, nas últimas décadas estas relações estão sendo influenciadas

77

diretamente pela globalização, principalmente o campo que muda drasticamente seu

papel, tornando-se um espaço mais heterogêneo, não voltado exclusivamente para o setor

primário da economia, o que leva a autora adotar o conceito de “Nova Ruralidade”.

Para Martina Neuburger (2008-2009) o processo de globalização na região de

Cáceres, no estado do Mato Grosso, interferiu diretamente nas relações campo-cidade ali

existentes, pois trouxe práticas agropecuárias para a região que não estavam voltadas para

atender às demandas locais/regionais, mas direcionadas para a exportação, resultando na

incapaciade da cidade, de atender às demandas do campo e vice-versa, aumentando,

consequentemente os problemas sociais.

Nesta perspectiva, ocorre uma aproximação em relação às considerações feitas

por Hespanhol e Hespanhol (2006) sobre o processo de modernização da agricultura em

que a real e verdadeira mudança de papéis entre os dois espaços em questão faz com que

a realidade mude.

Hoje em dia as cidades no hinterlands de Cáceres de um modo geral

funcionam como meros nódulos de comercialização tanto para produtos

entrando na região – produtos industrializados e alimentares – como

para a produção agropecuária sendo exportada para o mercado nacional

e internacional. Além disso, oferecem moradia para a população rural

que muda para as cidades em busca de serviços públicos, mantendo –

em muitos casos – a sua ligação com o campo por trabalhar como

arrendatários ou boias-frias nas grandes fazendas da região. Os

proprietários das fazendas, por sua vez, geralmente preferem viver ou

em Cáceres ou em Cuiabá. Com o êxodo rural o campo perde quase

completamente a sua função de abastecer as cidades com produtos

agropecuários. As relações com as cidades na região se restringem à

disponibilidade como espaço de expansão da área urbana e como

depósito para os resíduos urbanos, expressando-se, por exemplo, nos

inúmeros lixões legais e ilegais na região. (NEUBURGER, 2008-2009,

p. 365)”

Um ponto relevante para se pensar as relações entre campo e cidade está nos

distritos e nas cidades. É importante lembrar que no Brasil existe distrito federal, distrito

estadual e distrito municipal. Neste trabalho abordamos um distrito municipal (assim,

mencionamos apenas a palavra distrito para se referir a distrito municipal) que, por força

de legislação federal tem uma vila principal que, geralmente é o povoado de maior

concentração populacional, e considerada uma área urbana, cabendo entre outras

responsabilidades aos moradores pagarem o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU),

entretanto os serviços públicos disponíveis a esta população costumam ser muito restritos,

já as áreas ao entorno desta vila principal e os povoados menores são considerados como

rurais. Sobre as divisões municipais, é relevante a seguinte afirmação:

78

[...] um município pode ser subdividido em mais de um distrito. Quando

da ocorrência dessa subdivisão, os distritos são classificados em

primários e secundários. A primeira classificação refere-se ao chamado

distrito sede, cujo núcleo urbano sedia o governo municipal e, portanto,

recebe a categoria de cidade. Por sua vez, o secundário é o chamado

distrito não sede, em que o núcleo urbano (geralmente formado por um

povoado ou lugarejo) recebe a categoria de vila. Logo, a cidade está

para o município assim como a vila para o distrito. Essa definição de

cidade e vila como sedes de município e distrito, respectivamente, é

dada pelo Decreto-Lei nº 311, de 2 de março de 1938. (SOUZA;

CASTILHO, 2014, p. 527)

Monastiky et al. (2009) aborda os distritos, principalmente sob o viés de

infraestrutura e serviços disponíveis às populações residentes afirmando que suas

dinâmicas estão intimamente ligadas ao processo de urbanização do campo e pelas

políticas públicas adotadas para as zonas rurais e, principalmente núcleos distritais. Este

autor acredita no processo de hibridismo quando se trata de vilas, pois afirma que: “[...]

especialmente aquela que apresenta uma incipiente organização urbana, pode ser

considerada como um local que transita entre dois ambientes, pois assim se reconhecem

as pessoas que lá vivem.” (p. 21), ou seja, seu estudo considera o sentimento das pessoas,

que é o de pertencer tanto ao rural, quanto ao urbano.

Tratando a relação do distrito de Martinésia (sede e entorno) com o município de

Uberlândia, Renata Rastrelo e Silva (2008) considera que existe uma visão dicotômica,

em que a cidade é local da correria urbana, do moderno e, o distrito local do atraso e da

lentidão, ocorrendo também a imagem diferenciada do rural do município de Uberlândia

com a do rural dos seus distritos, como é exemplificado pela autora:

Refletindo ainda sobre essa imagem construída sobre os distritos do

município de Uberlândia, os quais estão no meio rural, é evidente uma

dissonância entre essa imagem de campo feita com relação aos distritos

e a imagem de campo mais geral feita com relação ao município de

Uberlândia. Se os distritos são aclamados pela tranquilidade, pelo

passado que evoca, o campo do município de Uberlândia é trazido

justamente pelo que ele tem de moderno, de novo, de empreendedor, ou

seja, parece que se está falando de duas coisas diferentes, pois é como

se os distritos não fizessem parte do município de Uberlândia. (SILVA,

2008, p. 81)

Em sua mesma obra, Silva (2008) aborda as visões dos mais jovens sobre a

possibilidade de permanência na terra de sua família. Nesse sentido, ela encontra algumas

situações, como a de uma jovem que utiliza a rodovia pavimentada para poder ir trabalhar

na cidade e continuar morando com sua família na propriedade rural, mesmo não

desempenhando nenhuma atividade agrícola, ou ainda, pessoas que vêm essas

79

propriedades como espaço de lazer e lugar onde os laços familiares estabelecidos

continuam. Estas situações mostram que, para muitos a vida no campo se tornou

insustentável, mesmo que algum sentimento de pertencimento ainda exista.

Também, encontramos casos como estes nas comunidades atendidas pela Escola

Estadual Evandro Ávila, onde realizamos nossa pesquisa, por exemplo: uma família que

mora a cerca de a 5 km do distrito do Rio das Mortes, em um pequeno sítio, o marido

trabalha como motorista e a esposa é dona de casa evidenciando que o sítio não tem um

papel relevante na geração de renda servindo apenas, segundo a moradora para a produção

de alguns poucos alimentos para o consumo. Embora não vejam o sítio como local de

trabalho, nunca cogitaram a possibilidade de vendê-lo, afirmando que podiam até mudar

para São João del-Rei, mas o sítio continuaria sendo propriedade da família.

Outra situação foi a da mãe de uma aluna do primeiro ano, que afirmou ter nascido

na zona rural e hoje reside na sede do distrito de Rio das Mortes; quando indagada se

gostaria de algum dia possuir uma propriedade rural, ela afirmou que sim, e completou:

[...] seria muito bom, mas não para trabalhar, apenas para morar ou

utilizar no final de semana, fazer uma piscina [...]. O trabalho na roça

é muito pesado e quase não dá retorno, não quero isso para mim e para

minha família, apesar de meu marido sonhar em voltar a viver da

agricultura.

A partir da obra de Silva (2008) observamos semelhanças com o nosso local de

pesquisa, assim como na cidade de Uberlândia, o contato entre o rural e o urbano é muito

vivo na atualidade, seja nas situações de êxodo rural, na busca de trabalho na cidade ou

de determinados serviços pela população do campo, entre outros. Tal fato fez com que

características “típicas” da vida urbana sejam encontradas no campo e vice-versa.

Desse modo, refletir sobre a relação campo-cidade significa pensar

sempre na interação, visto que não se pode dizer simplesmente que os

valores da cidade invadiram o campo, é preciso ir além e perceber como

esses valores estão, na verdade, interagindo o tempo todo no viver das

pessoas, ou seja, valores urbanos passam a fazer parte da realidade do

homem do campo, assim como valores rurais fazem parte da vida de

moradores das cidades. Assim, esse campo “urbanizado”, equipado

com televisores, antenas parabólicas e todo tipo de eletrodomésticos e

eletroeletrônicos, telefone e acesso à internet não apaga alguns hábitos

e valores do homem do campo. (SILVA, 2008, p. 90)

Gomes e Binzstok (2009, p.18) apontam que o espaço rural é “um conceito

passível de diferenciação e estudo, porém, de forma alguma isolado, embora teoricamente

isolável”. Os autores afirmam que o surgimento de atividades não agrícolas no campo

80

que possui seus sujeitos tradicionais, não resulta necessariamente no surgimento de

atividades urbanas e, este processo de mudanças nas relações rurais geralmente é

promovido pela inserção do capitalismo no rural.

Ainda segundo Gomes e Binzstok (2009, p. 20), ocorrem várias transformações

no espaço rural, de forma que não existe um “espaço exclusivo, ligado a atividades

unívocas”, considerando principalmente a chegada da modernização no campo, assim

como, se chegou às cidades, onde dependendo da situação, cada espaço pode ter maior

ou menor concentração de objetos ou estruturas que expressam a modernização, do que

o outro. Sobre como considerar e pensar o espaço rural na atualidade, os autores afirmam

que:

O atual espaço rural se forja em conexão com espaços urbanos e não

raramente se estrutura dentro da urbe. Então o espaço rural não está

mais somente no campo, mas diversas vezes ele se sobrepõe ao espaço

urbano e às cidades (não necessariamente urbanas). Apesar disso, suas

relações de trabalho, suas relações sociais e suas relações culturais

possuem características próprias, discerníveis, embora não

necessariamente exclusivas. Características como a ligação com a terra,

a forte influência da sazonalidade, os vieses culturais, a permanência de

relações não capitalistas, identidade e representações específicas são

marcantes no espaço rural, embora não exclusivas a ele. O rural

permanece não somente pela presença de uma ou mais dessas

características, mas pela sua ontologia, sua territorialidade e seus

fluxos. Assim, o espaço rural não é exclusivo, não é um continuum e

nem é o oposto de nada. É um espaço próprio, conspícuo, distinguível.

(GOMES E BINZSTOK, 2009, p. 20)

Também, abordando as relações campo-cidade Araújo e Soares (2009) fazem uma

longa revisão sobre a visão dicotômica entre os dois espaços, que os trata como se fossem

totalmente diferentes e sem ligação, embora esta visão já esteja de certa forma superada.

As duas visões do continuum rural-urbano, podem ser assim resumidas: a primeira é que

o urbano está sempre se sobrepondo ao rural de forma avassaladora e, a segunda que estas

relações se dão a partir do contato influenciando os dois espaços, ou seja, não se afirma

que a tendência seja o fim do rural.

Já para Hespanhol (2013), as definições existentes entre campo-cidade e rural-

urbano estão divididas em três abordagens, que são: a dicotômica; a de continuum e; a de

permanência das ruralidades. Para a autora a abordagem do continuum que prega a

homogeneização de todos os espaços, também possui uma visão dicotômica, afirmando

que:

81

Essa perspectiva também está relacionada a uma concepção dualista da

realidade, já que considera o rural e o urbano como polos extremos em

uma escala de gradação que resultaria na urbanização geral da

sociedade. (HESPANHOL, 2013, p.108)

Entretanto, Araújo e Soares apresentam a visão do conceito de espaço híbrido,

para explicar as novas realidades da relação cidade-campo, neste período de globalização

e internacionalização do capital, afirmando que:

[...] acreditar que essas realidades estão distantes e opostas é tão

arriscado quanto pensar que o urbano eliminou ou está por eliminar o

rural. O processo de globalização integrou o campo e a cidade e,

consequentemente, o rural e o urbano, trazendo um desafio aos

pesquisadores que estudam a temática que aborda a relação entre eles.

Tal desafio consiste na tentativa de compreensão do processo de

“criação de novas identidades territoriais”, que não podem ser

interpretadas apenas como a manifestação de um “novo rural”, mas sim

como novas territorialidades dotadas de um hibridismo que mescla o

urbano e o rural e que permite a identificação de novas geografias.

(ARAÚJO e SOARES, 2009, p. 224-225, grifos nosso)

Marafon (2014) coloca que, as principais mudanças no espaço rural estão

principalmente ligadas à pequena produção, pois os espaços integrados aos modelos

hegemônicos atendem a demandas, que muitas vezes não podem ser atendidas pelos

pequenos produtores, cabendo a estes atuarem nas atividades não agrícolas, como no

turismo, na preservação do patrimônio cultural e ambiental, mas também o trabalho no

setor secundário e terciário, são nestas localidades que, muitas vezes, também se

desenvolvem as práticas agrícolas alternativas.

Nesse sentido, o autor coloca como primordial a influência do capital e o advento

da técnica nas relações campo-cidade, apontando no mesmo sentido de Araújo e Soares

(2009), sobre a hibridização do espaço.

Assim, devemos levar em consideração que o espaço rural não é

somente agrícola. Rompe-se deliberadamente e explicitamente com

dois elementos secularmente associados ao rural: sua função principal

não é mais, necessariamente, a produção de alimentos e nem a atividade

predominante é a agrícola, reforçando assim a noção de hibridez do

espaço rural. A dimensão não agrícola vem aumentando, muitas vezes,

associada à noção de patrimônio, com a renaturalização da paisagem.

Enfatiza-se a preservação e a proteção da natureza, valoriza-se a busca

da autenticidade dos elementos paisagísticos locais, a conservação e a

proteção dos patrimônios históricos e culturais, o resgate da memória e

da identidade. Dessa forma, há a mercantilização das paisagens, com a

consequente expansão das atividades de turismo e de lazer. E esse rural,

é uma das dimensões do espaço geográfico, que pode ser apreendido

82

nas suas relações com o urbano através das ruralidades, urbanidades e

das múltiplas territorialidades. (MARAFON, 2014, p.4)

Numa escala continental Haesbaert e Mondardo (2010), relatam que o espaço e o

território que são vistos como entidades abertas possibilitam encontros, desencontros,

confrontos e, principalmente, a circulação de diferentes sujeitos, assim, essa mobilidade

e intercâmbio de cultura resulta em práticas transculturais e híbridas, consequentemente

produzindo novas formas de identidade e de territorialidade. Estes autores também

colocam dois pressupostos sobre este contato entre territórios: um é que a globalização

não elimina as identidades e, o outro que se refere às condições atuais que interferem

diretamente na construção das identidades:

O primeiro e o mais óbvio é o de que nossas identidades não estão se

diluindo com a globalização – podem até, pelo contrário, estar se

fortalecendo, em formas tidas como reessencializadas, ou como

destacadas aqui, sendo recriadas pela própria mobilidade e em formas

mais híbridas, atravessadas por outras, num amálgama, ressaltando,

sobretudo, seu caráter múltiplo e liminar/transfronteiriço. Outro

pressuposto é o de que nossos territórios/territorialidades, ditos cada

vez mais instáveis, móveis (algo que pode também ser contestado), não

oferecem, como no passado, referenciais estáveis para a construção de

nossas identidades sociais/territoriais. (Haesbaert e Mondardo, 2010,

p.22)

Na mesma obra Haesbaert e Mondardo (2010), trabalham a partir de duas

concepções de hibridização, que consideramos relevantes em nosso trabalho, uma é

positiva e denominada “antropofágica” e, uma mais negativa que é imposta e tem como

objetivo beneficiar interesses de grupos hegemônicos. Pensando a partir da relação

rural/urbana, consideramos que este primeiro modo de hibridização viria no sentido das

influências externas ou da modernização do campo conseguir uma melhoria na qualidade

de vida da população como um todo promovendo de forma mais equilibrada a reprodução

de relações sociais e culturais, assim como a permanência da população do campo em

seus locais de origem, já a hibridização negativa se materializaria no oposto da anterior,

desconstruindo as relações sociais e culturais possibilitando a concentração de terras e,

por consequência o êxodo rural.

De modo geral, as diversas perspectivas que apontamos nos levam a uma

compreensão de que as relações campo-cidade se consolidam a partir de um emaranhado

de situações, não devendo ser analisadas de maneira inocente desconsiderando parte dos

elementos importantes para esta análise. Assim como, no distrito estudado por nós e em

diversas regiões do país é difícil falar em fronteira estática entre o rural e o urbano, pois

83

tanto a produção como o modo de vida dos sujeitos, muitas vezes encontram-se nos dois

espaços e, este processo não elimina todas as especificidades do campo. Neste sentido

concordamos com Hespanhol (2013) ao afirmar que:

Ao mesmo tempo em que não é possível desconsiderar as intensas

transformações ocorridas nas relações entre o campo e a cidade

derivadas dos processos de globalização, industrialização, urbanização

e, mais recentemente, da reestruturação produtiva, não é adequado

adotar uma visão homogeneizadora, sob o risco de não se entender a

realidade nas suas múltiplas dimensões. (HESPANHOL, 2013, p. 108)

3.3 - As relações campo-cidade na atualidade

A realidade tanto no campo, quanto nas cidades mudaram drasticamente ao longo

do século XX e, neste início de século XXI. O primeiro deixou de ser o principal local de

residência da população passando cada vez mais a desempenhar atividades não agrícolas,

dependendo cada vez mais das cidades, viveu um processo quase que contínuo de

modernização, seja na produção ou nos modos de vida, entre outros; as cidades, por sua

vez, passaram a concentrar a maior parte da população, vivendo um processo de

industrialização, de valorização e crescimento do setor terciário, sendo fortemente

influenciadas pelos modos de vidas daqueles que viviam no campo, mas tiveram que

buscar as cidades.

Quanto as diferentes abordagens sobre as relações cidade-campo, observamos que

não existe um consenso sobre como estas se materializam no território, se o rural é

fortemente subordinado ao urbano, se ocorre o contrário ou se essa relação ocorre de

maneira mais equilibrada. Outra questão é se, a forte influência e presença de

características do modo de vida urbano no campo irão acabar com o rural o que abre

perspectivas para o surgimento de várias teorias e hipóteses, com diferentes visões e

perspectivas do futuro do rural brasileiro motivados, principalmente, neste período de

globalização.

Entretanto é visível em muitos apontamentos que as relações campo-cidade e

rural-urbano não devem ser analisadas e estudas numa perspectiva clássica que coloca os

espaços e modos de vida em situações totalmente opostas. Tal situação é de certo modo

considerada nas políticas públicas para a agricultura familiar, mas, principalmente nos

trabalhos acadêmicos.

Neste sentido pode-se afirmar que as análises das relações campo-cidade ainda

estão longe de serem esgotadas, mas o atual período técnico-científico-informacional

84

enfatiza a importância de tais estudos, principalmente pelos impactos resultantes sobre os

territórios, seja ele pensado na escala do Estado, mas também das sociedades tradicionais,

da pequena propriedade, nos próprios territórios criados pelo Estado para

operacionalização de políticas públicas, entre outros. Assim, fica evidente a importância

dessa categoria de análise para os estudos que buscam compreender o novo papel

atribuído para o campo e a cidade.

Paralelamente às questões legais e acadêmicas sobre estas relações, temos a

população que, muitas vezes, não compreende significativamente essas diferenciações e

as consequências em suas vidas. Assim, destacamos o papel da escola em promover tais

discussões, principalmente no âmbito da Geografia, como ponto central de outra

discussão que são as políticas públicas para o desenvolvimento, no sentido que estas têm

influência na vida de todos, em nosso caso, na vida das comunidades rurais.

Como mostraremos mais detalhadamente em capítulo posterior, no questionário

aplicado aos alunos do ensino médio da E. E. Evandro Ávila, não observamos um

consenso em relação à sede do distrito do rio das Mortes, se é uma área rural ou urbana,

suas respostas se basearam principalmente na presença ou ausência de serviços e

comércios para justificar ambas as respostas. Os pais entrevistados em suas residências

também tinham respostas variadas, por exemplo, residente em um sítio, a mãe de uma

aluna considerou residir em uma localidade urbana, por possuir carro e em sua residência

ter água encanada que vem de um povoado próximo e energia elétrica; outra mãe

residente na sede do distrito afirmou sobre seu lugar de moradia, que: “Há algum tempo

atrás era rural, agora é distrito”; e um pai também residente na sede disse que: “Poderia

ser urbano... mas não é um bairro e, sim um distrito... então é rural”. Os professores que

responderam a um questionário fechado também se dividiram sobre o que seria esta sede.

Destacamos que os alunos e os pais não mencionaram as atividades laborais nas suas

diferenciações.

Neste sentido, encontramos uma situação de desinformação, que podemos inferir

que é motivada pelo fato destes sujeitos e, principalmente a escola e o sistema de ensino

como um todo, não verem estas questões como relevantes para a vida de cada sujeito e da

comunidade. Entretanto, estas estão diretamente ligadas às políticas públicas, tendo

reflexos em todos os setores da sociedade em sua totalidade. Assim, é importante

pensarmos estas relações no contexto escolar do município de São João del-Rei.

85

3.4 - O rural e o urbano no contexto escolar são-joanense

Segundo o censo demográfico do IBGE de 2010, o município de São João del-Rei

possui uma população de 84.469 habitantes, 79.857 residem na zona urbana e 4.612 na

zona rural. Entretanto, pelo fato da legislação brasileira eleger os municípios como

responsáveis pelas delimitações de áreas rurais e urbanas, não cabendo ao IBGE

questioná-las, constata-se uma série de incoerências.

São Sebastião da Vitória, São Miguel Arcângelo, Emboabas, Rio das Mortes e

São Gonçalo do Amarante são os demais distritos do município, além da sede São João

del-Rei. As sedes destes distritos possuem baixas concentrações populacionais variando

de 154 a 1.555 habitantes. Já a população rural varia de 573 a 1191 habitantes e, quanto

ao distrito de São João del-Rei é de 641 na área rural e 76.006 na urbana.

Quadro 04: População rural e urbana por distritos em São João del-Rei - 2010

Fonte: Censo demográfico IBGE (2010) e Sinopse por Setores IBGE (2010). Elaborado por

Gabriel Max de Oliveira Dias, 2016.

Alguns serviços como policiamento, unidades de saúde adequadas ao pronto

atendimento da população, escolas básicas da educação infantil até o ensino médio,

serviço de transporte de qualidade para a sede do município são concernentes aos espaços

urbanos, entretanto, estes pequenos distritos de São João del-Rei apresentam uma grande

deficiência de estruturas e serviços, possuindo basicamente: o serviço de cartório;

telefonia pública e celular (com exceções) ; unidade básica de saúde, que não tem

atendimento 24h; quanto às escolas de educação básica apenas duas localidades oferecem

Distritos População total População da

sede (urbana)

População

excluindo a sede

(rural)

São Sebastião da Vitória 2.208 1.407 801

Arcângelo 1.106 470 636

Emboabas 727 154 573

Rio das Mortes 2.746 1.555 1.191

São Gonçalo do

Amarante

1.035 265 770

São João del-Rei 76.647 76.006 641

Total 84.469 79.857 4.612

Total excluindo o distrito

de São João del-Rei

7.822 3.851 3.971

86

as modalidades do ensino infantil ao ensino médio, duas ofertam até o ensino fundamental

e as demais apenas educação infantil e ensino fundamental para os anos iniciais.

Figura 06: Distribuição dos distritos de São João del-Rei e as respectivas distâncias

das vilas distritais para a sede do município

Fonte: Sinopse por Setores IBGE (2010), adaptada por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2017.

Oferecer um sistema de ensino adequado às populações destes distritos são-

joanenses transformou-se em grande problema, principalmente para aqueles que não

moram nas sedes, mas em áreas mais afastadas forçando grandes deslocamentos até as

escolas via transporte escolar e/ou caminhada. Segundo Wierman e Carmo (2015), no

estudo sobre as escolas municipais rurais do município assinalam que estas unidades estão

em decréscimo: em 2007 existiam 18 instituições e, em 2014 restavam apenas 12,

atendendo 599 alunos, com 66 professores. Os responsáveis por estas unidades afirmam

que o problema está na redução do número de alunos nestas localidades, em algumas

escolas não se chegava a cinco alunos surgindo, assim, no município o problema da

nucleação escolar4.

