educaÇÃo: utopia da atualidade brasileira · social atual, norteado de crises históricas e...
TRANSCRIPT
EDUCAÇÃO: UTOPIA DA ATUALIDADE BRASILEIRA
Carolina Pasquini Ribeiro
Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal - SP
"Ao optar por este tema de trabalho, não tive o desejo de esgota-lo, nem me
debrucei ingenuamente julgando-o fácil de ser estudado. Pelo contrário, ciente de
sua complexidade sei que se trata de um tema até certo ponto contundente,
perigoso, principalmente pelo contexto social que estamos inseridos", contexto
rodeado de divergências conceituais, de posições opostas, inúmeras vezes
comparsas da ideologia, da hipocrisia camuflada nas ações de melhoria que na
verdade busca nos tornar robôs programados para só dizer sim, sim à corrupção,
sim à estupidez, sim à covardia.
O problema central deste estudo originou-se de reflexão perante o contexto
social atual, norteado de crises históricas e alucinações perante a utopia e a
realidade, o desejo e a ação, a teoria e a prática.
Sentimo-nos inseguros, necessitando refletir sobre questões básicas para
compreensão da nossa realidade. Questões como: o mundo atual, o progresso, as
chances de realização e o diálogo.
Quanto ao mundo atual - Um reflexo deliberado de homem, homem sem
concepção de vida e de si mesmo, que na busca utópica de melhoria, gera fatos
agravantes de uma crise inerente a toda e qualquer ação humana. Portanto o
homem e suas ações é o nosso mundo atual. Refletir sobre este mundo é deparar-
se com os avanços e tropeços da humanidade, como excesso de informação,
excesso e falta de capital, falta de base familiar, de vivência social, do orgulho, da
intolerância, fatores estes e outros geradores de violência e da ignorância que nos
faz apenas sonhar e não agir conjuntamente com o mundo atual.
Do que se refere ao progresso - Um comodismo tanto do poder quanto da
“base” formadora da humanidade. Progresso que perante tantas conquistas num
processo de apenas ter e não ser, perdeu-se em meio a um labirinto de
assistencialismo, vaidades, leis, capital, doação e roubo. Apesar de termos
2
alavancado como humanidade, portanto progredindo ainda não aprendemos a
utilizar o progresso como realmente este deve nos favorecer.
Sobre as chances de realização - A sociedade por si transmiti-nos o dever de
sermos algo, a melhor colheita de um semeado. Mas nos pulveriza como se
fossemos "ervas daninhas" por tentarmos produzir o que até hoje foi apenas
sonhado, assim, limitando nossas chances de realização pessoal, mas, como diz a
canção “quem sabe faz a hora não espera acontecer”1 estamos regando o nosso
futuro, pois hoje somos jardineiros do jardim da nossa vida.
Finalmente o diálogo - O Rio de Janeiro é um exemplo, a cidade maravilhosa
que deveria dialogar, abençoando-se, agride-se, criança mata criança, o homem se
depreda, a vida morre. Mas será que é porque não sabemos dialogar ou será porque
não aprendemos a aceitar a contradição de objetivos. Se quer olhamos nos olhos,
desejamos um bom dia, dialogamos em meio a gritos, um diálogo agressivo.
Chamou-me a atenção nesta reflexão o fato das pessoas independentemente
de classe social, de grau de escolaridade, de vivência, julgarem que o fator
responsável pelos problemas que encontramos enquanto seres humanos e a
melhoria para tais, seja a educação.
Como podemos observar a preocupação com este fator se faz inerente a
situação nacional a que vivemos, exemplo disso podemos notar no programa de
governo de vários políticos, entre eles o do eleito Presidente da República Luis
Inácio Lula da Silva, ao apontar a educação como uma das condições para o
desenvolvimento sustentável, a distribuição de riquezas e a soberania da nação e
constitui-se a um só tempo, em meio e objetivo do desenvolvimento e diminuição
das desigualdades. A educação contribui de forma decisiva para o exercício pleno
da cidadania e amplia o poder dos cidadãos tanto de compreensão dos vários
setores da sociedade como a cultura e a tecnologia, quanto de interferência nos
rumos do país. A educação também é indispensável para o aumento do valor do
trabalho e da produção em todos os setores, para a busca do equilíbrio ambiental e
para a garantia de outros direitos sociais.
Paralelamente a estas constatações, verifiquei que não temos um objetivo
quanto o que é educação e sua ação, ou melhor, acreditamos que a melhoria para
nossos problemas é a educação, mas não concluímos o que é educação, para tanto
1 Trecho do música "Pra não dizer que não falei das flores" de Geraldo Vandré (1968)
3
nos vemos perdidos em um labirinto do qual tentamos sair da catástrofe social a
qual vivemos cotidianamente; sabendo que o caminho certo se chama educação e
que ao seu final, vemos os sonhos concretizados, por fim a cidadania plena.
Portanto, o que é educação? Qual sua finalidade? Será um horizonte utópico
da necessidade da democracia? Para responder a tais questões vejo necessário
rever e renovar conceitos como de homem e crise para então propor de forma
satisfatória sugestões de como e com qual finalidade deve-se educar. Idéias sobre o
que se anseia ser o verdadeiro sentido de educação se fazem ampla, mas nelas
residem unicamente a utopia, gerada pela necessidade da transformação, do
acreditar.
Neste trabalho tratarei desta realidade baseando-me na história das políticas
educacionais no Brasil, projetos, inúmeras vezes deliberados que marcaram e
marcam a nossa realidade e que me faz concluir que nem tudo o que é visto como
bom, realmente o é, quando não se tem consciência do que realmente se quer para
o outro como individuo social, e assim sendo, parte do mundo.
Como assegura Paulo Freire (1992) “Educação consiste em impregnar a vida
do ser humano de sentidos”. Sentido de ser, de viver, de respeitar, cooperar, sentido
em amar, em crer, em ser cidadão; ou simplesmente que o ser humano seja
impregnado de vontade coletiva de mudança. Ser mais é a vocação básica de todo
ser humano.
Confrontando a origem da palavra crise2, a qual significa purificação e a
maneira pela qual é colocada hoje, fase difícil, grave na evolução das coisas, dos
sentimentos, dos fatos; colapso 3 seja o precursor para a superação da mesma.
