educaÇÃo a distÂncia: um mundo sem...
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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E INOVAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
AMANDA PIRES CHAVES
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM MUNDO SEM ROSTO
SOROCABA/SP
2018
AMANDA PIRES CHAVES
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM MUNDO SEM ROSTO
Tese apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Pedro L. Goergen
SOROCABA/SP
2018
Ficha Catalográfica
Chaves, Amanda Pires C438e Educação a distância: um mundo sem rosto / Amanda Pires
Chaves. -- 2018. 198 f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Pedro L. Goergen
Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de Sorocaba, Sorocaba, SP, 2018.
1. Ensino superior – Brasil – Inovações tecnológicas. 2. Ensino a
distância – Brasil. 3. Tecnologia educacional. I. Goergen, Pedro, orient.
II. Universidade de Sorocaba. III. Título.
AMANDA PIRES CHAVES
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM MUNDO SEM ROSTO
Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba. Aprovada em: 18/12/2018
Banca Examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Pedro Laudinor Goergen
Universidade de Sorocaba
Profª Drª Eliete Jussara Nogueira
Universidade de Sorocaba
Prof. Dr. Pedro Angelo Pagni
Universidade Estadual Paulista
Prof. Dr. Divino José da Silva
Universidade Estadual Paulista
Prof. Dr. Paulo Celso da Silva
Universidade de Sorocaba
Dedico esta tese aos meus amados pais, Paulo e Angela, que
com dignidade me educaram no caminho da fé e do amor; aos
meus queridos irmãos, Vinícius e Felipe, que com carinho e
amizade me mostraram o sentido da vida em união e
cumplicidade. Sem vocês esta caminhada não seria possível.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à Deus, pois quando mais precisei, Ele estava comigo,
me dando esperança, força e sabedoria.
Aos meus pais, Paulo e Angela, e aos meus irmãos, Vinícius e Felipe, que são
os maiores incentivadores dos meus estudos e da minha formação. Obrigada pelo
infinito amor, pelos momentos de alegria, pelas palavras e ações de incentivo.
Às minhas avós Yolanda e Maria de Lourdes (In Memoriam) e às minhas tias
avós Ana e Alzira, pelas orações e palavras afetuosas de carinho, que mesmo
distantes, estavam próximas, em meu coração.
Ao meu noivo Marcos, que com amor se dedicou, teve paciência e me deu
apoio para que eu perseverasse na minha jornada de formação.
Aos amados amigos, Jéssica Maria e Rafael Espindola pelas infinitas
conversas e sábios conselhos.
Ao meu orientador Prof. Dr. Pedro Goergen pela amizade e confiança que
sempre depositou em mim.
Aos professores, membros da banca examinadora, Profª Drª Eliete Jussara
Nogueira, Prof. Dr. Pedro Pagni, Prof. Dr. Divino José da Silva e Prof. Dr. Paulo Celso
da Silva pelas contribuições ao trabalho.
Aos colegas do Programa, Rosa Virginia, Rafael Moreno e Leo Victorino que
não mediram esforços para me ajudar e apoiar quando eu precisava de auxílio.
À Universidade de Sorocaba, por oferecer este Programa de Pós-graduação
em Educação, que contribuiu, imensamente, para minha formação docente.
À Capes pela bolsa concedida para a realização dessa pesquisa.
Então ouvi a voz do Senhor, conclamando: "Quem enviarei? Quem irá por nós?"
E eu respondi: Eis-me aqui. Envia-me!
Isaías 6,8.
RESUMO
A sociedade contemporânea está marcada por situações paradoxais - ora de indiferença e intolerância ao Outro, ora de respeito e luta por direitos iguais. Nesse contexto, marcado por conflituosas transformações sociais, culturais e políticas, caracterizado pela presença e/ou não-presença dos indivíduos, a questão da alteridade e da ética se impõe como tema de incontestável importância para as áreas de filosofia, sociologia, história e, com igual urgência, para a educação. Com o advento da racionalidade e, em seu transcurso, os avanços da ciência e tecnologia, tanto a sociedade, quanto a escola foram afetadas por um novo modelo de racionalidade articulado, na sua versão mais atual, com a lógica e as exigências do mercado. Os avanços tecnológicos aplicados à comunicação permitiram o surgimento da Educação a Distância (EaD). A partir da segunda metade do século XX, implementou-se a EaD no contexto mundial, a qual, assim como os demais espaços educacionais, se enredou com dinâmicas e práticas, ligadas à utilidade econômica e mercadológica, desfocando o Rosto humano da educação. A presente tese tem como objetivo analisar a formação superior a distância e as possíveis implicações da não-presencialidade na constituição da alteridade enquanto fundamento da ética. Com base teórica no pensamento filosófico de Emmanuel Levinas, a metodologia utilizada é de natureza qualitativa e se caracteriza como um estudo de cunho teórico, bibliográfico/documental com abordagem interpretativa crítica. A teoria de Levinas serve de ancoragem para esta pesquisa a partir da concepção de alteridade como infinita e transcendente, manifestada na epifania do Rosto. A relação face a face entre seres humanos rompe o caráter totalizador da relação de indiferença e intolerância e abre caminhos para uma nova relação eu-Outro que considera plenamente a alteridade, respeitando as diferenças. É objeto desta investigação examinar os processos de formação superior a distância, hoje marcados por práticas de ensino padronizadas, replicadas ou instrutivas, na perspectiva dos eventuais prejuízos formativos decorrente da EaD nos moldes como atualmente vem sendo realizada. Palavras-chave: Educação Superior. Educação a Distância. Tecnologia educacional. Alteridade.
ABSTRACT
Contemporary society is marked by paradoxical situations - sometimes indifference and intolerance to the Other, sometimes respect and struggle for equal rights. In this context, marked by conflicting social, cultural and political changes, characterized by the presence and /or non-presence of individuals, the question of alterity and ethics imposes as topic of undeniable importance for the areas of philosophy, sociology, history and, with equal urgency, for education. With the advent of rationality, and in its course, the advances of science and technology, both society and school were affected by a new model of articulated rationality, in its most current version, with the logic and demands of the market. The technological advances applied to communication allowed the emergence of Distance Education (DE). From the second half of the twentieth century, DE was implemented in the global context, which, like other educational spaces, became entangled with dynamics and practices, linked to economic and market utility, defocusing the human Face of education. The aim of this thesis is to analyze distance learning in higher education and the possible implications of non-presence in the constitution of alterity as foundation of ethics. With theoretical basis in the philosophical thought of Emmanuel Levinas, the methodology used is of a qualitative nature and is characterized as a theoretical, bibliographical /documentary study with a critical interpretative approach. The theory of Levinas serves as an anchor for this research from the conception of alterity as infinite and transcendent, manifested in the epiphany of the Face. The face-to-face relationship between human beings breaks the totalizing character of the relationship of indifference and intolerance and opens the way for a new I-Other relationship that fully considers alterity while respecting differences. It is the object of this investigation to examine the processes of distance learning in higher education, today marked by standardized, replicated or instructive teaching practices, in the perspective of possible educational losses resulting from the DE in the way currently being carried out.
Keywords: Higher Education. Distance Education. Educational technology. Alterity.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Classificação dos sistemas educacionais em função do tempo de
comunicação "presencial" e "a distância" ................................................... 113
Figura 2 – Abordagem broadcast na EaD utilizando a internet .................116
Figura 3 – Abordagem “virtualização da escola tradicional” na EaD ..........117
Figura 4 - Ciclo que se estabelece na interação aluno-professor, no “estar
junto virtual” ..............................................................................................118
Figura 5 – Avatares em um ECODI ...........................................................125
Figura 6 – Evolução dos sistemas de aprendizagem virtual (AV) e
convergência com a aprendizagem presencial (AP), e a constituição do
blended learning (BL) ................................................................................155
Gráfico 1 – Número de Ingressos em Cursos de Graduação, por Modalidade
de Ensino – Brasil: 2003 – 2014 ................................................................. 89
Gráfico 2 – Número de Matrículas em Cursos de Graduação, por Modalidade
de Ensino – Brasil: 2003 – 2014 ................................................................. 89
Gráfico 3 – Número de Matrículas em Cursos de Graduação, por Categoria
Administrativa – Brasil: 1980 – 2014 .......................................................... 91
Gráfico 4 – Evolução percentual das matrículas EaD, segundo a categoria
administrativa – Brasil: 2000 – 2006 .......................................................... 93
Gráfico 5 – Percentual das vagas EaD, segundo a região – Brasil: 2006 .. 95
Gráfico 6 – Percentual de matrículas EaD, segundo a região – Brasil:
2006 ............................................................................................................ 96
Gráfico 7 – Número de matrículas em cursos de licenciatura, por Modalidade
de Ensino – Brasil: 2003 – 2014 ................................................................. 99
Gráfico 8 – Distribuição do número de matrículas em cursos de licenciatura,
por Modalidade de Ensino, segundo categoria administrativa – Brasil –
2014 ............................................................................................................ 99
Gráfico 9 – Percentual do número de docentes da educação básica
matriculados em cursos de graduação – Brasil – 2014 ..............................100
Gráfico 10 – Número de Ingressos em Cursos de Graduação, por Modalidade
de Ensino – 2007 –
2017..............................................................................................................145
Gráfico 11 – Número de Matrículas em Cursos de Graduação, por Modalidade
de Ensino – 2007 –
2017.............................................................................................................145
Gráfico 12 – Percentual do Número de Matrículas em Cursos de Graduação
a Distância, por Categoria administrativa –
2017.............................................................................................................146
Gráfico 13 – Número de Concluintes em Cursos de Graduação, por
Modalidade de Ensino – 2007 –
2017.............................................................................................................147
Gráfico 14 – Número de Matrículas em Cursos de Graduação Tecnológicos,
por Modalidade de Ensino – 2007 –
2017.............................................................................................................148
Quadro 1 – Gerações da EaD .................................................................... 80
Quadro 2 – Áreas de Predileção da EaD – Matrículas de 2007 .................. 97
Quadro 3 – Modelos de EaD estruturados e em funcionamento no Brasil
(1994-2008) ...............................................................................................114
Quadro 4 – Distância transacional e suas variáveis na EaD......................158
Tabela 1 – Evolução do Número de IES, Cursos, Vagas e Inscritos na
Educação a Distância – Brasil: 2002 a 2007 ............................................... 88
Tabela 2 – Evolução dos percentuais de crescimento das matrículas de
Pedagogia e Normal Superior presencial e a distância – Brasil: 2000-
2006.. .......................................................................................................... 97
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância
ABRAEAD – Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância
AGCS - Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços
AP – Aprendizagem Presencial
AV – Aprendizagem Virtual
AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem
BL – Blended Learning
CNE – Conselho Nacional de Educação
CEETEPS - Centro Educacional de Ensino Tecnológico Paula Souza
CVA – Comunidade Virtual de Aprendizagem
EaD – Educação a Distância
ECODI – Espaços de Convivência Digital Virtual
EJA – Educação de Jovens e Adultos
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FPA – Fundação Padre Anchieta
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IES – Instituição de Ensino Superior
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB – Leis de Diretrizes e Bases
LMS – Learning Management Systems
MEC – Ministério da Educação
MOODLE – Modular Object-Oriented Dynamic Learning
OMC – Organização Mundial de Comércio
PAP – Polo de Apoio Presencial
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RICESU – Rede e Instituição Católica de Ensino Superior
SEED – Secretaria de Educação a Distância
TDIC – Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
UAB – Universidade Aberta do Brasil
UAb – Universidade Aberta de Portugal
UCB – Universidade Católica de Brasília
UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ULBRA – Universidade Luterana do Brasil
UnB – Universidade de Brasília
UNED – Universidade Nacional de Educação a Distância
UNESP – Universidade Estadual Paulista
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UNISUL– Universidade do Sul de Santa Catarina
UNITINS – Universidade de Tocantins
Univesp – Fundação Universidade Virtual do Estado de São Paulo
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 16
2 ALTERIDADE COMO FUNDAMENTO DA ÉTICA EM EMMANUEL
LEVINAS ........................................................................................................ 24
2.1 Vida e obra de Emmanuel Levinas ...................................................... 24
2.2 Da crítica à ontologia à ética como filosofia primeira ........................ 29
2.3 Infinito, transcendência e alteridade ................................................... 32
2.4 O Rosto, a presença e a relação face a face ....................................... 36
2.5 Relação metafísica e responsabilidade ética ..................................... 39
3 CONTEXTO CONTEMPORÂNEO: A EDUCAÇÃO SUPERIOR SEM
ROSTO ........................................................................................................... 44
3.1 Teoria da frieza burguesa e sociedade contemporânea .................... 45
3.2 O ensino superior e o processo de formação: educação como
mercadoria..................................................................................................... 55
3.2.1 Educação para ética da alteridade e/ou educação como mercadoria? . 59
3.2.2 Indústria educacional, internacionalização e transnacionalização do
ensino superior ............................................................................................... 62
3.2.3 Ensino superior a distância: processo de produção industrial? ............. 69
4 FORMAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA NAS UNIVERSIDADES ........... 77
4.1 Educação a Distância em âmbito mundial .......................................... 78
4.2 Educação a Distância no contexto brasileiro ..................................... 83
4.2.1 Embate entre o público e o privado ...................................................... 90
4.2.2 Aspirações e realidade: expansão e democratização da Educação a
Distância ......................................................................................................... 94
4.3 Universidade Aberta do Brasil (UAB) e Fundação Universidade Virtual
do Estado de São Paulo (Univesp) .............................................................101
4.4 Concepção, estrutura e organização da Educação a Distância .......109
4.4.1 Modelos de Educação a Distância .......................................................112
4.4.2 Ferramentas de interação e comunicação ...........................................119
4.5 Os novos papéis discente, docente e institucional nos processos de
formação a distância ...................................................................................127
4.5.1 Perfil do aluno......................................................................................127
4.5.2 Docência virtual ...................................................................................131
4.5.3 Apoio institucional ................................................................................136
4.6 Novo marco regulatório da Educação a Distância e último Censo da
Educação Superior ......................................................................................139
5 PRESENÇA E DISTÂNCIA: CONCEPÇÕES E IMPACTOS ...................150
5.1 Concepções iniciais: presença e distância .......................................150
5.2 Redução e impactos da distância ......................................................156
5.2.1 Pesquisas e experiências ....................................................................163
6 ÉTICA DA ALTERIDADE DE EMMANUEL LEVINAS NO ENSINO
SUPERIOR A DISTÂNCIA ............................................................................169
6.1 Evidências de um mundo sem Rosto .................................................169
6.2 Implicações da não-presencialidade ..................................................175
6.3 Um novo caminho para a Educação Superior a distância à luz da ética
da alteridade de Levinas..............................................................................181
7 CONCLUSÕES PROVISÓRIAS: INÍCIO DE UM CAMINHO ...................185
REFERÊNCIAS .............................................................................................187
16
1 INTRODUÇÃO
Na era da informação, da produção e transmissão incessante de
conhecimentos, devido ao avanço tecnológico e científico, mais do que nunca,
ampliam-se os processos de formação superior a distância e estudos nesta área. O
tema anunciado envolve vários assuntos polêmicos, tais como formação1, Educação
a Distância (EaD), não-presencialidade e alteridade que, quando correlacionados,
ampliam o grau de complexidade de discussão.