4 A nucleação escolar efetiva-se quando há a desativação de escolas e a transferência dos alunos

para uma escola que pode ser denominada de escola núcleo, ou seja, uma escola normalmente

localizada em uma área central que recebe alunos de outras comunidades. (CORDEIRO 2012,

p.01.).

87

O problema é agravado pelo fato da maioria das escolas municipais atenderem

exclusivamente até os anos iniciais do ensino fundamental, deste modo, quando chegar

ao 6° ano do ensino fundamental, ou em algumas comunidades, ao 1° ano do ensino

médio, esses alunos para poderem continuar exercendo o direito à educação são obrigados

a se deslocarem diariamente ou para a sede do município de São João del-Rei ou para os

distritos de São Sebastião da Vitória e Rio das Mortes, pois são os lugares onde se

encontram escolas estaduais de ensino médio.

Devido à organização do transporte escolar os alunos dos distritos de Arcângelo e

Emboabas localizados a 36 km e 34 km respectivamente da sede do município, fazem

este deslocamento em busca de escolas de ensino médio. Já no distrito de São Gonçalo

do Amarante, cuja distância é de 18 km, os anos finais do ensino fundamental não é

ofertado, obrigando os alunos a realizarem o deslocamento em fase escolar ainda mais

precoce.

Temos que lembrar que os alunos não residem exclusivamente nas sedes destes

distritos, muitos moram em povoados ou em áreas rurais ainda mais distantes, ou seja,

desde o início do processo de ensino estes alunos têm que se deslocarem para

determinadas comunidades e, com o passar dos anos, consecutivamente com o avanço

das etapas escolar, estas distâncias vão ficando, cada vez, mais longas.

Essa dificuldade de acesso à escola nos leva à associação com os números da

evasão escolar, no site “Fora da Escola Não Pode”, do Fundo das Nações Unidas para a

Infância (UNICEF), São João del-Rei no ano de 2010 possuía um total de 656 crianças

de 4 a 17 anos fora da escola, este número representa 3,6 % do total, entretanto, 21,6 %

destes residem em áreas rurais, evidenciando que no município em questão a evasão

escolar dos alunos do campo é maior do que entre os de áreas urbanas. Outras informações

relevantes é que de todos os alunos fora da escola no município, 53 % são do sexo

masculino, 57,6 % são negros, 72 % dos pais ou responsável possuem ensino fundamental

incompleto ou não vivenciaram período escolar e, 45,7% possui renda domiciliar média

de até meio salário mínimo.

A afirmação oficial de que estes distritos são localidades urbanas é uma evidencia

da mecanicidade da legislação de delimitações de áreas rurais e urbanas no Brasil. A

inexistência de serviços básicos enfatizados aqui pela ausência de unidades de ensino, já

poderia ser útil para contestar estas delimitações, entretanto, não queremos dizer que

88

instituições de ensino fundamental e médio sejam concernentes apenas aos espaços

urbanos, muito pelo contrário, acreditamos que um dos principais passos para se melhorar

e valorizar a vida das populações do campo está na disponibilidade de escolas próximas

às comunidades e, que estas tenham suas práticas centradas nas realidades e necessidades

locais. Em nossa pesquisa estas práticas se referem à sua emancipação da lógica

produtivista através da valorização dos saberes e fazeres dos trabalhadores do campo.

89

CAPÍTULO 4 - CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE A EDUCAÇÃO RURAL NO

BRASIL E NO DISTRITO DE RIO DAS MORTES

4.1 - Histórico da educação rural no Brasil

Sendo nosso objetivo investigar as políticas públicas para a agricultura familiar, e

o discurso do desenvolvimento territorial relacionando-as com as políticas públicas para

o sistema básico de ensino, especificamente para o ensino médio dos jovens do campo, é

indispensável neste momento abordarmos as principais questões legais envolvendo o

sistema de ensino para estas populações no Brasil.

Segundo o documento “Educação do Campo: marcos normativos”, da Secretaria

de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), no Brasil

todas as constituições contemplaram a educação escolar, porém pelo contexto histórico

de uma economia agrária centrada no latifúndio e na escravidão, as dos anos de 1824 e

1881, se quer mencionaram a educação rural, evidenciando que o sistema de ensino

proposto objetivava somente manter a estrutura social vigente.

Sobre o fato de a elite brasileira usar a educação para manter seu status quo, é

interessante pensarmos na diferença entre educação no campo e educação do campo.

De modo simples, a primeira seria o oferecimento de escolas em espaços rurais, de forma

que não se tenha uma preocupação com a realidade local, a fim de superar os desafios de

determinada comunidade; já a educação do campo tem como foco pensar um ensino

voltado para determinada realidade especifica, construindo um senso crítico para a

“libertação” destes sujeitos, ou de acordo com Fernandes (2004 apud Camacho, 2013)

uma está ligada a um modelo pedagógico da tradição ruralista de dominação e, a outra,

está centrada nas experiências dos seus sujeitos que são os povos do campo. Assim é

interessante a análise de Camacho ao dizer que:

Essa escola que estava no campo, mas que era uma escola ligada a

tradição ruralista da dominação, preparou o camponês para a

subordinação ao capital de uma forma domesticadora e alienante. O

resultado do processo de territorialização do capital no campo e

urbanização acelerada, intensificada por uma educação rural

domesticadora, foi o de desterritorialização de muitos camponeses e sua

transformação em moradores de periferias urbanas, trabalhadores

assalariados urbanos e boias-frias. Assim, a educação cumpria sua

função reprodutora do status quo. (CAMACHO 2013, p. 326)

Caldart (2009) considera como ponto principal para a construção da educação do

campo no Brasil o protagonismo dos trabalhadores pobres do campo, como os

90

camponeses, sem-terra, indígenas, ribeirinhos, entre outros, que contrariando a tendência

existente, conseguem se organizar e interferem nas formulações destas políticas públicas

no país.

Na sua origem, o ‘do’ da Educação do campo tem a ver com esse

protagonismo: não é ‘para’ e nem mesmo ‘com’: é dos trabalhadores,

educação do campo, dos camponeses, pedagogia do oprimido... Um

‘do’ que não é dado, mas que precisa ser construído pelo processo de

formação dos sujeitos coletivos, sujeitos que lutam para tomar parte da

dinâmica social, para se constituir como sujeitos políticos, capazes de

influir na agenda política da sociedade. (CALDART, 2009, p.41).

Motivada por uma série de mudanças na sociedade brasileira, principalmente

pelos fluxos migratórios e o início mais significativo da concentração populacional nas

grandes cidades, segundo a SECADI a constituição de 1934 coloca a educação como uma

responsabilidade do Estado em suas três esferas e, pela primeira vez, institui a existência

de um orçamento para a educação rural sob responsabilidade da União.

Pensar que tais iniciativas tinham apenas como objetivo suprir uma necessidade

do campo brasileiro, seria no mínimo ingenuidade.

Para alguns, o precitado dispositivo constitucional pode ser interpretado

como um esforço nacional de interiorização do ensino, estabelecendo

um contraponto às práticas resultantes do desejo de expansão e de

domínio das elites a qualquer custo, em um país que tinha, no campo, a

parcela mais numerosa de sua população e a base da sua economia. Para

outros, no entanto, a orientação do texto legal representava mais uma

estratégia para manter, sob controle, as tensões e conflitos decorrentes

de um modelo civilizatório que reproduzia práticas sociais de abuso de

poder. (SECADI, 2012, p. 13)

Na constituição de 1937 é que se começa a sinalizar para a importância de um

ensino profissionalizante para o campo, porém é na Lei Orgânica do Ensino Agrícola de

1946 que este é melhor estruturado, estabelecendo regras para o curso de técnico-agrícola

e a possibilidade de sequência dos estudos em estabelecimentos de ensino superior, tais

cursos eram garantidos para homens e mulheres, entretanto, segundo a SECADI eles

tinham caráter sexista pois a lei os estruturavam diferentemente de acordo com o gênero.

A constituição de 1946 garante o ensino primário de qualidade e coloca sob

responsabilidade das empresas industriais, comerciais e agrícolas com mais de cem

funcionários, a obrigação de fornecerem o ensino primário gratuito. Em artigos e

constituições posteriores os papéis destas empresas foram recolocados, porém, em

algumas situações as empresas agrícolas não tinham as mesmas obrigações que as demais,

91

ou seja, eram isentas da responsabilidade da formação humana e profissional dos

funcionários e de seus filhos.

Segundo a SECADI o grande marco da constituição de 1988 foi proclamar a

“educação como direito de todos e, dever do Estado, transformando-a em direito público

subjetivo, independentemente dos cidadãos residirem nas áreas urbanas ou rurais” (p. 18).

Assim, não se referiu especificamente ao ensino rural, porém possibilitou que as

constituições estaduais e a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),

começassem a propor um sistema de ensino que realmente visassem atender as reais

demandas destes sujeitos. Vale ressaltar que a Constituição do Estado de Minas Gerais,

não estabelece diferenciação entre os sistemas de ensino para as áreas urbanas e rurais,

apenas cita vagamente a importância da preservação de valores regionais.

Com a educação passando a ser um direito universal e dever do Estado, se

desenvolveu os programas de transporte escolar para atender aqueles que tinham

dificuldade para chegarem às escolas, principalmente pelas longas distâncias e

precariedade ou ausências de estradas, que são realidades para muitos alunos do campo,

inclusive na comunidade escolar estudada nesta pesquisa. Estes se desenvolveram pela

parceria entre União, estados, Distrito Federal e municípios, segundo o Guia do

Transporte Escolar o transporte ocorre a partir do Programa Nacional de Apoio ao

Transporte Escolar (PNATE) e pelo programa Caminho da Escola.

Instituído pela Lei nº 10.880, de 2004, o PNATE consiste na

transferência automática de recursos financeiros aos estados, Distrito

Federal e municípios, sem necessidade de convênio ou outro

instrumento congênere. Os recursos são destinados ao pagamento de

serviços contratados junto a terceiros e despesas com reforma, seguros,

licenciamento, impostos e taxas, pneus, câmaras e serviços de mecânica

em freio, suspensão, câmbio, motor, elétrica e funilaria, recuperação de

assentos, combustível e lubrificantes do veículo ou da embarcação

utilizada para o transporte dos estudantes.

O programa Caminho da Escola foi criado em 2007, está disciplinado

pelo Decreto nº 6.768, de 2009, e compreende a aquisição, por meio de

pregão eletrônico para registro de preços, de veículos (ônibus, barco e

bicicleta) padronizados para o transporte de escolar. Essa aquisição é

feita por meio de recursos orçamentários do Ministério da Educação, de

linha especial de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES) ou de recursos próprios dos entes

federativos que aderirem ao programa. (p.2)

A Resolução Nº 1, de 3 de Abril de 2002, da Câmara de Educação Básica

vinculada ao MEC, é o primeiro documento a nível nacional exclusivamente direcionado

à Educação do Campo, inclusive foi o primeiro documento da União a utilizar tal

92

denominação. É evidente que esta não resolve todos os problemas do sistema de ensino

para as populações do campo e nem atende à todas demandas históricas dos movimentos

sociais, mas faz colocações significativas sobre a diferenciação entre o ensino nos espaços

rurais e urbanos, no sentido de valorização das especificidades destas populações, quando

por exemplo, menciona a possibilidade de estruturar o ano letivo independente do ano

civil. O parágrafo único do artigo 2° explicita a valorização das especificidades de cada

unidade escolar:

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às

questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e

saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza

futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos

movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções

exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.

Outro acontecimento de extrema relevância para a Educação do Campo no Brasil

foi o parecer do CNE/CEB Nº 1, de 02 de Fevereiro de 2006, que reconheceu o

funcionamento dos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFA) que se

encontram em diferentes organizações. Estas tinham dificuldades em certificação de seus

alunos, pois o ensino se dá por meio de alternância, em que resumidamente é quando o

processo de ensino-aprendizagem do aluno é dividido em um período na escola e outro

na comunidade elegendo o contato com a família, a comunidade e, o trabalho como

períodos de formação. Os estudantes não cumpriam a carga horária mínima na escola,

porém com este parecer, o período de ensino fora da sala de aula é considerado

oficialmente na formação dos sujeitos envolvidos.

A resolução n° 2, de 28 de abril de 2008 CNE/CEB foi elaborada com o objetivo

de retificar as Diretrizes Operacionais instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 1/2002 e

revogar as disposições em contrário. Nesta são considerados os principais problemas e

impasses da Educação do Campo apontando, por exemplo, as salas de aula multisseriadas,

transporte escolar, a necessidade do diálogo com a comunidade para resolver

determinadas situações, entre outras questões. A resolução coloca como condições

necessárias para um ensino de qualidade, requisitos semelhantes às escolas urbanas, como

laboratórios, acompanhamento pedagógico, áreas de lazer e desporto, no entanto, é claro

que estas condições nem sempre estão disponíveis nestas escolas e, muito menos nas

rurais.

Ainda segundo está resolução, vale destacar as suas incoerências, principalmente

aquelas marcadas pelas excepcionalidades que permitem ao poder público realizar

93

determinadas ações que a nosso ver são prejudiciais ao processo de ensino aprendizagem,

como no seu artigo 3°:

A Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental serão

sempre oferecidos nas próprias comunidades rurais evitando-se os

processos de nucleação de escolas e de deslocamento das crianças.

§ 1º Os cincos anos iniciais do Ensino Fundamental, excepcionalmente,

poderão ser oferecidos em escolas nucleadas, com deslocamento

intracampo dos alunos, cabendo aos sistemas estaduais e municipais

estabelecer o tempo máximo dos alunos em deslocamento a partir de

suas realidades.

A resolução ainda estabelece em seu artigo sétimo que: “§ 1º A organização e o

funcionamento das escolas do campo respeitarão as diferenças entre as populações

atendidas quanto à sua atividade econômica, seu estilo de vida, sua cultura e suas

tradições”. Entretanto, deixa em aberto a possibilidade de que determinadas comunidades

sejam atendidas por escolas urbanas, pois em algumas a nucleação pode ser utilizada,

desde que se priorize o transporte intracampo. Então, seria correto afirmar que uma

educação do campo, estruturada na realidade local, seria privilegio de determinadas

comunidades?

Em 2009 é instituído pela presidência da república o Programa Nacional de

Alimentação Escolar (PNAE), estabelecendo que as escolas públicas adquiram parte dos

alimentos diretamente dos produtores familiares. Tal política pública não abrange

somente as escolas rurais, mas dependendo da forma em que for implementada pode ser

grande impulsionadora do desenvolvimento territorial, além de poder possibilitar maior

interação entre escola e comunidade, independentemente do endereço escolar.

Seguindo os avanços alcançados pela Educação do Campo, o Decreto Nº 7.352,

de 4 de novembro de 2010, da presidência da república, dispõe sobre as condições e

formas de execuções da política de educação do campo e o Programa Nacional de

Educação na Reforma Agrária (PRONERA).

A maioria desses decretos, resoluções, políticas públicas em geral, na maioria das

vezes não chegam de forma adequada nas escolas, por motivos variados. Entretanto ao

instituir o Programa Nacional do Livro Didático do Campo (PNLD Campo), a partir da

resolução n°40 de 26 de julho de 2011, do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação, o Estado brasileiro começa a fornecer, a partir de 2013,

para todas as escolas do campo dos anos iniciais do ensino fundamental, com turmas

94

seriadas e multisseriadas, um material didático que visa atender exclusivamente estas

populações.

Vários problemas e incoerências podem ser mencionados a respeito de tal política

pública, começando pelo fato dos livros didáticos não conseguirem representar as

especificidades de todas as localidades, este material também é exclusivo para os anos

iniciais do ensino fundamental, ficando as demais etapas da educação básica excluídas.

Outra questão é evidenciada pelos Guias de Livros Didáticos Educação do Campo para o

ano de 2013 e 2016. No primeiro ano, 16 coleções foram avaliadas e, apenas duas

selecionadas e, no segundo, quatro coleções das quais foram selecionadas apenas duas,

este fato ressalta o grande desinteresse das editoras em produzir esta modalidade de livro

didático, lembrando que estes são produzidos e comercializados sob a lógica capitalista

do mercado.

Não podemos deixar de destacar também que a atual legislação brasileira de

delimitação de áreas rurais e urbanas, impede que estes materiais cheguem a pequenos

municípios e sedes distritais, independentemente de como são suas características reais.

Vale lembrar o Quadro 04, que representava os contingentes populacionais dos distritos

são-joanenses, em três deles a área urbana não chegava a 500 habitantes, situação também

parecida com pequenas sedes de municípios espalhadas pelo Brasil.

Talvez um início de solução para o PNLD Campo estaria na maior valorização

dos movimentos sociais, universidades, professores da educação básica, entre outros, na

elaboração destes materiais, porém não devemos desconsiderar os avanços alcançados

por esta iniciativa, como destaca Molina:

Não há universalidade suficiente apenas a partir dos movimentos

sociais. Essa universalidade plena se conquista a partir do Estado. Logo,

o livro didático específico, via PNLD Campo, é fundamental para se

chegar a centenas de milhares de escolas que o ‘Movimento por uma

Educação do Campo’ não chega. Mas o Estado chega, o livro didático

chega. Então haver no Guia do PNLD Campo, ainda que com todas

limitações, alguns princípios da Educação do Campo, disponibilizando

pelo menos para os educadores que quiserem uma série de bibliografias

que tratam dessas concepções, já é um avanço. Muitos educadores

nunca teriam acesso a esse debate. Se estamos pensando a Escola do

Campo como espaço de formação de intelectuais orgânicos da classe

trabalhadora, faz todo sentido essa compreensão do Estado. Ou seja,

estamos entendendo o Estado como condensação das relações sociais e

estamos lutando na perspectiva da construção de outro projeto

societário. E as escolas do campo são um espaço fundamental de luta

contra a hegemonia, assim como as universidades públicas. (MOLINA,

2014, p. 32-33)

95

Até aqui, fizemos uma contextualização histórica dos principais marcos,

concernentes à educação em áreas rurais no Brasil. Não é nosso objetivo glorificá-las e

nem as criticar de maneira indiscriminada, mas sim fazer uma análise da conjuntura atual

a partir da realidade da E. E. Evandro Ávila, que é o nosso objeto de pesquisa neste

trabalho. É importante lembrar que esta escola não está oficialmente localizada em uma

área rural, apesar de fatores que poderiam evidenciar o contrário, sendo impossibilitada,

por exemplo, de receber os livros didáticos para a Educação do Campo.

Assim, vamos abordar como é estruturado um sistema de ensino, que tem em

grande parte alunos provenientes do meio rural, a partir dos documentos direcionadores

que estão focados em um ensino atrelado ao modo de vida urbano.

4.2 Documentos regulamentadores para a educação básica - ensino médio

Devido às diversas e intensas mudanças estruturais ocorridas no mundo, na

segunda metade do século XX, principalmente representadas pelo “fim” da bipolaridade

capitalismo e socialismo, crise do petróleo, reestruturação na divisão mundial do trabalho,

crescimento da terceirização do trabalho, evolução das tecnologias de telecomunicações,

entre outros, levantaram a necessidade de se repensar o sistema de ensino. Esse processo,

de reformulação, poderia vir principalmente em dois sentidos: um que buscasse atender

às necessidades pessoais de cada sujeito frente a esta nova realidade mundial e, outra, que

buscasse contribuir na formação dos indivíduos para atender ao mercado de trabalho e as

dinâmicas capitalistas.

No Brasil esse processo se materializou principalmente nos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs), discutidos intensamente na segunda metade da década de

1990. Ressaltamos que o documento para o ensino médio, que é um dos eixos temáticos

desta pesquisa foi lançado no ano 1999. O processo de elaboração dos PCNs ocorreu

durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, tal fato causou grande resistência

principalmente por parte de professores e movimentos sociais, em razão da sua orientação

neoliberal.

Nas Bases Legais para os PCNs do ensino médio é destacado fortemente as

mudanças ocorridas na sociedade, sobretudo, seus impactos nas relações de trabalho, com

isso se destaca a necessidade de uma reformulação no ensino para atender às novas

demandas do mundo globalizado. Entretanto, também é recorrente no texto menções à

formação humana, não destacando apenas aspectos ligados à formação para o trabalho,

96

mas também para a vida. Nesse aspecto, encontramos no documento quatro eixos

estruturais para a educação da UNESCO: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender

a viver; aprender a ser. O ensino médio deve ter:

O currículo, enquanto instrumentação da cidadania democrática deve

contemplar conteúdos e estratégias de aprendizagem que capacitem o

ser humano para a realização de atividades nos três domínios da ação

humana: a vida em sociedade, a atividade produtiva e a experiência

subjetiva, visando à integração de homens e mulheres no tríplice

universo das relações políticas, do trabalho e da simbolização subjetiva.

(PCNs, Parte I, 2000. p. 15)

A Lei de Diretrizes Bases (LBD), oficialmente conhecida como Lei nº 9.394, de

20 de dezembro de 1996, sobre a formulação da Base Nacional Comum, afirma no seu

artigo 26 que:

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base

nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e

estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas

características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia

e da clientela. (LDB, 9.394/96 p. 07)

Por isso, além de abordarmos o que é pertinente e as incoerências dos PCNs,

também contextualizaremos o Conteúdo Básico Comum (CBC) de Geografia para o

Ensino Médio, da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) e, sobre

o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola Estadual Evandro Ávila, localizada no

distrito de Rio das Mortes, no Município de São João del-Rei, em razão destes

documentos terem como objetivo complementar o que está estabelecido pelos PCNs.

No âmbito do estado de Minas Gerais, por força da legislação encontra-se uma

abordagem muito próxima à existente nos PCNs em suas Bases Legais, sendo que no

documento Novo Plano Curricular Ensino Médio de 2006, busca-se valorizar a formação

para o trabalho e para o ingresso no ensino superior, mas também destaca a importância

de um sistema de ensino voltado para a formação humana de cada sujeito. Entretanto, este

documento incentiva a implantação de um sistema em que os alunos a partir do 2° ano,

possam optar por vivenciar essa fase escolar a partir da escolha de uma área do

conhecimento. Nas análises acadêmicas este aspecto é polemizado e interpretado como

uma formação que tem como prioridade a questão do trabalho e continuidade dos estudos

e, não uma formação para a vida.

97

Os CBCs como determina a legislação também segue o proposto nos PCNs,

entretanto, este documento determina os conhecimentos, habilidades e competências que

devem ser adquiridas por todos os alunos da educação básica, deixando certa autonomia

para as escolas e professores.

Os CBCs não esgotam todos os conteúdos a serem abordados na escola,

mas expressam os aspectos fundamentais de cada disciplina, que não

podem deixar de ser ensinados e que o aluno não pode deixar de

aprender. Ao mesmo tempo, estão indicadas as habilidades e

competência que ele não pode deixar de adquirir e desenvolver. No

ensino médio, foram estruturados em dois níveis para permitir uma

primeira abordagem mais geral e semiquantitativa no primeiro ano, e

um tratamento mais quantitativo e aprofundado no segundo ano.

(MINAS GERAIS, CBC, 2007. p. 9)

Deste modo surge a importância da elaboração do PPP de cada escola, de maneira

participativa, para que se construa um documento que represente a real necessidade da

comunidade escolar e que sustente o trabalho docente. Nosso objetivo é pensar os três

documentos (PCN, CBC e PPP) a partir da Escola Estadual Evandro Ávila, localizada no

distrito do Rio das Mortes, que apresenta um relevante setor agrícola.