Mas convém lembrar que o homem, ser capaz de discernir, conhecer, criar
cultura, é o principal responsável por tal superação. O homem, que como assegura
Freire:
É um ser aberto. Distingue o ontem do hoje. O aqui do ali. Essa
transitividade do homem faz dele um ser diferente. Um ser histórico. Faz
dele um criador de cultura. A posição que ocupa na sua “circunstância” é
uma posição dinâmica. Trava relações com ambas as faces de seu mundo
2 O termo crise designa em sua origem sâncrica: (kri ou hir) desembaraçar (scatter, scattering), purificar (pouring out), limpar. Em grego, crise - krisis, krinein - significa a decisão num juízo. O que se observa no resgate da origem desta categoria crise é que ela comporta um sentido de "purificação" e de "decisão num juízo". 3 Verbete constante o Dicionário da Língua Portuguesa. Aurélio Buarque de Holanda. 2002. p.194.
4
– a natural, para o aparecimento de cujos entes o homem não contribui mas
a que “confere uma significação que varia ao longo da história” e a cultural,
cujos objetos são criação sua. (2003, p.10 apud Corbisier, 1956:190)
Portanto o homem é um ser de relações que se dão através de ações, de
operações, de intervenções e de práticas reais - práticas produtivas, sociais e
simbólicas. Compreender o que é o homem e caracterizá-lo mediante as práticas
que ele desenvolve é fundamental para a organicidade social, pois o indivíduo só é
humano na medida em que pode fazer parte, participar efetivamente nas relações
humanas da sociedade em que vive.
O homem não pode participar ativamente na história, na sociedade, na
transformação da realidade se não for ajudado a tomar consciência da
realidade e da sua própria capacidade para a transformar (...) Ninguém luta
contra forças que não entende, cuja a importância não meça, cujas as
formas e contornos não discirna; (...) Isto é verdade se se refere às forças
da natureza (...) isto também é assim nas forças sociais (...). A realidade
não pode ser modificada se não quando o homem descobre que é
modificável e que ele o pode fazer. (Freire, 1987. p. 48).
Acredita-se que cabe à Educação fazer com que o homem descubra que a
realidade é modificável e que ele o pode fazer, ou seja, cabe a educação perante a
realidade que vivemos levar o indivíduo a refletir e ter consciência de suas ações
visto que:
Educação – [Do latim educatione] Significa ato ou efeito de educar-se.
Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e
do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social:
educação da juventude, educação de adultos; educação de excepcionais. Os
conhecimentos ou aptidões resultantes de tal processo; prepara: É um autodidata:
sua educação resultou de sério esforço pessoal. O cabedal científico e os métodos
empregados na obtenção de tais resultados, instrução, ensino: É uma autoridade em
educação, sendo seus livros largamente adotados. Nível ou tipo de ensino,
educação primária, educação musical, educação sexual, educação religiosa,
educação física. Aperfeiçoamento integral de todas as faculdades humanas.
Conhecimento e prática dos usos da sociedade, civilidade, delicadeza, polidez,
5
cortesia: Vê-se que é pessoa muito educada. Arte de ensinar e adestrar animais,
adestramento: a educação de um cão, de uma foca. Arte de cultivar as plantas e de
as fazer reproduzir nas melhores condições possíveis para se auferirem bons
resultados.4
Educação – é a ação exercida por meio de métodos particulares, com o
objetivo de desenvolvimento ou preparação social, intelectual, moral, física, e afetiva
de uma criança ou jovem. A transmissão da cultura de uma geração para a outra.
Civilidade, nível ou tipo de ensino. 5
Outra definição pode ser mostrada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), nº 9394/96, "a educação, processo formativo que se desenvolve na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e das
manifestações culturais". Ou seja, um processo intencional de formação de cidadãos
e profissionais.
Definições estas que perdem-se perante a complexidade da ação de educar –
não simplesmente transmitir ou mediar letras, números, regras, mas formar cidadãos
capazes de compreenderem a realidade, os fatores que a levaram a posicionar-se
de determinada forma e as ações cabíveis para transforma-la de modo a acolher as
necessidades humanas em sociedade.
“A educação é a prática mais humana”. Portanto o objeto, o meio e a
finalidade da Educação é o homem. E ambos como podemos observar, encontram-
se em uma problemática da origem histórica que desmoraliza toda ação pensada
como transformadora.
No planejamento educacional, assim como em todos os outros campos de
atuação governamental, o combate ao neoliberalismo e aos seus nocivos efeitos
sociais e políticos é uma necessidade urgente, mas esse combate requer a
percepção dos limites, que o capitalismo contemporâneo impõe à manifestação de
ideais progressistas para as políticas públicas. Do contrário, não sobrará um só
político eleito, técnico ocupante de função pública ou intelectual militante, que possa
escapar ao rótulo de neoliberal ou de traidor de nobres ideais. Apresentarão-se
então como sugere Semeraro apud Antônio Gramsci (Conferência ANPED, 2006) os
intelectuais orgânicos, intelectuais que fazem parte de um organismo vivo e em
4 Verbete do Novo Dicionário da Língua Portuguesa – Aurélio Buarque de Holanda – 1986 – p.619 5 Verbete do Dicionário Prático de Pedagogia – 2003 - p. 96
6
expansão, os quais estão conectados com o mundo do trabalho, com organizações
políticas e culturais mais avançadas que a nossa realidade atual, neoliberal,
desenvolve para dirigir a sociedade
Nós somos todos diferentes e a maneira como se reproduzem os seres
vivos é programada para que a sejamos. É por isso que o homem teve a
necessidade, um dia, de fabricar o conceito de igualdade. Se nós fôssemos
todos idênticos, como uma população de bactérias, a idéia de igualdade
seria perfeitamente inútil.6 (Freire, 2003, p.98).