Há algum tempo, vêm despertando minha atenção a busca desenfreada das
pessoas por cursos de formação a distância em virtude da facilidade de acesso, baixo
custo e comodidade. Durante o segundo ano de Mestrado em Educação, no ano de
2014, senti necessidade de fazer um aperfeiçoamento na minha área de formação
inicial, Educação Física. Assim, unindo as minhas inquietações e disponibilidade de
horário, me inscrevi num curso de Pós-Graduação lato sensu à distância em
Metodologia do Ensino em Educação Física.
Durante o curso, tive alguns encontros presenciais esporádicos, por conta da
legislação que determina como obrigatória a realização presencial de algumas
atividades, como, por exemplo, as avaliações finais. No entanto, essas atividades
presenciais não implicaram necessariamente o encontro face a face com outros
alunos do curso ou professores, o que para mim teria relevância essencial para meu
processo de formação.
Um fato interessante aconteceu no decorrer desse processo de formação a
distância. Uma pessoa muito próxima, amigo de faculdade, fazia o mesmo curso de
Pós-Graduação lato sensu, no mesmo pólo presencial, e nós dois não sabíamos.
Podíamos ter compartilhado nossas dificuldades, saberes e conhecimentos. No
entanto, somente fomos identificar que éramos alunos do mesmo curso, no último
mês, quando foi divulgado um cronograma das apresentações dos trabalhos de
conclusão.
1 Esta tese considera que o ensino superior envolve um conceito de formação ampla, humanista
e cidadã, que vai além da formação instrumental e profissional. De acordo com Dias Sobrinho (2010,
p.3) “as universidades são espaços de formação intelectual, moral, profissional e política das pessoas.
Por princípio, hão de estar profundamente implicadas na tarefa do desenvolvimento humano integral”.
17
Em virtude dessa experiência, finalizado o curso em junho de 2015, me deparei
com algumas inquietudes, como: a não-presencialidade, o ofuscamento da alteridade
e a falta de relações face a face com o Outro2 - fosse ele professor ou aluno, que me
deixaram aflita com relação aos processos de formação a distância, não somente de
Pós-Graduação, mas, de modo geral, de graduação, educação de jovens e adultos
(EJA), formação continuada de professores, que constantemente são criados no
âmbito da EaD.
Essas questões propiciaram meu interesse pelo pensamento de Emmanuel
Levinas (1906-1995), filósofo francês, de origem lituana, conhecido por sua teoria da
ética da alteridade. Tinha consciência de que, sendo graduada em Educação Física,
a leitura de obras filosóficas me causaria considerável dificuldade, correndo até
mesmo o risco de não entender, generalizar e até mesmo simplificar o pensamento
de Levinas. Entretanto, resolvi encarar o desafio de estudá-lo, na tentativa de refletir
sobre alguns elementos de sua teoria que poderiam contribuir para um conhecimento
mais aprofundado e uma reflexão mais consistente sobre a formação a distância.
Emmanuel Levinas, a partir da teoria da ética da alteridade, propõe a inversão
do pensamento metafísico, não mais centralizado na ontologia - questão do ser, na
soberania do “Eu” e na “filosofia do Mesmo”, - mas sim na alteridade como eixo
principal e seu fundamento ético. O filósofo elabora uma reflexão aprofundada e de
longo prazo sobre o tema das relações sociais na perspectiva de torná-las mais
humanas, mediante o fortalecimento do sentimento de responsabilidade, de um pelo
Outro, entre os seres humanos.
Com a instituição de um novo humanismo, Levinas propõe a ética instaurada a
partir do respeito à alteridade, ao Outro enquanto absolutamente Outro, diferente do
“Mesmo”, que se revela na epifania3 do Rosto como infinito e transcendente. Por isso,
a relação face a face é uma experiência cotidiana ética, de manifestação da
2 A palavra Outro é redigida nesta tese com a primeira letra em caixa alta em virtude da inversão
da centralidade do “Eu” para o Outro no pensamento filosófico da teoria de Emmanuel Levinas que
fundamenta esta tese. A utilização da primeira letra em caixa alta não é usada por Levinas, no entanto
será utilizada nesta tese, não somente quando referir-se ao conceito de Outro, mas à outra pessoa (o
Outro), de modo a enfatizar sua centralidade.
3 Epifania é o termo de origem grega que pode ser traduzido por ‘manifetação ou aparição’.
Uma manifestação de algo inesperado, uma súbita sensação de entendimento ou compreensão da
essência de algo.
18
humanidade, que ordena o mandamento de ser um-para-o-Outro e não mais ser para-
si.
Frente à essas breves considerações, os conceitos de ‘alteridade’, ‘Rosto’ e
relação ‘face a face’ da filosofia de Levinas são utilizados neste trabalho para analisar
os sentidos e eventuais implicações da não-presencialidade na relação eu-Outro nos
processos de formação a distância.
Em consequência da globalização e do sistema econômico capitalista, na
atualidade se configura um modelo racional de sociedade, em que o ser humano
propende a se fechar em si mesmo, como indivíduo, competitivo e frio. As relações
sociais são marcadas por ações de frieza, de indiferença para com o Outro e de
intolerância ao diferente. Os processos educacionais de formação, tendem a
privilegiar como ideal formativo a adaptaçao aos interesses econômicos, cujas
principais estratégias operacionais são a otimização da produtividade, a redução de
custos e o aumento dos lucros. Ainda que não se possa apressadamente dizer que a
EaD assume estes mesmos interesses é preciso reconhecer que muitos de seus
agentes se inserem neste contexto.
Chama atenção o fato de que, com sua acelerada difusão, as Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação (TDIC)4 vêm assumindo crescente influência
sobre a evolução da educação, da economia e de muitas outras dimensões da vida
pessoal e social (HETKOWSKI; LIMA, 2001).
Em âmbito mundial, aponta-se como marcos históricos da EaD, a criação da
Universidade Aberta de Londres (The Open University), em 1970, e da Universidade
Nacional de Educação a Distância (UNED) de Madri, em 1972, que servem como
modelo para outros países, em razão de seu sucesso (MUGNOL, 2009). Até o ano de
2009, de acordo com Nunes (2009), mais de 80 países ofereciam cursos de EaD em
todos os níveis de ensino, formais e não formais, dos quais boa parte se inspira nos
modelos das duas instituições mencionadas.
A EaD sofreu e ainda continua sofrendo preconceitos e severas suspeitas por
parte de pesquisadores e educadores que criticam sua suposta fragilidade como
ensino5 de massa de baixo nível, oferecido à população menos favorecida e sem
4 Termo utilizado por Mill (2012).
5 Entende-se o conceito de ensino, como parte do processo da educação, restrito ao processo
de transmissão.
19
acesso à educação em tempo e espaço presenciais. Essas críticas são, sobretudo,
comuns em países como o Brasil.
Embora a EaD ainda seja considerada como uma modalidade de ensino de
baixa qualidade no Brasil, este conceito está sofrendo modificações significativas,
dado que grande parte das pessoas possuem tempo limitado e veem na EaD uma
possibilidade de realização de estudos superiores ou de retomada dos mesmos
quando interrompidos, por exemplo, por razões econômicas ou de deslocamento em
um país imenso.
Ademais, Giolo (2010, p. 1286) aponta que “os defensores da educação a
distância sustentam não haver estudos científicos abrangentes que mostrem que esta
modalidade é de menor qualidade do que a presencial”, não comprovando as críticas
e os julgamentos proferidos. Contudo, na avaliação de Mill (2012), se as críticas
voltadas a EaD forem elaboradas de modo construtivo, com a mudança da apreciação
do “não funciona” para o “como fazer melhor”, elas podem criar condições para a
superação dos problemas, como parece estar ocorrendo mais recentemente no Brasil.
No contexto educacional brasileiro, a EaD, de um lado, vem recebendo apoio
expressivo dos governos e órgãos de fomento do país, como, por exemplo, a criação
da Universidade Aberta do Brasil (UAB), da Secretaria de Educação a Distância
(SEED)6 do Ministério da Educação (MEC), da Associação Brasileira de Educação a
Distância (ABED), da Fundação Universidade Virtual do Estado de São Paulo
(Univesp), entre outras. Por outro lado, ainda existem resistências por parte de
instituições, pesquisadores e educadores, possivelmente, relacionadas ao
desconhecimento ou à posição crítica diante da estrutura e do funcionamento dessa
modalidade de ensino no país.
Fazendo parte das iniciativas pedagógicas previstas nas políticas públicas
nacionais, a EaD é conceituada pela ABED como uma modalidade educacional, em
que a mediação das atividades dos processos de ensino e aprendizagem7 ocorre
virtualmente. Ou seja, por meio do uso das TDIC, os professores e alunos não
6 A SEED/MEC foi extinta em 2011 e grande parte de suas responsabilidades está sobre
supervisão da Diretoria de Educação a Distância (DED-Capes).
7 Concebe-se, de acordo com Mill (2018, p.214), que o conceito de ensino-aprendizagem, em
sentido amplo, “corresponde aos processos educacionais referentes à formação humana envolvendo
a reciprocidade que se manifesta entre o educador e o educando”.
20
participam necessariamente das atividades de ensino e aprendizagem em mesmo
local e na mesma hora (ABED, 2008).
García (1995) conceitua a EaD como um sistema tecnológico de comunicação,
que substitui o contato pessoal entre professor e aluno nos processos de formação,
por um sistema de diversos recursos didáticos tecnológicos e pelo suporte de
organização e tutoria que, por sua vez, possibilitam a autoaprendizagem dos alunos.
Entretanto, como premissa, esta tese considera que nenhum tipo de tecnologia
substitui o contato humano no processo educacional, entendido como processo de
formação humana. Para tanto, compreende-se, assim como Goergen (2014, p. 28),
que “a formação significa o tenso movimento entre ouvir e ser ouvido, reconhecer e
ser reconhecido, rejeitar e ser rejeitado, influenciar e ser influenciado”, ou seja, a
formação acontece na ética da alteridade.
Oportunizar um processo de formação que acontece na ética da alteridade
implica respeitar o Outro e as suas diferenças, por meio da relação face a face e
manifestação do Rosto, e requer uma responsabilidade infinita e irrecusável pelo
próximo, conforme sugere a teoria de Levinas. Trata-se certamente de um dos
maiores e mais difíceis desafios da educação contemporânea, especialmente na EaD,
em que a relação eu-Outro acontece em um ‘mundo sem Rosto’.
Com a forte e surpreendente ampliação da EaD nos diversos contextos
regionais e educacionais, reforça-se a hipótese de que alguns cursos a distância vêm
se transformando em um simulacro de formação, de rápido e fácil acesso à
certificação, que menospreza aspectos essenciais da formação humana como, por
exemplo, o respeito à alteridade e o encontro face a face com o Outro. Portanto, não
se trata de negar, por si só a EaD, mas sim, de refletir sobre a estrutura, organização
e funcionamento dos cursos a distância.
Embora as pesquisas na área de EaD tenham se expandido, este estudo se
caracteriza como inédito por tratar conjuntamente a não-presencialidade e a alteridade
nos processos de formação a distância. De modo especial, destaca-se que a
originalidade deste trabalho consiste na exploração da questão ética, ou seja, da
relação humana, fundamentada na filosofia de Levinas, contribuindo para a
construção de conhecimento novo para a área, o que justifica a relevância e atualidade
do tema, particularmente para o contexto brasileiro.
21
Em vista das considerações apresentadas, configura-se a seguinte questão
como problema desta pesquisa: Quais as implicações da não-presencialidade para a
constituição da alteridade como fundamento ético na formação superior a distância?
O objetivo geral desta investigação é: Analisar a formação superior nos cursos
de Educação a Distância e as possíveis implicações da não-presencialidade na
constituição da alteridade enquanto fundamento da ética, tendo como base a teoria
do filósofo Emmanuel Levinas.
A fim de atingir tal objetivo, alguns objetivos específicos foram delineados:
Interpretar a alteridade como fundamento da ética proposta na teoria de
Levinas;
Refletir sobre a estrutura, organização e funcionamento dos cursos de
formação superior a distância, especialmente, no Brasil;
Definir o conceito de não-presencialidade e suas possíveis implicações na
constituição da alteridade enquanto fundamento ético da formação superior a
distância;
Pensar possibilidades da relação eu-Outro (relação professor e aluno) nos
processos de formação a distância, de modo a promover práticas educativas
éticas.
Trata-se de um ensaio teórico, baseado no conceito de alteridade desenvolvido
por Emmanuel Lévinas. A adoção do paradigma qualitativo, bibliográfico e
documental, condiz com os objetivos propostos, visto que se objetiva trabalhar com
aspectos não quantificáveis que requerem uma abordagem crítico-interpretativa e
dialogada com o tema proposto.
Conforme Rocha (2006), o aspecto qualitativo está relacionado à criação de
sentidos nas relações sociais historicamente definidas, carcterizando a alteridade e
as inquietações como mobilizadoras das análises e dos diálogos, em busca do
entendimento da vida em sociedade.
No intuito de atingir os objetivos propostos, o texto está organizado na seguinte
sequência: inicialmente, como segundo capítulo, com o propósito de expor o horizonte
teórico que norteia esta pesquisa, se apresenta uma interpretação da teoria de
Emmanuel Levinas realizada a partir da revisão de literatura, com destaque para
alguns temas e elementos essenciais para esta pesquisa tais como: explicação e
correlação entre os conceitos infinito, transcendência, alteridade, Rosto, presença,
relação face a face, relação metafísica e responsabilidade.
22
O terceiro capítulo trata de mostrar um panorama geral da Educação Superior
no contexto contemporâneo e suas principais influências que a caracterizam como um
mundo sem Rosto. Em primeiro lugar, realiza-se um breve comentário da teoria da
frieza burguesa de Andreas Gruschka e sua repercussão na sociedade
contemporânea para, na sequência, discutir as influências do sistema econômico
capitalista e da produção industrial nos processos de formação no ensino superior,
especialmente na EaD.
No quarto capítulo se analisa a formação superior a distância em âmbito
internacional, em especial e com mais profundidade, no contexto brasileiro, com
discussões sobre o embate entre o sistema público e privado à luz dos ideiais e das
efetivas conquistas da EaD. A ênfase recai sobre as leis que regulamentam a EaD
no Brasil e nos dados apresentados pelos Censos da Educação Superior, em forma
de relato cronológico dos acontecimentos. Na sequência, se apresenta duas
experiências de universidades públicas a distância brasileiras; a atenção recai sobre
a descrição da concepção, estrutura e organização da EaD no Brasil, seus diversos
modelos e abordagens existentes, assim como sobre suas possíveis ferramentas de
interação e comunicação. Conclui-se esta parte com uma reflexão sobre os novos
papéis discente, docente e institucional esperados para esta modalidade de ensino e
se argumenta sobre o novo marco regulatório da EaD e os dados do último Censo da
Educação Superior.
O quinto capítulo trata de desvelar as concepções de presença e distância que
vem reverberando nas produções científicas mais atuais sobre a EaD, com especial
atenção para os possíveis impactos da redução da distância por meio das TDIC na
formação superior a distância. Também se apresentam pesquisas e experiências
realizadas em âmbito nacional e internacional que potencializam os debates no campo
da EaD, de modo mais aproximado com a teoria da ética da alteridade de Levinas.
Por último, a luz da teoria da ética da alteridade, de Emmanuel Levinas,
sinaliza-se alguns indícios encontrados na EaD que a caracterizam como um mundo
sem Rosto, a exemplo do enaltecimento das competências para o mercado de
trabalho; a primazia da racionalidade técnica e instrumental; a padronização dos
cursos; o isolamento dos indivíduos. Além disso, se enfoca os conceitos de
presencialidade e não-presencialidade, destacando as implicações da não-
presencialidade nos cursos de EaD para a constituição da alteridade como
fundamento ético. Por fim, propõe-se uma possibilidade de mudança na relação eu-
23
Outro, professor e aluno, nos processos de formação superior a distância, a caminho
da ética da alteridade.