É indispensável compreender como o sistema de ensino atua para estes alunos do

campo ou que vivem em pequenas cidades ou vilas. Além de pensar a necessidade do

professor em seu trabalho do dia a dia, construir uma prática docente que esteja de acordo

com a necessidade de seus alunos, mesmo que estas não estejam compreendidas nos

documentos oficiais.

4.2.1 - Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)

Pensar um sistema de ensino digno para as populações do campo, está muito além

do simples fato de possibilitar o acesso à escola. É necessário materializar as condições

para que os alunos do campo vivenciem a aprendizagem na perspectiva de seus modos de

vida, ou seja, uma educação contextualizada nas realidades locais, visando atender as

necessidades e demandas da comunidade escolar para, assim, construir um conhecimento

realmente pertinente, que não imponha as mesmas condições do ensino institucionalizado

que estão presentes nas maiorias das escolas brasileiras que seguem um padrão urbano,

e muitas vezes, estão em situações que podem ser enquadradas no que Freire (1987)

denomina de “educação bancária”, em que o aluno encontra-se apenas na situação de

98

receptor do conhecimento, não atuando como sujeito ativo do seu processo de

aprendizagem, a partir de sua vivência.

O PCN de Geografia afirma que o ensino médio não deve ser apenas um espaço

de continuação do ensino fundamental ou se aproximar de um curso de graduação, mas

se concretizar como espaço de construção da autonomia relativa dos cidadãos. Desta

forma na disciplina de Geografia, no ensino médio: “[...] o aluno deve construir

competências que permitam a análise do real, revelando causas e efeitos, a intensidade, a

heterogeneidade e o contexto espacial dos fenômenos que configuram cada sociedade”,

proporcionando ao aluno:

• orientar o seu olhar para os fenômenos ligados ao espaço,

reconhecendo-os não apenas a partir da dicotomia sociedade-natureza,

mas tomando-os como produto das relações que orientam seu cotidiano

define seu “locus espacial” e o interligam a outros conjuntos espaciais;

• reconhecer as contradições e os conflitos econômicos, sociais e

culturais, o que permite comparar e avaliar qualidade de vida, hábitos,

formas de utilização e/ou exploração de recursos e pessoas, em busca

do respeito às diferenças e de uma organização social mais equânime;

• tornar-se sujeito do processo ensino-aprendizagem para se descobrir

convivendo em escala local, regional, nacional e global. A autonomia

que a identidade do cidadão confere é necessária para expressar sua

responsabilidade com o seu “lugar-mundo”, através de sua identidade

territorial. (PCNs, Parte IV, 2000. p.31)

Estas contribuições concernentes à Geografia enquanto disciplina do Ensino

Médio, buscam proporcionar uma valorização das singularidades e particularidades dos

alunos enquanto sujeitos sociais historicamente determinados.

No tópico “O que e como ensinar” do PCN de Geografia, não são apresentados

todos os conteúdos a serem trabalhados pelos professores, mas sim conceitos-chaves

indispensáveis para a construção do conhecimento geográfico pelos alunos. No conceito

de paisagem um dos pontos destacados relevantes à nossa abordagem é quanto ao seu

caráter social; já no de lugar se destaca os aspectos ligados às relações de cidadão-

identidade-lugar, que tem um papel primordial na educação para as populações do campo;

quanto ao território e a territorialidade é indispensável pensar nas relações de poder tão

marcantes nas disputas e nos contatos humanos no campo, graças às diversas relações

sociais; também se encontram os dois tipos de escalas, ou seja, a cartográfica e

geográfica; além do conjunto de conceitos referentes à globalização, técnica e redes

indispensáveis para a compreensão por parte dos alunos do modo como seus espaços se

posicionam dentro desta nova dinâmica mundial.

99

4.2.2 - Conteúdo Básico Comum

Como já mencionado anteriormente, o PCN não determina os conteúdos a serem

trabalhados pelos professores, sendo assim será apresentado como estes conceitos-chaves

encontram-se no CBC de Geografia para o ensino médio. Lembramos que os Conteúdos

Básicos Comuns existem apenas para o 1° ano, para o 2° ano existe os Conteúdos

Complementares (CC) e, para o terceiro cabe à escola definir o que será trabalhado, isto

ocorre pelo fato de em algumas escolas mineiras chamadas de Escolas-Referência, a

Geografia ser disciplina obrigatória apenas no 1° ano, dependendo da organização

escolar, os estudantes nas fases seguintes poderão orientar-se para determinada área do

conhecimento, assim, aqueles que não optarem pelas ciências humanas não terá mais

aulas de Geografia. Nos Quadros 06 e 07 são apresentados os eixos temáticos e tópicos

do CBC e do CC de Geografia.

Quadro 05: Eixos temáticos e tópicos do CBC

Eixos temáticos Tópicos

I - Problemas e Perspectivas

do Urbano

1 - Espaço urbano; 2 - Cidade e metrópole; 3 - Território

e territorialidade; 4 - Redes e região.

II - Transformações do

Mundo Rural

5 - Espacialidade rural; 6 - Produção e tecnologia no

campo; 7 - Desenvolvimento sustentável no campo.

III - Mutações no Mundo

Natural

8 - Fontes de energia; 9 - Ordem Ambiental

Internacional; 10 - Aquecimento global; 11 - Domínios

da natureza no Brasil.

IV - Os Cenários da

Globalização e

Fragmentação

12 – Globalização e regionalização; 13 – Comércio

internacional; 14 - Reordenamento do território.

Fonte: CBC, 2007. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2017.

100

Quadro 06: Eixos temáticos e tópicos do CC

Eixos temáticos Tópicos

V- Problemas e

Perspectivas do Urbano

15 - Produção e consumo; 16 - Políticas públicas

Urbanas: o público e o privado; 17 - Espacialidade

urbana; 18-Gestão da cidade.

VI - Transformações do

Mundo Rural

19 - Trabalho no campo; 20 - Estrutura fundiária; 21-

Territorialidades no campo; 22 - Relação campo e

cidade; 23 - Reforma agrária e movimentos sociais; 24

- Espaço rural; 25 - Diversidade cultural.

VII - Mutações no Mundo

Natural

26 - Recursos hídricos; 27- Padrão de produção e

consumo; 28 - Dinâmica terrestre; 29 - Desertificação;

30 - Diversidade biológica.

VIII - Os Cenários da

Globalização e

Fragmentação

31 - Terceiro Setor; 32 - Fluxos econômicos; 33 -

Desterritorialização e Redes de Solidariedade; 34 -

Fronteiras; 35 - Sociedade da Informação. Fonte: CBC, 2007. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2017.

Um dos principais problemas da organização curricular está no fato de que, em

determinadas escolas os estudantes a partir do 2° ano podem optar por não terem mais

aulas de Geografia. Consequentemente, a partir da proposta mineira, estes sujeitos não

estudariam temas diretamente ligados à questão urbana em seus aspectos contraditórios

e, as possibilidades de participação social, o mesmo acontece quanto às diversidades e

conflitos no mundo rural e as diversas questões ligadas ao mundo natural, além de uma

abordagem mais profunda das questões sobre a globalização.

Quando se pensa tal realidade para um aluno proveniente do campo ou de

determinada localidade com características próximas às do rural, um processo de ensino

bem estruturado de acordo com as necessidades dos sujeitos a partir do eixo temático VI

- Transformações do Mundo Rural do CC, pode ser de extrema relevância para a

construção de um pensamento crítico sobre sua realidade e seu grupo social por parte dos

sujeitos, contribuindo, em longo prazo, para um processo de desenvolvimento.

Obviamente os outros temas também são importantes para esses alunos, por

contribuírem para a compreensão de mundo, seja pela valorização das questões sociais e

políticas, eixo temático V, pelas questões ligadas ao mundo natural e exploração de seus

recursos, eixo temático VII, ou pelas dinâmicas e consequências neste período de

globalização.

O CBC e o CC além dos eixos temáticos e tópicos a serem abordados pelos

professores, determinam as habilidades e o detalhamento destas habilidades, que são

101

consideradas indispensáveis, a todos os estudantes da rede estadual mineira. O Quadro

07 representa como estas são delimitadas no eixo temático VI do CC.

Quadro 07: Habilidades e detalhamento das habilidades a serem trabalhadas no eixo

temático VI do CC

Habilidades Detalhamento das Habilidades

19.1. Analisar o sistema de

trabalho no campo nos

países centrais e periféricos.

19.1.1. Reconhecer as principais características da

agroindústria e do sistema de trabalho nela existente,

explicando as novas relações de trabalho no campo.

20.1. Confrontar os efeitos das

disparidades territoriais e

sociais relativas à

distribuição da terra e às

políticas de desenvolvimento

rural nos países centrais e

periféricos.

20.1.1. Analisar as variáveis indicadoras do

desenvolvimento humano (saúde, educação,

esperança de vida) e a desigualdade da distribuição da

posse da terra nos países periféricos, a exemplo do

Brasil.

20.1.2. Avaliar as possibilidades e perspectivas de

associar a redistribuição de terras com uma política

eficaz de combate à pobreza no campo.

21.1. Avaliar projetos

agropecuários nos países

centrais e periféricos.

21.1.1. Analisar as relações de poder na implantação

de projetos agropecuários mineiros, como o Projeto

Jaíba, e outros no contexto brasileiro e latino-

americano.

22.1. Reconhecer o

significado da identidade do

campo e da cidade nas

sociedades dos países centrais

e periféricos.

22.1.1. Interpretar materiais imagéticos e textos sobre

aspectos relevantes dos fenômenos sociais, políticos,

econômicos que tratam da relação campo e cidade.

23.1. Avaliar os projetos de

reforma agrária nos países

centrais e periféricos.

23.1.1. Analisar as origens dos movimentos sociais

latino-americanos no campo, interpretando suas

identidades com a terra.

24.1. Prognosticar sobre o

futuro da produção do

espaço rural nos países

centrais e periféricos.

24.1.1. Interpretar a paisagem rural e a nova ruralidade

expressa nos fenômenos socioeconômicos e culturais

das regiões agropecuárias do Brasil e do mundo.

25.1. Identificar a

transformação da identidade

cultural da vida no campo em

mercadoria.

25.1.1. Reconhecer as possibilidades de ampliação da

renda do proprietário rural a partir da transformação

da identidade cultural do campo em projetos turísticos.

Fonte: CBC, 2007. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2017.

Como destacado no Quadro 07, os conteúdos de Minas Gerais deixam algumas

possibilidades de que o professor aborde questões ligadas ao campo, com conceitos-chave

relevantes, por exemplo, para o desenvolvimento da comunidade que estamos estudando.

Entretanto, acreditamos que o fato deste documento ser engessado e, não incentivar de

forma necessária que estes profissionais contemplem suas aulas com questões locais,

pode resultar em muitos casos em um ensino vazio de significados por parte dos alunos.

102

Outro impasse que mostraremos a seguir é o fato dos PPPs, muitas vezes estarem

desatualizados e não considerarem as especificidades do lugar, não servindo assim para

a compreensão de determinada comunidade escolar, podendo contribuir entre outras

coisas para orientação de um professor recém-chegado.

4.2.3 Projeto Político-Pedagógico

Outro documento que visa estruturar o desenvolvimento escolar é o Projeto

Político-Pedagógico (PPP), entretanto, este diferentemente dos demais é elaborado em

cada unidade escolar, onde cada uma, deve elaborar, revisar e reestruturar o seu PPP, com

a participação de toda a comunidade escolar. Para a SEE-MG:

O Projeto Político-Pedagógico, nomeado na LDB como proposta ou

projeto pedagógico, é um conjunto de diretrizes organizacionais e

operacionais que expressam e orientam as práticas pedagógicas e

administrativas da escola, obedecidas as normas do sistema

educacional. É a forma pela qual se exerce a autonomia da escola,

levando-se em consideração os alunos, os professores, os demais

servidores da escola e a comunidade escolar. É um dos meios de

viabilizar a escola democrática e autônoma para todos, com qualidade

social. (SEE-MG, 2014, p. 6)

Deste modo, um dos pontos de maior relevância deste documento, além dos

aspectos pedagógicos, é realizar a caracterização do público alvo da escola, como a renda

das famílias, profissões e escolaridades dos pais ou responsáveis, acesso aos meios de

comunicação e cultura pelos jovens, entre outros. Também é indispensável fazer um

levantamento das características da comunidade, observando, por exemplo, se ela está

inserida em um espaço rural ou urbano, em uma pequena cidade do interior ou em uma

grande metrópole, se é um território voltado para a produção primária, secundária ou

terciária. Ou seja, levantar o maior número de informações que possam contribuir para

elaboração do documento e, consequentemente, na melhoria do trabalho escolar, mas

sempre considerando todos os sujeitos nessa elaboração.

Analisando o PPP da Escola Estadual Evandro Ávila colocado à disposição para

nossa pesquisa pela diretoria da escola no segundo semestre de 2016, constatamos que

ele está desatualizado, pois é do ano de 2012 e, quanto ao seu conteúdo, apresenta uma

análise muito vaga da realidade escolar realizando basicamente um levantamento

histórico das questões legais e de infraestrutura da escola, abordando muito vagamente as

características da comunidade, ou seja, não tratando das questões fundiárias, agrícolas e

103

industriais e, nem das políticas públicas orientadas para o desenvolvimento do distrito.

Sendo abordado vagamente só o fato da escola tentar adaptar seu calendário na “medida

do possível” às festividades da comunidade.

4.3 - O Professor e os Documentos Oficiais

A partir do exposto sobre os três documentos regulamentadores do processo

educativo da E. E. Evandro Ávila podemos notar que o PCN, em nível nacional, não visa

engessar o trabalho nas escolas, inclusive faz colocações pertinentes sobre a valorização

de sujeitos, identidades, diversidades, entre outras questões, deixando às unidades da

federação e das escolas a incumbência de elaborarem suas propostas político pedagógicas.

No CBC os conteúdos são definidos mais objetivamente, entretanto, o fato da Geografia

não ser disciplina obrigatória para todas as turmas do ensino médio, a proposta do CBC,

nesse aspecto torna-se incoerente. É importante ressaltar que na escola onde

desenvolvemos nossa pesquisa, a Geografia está presente nas três séries do ensino

fundamental. Por fim, chegamos ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) que apresenta

lacunas quanto às características particulares da escola.

Inicialmente a realidade deste PPP levanta a hipótese de que este documento não

é visto como relevante pela comunidade escolar, principalmente pelos gestores e

educadores, pois contém informações genéricas que, aparentemente não são relevantes

para a sua organização e funcionamento. As informações sobre a comunidade não são

úteis para o trabalho pedagógico com os alunos em toda a sua diversidade. Para que este

documento seja importante no planejamento escolar e, para os novos professores, que

chegam no distrito desconhecendo a sua realidade, até mesmo, para que a equipe escolar,

incluindo os funcionários, possam compreender os princípios, os valores, os objetivos e

metas da escola, além da crítica, como elemento transformador da realidade, das políticas

públicas, das orientações pedagógicas, administravas e de gestão, provenientes da

Secretaria de Educação e, elaboradas sem a participação da comunidade escolar.

Entretanto, acreditamos que a “pobreza” e a ausência de participação da

comunidade escolar encontrada neste documento, não é consequência apenas do

desinteresse, falta de profissionalismo, má formação ou outros fatores ligados aos

profissionais desta escola, mas das políticas públicas que seguindo as premissas do

projeto iluminista da modernidade europeia e sua racionalidade que impõem políticas

104

seletivas baseadas na individualidade e no egoísmo, cuja origem está na competitividade

produtivista capitalista e, em outros valores que não têm relação com a ética.

Dizemos isto pelo fato das políticas públicas imporem uma série de obrigações, a

começar, pela escola ter que seguir um currículo igual ao restante do estado (CBC),

mesmo estando em uma pequena sede distrital, com um número significativo de alunos

que têm uma vida intimamente ligada ao rural, ou seja, característica muito diferentes,

por exemplo, de uma escola situada na região central da capital mineira, ou seja o sistema

de ensino não está centrado na vida de cada sujeito.

Como um ensino voltado para as necessidades do mercado pode ter um

compromisso com povo e a realidade brasileira? Que tipo de governança podemos ter,

quando o Estado ignora a nação e, se volta para os interesses hegemônicos da classe

burguesa?

Os exemplos acima representam apenas algumas das várias questões, no entanto,

há outras: falta de diálogo entre escola e as instâncias burocráticas, a alta rotatividade de

professores, impedindo que estes criem raízes e, portanto, não conheçam a comunidade

em que trabalham e, ausência de participação efetiva da própria comunidade nas decisões

que interessam à escola, entre outros, ligados à falta de autonomia da escola.

Neste sentido, há uma tendência para este quadro de desinteresse na participação

efetiva na construção do ensino que a escola promoverá, ainda que respeitando a

legislação, cuja função é normatizar e regular a escola para reproduzir indivíduos dóceis

à ordem e ao discurso do poder oficial.

Neste capítulo já mencionamos que, os últimos processos que transformaram

alguns pontos da educação brasileira, foram motivados principalmente por mudanças que

aconteceram em nível mundial, principalmente o processo de globalização, que também

teve seu significado discutido neste trabalho e, como vimos não ocorre de maneira

homogenia em todos os lugares. Entretanto, todas as transformações e evoluções que se

materializaram, direta ou indiretamente, pela ótica do capitalismo.

A educação é um dos principais processos influenciadores na formação de cada

sujeito causando assim determinadas realidades na sociedade, a partir de como é

implementada. Concordamos com István Mészáros (2005) em seu livro com o sugestivo

título de A Educação para Além do Capital, quando diz que, mesmo as mais nobres

utopias educacionais elaboradas sob o ponto de vista do capital, sempre tiveram de se

conter a fim de garantir a manutenção do sistema. Deste modo, o autor não acredita em

105

uma revolução nos sistemas educacionais e nas realidades sociais, a partir de uma

perspectiva capitalista, afirmando que:

Limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas

interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez,

conscientemente ou não, o objetivo de uma transformação social

qualitativa. Do mesmo modo, contudo, procurar margens de uma

reforma sistêmica na própria estrutura do sistema do capital é uma

contradição em termos. É por isso que é necessário romper com a lógica

do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa

educacional significativamente diferente. (MÉSZÁROS, 2005, p.27)

Em sua obra Mészáros (2005) apresenta a evolução do sistema de ensino e, como

foi importante para a disseminação e superação das permanentes crises do sistema

capitalista. Desde o princípio da acumulação primitiva, em cada fase, o aprendizado de

cada sujeito seguiria um princípio, mas geralmente centrado em preparar para um serviço

mecânico e repetitivo, não incentivando um pensamento crítico frente as suas vidas na

sociedade capitalista em que estavam inseridos.

Quando propomos neste trabalho, pensar o sistema de ensino conjuntamente com

o desenvolvimento territorial, partimos do pressuposto que para os sujeitos da

comunidade estudada buscar a transformação dos seus modos de vida, a partir do

desenvolvimento territorial teria que se conscientizar das relações sociais de produção

que se estabelecem sob o regime capitalista que, ensina para alienar e, não para o

conhecimento da realidade vivida e do conhecimento do território orientando-se pela

unidade entre teoria e prática.

Mas como participar, sem cair na armadilha do artificialismo? Como participar,

se as relações sociais e de poder se realizam de forma desigual? A participação exige

poder, mas o poder-potência distribuído em todo o tecido social, o que é muito diferente

do poder-dominação. (SILVEIRA, 2010, p. 49). Significa, portanto:

A superação de lógicas hierárquicas (quanto ao padrão de organização)

e autocráticas (quanto ao modo de regulação dos conflitos) supõe a

instauração de processos nos quais estão em jogo não apenas mudanças

de regras e formatos, mas mudanças de comportamento e papéis sociais.

Isto significa, em grande parte, mudanças na cultura política (diante de

uma tradição de tutela e clientelismo ainda preponderante). E também

em grande parte liga-se a questão do protagonismo local, tema bastante

presente nas formulações desenvolvimento local, particularmente na

literatura brasileira. (Zapata e Parente, 2002; Franco, 2003; Silveira e

Costa Reis, 2004).

106

Estamos deixando a filosofia das pirâmides pela filosofia da rede. (DOWBOR,

apud Silveira, 2010, p.88). O conceito de rede tem um caráter interdisciplinar e foi

primeiramente estudado pelo pensamento sistêmico e pela teoria da complexidade.

Embora não se inclua em nossos objetivos, realizaremos uma breve incursão sobre as

redes, mais precisamente às redes sociais por terem uma ligação com a temática e o nosso

problema de pesquisa.

A conectividade social é a característica mais básica das redes; a rede não se

constitui a partir de cadeias de causa e efeito, mas por múltiplas retroalimentações. As

relações de dependência hierárquica se tornam interdependência, ou seja, interação

horizontal que é diferente da interação vertical e está associada à ideia de auto-

organização ou autorregulação. Outra característica das redes é serem sistemas abertos ou

dinâmicos representados por linhas, links, fluxos e, as relações entre os elementos

chamados de nós, ou pontos. Porém, a mais fundamental, entre todas as características

das redes, são os caminhos.

Segundo Silveira (2010, p.51), uma “ação territorializada”, expressão do

desenvolvimento local, está ligada a ações pontuais que incluem “alguns ingredientes” de

desenvolvimento: como a geração de renda e de trabalho, mas as novas abordagens

diferenciam-se por buscar uma “ação territorializada” a partir dos vários atores presentes

no território e de seus projetos.

As muitas experiências brasileiras de desenvolvimento formuladas, desde a

segunda metade da década de 90, embora sejam diferentes quanto aos temas e a amplitude

geográfica, Silveira (2010, p. 54) considera que o número de iniciativas de

desenvolvimento locais pelo país constitui um “processo molecular e em certa medida

subterrâneo”. Também considera que a forma de perceber e construir o desenvolvimento

mudou com a presença dos fóruns, associações, conselhos e agências de desenvolvimento

envolvidos nas necessidades locais e conexões interlocais.

Todo este movimento local, conclui Silveira (2010, p. 54), vai constituindo “como

campo de reflexão, crítica e educação, com um grau de espraiamento social e

institucional, ainda restrito, mas culturalmente significativo”.

Os espaços são compreendidos por Silveira como a “antítese do território”. O

primeiro está “relacionado às ações competitivas predatórias, à reificação das diferenças

locais, das pequenas tiranias e falsas representações”. O segundo, os territórios,

representam as “tramas tecidas a partir da experiência e dos vínculos com o lugar”.

107

Desta forma, concordamos com Mészáros (2005) em não aceitar a possibilidade

de existência de um sistema de ensino institucionalizado baseado na lógica do capital que

busque a real libertação dos sujeitos. Os princípios adotados por Mészáros podem ser

pertinentes à nossa interpretação da realidade em áreas com características rurais, pois o

capitalismo no campo é tão perverso como nas cidades, principalmente a partir da

concentração dos meios de produção (terra) e exploração da mão de obra. Assim, ele

afirma que nos últimos 150 anos a educação institucionalizada serviu:

[...] ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal

necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital,

como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os

interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa

à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é, pelos

indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma

dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e

implacavelmente imposta. (MÉSZÁROS, 2005, p.35)

Sobre um possível processo de libertação dos homens, Mészáros (2005) considera

como positivo o fato dos indivíduos aprenderem durante toda a vida e não somente na

fase escolar, pois fora da escola este aprendizado não pode ser totalmente controlado de

imediato, entretanto para ocorrer uma solução quanto a auto alienação do trabalho é

indispensável que ocorra uma universalização conjunta do trabalho e da educação. Deste

modo, o autor propõe uma educação “para além do capital” que busque uma ordem social

qualitativamente diferente, pois somente deste modo se terá um sistema de ensino

condizente com as necessidades do povo, dizendo que:

Agora não é só factível lançar-se pelo caminho que nos conduz a essa

ordem como o é também necessário e urgente. Pois as incorrigíveis

determinações destrutivas da ordem existente tornam imperativo

contrapor aos irreconciliáveis antagonismos estruturais do sistema do

capital uma alternativa concreta e sustentável para a regulação da

reprodução metabólica social, se quisermos garantir as condições

elementares de sobrevivência humana. O papel da educação, orientado

pela única perspectiva efetivamente viável de ir para além do capital, é

absolutamente crucial para esse propósito. (MÉSZÁROS, 2005, p.73)

Para Leher (2014) o modelo de educação que vem sendo construído no Brasil,

busca cada vez mais atender as dinâmicas do capitalismo, priorizando a formação de um

“capital humano” 5 em detrimento de um ensino centrado no conhecimento e na formação

5 “[...] a chamada teoria do capital humano (TCH) atribui à educação um lugar estratégico capaz

de produzir ganhos adicionais para o capital, desde que a socialização (em sentido

108

humana, este processo vem sendo implementado a partir de estudos neoclássicos

especialmente originados na Universidade de Chicago e com grande apoio de

organizações internacionais como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação

e Desenvolvimento Econômico.