Nossas escolas tentam seguir o modelo norte-americano, “knowledge factory”
(fábrica de conhecimentos). Pablo Gentili, em " Quem ganha e quem perde no
mercado educacional do neoliberalismo" desenvolve uma das mais pertinentes
metáforas a este tema, ao comparar a Educação com o Grupo McDonald's:
Ambos existem para dar conta de duas necessidades fundamentais nas
sociedades modernas: comer e ser socializado escolarmente. Embora a
primeira seja uma necessidade tão antiga quanto a própria Humanidade e a
segunda nem tanto, [...]. Entretanto, aqui, como na produção de toda
mercadoria, o importante não é apenas a coisa produzida (o hambúrguer ou
o conhecimento oficial), mas a forma histórica que adquiri a produção
desses processos, quer se trate da industria da comida rápida, quer se trate
da industria escolar. Isto é, o que unifica os McDonald's e a utopia
educacional dos homens de negócio é que, em ambos, a mercadoria
oferecida deve ser produzida de forma rápida e de acordo com certas e
rigorosas normas de controle da eficiência e da produtividade [...]. O que é
que tudo isso tem a ver com a educação? A resposta é simples: se o
sistema escolar tem que se configurar como mercado educacional, as
escolas devem definir estratégias competitivas para atuar em tais mercados,
conquistando nichos que respondem de forma específica à diversidade
existente nas demandas de consumo por educação. Mcdonaldizar a escola
supõe pensá-la como uma instituição flexível que deve reagir aos estímulos
(os sinais) emitidos por um mercado educacional altamente competitivo. ... (
p.30, 31,32)
6 Jacob, François, “Nous sommes programmés, mais pour apprendre”, Lê Courrier, UNESCO, fevereiro, 1991.
7
Essa longa citação se justifica pelo caráter mercantil que podemos observar
em todas nossas relações, inclusive na educação, que para muitos tornou-se mero
produto de formação de indivíduos com compreensão limitada da realidade, para
atuarem muitas vezes como máquinas na sociedade, ou seja, a escola deve
segundo o sistema neoliberal, adotar o modelo empresarial do Mc Donald's para
solucionar os problemas. Para ter o mesmo sucesso, a escola deve ser rigorosa,
rápida, controlada, eficiente, produtiva, atender a sociedade de acordo com o
momento vivido, acompanhar a tecnologia e o mercado, tendo habilidades e
competências para atuar num mercado altamente seletivo e restrito. Deve promover
prêmios e castigos para estimular seus funcionários, pois quanto mais se produz,
mais se ganha e lucra, valorizar a competição, a luta, o individualismo. O aluno deve
assumir-se como um ganhador. Cada um deve fazer unicamente a sua parte, assim
estará contribuindo para o alcance do sucesso.
Nesta visão, educa-se simplesmente porque o conhecimento transformou-se
na chave de acesso à nova sociedade do saber na qual a escola deve ter por função
a transmissão de competências e habilidades necessárias para que as pessoas
atuem competitivamente num mercado de trabalho altamente seletivo e cada vez
mais restrito, assim sendo garantindo as funções de classificação e hierarquização
dos postulantes empregos.
Mesmo sendo este o pensamento, às vezes indireto, da maioria da nossa
população, atualmente a escola tornou-se a instituição que deve gerar a melhoria do
sistema e porque não de todos os nossos problemas, a escola perdeu-se entre as
necessidades humanas, não temos uma concepção de qual seja realmente seu
papel, apenas julgamos a olho nu, sem análise crítica, se a escola soluciona ou não
determinado problema. Avaliar a escola é avaliar desde quem a compõe até o que é
educação formal, já que este deve ser base de trabalho do que se julga escola.
Escola é aquela que ensina ler e escrever? A ser cidadão?
Para responder a estas questões mais uma vez nos deparamos com o
discurso neoliberal citado inclusive na nossa LDB (Lei de Diretrizes e Base da
Educação Nacional), lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 7, ao visar a
qualificação, a formação para o trabalho, ou seja, a educação tornando-se cursinhos
técnicos - já que para muitos estes suprem todas as necessidades de crescimento
7 Publicada no Diário Oficial da União, de 23 de dezembro de 1996.
8
pessoal, que como aponta esta lei, a qualificação para o trabalho, lei que tem por
função estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional. Estabelece por
exemplo:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na
convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
Art. 2º ..., tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 43. a educação superior tem por finalidade:
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em
setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar
na sua formação contínua;
Podemos observar então a partir destes breves artigos e parágrafos a
preocupação eminente com o trabalho, este sendo considerado o objetivo na
formação do ser humano. Forma-se para ser alguém dentro de uma visão
exclusivamente materialista, podendo dizer, considerando cidadão somente aquele
que obtiver lucro com seus estudos.
Julgando que a escola é a instituição social responsável por levar o homem a
acreditar que a realidade pode ser modificada e que a ele cabe fazê-lo, deparamo-
nos com conjunturas específicas, conteúdos e metodologias, adequação a novas
ideologias, democratização do acesso, gestão democrática, educação de jovens e
adultos, escolaridade reduzida, público versus privado, baixa qualidade de ensino,
despreparo dos educadores, evasão, retenção escolar..., verificam-se as dimensões
que necessitamos transformar, mas as quais nos fazem, no sistema neoliberal o
qual vivemos, acreditar que fazemos tudo para tal transformação, mas que
infelizmente pouco alcançamos.
O problema educacional brasileiro, é de importância incontestável e são
esses que precisam ser vistos com organicidade 8. Precisam ser vistos do ponto de
vista de nossa realidade, infelizmente não da nossa utopia.
8 A respeito desta questão sugere-se Paulo Freire Educação e Atualidade Brasileira, 3ª. ed. - São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2003.
9
É preciso então, que se tenha uma visão histórica, ou seja, no caso deste
trabalho, uma visão histórica do Brasil, como a educação aqui surgiu, como se
desenvolveu e como está hoje, para que, mais uma vez, norteando pelo passado
entenda-se o presente e prepare-se assim a construção do futuro.
Em 1500, os portugueses chegam ao Brasil transformando-o em uma de suas
colônias, o que vincula a história brasileira com a história européia. A colonização é
tida como fonte para expansão comercial, pois os países colonizados eram fonte de
riquezas que levavam ao grande comércio e ao alto consumo. O Brasil, devido a
extração de madeira e depois com grande ênfase na produção açucareira, assume
um modelo latifundiário, escravocrata, monocultor e exportador.