24
2 ALTERIDADE COMO FUNDAMENTO DA ÉTICA EM EMMANUEL LEVINAS
A sociedade contemporânea está marcada por situações paradoxais - ora de
indiferença e intolerância ao Outro, e invisibilidade ao diferente, ora de respeito e luta
por direitos iguais; em um contexto caracterizado pela presença e/ou não-presença
dos indivíduos, carregado de conflitos e transformações sociais, culturais e políticas
que colocam a questão da alteridade e da ética como tema a ser discutido pelas
diversas áreas do conhecimento, como: filosofia, sociologia, história e, não de menor
importância, pela educação.
Para dar início a fundamentação teórica central deste estudo e possibilitar a
reflexão e discussão dos outros temas que são abordados ao longo desta tese, este
capítulo traz uma breve história de vida de Emmanuel Levinas e alguns pontos
principais de sua teoria da ética da alteridade. Cabe destacar que esta pesquisa não
pretende reproduzir todo o discurso do filósofo, mas pensar a alteridade como
fundamento da ética nos processos educacionais de formação superior a distância e
suas implicações, manifestadas, especialmente, pela não-presencialidade.
2.1 Vida e obra de Emmanuel Levinas
Para auxiliar na compreensão sobre a teoria da ética da alteridade de
Emmanuel Levinas, fundamentação central desta tese, inicia-se com um esboço
biográfico do filósofo e uma síntese das suas principais obras que, com enfoque nos
problemas cruciais da sociedade, faz de seu pensamento algo novo e original,
tornando-o um autor importante no campo da filosofia na contemporaneidade.
Levinas nasceu em Kovno (Kaunas), República da Lituânia, em 1906 (MELO,
2003). Era de família judaica e desde muito cedo aprendeu a língua hebraica e russa.
Em virtude de sua religião, o caráter dialético do pensamento rabínico8 exerceu
importante influência em sua formação intelectual. Seu pai era dono de uma livraria
8 Este caráter dialético e também hermenêutico no judaísmo é efetivado em interpretações e
reinterpretações talmúdicas. Sobre isso Levinas considera que “de modo algum era um judaísmo
místico, com o intelecto em alerta; pelo contrário, entregava-se à dialética do pensamento rabínico
através dos comentários aos comentários sobre e no Talmude” (POIRIÉ, 2007, p.52), cuja essência
espiritual residia para ele em uma grande curiosidade pelos livros e não em suas modalidades místicas.
25
na cidade, com boa variedade de livros, o que despertou no jovem Emmanuel o
interesse e a paixão pela leitura e pelos estudos (COSTA, 2000).
Dois anos após o início da Primeira Guerra Mundial, Emmanuel Levinas e sua
família emigraram para Cracóvia - Ucrânia, como refugiados, onde viveram por três
anos, e retornando posteriormente para a Lituânia. Durante os três anos de exílio,
frequentou o Liceu, onde, mesmo não tendo aulas de filosofia, a literatura utilizada
levou-o ao encontro de temas centrais como o amor e a transcendência, os quais
despertaram nele inquietudes sobre o sentido da vida humana (COSTA, 2000).
Aos dezessete anos emigrou para a cidade de Estrasburgo - França, onde
ingressou na universidade para fazer licenciatura em Filosofia, fascinando-se pelo
curso de “Ética e Política”. Nesse ambiente, recebeu influências da concepção
Bergsoniana das noções de ‘tempo como duração’ e do ‘questionamento da noção de
ser’, as quais lançaram os fundamentos de sua posterior teoria do ‘tempo diacrônico’
e da ‘metafísica distinta do ser’ (COSTA, 2000).
Ao final de sua formação inicial, inseguro com relação à Filosofia, um professor
o iniciou na leitura de Edmund Husserl9 (1859-1938), autor de um método de
investigaçao filosófica designado fenomenolgia, que destaca a importância dos
fenômenos da consciência que existem na mente. Cada um desses fenômenos é
designado por uma palavra que representa a essência de cada coisa, ou seja, sua
verdadeira ‘significação’. Os objetos da fenomenologia são apreendidos pela intuição
pura que desvela as estruturas essenciais dos atos e seus objetos.
Foi então estudar fenomelogia com Husserl em Friburgo – Alemanha. Todavia,
Heidegger lhe pareceu mais interessante e, segundo Levinas, “a filosofia de
Heidegger era o prolongamento da transfiguração do pensamento de Husserl”
9 A filosofia de Husserl foi uma reação contra o historicismo e o psicologismo muito em voga
na época. Da mesma forma, era uma reação contra o cientificismo que, para Husserl, trata de verdades
provisórias úteis, mas que mudam segundo mudam as circunstâncias. Para superar esta
provisoriedade própria das ciências, Husserl sugere que a filosofia deveria se referir às coisas como
elas se apresentam à consciência e, portanto, na essência dos seus verdadeiros significados, livres
dos acidentes próprios do mundo real e empírico, objeto das ciências. Sua intenção era fundamentar
um recomeço da filosofia que teria como base uma investigação subjetiva e rigososa dos fenômenos
tal como eles aparecem à mente, buscando encontrar as verdades da razão.
26
(COSTA, 2000, p.37). Desta maneira, Husserl e Heidegger tornaram-se seus
principais interlocutores (MELO, 2003).
Em 1930, aos vinte e quatro anos de idade, Levinas defendeu sua tese de
doutorado, intitulada “A teoria da intuição na Fenomenologia de Husserl” (Théorie de
l’intuition dans la phénoménologie de Husserl), e, em seguida, mudou-se para Paris.
Logo, adotou naturalidade Francesa e se casou. Trabalhou como funcionário
administrativo pedagógico nas escolas parisienses da Aliança Israelita Universal até
o início da Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, ficou como prisioneiro no
campo de concentração de Stammlager e ocupava seu tempo livre com inúmeras
leituras. Sensibilizado pelo que acontecia “ao seu redor”, começou a escrever no
cativeiro uma de suas obras principais: “Da existência ao existente” (De l’existence à
l’existant), publicada pela primeira vez em 1947. O objetivo da obra era universalizar
a ética como configuração da condição humana, sendo a alteridade o fundamento
ético (COSTA, 2000).
Em algumas passagens de suas obras e depoimentos em entrevista, Levinas
esclarece como a experiência da guerra e, especialmente, a dominação nazista,
inspiraram seu pensamento sobre a teoria da ética da alteridade.
O fato mais revolucionário de nossa consciência do século XX – mas também um acontecimento da História Sagrada – talvez seja o da destruição de todo equilíbrio entre a teodiceia explícita e implícita do pensamento ocidental e as formas de sofrimento e seu mal assumem no próprio desenrolar deste século. Século que, em trinta anos, conheceu duas guerras mundiais, os totalitarismos de direita e de esquerda, hitlerismo e stalinismo, Hiroshima, o goulag, os genocídios de Auschwitz e do Cambodja. [...] Que, entre esses acontecimentos, o Holocausto do povo judeu, sob o reino de Hitler, nos pareça o paradigma do sofrimento humano gratuito em que o mal apareceu no seu horror diabólico, talvez não seja um sentimento subjetivo (LEVINAS, 2010, p. 124-125). A lucidez – abertura de espírito ao verdadeiro – não consiste em entrever a possibilidade permanente da guerra? O estado de guerra suspende a moral; despoja as instituições e as obrigações eternas da sua eternidade e, por conseguinte, anula, no provisório, os imperativos incondicionais. [...] A guerra não manifesta a exterioridade e o outro como outro; destrói a identidade do Mesmo. A face do ser que se mostra na guerra fixa-se no conceito de totalidade que domina a filosofia ocidental (LEVINAS, 2000, p. 9-10). Tudo o que nossas famílias tinham vivido não era conhecido. Todos os horrores dos campos, inimagináveis. Na consciência racional de um destino, sem piedade nem exceção, consciência sem ilusão – o
27
cotidiano provisório e esquecimento nos livros, ou derrisória lucidez com ou sem embrutecimento (POIRIÉ, 2007, p. 77).
Em entrevista a Poirié (2007), Levinas descreve uma de suas mais chocantes
referências ao convívio humano, em que as pessoas que moravam na vizinhança dos
campos de concentração os enxergavam como judeus contaminados, ao mesmo
tempo em que um cachorrinho os tratava como seres humanos, acompanhava-os em
suas atividades diárias.
Um cãozinho associou-se a nós um dia, a nós prisioneiros que íamos para o canteiro de obras, um cãozinho nos acompanhou ao trabalho; o guarda não protestou; o cãozinho não nos largou mais, instalou-se no commando e nos deixava partir sozinhos. Mas quando voltávamos do trabalho, ele todo contente, nos acolhia saltitante. Nesse canto da Alemanha, onde, ao atravessar o vilarejo, éramos olhados, pelos habitantes, como Juden, esse cachorro nos tomava evidentemente por homens. Os habitantes, decerto, não nos injuriavam nem nos faziam nenhum mal, mas seus olhares diziam tudo. Nós éramos criaturas condenadas ou contaminados portadores de germes. E o cachorrinho nos acolhia, na entrada do campo, latindo alegremente e saltando amigavelmente ao nosso redor (POIRIÉ, 2007, p. 75-76).
Após o final da Segunda Guerra, em 1945, Levinas retornou a Paris e assumiu
o cargo de diretor da Escola Normal Israelita Oriental, no qual permaneceu até ser
nomeado professor da Universidade de Poitiers (COSTA, 2000). Também ocupou a
cátedra de Filosofia nas universidades Paris-Nanterre e na Sorborne. Faleceu no dia
25 de dezembro de 1995, aos 89 anos, em Paris, e deixou um legado muito importante
para a filosofia e formação humana (MELO, 2003).
Além da tese e da “De l’existence à l’existant” (1947), (Da existência ao
existente, 1999), citadas anteriormente, Levinas publicou diversas obras, dentre elas
se destacam: “De l’évasion”10 (1982), redigida em 1935, dando início à discussão do
tema da ética que foi posteriormente aprofundado em “De l’existence à l’existant”;
“Totalité et infini” (1961), (Totalidade e Infinito, 2000), começou a discorrer sobre o
conceito de infinito; “Humanisme de l’autre homme” (1972), (Humanismo de outro
homem, 2009), edificou um novo humanismo, considerando a ética como filosofia
primeira, anterior a ontologia; “Ethique et infini” (1982), (Ética e infinito, 1988),
continuou a argumentar sobre a ideia de infinito; “Entre nous” (1991), (Entre nós,
2010), é uma das obras mais recentes e propagadas do filósofo.
10 Esta obra não foi publicada em língua portuguesa.
28
De acordo com Gomes (2008), a construção do pensamento de Levinas,
embora interconectado, se deu em três fases distintas. Na primeira, de 1929 a 1950,
fase ontológica, estudou a subjetividade e a intersubjetividade, com o conceito chave
do “ser”; na segunda, de 1950 a 1961, fase metafísica, buscou compreender a questão
da totalidade do ser, fazendo referência à alteridade e à relação ao Outro, com
destaque ao conceito de “infinito”; na terceira, de 1961 a 1995, fase ética, recorreu a
reconsideração da subjetividade dissociada da autossuficiência ontológica, com o
conceito chave “bem-além-do-ser”.
Em outra perspectiva, Costa (2000) vê o pensamento de Levinas como dividido
em quatro momentos. O primeiro, finalizado em 1930, caracterizado pelo diálogo de
Levinas com o pensamento da fenomenologia de Husserl e da ontologia de
Heidegger, ainda sem alusão ao tema da ética. O segundo, encerrado em 1960,
marcou o início de um novo ciclo de pensamento de Levinas, revelado pela separação
da filosofia de Heidegger (embora tenha mantido relação com a ontologia) e
constituição particular de seu pensamento, com a anunciação da ética como filosofia
primeira, anterior a ontologia. O terceiro, iniciado em 1961 com a publicação do livro
“Totalidade e Infinito” e a temática ética como elemento principal de reflexão. O quarto,
instituído em 1974, com a divulgação da obra “Outro modo que ser ou para além da
essência”, o pensamento de Levinas se consolidou, coroando a ética como filosofia
primeira, colocando a alteridade no topo de seu sistema.
Por sua vasta produção teórica, originalidade e autenticidade, o pensamento
de Levinas é de grande atualidade, contribuindo com reflexões que aprofundam o
debate sobre o humanismo e a formação humana. Sua vivência em um período
marcado por duas guerras mundiais, de destruição, tortura, morte e sofrimento, uma
profunda crise da humanidade, com a redução do Outro ao nada, as experiências
pessoais de Emmanuel Levinas incentivaram e inspiraram seus escritos, sendo
determinantes para a construção e fortalecimento de sua teoria, principalmente, para
a configuração da alteridade como fundamento da ética, com ênfase na revalorização
do sentido ético do humano, do respeito ao diferente e da responsabilidade para com
o Outro.
29
2.2 Da crítica à ontologia à ética como filosofia primeira
No cenário contemporâneo, marcado por profunda crise das relações humanas
no contexto da objetalização e mercadorização das pessoas, a teoria da ética da
alteridade de Levinas se constitui em referencial construtivo para a análise e
compreensão dos desafios relativos ao tema da formação humana nos diferentes
níveis e modalidades da educação. A tentativa desta investigação é construir uma
relação produtiva entre o conceito de alteridade, elaborado por Levinas e a nova
modalidade de educação superior a distância que implica a não presencialidade.
Apesar de reconhecer a importância das teorias de seus mestres Husserl e
Heidegger para a sociedade e também para sua formação intelectual, Levinas afasta-
se de seus principais interlocutores com a apresentação de críticas às suas filosofias,
uma vez que estes pensadores fundamentam a constituição do homem a partir da
ontologia, que compreende o ser enquanto ser de sua própria existência, centralizado
no “Eu”. “Eis a ontologia, através do ser-aí preocupado em ser” (LEVINAS, 2010, p.
232), “perseverar em ser, [...] importava sempre ser” (LEVINAS, 2010, p. 233).
Em “Ética e infinito” (1988, p.24) Philippe Nemo questiona Levinas sobre o que
seria ontologia e ele responde que “é precisamente a compreensão do verbo ser”. Em
concordância, Costa (2000, p. 55) afirma que “o homem não é um substantivo, é
inicialmente verbo, é o próprio revelar-se do ser; o estudo da compreensão do ser é o
estudo do modo de ser do homem, e tal estudo é ontologia”. Em sua etimologia, a
palavra ontologia vem do grego ontoslogoi, ontos significa ente, logoi ciência do ser.
Não foram apenas as teorias de Husserl e Heidegger que contribuíram para a
formação intelectual e produção teórica de Levinas, mas também a Bíblia e o Talmude
foram essenciais e precisam ser levados em consideração.