Nos países capitalistas dependentes a expansão da escola pública,

ocorre concomitantemente com um esvaziamento do conteúdo

científico, histórico-cultural, tecnológico e artístico. No Brasil isto vem

ocorrendo, principalmente pela influência de grandes corporações nos

governos, podendo destacar o grupo Itaú-Unibanco, causando entre

outras consequências uma padronização de materiais didáticos

elaborados por grandes corporações e pela implantação de sistemas de

avaliação em todos os níveis de ensino que engessam o trabalho escolar,

causando uma busca por determinados índices de qualidade, que não

são sinônimos de uma formação condizente com a realidade do aluno e

que busque a formação de um sujeito critico. [...] “As escolas e os

professores tornaram-se reféns de índices que esvaziam o sentido

público da escola, reduzem o que é dado a pensar [...] aprofundando o

apartheid educacional entre as classes sociais. (LEHER, 2014, p.4)

Essas investidas contra o sistema público de ensino, pelos setores dominantes,

com um argumento de modernização em busca do desenvolvimento, segundo Leher

(2014) se mostram enganosas, quando se observa que mesmo com a elevação da

escolaridade da população adulta, a superexploração do trabalho continua. Estes setores

buscam cada vez mais a redução da autonomia no ambiente escolar, a partir de três pontos

principais:

(i) de um enorme aparato de avaliação (da alfabetização à pós-

graduação); (ii) do estabelecimento de metas de desempenho

obrigatórias, como no cadastro do Programa de Ações

Articuladas/PAR, o mais amplo programa de apoio Federal às escolas

do ensino fundamental, que exige que o secretário de educação faça a

adesão de seu município às metas do Todos pela Educação), e (iii) da

imposição de materiais pedagógicos (diversos municípios têm

comprado pacotes educacionais que se tornam obrigatórios)

objetivando converter a educação em uma ferramenta de produção do

“consenso sem consentimento”. (LEHER, 2014, p.6)

Entretanto, mesmo que o sistema educacional em sua essência não busque um

modelo libertário de ensino e crie mecanismos para coibir iniciativas fora do padrão, é de

grande importância que os professores compreendam as reais necessidades dos alunos e

da comunidade para poderem participar efetivamente da construção dos documentos

durkheimniano) seja bem orientada e o adestramento profissional seja congruente com as

demandas do capital.” (LEHER, 2014, p.1)

109

oficiais, mas também, para muitas vezes, não terem uma atuação que condiz

exclusivamente com o oficial, ou seja, aquela que está nos documentos impostos pelas

instituições que controlam a educação.

Gilles Deleuze e Félix Guattari (1977) falam sobre uma “literatura menor”, que

seria uma forma de subversão pela literatura da própria língua oficial, cujo objetivo seria

a apropriação, por aqueles que têm sua cultura e realidade suprimida pela classe

dominante, podendo ser os imigrantes, as classes sociais menos favorecidas, ou seja, as

minorias. Para que isto aconteça é necessário que ocorra uma desterritorialização da

língua, que a construção desta literatura tenha uma ramificação política e que exista um

valor coletivo.

Silvio Gallo (2005) aplica o conceito de “literatura menor” à educação, chamando-

a de “educação menor”. O papel dos professores na educação menor seria o de pensar sua

prática a partir da necessidade de seus alunos e, não a partir do imposto pelos órgãos

reguladores, estes são os professores militantes, diferentes dos “professores profetas” que,

buscam trabalhar as condições necessárias para que as mudanças possam acontecer.

Refletindo sobre a escola que estamos pesquisando, apesar de todas as

incoerências dos documentos oficiais, propositais ou não, da falta de interesse da escola

em pensar uma Proposta Política Pedagógica Participativa, os “professores militantes”

podem subverter a ordem imposta pelos documentos oficiais orientando sua prática para

as necessidades individuais dos alunos (micro-relações cotidianas). Os “professores

profetas” seriam aqueles que lutam contra a posse única da verdade pedagógica traçando

planos e diretrizes para que um mundo novo de outras verdades possa acontecer.

O ethos da cooperação, da solidariedade e os modos democráticos de regulação

dos conflitos do professor militante são mais viáveis porque não escondem as diferenças,

ao contrário mobilizam a criatividade para enfrentar coletivamente os problemas

substituindo a competição pela colaboração.

A construção, portanto, do “poder-potência”, ou da “cultura política participativa

e emancipadora” depende de novos caminhos, fundamentais para as redes sociais e

necessários para que o modelo de desenvolvimento ainda dominante seja superado. Mais

do que ensinar, ou instrumentalizar a comunidade escolar, o professor militante educa.

Os professores de Geografia poderiam incluir nos conteúdos curriculares temas e

problemas relacionados ao desenvolvimento territorial e outras qualificações atribuídas

ao território como sustentável, local, econômico, além das políticas públicas em geral ou

especificamente para a agricultura, questões fundiárias, técnicas e ambientais, entre

110

outras, a partir da realidade local contribuindo para que estes alunos se tornem sujeitos de

suas ações.

Nas próprias aulas que observamos o professor se preocupava com a

contextualização do tema proposto, o território, sem perceber que o conteúdo do tema

definido tinha no próprio distrito elementos mais que enriquecedores da contextualização

pretendida. Era preciso olhar com outro olhar o território e suas territorialidades que, no

distrito não se articulam e são subutilizadas, apesar de promoverem políticas

diversificadas, articularem diversos sujeitos com o objetivo de tornar os processos

decisórios mais participativos e democráticos.

Os processos de desterritorialização e reterritorialização acontecem e podem

fragmentar ou segregar territórios ou abrir novas possibilidades emancipatórias de

construção do território como ator e sujeito. Esta nova possibilidade nos permite olhar

com olhar diferente para questões como a democracia e os caminhos necessários para

conquistar a “participação-cidadã” que se constitui, por caminhos diferentes da relação,

“Estado e cidadão”. A falta, para Oliveira (2003), é de uma “democracia mais

democrática”, que inclui:

Maior participação cidadã, tanto na esfera política do Estado quanto na

esfera social do cotidiano, ao mesmo tempo, que se insurge contra os

processos sociais sobre os quais se erguem a exclusão social, a

discriminação e, nesse sentido, a permanência da lógica da dominação

nas nossas democracias. [...] A democracia não é apenas um regime

político ou uma forma de organização do Estado. Uma sociedade

democrática não é, portanto, aquela na qual os governantes são eleitos

pelo voto. A democracia pressupõe a possibilidade de participação ativa

dos cidadãos no conjunto dos processos decisórios que dizem respeito

à sua vida cotidiana, sejam eles vinculados ao Poder do Estado ou

processos interativos nos demais espaços estruturais nos quais estamos

inseridos. (2003 p. 16/17)

Muitas vezes, temas de extrema importância para estes sujeitos não aparecem nos

currículos oficiais, talvez nem como possibilidade de serem relacionados. Trabalhar o

conteúdo sem sentido ou significado ou, por outro lado, compreender a demanda destes

alunos e, a partir delas construir a prática, não constitui um dilema porque os professores,

em sua maioria, já abandonaram a utopia e, para recuperá-la é preciso:

Reconhecer a pluralidade de espaços da luta social, com o consequente

enfraquecimento do esquema clássico da luta de classes, e a

complexificação das sociedades e das constelações institucionais, cada

vez mais locais, nacionais e transnacionais modificam e recriam as

formas de luta social, por outro lado, não se devem associar a nenhum

111

tipo de pós-modernidade que faz o elogio do fragmento e abandona as

utopias. É preciso compreender que o reconhecimento da complexidade

da sociedade e da luta de classes não altera a ideia de que precisamos

lutar por mais emancipação social em todas as dimensões da vida social,

consideradas agora como enredadas umas às outras, sem que nos seja

possível eleger uma prioridade absoluta. (OLIVEIRA, 2003, p. 28)

Neste sentido, Gallo (2005, p. 78) diz o seguinte sobre o professor profeta e o

professor militante:

[...] o professor-profeta é o legislador, que enxerga um mundo novo e

constrói leis, planos e diretrizes, para fazê-lo acontecer; o professor-

militante, por sua vez, está na sala de aula, agindo nas micro relações

cotidianas, construindo um mundo dentro do mundo, cavando

trincheiras de desejo.

A E. E. Evandro Ávila, é rica em diversidade cultural e, vida dos alunos não está

somente ligada ao campo, mas, pensar que essa realidade seja motivo para realizar um

trabalho pedagógico, a partir de um currículo padrão, não faz sentido, muito pelo

contrário, esta realidade torna mais relevante ainda a necessidade do professor pensar

outras práticas que visem “tocar” cada aluno, pois ele tem um compromisso com o poder

emancipatório dos saberes pedagógicos.

Oliveira (2003), relembrando Marx, ressalta que não é próprio, ou da natureza do

estado controlar as forças abusivas do poder, ou seja, não seria tarefa do estado regular,

mas legitimar o poder instituído pela classe burguesa. Para o pensamento liberal, caberia

ao Estado os mecanismos de regulação para controlar e limitar a lei do mais forte e

equilibrar as correlações de forças, no entanto, o que acontece é que a regulação (limite e

controle) é utilizada para sujeitar os mais fracos, cujas reivindicações não se enquadram

na concepção burguesa de cidadania e de seus direitos universais, neste entendimento, a

regulação que é uma obrigação do estado e necessária para a emancipação social, o

princípio da regulação passa a funcionar para garantir/legitimar os processos de

desigualdade e de exclusão produzidos pelo capitalismo.

Portanto, processos de regulamentação e emancipação não podem ser tratados de

forma separada. As formas de regulação social não significam apenas a vontade de uns

sobre os outros.

112

CAPÍTULO 5 – CONHECENDO OS SUJEITOS E O LUGAR

Políticas públicas para a agricultura familiar, projetos de desenvolvimento

territorial, sistema de ensino para as populações do campo, assim como qualquer outra

ação do Estado, estão diretamente ligadas à vida cotidiana da população do campo, resta

saber se estas condizem com a realidade da sociedade como um todo, e não apenas para

atender a interesses específicos.

Os mecanismos do Estado investigados neste trabalho, que são tão expressivos e

necessários para a vida das classes menos favorecidas do campo brasileiro, mas que ao

mesmo tempo, possui um importante papel na sociedade, principalmente quando se trata

de produção de alimentos, devem ser estudados em suas totalidades. Neste capítulo

realizaremos uma correlação mais direta entre a teoria, tomando-as como unidade, e as

informações oficiais com o expressado pelos sujeitos que vivem e atuam na comunidade,

mais especificamente os professores do ensino médio da E. E. Evandro Ávila, seus alunos

e os pais destes alunos, residentes na área urbana e rural do distrito de Rio das Mortes.

Por razões alegadas de organização e de funcionamento da escola não foi possível

aplicar um questionário aberto ou realizar entrevistas com os professores, então optamos

por um questionário fechado. Para os alunos foram aplicados questionários abertos, que

todos os presentes responderam. Quanto aos pais foi solicitado aos alunos que anotassem

em seus questionários se poderíamos visitar suas casas. Apenas um pequeno número

concordou em nos receber, disponibilizando os endereços e orientações para localizar as

suas residências.

Além das informações colhidas através de questionários, entrevistas, registrava as

nossas conversas informais, as minhas próprias impressões, principalmente porque foi

ouvindo que aprendi que a compreensão do outro passa pela compreensão de nós mesmos.

Foi na minha passagem por estes lugares registrando tudo o que vi, ouvi, nas minhas

leituras do tempo e do espaço, que aprendi o quanto os nossos saberes de professores que

transmitimos aos nossos alunos como “a verdade” são resultantes dos caminhos que

escolhemos, sem querer, percorrer assumindo o risco de nos perdermos para apreender o

fato humano em sua complexidade e diversidade.

113

5.1 – Refletindo sobre a realidade a partir dos professores.

Com o objetivo de compreender a interação entre professores, escola e

comunidade escolar, uma das primeiras iniciativas, foram as conversas informais, a escuta

que realizamos com os professores, na medida do possível na “correria” do

funcionamento escolar procurando desvelar o seu cotidiano, o conteúdo curricular e

praticado, a relação com a comunidade do distrito, com o lugar em que habitam.

Neste momento é interessante pensarmos o lugar na perspectiva de Carlos (2007),

que afirma que este pode ser analisado pela tríade habitante, identidade e lugar, pois ele

é a base da reprodução da vida, onde ocorre todos os tipos de relações entre indivíduo e

espaço habitado. A autora ainda destaca que a apropriação do espaço pelos indivíduos a

partir das relações corporais e dos sentidos, ocorre de maneira desigual dependendo das

características do lugar, usando o exemplo das metrópoles e pequenas vilas e cidades,

sendo assim, relevante para a caracterização e compreensão do lugar de nossa pesquisa.

Como o homem percebe o mundo? É através de seu corpo de seus

sentidos que ele constrói e se apropria do espaço e do mundo. O lugar

é a porção do espaço apropriável para a vida — apropriada através do

corpo — dos sentidos — dos passos de seus moradores, é o bairro é a

praça, é a rua, e nesse sentido poderíamos afirmar que não seria jamais

a metrópole ou mesmo a cidade latu sensu a menos que seja a pequena

vila ou cidade — vivida/ conhecida/ reconhecida em todos os cantos.

Motoristas de ônibus, bilheteiros, são conhecidos-reconhecidos como

parte da comunidade, cumprimentados como tal, não simples

prestadores de serviço. As casas comerciais são mais do que pontos de

troca de mercadorias, são também pontos de encontro. É evidente que

é possível encontrar isso na metrópole, no nível do bairro, que é o plano

do vivido, mas definitivamente, não é o que caracteriza a metrópole.

(CARLOS, 2007, p.17)

Também foi aplicado um questionário aos treze professores do ensino médio, pelo

supervisor de ensino, da E. E. Evandro Ávila, em uma reunião pedagógica. Os professores

poderiam entregar o questionário respondido até um dia após a reunião, que não pudemos

acompanhar. O questionário dos professores foi o único estruturado, apenas com questões

de múltipla escolha e, como os outros questionários aplicados, não teve nenhuma

pergunta que pudesse identificar o sujeito, como nome, idade e sexo, bem como, a

disciplina trabalhada, pois não era intenção julgar o docente, nem avaliar os alunos.

Como ressaltamos ao longo deste trabalho, a educação para as populações do

campo deveria passar necessariamente pela interação das práticas de ensino com a prática

cotidiana que está ligada de modo indissociável à prática social. A primeira pergunta do

114

questionário foi “Você nasceu ou viveu grande parte de sua vida no distrito de Rio

das Mortes?”, apenas um professor respondeu que sim, ou seja, a grande maioria tem

uma relação com o distrito baseada, principalmente em seu trabalho em sala de aula.

Apesar disso, quando a pergunta foi “Como você considera seu conhecimento sobre o

distrito de Rio das Mortes?”, 8% responderam que são inexpressivos, 31% pouco

expressivo, 46% expressivo e, 15% muito expressivo, nos levando a inferir que apesar de

um contato recente e esporádico com a comunidade, boa parte dos professores se

consideram conhecedores do distrito.

No entanto, em nossas conversas informais e escutas observamos que o vínculo

com o lugar, com a escola e, a comunidade é mínimo e, que a aquisição de conhecimento

se dá expressivamente pelo trabalho pedagógico baseado em reproduzir o conteúdo do

livro didático, ou participação nas festas constantes no calendário escolar em razão do

abono ou não das suas faltas.

Nesta situação, a reprodução dos conhecimentos não tem por base o compromisso

com a transformação das práticas sociais, assim, a pobreza no campo não diminui e a

distância entre o rural e o urbano permanece. A educação tem que estar vinculada à vida

cotidiana e a um projeto histórico, os conteúdos e as etapas do processo educativo tem

que estar amarrados à necessidade transformadora da totalidade social.

Em outra pergunta, sete dos treze professores afirmaram contextualizar a realidade

local, a partir do currículo oficial e do conteúdo previsto em seus planos de ensino, seis

marcaram a opção “às vezes” e, nenhum disse que não busca contextualizar.

A realidade do lugar, que os professores afirmaram conhecer, nos intrigou, pois,

ela parece estar mais diretamente ligada à relação objetiva com os conteúdos curriculares,

que são produzidos com uma intencionalidade: ou para desenhar um sistema educativo

responsável pelos desígnios da sociedade de classes, ou para a imaginação de um mundo

melhor.

Esta situação pode causar uma série de impactos no processo de ensino-

aprendizagem, por exemplo, na medida em que não se considera as características do

lugar quando se aborda o tema da agricultura, muitas vezes, o que se destaca é o

agronegócio, a abordagem ressalta o uso de capital intensivo, a tecnologia, a mão de obra

especializada e subordinada, a concentração de terra transformada em mercadoria para

ser negociada, a destruição de formas de produção, o mercado de trabalho competitivo,

os conflitos cuja origem são as contradições promovidas pelo desenvolvimento do capital,

a distância cada vez maior entre o desenvolvimento urbano e rural e, não o lugar, a

115

solidariedade, a cooperação, o trabalho coletivo, o respeito pelos homens simples e a sua

necessidade vital de pertencer ao espaço que lhe cabe habitar.

Para estas populações, principalmente as que continuam realizando o trabalho no

campo, a terra tem outro sentido, é a terra do trabalho. Para os alunos e pais o lugar

representa a memória de grande parte de suas vidas, está voltada para a pequena produção

e para a subsistência, o contrário das monoculturas do agronegócio. A terra significa a

desterritorialização e, também, a possibilidade de retorno, de reterritorialização, o fim da

marginalização estrutural. O pequeno pedaço de terra transformado em local de lazer,

para alguns, é a outra face das transformações recentes e perversas do capitalismo no

campo que, aliada à tecnologia produz mecanismos que tornam inviável a pequena

propriedade.

Habitar não apenas no sentido de ocupar um determinado espaço e sobreviver,

onde é possível viver com dignidade, com o direito de ter esperança e sonhar, como

abordado por Carlos Rodrigues Brandão sobre este outro sentido de viver o espaço:

Habitar. Criar um lugar onde pessoas, famílias, grupos e comunidades

reúnem-se para conviver. Nós, os humanos, tornamos habitável um

espaço múltiplo - entre a horta caseira, a casa que acolhe a horta e a

catedral que consagra as duas, não porque o levantamos do chão

materialmente, mas porque realizamos isto, movidos por palavras e

imagens, símbolos e sentidos, ideias e imaginários. E uma grande parte

do labor e do trabalho de todos os dias está dirigida a criar e perpetuar

os lugares que, uma vez construídos, tornam-se o “aqui” onde se vive e

habita. Por isso uma casa velha e quase em ruínas é ainda um lugar

ancestral e quanto mais velho entre as gerações, mais ela é um “Lar”.

Por isso, depois de construída e habitada, ela é mais - mesmo hoje,

mesmo agora - bem mais do que um bem material. Uma casa torna-se

um dom de sentido: um patrimônio. Neste lugar onde eu moro o valor

de troca (o quanto ela vale em dinheiro) submete-se ao valor de uso (o

quanto ela vale por ser onde eu habito) e, ambos, submetem-se ao valor

do dom (o quanto ela vale como um símbolo chamado “a nossa casa”).

Algo que acaba “não tendo preço”, mesmo que financeiramente esteja

“aos pedaços” e “não tenha valor”. (BRANDÃO, 2009, p. 20-21)

Do total dos treze professores, quatro trabalham em outras escolas, sendo duas

estaduais na sede do município de São João del-Rei, outra na escola penitenciária

localizada aproximadamente a 10 Km de distância do distrito de Rio das Mortes. Já o

professor de Geografia que acompanhamos, também trabalha em uma escola estadual no

município de Três Rios - RJ, localizada a aproximadamente 227 km.

O professor de Geografia justificou que o horário de trabalho nas duas escolas

possibilitava as suas atividades profissionais nas duas localidades, trabalhando de

116

segunda a quarta no distrito e, quinta e sexta no estado do Rio de Janeiro. O professor

aproveita o percurso para visitar sua mãe em Juiz de Fora - MG, lembrando que sua

residência se localiza no município de São João del-Rei. Apesar da preocupação que ele

demonstra ter em contextualizar suas aulas à realidade local e, realmente se interessar

pelas particularidades do distrito, é evidente que sua situação pessoal e profissional é

bastante desgastante e, também é um fator limitante para a sua atuação, as longas jornadas

de trabalho não permitem a convivência do professor na comunidade, aspecto que sempre

é colocado nas conversas informais com o pesquisador que também vive esta experiência

do lugar, não como mundo vivido.

Para pensarmos esta experiência do lugar recorrermos à Jorge Larrosa Bondía

(2002, p. 21) quando este diz que “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o

que nos toca”, neste sentido para realmente experimentar, conhecer ou compreender

determinado lugar é preciso um contado direto e não apenas ter informações sobre ele, o

que para este autor seria o oposto de experiência. Pensando a comunidade escolar

estudada nesta pesquisa, informações vazias de significados poderiam ser coletadas, por

exemplo, nos sites do IBGE, na prefeitura local, na imprensa, entre outros, mas apesar da

importância deste tipo de dados, consideramos indispensável o contato direto, pois:

A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar

para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma

antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em

estar informados, e toda a retórica destinada a constituirmos como

sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que

cancelar nossas possibilidades de experiência. O sujeito da informação

sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais

o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez

está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e

pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de

“estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça. A primeira

coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário

separá-la da informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber de

experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se

sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está

informado. (BONDÍA, 2002, p. 21-22)

Quando indagados se consideravam a sede do distrito rural ou urbana, seis

professores marcaram a primeira opção e sete a segunda, mostrando que este assunto

divide opiniões entre eles, bem como entre os alunos e pais de alunos (mostraremos a

seguir). Esta discordância pode ser motivada pela falta de participação na vida da

comunidade: como muitos não conhecem a realidade local, nem se identificam com o

lugar. Milton Santos (1999) sobre o saber local destaca a importância de pensar o lugar

117

por dentro, ou seja, a partir daqueles que habitam, chamando-os de sábios do local, sendo

aqueles que vivem o lugar e assim o interpretam e compreendem. A escola deveria atuar

para que seus alunos construíssem uma compreensão da importância de conhecer seu

lugar, mas o fato do distanciamento dos professores com a comunidade, dificulta este

processo.

[...] o lugar é o lugar de uma escolha. O mundo está aí e o lugar colhe

no mundo atributos que o realizam histórica e geograficamente. É o

mundo que se dá seletivamente no lugar. O fenômeno técnico, na sua

abrangência telúrica atual, permite entender a totalidade-mundo a partir

dessa empiricidade. Por conseguinte, a possibilidade de uma teorização

que abranja o todo e a parte no campo do espaço se tornou possível

também através, creio eu, e digo com toda a timidez, do cotidiano.