Nessa visão, a educação não era prioridade para o colonizador, pois não se
necessitava de saberes específicos para se trabalhar na agricultura, sendo vista
apenas como agente colonizadora baseada na religião para converter o gentio e
impedir os missionários que, longe de sua pátria, se desviassem da fé católica e do
poder do rei. A Igreja era, dessa forma, submetida ao poder do rei, devendo garantir
a unidade política com base na fé e na consciência.
Com a necessidade da presença da Igreja, desenvolveu-se no Brasil, de
modo significativo, a escola jesuítica. Os jesuítas adentraram o país em 1549,
chefiados por Manuel da Nóbrega, juntamente com o primeiro governador geral
Tomé de Sousa, quinze dias após a sua chegada na recém-fundada cidade de
Salvador. Tem-se início a escola "de ler e escrever", que dá origem mais tarde as
escolas elementares, secundária, seminários e missões por todo o país, até 1759,
quando os jesuítas foram expulsos.
As obras da catequese se iniciavam através do conhecimento dos jesuítas
adaptados ao que encontravam na nova terra, com base também no ratio studiorum.
É fundado o Colégio de São Vicente e depois o Colégio São Paulo, figurando na
coordenação das obras da catequese Manoel de Nóbrega, Alspicueta Navarro e
José de Anchieta.
A educação partia da instrução dos curumins: os padres descobrem que eram
mais fácil conquistar os filhos dos índios para atingir os mais velhos ao invés, de
partir dos adultos. Assim, os padres aprendem o tupi-guarani, que se torna algum
tempo a língua local, sendo substituído pelo português. De inicio, os filhos dos índios
e os filhos dos colonos estudavam juntos, os padres utilizavam como recurso,
10
teatros, músicas e poesias que atraiam as crianças, impunham-se então os
costumes e a religião católica, substituindo-se as canções indígenas por hinos de
louvores, desprezava-se o pajé e os ensinamentos do índios. Ao fim dos
ensinamentos, a ação pedagógica tinha cristianizado o índio tornando-o dócil e apto
para o trabalho.
Já os filhos dos colonos, depois de separarem dos índios e saindo das
escolas "de ler e escrever", tinham que continuar a se dedicar aos estudos e à
formação tendo pela frente três cursos a escolher: Letras Humanas para ser
humanista, Filosofia e Ciência para filósofo e Teologia e Ciência para teólogo, após
o curso de artes, os alunos podiam seguir com a Teologia para ser padre ou seguir
as carreiras profanas. Mantendo a submissão e o domínio político, os jesuítas
conquistavam também o colono pela sua família e pelos escravos. Segundo a
tradição, o primogênito do colono seria o herdeiro, o do meio doutor que ia estudar
fora e o caçula, padre.
Quando os jesuítas são expulsos, o Marquês de Pombal dá início a
elaboração do ensino público, leigo e universal de acordo com as idéias iluministas,
mas, com a vinda da Família Real para a colônia, a educação não se altera,
permanecendo o modelo do início do descobrimento, a ênfase na escola superior e
a única novidade é o ensino profissional para os órfãos.
Mas os grandes marcos da educação brasileira ocorreram no século XX e
acompanhando o desenvolvimento do país e do mundo em todos os setores. O
relato a seguir foi baseado nas informações publicadas pela Revista Nova Escola
(BENCINI, 2005, p. 45) que veio relembrar a trajetória da história educacional
brasileira:
� Década de 30 - No Brasil historicamente, a educação passa a despertar
maior atenção a partir desta década, quer pelos movimentos dos
educadores, quer pelas iniciativas governamentais. O Brasil era pré-
capitalista, de economia agrária; a modernidade se inicia com Getúlio
Vargas no poder. Cria-se em 1930 o MEC; em 1932 é assinado o
Manifesto dos Pioneiros da Educação que defende o ensino público,
laico e integral. Em 1934, a Constituição Federal estipula pela primeira
vez a educação para todos; em 1937, com o golpe de Vargas,
interrompem-se as mudanças educacionais, impulsionando-se a
11
criação do magistério e a reorganização da escola secundária; e, por
fim, em 1938, cria-se a UNE (União Nacional dos Estudantes). Ainda
nessa época, a educação se vê a frente de três modelos de influência:
o comunismo da Rússia, o fascismo da Itália de Mussolini e o Nazismo
da Alemanha de Hitler. No Brasil, é escolhido como modelo
educacional o modelo Nazista guiado pelo ministro mineiro Francisco
Campos, com a fundação do grupo escolar baseado no campo de
concentração, tanto em postura como em regras, disciplina, seleção e
repressão, que duraram 40 anos.
� Década de 40 - de 1942 à 1946, a escola secundária passa a ser
formada pelo ginásio de quatro anos e colegial de três anos dividido em
curso clássico e cientifico, dando-se destaque ao ensino
profissionalizante mantido pelo Estado e a separação entre colégio
masculino e feminino.
� Década de 50 - é marcada pela elaboração da cartilha Caminho Suave
de Branca Alves de Lima, e pela divulgação do Manifesto dos
Educadores, criticando o conservadorismo da Igreja sobre a educação
e apoiando a escola privada. Nossa República que até e então já havia
sido República Velha, dos Coronéis, Fazendeiros, Café-com-Leite,
Oligarquia e Nova, com a era Vargas passa por uma redemocratização,
chegando a 1960.
� Década de 60 - é promulgada a LDB, em 1961, determinando as
necessidades de exames de admissão para o ginasial. Em 1962, surge
o método Paulo Freire valorizando a cultura do aluno para conscientizá-
lo da política e para a aprendizagem; atravessa-se o Golpe Militar de
1964 com a Ditadura que impõe o civismo na educação e, em 1967, a
nova Constituição pela primeira vez estabelece a obrigatoriedade do
ensino até os quatorze anos, surgindo também o MOBRAL para
combater o analfabetismo. Em 1968, surge a revolta estudantil com
exigência de vagas em Universidades e o fim da Ditadura Militar e, em
1969, a lei estipula disciplinas de Moral e Cívica no primário,
12
Organização Social Política Brasileira (OSPB) no Ensino Médio e
Estudo de Problemas Brasileiros (EPB) no Superior.