O sentimento religioso, tal como o recebi, consistia mais no respeito pelos livros – a Bíblia e seus comentários tradicionais, que remontam às origens do pensamento dos antigos rabinos – do que em determinadas crenças. O sentimento de que a Bíblia é o livro dos livros em que se dizem as coisas primeiras, as que se devem dizer para que a vida humana tenha um sentido, e se dizem sobre uma forma em que abrem aos comentadores a própria dimensão da profundidade, não era uma simples substituição de um juízo à consciência do sagrado. [...] Os textos dos grandes filósofos, com o lugar que a interpretação tem na sua leitura, pareceram-me mais próximos da Bíblia do que opostos a ela, ainda que a concretização dos temas bíblicos não se refletisse imediatamente nas páginas filosóficas. Mas não tinha a impressão, quando principalmente na matéria, de que a filosofia era
30
essencialmente ateia, e hoje também não penso assim. E se em filosofia, o versículo não pode substituir a prova, o Deus do versículo, apesar de todas as metáforas antropomórficas, pode permanecer a medida do espírito para o filósofo (LEVINAS, 1988, p. 12-13).
A crítica de Levinas (2010) à ontologia recai sobre o esquecimento, a não
consideração do diferente e a redução do Outro ao “Mesmo”. O autor (2010) considera
que o Outro não pode ser compreendido e representado como fenômeno da
totalidade. O Outro é exterioridade, Rosto, alteridade plena.
Nossa relação com ele consiste certamente em querer compreendê-lo, mas esta relação excede a compreensão. Não só porque o conhecimento de outrem exige, além da curiosidade, também simpatia e amor, maneiras de ser distintas da contemplação impassível. Mas também porque, na nossa relação com outrem este não nos afeta a partir de um conceito. Ele é ente e conta como tal (LEVINAS, 2010, p. 26).
A ontologia caracterizou a filosofia ocidental, concebeu a subjetividade a partir
de relações marcadas pelo egoísmo, interesse, centralidade e soberania do “Eu” e
estabeleceu a instituição do “Mesmo” sobre o Outro – descrita por Levinas como
“filosofia do Mesmo”. Neste sentido, o Outro é representado e definido pela categoria
da totalidade, como alter ego, ou seja, o Outro reflete a imagem do “Mesmo” no
espelho, como de Narciso. Esta relação é descrita por Levinas como mesmidade,
contrária a alteridade.
A violência ontológica é a guerra da qual nada nem ninguém fica fora. A guerra destrói a identidade e a possibilidade da alteridade de todos os que nela estiverem envolvidos. Na guerra se mostra a “violenta face ontológica do ser” e é esta face que é decantada como totalidade na filosofia ocidental. A totalidade dirige as pessoas, lhes infunde um sentido e significado, as faz agir e desempenhar papéis que não são os seus (COSTA, 2000, p.97).
Para Levinas, este pensamento começou a ser fundamentado desde a Grécia
antiga, nas efígies de Odisseu e Narciso, até chegar ao século passado,
eminentemente nas filosofias de Husserl e Heidegger (COSTA, 2000). Desta maneira,
o engrandecimento da ontologia como totalidade institucionalizada faz com que a
sociedade contemporânea viva em meio à guerra do egoísmo e soberania do “Eu”,
repleta de frieza, de indiferença e carente de justiça.
O ser apresenta sua face no horror aquilo a tudo que é diferente. A ordem da totalidade não deixa espaço para aquilo que é diferente. A guerra nega o reconhecimento do outro como o outro. Ela apresenta
31
o ser. Destrói, contudo, a pessoa humana. A dinâmica da guerra resume-se à força que destrói o outro em seu ser-diferente (KESTERING, 2008, p. 39).
De acordo com Kestering (2008, p. 43), Levinas destaca que o que sustenta e
mantém a guerra é a concepção de que “o outro é aquele com quem se está em
guerra”. A sociedade está presa ao pensamento filosófico ocidental, ao modo
ontológico de ver o mundo. Predomina-se a importância do pensamento do ser e ter,
em defesa da própria existência e suprimento das necessidades individuais, que
garante a própria liberdade, autonomia e, consequentemente, o isolamento e a
solidão. “Cada indivíduo conhece [...] somente a responsabilidade para consigo
mesmo”, indiferente ao Outro (KESTERING, 2008, p. 30).
Por tudo isso, Levinas questiona o status da ontologia como filosofia primeira e
propõe a construção de um novo sentido ético humano, em substituição à “filosofia do
Mesmo”. Uma nova subjetividade é constituída a partir da estrutura “um-para-o-Outro”,
afetada pela alteridade, o que fundamenta um novo humanismo, chamado por Levinas
(2009) de Humanismo do Outro Homem, em que a ética, ou seja, a relação com o
outro, é anterior à ontologia, é filosofia primeira. Se “a ética é filosofia primeira, ela é
metafísica” (CINTRA, 2009, p. 19).
Em princípio Aristóteles chamou de filosofia primeira a popular questão do ser,
centro das ideias teóricas de Husserl e Heidegger, que pela tradição posterior foi
denominada de metafísica.
Entretanto, para Lévinas, trata-se de uma questão de inversão da direção do pensamento metafísico, do filosófico ao cotidiano, e de enfoque de outra questão, não mais propriamente a abstrusa questão do ser, mas a questão mais concreta do ser humano. Para Levinas, o problema condicionado à filosofia primeira é a relação ética com o outro ser humano (HADDOCK-LOBO, 2006, p. 17).
É importante destacar que esta inversão feita por Levinas, da ontologia para
ética como filosofia primeira, não caracteriza a negação ou superação da ontologia,
contudo, apresenta um novo início, a inovação de um pensamento ético, não mais
sujeito à ontologia do ser, mas concebido como metafísica em referência às relações
intersubjetivas, relação de transcendência, baseada no Outro homem. Assim, justifica-
se a aproximação e similaridade dos conceitos de ética e metafísica na filosofia de
Levinas.
32
A primazia da ética como filosofia primeira, inicia-se a partir da definição de
filosofia para Levinas. De acordo com Costa (2000), a filosofia é, tradicionalmente,
definida como “amor à sabedoria”. No entanto, Levinas a interpreta como “sabedoria
do amor”, prioriza a ética e não a ontologia, o amor como responsabilidade pelo Outro
e não o conhecimento e o saber objetivos. Explicita-se, também, o primado da ética
em relação à ontologia, na medida em que Levinas “identifica a ontologia com o
dogmatismo e a ética com a crítica. Argumentando que a crítica antecede o
dogmatismo, pretende sustentar que a ética é anterior à ontologia” (COSTA, 2000, p.
143).
Inicialmente, o tema da ética aparece em Levinas, no escrito “De l’evasion”
(1982), sendo, posteriormente, aprofundado em “Da existência ao existente” (1999),
redigido durante a Segunda Guerra Mundial, no campo de concentração. As reflexões
representam uma forma de sair eticamente das inquietudes existenciais vivenciadas
nesse período, do pós-guerra, que marearam a vida toda do filósofo.
Levinas (2009) institui um novo humanismo, cujo centro é a ética como filosofia
primeira, que respeita a alteridade do Outro como fundamento ético. A ética é
fundamentada na revelação do Rosto, na relação face a face, na responsabilidade
irredutível do eu pelo Outro. Assim, a ética da alteridade de Levinas, instiga o agir de
forma justa, com propósito do bem para todos, revelada na experiência educativa
como acontecimento ético, pelo contato e proximidade.
Nessa perspectiva, analisar as implicações da não-presencialidade na EaD e
repensar a relação eu-Outro nos processos de formação superior a distância,
principalmente a relação professor e aluno neste âmbito educacional, são relevantes
para a superação dos impasses existentes na formação e nas relações humanas na
sociedade contemporânea, marcadas pelo individualismo, indiferença, desrespeito a
alteridade ou, nos termos de Levinas pela desfiguração do Rosto humano.
2.3 Infinito, transcendência e alteridade
Neste tópico se analisa os conceitos de ‘infinito’, ‘transcendência’ e ‘alteridade’
presentes na teoria da ética da alteridade de Levinas, com destaque para a ideia de
infinito enquanto base para o entendimento da relação entre ética e alteridade, com a
consequente ruptura da totalidade ontológica instituída pela “filosofia do Mesmo”.
33
A ideia de infinito analisada por Levinas (2000), principalmente, em sua obra
“Totalidade e Infinito” e mais especicamente na “Terceira Meditação Cartesiana”, está
fundamentada no pensamento de Descartes. Para Descartes (2004), a ideia de infinito
não provém da substância finita – que é o homem, mas o antecede, tendo sua origem
no próprio infinito - que é Deus. Em outras palavras, a ideia de infinito não vem do
homem, uma vez que em sua finitude e imperfeição não poderia pensar em algo
perfeito, mas sim da “substância” infinita e perfeita de Deus, anterior ao homem.
E não devo crer que não percebo o infinito por uma verdadeira ideia, mas somente por uma negação do infinito [...] ao contrário, entendo de modo manifesto que há mais realidade na substância infinita que na finita e, por conseguinte, que a percepção de infinito é, de certo modo, em mim, anterior à percepção do finito, isto é, que a percepção de Deus é anterior à percepção de mim mesmo, pois qual a razão por que me daria conta de quem duvido, desejo, isto é, que sou indigente de algo e de que não sou totalmente perfeito, se não houvesse em mim nenhuma ideia de um ente mais perfeito por comparação com o qual conheço meus defeitos? (DESCARTES, 2004, p. 91-92).
Com base nisto, pode-se inferir que há dois aspectos presentes na ideia de
infinito de Descartes que influenciam a concepção de ‘infinito’ em Levinas e o modo
de pensar a relação eu-Outro para além da totalidade: a exterioridade da ideia de
infinito e a inadequação do pensamento em relação ao infinito.
A exterioridade está ligada ao fato de que a ideia de infinito não vem do homem,
não provém da lógica do “eu penso”, mas vem de Deus – “substância” infinita e
perfeita. Desta maneira, a ideia de infinito é exterior ao sujeito que pensa. Além disto,
a ideia de infinito excede a toda forma de pensamento, ou seja, ela foge de toda
conceituação e representação da lógica do pensamento, por isto a inadequação do
pensamento em relação ao infinito.
É por meio da exterioridade e da impossibilidade de conceituação e
representação da ideia de infinito que se sugere uma relação metafísica entre o
homem e o infinito. É por ser inassimilável que o infinito garante o princípio da
alteridade do Outro, impossível de ser reduzido a uma totalidade (HADDOCK-LOBO,
2006).
Assim sendo, Levinas, a partir do pensamento cartesiano, enxerga a
possibilidade da relação eu-Outro para além da totalidade, da compreensão do Outro
como o “Mesmo”, senão que pela ideia de infinito, ou seja, o Outro como exterioridade,
aquele que transcende, absolutamente Outro, diferente do “Mesmo”.
34
A relação do Mesmo com o Outro, sem que a transcendência da relação corte os laços que uma relação implica, mas sem que esses laços unam num Todo o Mesmo e o Outro, está de fato fixada na situação descrita por Descartes em que o ‘eu penso’ mantém com o infinito, que ele não pode de modo nenhum conter e de que está separado, uma relação chamada ‘ideia de infinito’. [...] A distância que separa ideatum11 e ideia constitui aqui o conteúdo do próprio ideatum. O infinito é característica própria de um ser transcendente, o infinito é o absolutamente outro. O transcendente é o único ideatum do qual apenas pode haver uma ideia em nós; está infinitamente afastado da sua ideia – quer dizer, exterior – porque é infinito (LEVINAS, 2000, p. 35-36).
O diferencial entre a ideia de infinito em Descartes e em Levinas se instaura na
distinta preocupação filosófica de ambos. Em Descartes, a ideia de infinito está
relacionada à demonstração racional da existência de Deus. Já em Levinas, está
associada à relação entre o eu e o Outro, em que o Outro é infinito, exterioridade,
transcendência.
A transcendência relacionada à ideia de infinito em Levinas se constitui na
passagem da relação entre o “Mesmo” e o Outro (dimensão ontológica), para a relação
eu e Outro, Outro como aquele que transcende, como absolutamente Outro (relação
metafísica).
A ideia do perfeito e do infinito não se reduz à negação do imperfeito. A negatividade é incapaz de transcendência. Esta designa uma relação com uma realidade infinitamente distante da minha, sem que esta distância destrua por isso esta relação e sem que esta relação destrua esta distância, como aconteceria para as relações dentro do Mesmo; sem que esta relação se torne uma implantação no Outro [...] (LEVINAS, 2000, p. 29).
A partir da transcendência na ideia de infinito, o Outro é aquele infinitamente
diferente e distante do eu.
[...] é para que se aprenda a reconhecer o que não se pode saber e que se respeite a separação, ou o que Lévinas chamou de transcendência da outra pessoa, uma transcendência que é absolutamente deste mundo, e não parte de algum misticismo outramundano. [...] Para Lévinas, uma relação ética é a relação em que eu encaro a outra pessoa e guardo a minha distância, porque distância implica respeito (HADDOCK-LOBO, 2006, p. 19).
11 Objeto da ideia, objeto pensado, para além da própria ideia. Levinas diz em “Ética e infinito”
(1988, p. 74): “Parto da ideia cartesiana do infinito, onde o ideatum desta ideia, isto é, o que esta ideia
visa, é infinitamente maior do que o próprio acto pelo qual eu penso”.
35
Esta distância, que ao mesmo tempo é respeito e presença como Rosto,
impede que a relação entre eu e Outro se torne novamente a relação do “Mesmo” com
o Outro. O Outro é “transcendência como excedência do ser” (MELO, 2003, p. 73), é
infinitamente Outro, que “solicita e apela para nós” (LEVINAS, 2000, p. 64).
Logo, o eu na ideia de infinito em Levinas, também é transcendente. O eu é
aquele que se evade, liberto da egoidade do primado da ontologia, sai de si para o
mistério do Outro. O si-Mesmo, torna-se para-o-Outro (MELO, 2003). Isto posto, a
transcendência também pode ser definida como “a propriedade que o eu teria de
ultrapassar a si próprio, [...] dirigido à alteridade” (HADDOCK-LOBO, 2006, p. 67).
Nesta perspectiva, a ideia de infinito em Levinas se vincula à questão da
alteridade. É pela alteridade que se rompe o caráter totalizador, da relação ontológica
do “Mesmo” e o Outro, e que se torna possível a abertura do caminho para a relação
eu-Outro, o Outro concebido como alteridade plena.
A etimologia da palavra Alteridade vem do latim, alter, que significa outro.
Otherness (inglês); alterité (francês); Anderheit, Anderssein (alemão); alteridade
(português) é definida pelo dicionário como “qualidade do que é outro” (FERREIRA,
1999). De acordo com Melo (2003, p. 273), “a alteridade como fundamento ético não
seria uma descoberta de Lévinas”. O que Levinas fez foi indicar possibilidades de
recuperação da alteridade dentro de uma perspectiva ética, com o retorno à
metafísica, renunciando ao primado da ontologia e da “filosofia do Mesmo”.
Para além da definição de alteridade descrita no dicionário (FERREIRA, 1999),
em Levinas “a alteridade não é apenas uma qualidade do outro, é sua realidade, sua
instância, a verdade de seu ser” (HADDOCK-LOBO, 2006, p. 48). E, ainda, não se
restringe a “uma alteridade feita de resistência ao Mesmo, mas de uma alteridade
anterior a toda iniciativa, a todo o imperialismo do Mesmo” (LÉVINAS, 2000, p. 26).