Porque o cotidiano é a realização das pessoas e, quem sabe, também das

instituições e das empresas nos lugares. (SANTOS, 1999, p. 22)

Quando observamos este lugar da estrada, o que vemos é um pequeno núcleo

urbano, onde se concentra a escola a igreja, um pequeno comércio que atende parte das

demandas dos moradores com produtos locais e trazidos de outros lugares, os bares e a

praça espaços de convivência, onde se observa durante a semana muitos idosos e crianças.

Na estrada sentido São João del-Rei pode ser notada a presença de indústrias que

quebram a paisagem rural, além da presença da exploração de eucalipto, pastagens (a

maioria degradadas) destinadas, principalmente para o gado leiteiro, algumas culturas

intermitentes, além das voçorocas que chamam atenção pela sua extensão e profundidade.

As impressões que ficam em nosso olhar, apesar da presença urbana no distrito, é a

sensação de um lugar acolhedor.

Também existem as pessoas que vivem nas comunidades e povoados (onde

ocorre uma pequena aglomeração de casas), distantes do centro do distrito, que não

compartilham a convivência que este lugar proporciona. O centro para elas é apenas um

lugar de passagem, de contato com outras pessoas, com o “urbano” e suas “facilidades”.

O contato mais direto dessas comunidades ocorre nos povoados, caracterizados

geralmente por uma pequena área aglomerada de casas com ruas pavimentadas ou não,

uma capela, um ou dois bares que funcionam como mercearias. No entorno desses

povoados, estão os sítios, onde as relações de vizinhança são diferentes, pois as

residências estão localizadas distantes umas das outras.

Observar a paisagem é importante para a compreensão do lugar de convivência

dos alunos pelos professores, para proporcionar um processo de ensino-aprendizagem em

que as verdades fixadas, as lógicas dominantes pelas quais somos subjetivados são

118

viradas de avesso inaugurando outros discursos e outras práticas instauradas na ordem do

mercado e da cultura capitalista.

Essa perspectiva contribuirá para trabalharmos com outro olhar questões como: o

agronegócio e as relações de produção do campo, a dissolução das formas de produção

alternativas, opor a biodiversidade à monocultura, a concentração de terra à agricultura

familiar, a valorização dos saberes produzidos pelo camponês e a adoção crítica das

técnicas modernizadoras da revolução verde ou biotecnológica, a necessidade de

formação dos agricultores para praticar a agroecologia, a dificuldade estrutural do

emprego, a divisão administrativa atribuída àquele lugar, a remuneração absoluta da terra

e dos fatores de produção que implicam na marginalização dos agricultores.

Com o intuito de compreender a relação entre os alunos da sede do distrito e do

seu entorno fizemos a seguinte pergunta “Você percebe algum tipo de rixa ou bullying

entre os alunos da sede e do entorno do distrito?”, 15% responderam nunca, 69% com

pouca frequência, 15% com muita frequência e, nenhum marcou a opção “sempre”. Este

quadro nos dá indícios de que apesar das peculiaridades do distrito e, de sua proximidade

com o rural, ainda existe segundo os professores sinais de desavenças motivadas pelo

local de residência dos alunos, em detrimento daqueles que moram em sítios mais

distantes com pouco contato com aqueles que são da sede.

Como abordaremos mais adiante esse atrito entre os alunos residentes em

localidades distintas, também são motivadas pelo próprio funcionamento da escola, em

determinadas ocasiões, por exemplo, os alunos do campo não têm acesso ao transporte

escolar por conta da chuva, de problemas mecânicos dos ônibus, das condições da estrada

impedindo a sua participação nas aulas. Outra situação causadora de atrito é o fato da vida

e o trabalho no campo não ser valorizado no processo de ensino-aprendizagem, a cidade

aparece como o meio para uma vida digna, baseado principalmente no trabalho

supostamente mais “leve” e “melhor remunerado”.

Os alunos do distrito não veem seus lugares de vivência fazendo parte da

totalidade social, da divisão do trabalho e, que para vivenciarem o processo de

desenvolvimento, que traria aumento da renda, da qualidade de vida e, principalmente

contribuiria para a manutenção nos locais de origem, dos mais jovens.

A superação destes problemas deve considerar que todo conhecimento produzido

é político, que é preciso uma mudança qualitativa nas relações sociais, o desenvolvimento

de processos de formação e educação que permitam o desenvolvimento da capacidade

organizativa, além da massa crítica, instâncias coletivas de organização. A contra

119

hegemonia ideológica passa pela escola através do exercício da autonomia teórico-

pedagógica, iniciativas culturais, meios de comunicação alternativos entre outros.

Outro ponto relevante sobre a questão rural/urbana é quanto aos serviços e

condições que o distrito oferece aos seus moradores, abordado na pergunta “Como você

considera a estrutura de esporte, lazer e trabalho do distrito de Rio das Mortes?”.

Nenhum professor marcou a opção ótima, 24% deles consideram boa, 46% regular, 24%

ruim e, um deixou em branco. Se associarmos estes serviços relativos aos espaços

urbanos, observamos certo equilíbrio nas respostas. Os serviços que não existem na sede

do distrito são oferecidos em São João del-Rei em razão da proximidade e, entre estes,

são citados com maior frequência a UFSJ, o IF Sudeste MG, uma faculdade particular, os

hospitais, a unidade da polícia militar (que o distrito não possui), delegacia, comércio em

geral, bancos, entre outros.

Com relação à questão em que deveriam responder se, os seus alunos pretendiam

continuar morando e trabalhando próximo ao local em que vivem hoje, após o término

dos estudos, 46% respondeu que a maioria sim, 31% a maioria não e, 23% entorno da

metade sim. Como mostraremos mais adiante, a maioria dos alunos afirmou querer morar

longe dos locais onde vivem, evidenciando que, tanto os alunos como os professores não

veem neste distrito e, em seus postos de trabalho seja na indústria, no comércio ou na

agropecuária um bom lugar para se levar uma vida digna. O fato dos professores não

trabalharem efetivamente a partir da realidade do lugar, acaba promovendo ainda mais

esta situação, principalmente quando se trata de alunos que teriam a opção de viver e

trabalhar no campo.

Pensando sobre a relevância das atividades agrícolas no distrito, 15% dos

professores consideraram pouco expressiva, 69% expressiva, 15% muito expressiva e,

nenhum marcou a opção inexpressiva. Quanto à agricultura familiar 8% consideraram

pouco expressiva, 62% expressiva, 31% muito expressiva e, ninguém considerou

inexpressiva.

A análise das três últimas respostas dadas às questões formuladas, também nos

permitem considerar que a maioria dos professores tem consciência da importância do

território e das atividades agrícolas para seus alunos. Entretanto, isto não quer dizer que

estes desenvolvam suas atividades docentes a partir das necessidades locais. O livro

didático é o material mais utilizado e, por conta dos problemas já discutidos

anteriormente, trata de forma genérica o conteúdo agricultura e, se o professor não tiver

a preocupação de ir além dos limites dos livros didáticos, o seu trabalho pedagógico não

120

atenderá as necessidades dos alunos, principalmente aqueles do campo, contribuindo

talvez apenas para a manutenção da mão de obra no comércio, na indústria ou nas

fazendas, como diarista.

Apesar das políticas públicas para a agricultura familiar analisadas em nossos

estudos, podemos dizer que há uma conspiração para que a agricultura familiar

desapareça, principalmente, aquela de base camponesa, pois a educação e o trabalho de

extensão rural, por exemplo, se volta principalmente para a produtividade e, quando se

trata do mundo rural, é no sentido romântico de reviver memórias e, não como um lugar

da vida real, digna de pessoas que produzem a maior parte dos alimentos de uma nação.

O debate sobre as políticas públicas e desenvolvimento são fundamentais para

superar este quadro. Vivemos um momento em que não é mais a macroeconomia e as

mudanças estruturais desenvolvidas nas décadas de 1960 e 1980 que estão no centro dos

debates. O enfoque dos debates é o desenvolvimento local, que seria capaz de construir

um novo modelo econômico de desenvolvimento.

No entanto, segundo Cristoffoli, as experiências deste enfoque estão ligadas:

[...] a órgãos nacionais e internacionais contidas em projetos e

programas como Desenvolvimento Local Integrado, Desenvolvimento

local Sustentável, Arranjos Produtivos Locais, etc., utilizam

concepções e metodologias que mais desviam o debate das crises

estruturais que flagelam a maior parte da humanidade do que para

resolver a questão do seu atraso social e econômico. [...] Inspiradas no

desenvolvimento alcançado por algumas regiões europeias e alguns

casos isolados no terceiro mundo, essas correntes sugerem que, por

meio do “emponderamento das pessoas”, da construção do capital

social local, etc., poderemos superar nosso atraso secular. Essa nova

ideologia utiliza instrumentos legítimos, que eventualmente poderiam

contribuir com estratégias alternativas de desenvolvimento; contudo, os

transformam em uma fórmula geral e mágica de superação do atraso,

incorporando concepções ideológicas que desarmam a militância social

para os embates de classe. (CRISTOFFOLI 2010, p. 232)

Fundamentadas em políticas europeias para promover o desenvolvimento, estas

experiências têm como objetivo o empoderamento das populações locais, ou seja, o

desenvolvimento de um capital social local para superar as suas condições de vida.

Mesmo sendo mais responsável pela desigualdade do que pelo desenvolvimento, nem o

“microempreendedorismo individualista e explorador capitalista” encontramos no

Distrito do Rio das Mortes.

Cristoffoli (2010, p. 232) afirma a “inadequação dos conteúdos do

desenvolvimento local para dar conta de uma política autônoma (ou que assim se

121

pretenda) das classes subalternas, em um projeto popular de poder, para o

desenvolvimento dessas regiões” retomando Celso Furtado, “para quem o

desenvolvimento deve necessariamente ser visto como elemento de vontade política (não

apenas técnica e econômica) e como questão que se articula às escalas nacional e

internacional e não apenas como questão técnica restrita a nível local” que:

[...] pressupõe política industrial, política tecnológica, reestruturação

agrária e políticas sociais estruturantes, que aí sim teriam impacto sobre

o local-regional, políticas locais-regionais não conseguem, por si só,

rechaçar tendências macroeconômicas, antidesenvolvimentistas.

(CRISTOFFOLI, 2010, p. 232)

Essa situação foi evidenciada na pergunta “Como você considera a importância

da E. E. Evandro Ávila no desenvolvimento da agricultura familiar no distrito de

Rio das Mortes?”, 15% dos professores responderam como sendo inexpressivas, 31%

pouco expressiva, 15% expressiva e, 31% muito expressiva, além de um professor que,

não marcou nenhuma opção colocando um ponto de interrogação na questão, talvez

querendo afirmar que, tal pergunta não fazia sentido para ele.

Com essa análise não pudemos compreender se para a maioria dos professores

não existe uma relação entre desenvolvimento da agricultura familiar, políticas públicas

e educação, mas nos induziu a pensar que o papel da escola neste sentido depende da

construção de uma educação com outra visão de mundo, em que a terra não é tratada

como uma mercadoria e nem o mundo rural seja caracterizado como um mundo cujo

trabalho dificulta os estudos tornando seus sujeitos despreparados para o

desenvolvimento da sua atividade agrícola.

Na última questão, buscando compreender a visão dos professores sobre o modo

pelo qual deve ser construída a prática docente pedimos para que eles marcassem os

assuntos relevantes em sala de aula, considerando a “expressividade” da produção

agrícola do distrito. Desta forma, a agricultura familiar foi assinalada por 12,

desenvolvimento por cinco, políticas públicas também por cinco, território apenas por um

e, um dos professores acrescentou meio ambiente, objetividade e autoestima.

A grande maioria marcou a primeira opção, pois o enunciado da questão já é

ligado às atividades agrícolas, porém, quando se trata de desenvolvimento e política

pública, não encontramos consenso, fato que nos levou a inferir que estes não seriam

termos claros para os professores, sobretudo o de território, já o acréscimo de meio

122

ambiente, objetividade e autoestima é um fato relevante, entretanto, para melhor

compreensão necessitaríamos da explicação de quem os registrou.

Uma conclusão básica a partir das respostas do questionário é a de que um

conhecimento sobre a comunidade escolar, a questão rural e urbana, além de assuntos

ligados diretamente ao desenvolvimento territorial do distrito, a partir de sua base agrícola

não é algo claro entre os professores, levando-nos a pensar que para estes, a relação entre

escola e agricultura não seja algo tão relevante como a formação dirigida para o ingresso

no ensino superior ou para entrar no mercado de trabalho, mesmo sabendo o quanto ele é

voraz e, que a maior parte das pessoas é excluída, como bem exemplificaram os alunos

lembrando que os seus próprios pais, na maioria das vezes, desenvolvem atividades de

baixa qualificação.

Acreditamos que as desvalorizações das práticas agrícolas na escola acabam

contribuindo, ainda mais, para que os alunos não vejam na terra um local de trabalho e de

uma vida digna. Muitas famílias possuem alguma propriedade que, muitas vezes, não está

destinada à produção e à geração de renda ou a qualquer outro uso. Portanto,

consideramos que capacitar estes sujeitos para lavrarem estas terras de maneira

sustentável ambientalmente e economicamente seria um grande passo rumo ao

desenvolvimento territorial da comunidade. Entretanto, não estamos falando de algum

tipo de escola agrícola ou técnica, mas de uma preocupação em valorizar a realidade local

e apresentar novas possibilidades, como políticas públicas para a agricultura familiar,

formas de inserção alternativa no mercado, tecnologias alternativas de manejo da terra,

entre outros, através de um currículo, que como “documento de identidade” da escola seja

capaz de oferecer outras possibilidades de trabalho no lugar em que vivem. Este seria um

passo inicial que não necessitaria deixar de lado a preocupação com o ingresso no ensino

superior dos alunos, mas não atenderia prioritariamente e seletivamente um grupo de

alunos.

5.2 – Refletindo sobre a realidade a partir dos alunos

Diferente dos professores, o questionário aplicado aos alunos, não foi elaborado

somente com questões fechadas. Com o objetivo de obter maior número de informações

relevantes, foram aplicados em horário de aula, com a colaboração do professor de

Geografia; cada aluno recebeu as perguntas e foram orientados a responderem questão

por questão, após a leitura e explicação pelo pesquisador.

123

Em cada questão, eles eram estimulados a explicarem e darem o maior número de

detalhes possíveis sobre suas respostas, as únicas perguntas totalmente fechadas foram

sobre a idade e o sexo. Apresentamos vários dados quantificados, agrupados por

similaridade, mas não desconsideramos as singularidades que cada aluno deixou no

questionário, lembramos que os alunos não foram obrigados a responder o questionário

e, que todas as turmas envolvidas no estudo responderam a mesma versão e, que para

todos foi afirmado que manteríamos as suas identidades preservadas.

A fim de comprometer somente o mínimo possível o trabalho do professor em

sala de aula, o questionário foi aplicado em apenas um dia, desta forma os alunos ausentes

não participaram desta etapa da pesquisa, somando assim um total de 109 alunos

presentes. É importante mencionar que de maneira geral as turmas apresentam poucos

alunos, as mais cheias são o 1° ano I e o 1° ano II, com 29 e 32 alunos respectivamente,

mas nas demais o número é bem reduzido, com 21 alunos no 2° ano I e 22 no 2° ano II,

já na única turma de 3° ano eram 24 alunos.

Sobre a idade dos estudantes constatamos que, de acordo com a turma, existem

idades mínimas e máximas variando entre 4 e 5 anos, mas é importante destacar que na

turma do 2° ano II existe um aluno com 20 anos e, no 3° ano uma aluna com 21 anos,

sendo estes os mais velhos da escola, ambos afirmaram não trabalharem. Tal situação

evidencia que existe uma grande discrepância na faixa etária dos alunos, que pode ocorrer

por vários motivos como dificuldade no acesso à escola, alto índice de reprovação, entre

outros, que merecem atenção especial.

Buscando compreender a relação dos estudantes com o lugar onde a escola se

localiza, perguntamos onde cada aluno morava, eles foram orientados a escreverem o

modo como é conhecido seu lugar e, se possível o endereço oficial sem a numeração da

casa, com essas respostas pudemos contabilizar os alunos que moram dentro e fora da

sede distrital, como exposto no Quadro 08. Destacamos que uma aluna do terceiro ano

relatou morar na cidade de São João del-Rei, a mesma justificou que estuda no distrito,

pois havia mudado recentemente e gostaria de terminar seus estudos na mesma escola em

que sempre estudou.

124

Quadro 08: Alunos residentes dentro e fora da sede do distrito de Rio das Mortes

Dentro da sede distrital Fora da sede distrital Total

1° I 17 6 23

1° II 19 7 26

2° I 14 5 19

2° II 14 4 18

3° 17 6 22

Total 81 28 109

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2016.

Como podemos observar 26% dos alunos residem em localidades fora da sede do

distrito, ou seja, moram nos chamados povoados ou lugares ainda menos habitados.

Destes 28 alunos, apenas um considerou o lugar onde mora como sendo urbano, o mesmo

reside em um pequeno povoado, mas não explicou em sua resposta o motivo da

afirmação, o que nos leva a pensar que ocorre praticamente um consenso entre eles, de

que estes lugares, fora da área concentrada do distrito, são rurais.

Por outro lado, dos 81 alunos residentes na sede do distrito, 33 (38%) destes

também consideram os seus locais de residência como sendo um espaço rural e, os outros

48 alunos, urbano. Nesta situação não encontramos um consenso, mas sim, uma

discordância, que em muitas respostas ficaram evidentes suas motivações, geralmente

eram em torno da estrutura existente, alguns justificavam ser urbano por ter padarias, uma

farmácia, duas lojinhas de material de construção, um número significativo de casas

concentradas, um centro de fisioterapia, ruas pavimentadas, entre outras, já os que a

consideravam rural usavam, muitas vezes, os mesmos argumentos, mas, no sentido de

que estas estruturas apareciam em número reduzido mencionando serviços inexistentes

como policiamento, comércio variado e hospitais, não se justificando considerar o distrito

como espaço urbano.

De todos os alunos, apenas cinco relacionaram diretamente o trabalho das pessoas

para realizarem as diferenciações entre rural e urbano, como uma aluna do 1° ano I

residente na sede do distrito, que afirmou: “Aqui é urbano. Pois ninguém trabalha com

serviços rurais e tem iluminação, asfalto, etc”, já uma aluna do 2° ano II também

residente na sede do distrito afirmou o contrário: “Aqui é rural. Não tem muita coisa

voltada para a indústria, grande parte da população precisa ir para a cidade (São João

del-Rei) em busca de trabalho”.

125

Entretanto como afirmamos anteriormente, a grande maioria considerou as

estruturas existentes, muitas vezes dando destaque para a paisagem, como uma aluna do

2° ano II, residente em um pequeno povoado afirmou: “Aqui é rural. Pois tem plantações

criação de gados e por ser bem pequeno, mas um lugar ótimo para morar”, já para uma

aluna do 1° ano II residente na sede do distrito, disse que este é urbano, pois: “[...] aqui

tem comércio, posto de saúde e tem várias pessoas que moram uma perto da outra”, mas

outro aluno do 1° ano I, também residente na sede do distrito, afirmou que: “Aqui é rural,

pois no distrito de Rio das Mortes não há bancos, casas lotéricas e nem posto de

gasolina”

Quanto à distinção entre rural e urbano a partir do pagamento do Imposto Predial

e Territorial Urbano (IPTU), apenas seis alunos do 1° II fizeram afirmações como: “Aqui

na Goiabeiras de Cima é rural, pois não pagamos o IPTU e porque não tem prédio” e

“O Distrito de Rio das Mortes é urbano porque tem supermercado, posto de saúde, etc.,

e porque minha mãe paga o IPTU”.

Outra questão relevante é que dos 28 alunos residentes fora da sede, 17

consideravam a sede do distrito uma área rural, justificando muitas vezes, pela falta de

estrutura, um aluno respondeu: “No Rio das Mortes não se resolve nada, para resolver

alguma coisa temos que ir para São João del-Rei”. Ao longo da análise das respostas e,

lembrando, dos momentos de observação em sala de aula, fomos levados a pensar que

um pouco da motivação para esse número significativo de alunos, seja a divergência entre

os moradores de cada localidade, na forma que considerar o local de moradia, do outro

como sendo rural seria um tipo de “revanche”, pois escutamos comentários de alunos

residentes na sede, proferindo com teores agressivos e ofensivos, frases como: “O

povoado do Canela é uma roça danada é claro que é rural”, “Na goiabeira só tem boi e

mato”, “Para chegar na casa de fulano, só se for de carroça”.

Trinta alunos afirmaram utilizar transporte escolar público e, a maior parte deste

é de responsabilidade da empresa de ônibus municipal da cidade, os alunos recebem um

cartão magnético que dá direito às passagens de ida e volta, em algumas localidades mais

distantes alguns carros menores, como vans transportam os alunos até o local onde os

ônibus destas empresas não circulam.

Observamos no decorrer da pesquisa algumas vans na proximidade da escola,

entretanto, apenas um aluno do Ensino Médio afirmou fazer todo o trajeto em van escolar.

Essa fragmentação do percurso acarreta atraso na chegada à escola, a aula começa às

126

7h:50mn, porém alguns estudantes são obrigados a saírem de suas casas antes das 6h da

manhã.

Outro problema relacionado ao transporte escolar é que em finais de semana ou

feriados letivos os estudantes não costumam ter direito ao transporte, pois este depende

de autorização por um processo burocrático que, muitas vezes, não é feito, ou seja, aquele

que não puder pagar ou não tiver outro meio para se deslocar até a escola fica excluído

das atividades escolares.

Tal situação ocorreu, por exemplo, na comemoração do dia 7 de setembro e, em

uma feira de conhecimentos, este fato ocorreu no período em que o pesquisador

frequentava a comunidade. Sabemos que a escola possui a “obrigação” de funcionar em

algumas dessas datas que não são “dias úteis” e, que o transporte escolar envolve a

prefeitura, governo do estado e federal, a escola e as empresas de transporte. Não

podemos apontar um único responsável, mas vemos um bom exemplo de como pequenas

questões acabam se materializando em um sistema de ensino excludente para as

populações do campo.

Quando a diretora entrou em uma sala de aula para avisar sobre o dia 7 de

setembro ser feriado letivo, imediatamente alguns alunos que não residiam na sede do

distrito argumentaram: “Vai ter transporte? Eu não posso vir a pé né. Sacanagem com

agente da roça”, “Toda vez é assim né. Pedem para agente vir, falam que vai ter

chamada e que vão dar pontos, mas não tem o transporte” e “Eu que não vou gastar meu

dinheiro com isso [...]” Já outros alunos escolheram o silêncio ou se restringiram a fazer

pequenos comentários com o colega da carteira ao lado, talvez por se sentirem

envergonhados ou por saberem que não iam resolver o problema que é recorrente.

A diretora afirmou que este dia letivo é proposto pela Superintendência Regional

de Ensino de SJDR, mas, que a liberação do transporte não depende apenas da direção

escolar, não sendo possível garantir que seria disponibilizado, por fim, afirmou que a

direção não puniria os alunos caso não comparecessem, entretanto, excluir um aluno de

uma atividade escolar por ele ser de uma área rural é um ato gravíssimo de negação ao

direito da educação, lembrando que episódio parecido também ocorreu na feira de

conhecimentos.

Como representado no Gráfico 01, de todos os alunos, apenas 11 afirmaram que

a principal atividade econômica de pelo menos um dos seus pais ou responsáveis é a

agropecuária. Porém, quando perguntados se eles possuíam alguma propriedade rural a

resposta foi que 38 famílias possuíam, mas apenas 18 afirmaram que estas são utilizadas

127

para algum tipo de produção que, geralmente era a criação de gado, lavouras de milho e

feijão ou plantação de eucalipto; quanto ao restante só eram utilizadas para moradia,

aluguel, ou simplesmente não possuíam nenhum tipo de uso. Essas respostas nos

permitiram identificar a decisão de muitos moradores em escolher uma vida fora do

campo, mesmo que esta fosse baseada numa relação de trabalho assalariado em outra

localidade.