� Década de 70 - Em 1971, ocorre a reforma do Ensino Médio . Agora a
obrigatoriedade do ensino passa para oito anos e o currículo passa a
abranger os conteúdos gerais e a habilitação profissional, tornam-se
obrigatórias as disciplinas de Artes, Programas de Saúde e Religião.
Neste mesmo ano, Jarbas Passarinho adere ao modelo norte-
americano assinando a lei 5692/71 passando-se a preparar para o
trabalho e civilidade social. Deixa-se de produzir cultura, diminui-se o
conteúdo e adota-se uma preparação mais burocrática para o mercado
de trabalho. Em 1978, os professores se mobilizam para reivindicar
melhores salários, a regulamentação da carreira de magistério e das
condições de serviço, e em 1979, dá-se a anistia aos políticos
exilados.
� Década de 80 - Em 1982, o ensino profissionalizante deixa de ser
obrigatório no Ensino Médio, surgindo a disciplina Filosofia como opção
do ensino. Instalam-se a Nova República de Tancredo - Sarney e as
Diretas-Já, em 1985, destitui-se o MOBRAL, surgindo o Projeto Educar.
Nessa mesma época luta-se por uma nova educação e uma nova LDB,
com debates presididos por Dermerval Saviani e participação de Darcy
Ribeiro. E em 1988 é promulgada a Constituição Federal do Brasil.
� Década de 90 - Vem a República "moderna" e com influência da
globalização e do neoliberalismo de Collor que em 1992 com a
mobilização estudantil, sofre o impeachment assumindo o governo
Itamar Franco. Nesse mesmo ano, as disciplinas de OSPB e EPB
deixam de ser obrigatórias do nível médio e superior. Surge a era FHC
com a República Tecnocrática das financeirizações, importações e das
privatizações. Em 1995, o MEC funda a TV escola, a fim de promover a
atualização de professores, cria o sistema de avaliação do ensino
Básico e o Exame Nacional de Cursos. Em 1996, ocorre uma nova
reforma educacional tendo desta vez os modelos franceses de alto
13
investimento educacional e o espanhol, sendo este o adotado por
Paulo Renato, com essa reforma surgem os PCNs e os RCNEIs (1997),
os temas transversais, a TV Futura seguidos de falhas, pois são
vetados os temas meio ambiente, filosofia, e orientação sexual.
Também no mesmo ano é criado o FUNDEF e é aprovada a nova LDB,
agora LDBEN 9394/96. Em 1998, cria-se o Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM).
� E por fim, nesse início de século, em 2001 cria-se o Bolsa escola, que
vincula um benefício monetário para as famílias com renda inferior a
noventa reais mensais de acordo com a presença da criança na escola.
Historicamente apresentou-se a educação como uma espécie de tábua de
salvação para os problemas nacionais, para o sistema educacional. Mas existe um
sistema educacional no Brasil? Já que, segundo Saviani(2000), todas as soluções
apresentadas até hoje, salvo raras exceções foram transplantadas, sem levar em
conta as exigências reais da situação ou improvisadas, o que caracteriza a falta de
planejamento, que cada vez mais enfraquece as esperanças depositadas na
educação. Ora, se a educação brasileira se baseia em "teorias", métodos e técnicas
importados ou improvisados, isto significa que o Brasil não tem sistema educacional.
Mas não podemos aceitar a inexistência de um sistema brasileiro de educação sem
analisar este problema, visto que isto gera uma mudança na atitude dos educadores,
os quais tendem a deixar de pressupor um sistema e encarar a sua construção
como uma tarefa urgente.
Apesar de vivermos em um tempo de mudanças (estruturais e conjunturais)
que ocorrem em todos os níveis - social, político, econômico, ambiental, cultural,
religioso. Constata-se a crise da razão, da fé e da ciência. Avanços, progressos,
aperfeiçoamento tecnológico, capacidade de produção de bens, ressurgimento da
fé, entre outros aspectos poderiam voltar-se como uma resposta negativa sobre a
crise que vivemos, vivemos uma crise? Sim ou não? Todos esses aspectos se não
analisados apontam que não, mas infelizmente o homem perdeu-se entre suas
conquistas e o sistema neoliberal ao qual se encontra. As referências mudaram, os
valores, os conceitos, o discurso, mas permaneceu a utopia na melhoria. Como
lembra Barbosa apud Santos:
14
A globalização como agora se manifesta em todas as partes do planeta,
funda-se em novos sistemas de referência, em que nações clássicas, como
a democracia, a república, a cidadania, e individualidade forte, constituem
matéria predileta do marketing político, mas, graças a um jogo de espelhos
apenas aparecem como retória, enquanto são outros valores da nova ética,
fundada num discurso enganoso , mas avassalador. (2006, p. 97)
A influência do mercado de trabalho e da questão econômica é significativa e
ampla, decorrente do modelo neoliberal que segundo Silva e Gentili (1996), busca
uma educação semelhante ao mercado de trabalho com base nos seus ideais,
valores, características e tendo como meta o sucesso mesmo que para poucos, sem
visar à qualidade dos resultados, mas a quantidade dos mesmos, estabelecendo
como nociva a presença do Estado.
A escola se expande rapidamente, sem garantir a eficácia e produtividade, o
que resulta numa crise de qualidade, improdutividade, ineficácia e incompetência
dos profissionais, gerando exclusão e descriminação, fator que contribui para a
evasão, a repetência e o analfabetismo, necessitando mudar a gestão, o currículo e
o perfil do professor.
O grande desafio hoje é lutar contra o modelo neoliberal, desarticular tal
modelo com criticidade, inteligência, sendo ativo e conquistando a cidadania que só
terá êxito numa sociedade democrática e igualitária, na qual, a educação deve atuar
sobre o conhecimento crítico e cientifico, levando o homem a compreender sua
existência e sua realidade, sendo sujeito dela. Deve-se recuperar os valores da
solidariedade, para isso a escola necessita compreender o ato de educar como uma
aprendizagem que se incorpora na medida em que se elabora.