Nos escritos de Levinas, a discussão sobre o tema da alteridade se inicia na
obra “Da existência ao existente” (1999), publicada pela primeira vez em 1947. Nesta
obra, o Outro é visto como absolutamente Outro, não como outro eu, mas aquele que
o eu não é: “ele é o fraco, o pobre, a viúva, o órfão etc., ou então é o estrangeiro [...]
a relação com o outro como acolhimento” (HADDOCK-LOBO, 2006, p. 146). Por esta
definição, entre outras existentes, diferentemente da tradição filosófica, desde Platão
a Hegel, cujas filosofias conduziam o olhar para o Outro como o “Mesmo”,
neutralizando sua alteridade, pode-se afirmar que a teoria filosófica de Levinas, que
36
tem a alteridade como fundamento da ética, é uma filosofia do amor ao próximo, do
respeito ao Outro, diferente do “Mesmo”, que em sua diferença precisa ser amado e
respeitado.
Em síntese, conceitualmente, infinito, transcendência e alteridade em Levinas
se relacionam de modo dependente. Pensar o infinito do ser é romper com a visão
ontológica totalizadora do ser, como aquele que transcende, para além ser, como
absolutamente Outro, diferente do “Mesmo”, alteridade plena; como mostrado por
Levinas, em “Totalidade e Infinito” (2000), ao escrever que o conceito de
transcendência desenvolvido por ele, se exprime pelo termo de infinito e, também em
“Entre Nós” (2010, p.83) que concebe o infinito como alteridade, “o
infinito é alteridade inassimilável, diferença absoluta com relação a tudo o que se
mostra, [...] com relação a tudo o que se apresenta e se representa e por aí se
‘contemporiza’ com o finito e o Mesmo”.
Levinas concebe a ideia de infinito como proveniente do exterior, de uma
“substância” infinita que, para Descartes, é Deus, e que Levinas designa como ‘Rosto’.
Portanto, o infinito, a transcendência, e a alteridade, manifestam-se na epifania do
Rosto e se concretizam na relação face a face entre eu e Outro, como relação
metafísica/ética.
2.4 O Rosto, a presença e a relação face a face
Para argumentar sobre a alteridade no contexto da formação superior a
distância, é preciso analisar os conceitos de Rosto, presença e relação face a face
que são de suma importância para a filosofia de Emmanuel Levinas e para a nossa
argumentação. O Rosto é a essência da relação ética. A partir da abertura do eu ao
Outro como Rosto, na relação face a face, se concretiza a ética da alteridade.
O ‘Rosto’ (Visage12) constitui o princípio ético e, superando o primado da
totalidade ontológica, abre caminho para o respeito e a condução das ações pela
alteridade. Em sua epifania13, o Rosto é a aparição do Outro, revelação de sua
12 Termo francês que significa Rosto.
13 “Na sua epifania, na expressão, o sensível ainda captável transmuda-se em resistência total
à apreensão. [...] A epifania do rosto é ética. A luta de que o rosto pode ser a ameaça pressupõe a
37
alteridade. O Rosto não se limita a uma representação do Outro, ao contrário, é
apresentação – expressão da significação ética de sua alteridade. Ultrapassa a
capacidade do eu de compreender o Outro, expressa-se por si só.
O “rosto do Outro ser humano” é sua forma de “apresentar-se” – não de ser representado – diante do “eu” que o olha e o toca, mas objetivá-lo, nem “à mão”, nem “diante dos olhos”, nem “a um lado de”. O “rosto” na relação “face-a-face” supera a ideia do que o “eu” tem do “outro” [...] É ao modo pelo qual o Outro se apresenta, modo este que supera a ideia do Outro em mim, que chamamos de rosto (COSTA, 2000, p. 125).
Na epifania do Rosto emerge a exterioridade. O Rosto não é objeto, não é
forma. Longe disso, encontra-se além da aparência e da possibilidade de
compreensão. É pura exterioridade, significação primeira, relação e comunicação,
infinito e transcendência.
A experiência absoluta não é desvelamento, mas revelação: coincidência do expresso e daquele que exprime, manifestação, por isso mesmo privilegiada de Outrem, manifestação de um rosto além da forma. A forma que trai incessantemente a sua manifestação – congelando-se em forma plástica, porque adequada ao Mesmo, aliena a exterioridade do Outro. O rosto é uma presença viva, é expressão. A vida da expressão consiste em desfazer a forma em que o ente, expondo-se como tema, se dissimula por isso mesmo. O rosto fala (LEVINAS, 2000, p. 53).
Em vista disso, o Rosto é originariamente linguagem, fala por si só. “Falar é,
antes de tudo, este modo de chegar por detrás de sua aparência, por detrás da sua
forma, uma abertura na abertura” (LEVINAS, 2009, p. 51), e, ainda, “apresentar-se
significando, é falar” (COSTA, 2000, p. 130). Por isto, a manifestação do Rosto é o
primeiro discurso.
Sendo assim, a relação do eu com o Outro, na epifania do Rosto e pelo
discurso, vai além da representação e compreensão, implica a escuta por parte do eu
para a fala do Outro. “Encontrar um rosto é, de pronto, ouvir um pedido e uma ordem”
(POIRIÉ, 2007, p. 85).
Para Paula (2005, p. 436), no discurso o eu recebe do Outro mais do que aquilo
que é capaz, “recebe do Outro um conteúdo maior do que o que já existe em si.”
transcendência da expressão. [...] Na expressão, um ser apresenta-se a si mesmo” (LEVINAS, 2000,
p. 176, 178).
38
Assim, o Outro não se reduz ao eu-Mesmo, mas permanece absoluto na relação. Tal
como propõe Levinas (1988), no Rosto do Outro há uma elevação, uma nobreza.
Aparentemente, pode parecer reducionista particularizar o Rosto como
referência ao discurso ético, se considerá-lo somente como “parte do corpo humano,
[...] privilegiado pelo fato de concentrar em si os sentidos superiores, fatores de
comunicação e das relações interpessoais: a visão, a voz, a escuta” etc (MELO, 2003,
p. 90). No entanto, em Levinas o Rosto é caracterizado de modo distinto, não é um
caminho para as relações, mas sim, pura relação; não é fenômeno, mas autêntica
manifestação.
É na manifestação do Rosto que o Outro se torna presença. Presença que não
se inscreve no universo do “Mesmo”, mas extravasa, se constitui como infinito
(LEVINAS, 2000). Como infinito, o Outro como presença depõe a soberania do “Eu”,
o retorno ao “Mesmo” e o estatuto da egoidade.
O estatuto da alteridade emerge, portanto, de dentro desse jogo de potência e da impotência do eu diante do outro, diante da destotalização necessária da unidade da relação ética. A aparição do rosto, a sua revelação, põe em questão todos os poderes do eu e da sua tendência de comprimir tal manifestação na compreensão universal (MELO, 2003, p. 210).
O Outro, quando respeitado em sua alteridade e infinitude, em seu status de
absolutamente Outro, revela-se como Rosto, como presença. Caso o Outro não se
manifeste como presença, ele será rosto sem face, imagem plástica, mimético
(HADDOCK-LOBO, 2006).
É na presença do Rosto do Outro diante do eu, na relação face a face, que se
instaura o mandamento “Não matarás” e que apela a manifestação do “Eis me aqui”.
Face a face, o eu não pode mais negar o Outro. “O face a face é assim uma
impossibilidade de negar” (LEVINAS, 2010, p. 57), é fonte de sentido que interpela o
egoísmo e a soberania do “Eu”; é relação de “um eu-diferente face-a-face com o
Outro-diferente” (COSTA, 2000, p.93). A ordem do mandamento ético é ser um-para-
o-Outro e não mais ser para-si.
Sem embargo, a relação face a face não é conceitual, nem princípio lógico,
muito menos dogma. Para Cintra (2009, p. 70), em Levinas ela “é fato da experiência
cotidiana, fato metafísico, isto é, ético, por isso implicando bondade, generosidade”.
Dessa forma, o face a face é uma manifestação de humanidade, de respeito a
alteridade.
39
No face a face, a alteridade se revela no Rosto, resistente à totalização,
assimilação, representação e compreensão ontológica, e se admite como infinito e
transcendência. Por meio do Rosto, da presença do Outro e da relação face a face
Levinas (2009) inaugura um novo humanismo, a partir da relação metafísica, em que
a centralidade do “Eu” se rompe e o eu se torna responsável pelo Outro, de forma
infinita e irrecusável, movido pelo desejo metafísico e obsessão pela estrutura da
subjetividade de um-para-o-Outro.
2.5 Relação metafísica e responsabilidade ética
Este último tópico, sobre a teoria da ética da alteridade de Emmanuel Levinas,
busca explicitar os aspectos principais da constituição da relação metafísica, que
implica a responsabilidade ética. Na relação intersubjetiva, relação eu-Outro, o eu
Levinasiano se relaciona com o Outro no mundo de forma diferente, a partir da
ética/metafísica. Deste modo, a relação intersubjetiva acontece como uma relação
metafísica, de responsabilidade infinita do eu pelo Outro, para além dos fundamentos
da totalidade, do egoísmo e do poder.
Na perspectiva de Levinas (2010), a subjetividade está situada no plano
ontológico e a alteridade no plano metafísico. O princípio da subjetividade, dentro dos
limites do ser, não é um puro existente – independente do mundo, mas um puro
vivente – ser em relação. O ser é designado enquanto vivente por sua relação com o
mundo onde vive e se alimenta, no gozo e satisfação de suas necessidades; está
centrado na ordem da sensibilidade, anterior a intencionalidade da consciência.
Abstraindo o sujeito de todas as suas relações com os outros, ele pensa um Eu como sensibilidade e afetividade no seu primeiro nível de relação com o mundo e com a natureza. É na plenitude do gozo da vida biológica, sensorial, e na satisfação de todas as suas necessidades materiais, econômicas e intelectuais, da posse à teoria, que está a origem da subjetividade (PAULA, 2005, p.423).
Dessa forma, a relação do sujeito com o mundo se dá, inicialmente, a partir das
sensações e não da consciência. A relação é um meio no qual o vivente provê as
necessidades e as satisfações pessoais do eu, em virtude da ansiedade do eu por si
e do egoísmo desenfreado.
Para Levinas (2010, p. 33), o vivente é aquele que vive na totalidade e existe
como totalidade, “como se ele ocupasse o centro do ser e fosse sua fonte”, não exerga
40
o mundo exterior. Em contrapartida, o pensante é aquele que conhece a totalidade,
situa-se em relação a ela de modo particular, contudo percebe a exterioridade.
O puro vivente ignora assim o mundo exterior. Não por uma ignorância que tangencia o conhecido, mas por uma ignorância absoluta, pela ausência de pensamento. Os sentidos não lhe fornecem nada; ou não lhe fornecem senão sensações (LEVINAS, 2010, p. 33-34).
Por outro lado, isso não quer dizer que o vivente “não é sem consciência, mas
tem uma consciência sem problemas”, ou seja, sem exterioridade, “mundo interior cujo
centro ele ocupa, consciência que não se preocupa em situar-se em relação a uma
exterioridade” (LEVINAS, 2010, p. 34). Assim, o vivente não percebe o Outro como
alteridade.
Entretanto, Levinas concebe que a sensibilidade possibilita a abertura à
exterioridade, ao estranho, ao mistério, para além da saciedade das coisas do mundo,
por meio do Desejo. Isto implica dizer que a relação metafísica se instaura a partir da
sensibilidade do “Mesmo” e da sua abertura ao Outro que se revela como mistério,
inapreensível, alteridade absoluta.
Isto posto, na relação metafísica proposta por Levinas o homem se constitui de
sensibilidade14 e alteridade, no entanto, é impossível representá-lo, assimilá-lo e
compreendê-lo por meio das ações totalizadoras do pensamento.
A sensibilidade está constituída como proximidade, isto é, como um-para-o-outro, como sensibilidade receptiva, como inteligibilidade “sentinte” anterior à luz do ser. Inteligir é “receber” antes de compreender (COSTA, 2000, p. 169).
A subjetividade do homem expressa como sensibilidade do um-para-o-Outro,
respeita a alteridade do Outro, no sentido pré-originário do cuidar, alimentar, vestir,
entre outros.
É a sensibilidade de um-para-o-outro, que permite a um receber o outro. Um ser humano sensível e singularizado que recebe sensivelmente o outro, como comida saborosa que alimenta, como roupa que cobre e agasalha, como a água que mata a sede, como teto que cobre, etc. Um ser humano sensível e singularizado que recebe sensivelmente o outro ser humano como uma alteridade que lhe está concernida quando este lhe aparece com fome, frio, sede, enfermo, sofredor, pobre, indigente, etc. (COSTA, 2000, p. 167).
14 Por utilizar aspectos de conceitos ontológicos, como o da sensibilidade, pode-se afirmar que
Levinas não nega a ontologia, mas a critica como filosofia primeira, pela redução do Outro ao “Mesmo”.
41
Assim como a mãe deixa todos os seus afazeres e gostos de lado e privilegia
os de seu filho, mesmo sem saber se ele cuidará dela no futuro. Ou, ainda, a pessoa
que ajuda outra que passa por algum problema, sem ter nenhuma explicação sobre
as causas que levaram a esse acontecimento. O sentido humano de ser um-para-o-
Outro é anterior à consciência do retorno ao “Mesmo”. Este é o aspecto básico da
relação metafísica: a saída do eu para o Outro sem retorno; um desejo assimétrico,
uma relação de transcendência entre o eu e o Outro, oposta à totalização e à
dominação.
A relação metafísica se diferencia da relação ontológica pela ideia de desejo
metafísico, manifestado na assimetria, gratuidade, bondade e generosidade. O eu sai
de si e se move em direção ao Outro pelo desejo. Desejo, que na relação metafísica,
não busca a satisfação de necessidades e carências, mas “tende para uma coisa
inteiramente diversa, para o absolutamente outro” (LEVINAS, 2000, p. 21); o eu com
outra intenção “deseja o que está para além de tudo o que pode simplesmente
completá-lo” (LEVINAS, 2000, p. 22).
O desejo metafísico é desinteressado e gratuito, e, portanto, revela-se como
bondade (LEVINAS, 2000). O desejo faz com que o eu face ao Outro não se faça
indiferente, mas questiona e esvazia o egoísmo. Também na relação metafísica, o eu
e o Outro são absolutamente separados, o que impossibilita a assimilação dos
sujeitos, e pelo desejo esta separação se conserva por não alimentar as necessidades
individuais, mas sim a generosidade.
Para além da fome que se satisfaz, da sede que se mata e dos sentidos que se apaziguam, a metafísica deseja o Outro para além das satisfações, sem que da parte do corpo seja possível qualquer gesto para diminuir a aspiração, sem que seja possível esboçar qualquer carícia conhecida, nem inventar qualquer nova carícia. Desejo sem satisfação que, precisamente, entende o afastamento, a alteridade e a exterioridade do Outro (LEVINAS, 2000, p. 22).
É justamente esse desejo desinteressado, manifestado como bondade e
generosidade na relação metafísica, que representa a dimensão humana, o sentido
da vida. Porém, isso não significa que a maldade humana seja ignorada por Levinas.
Em sua liberdade, o homem pode escolher entre o bem e o mal. Entretanto, para
Levinas, a recusa da responsabilidade pelo Outro - entendida na epifania do Rosto, “o
fato de deixar essa atenção prévia desviar do rosto do outro homem, é o mal. O mal
é possível, mas a santidade também” (POIRIÉ, 2007, p. 94).
42
Assim, pode-se afirmar que em Levinas a subjetividade é concebida como
sensibilidade, constituída como o ‘um-para-o-Outro’, como responsabilidade para com
o Outro – respeitado em sua alteridade infinita, anterior a qualquer “possibilidade” de
compreensão e representação, é manifestação de não-indiferença e amor (POIRIÉ,
2007; COSTA, 2000).