Gráfico 01:

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2016.

Ainda sobre a relação dos pais e responsáveis com o trabalho no campo, 71 alunos

afirmaram que estes já haviam desempenhado atividades agrícolas, ou seja, 66%, número

muito superior aos que ainda hoje dependem do campo para viverem. Vemos que, como

em outras regiões do país, o distrito passou por um processo de desvalorização do trabalho

no campo, mesmo alguns mantendo suas propriedades o trabalho nelas deixou de ser

atrativo e viável.

Destacamos aqui o potencial que as políticas públicas para a agricultura familiar

teriam para estas famílias, por exemplo, através de créditos indutores de desenvolvimento

com formação e capacitação organizacional, gerencial, assessoria técnica (agronômica,

gerencial e associativa), comercialização, entre outras, que poderiam contribuir com a

revitalização desta economia agrária trazendo independência e melhoria na qualidade de

vida, políticas públicas que, segundo Cristoffoli (2010, p. 262) poderiam “intervir em

todo o ciclo e não apenas em um dos elementos como atualmente, via crédito”.

11

98

Atividades econômicas dos responsáveis

Famílias em que a agropecuária é a principal atividade econômica de

pelo menos um integranteFamilias em que os responsaveis não têm a agropecuária como principal

atividade econômica

128

A escola poderia ter relevante papel neste processo, mesmo que ligada ao Estado

em sua tarefa de adequar a população às necessidades da produção econômica dominante,

melhorar as condições objetivas de acesso às políticas públicas formando sujeitos

políticos para fortalecer a democracia em todos os espaços sociais.

Na questão sobre se os pais ou responsáveis gostariam de voltar a viver ou

trabalhar no campo, 12 responderam que sim, como representado no Gráfico 02,

inferimos que, o motivo para não fazerem tal escolha pode ser a falta de terras ou a não

viabilidade da produção na forma tradicional, ou seja, na forma em que estes estão

habituados. Alguns alunos justificaram da seguinte forma: “Meu pai fala que só volta

para a roça, se for para trabalhar no que é dele, mas se for para voltar a trabalhar por

dia (diarista) nas fazendas ele prefere continuar na fábrica”, “Meu pai até gostaria, mas

a terra dele é muito pequena, não dando para a gente viver só dela e, minha mãe não

gosta de roça”.

No Brasil, a terra é mais do que terra, é cidadania que se exerce na

possibilidade de o camponês não precisar mais “viver de favor” na roça

de terceiros, de poder olhar “olho no olho” do fazendeiro, e não numa

postura submissa. (CRISTFFOLI, 2010, p.267)

Gráfico 02:

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2016.

Ao todo, 33 estudantes afirmaram trabalhar em diversas atividades, como: ajudar

o pai na criação do gado, diarista em lavouras, manicures em salões de beleza, faxineiras,

babás, construção civil, entre outras. Quando a pergunta foi sobre a vontade de trabalhar

ou continuar a trabalhar no campo, apenas sete responderam que sim e, um destes era

86

12

Pais de alunos que não vivem ou trabalham no campo, mas

têm a intenção de migrar para esta atividade.

Não têm a intenção Têm a intenção

129

trabalhar em uma propriedade portando um diploma de curso superior na área das ciências

agrárias, outros quatro responderam talvez. Portanto, estes resultados nos levaram a

inferir que o trabalho no campo não é atrativo para estes jovens, mesmo com 38 dessas

famílias possuindo algum pedaço de terra, fato que facilitaria tal situação, estes não

consideram o trabalho no campo nem como alternativa, caso os outros interesses fossem

frustrados. A partir de conversas e comentários, a maioria não falava de suas propriedades

rurais com orgulho ou interesse.

Sobre a intenção dos estudantes em suas futuras profissões, as respostas se

distribuíram da seguinte maneira: 53% almejam uma profissão com curso superior, 19%

sem curso superior, 16% pensam em seguir carreira militar e, outros 16% não quiseram

responder ou ainda não sabem. Além destes, um dos estudantes respondeu que queria ser

“patrão”, assim não sabemos se ele se referia a ser proprietário de algum estabelecimento,

dono do próprio negócio ou se seria uma gíria referente ao indivíduo que é dono do tráfico

de drogas em determinado território. Quanto ao grande número de alunos interessados

pela carreira militar, acreditamos que pode estar relacionado à presença do 11° Batalhão

de Infantaria de Montanha do Exército, em São João del-Rei.

A principal conclusão a que chegamos sobre os objetivos profissionais destes

estudantes é que, a grande maioria, prefere desempenhar atividades fora do campo,

mesmo que seja sem muita qualificação, pois foram citadas as profissões de forneiro,

motorista, doméstica, cabelereira, entre outras. Quanto aos que almejam um ensino

superior sabemos que este é um caminho que nem todos conseguem alcançar, pois como

aponta a reportagem de 30/03/2015 do jornalista Bruno Moreno no Jornal Hoje em Dia,

apesar de todos os avanços nos últimos anos, em 2012 apenas 16% da população

conseguia terminar o ensino médio e entrar em algum curso superior. Seguindo esta

tendência, parte considerável destes jovens seria frustrada no seu direito de ingressar na

educação superior e acabariam entrando no mercado de trabalho com um nível baixo de

qualificação.

Diretamente associado ao futuro que estes jovens almejam, também são

interessantes suas respostas sobre a intenção em continuar morando ou não próximo aos

locais em que moram hoje, 56% afirmaram não terem interesse, 32% pretendem continuar

nas proximidades e, 12% não responderam ou afirmaram que dependerá de alguns fatores.

Como vimos 69% dos estudantes afirmaram ter interesse em cursar o ensino

superior em sua maioria bacharelados ou, em seguirem carreira militar. Consideramos

que os postos de trabalho para estas profissões no distrito são mínimos ou inexistentes,

130

no caso dos militares. Entretanto, observamos que uma parte considerável dos que

almejam estas profissões também já pretendem estabelecer suas vidas fora do distrito,

principalmente em cidades como São João del-Rei, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,

Lavras, entre outras.

Gráfico 03:

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2016.

Alguns estudantes demostraram interesse em ingressar em cursos superiores

como: medicina, medicina veterinária, zootecnia, agronomia, enfermagem, entre outros,

mas não pretendem morar distante dos locais em que vivem hoje. Sabemos que se

realmente estes indivíduos alcançarem seus objetivos de formação seria difícil a

manutenção de suas moradias, pois os postos de trabalhos são escassos e, mesmo para

alguns que pretendem cursar a área de ciências agrárias para trabalharem em propriedades

de suas famílias, não podemos ter certeza de que essa escolha continuará sendo atrativa

no futuro.

Depois de apresentarmos estas questões que buscam compreender a visão dos

alunos sobre suas vidas fizemos quatro perguntas que envolveram tanto o conhecimento

construído nas salas de aula, como fora delas e, pensando em um processo de ensino

inclusivo e, que valoriza os saberes populares, as questões formuladas foram: Para você

o que é agricultura familiar? Para você o que é política pública? Para você o que é

território? Para você o que é desenvolvimento?

53% 56%

19%

32%

16% 12%16%0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Área de atuação profissional Local em que pretendem manter

residência

Interesse em área de atuação profissional e em local de

residência

Com curso superior/ longe do local da atual residência

Sem curso superior/ próximo do local atual de residência

Carreira militar/ não sabe e depende

Não quiseram responder ou não sabem

131

Estas questões foram pensadas porque queríamos saber o que de fato é realizado

nas salas de aulas e, também porque consideramos que, apesar dos alunos dominarem ou

não uma informação, as respostas dos alunos e professores, segundo Ferraço (2005, p.

31) apresentam:

Um emaranhado de lógicas, discursos, ideias, hipóteses e metáforas

encharcadas de arbitrariedades, esperanças, solidariedades, valores,

idiossincrasias, imediatismos, nonsense, valores, absurdos, fantasias,

pastiche, utilitarismos e preconceitos, que precisam ser assumidos

como fios e nós presentes na tessitura das redes de saberes e fazeres

cotidianos dos sujeitos fazendo, portanto, parte dos currículos

praticados e, por efeito, dos processos de formação continuada

realizados no contexto escolar.

Entendemos como Ferraço (2005) que os conteúdos dos currículos prescritos

passam a ter algum significado depois de apresentados e discutidos. Os conceitos

geográficos estruturantes discutidos neste trabalho como território, lugar, espaço

diretamente ligados às políticas públicas para a agricultura familiar e seu

desenvolvimento territorial, estão sendo trabalhados no contexto escolar, no entanto, não

há uma relação de causalidade direta entre os conteúdos formais e a rede de relações que

são realizadas com os conteúdos e a realidade cotidiana, por isso, o ato de educar é um

“ato de conscientização”, conforme Paulo Freire, existindo currículos diferentes para cada

situação vivida pelos alunos do ensino médio.

A valorização das culturas vividas pelos nossos alunos, seus valores, assim como

estímulo ao diálogo e, sobretudo, a crítica dos próprios saberes em relação a outros

saberes e outras experiências não está no currículo. O trabalho do professor, segundo

Barros (2005, p. 80) “é gerir modos de si e de mundo, é fabricação de determinadas

formas-subjetividades”, que não podem ser submetidas à “disciplina produtiva de

subjetividades individualizadas e idiotizantes”. Ao trabalhar estamos criando a nós

mesmos. Este trabalho criativo é o oposto da visão do trabalhador pelas teorias

cognitivistas, segundo Barros (2005, p. 86) que também nos chama a atenção para o

essencial do trabalho docente que:

[...] pertence aos modos de subjetividade que, na maior parte das vezes,

são invisíveis, ou seja, fazem parte de mecanismos inobserváveis da

atividade. Para que uma escola funcione, é necessário um conjunto de

pessoas que a fazem funcionar e, para isso, é preciso não apenas que

conheçam os procedimentos, os regulamentos, ou seja, as prescrições

elaboradas pelas instâncias que administram as políticas educacionais,

mas que elas também os subvertam em algumas situações, que usem

sua inteligência prática, que trabalhem com sua engenhosidade, que

132

façam o sistema educacional beneficiar-se de sua potência de criação e

que inventem, em suas relações cotidianas, a cooperação, uma vez que

esta não prescreve. As situações de trabalho implicam, portanto,

mobilização subjetiva para lidar com coisas que não funcionam, para

achar caminhos e, em função dos fracassos, chegar a encontrar

soluções, mas isso não se vê, não é observável diretamente. (grifos

nossos)

Obviamente não esperávamos que alunos do ensino médio elaborassem respostas

baseadas em teorias cientificas, para conceitos complexos como território e

desenvolvimento. Mas cada uma das respostas é mobilizada subjetivamente pelos alunos,

quer dizer, em suas respostas os alunos demonstram modos de subjetivação produzidos

pelo sistema escolar: o silêncio, o individualismo, o poder, a obediência, a renúncia do

lugar ao qual pertence as nossas vidas, inferiores devemos nos conformar com a divisão

do trabalho, acreditar que os direitos universais dos homens, embora universais, não são

para todos.

Foi marcante em cada aplicação do questionário em todas as turmas, como nestas

perguntas o comportamento dos alunos nas salas de aula ia mudando, pois nas anteriores

quase não ocorreram indagações ou pedidos de explicação, mas com essas foi diferente,

surgindo várias perguntas e comentários do tipo: “Como assim, o que é agricultura

familiar?”, “Desenvolvimento é o que melhora, não é?”, “O professor já falou sobre isso,

mas eu não lembro nada”. Entretanto, não respondemos e nem comentamos as perguntas

e tentamos ao máximo evitar que um aluno orientasse o outro em sua resposta, afirmando

que a intenção era saber o que cada um pensava sobre estas questões e se elas tinham a

ver com vida deles.

A primeira conclusão sobre a análise dessas respostas foi que vários alunos não

quiseram responder, o que nos levou a pensar que tal fato poderia ter sido motivado pela

insegurança, medo de “errar” ou escrever algo que não fazia sentido como muitos

falaram: “Não vou responder isso não, não sei o que é mesmo!”. Incentivados a

responderem, muitos permaneceram em silêncio. Avaliamos que para eles as respostas

têm que ser iguais àquelas já definidas previamente.

Na primeira pergunta sobre agricultura familiar percebemos que os estudantes do

segundo ano estavam mais confiantes e mais de acordo com o conceito, muitos

consideraram o trabalho em família, a produção em pequenas propriedades e, a

subsistência da família em falas como: “É a família que trabalha na própria produção

de alimentos, ela consome o alimento e o que sobra ela vende”; “Quando a família

133

trabalha no cultivo e criação de animais, não há contratados, por exemplo, na fazenda

do meu avô, os filhos ajudam”.

Nestas mesmas turmas, também houve respostas mais simples e alunos que

deixaram em branco, mas respostas como as transcritas acima se destacaram. A

explicação para este fato é que a questão agrária brasileira foi o tema das últimas aulas de

geografia destes alunos antes da aplicação do questionário e, o professor buscava fazer

correlações com a realidade da comunidade escolar, incentivando que os alunos fizessem

relatos de suas vidas como, por exemplo, o de uma aluna: “meu pai aposentou na cidade

e hoje tem um sítio onde cria gado leiteiro fornecendo leite para um laticínio”, outros

dois alunos contaram que trabalham como diaristas em uma grande fazenda da região, a

partir destes relatos o professor ia construindo sua aula sobre sistemas agrícolas,

distinguindo agricultura familiar e patronal, sementes crioulas e transgênicas, entre

outros, de certa forma podemos afirmar através das respostas dos questionários que a

prática deste professor foi bem sucedida quanto à leitura do mundo aparente.

No terceiro ano, as repostas também seguiram a mesma tendência, entretanto, com

um nível de detalhe menor. Já nos primeiros anos, grande parte dos estudantes dizia não

saber o que estava sendo perguntado; outros deixaram em branco e muitas respostas

afirmaram no sentido de que: “Agricultura familiar é quando se produz em uma horta no

quintal, para fornecer legumes e verduras para a família”. A inconsistência nessas

respostas nos pareceu que para eles só havia sentido em responder de acordo com o pré-

estabelecido, já suas experiências de vida não eram relevantes.

Embora nossa intenção não fosse representar categorias através das questões que

elaboramos, entendemos que a há uma de colonização da subjetividade no processo de

escolarização, que esta “subjetividade objetivada” através das práticas cotidianas da

escola apresenta as verdades do mundo como únicas, tudo que está fora deste mundo tem

que ser silenciado, desprezado como impurezas. Para estes alunos, observamos que não

há possibilidades de escolha, de reflexão de caminhos sociais e políticos, não acreditam

que a felicidade humana pode se realizar além das perspectivas colocadas pelo

desenvolvimentismo.

Quanto à pergunta sobre políticas públicas, as respostas seguiram certo padrão em

todas as cinco turmas e, um número menor de estudantes deixou de responder, ocorreram

respostas como: “Uma política para o povo”, “Uma política para o povo, com a

participação de todos”, “Uma política feita pelo povo”.

134

Mas também, encontramos respostas centradas apenas na política institucional e,

muitos deixaram claro o repúdio por esta política classificada como corrupta, errada,

ineficiente e “feia”, em respostas como: “É votar em vereadores, prefeitos,

presidentes...”, “É ruim! São feitas pelos políticos corruptos que elegemos”, “São aqueles

que roubam nosso dinheiro”, “É quando eles pedem nossos votos em nossas casas”.

Muitos associaram as políticas públicas ao seu caráter democrático de participação

popular nas decisões que envolvem o coletivo, outros pensaram principalmente nas

instituições. Considerando o grau de instrução e maturidade destes alunos, não podemos

enquadrar nenhuma resposta em determinado modelo, pois alguns pontuaram como as

ditas políticas públicas deveriam ser feitas e quais deveriam ser seus objetivos e, outros

se detiveram nos empecilhos democráticos existentes em nosso país.

Entretanto, nenhum educando que elaborou uma resposta considerando o lado

democrático das políticas públicas, utilizou algum exemplo que estava diretamente

associado as suas vidas ou da sua comunidade, levando-nos a inferir que estes sujeitos

também às veem como algo distante da vida do cidadão comum ou como algo que não

funciona efetivamente.

Não era esperado que de todos os alunos, apenas quatro associassem território ao

Estado; quanto à área do país, do estado ou do município, a grande maioria considerou

que território era somente sinônimo de propriedade, como: “É um pedaço de terra que

pertence a alguém”. Mas, três alunos associaram território a uma visão mais subjetiva

como lugar de pertencimento dos indivíduos: “É uma terra onde uma população se

desenvolve culturalmente e demograficamente”, “É uma área em que vive um grupo de

pessoas em harmonia”, “É um local que possui características parecidas”.

Já sobre desenvolvimento, a grande maioria dos sujeitos considerou como

sinônimo de melhoria ou crescimento, entretanto, não houve explicações mais detalhadas,

sobre o que entendiam desse assunto.

Por fim, as três últimas perguntas tinham como objetivo saber o que os alunos

pensavam sobre a escola e seu papel na comunidade. Entretanto, não visávamos apenas

as influências tradicionais sempre promovidas como papel da escola, a formação do

jovem para o mercado de trabalho, a preparação do jovem para o ingresso no ensino

superior e, outras neste sentido, que são proferidas de maneira generalizada para qualquer

instituição sem considerar a realidade local.

Assim a primeira destas perguntas foi “Você acha que a escola contribui para o

desenvolvimento do distrito? Como ela contribui?”, a parte objetiva da resposta foi de

135

68% sim, 22% não e 10% não responderam ou não soube responder. Já na parte em que

os alunos deviam responder como ela contribui, as respostas ficaram muito entorno do

papel tradicional da escola, como: “Sim, educando os jovens na medida do possível.

Descobrindo novos ideais e uma nova noção de cada ser em si”; “Não acho que a escola

contribui para o desenvolvimento do distrito”; “Não diretamente, mas indiretamente, pois

na escola estudamos e, no futuro nos tornamos mais experientes e inteligentes”; “Sim

ajuda no futuro de todos”. Ou seja, como esperado não surgiram menções sobre como a

escola influência diretamente no distrito, mas sim falas generalizadas, sem tocar em

pontos principais ou mesmo tratar da importância da escola na valorização do distrito

com a participação da comunidade.

Em busca de compreender a visão dos alunos sobre um papel mais direto da escola

foi perguntado “Você acha que a escola contribui para o desenvolvimento da

agropecuária no distrito? Como ela contribui?”, 55% responderam que não, 23% que

sim, e 22% não respondeu ou não soube. Os dados quantitativos reforçam nossa ideia de

que a visão tradicional sobre o papel da escola é algo romântico e, que ela não considera

as características locais, pois vimos que menos de um quarto dos alunos veem um papel

significativo da escola sobre o desenvolvimento da agropecuária no distrito, embora este

seja um setor de grande relevância como apresentado nos dados anteriores.

Relacionando as duas perguntas anteriores, vemos que ocorre para a grande

maioria dos alunos uma dissociação entre o papel da escola, pois quando se trata de

desenvolvimento de maneira genérica, sem focar em termos específicos, a grande maioria

considera que a escola tem seu papel relevante, mas quando se trata em um

desenvolvimento da agropecuária eles não veem associação. Como trabalhamos em

capítulo anterior, o processo de desenvolvimento deve ser pensado a partir de uma lógica

territorial, buscando compreender o urbano e o rural, mas esta pergunta aos discentes foi

necessária, para compreender a visão deles sobre este ponto particular, que é de certa

forma menosprezada dentro do sistema de ensino, além de ser abordado de forma

tendenciosa pela mídia e outros agentes da sociedade.

Poucos alunos justificaram suas respostas nesta pergunta, de maneira geral os que

responderam “sim” não consideraram fatores que realmente justificavam a participação

da escola no desenvolvimento da agropecuária no distrito, como uma aluna do 2° ano II

disse: “A escola explica como usar a agricultura”, já para um aluno do 1° ano I: “A

Escola forma cidadãos e aprofunda seus conhecimentos sobre a agropecuária”, além de

algumas outras respostas neste sentido uma aluna do 2° I que mora em um sítio, onde

136

seus pais vivem da agropecuária, disse não gostar de viver no campo por considerar a

vida solitária nesta localidade, considerou o papel da escola na compra de alimentos da

agricultura familiar, a parir do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) ao

dizer que: “A escola contribui, pois compra alimentos produzidos no campo, por conta

de uma lei”.

Quanto às justificativas dos alunos que responderam não, estas também foram

reduzidas e em grande maioria não conseguiam explicar o porquê da escola não contribuir

para o desenvolvimento da agropecuária no distrito. Entretanto, um aluno do terceiro ano

afirmou: “Nunca vi nada que incentive isso nas aulas”, outro aluno da mesma turma foi

mais além ao dizer que: “[...] a escola não tem necessariamente uma ligação com a

agropecuária”.

Ainda abordando sobre o papel da escola sobre a vida dos sujeitos da comunidade,

a partir da valorização dos modos de vidas locais e não apenas centrado em um ensino

tecnificado ou conteudista voltado apenas para o ingresso no ensino superior, fizemos a

seguinte pergunta para buscar entender como os alunos acham que a escola atua

diretamente na vida de seus alunos que têm ligação com campo e ao trabalho

agropecuário: “A escola contribui para que seus alunos do campo continuem

realizando as atividades de sua família?”. Nesta pergunta 60% dos estudantes

responderam que não, 24% que sim e, 16% não responderam ou não souberam responder,

vale lembrar que os alunos foram incentivados a justificarem suas respostas.

Destacamos que no 2° II e no 3° ano, nenhum aluno respondeu que sim. As

justificativas para aqueles que responderam foram simples, como: “Sim, pois ensina a

importância do campo para todos”, ou “Sim, mas depende da pessoa, pois para trabalhar

na roça tem que gostar”, ou seja, não mencionaram que a escola influencia positivamente

estes alunos por valorizarem suas origens, no processo de ensino-aprendizagem,

sobretudo ensinando a seus alunos que para terem uma vida digna no campo tem que ser

através da participação comunitária nos espaços democráticos instituídos.

Esta última pergunta nos lembrou daquele professor que não viu sentido em

relacionar o papel da escola com o desenvolvimento territorial e agricultura familiar.

Muitos alunos justificaram o “não” em suas respostas, assim: “Eu acho que a escola faz

o aluno querer ser uma pessoa mais estudada, fazendo uma faculdade ou um curso”,

“Não, na realidade os alunos buscam estudar para conseguir ter um trabalho ‘melhor’ e

não precisar trabalhar no campo, a escola encoraja isso”, “Não, pois a escola vai

mostrar para o aluno entrar em uma faculdade e não trabalhar no campo”.

137

Ou seja, esses alunos veem que a escola pode ser um meio para “adquirir” certo

conhecimento e, com isso, não precisarem mais trabalhar no campo, por acharem que este

trabalho é de qualidade e de valor inferior. Construir um conhecimento valorizando a

técnica e a ciência aliadas aos saberes tradicionais dos sujeitos do campo não contribuiria

para a atividade agrícola, demonstrando não acreditar no desenvolvimento do campo,

centrado na pequena produção de base familiar, na manutenção da vida com qualidade

no campo, contribuindo também para a promoção do desenvolvimento nas cidades,

principalmente pela redução do desemprego, pela criação de novos postos de trabalho,

pela produção de alimentos, entre outros, pois como vimos anteriormente é necessário se

pensar um processo de desenvolvimento territorial que envolva igualmente o campo e a

cidade.