Apesar de muitos projetos, ações, buscarem superar a crise educacional que
vivemos foram criadas nestas últimas décadas. Apesar destas ações, ainda não
acertamos, e como não acertamos com os caminhos tradicionais, nosso sistema
tornou-se permeável a toda sorte de inovação. Num Brasil, atrasado em sua
educação, vale tudo para encontrar uma fórmula salvadora, mas essa realidade
começa a ser modificada e algumas conquistas vão dando os contornos de um novo
cenário que se destaca como possibilidade de um novo tempo eticamente
aperfeiçoado, esteticamente avançado e democraticamente participativo. Como
15
exemplo, podemos citar o processo de aprimoramento da democracia, a estabilidade
econômica, etc.
Essas mudanças precisam, antes de tudo, ter de fato como ponto de partida o
que há muito tempo se espera da educação: que seja universal, leiga, gratuita, de
competência do Estado, e que faça do homem sujeito do processo, capaz de
superar o dualismo, socializar o saber e popularizar a cultura, assim sendo,
deixando de ser elitista, se preocupando com a qualidade ao invés da quantidade,
unindo teoria e prática, trabalho manual e intelectual, superando a dicotomia entre
cultura erudita e popular.
Este trabalho visa questionar a concepção de Educação, levando como
problemática os projetos de mudanças perdidos entre diversas concepções que
apenas sonham, mas coletivamente não se movem objetivando o que seja educação
e como esta é subsidio da mudança, parece incoerente trazer dados de pesquisas -
neoliberais - que visam inúmeras vezes apenas mostrar índices de comparação
entre realidades extremas. Mas estou ciente que para transformar a sociedade que
vivemos devemos levar nossos alunos a adquirir estas competências básicas.
Sabe-se que as relações interpessoais, a forma de lidar com o aprendizado
constante e as melhores posturas ao mercado de trabalho são habilidades e
competências potencialmente desenvolvidas durante a infância e a adolescência,
ainda no período da educação básica. Por esse motivo a Unesco estabeleceu, em
1996, os quatro pilares da educação9 :
� Aprender a conhecer: ou ter capacidade plena de compreensão; visa
não só a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas o
domínio dos próprios instrumentos do conhecimento, como um meio e
como uma finalidade da vida humana. Meio, no qual pretende-se que
cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na
medida em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para
desenvolver as suas capacidades profissionais, para comunicar-se.
Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de
conhecer, de descobrir. O aumento dos saberes, que permite
9 A Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, coordenado então por Jacques Delors e texto publicado na obra Um tesouro a descobrir, estabeleceu um relatório para a Unesco na qual cobstam os quatro pilares.
16
compreender melhor o ambiente sob os seus diversos aspectos,
favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido
crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição de
autonomia na capacidade de discernir.
� Aprender a fazer: para poder interferir no meio em que se está inserido;
Aprender a conhecer e aprender a fazer são indissociáveis. Mas a
segunda aprendizagem está mais estreitamente ligada à questão da
formação profissional: como ensinar o aluno a pôr em prática os seus
conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao trabalho
futuro quando não se pode prever qual será a sua evolução? De fato,
nas sociedades assalariadas que se desenvolveram ao longo do século
XX, a partir do modelo industrial, a substituição do trabalho humano
pelas máquinas tornou-o cada vez mais imaterial e acentuou o caráter
cognitivo das tarefas, mesmo na indústria, assim como a importância
dos serviços na atividade econômica. O futuro destas economias
depende, aliás, da sua capacidade de transformar o progresso dos
conhecimentos em inovações geradoras de novas empresas e de
novos empregos. Aprender a fazer não pode continuar a ter o
significado simples de preparar alguém para uma tarefa material bem
determinada, para fazê-lo participar no fabrico de alguma coisa. Como
conseqüência, as aprendizagens devem evoluir e não podem mais ser
consideradas como simples transmissão de práticas mais ou menos
rotineiras, embora estas continuem a ter um valor formativo que não é
de desprezar.
� Aprender a viver juntos: a fim de desenvolver atividades em conjunto
com terceiros; Sem dúvida, esta aprendizagem representa, hoje em dia,
um dos maiores desafios da educação. O mundo atual é, muitas vezes,
um mundo de violência que se opõe à esperança posta por alguns no
progresso da humanidade. A história humana sempre foi conflituosa,
mas há elementos novos que acentuam o perigo e, especialmente, o
extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade no
decorrer do século XX. A opinião pública, através dos meios de
17
comunicação social, torna-se observadora impotente e até refém dos
que criam ou mantêm os conflitos. Até agora, a educação não pôde
fazer grande coisa para modificar esta situação real. Poderemos
conceber uma educação capaz de evitar os conflitos,ou de os resolver
de maneira pacífica, desenvolvendo o conhecimento dos outros, das
suas culturas, da sua espiritualidade? É de louvar a idéia de ensinar a
não-violência na escola, mesmo que apenas constitua um instrumento,
entre outros, para lutar contra os preconceitos geradores de conflitos. A
tarefa é árdua porque, muito naturalmente, os seres humanos têm
tendência a supervalorizar as suas qualidades e as do grupo a que
pertencem, e a alimentar preconceitos desfavoráveis em relação aos
outros. Por outro lado, o clima geral de concorrência que caracteriza,
atualmente, a atividade econômica no interior de cada país, e
sobretudo em nível internacional, tem tendência de dar prioridade ao
espírito de competição e ao sucesso individual. De fato, esta
competição resulta, atualmente, numa guerra econômica implacável e
numa tensão entre os mais favorecidos e os pobres, que divide as
nações do mundo e exacerba as rivalidades históricas. Que fazer para
melhorar a situação? Num primeiro nível, a descobrir progressivamente
o outro. Num segundo nível, e ao longo de toda a vida, a participação
em projetos comuns, que parece ser um método eficaz para evitar ou
resolver conflitos latentes.
� Aprender a ser: elemento que integra os outros três, desvelando seus
pontos de contato; Todo o ser humano deve ser preparado,
especialmente graças à educação que recebe na juventude, para
elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus
próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como
agir nas diferentes circunstâncias da vida. Mais do que preparar as
crianças para uma dada sociedade, o problema será, então, fornecer-
lhes constantemente forças e referências intelectuais que lhes
permitam compreender o mundo que as rodeia e comportar-se nele
como atores responsáveis e justos. Mais do que nunca a educação
parece ter, como papel essencial, conferir a todos os seres humanos a
18
liberdade de pensamento, discernimento, sentimentos e imaginação de
que necessitam para desenvolver os seus talentos e permanecerem,
tanto quanto possível, donos do seu próprio destino.
Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o
acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa
conceber a educação como um todo. Esta perspectiva deve, no futuro, inspirar e
orientar as reformas educativas, tanto em nível da elaboração de programas como
da definição de novas políticas pedagógicas, que faz com que os envolvidos em
educar se questionem o quanto a escola está colaborando para esse tipo de
formação. Os elementos descritos interferem diretamente na formação como devem
se pensar a pedagogia e as competências chaves a serem assimiladas pelos
alunos. Dez anos se passaram desde a publicação dos quatro pilares, mas nem
todas as escolas o utilizam como referência. A principal razão disso é a dificuldade
de superação do modelo tradicional da escola. Já que vivência com os quatro
pilares, confere à instituição educacional a responsabilidade de se transformar em
um espaço de socialização e participação coletiva na construção do conhecimento.
Enfrentar esse desafio parece, muitas vezes, uma tarefa impossível. A boa
notícia é que cada vez mais gente está percebendo isso e se mobilizando para
mudar essa situação dramática. No início de setembro, um grupo de empresários e
líderes políticos lançaram (com grande apoio de jornais e emissoras de rádio e TV) o
compromisso "Todos pela Educação". Foram apresentadas cinco metas a serem
atingidas até 7 de setembro de 2022, o ano do bicentenário da Independência:
� Toda criança e jovem de 4 a 17 anos estará na escola;
� Toda criança de 8 anos saberá ler e escrever;
� Todo aluno aprenderá o que é apropriado para a sua série;
� Todos os alunos vão concluir o Ensino Fundamental e o Médio;
O investimento na Educação Básica será garantido e bem gerido.
No bicentenário da Independência, o cenário educacional pode ser o mesmo
de hoje ou não. Mudar essa situação caótica é uma decisão de todos os cidadãos -
e não só de empresários e dirigentes políticos, mas de diretores de escola, pais,
professores, comunidades, por fim da sociedade.
19
Junto a essas questões é marcante também a não participação do governo,
que não qualifica a educação, como indicado acima, desvaloriza o profissional, não
segue apenas um plano amplo e consciente, mas planos diversos, cópias
deliberadas de projetos educacionais de países de primeiro mundo - ações que
apenas a realidade deles obtém satisfação em seus objetivos.
Enfrentar este desafio, parece muitas vezes, uma tarefa impossível. Mas a
verdade é uma só: assim como está não dá para continuar. Como assegura Demo,
mantenho ao fundo incansavelmente o horizonte da “política social do
conhecimento” ou saber pensar, como estratégia crucial de um combate à pobreza
da população. (2005, p.101)
Todos esses dados precisam ser transformados pelos interessados e
envolvidos, como sindicatos, associações de bairros, partidos políticos e a todos que
possam pressionar os órgãos competentes e o povo exercendo seus direitos e
deveres de cidadão ativo e participativo. Mas, que fatores favoráveis para continuar
a acreditar, a querer transformar, possuímos? Paulo Freire é a grande referência
internacional em programa de alfabetização de adultos. O modelo do Senai (Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial) foi copiado em quase toda América Latina e
continua imbatível. O Brasil foi pioneiro no uso do rádio para o ensino e, junto com o
México, é líder na TV educativa. O programa de reforma educativa de Minas Gerais
aparece em vários livros estrangeiros e serve de exemplo de como é possível dar
um grande salto em pouco tempo. O Provão (Exame Nacional de Cursos) aplicado
com objetivo de avaliar os cursos de graduação no que tange aos resultados dos
processos de ensino e aprendizagem, foi um programa único no mundo, invejado
pelos educadores estrangeiros.
Assim sendo, o sistema educacional brasileiro vêm, ao longo dos anos,
buscando solucionar determinados problemas e, assim, causando outros, gerando
uma crise estrutural e pedagógica no país. Fator este que segundo Saviani (2000,
p.2) deve-se a maneira como vemos a educação; " Isto porque, se por um lado, ela
se constitui possível ponto de rompimento do chamado " círculo vicioso" do
subdesenvolvimento, por outro lado, ela própria se apresenta como que encerrada
dentro do mesmo "círculo". Daí, as deficiências do processo educacional,
constantemente apontadas, raramente sanadas e frequentemente agravadas.
20
Mas, cabe-nos observar que não se compreende a escola fora do contexto
social e econômico em que está inserida. Sempre que se exige a mudança da
escola, a própria sociedade, em transição, precisa de outro tipo de educação.
Desde os mais remotos tempos, ouvimos idéias desanimadoras, mas
pertinentes à nossa realidade. Comenius enunciou:
Durante mais de cem anos lamentou-se muito o método desorganizado
utilizado nas direções das escolas; nos últimos trinta anos pensou-se
frequentemente também nas soluções. Com que resultados? As escolas,
em todos os lugares continuaram as mesmas. Se alguém isoladamente
tentou alguma novidade em determinada escola, pouco progrediu: acolhido
com sarcasmo pelos ignorantes ou invejados pelos malévolos, terá
sucumbido ao peso dos esforços e a falta de ajuda, motivo pelo qual até
agora foi baldado”. (1997, p.371)
Durante as últimas décadas, pensou-se e ainda hoje acredita-se que a
educação é um dos principais instrumentos para impulsionar o desenvolvimento
econômico-social, de maneira que se pode, por meio dela, reduzir desigualdades e
superar as condições de pobreza extrema, presente na sociedade.
Vivemos em um tempo de mudanças profundas, que ocorrem em todos os
níveis - social, político, econômico, ambiental, cultural, religioso. Ideologicamente
nos vemos situados em uma crise profunda de eficiência e produtividade, mais do
que em uma crise de quantidade, universalização e extensão. Usando o termo
técnico ou conceito de T. Kuhn, vivemos uma crise dos paradigmas.