Por sua vez, cabe destacar que em sua teoria da ética da alteridade, Levinas
considera a responsabilidade do eu pelo Outro como irrecusável (POIRIÉ, 2007),
tendo em vista que é resposta à lei ética inscrita pré-originariamente na subjetividade,
estabelecida na epifania do Rosto e na relação face a face, que não se constitui em
imposição, mas obsessão pela estrutura da subjetividade de um-para-o-Outro. E,
ainda, no sentido da teoria de Levinas, antes da lei, “assumir a responsabilidade por
outrem é para todo homem uma maneira de testemunhar a glória do infinito15 e de ser
inspirado” (LEVINAS, 1988, p. 95).
Também a responsabilidade é assimétrica e para explicá-la Levinas (1988, p.
84) retoma a frase de Dostoievski que diz: “Somos todos culpados de tudo e de todos
perante todos, e eu mais que os outros”, lembrando que, em sua teoria, esta frase se
constitui de modo diferente: somos todos responsáveis de tudo e de todos perante
todos, e eu mais que os outros. Dessa forma, para o autor (1988, p.82), “o eu tem
sempre uma responsabilidade a mais do que todos os outros”.
Em seguida, Levinas é questionado pelo interlocutor se o Outro não teria
responsabilidade pelo eu/por mim. Ele responde que talvez, mas explica que a relação
intersubjetiva é assimétrica. O eu é responsável pelo Outro sem esperar reciprocidade
(LEVINAS, 1988). É importante destacar que nesta relação, não há anulação do eu,
mas questionamento da soberania do “Eu” e renúncia ao egoísmo, em obter
satisfações individuais.
Destarte, a responsabilidade coloca, permanentemente, em questão a
liberdade do sujeito e a converte em um novo sentido. A responsabilidade precede e
ultrapassa a liberdade. “Responsabilidade para com os outros, por uma
15 Embora o Talmude e a Bíblia tenham feito parte da formação intelectual e fundamentação
teórica de Levinas, a argumentação teológica não foi foco principal de sua teoria. Apesar disto, a
relação com a teologia foi estabelecida a partir da concepção levinasiana de “além ser”, revelado no
Rosto do Outro. Dessa forma, a definição de subjetividade como responsabilidade primeira pelo Outro
passa a significar a substituição do eu ao Outro e é nesta substituição que se revela a presença do
Divino.
43
responsabilidade anterior a todo engajamento livre” (LEVINAS, 2009, p. 81), e,
também, “reponsabilidade que não deve nada à minha liberdade é minha
responsabilidade pela liberdade dos outros” (LEVINAS, 2009, p. 85). A
responsabilidade constitui a subjetividade como lei ética, um-para-o-Outro, pensada
anteriormente à liberdade do eu.
Em suma, na relação intersubjetiva como relação metafísica, a subjetividade se
configura como sensibilidade, com respeito à alteridade infinita do Outro, na lei ética
de um-para-o-Outro, para além da possibilidade de compreensão e representação. É
relação assimétrica, de desejo metafísico desinteressado e gratuito, manifestado
como bondade e generosidade. É relação estabelecida a partir da epifania do Rosto,
do face a face, em que o eu tem responsabilidade irrecusável pelo Outro, anterior à
sua liberdade. Considera-se que o homem tem dentro de si uma mistura de bem e de
mal, de bondade e egoísmo, de amor e indiferença, prevalecendo aquela que tiver
mais atenção, ou seja, o que for mais semeada nos processos de formação.
Todavia, as estruturas sociais, particularmente as educacionais, estão
impregnadas de egoísmo e indiferença para com o Outro. Portanto, faz-se necessário
proporcionar relações intersubjetivas distantes das relações de poder, de soberania
do “Eu”, e da “filosofia do Mesmo”, mas que sejam relações metafísicas/éticas, de
respeito à alteridade, ao Outro enquanto absolutamente Outro, infinito e
transcendente, de responsabilidade irrecusável e assimétrica, como sugere a teoria
da ética da alteridade de Levinas, um caminho possível para enfrentar os desafios do
mundo contemporâneo.
44
3 CONTEXTO CONTEMPORÂNEO: A EDUCAÇÃO SUPERIOR SEM ROSTO
Este estudo aborda o tema da não-presencialidade e da alteridade como
problemas recorrentes nos espaços de convivência humana na contemporaneidade,
principalmente no âmbito da educação superior, buscando alicerce na teoria da ética
da alteridade de Emmanuel Levinas para a indicação de possíveis caminhos para uma
formação mais humana e ética.
Como forma de justificar a importância e originalidade desta tese, retrata-se
primeiramente neste capítulo um resumo breve e comentado da teoria da frieza
burguesa de Andreas Gruschka (2014) e sua repercussão na sociedade
contemporânea, para posterior discussão sobre as influências do sistema capitalista
e da produção industrial nos processos de formação no ensino superior,
especialmente na EaD.
Busca-se em Gruschka (2014) fundamentação para apresentar provocações e
diálogos a respeito das contradições existentes na sociedade capitalista, da tensão
entre ser e dever ser, das divergências entre aspirações e realidade nos processos
educacionais e, principalmente, da frieza como base para análise do insucesso da
educação em relação ao sentimento humano, a fomentação da indiferença para com
o Outro e a negação da alteridade.
Entende-se que há uma incongruência entre as vertentes teórico-filosóficas de
Gruschka (e outros autores da Teoria Crítica utilizados como Adorno e Horkheimer) e
de Levinas. No entanto, não se trata de deformar o pensamento de Levinas, no que
diz respeito à metafísica, mas de fundamentar a utilização da Teoria Crítica de
Gruschka, de veio materialista, como justificativa da ética da alteridade como possível
“antídoto” para a frieza burguesa e primazia da razão instrumental. Embora os dois
autores procedam de perspectivas teórico-metodológicas distintas (Gruschka é
pedagogo que fundamenta sua teoria educacional em pesquisas empíricas e Levinas
embase sua reflexão em princípios filosóficos) é possível reconhecer co-incidência
entre ambos no que se refere à importância da convivialidade e presencialidade no
processo formativo.
45
3.1 Teoria da frieza burguesa e sociedade contemporânea
Apesar da teoria de Andreas Gruschka (2014) ter sido formulada com base na
realidade de seu país – Alemanha – é possível verificar temas e problemas comuns,
presentes em contextos bastantes distintos, como, por exemplo, no Brasil, fato
possivelmente relacionado ao processo de globalização associado ao sistema
econômico capitalista.
No caso específico desta investigação, observa-se um aumento do processo
de naturalização16 da frieza nas relações sociais, a indiferença para com o Outro, a
banalização do Outro e, consequentemente, a intolerância frente ao diferente. Estas
fragilidades do convívio humano têm despertado o interesse de estudiosos
(GRUSCHKA, 2014; LEVINAS, 2009; PIVATTO, 2011) no tema dos direitos humanos,
do respeito ao Outro e às diferenças. Andreas Gruschka (2014), autor em destaque
neste tópico, é um dos principais escritores que tematiza de forma sistemática essa
realidade a ponto de formular uma teoria crítica da pedagogia, com enfoque na frieza
burguesa.
Do ponto de vista histórico, o conceito de frieza não foi criado por autores do
início do Romantismo como muitas vezes se pensa; “como Manfred Frank17 mostrou,
a metáfora possui uma história anterior que vem desde os textos mais antigos da
tradição do Ocidente” (GRUSCHKA, 2014, p. 38). Conceituada como falta de
sensibilidade, emoção e afeto, e demonstração de indiferença nas relações sociais, a
frieza, também não é uma particularidade da sociedade burguesa, uma vez que
acompanha, desde os primórdios até a contemporaneidade, as manifestações dos
homens (GRUSCHKA, 2014).
Ainda segundo este autor (2014), com o advento da sociedade burguesa na
Idade Média, destaca-se a expressiva influência da frieza na formação da
subjetividade das pessoas, atribuindo a ela a responsabilidade por incitar ações de
indiferença dos seres humanos entre si e por “arquitetar” um novo tipo barbárie.
16 Entende-se naturalização como retirada da historicidade de um acontecimento, governado
por leis naturais.
17 Manfred Frank constatou em sua tese a existência de várias pesquisas e textos em que a
metáfora da frieza pode ser encontrada, como, por exemplo, no antigo testamento da Bíblia, no livro de
Ezequiel, e nos textos de escritores gregos. Para mais informações, consultar FRANK, M. Das kalte
Herz – text zur Romantik. Frankfurt. 1978.
46
Também Adorno e Horkheimer (1985, p.1), instigados pela existência e
consequências da frieza burguesa, questionam por que a humanidade “ao invés de
entrar em um estado verdadeiramente humano, se afunda em um novo tipo de
barbárie?”. Esta nova barbárie, estudada pela Teoria Crítica, vem assumindo
dimensões cada vez mais preocupantes ao longo das últimas décadas.
A frieza, caracterizada como mal-estar moral da cultura burguesa, se manifesta
na indiferença de um para com o Outro na constituição das relações cotidianas entre
os indivíduos. A escola18, um dos espaços de estabelecimento destas relações, pela
sua concepção e história de contradição, apresenta um paradoxo entre o ideal de
formação e a realidade concreta. Como ideal de formação a escola almeja a
emancipação, a solidariedade e a justiça social; no entanto, na realidade fomenta o
avanço da frieza com as normatizações dos processos educacionais guiadas pelos
princípios da sociedade burguesa (GRUSCHKA, 2014).
Gruschka (2014) lembra que, no almanaque de contos de fadas de Wilhelm
Hauff19, em especial no conto “O coração frio”20, o indivíduo formado na sociedade
burguesa possui um “coração frio”, em virtude da submissão de suas relações à lógica
do lucro e da vantagem. De acordo com o conto, aquele que “guarda” um “coração
frio” age com indiferença em relação ao próximo; indiferença naturalizada, que torna
o sofrimento do Outro imperceptível e os seres humanos insensíveis, incapazes de
ouvirem os apelos do Outro. É como se a indiferença fosse uma “proteção”, que
impede o ser humano de responder ao sofrimento do Outro.
Um dos fenômenos que estimula a corporificação do “coração frio” é a
industrialização. A estrutura e organização do processo industrial despertam no
homem ações frias, insensíveis e isoladas, que desprezam o ser humano e sua vida
em sociedade, como por exemplo: “a relação salário-trabalho que destrói a ajuda
solidária entre trabalhadores, as habilidades dos homens degradadas a
procedimentos mecânicos sem vida através do método produtivo” (GRUSCHKA,
18 Considera-se como escola, qualquer instituição educacional, independentemente do nível de
ensino, desde o básico até o superior.
19 Wilhelm Hauff nasceu em 1802, foi um escritor muito conhecido da escola alemã, e publicou
vários contos, dramas, romances, peças de teatro, entre outros. Ele é patrono de um prêmio de
incentivo a literatura juvenil devido a importância de suas obras (GRUSCHKA, 2014).
20 Citado de acordo com as obras de Hauff, tomo 2, Munique 1970 (GRUSCHKA, 2014, p. 27).
Este conto, em inglês “The cold heart”, está disponível em: http://fullreads.com/literature/the-cold-heart/
47
2014, p. 37), a carência de compaixão nas relações econômicas, a competitividade, a
degradação do meio ambiente, a exploração dos trabalhadores, entre outros aspectos
que constituem novas formas de barbárie da vida humana.
O ser humano com seu modelo racional humanista da sociedade contemporânea cometeu um grande erro na compreensão do mundo, fechado em si mesmo, onde tenta se impor sobre o outro, buscando o modelo de concorrência e da competitividade, dando mais valor às coisas e objetos do que ao ser humano (COSTA; CAETANO, 2014, p. 199).
A partir da indústria e do trabalho, o mercado se regulamenta pelo princípio da
troca. Trocas em relação às mercadorias, à prestação de serviços e diversos outras
formas de relações sociais que, em princípio, deveriam se distanciar dos
procedimentos mercadológicos. Neste sistema, é por meio da utilidade de algo ou de
alguém, que seu valor é definido: se não tiver qualidade, não for útil ou não servir ao
mercado, deve ser descartado e substituído. Nestes termos, o sujeito deve submeter-
se ao que é pragmático, útil, material e economicamente vantajoso. Ressalta-se que
o mercado de troca, não se limita aos produtos econômicos, mas envolvem os próprios
sujeitos, como trabalhadores que se tornam objeto de exploração, vítimas dos
mecanismos, dominados por “máquinas” de frieza (GRUSCHKA, 2014).
Para Goergen (1998), a supremacia do pensamento utilitarista é uma das
características impactantes de nossa época e uma das principais causas
responsáveis pelo aumento da competitividade na sociedade, em especial, no âmbito
educacional. Promove-se nos processos educacionais o desenvolvimento de
competências para o mercado de trabalho, destituídas de reflexão, encobertas de
frieza; os processos de ensino e a aprendizagem são avaliados de acordo com a sua
utilidade.
A frieza burguesa potencializa nos homens a prática da indiferença em duplo
sentido: entre si e contra si. A subjetividade burguesa constituída pelo egoísmo,
interesse e permanência do ser em si, reflexos da filosofia ocidental, é marcada pela
prevalência da “filosofia do Mesmo”, desde os gregos até a modernidade. Em uma de
suas principais obras, Levinas (2009) critica a forma de relação do homem com o seu
próximo, que fechado em seu egoísmo, preocupa-se somente consigo mesmo, sem
responsabilidade para com o Outro. Neste sentido, para Adorno e Horkheimer (1985),
as relações entre os homens foram enfeitiçadas, inclusive a relação de cada indivíduo
48
consigo mesmo; resultado do preço da dominação, e não somente da alienação dos
homens.
O preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 40).
Levinas considera que a civilização ocidental está presa, ao mesmo tempo, a
fatos antagônicos, como, guerra e paz (COSTA, 2000). A Paz é concebida por Levinas
como utópica no contexto da sociedade burguesa em vigência. Também Goergen
(2005a, p. 89) assinala que
É inútil sonhar com paz, respeito e solidariedade enquanto a sociedade permanecer dividida em classes sociais de ricos e miseráveis, de cultos e ignorantes, de empregados e desempregados – ética do indivíduo e ética da justiça social.
Na esfera econômica, na organização racional do mercado de troca, não há
possibilidade de igualdade de condições, mas sim, de divisão econômica desigual, em
que os sujeitos se submetem à concorrência e ao princípio da vantagem/desvantagem
- em que a vantagem de um, resulta sempre na desvantagem de Outro. O
individualismo leva ao isolamento e adestramento social. Até mesmo a amizade, na
sociedade contemporânea, é submetida à lógica do custo/benefício, da
vantagem/desvantagem. Trata-se de um parâmetro que invade as mais pessoais e
íntimas esferas do relacionamento humano, levando Gruschka (2014, p.43) a concluir
que “a frieza somente é passível de ser criticada, mas não de ser negada na prática”.
Imersos na frieza, em busca de interesses e vantagens individuais, os sujeitos
dominados pela subjetividade burguesa, preocupam-se consigo mesmos, agem
isoladamente e uns contra os outros, “congelando” na sociedade capitalista as ações
de solidariedade. “Em nome da liberdade individual e coletiva se instaura uma ética
autônoma, subjetivista, individualista. Cada um passa a ser sujeito das próprias regras
de convivência: tudo é regido pelo indivíduo” (MELO, 2003, p. 28). Ações “para si” se
transformam, conceitual e equivocadamente, em “para nós”. Portanto, “na medida em
que a solidariedade não se torna efetiva na libertação, mas apenas uma proteção
redutora das ameaças ao sujeito, estruturalmente ela significa a confirmação da frieza”
(GRUSCHKA, 2014, p. 81).