No gráfico abaixo, vemos que quando se fala sobre a escola ter influência no

desenvolvimento do distrito, a maioria dos alunos acreditam em seu papel, porém, quando

se fala em desenvolvimento da agricultura, esta situação não se repete, pois acreditam que

a escola não contribui neste processo e, um número maior de alunos se recusou a

responder, situação semelhante acontece quando se fala no papel da escola na

permanência dos jovens no campo.

Gráfico 04:

Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Gabriel Max de Oliveira Dias, 2016.

68%

23% 24%22%

55%60%

10%

22%16%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

Você acha que a escola

contribui para o

desenvolvimento do

distrito?

Você acha que a escola

contribui para o

desenvolvimento da

agricultura no distrito?

A escola contribui para

que seus alunos do

campo, continuem

realizando as atividades

de sua família?

Opinião dos alunos sobre a atuação da escola

Sim Não Não soube/não respondeu

138

Constatamos grande desvalorização do campo e do trabalho que nele se exerce,

tanto pelos alunos da sede do distrito, quanto pelos residentes nas áreas menos povoadas,

o que nos leva a pensar que está relacionado com o processo de êxodo rural brasileiro que

continua “esvaziando” o campo, transferindo a mão de obra para os setores secundários

e, terciários nas cidades, conforme os interesses do grande capital, que no campo busca

concentrar terras e dominar o setor em detrimento dos pequenos agricultores e

camponeses. O objetivo final da produção capitalista no campo não é a produção de

alimentos, mas a produção de commodities ou, simplesmente, obter lucro via especulação

imobiliária destas terras. Para compreender melhor a visão dos sujeitos dessa comunidade

escolar pesquisamos também, os pais e responsáveis dos alunos, em suas residências.

5.3 - Refletindo sobre a realidade a partir dos pais e responsáveis: a escola deve

educar para a vida

Após a aplicação dos questionários aos alunos explicamos que com o objetivo de

compreender melhor a realidade da comunidade escolar, sua relação com o campo e, com

o trabalho realizado nele, o pesquisador gostaria de visitar algumas residências, conversar

com alguns pais ou responsáveis, também foi afirmado que em nenhuma hipótese seria

mencionado o nome, endereço, ou qualquer outra informação que, identificasse ou

comprometesse o aluno ou sua família.

Desta forma pedimos para aqueles que gostariam de nos receber em suas

residências que deixassem, por escrito atrás do questionário, o endereço e para aqueles

que não possuíam um endereço convencional, que deixassem o maior número de

informações possíveis, como nomes e apelidos, nome do sitio e da comunidade, e todas

as informações relevantes.

Apenas 12 alunos afirmaram que seus pais e responsáveis nos receberiam em suas

residências e deixaram o endereço, entretanto, conseguimos contato em apenas oito casas,

quatro na sede do distrito e quatro fora dela, mas o acolhimento e a disponibilidade

daqueles que nos receberam possibilitou resultados muito interessantes, tanto na sede do

distrito, em povoados, e também em sítios localizados em lugares onde as casas não estão

concentradas.

A primeira casa visitada foi no Povoado do Canela, nesta encontramos uma

situação diferenciada, pois a aluna de 17 anos não morava com seus pais, mas sim com

seu companheiro de 23 anos. A jovem mudou-se do distrito de Rio da Morte e, hoje os

139

dois vivem na casa da sogra, entretanto, a casa do casal já está sendo construída no mesmo

terreno. O jovem sempre morou no povoado e pensa em continuar morando, pois é um

lugar tranquilo e de fácil acesso para o seu trabalho em uma empresa de reciclagem, que

fica aproximadamente a 15 km de distância. Perguntado se ali é um bom lugar para se

criar os filhos, respondeu que: “Ainda não tenho filho, mas aqui é um lugar muito

tranquilo para se formar uma família, falo isto, pois cresci aqui”.

O jovem afirmou que já trabalhou no campo como diarista, principalmente na

propriedade de um conhecido fazendeiro que é chamado de Japonês, mas completou que:

“O serviço é muito pesado, não pretendo voltar a trabalhar com isso não”, nesse sentido

também disse que se, por ventura, vier a ter filhos, não gostaria que eles trabalhassem no

campo.

Ele considera que a escola ajuda a comunidade na preparação dos jovens, pois os

“prepara para a vida” e, sobre este quesito não possui nenhuma crítica, entretanto,

perguntado se ela contribui para que seus alunos do campo possam continuar vivendo e

trabalhando no campo com dignidade, ele respondeu que não contribui.

O que significa educar para a vida? Se, nos mantermos nos significados pré-

definidos, criamos em nossas redes de conhecimento “nós cegos” que impedem o seu

fluxo, segundo Inês Barbosa Oliveira (2003, p. 72). Estes fragmentos de histórias de vida

aqui registrados a partir das nossas conversas informais e, também, das nossas escutas

nos permitiu apreender e sermos apreendidos pela realidade cotidiana, não só dos pais,

como também de alunos, professores, funcionários, não para dizer o que está certo ou

errado, mas para estabelecer uma cumplicidade e resistir à racionalidade moderna, ao

silenciamento de subjetividades cuja existência supõe a intersubjetividade, a

argumentação realizada no diálogo com o outro, às fronteiras nas quais a realidade é

aprisionada.

Educar, portanto, para a vida na perspectiva dos estudos humanistas estaria na

capacidade de tecermos a vontade de viver em nossos lugares, de construir nossos

territórios como convivência democrática, como resistência criativa de práticas

democráticas e emancipatórias em relação às “subjetividades conformadas”.

Nossas conversas informais, nossas escutas, as respostas aos questionários e

entrevistas deixam transparecer sonhos cansados de esperar. Boaventura de Souza Santos

(2002, p.36) nos diz com sabedoria que:

140

A utopia é, assim, o realismo desesperado de uma espera que se permite

lutar pelo conteúdo da espera, não em geral, mas no exato lugar e tempo

em que se encontra. A esperança não reside, pois, num princípio geral

que providencia um futuro geral. Reside antes, na possibilidade de criar

campos de experimentação social, onde seja possível resistir localmente

às evidências da inevitabilidade, promovendo com êxito, alternativas

que, parecem utópicas em todos os tempos, exceto naqueles em que

ocorre efetivamente. É este o realismo utópico que preside às iniciativas

dos grupos oprimidos que, num mundo onde parece ter desaparecido a

alternativa, vão construindo, um pouco por toda parte, alternativas

locais que tornam possível uma vida digna e decente.

Nossas escolas têm negado de forma decisiva a valorização dessas vozes cansadas

de esperar, mas estas apresentam indícios de esperança que devem ser pedagogicamente

e politicamente trabalhadas, por isso, as escolas precisam educar mais e ensinar menos.

Políticas públicas para a educação e para o campo, mesmo as de caráter emancipatório

podem levar a práticas não emancipatórias, ainda assim, podem viabilizar alternativas.

Para Santos (1995, p.277) a emancipação corresponde a:

Um conjunto de lutas processuais, sem fim definido. O que a distingue

de outros conjuntos de lutas é o sentido político da processualidade das

lutas. Este sentido é, para o campo social da emancipação, a ampliação

e o aprofundamento das lutas democráticas em todos os espaços

estruturais da prática social.

Continuando a sua fala, o jovem diz: “o governo não incentiva que as pessoas

continuem vivendo no campo, mas nosso povoado está crescendo e, maioria das pessoas

não trabalha com agropecuária”. Também disse: “não sei o que é crédito rural nem

PRONAF”. O jovem acredita que seu povoado é uma área rural e, quanto ao distrito de

Rio das Mortes, afirmou que: “Apesar de ser maior e ter mais coisas, como comércio,

também é rural, pois não encontramos as coisas como em São João del-Rei”.

A segunda residência visitada também era localizada no mesmo povoado, e o

aluno de 17 anos havia afirmado em sala de aula que costumava trabalhar como diarista

na propriedade do Japonês. Fomos recebidos por seu pai e sua mãe de 40 e 35 anos

respectivamente, mas a mãe respondeu a maior parte das perguntas. Disse que está

desempregada e, por isso, quando chamada também trabalha de diarista na fazenda já

mencionada e, está procurando serviço como faxineira, pois este é um trabalho mais leve,

seu marido é empregado em uma mineradora localizada no povoado. Ambos nasceram

na localidade, mas ela e o marido viveram um período de cinco anos na cidade de

Conselheiro Lafaiete, também falou de sua pretensão, que é: “Morar aqui até morrer,

gosto muito daqui e, por enquanto, é um bom lugar para criar os filhos, ainda não temos

141

problemas com segurança [...]”. Posteriormente ela foi questionada se possuía ou se

gostaria de ter um sítio para viver ou trabalhar, afirmou que seria um sonho e que: “O

serviço como diarista na fazenda é pesado, mas se a terra fosse minha seria mais

tranquilo e daria para viver melhor”.

Apesar de ter demonstrado grande afeto pelo seu povoado ela acha que seu filho

deve se mudar para conseguir um emprego melhor, que não seja no campo como diarista,

afirmando que: “Aqui não tem muita oportunidade”. Sobre a escola ela disse que em

determinados aspectos vem deixando a desejar, mas que tem seu papel relevante na

formação dos alunos para a vida, destacando a importância da participação da

comunidade e das famílias. Questionando essa ausência e se a escola tinha influência na

manutenção da vida dos jovens no campo, ela aparentou ficar em dúvida sobre se isso

realmente fosse sua função, acreditando que o governo não incentiva a permanência das

pessoas no campo e, também não sabe o que é crédito rural e PRONAF, considera o

povoado uma área rural, já o distrito de Rio das Mortes é urbano, pois: “[...] lá tem mais

comércio e recursos disponíveis”

Na visita à terceira residência tivemos que nos deslocar até outra comunidade,

conhecida como Goiabeira, mas a casa da aluna de 16 anos não fica na parte mais

aglomerada, mas em um sitio próximo que abriga sua casa e a da sua avó, sua mãe foi

que nos recebeu, ela é dona de casa e seu marido pedreiro. Considera que ali é um bom

lugar para se criar os filhos, pois é sossegado. Nasceu na comunidade e, que com o

casamento mudou-se para o sítio que é da família do marido, disse também que pensa em

mudar para São João del-Rei, para que suas duas filhas pudessem continuar estudando

após o ensino médio, entretanto, ela e o marido nunca cogitaram vender a propriedade,

que não soube dizer o tamanho em hectares, mas afirmou que sua sogra plantava algumas

roças de milho e feijão, mas já tem três anos que só é utilizado para uma pequena horta

para o consumo da família, não tendo assim uma produção comercial.

Para esta mãe, seria interessante que suas filhas fizessem um curso superior, mas

de preferência algum em que elas poderiam trabalhar por perto de casa, dizendo que:

“Talvez fazer um curso, em que elas possam continuar por aqui, pertinho de mim e do

pai delas”. Disse também ter trabalhado na roça até os 16 anos, indo depois trabalhar em

casas de família, pois era um serviço mais leve, questionada se gostaria que as filhas

trabalhassem no campo respondeu com um “não” com muita convicção. Segundo ela, a

escola do distrito de Rio das Mortes é melhor que as de São João del-Rei contribuindo

142

muito na formação de seus alunos para a vida, mas não acha que ela contribui para que

os alunos do campo continuem no campo, tendo uma vida digna.

Sobre as iniciativas do governo para as populações do campo, disse que ele

incentiva as pessoas a deixarem o campo e irem para as cidades e que, mesmo possuindo

um sítio não sabia o que é crédito rural e PRONAF, embora já tivesse ouvido falar. Sobre

se, o lugar onde mora é rural ou urbano, ela relacionou a diferença com a superação das

dificuldades que existia na vida da comunidade no passado, dizendo: “Aqui é urbano,

porque tem ônibus, a água vem da rua, a gente tem carro...”, e neste sentido também

considerou o distrito de Rio das Mortes como urbano.

O local visitado mais distante da escola foi a residência de um aluno do segundo

ano. É um sítio em um local com as casas bem distante uma das outras. Seu pai de 45

anos foi quem nos recebeu e afirmou ter herdado o sítio em que sempre morou e, que

pretende continuar morando e trabalhando na criação de gado e, na plantação de milho:

“Tudo que eu tenho está aqui e tudo que eu sei fazer é aqui”, disse que ali é um bom lugar

para criar os filhos, pois eles podem e devem trabalhar na propriedade e estudam em outro

período graças ao transporte escolar. Perguntado se gostaria que seus filhos continuassem

no campo, disse que: “Hoje em dia eles tem que estudar e me ajudar um pouco aqui, para

não ficarem atoa e irem aprendendo como é a lida na roça, se eles escolherem viver e

trabalhar em outro lugar tudo bem, se não o sítio está aqui para eles”.

Ele considerou que a escola é boa e tem um importante papel para a comunidade,

mas não contribui para a permanência dos jovens no campo, pois: “A juventude estuda

para ir para a cidade” e também, não acredita que seja intenção do governo incentivar

que as pessoas continuem no campo, mas afirmou que utiliza crédito do PRONAF para

custeio e investimento na sua propriedade. Acredita que o lugar onde mora é rural, pois

só existem sítios, já o distrito de Rio das Mortes é urbano, dizendo que: “[...] hoje em dia

lá tem um comércio bom, quase tudo que a gente procura acha”.

Iniciamos a fase de trabalho de campo na sede do distrito de Rio das Mortes, a

primeira casa visitada foi a de um aluno de 15 anos que está cursando o primeiro ano, sua

mãe que é dona de casa foi quem nos recebeu, seu marido é caminhoneiro e, antes de

casar ela morava em um povoado chamado Caburú, e o marido em um sitio próximo ao

distrito.

A mulher disse não pretender trabalhar novamente no campo, mas afirmou que o

marido pretende inclusive possui um pequeno sítio perto do distrito, no qual cria algumas

vacas tirando o leite para sua família; o marido pretende comprar mais terra para se mudar

143

e viver da criação de gado leiteiro, entretanto, ela gostaria de se mudar para São João del-

Rei, pois lá os filhos poderiam continuar os estudos e, posteriormente trabalharem, apesar

de considerar o distrito um bom lugar para se viver, demonstrou preocupação quanto ao

futuro dos filhos: “[...] mas aqui não tem nada de bom para eles fazerem ”.

Ela considerou que a escola tem um papel relevante para a comunidade, apesar de

ter algumas críticas quanto à gestão atual, pois ela prepara os alunos quanto aos valores e

regras, mas, deixa a desejar no ensino: “Ela (a escola) pode até contribuir para os alunos

continuarem no campo, mas esses tem que ter vocação e gostar do trabalho pesado ”

Disse que o governo incentiva as pessoas continuarem no campo, pois existe alguns

empréstimos, dizendo que: “inclusive, meu irmão costuma pegar um dinheiro no banco,

com os documentos da terra”. Apesar dela e o marido possuírem um pequeno sítio e o

irmão fazer uso de determinados financiamentos, afirmou que somente ouviu falar sobre

o PRONAF, mas não sabe o que realmente é.

Por fim, afirmou que o distrito é uma área rural e, neste momento seu filho, que

estava presente questionou, mas ela afirmou que: “Aqui é rural sim, o ônibus é mais caro

do que na cidade (São João del-Rei), faltam muitas coisas, no comércio não tem nada e,

a maioria das pessoas trabalham em São João del-Rei”.

A casa seguinte foi a de uma aluna de 15 anos que, também, cursa o primeiro ano,

sua mãe demonstrou estranheza questionando bastante o motivo da visita, mas concordou

em responder as perguntas. A dona de casa nasceu na área rural de Conceição da Barra

de Minas, um município vizinho e, seu marido que é forneiro em uma siderúrgica local,

nasceu no próprio distrito. Afirmou que nunca pretendeu sair do distrito e, que ali é um

bom lugar para criar os filhos, mas está faltando policiamento e, sobre a permanência dos

filhos fez a seguinte fala: “Mãe sempre quer os filhos por perto né, mas incentivo para

que eles continuem estudando”.

Afirmou que morar na roça seria um sonho, mas não para trabalhar, já o marido

gostaria de comprar um pedaço de terra, mudar e viver da agricultura, entretanto, afirmou

que não gostaria que seus filhos trabalhassem no campo, por que: “O serviço na roça é

muito pesado, quero alguma coisa melhor para eles”.

Sobre a influência da escola na vida da comunidade e dos alunos, ela disse que:

“É muito importante, eles estão sempre tentando melhorar”. Quanto ao fato da escola

contribuir para os alunos do campo continuar a viver e trabalhar no campo, ela pensou

nas questões legais e, não via sentido afirmando que: “Eles não podem trabalhar, a escola

exige que estudem”. Ela não soube responder se o governo incentiva ou não para que as

144

pessoas continuem morando no campo e nem soube o que é crédito rural e PRONAF;

sobre se o lugar onde mora é uma área rural ou urbana, ela disse que: “Há algum tempo

atrás era rural, agora é distrito”.

Posteriormente fomos até a casa de um aluno de 16 anos que cursa o terceiro ano,

seu pai que é funcionário público nos recebeu e disse que sua esposa é cozinheira em uma

empresa. Ele falou que sempre morou no distrito e pretende continuar morando e que:

“Aqui é um lugar bom para criar os filhos, é pequeno, a gente procura a gente acha, eles

não ficam andando onde não podem, além de ser muito perto de São João del-Rei”.

O pai do aluno não vê futuro para os filhos no distrito, mas que a decisão de

continuarem ou saírem é deles, afirmou já ter trabalhado no campo e não pretende voltar

a trabalhar, além de nunca ter possuído alguma propriedade rural, não vê no campo um

bom local de trabalho para os filhos, a não ser que seja em uma profissão como agrônomo

ou veterinário.

Questionado sobre o papel da escola frente à comunidade, disse que: “Sempre

participo das reuniões, ela é taxada como uma boa escola, já foi uma das melhores do

estado”, em seguida afirmou que ela prepara os jovens para o trabalho, mas questionado

sobre a escola contribuir para que os alunos do campo continuem vivendo e trabalhando

no campo, fez a seguinte fala: “Não vejo em que parte a escola ajudaria esses meninos

na fazenda”. Sobre o papel de o governo incentivar as pessoas para que continuem no

campo, lembrou-se da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) e,

de alguns projetos em que se leva a produção para a cidade, como as feiras de produtor

rural.

Quanto ao crédito rural associou a programas do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para aquisição de terras e, sobre o PRONAF

afirmou ter esquecido o que era. Sobre o distrito ser uma área rural ou urbana disse que:

“Poderia ser urbano... mas não é um bairro e, sim um distrito... então é rural”.

Por fim, chegamos até a última casa que conseguimos localizar e fomos recebidos

pela mãe de um aluno de 17 anos que, cursava o primeiro ano. Ela trabalha como auxiliar

de serviços gerais e, seu marido motorista de ônibus municipal. Nascida em São João del-

Rei mudou-se para o distrito há quatro anos e disse não querer mudar mais, inclusive:

“Até já trouxe minha mãe para morar aqui também. Aqui é muito tranquilo comparado

aos bairros em que eu já morei em São João del-Rei”, afirmou que nunca pensou em

trabalhar no campo e não quer isso para seus filhos.

145

Sobre a escola disse que: “É uma escola boa, mas tem o que melhorar”, mas

afirmou que ela contribui na preparação dos alunos para a vida e, sobre o papel da escola

para os alunos do campo, afirmou que: “Não é só papel da escola, esses meninos não têm

muitas opções, o que a escola pode ela faz”, demonstrando assim, ver as populações do

campo apenas como as menos favorecidas, não sendo possível ter uma vida digna nestes

lugares.

A entrevistada não soube o que era crédito rural e nem PRONAF. E sobre o distrito

ser uma área rural ou urbana, exclamou: “Aqui é rural, não tem nada aqui!

Principalmente polícia que faz tanta falta é só chegar à noite que fica um monte de

´marginalzinho` na rua”.

146

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta pesquisa mudamos a compreensão que tínhamos da comunidade

escolar, dos conceitos e dos temas estudados, algo de certa forma já esperado. A

compreensão do modo de vida da comunidade escolar da E. E. Evandro Ávila foi

fundamental, pois inicialmente construímos nossas questões de pesquisa supondo que a

maioria das pessoas da comunidade escolar tinha proximidade com o campo, no que se

refere ao trabalho, à produção, à práxis produtiva. No entanto, verificamos que grande

parte trabalhava nos setores secundários e terciários da economia, no próprio distrito ou

em São João del-Rei. Outra parte da comunidade escolar está ligada ao campo: há os que

são do campo, isto é, retiram da terra o sustento da família; também há aqueles que vivem

no campo, mas, suas terras são improdutivas, ou utilizadas para outros fins.

Mesmo com este fato inesperado da pesquisa, nossa hipótese se confirmou, pois

acreditamos que o sistema de ensino institucionalizado para as populações do campo não

está centrado no modo de vida dos sujeitos reais, além disso, as diversas situações que

encontramos no campo enriqueceram o nosso tema e problemas de pesquisa.

Também investigamos a fundo as políticas públicas para a agricultura familiar e,

o discurso do desenvolvimento territorial relacionando-os com o sistema de ensino para

estes jovens, com foco no ensino médio e, no conteúdo de Geografia, buscando entender

como este sistema de ensino se materializa na vida destes sujeitos e, como ele se reflete

no seu modo de vida no campo frente às novas políticas públicas para a agricultura

familiar, como era nosso objetivo.

A partir de autores como Haesbaert (2012), Haesbaert e Limonad (2007), Santos

(1998, 2003, 2005), Santos e Silveira (2001), Saquet (2009), entre outros, pudemos

contestar o fim do território, ideia que veio juntamente com os processos de globalização,

no período técnico, científico e informacional. Para Haesbaert (2012) em alguns lugares

do mundo a relação de território como fonte de recursos ou apropriação da natureza foi

de certa forma superada, entretanto, em outros o contato com a terra e com o meio se

consolida como condição de sobrevivência, interferindo diretamente nas territorialidades,

como no distrito de Rio das Mortes onde muitos vivem exclusivamente da terra para

geração de renda e trabalho, além de outras relações sociais com a terra, que são

construídas neste lugar em razão do processo de modernização do campo, da

competividade territorial e, do movimento de cooperação – competição.

147

Com os avanços tecnológicos e mudanças políticas no decorrer do século XX,

outra ideia que se propagou foi o discurso do desenvolvimento que seria a panaceia para

toda a miséria da humanidade, isto foi contestado neste trabalho a partir de autores como

Goméz (2006) e Silva (2004), que consideram o desenvolvimento como um mecanismo

utilizado para a manutenção da situação de privilégio dos países centrais. Porém, após a

década de 1990 foi ganhando força no Brasil, as políticas públicas voltadas para o campo,

em especial para a agricultura familiar, voltadas para o desenvolvimento territorial, que

por princípio valoriza os agentes de atuação local, incentivando a interação entre o campo

e a cidade, objetivando gerar renda e trabalho, aumento de produção e, melhoria na

qualidade de vida das populações do campo.

Em 2013, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) era responsável pelo

gerenciamento de doze destas políticas, no entanto, o Ministério foi extinto em 2016.

Estas políticas em sua essência possuem características neoliberais, pois estão centradas

no aumento da produção e, o PRONAF foi a primeira política pública destinada a fornecer

crédito aos agricultores, que precisam empenhar suas terras como garantia de pagamento.

Consideramos que apesar dos problemas, estas políticas públicas devem ser pensadas de

forma unificada, ligadas a outras ações do estado, principalmente ao sistema de ensino

voltado para as populações do campo. A escola como espaço de formação humana e

cidadã, precisa tratar o campo como lugar de vida digna para os sujeitos que, ali reside e

trabalha, para se reproduzirem.