Procura-se resolver a situação pensando-se em gerenciamento, não em
democratização. Como assegura Saviani, a educação emerge ai como um
instrumento de correção dessas distorções; constitui pois uma força
homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais, promover a coesão
e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social (2001, p.4).
Devemos deixar de lado, como nos avisa Cortella (2001), otimismos e
pessimismos ingênuos, de ver a educação como alavanca do desenvolvimento e do
progresso, como se a ela coubesse um missão salvívica, nem pensar que ela nada
pode para nos ajudar a superar e transformar nossos problemas em melhorias.
Já em 1959, Paulo Freire fez uma afirmação significativa sobre esta
possibilidade de mudança em Educação e atualidade social:
21
Nunca, no Brasil, teremos vivido condições mais propícias para uma revisão
de nossa educação em termos de autenticidade, como as de hoje, apesar
de todas as contradições que vêm caracterizando a nossa atualidade. Uma
das tarefas, aliás, da educação de que processamos, será mesmo diminuir
e até superar algumas das antinomias desta atualidade.10
Hoje, 2006, nos vemos com as mesmas condições, mais será que
conseguiremos diminuir ou superar as antinomias atuais? Essa implicitação nos leva
a ter uma atitude de realização crítica e otimismo prático, ou seja, temos que
aprender a olhar criticamente a realidade, mas ao mesmo tempo, não perder a
capacidade de vislumbrar a esperança e brechas de transformação que à prática
cotidiana nos possibilita.
Das análises que fizemos podemos concluir que educação se dá há todo
momento, mas que acreditamos que a educação responsável por nos levar a
alcançar êxito perante a situação complexa que vivemos é a educação formal, ou
seja, a que a escola nos oferece. E que esta só levará o homem a superar-se na
medida que o próprio homem faça com que ela deixe de ser um emaranhado de
pensamentos, sonhos, parados no tempo atrelados a didáticas tradicionais, porque
não dizer imbecilizantes, e passe a ser como assegura Paulo Freire (1992) um ato
que consiste em impregnar a vida humana de sentidos.
Podemos então concluir que por mais que nossa realidade nos faça acreditar
que não podemos ser capazes, depende de nós sermos responsáveis por nossa
transformação e libertarmo-nos em comunhão. Ao concluir este trabalho sobre
educação utopia da atualidade brasileira, estamos cientes que educação não é tudo
mas que sem ela nada pode ser feito, assim sendo, transformar a realidade tem
muito a ver com educação, para tanto devemos crer que como disse Paulo Freire o
mundo não é, o mundo está sendo, e para transformar devemos deixar de ter medo
da liberdade.
10 " Tese de concurso para a cadeira de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas-Artes de Pernambuco".
22
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, C; GENTILI, P. Educar na esperança em tempos de desencantos. 4ª
ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes,2003.
ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando - Introdução à Filosofia. 3ª ed.
São Paulo: Moderna, 2003.
ARANHA, M. L. A. História da Educação. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna,
1996.
BARBOSA, V. Da ética da libertação à ética do cuidado: uma leitura a partir do
pensamento de Leonardo Boff. Campinas: [s.n.], 2006.
BENCINI, R. Memória viva da educação. Revista nova escola. São Paulo, nº 186,
outubro 2005. p. 45-53.
BRASIL.Constituição da República Federativa. São Paulo: Imprensa Oficial,1988.
_______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. São Paulo: Imprensa
Oficial,1996.
_______. Ministério da Educação e do Desporto. Plano Decenal de Educação para
Todos. Brasilia: MEC,1993.
COMENIUS. Didática magna; trad: Ivone Castilho Benedetti. 1ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
CORTELLA, M. S. A escola e o conhecimento - fundamentos epistemológicos e
políticos. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
DELORS, J. Educação um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da
comissão internacional sobre educação para o século XXI. São Paulo: Cortez, 1997.
23
DEMO, P. A. Educação do Futuro e o Futuro da Educação. Campinas: Autores
Associados, 2005.
DIMENSTEIN, G. O cidadão de papel. 20ª ed. São Paulo: Ática, 2002.
FERREIRA, A. B. H. Mini dicionário da língua portuguesa. 4ª ed. rev. ampliada.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
FREIRE, P. Educação e Atualidade Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.
_________. Educação e Mudança. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1981.
_________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
17ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
_________. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do
oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
_________. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
LOMBARDI, J. C. et al. O público e o privado na história da educação brasileira:
concepções e práticas educativas. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR;
UNISAL, 2005.
MANACORDA, M. A. História da educação - da antiguidade aos nossos dias. 8ª ed.
São Paulo: Cortez, 2000.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª ed. São Paulo:
Cortez; Brasília, DF: UNESCO,2000.
NASCIMENTO, M. I. M.; LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D. (Orgs). VII Seminário
Nacional do HISTEDBR. Campinas: Graf. FE: HISTEDBR, 2006
PARO, V. H. Escritos sobre educação. 1ª ed. São Paulo: Xamã, 2001.
24
QUEIROZ, T. D. (Org). Dicionário prático de pedagogia. 1ª ed. São Paulo: Rideel,
2003.
RIOS, T. A. Ética e competência. 14ªed. São Paulo: Cortez, 2004.
SAVIANI, D. Educação brasileira: estrutura e sistema. 8ª ed. Campinas: Autores
Associados, 2000.
_________.Escola e democracia. 34ª ed. rev.. Campinas: Autores
Associados,2001.
_________. Política e educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na
legislação do ensino. 6ª ed. Campinas: Autores Associados, 2006
SEMERARO, G. Conferência apresentada na ANPED (Associação Nacional de Pós-
graduação e Pesquisa em Educação) "Intelectuais 'Orgânicos': atualidade e
contraponto", 2006.
SEVERINO, A. J.; FAZENDA, I. C. A. (Orgs). Políticas Educacionais: o ensino
nacional em questão. Campinas: Papirus, 2003.
SILVA, T. T. da; GENTILI, P. (Orgs). Neoliberalismo, Qualidade Total e Educação.
Visões Criticas. Rio de Janeiro: Vozes.1994.
____________________________. Escola S. A. - Quem ganha e quem perde
com o neoliberalismo. Brasilia, DF: CNTE, 1996.