49
Essas ações vazias de solidariedade preocupam ainda mais quando
relacionadas diretamente aos processos educacionais em função de seus efeitos
particularmente agressivos como, por exemplo, a perda do conteúdo moral e ético na
formação humana. Neste sentido, Dalbosco (2005, p. 166) destaca que
[...] o efeito mais destrutivo de todo esse processo é, ao meu ver, e isso tem uma implicação direta ao processo educacional, a ruptura dos laços de solidariedade que as relações comunicativas ocorridas no mundo da vida entre as pessoas ainda conseguiam manter e sua substituição por relações pessoais individualistas e egocêntricas.
Por esses e outros motivos, Levinas (2009) aponta que a sociedade passa por
uma crise de humanidade que, pela experiência da ineficácia e ambições humanas,
somente pode ser enfrentada pela geração de um novo humanismo, fundado na
perspectiva ética da relação com o Outro e sua alteridade. Segundo o filósofo, esta é
única alternativa para a sociedade contemporânea envolta numa teia de indiferenças
e de conflitos permanentes, frutos do homem fechado em si mesmo.
Outra face dessa frieza burguesa é a perda de sensibilidade dos indivíduos que
se acostumam com a injustiça permanente, levando-os a assumir uma postura de
ignorância, supressão e marginalizaçao do Outro, que confirma, assim, a perpetuação
da frieza na sociedade (GRUSCHKA, 2014). A frieza, como já haviam observado
anteriormente Adorno e Horkheimer (1985), firma-se como princípio moral
fundamental da subjetividade burguesa, em prejuízo da sensibilidade e da
solidariedade na formação humana. Em contraposição a essa tendência da sociedade
burguesa, Levinas considera a sensibilidade humana elemento essencial para a
constituição da subjetividade (COSTA, 2000).
Para Gruschka (2014), a frieza burguesa é um mecanismo de autoproteção e
autopreservação do sujeito na sociedade capitalista, como uma obrigação social de
adaptação e integração – ocasionada pelo medo, uma vez que o homem de “coração
frio”, não é necessariamente um homem mau, apenas é forçado a agir friamente para
permanecer socialmente “ativo”, sem possibilidade de escape. “[...] o medo cria a força
da obrigação à integração, quem não se adapta está ameaçado de supressão de seu
direito de vida individual” (GRUSCHKA, 2014, p. 70). Disso se pode inferir que a frieza
não é apenas uma questão de ordem pessoal que poderia ser sanada pela educação
dos indivíduos, mas uma questão social, ou seja, uma questão estrutural de
ordenamento social que precisa ser mudado.
50
Gerada pela frieza burguesa, a indiferença está presente em diversas ações
para com o próximo, enfraquece as relações de contato, diálogo e de alteridade, e
promove o distanciamento entre as pessoas, a não-presença do Outro. Gruschka
(2014) alerta que a frieza burguesa pode estar desapercebida, inclusive, em atos de
amabilidade e espontaneidade, como um feitiço. Algo que já havia chamado a atenção
de Levinas (2010; 1988, p. 37) que, embora afirmasse que é por meio da amabilidade
que os indivíduos existem e que amar designa bondade e generosidade, também já
havia desconfiado “da palavra amor, que está estragada” por atitudes e ações.
O mundo, tal como está organizado na sociedade capitalista contemporânea, é
frio em si mesmo; logo, como condição de vivência e sobrevivência, o homem somente
consegue se manter “vivo”, quando assume a frieza. A ação de tornar-se frio, muitas
vezes é automática e natural; uma conduta social, intrínseca às diversas esferas
sociais, como, por exemplo, no campo educacional.
Gruschka (2014) faz reflexões teórico-sociológicas sobre a frieza em âmbito
educacional, especialmente sobre a denominada Pedagogia Fria. Em alemão, o termo
Pedagogia engloba o debate sobre a educação e também a orientação da prática dos
educadores, posto que não existe a profissão de pedagogo, como no sistema
educacional brasileiro. Na Alemanha são considerados pedagogos21, os professores
universitários e cientistas vinculados à área da educação.
No passado, anteriormente ao surgimento da frieza burguesa, os professores
e outros agentes educacionais22 promoviam, em suas práticas educacionais, ações
de repressão, coerção e punição aos alunos, totalmente desumanas, como, por
exemplo, castigos físicos, com a crença de que proporcionariam disciplina e ordem
nas instituições escolares. Gruschka (2014) afirma que, mesmo tardiamente, boa
parte das escolas se livraram destas ações “frias”, o que comprova a “renúncia” ao
formato do sistema educacional do passado. No entanto, para o autor (2014) com
base nessas e outras práticas educacionais a história da pedagogia pode ser
entendida como a gênese da frieza.
21 Na Alemanha, os professores de ensino fundamental I e II são chamados de “Lehrer”. Já os
professores de ensino médio são denominados de “Studienräte”. E, por fim, os professores
universitários e cientistas da educação são os “Pädagogen”, que significa, pedagogos.
22 Entende-se por agentes educacionais todos os indivíduos envolvidos no processo
educacional, como: diretor, coordenador, inspetor, etc.
51
Na contemporaneidade, a presença da frieza nos mecanismos educacionais
pode ser encontrada de maneira sutil. Contudo, é inegável a existência de práticas
“frias” na educação ainda na contemporaneidade. De acordo com Gruschka (2014, p.
364), “os alunos não são mais espancados por terem se comportado de modo
inadequado, mas são ameaçados de expulsão ou são, de fato, expulsos”. Para o autor
(2014), as atuais práticas de exclusão dos sujeitos do processo educacional de
formação humana, submetem os alunos a uma sanção social mais grave do que as
condutas de agressões físicas. Dessa maneira, atribui-se a qualquer tipo de coerção,
repressão e punição a perpetuação da frieza, e a ausência destas ações como uma
possibilidade de superá-la.
Contra a pedagogia normativa ou a doutrinação pedagógica, como
possibilidade de compensação, se manifesta a ética pedagógica. Com ideias que se
relacionam com a teoria de Levinas (2000), Gruschka (2014, p. 222) acredita que “a
educação somente será concebível, como eticamente justificada, num nível metafísico
da comunicação sobre seus problemas”.
A frieza também pode estar associada às práticas de exclusão ligadas à
questão da desigualdade no acesso à educação, como ocorre especificamente no
Brasil, e também em outros contextos sociais e culturais, em que os grupos menos
favorecidos não tinham (e muitos ainda não têm) oportunidade de ingresso nos
processos educacionais de formação.
Até 1967, quando é introduzida a escolaridade obrigatória e gratuita de oito anos, poucos foram os sujeitos pertencentes aos grupos menos favorecidos que conseguiram ter acesso à educação formal no Brasil. Com a obrigatoriedade do ensino básico, embora a oferta de vagas ainda fosse bastante reduzida, a escola pública brasileira se converte em uma instituição garantidora da igualdade de acesso de todos à educação, iniciando-se assim o processo de democratização do ensino público no país (ARAÚJO, 2014, p. 127).
Entretanto, mesmo após o processo de democratização da educação pública
no Brasil, não foi possível garantir a igualdade de acesso de todos ao sistema
educacional. Segundo Haddad (2007, p. 31), “os avanços na oferta de escolaridade
dos brasileiros não alteraram o quadro das desigualdades na educação”.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que nas
regiões Norte e Nordeste, onde se concentram o maior número de pobres e miseráveis
52
no país, em situações de vidas precárias23, até o ano de 2000, aproximadamente 89%
da população, encontravam-se em defasagem escolar. Da mesma forma, também nas
regiões consideradas mais ricas, como Sul e Sudeste, os índices de defasagem
escolar eram altos, representados, respectivamente, em 66,1 e 68,0 % da população
(IBGE, 2000). Assim, refletir sobre a frieza nas práticas educacionais, também implica
uma contestação eminentemente política e ética.
Para Gruschka (2014), há na educação problemas centrais de ambivalência,
como, por exemplo, a distinção entre a função e o postulado da educação. Como
função, atribui-se à educação o processo de desenvolvimento da aprendizagem,
regido por regras e ordens estabelecidas pelo capitalismo de mercado, dominante na
sociedade. Perpetua-se uma educação funcional, de adaptação e reprodução de
tarefas a serviço da sociedade burguesa. Por outro lado, o postulado se caracteriza
pela emancipação do sujeito diante das exigências do sistema capitalista, como uma
luz frente à condição humana de subordinação e integração a este sistema
massacrante.
Em uma sociedade capitalista configurada e orientada por princípios
mercadológicos, a educação subsidia o modelo funcional, fomentando a formação de
subjetividades burguesas, com base em princípios individualistas e egoístas, e a
exaltação da soberania do “Eu”. A educação, constituída como instrumento essencial
para a criação de identidade e obtenção de conquistas individuais, segue a lógica da
concorrência e da competitividade, em que as relações sociais são como negociações
de troca, e os processos educacionais de formação são como métodos de integração
ao sistema do mercado capitalista.
Os objetivos da escola, do currículo, o discurso dos gestores e dos próprios professores estruturam-se em função do indivíduo, da satisfação de suas necessidades profissionais e ganhos futuros e neutralizam-se os conflitos de classe, dissipa-se o imaginário revolucionário, cresce a apatia com relação aos temas mais amplos e
23 Indica-se para pesquisas futuras, um aprofundamento teórico nas obras de Judith Butler, que
resgata o pensamento filosófico de Emmanuel Levinas para falar das vidas frágeis/vidas precárias.
Possivelmente, os escritos da autora podem contribuir, para além das questões da frieza no contexto
educacional, também para o debate acerca da desconsideração dessas vidas frágeis na EaD, em
virtude da influência da lógica mercantilista e supremacia da racionalidade técnica, entre outros fatores,
que reduzem o processo de formação na EaD à um mecanismo de ensino meramente instrucional e
informativo.
53
sociais enquanto aumenta a efervescência em torno do eu, de suas necessidades de consumo (GOERGEN, 2005a, p. 80).
Como educação funcional, o sistema de ensino se molda de acordo e a serviço
da sociedade burguesa, e forma os indivíduos segundo os interesses econômicos. A
emancipação almejada é deixada em segundo plano. O postulado emancipatório da
formação do indivíduo, converte-se “no ideal de homem submisso à ordem burguesa
e aos seus interesses, disposto a aceitar as regras do mercado e a instrumentalização
do ser humano a seu serviço” (GOERGEN, 2005b, p.61).
Desta maneira, o sistema de ensino desempenha funções que não coincidem
concretamente com as aspirações postuladas anteriormente e que deveriam ser
legitimadas, o que provoca o seguinte questionamento: “Como é possível uma prática
que boicota a sua própria aspiração e como se comportam os envolvidos em relação
a isso?” (GRUSCHKA, 2014, p.170). Mesmo com a forma racionalista associada ao
conhecimento, o autor afirma que os processos educacionais não excluem a
possibilidade intelectual do indivíduo de exceder sua função pré-definida pelo sistema
econômico. Entretanto, frequentemente, os envolvidos aceitam os princípios do
sistema sem questioná-los.
Gruschka (2014) acredita que os envolvidos em um processo de ensino e
aprendizagem, a favor de uma educação ética, devem questionar a organização
social, os princípios e conteúdos educativos da escola. Os currículos escolares,
inconsistentes, obrigam os professores a ensinar conteúdos canonizados, de forma
rápida – mesmo que os alunos não os compreendam, o que impossibilita o acesso à
aprendizagem e transforma os alunos em sujeitos frios, indiferentes frente à formação
humana, assim como seus professores em seres “robotizados”, que apenas executam
tarefas pré-determinadas sem questioná-las e modificá-las, indiferentes aos alunos.
Esta situação se complica ainda mais nos processos de formação à distância no
Brasil, em que o professor-autor ou conteudista (aquele que cria o material didático e
“ensina” por meio de vídeos), não é o mesmo que o professor-tutor (aquele que está
disponível online para tirar dúvidas e auxiliar os alunos) – tema abordado com mais
detalhes no capítulo 4.
Alguns modernizadores da economia, preocupados com o princípio da
concorrência do sistema de mercado, concebem a escola como instituição arcaica e
ultrapassada, que inibe a formação da autonomia do sujeito devido à sua estrutura e
organização imutáveis, com rituais e regras inibidoras da criatividade. Por outro lado,
54
os indivíduos adquirem excepcional autonomia para a busca de conhecimentos úteis
e funcionais em outros espaços, para além da escola, o que os tornam muitas vezes
inconscientes e indefesos contra a frieza burguesa (GRUSCHKA, 2014). Para o autor
(2014), um exemplo preocupante é a autodidática pessoal, como acontece nos
processos de formação a distância em que o indivíduo aprende em frente ao
computador, de modo autônomo. Tudo em excesso, para mais ou para menos – como
no caso da autonomia, pode ser prejudicial ao processo de formação.
Outro ponto importante para a discussão é a imparcialidade do professor diante
do processo de avaliação por meio de atribuição e comparação de notas, o que
confirma mais uma vez que a ideia de igualdade nos processos educacionais está
relacionada a um sistema de privilégios e proliferação de comportamentos de
indiferença e frieza no âmbito escolar. Uma avaliação por meio de atribuição de notas
somente seria justa e ética na hipótese de que cada indivíduo mostrasse no teste
padronizado aquilo que sabe, relacionado às suas aprendizagens e conhecimentos
prévios/anteriores e, não comparado às aprendizagens dos demais indivíduos
(GRUSCHKA, 2014).
Contudo, no processo educativo do sistema burguês/mercantilista, a
comparação entre os indivíduos tem um efeito “socializador”. Os sujeitos são
socializados para a frieza burguesa a partir de critérios de avaliação comuns. O que
aqui se apresenta como comum e, portanto, justo, na verdade, é injusto em função
das diferenças individuais. Em sistemas educacionais mais justos, os processos de
comparação e competição poderiam ser substituídos por compartilhamento,
solidariedade, bondade e generosidade, em busca de benefícios comuns. No entanto,
a estrutura funcional das instituições escolares está pautada na formação para
“igualdade”, na formação comum a todos, ancorada no objetivismo científico e não no
respeito às diferenças entre os seres humanos.
Verifica-se, portanto, que a educação carrega consigo, historicamente,
procedimentos associados à frieza burguesa. Esta frieza se expressa na doutrinação
pedagógica, na repressão, punição e/ou exclusão; no processo de ensino e
aprendizagem funcional, moldado a serviço do mercado e da sociedade burguesa; na
comparação e na competitividade, concebidas como práticas “socializadoras”; nos
currículos inconsistentes, inibidores de criatividade e nutridores da formação de
indivíduos sem consciência, indefesos, individualistas, e indiferentes para com o
55
Outro. Estes são exemplos de alguns dos fatores geradores de frieza presentes nos
sistemas educacionais e nas relações sociais contemporâneas.
O ponto fulcral desta crítica que acaba de ser esboçada está na necessidade
do Outro se revelar como um sujeito singular e único que os sistemas de
generalizadores de massa desconsideram. Na busca de alternativas, busca-se na
teoria da ética da alteridade de Levinas, novas perspectivas e possibilidades de
mudança dessa realidade posta, a nosso ver, especialmente marcante ao processo
de formação à distância. Pretende-se argumentar em favor de uma educação ética,
sensível, que respeite o Outro em sua alteridade, com suas diferenças, com seu rosto
próprio e único, manifestado na presencialidade, como condição inexcusável. Não se
trata, como se poderia imaginar, da negação da EaD como um todo, mas da defesa
da necessidade da relação face a face, da revelação do Rosto do Outro, como
condição de um novo humanismo.