A interação entre cidade e campo na atualidade deve ser colocada como ponto

central para a melhoria na qualidade de vida da população. Para Alentejano (2003), a

reforma agrária deveria buscar resolver também os problemas presentes nos grandes

centros urbanos, como a pobreza e a concentração espacial desordenada. Hespanhol e

Hespanhol (2006) consideram que é importante para os trabalhadores, que ainda vivem

no campo, que aí permaneçam vivendo com qualidade, desempenhando atividades nos

vários setores da economia, uma vez que, os postos de empregos nos grandes centros são

escassos, precários e voláteis.

Constatamos que as relações entre o campo e a cidade mudaram com a

globalização e com o avanço do meio técnico-científico-informacional, mas ainda

existem as diferenciações entre esses dois espaços, mesmo com as fronteiras não estando

mais tão bem definidas e, as especificidades continuem variando de acordo com o lugar.

No distrito estudado nesta pesquisa temos a vila principal, com um número significativo

de moradores que trabalham nas indústrias locais, no comércio e serviços, ou na sede do

148

município, mas que tem um número significativo de propriedades rurais como forma de

renda principal ou secundária.

A própria arquitetura das construções com a predominância de casas de apenas

um pavimento, com as janelas voltadas diretamente para a rua e, quintais com pequenas

hortas e criação de animais domésticos conferem a este lugar uma paisagem diferente da

urbana. Na área entorno da sede, diminuem os que trabalham nos setores secundários e

terciários, acentuando as características do modo de vida rural.

Ainda, com referência à relação entre o campo e a cidade é importante destacar

que as delimitações oficiais entre o que é rural e o que é urbano no Brasil, seguem um

modelo engessado idealizado pelas prefeituras que, de modo geral, consideram a parte

concentrada da sede do município e a vila principal dos distritos como urbanas. Nesta

perspectiva, São João del-Rei, possui uma das sedes distritais com 154 habitantes

considerada como urbana. Entre os diversos problemas estruturais nestas localidades,

destacamos o sistema de ensino que, em várias sedes não oferece todas as etapas da

educação básica, obrigando os alunos utilizarem o transporte escolar, além da priorização

da nucleação escolar e da utilização de salas de aulas multisseriadas, lembrando que as

localidades fora das sedes distritais sofrem ainda mais, principalmente com a tendência

de fechamentos de escolas rurais no município.

Estas escolas erroneamente consideradas como de áreas urbanas, são impedidas

pela legislação de participarem das políticas públicas, voltadas para escolas do campo,

que apesar de escassas, tem pontos interessantes, como o PNLD-Campo que fornece

livros didáticos específicos para as escolas do campo do ensino fundamental para os anos

iniciais, lembrando que além das sedes distritais, pequenos municípios com população,

muitas vezes inferiores a 2.000 habitantes, também são considerados urbanos.

Constatamos que ao longo da história brasileira, o ensino para as populações do

campo sempre foi ignorado, apenas na constituição de 1934 é que se estabelece um

orçamento próprio para este setor, entretanto, para a Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização, Diversidade e Inclusão -SECADI- (2012) não se visava a interiorização

do ensino, o próprio é explícito quanto ao objetivo da política de manter sob controle

tensões e conflitos motivados por questões sociais. Apenas com a constituição de 1988 é

que a educação se torna “direito de todos e dever do estado”, assim a educação em áreas

rurais começa a ser pensada com mais atenção pelo Estado brasileiro.

Com a redemocratização do país e após a nova constituição, ganha força políticas

públicas voltadas para o campo, como transporte escolar, alimentação escolar, livros

149

didáticos específicos (ainda restritos aos anos iniciais do ensino fundamental), além de

resoluções especificas para este público, que utilizaram pela primeira vez a denominação

“Educação do Campo” que é uma demanda principalmente dos movimentos sociais para

construir um sistema de ensino centrado em seus modos de vidas e na realidade do lugar.

Mesmo com os avanços das políticas públicas e das questões legais para este setor,

o que se encontra nas escolas rurais é a presença de um sistema de ensino arquitetado

tendenciosamente para o modo de vida nas cidades. Este ensino institucionalizado

também ocorre no campo através do ato de “obrigar” o aluno do campo a ir para uma

escola urbana o que constitui uma violência.

Fernandes et al. (2008) se referem aos modos mais adotados pelas secretarias de

educação estaduais e municipais para resolver “os problemas” dos alunos do campo,

apontando os principais efeitos desastrosos na vida desses sujeitos ao afirmar que:

Devido à situação geral da educação brasileira hoje, e em particular da

tendência de marginalização das escolas do meio rural, é também um

problema grave o tipo de escola pública oferecida à população do

campo. De modo geral é uma escola relegada ao abandono. Em muitos

estados recebe a infeliz denominação de escolas isoladas. Como

predomina a concepção unilateral da relação cidade-campo, muitas

prefeituras trazem as crianças para as cidades, num trajeto de horas de

viagem por estradas precárias, com a finalidade de reduzir custos, e as

colocam em classes separadas das crianças da cidade, reforçando desta

forma a dicotomia ainda presente no imaginário da sociedade. Ou então

são colocadas na mesma sala, onde são chamadas de atrasadas pelas

colegas, ou mesmo por alguns de seus professores urbanos e, para serem

modernas, passam a assumir valores duvidosos. (FERNANDES et al.

2008)

Com as raras exceções de escolas ligadas a movimentos sociais como o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ou unidades de Escolas Famílias

Agrícolas (EFAs), a grande maioria de escolas destinadas à população do campo segue o

estabelecido em documentos homogeneizadores (com exceção dos anos iniciais para o

ensino fundamental de escolas localizadas no campo, que utilizam livros didáticos

específicos), normatizados no âmbito federal pelos Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCNs) e, como pesquisamos uma escola pertencente ao estado de Minas Gerais, o

documento direcionador dos conteúdos a serem trabalhados são os Conteúdos Básicos

Comuns (CBCs), lembrando que isto ocorre nas unidades localizadas no campo, nas

cidades e nas sedes de distrito.

A E. E. Evandro Ávila, segue estes dois documentos, portanto, as individualidades

dos alunos não são consideradas, embora exista grande diversidade cultural entre eles.

150

Entretanto, apesar de suas limitações, já abordadas neste trabalho, estes documentos não

engessam completamente o processo de ensino e aprendizagem, cabendo a cada escola

elaborar seu Projeto Político-Pedagógico (PPP), que nesta escola é um documento

genérico que não considera as peculiaridades existentes, não propondo nenhuma

alternativa aos possíveis problemas causados pelos dois principais documentos

direcionadores.

Vimos com Mészáros (2005) e Leher (2014) que o sistema de ensino no

capitalismo atua no sentido de manter a produção capitalista e o status quo da classe

dominante, assim qualquer tentativa de mudança significativa nesta lógica, fica presa

nestes interesses, podendo, em determinadas situações, até gerar bons resultados, mas a

essência continua. A falta de interesse da escola em elaborar um PPP condizente com a

realidade social é fruto destes mecanismos que utilizam os documentos direcionadores,

as avaliações de desempenho de docentes e discentes, entre outros, para normatizar e

regular o sistema de ensino, ao apresentar significados e sentidos que não estão voltados

para os interesses da maioria da população, mas isto não anula a importância do professor

pensar sua prática docente, mesmo que individualmente, a partir da realidade social vivida

dos alunos.

O fato é que encontramos na comunidade escolar da E. E. Evandro Ávila no

distrito de Rio das Mortes, na área urbana um grande número de pessoas que trabalham

no setor secundário e terciário da economia, que não atuam no trabalho no campo, por

terem deixado de ver estes espaços como adequados para o sustento da família e lugar de

moradia, pois muitos alunos afirmaram que seus pais possuem propriedades rurais e não

as utilizam para a produção ou utilizam como atividade secundária como relatou um aluno

do terceiro ano: “meu pai tem um terreno perto de goiabeiras, mas por ele ser pequeno

prefere trabalhar como motorista da presidente (empresa de ônibus local) e arrendar a

terra para um vizinho que cria gado”.

Situações de abandono das atividades rurais foram encontradas, tanto na sede do

distrito, como na área rural. Mas, e as novas políticas públicas para a agricultura familiar?

O que encontramos na pesquisa de campo foi a predominância do desconhecimento, por

parte dos alunos, pais e responsáveis, destas políticas, apenas um pai entrevistado que

possui um sítio e, vive exclusivamente dele afirmou conhecer e utilizar algumas, já outros

que não tinham a agropecuária como atividade principal, mas que possuíam propriedades

rurais ou pretendiam ter, não tinham uma compreensão sobre o significados e objetivos

destes programas e, também, não viam relação entre escola e o desenvolvimento da

151

agricultura, além de responderem vagamente à pergunta sobre se, os lugares onde residem

são rurais ou urbanos.

Como vimos no Quadro 02 em 2006 o município de São João del-Rei possuía 814

propriedades rurais (82,4% do total) consideradas como de agricultura familiar, isso

destaca ainda mais o papel que as políticas públicas deveriam ter na manutenção destas

atividades com qualidade e possibilidades de trabalho e produção. Caso contrário, os

novos trabalhadores, com baixa qualificação na maioria dos casos, repetem o mesmo

ciclo: deixarão o campo em busca de emprego na cidade ou nas sedes dos distritos

contribuindo para a reprodução do modelo econômico, social e político. Quebrar esta

repetição exige projetos alternativos, respostas ao desemprego e à exclusão.

Qual a responsabilidade da escola, do ensino para que esta situação exista?

Segundo Vázquez (1977 p. 158/159):

O Iluminismo, e particularmente o alemão, com Goethe, Herder,

concebe a transformação da humanidade como uma vasta empresa de

educação. Essa concepção da transformação educativa da humanidade

tem por base a ideia do homem como ser racional. O progresso da

humanidade exige a dissipação dos preconceitos e o domínio da razão.

Basta iluminar, esclarecer a consciência à luz da razão, para que a

humanidade progrida, entre na idade da razão e viva num mundo

construído de acordo com os princípios racionais. [...] Educar é

transformar a humanidade. [...] Essa concepção da transformação da

sociedade acarreta a ideia do homem como uma matéria passiva que se

deixa modelar pelo meio ou por outros homens. [...] A essa concepção

que se encontra no centro de toda tentativa de transformação da

sociedade pelo caminho pedagógico, e não pelo caminho prático

revolucionário.

Em sua crítica, Marx se refere ao fato de que sendo os professores os responsáveis

pela transformação da humanidade, eles próprios deveriam se transformar, assim sendo

os professores podem ser considerados os sujeitos da história, a partir deste raciocínio

Marx afirma que as condições necessárias para que a transformação aconteça está na

“práxis revolucionária”, nela a transformação do mundo, objeto da ação humana, é

inseparável da transformação do próprio homem. Participar da transformação do mundo

não é uma questão de interpretação, mas de acabar com o que existe, são as revoluções

que constituem a força motriz da história e não a crítica.

Não basta ensinar para conhecer a realidade, é preciso conhecer a realidade

também para transformá-la. Nesta perspectiva, a participação nos novos espaços

socioinstitucionais que democratizam o estado são também válidas, desde que a

transformação seja radical e esteja condicionada a superação das hierarquias, da opressão.

152

Já no final desta pesquisa, uma conversa por acaso em um ponto de ônibus com

um morador do distrito, pessoa idosa já aposentada, foi muito importante para

compreender como as atividades agrícolas deixaram de ser atraentes para parte da

população do distrito e, também evidenciou que o simples fato de se criar políticas

públicas, não resolve estes problemas, pois elas deveriam ser elaboradas, a partir das

diversas realidades existentes, além da necessidade de meios que atraíssem estes sujeitos

para a busca de uma vida digna no campo, onde muitas vezes o modo de produção

tradicional não é mais viável, fazendo-se necessário buscar alternativas, relatando que:

Plantei roça minha vida toda, todo mundo no Rio das Mortes e região

plantava, mas hoje em dia é só boi e eucalipto. Eucalipto dominou tudo,

né? [...] Acontece que os mantimentos hoje em dia são muito baratos,

eu compro um pacote de arroz por dez reais e ele dura quase o mês

todo, mas se eu for plantar e precisar pagar alguém para me ajudar,

eu tenho que vender duas ou três sacas de 60 kg de milho para pagar

um dia de serviço. [...] Ai, hoje lá no Rio das Mortes o pessoal só quer

saber de gado ou eucalipto e a moçada nova está tudo indo para as

fábricas ou para São João del-Rei.

Dar voz aos que foram sempre silenciados nos leva a pensar que o

desenvolvimento territorial é uma estrada possível para nos levar ao desenvolvimento

social que não seja reprodutor de desigualdades.

É evidente que o CBC elaborado para atender todo o estado de Minas Gerais, não

iria conseguir abrigar todas as questões relevantes para determinado lugar, na medida em

que estudar a fundo as políticas públicas de desenvolvimento para o campo em uma escola

da capital mineira não seria de extrema necessidade considerando a carga horária

disponível, nesta situação talvez seria mais viável, por exemplo, o aprofundamento em

políticas de mobilidade urbana, habitação, entre outras. Desde modo, salientamos que o

currículo na educação básica, não pode ser algo fechado, pois cada unidade deveria

completar sua matriz curricular a partir de sua realidade social.

Não se forma um professor para atuar em determinada escola, mas se deve formar

alguém capaz de interpretar a realidade em que está inserido e, a partir disto construir sua

prática docente respaldada oficialmente para uma melhor atuação. Pensando no ensino

de Geografia no distrito de Rio das Mortes, salientamos a importância do aprofundamento

de temas como desenvolvimento e todas as suas qualificações, políticas públicas e a

criação de novos espaços e dinâmicas democrático-participativas através de conceitos

geográficos. Também é interessante contextualizar a outra face do distrito, com suas

indústrias e comércios. O ensino a partir da realidade social poderia conscientizar os

153

alunos e suas representações negativas sobre o campo como lugar de trabalho e vida

digna, pois os empregos urbanos para a maioria da população são de baixa qualificação e

remuneração, quadro diferente da expectativa dos alunos com os quais tivemos contato

em nossa pesquisa de campo, que consideram os empregos urbanos como os únicos

viáveis para seu futuro.

As políticas públicas para a agricultura por si só, não conseguem resolver todos

os problemas do campo, mas não se pode utilizar este argumento para anunciar o seu fim,

pois muitos agricultores conseguiram melhorar significativamente suas vidas a partir

delas, como um pai de aluno já citado neste trabalho, que relatou que os juros baixos em

longo prazo para o pagamento do crédito adquirido através do PRONAF auxiliaram muito

no aumento da produção.

Mas, não basta aumentar a produção, também convém lembrar que a obtenção de

crédito pode ser uma armadilha. O que falta é maior interação entre todas as ações,

políticas e serviços governamentais com todos os setores da comunidade. Combinar

créditos que levem ao desenvolvimento territorial com formação, capacitação

organizacional e assessoria técnica.

As políticas públicas desenvolvidas até 2016 quando ocorreu a extinção do

Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), não significa que estratégias contra

hegemônicas para o desenvolvimento local-regional não possam continuar sendo

construídas pelas forças populares como luta social.

A concepção burguesa de desenvolvimento local tem como centro a delimitação

do território que é o espaço geográfico construído socialmente. É neste espaço

socialmente construído que as forças sociais buscam exercer a política em busca de

consensos para objetivos e estratégias. O território, assim concebido não apresenta os

conflitos que se originam das contradições. Bastaria empoderar as pessoas, construir um

capital social local, fomentar o microempreendedorismo capitalista, individualista e

explorador etc., para magicamente superar o atraso e desmobilizar a militância social para

a luta de classe. O que se tem conseguido é mais miséria, não apenas material.

Entre as muitas concepções de desenvolvimento local, não há possibilidade das

classes populares construírem um projeto popular de poder autônomo. No entanto,

diferentes territórios podem produzir diferentes territorialidades porque são constituídas

de um tecido social complexo cujas tramas têm raízes históricas, configurações políticas

e identidades específicas, portanto, o espaço social do território é histórico, contêm

culturas, políticas, economias.

154

Construir o território significa ter “domínio sobre ele”, o que nos permite

considerar que experiências como orçamento participativo, autogoverno, fóruns,

consórcios e outros podem promover a cidadania, a ação cooperativa e produtiva entre os

trabalhadores, valores humanistas, também construir outros modelos de desenvolvimento

que tenham implicações na geração, apropriação e distribuição da riqueza socialmente

produzida podem ser contrapostos ao modelo dominante, ou seja, podem surgir através

do apoio a experiências locais ou redes alternativas de articulação. Estes outros espaços

de luta devem necessariamente supor que estão em jogo interesses antagônicos, que

necessariamente neste caminho a construção de identidades e de projetos políticos

próprios e contra hegemônicos são fundamentais.

A escola com autonomia teórico-pedagógica é necessária para a construção de

uma ideologia contra hegemônica. O sonho não acabou. As propostas de educação dos

nossos alunos não podem partir de concepções já cristalizadas como sendo de consenso

em relação à formação, ao currículo, à política, etc.

A escola deve se ocupar de outras políticas, das políticas da subjetividade que são

necessárias para se educar, as políticas da racionalidade objetiva são para ensinar porque

a política pública é uma dimensão da cultura em que os nossos valores e símbolos são

projetados sobre o domínio público, produzindo outros modelos, estreitando ou

ampliando horizontes de poder (no limite, como poder-dominação, socialmente

concentrado, ou como poder-potência, socialmente distribuído). (SILVEIRA, 2010 p. 58)

Na medida em que o ensino público está submetido à burocracia que ignora o que

acontece na sala de aula nos tornamos menos autônomos, por isso podemos dizer que a

sala de aula é um espaço de resistência. Não se submeter, “cavando no território do nosso

próprio deserto”, são formas de tornar possível outras estratégias, outras táticas novas,

possibilidades de luta no campo e na educação.

Por fim, este trabalho nos abriu perspectivas para se pensar o currículo em

trabalhos posteriores, um currículo em que a participação da comunidade escolar seja

estimulada, para que suas peculiaridades e demandas sejam valorizadas, não implicando

necessariamente no rompimento com o oficial, ou seja, pensar um currículo que seja o

“documento de identidade” da escola. (SILVA, 2010. p. 150).

155

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163

ANEXOS

Anexo 01

QUESTIONÁRIO A SER APLICADO AOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DA

ESCOLA ESTADUAL EVANDRO ÁVILA

O questionário tem como objetivo, compreender a visão dos alunos sobre o distrito de

Rio das Mortes e o desenvolvimento territorial, contribuindo, assim, para a pesquisa do

mestrando Gabriel Max de Oliveira Dias, vinculada ao Programa de Pós Graduação de

Geografia da Universidade Federal de São João del-Rei. Não é objetivo da pesquisa

realizar qualquer tipo de avaliação sobre os discentes.

1- Qual sua idade? _______

2- Qual o sexo? (a) Masculino (b) Feminino

3- Onde você mora?

_____________________________________________________________________________

4- Você considera a localidade onde mora uma área rural ou urbana? Porque?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

5- Você considera o distrito de Rio das Mortes uma área rural ou urbana? Porque?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

6- Você utiliza o transporte escolar? Como este funciona?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

7- Quais atividades econômicas seus pais ou responsáveis desenvolvem?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

8- Seus pais ou responsáveis possuem alguma propriedade rural? Qual a utilidade desta?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

9- Seus pais ou responsáveis já trabalharam no campo? Explique os motivos.

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

164

10- Seus pais ou responsáveis pensam em voltar a viver ou trabalhar no campo? Explique os

motivos.

_____________________________________________________________________________

11- Você trabalha? Com que você trabalha?

_____________________________________________________________________________

12- Você pensa em trabalhar no campo? Explique os motivos.

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

13- Você pensa em continuar morando próximo ao local em que mora hoje? Explique os

motivos.

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

14- Que tipo de atividade você gostaria de realizar no futuro? Explique os motivos.

_____________________________________________________________________________

15- Para você o que é agricultura familiar?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

16- Para você o que é política pública?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

17- Para você o que é território?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

18- Para você o que é desenvolvimento?

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

19- Você acha que a escola contribui para o desenvolvimento do distrito? Como ela contribui?

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165

20- Você acha que a escola contribui para o desenvolvimento da agricultura no distrito? Como

ela contribui?

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21- A escola contribui para que seus alunos do campo, continuem realizando as atividades de

sua família?

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166

Anexo 02

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA APLICADA AOS PAÍS E

RESPONSÁVEIS.

1- Qual sua idade?

2- Qual sua profissão?

3- Você sempre morou neste local?

4- Você pretende continuar morando nesse local?

5- Você considera o lugar onde mora um bom local para educar seus filhos?

6- Você gostaria que seus filhos continuassem morando próximo de onde vivem hoje?

7- Você pensa em trabalhar no campo?

8- Você gostaria que seus filhos trabalhassem no campo?

9- Você já utilizou algum programa do governo de incentivo à produção agrícola?

10- Como você considera o papel da E. E. Evandro Ávila perante a comunidade?

11- Você acha que a E. E. Evandro Ávila tem um papel importante na preparação de seus

alunos para a vida?

12- Você acha que a E. E. Evandro Ávila contribui para que os alunos que tem uma vida

ligada ao campo, continuem vivendo e trabalhando com dignidade no campo?

13- Você acha que o governo incentiva que as pessoas continuem vivendo no campo?

14- Você sabe o que é crédito rural?

15- Você sabe o que é o PRONAF?

167

Anexo 03

QUESTIONÁRIO A SER APLICADO AOS PROFESSORES DA ESCOLA

ESTADUAL EVANDRO ÁVILA

O questionário tem como objetivo, ajudar na compreensão da visão dos professores sobre

o distrito de Rio das Mortes e o papel da escola para o desenvolvimento do distrito,

contribuindo, assim, para a pesquisa do mestrando Gabriel Max de Oliveira Dias,

vinculada ao Programa de Pós-Graduação de Geografia da Universidade Federal de São

João del-Rei. Não é objetivo da pesquisa realizar qualquer tipo de avaliação sobre o

trabalho docente.

1- Você nasceu ou viveu grande parte de sua vida no distrito de Rio das Mortes?

( ) sim ( ) não

2- Você trabalha em alguma outra escola?

( ) sim ( ) não Qual: __________________________________________________

3- Para você a sede do distrito de Rio das Mortes é uma área?

( ) rural ( ) urbana.

4- Como você considera seu conhecimento sobre o distrito de Rio das Mortes?

( ) inexpressivo ( ) pouco expressivo ( ) expressivo ( ) muito expressivo

5- Você busca contextualizar a realidade local em suas aulas?

( ) Sim ( ) Não ( ) Às vezes

6- Você percebe algum tipo de rixa ou bullying entre os alunos da sede e do entorno do

distrito?

( ) Nunca ( ) pouca frequência ( ) muita frequência ( ) sempre

7- Você acha que os alunos pretendem continuar morando e trabalhando no distrito de

Rio das Mortes (sede e entorno), após o término de seus estudos escolar?

( ) A maioria sim ( ) entorno da metade sim ( ) a maioria não

8- Como você considera a estrutura de esporte, lazer e trabalho do distrito de Rio das

Mortes?

( ) Ótima ( ) boa ( ) regular ( ) ruim

9- Como você considera a relevância da atividade agrícola para o distrito de Rio das

Mortes (sede e entorno)?

( ) Inexpressiva ( ) pouco expressiva ( ) expressiva ( ) muito expressiva

168

10- Qual a importância da agricultura familiar para o distrito de Rio das Mortes?

( ) Inexpressiva ( ) pouco expressiva ( ) expressiva ( ) muito expressiva

11- Como você considera a importância da E. E. Evandro Ávila no desenvolvimento da

agricultura familiar no distrito de Rio das Mortes.

( ) Inexpressiva ( ) pouco expressiva ( ) expressiva ( ) muito expressiva

12- Quais destes assuntos você considera relevante nas atividades escolares, considerando

a vocação agrícola do distrito:

( ) agricultura familiar ( ) desenvolvimento ( ) políticas públicas ( ) território

( ) outros:______________________________________________________________