3.2 O ensino superior e o processo de formação: educação como
mercadoria
Com as ideias e reflexões do tópico anterior sobre a teoria da frieza burguesa
de Andreas Gruschka, verificou-se que o sistema econômico, com sua estrutura e
organização, influenciou e segue influenciando até hoje as relações sociais, inclusive,
no âmbito da educação.
O contexto contemporâneo carrega consigo dois fenômenos de alto impacto na
sociedade: a globalização e o avanço da ciência e tecnologia. Devido ao fenômeno
da globalização, tudo o que acontece no mundo interfere diretamente nas economias
nacionais e se reflete, particularmente, nas ações individuais. Produtos, recursos
econômicos, conhecimentos, informações e imagens circulam, muitas vezes em
tempo real, por todo o globo. Neste sentido, “a globalização apresenta-se como a
grande panaceia supostamente capaz de sanar os males dos desnivelamentos
sociais, permitindo que todos participem das benesses do desenvolvimento científico
tecnológico” (GOERGEN, 2005a, p. 77).
Produto do capitalismo tardio, a globalização promove, por um lado, o
desenvolvimento de forças produtivas que geram o acúmulo de riqueza; todavia, por
outro lado, ao invés de “sanar” os problemas de desigualdade social, intensifica a
56
pobreza e a injustiça social. Neste âmbito, a ciência e a tecnologia se transformaram
na principal força produtiva e meio ideológico de dominação do capitalismo.
Isto significa dizer que técnica e ciência não só foram saberes aplicados ao desenvolvimento econômico da sociedade, sendo força propulsora da produção e acúmulo de riqueza da modernização social capitalista. Elas foram transformando-se progressivamente em fonte de dominação não só da natureza, mas também das pessoas, de suas instituições e das relações nelas estabelecidas (DALBOSCO, 2005, p. 164-165).
Anteriormente ao advento da ciência e tecnologia, “os conceitos de bem e mal
eram definidos a partir de princípios metafísicos ou teológicos”, no entanto, “foram
sendo substituídos por útil e inútil bem presos à serventia empírica” (GOERGEN,
1998, p. 58). Na perspectiva da produção e do acúmulo de riquezas, promove-se o
engrandecimento do utilitarismo, materialismo e individualismo, e a valorização das
ações relacionadas ao poder, prazer, posse e satisfações pessoais no dia a dia da
vida contemporânea.
Não se trata de negar a importância do progresso da ciência e tecnologia, uma
vez que se atribui a este fenômeno a responsabilidade pelo êxito da solução de graves
problemas diagnosticados na humanidade nos mais diferentes âmbitos, inclusive na
educação. Contudo, também “é fato que a ciência pode representar uma ameaça à
humanidade como um todo e, de outro, é extremamente difícil encontrar formas de
mediação entre ciência e ética” (GOERGEN, 2015, p.310).
A história já nos ensinou, através de Auschwitz, das bombas atômicas, das guerras convencionais ou eletrônicas e da destruição do meio ambiente, que a razão celebrada como ciência e tecnologia, é um instrumento tanto útil quanto perigoso (GOERGEN, 2005a, p. 69).
Outro exemplo, a internet (elemento de destaque nesta tese, por se tratar de
uma ferramenta chave do processo de formação a distância), resultante do avanço da
ciência e da tecnologia, “se reinventou e cresceu de forma anárquica, sem dono nem
centro, a despeito, claro, do imenso e milionário jogo de forças e de poder” (GOMES,
2013, p. 19).
Ao mesmo tempo em que a globalização e o avanço da ciência e tecnologia
podem proporcionar progressos à sociedade, também geram problemas graves de
toda ordem, inclusive relacionados às questões éticas nos processos educacionais.
Na contemporaneidade, a capacidade racional de controlar a vida por meio da ciência
57
e tecnologia, antes idealizadas, alcançam poder de consequências inimagináveis, as
quais se transformam numa das preocupações centrais da ética e da humanidade.
Apesar das consideráveis conquistas da ciência e tecnologia para a vida
humana, as ameaças impostas ao homem e à natureza lhe conferem um sentido
ambivalente de avanço fantástico e de risco extremo. A paradigmática objetividade e
neutralidade do novo modelo de racionalidade desconsidera valores éticos e morais
para a tomada de suas decisões. Neste sentido, a dominação do homem se dá a partir
do momento em que a racionalidade técnica não reconhece limites, assumindo o
domínio e manipulação da vida em geral e da vida humana, em particular. Tal situação
alcança tamanha gravidade que se tornam urgentes mudanças que visem garantir
uma sociedade mais ética e humana.
Para tanto, se torna central a estratégia de reconquista da autonomia e
emancipação do homem mediante o uso da razão, convertido, equivocadamente, na
contemporaneidade, “no ideal de homem submisso à ordem burguesa e aos seus
interesses, disposto a aceitar as regras do mercado e a instrumentalização do ser
humano a seu serviço”, na medida em que os “paradigmas éticos do passado
perderam seu poder vinculante porque seus fundamentos foram desconstruídos
racionalmente” (GOERGEN, 2005b, p. 61 e 77).
Os riscos advindos desta trajetória moderna impõem a consciência de que “a
ética e a moral24 são grandezas de orientação inevitáveis para as mudanças sociais”
(GRUSCHKA, 2014, p.12). Em contrapartida, para Levinas (2010), a ética não está
limitada à uma estrutura e organização de regras e leis que normatizam o agir moral
dos indivíduos. Não tem por objetivo a reflexão crítica sobre a moral e nem busca
responder as questões de como se deve agir ou o que se deve fazer (ética do dever
ser). O autor (2010) concebe a ética como relação metafísica, de respeito à alteridade
infinita do Outro, na epifania do Rosto, na relação face a face com o transcendente,
com responsabilidade irrecusável e assíncrona.
24 Ainda que tratados conjuntamente, moral e ética não são sinônimos. Moral refere-se às
normas e aos valores que fundamentam ações de determinado grupo social e, ética à elucidação dos
fundamentos e à justificativa dos valores nas formas de convivência dos seres humanos. Segundo
Severino (2005, p. 141-142), “a ética coloca-se numa perspectiva de universalidade, enquanto a moral
fica sempre presa à particularidade dos grupos e mesmo dos indivíduos”. Os valores morais são
constituídos na vivência humana e fazem parte da ética, uma vez que ela é “responsável por uma
reflexão crítica sobre a moralidade, sobre o agir moral dos homens” (SEVERINO, 2005, p. 148).
58
Descrevo a ética, é o humano, enquanto humano. Penso que a ética não é uma invenção da raça branca, da humanidade que leu os autores gregos nas escolas e que seguiu certa evolução. O único valor absoluto é a possibilidade humana de dar, em relação a si, prioridade ao outro (LEVINAS, 2010, p. 136).
Esta tese, assim como assinala Severino (2005, p. 148), é uma investigação
“inteiramente compromissada com as mediações históricas da existência humana,
não tendo mais a ver apenas com ideais abstratos, mas também com referências
econômicas, políticas, sociais, culturais”. Desta maneira, considera-se que
Nenhuma ação que provoque a degradação do homem em suas relações com a natureza, que reforce sua opressão pelas relações sociais, ou que consolide a alienação subjetiva pode ser considerada moralmente boa, válida e legítima (SEVERINO, 2005, p. 148).
Para que as ações sejam moral e eticamente válidas, a formação humana, no
processo educacional, deve abranger a formação para a cidadania, ou seja, a
formação ético-moral. A formação do cidadão implica senso crítico e responsabilidade
social. Ao invés disso, a sociedade se encontra envolta em contradições, como as que
podem ser encontradas nas discrepâncias entre as exigências da formação
profissional e cidadã. “O mundo econômico exige competência, competitividade, a
busca de vantagens; a cidadania requer respeito às diferenças, solidariedade e busca
do bem-estar social” (GOERGEN, 2005a, p. 65).
O que se espera da educação ético-moral é que contribua para ampliar a capacidade reflexiva dos indivíduos para que a autonomia e liberdade subjetivas ampliadas possam ser resgatadas do individualismo hedonista e ser capitalizadas em favor de um novo projeto de transformação social (GOERGEN, 2005a, p. 87).
O desafio está posto: formar cidadãos críticos, responsáveis socialmente, que
sejam capazes de agir eticamente a favor do bem-estar da sociedade e da
transformação social, que respeitem o Outro como alteridade, com suas diferenças,
em um cenário contemporâneo globalizado, em que a ciência e a tecnologia são as
forças produtivas do sistema capitalista e intensificam as ações de frieza, indiferença
para com o Outro, desigualdades e injustiças sociais.
59
3.2.1 Educação para ética da alteridade e/ou educação como mercadoria?
A intencionalidade do agir humano requer conceitos e valores como princípios
básicos de referência. Muitos destes princípios que orientam o agir são provenientes
de padrões impostos socialmente. Por este motivo, é relevante explicitar a importância
da relação entre ética e educação para a construção social de referências para
formação humana, além de argumentar sobre a modificação do conceito de ética e a
transformação da educação em mercadoria na sociedade contemporânea.
A contemporaneidade caracteriza-se como um período de grandes mudanças
que influenciam a sociedade e o agir humano, e que afetam a função, estrutura e
organização da educação, bem os princípios éticos que a envolvem. Goergen (2005a)
ressalta que na sociedade repleta de contradições, ambiguidades e incertezas, em
que o sistema econômico apenas se interessa pela formação de um sujeito hábil, com
competências técnicas, obediente e adaptável à lógica do mercado, é difícil
concretizar uma formação humana ética.
Neste sentido, a educação escolar formal, ou seja, a escola é um dos ambientes
responsáveis por possibilitar práticas educacionais a favor de uma formação ética dos
sujeitos. Mas, além dela, também a sociedade de modo geral, a família e, também os
meios de comunicação também atuam, direta ou indiretamente, na formação de
indivíduos éticos. Assim, o processo de formação humana, que em parte acontece na
escola, não pode ser reduzido à transmissão de conhecimentos, informações,
conteúdos e técnicas voltados ao sistema mercadológico, mas precisa visar, também,
à formação de seres humanos éticos, comprometidos com o bem-estar da sociedade,
com respeito à alteridade, assumindo sua responsabilidade pelo Outro.
Com a promoção da racionalidade por meio do advento da ciência e da
tecnologia, e consequente fetichização25 do conhecimento científico e da técnica,
atrelados ao sistema capitalista, tanto a sociedade, quanto a escola foram
incorporadas às exigências do mercado.
Confiantes em seu poder emancipatório, ciência e tecnologia alcançaram enormes avanços, gerando autoconfiança, domínio e poder em termos de intervenção, supostamente, favorável ao desenvolvimento social e econômico. No contexto do neoliberalismo, impuseram-se interesses econômicos e mercadológicos privatistas, em flagrante contradição com os interesses sociais. Daí resultou um
25 Termo utilizado por Goergen (2015).
60
conflito de natureza ética entre um modelo científico-tecnológico atrelado aos interesses econômico-mercadológicos e a preservação do direito de todos aos ideais de bem-estar e justiça social (GOERGEN, 2015, p. 314).
A escola, assim como os demais espaços de socialização, nos seus respectivos
espaços de ensino e aprendizagem, contamina-se com conceitos e práticas, ligados
à utilidade econômica e mercadológica. De certo modo, pois, a escola e própria
educação se encontram imbricadas no mercado, em prejuízo de seu ‘Rosto’ humano.
Ademais, é preciso considerar que a escola não pode se desvincular das relações de
poder e de dinheiro, uma vez que, segundo Dalbosco (2005, p. 169), “tanto seus
planos educacionais como sua sustentação financeira, no caso das escolas públicas,
dependem do financiamento público atrelado a ações governamentais e amparado
legalmente pela Constituição”, além do investimento da indústria de mercado em
instituições, totalmente, privatizadas e particulares.
Trata-se de uma forma sorrateira de enquadramento ideológico e ético que transforma profundamente os conceitos de liberdade e realização humanas, ao mesmo tempo em que influencia as aspirações, focando-as no individual, no material, no prazer, no imediato (GOERGEN, 2005a, p. 77).
É nesse contexto, que o conceito de ética vem se modificando na sociedade
contemporânea, capitalista, mercadológica, individualista e hedonista. Isto posto, as
opções éticas se ajustam aos interesses de cada indivíduo levando a uma certa
resiliência ética, complacente com quaisquer tipos de comportamentos, não sendo
nada incomum nos depararmos com a “aprovação” ética de ações apenas
sistemicamente eficientes. Cada indivíduo, isoladamente, cultua a sua própria ética, a
sua verdade, fragmentando o projeto de responsabilidade social pelo bem-estar da
sociedade como um todo, em espaços individuais, particulares e privados.
Distanciados do ideal do comum26, dos códigos éticos e dos costumes, em
busca de uma verdade pessoal e individual, os sujeitos vivem cada vez mais isolados,
solitários, agem com o “coração frio” e indiferentes para com o Outro. Afastados do
quê propõe Levinas em sua teoria da ética para alteridade, de enxergar no Rosto do
Outro, na relação face a face, o compromisso e a responsabilidade com e pelo Outro.
26 Ver DARDOT, P.; LAVAL, Chr., Comum – ensaio sobre a revoluçao no século XXI, São
Paulo: Editora Boitempo, 2017
61
Como já destacado anteriormente, a sobrevivência das instituições escolares,
sejam elas escolas ou universidades, não pode se efetivar separadamente do sistema
econômico. Apesar disso, as atividades relacionadas à formação acadêmica também
não deveriam se limitar somente aos princípios da ciência e tecnologia que favorecem
ao sistema de mercado, dado que compete às universidades a emancipação dos
indivíduos, relacionada, intrinsicamente, à formação de sujeitos conscientes e
responsáveis. Portanto, é imprescindível que a universidade atente para este
compromisso e se responsabilize por uma formação mais humana, social e ética,
engajada na luta por valores como a dignidade humana, a solidariedade e o respeito
ao diferente, ao Outro.
Importa assinalar que o sentido social da universidade não pode ser simplesmente avaliado pela adequação da universidade ao sistema (neoliberal) sem que esse sistema seja discursivamente tematizado e avaliado na perspectiva de seu sentido emancipador para a sociedade como um todo. Se for omissa nesse ponto, a universidade correrá o risco de se colocar a serviço dos interesses hegemônicos e, portanto, de servir à discriminação inerente ao sistema neoliberal, imaginando estar cumprindo muito bem sua função social (GOERGEN, 2006, p. 83).
Colocar-se a serviço do sistema neoliberal significa, de parte da universidade,
assumir como ideal formativo o aparelhamento a este modelo econômico e aos
valores a ele inerentes. Ora, um desses valores é precisamente a competitividade, a
superação do Outro ou, em termos da presente reflexão, da exclusão do Outro. Sob
a perspectiva da soberania do “Eu”, do individualismo e do isolamento social, a ética
está sendo privatizada. Cada qual age de acordo com os interesses particulares, em
busca de vantagens pessoais e individuais. O novo humanismo, idealizado por
Levinas (2009), ao contrário, propicia o respeito à alteridade, ao absolutamente Outro.
A racionalidade científico-tecnológica que conduziu ao domínio de uma ética
utilitarista, parece tangenciar hoje os limites de sua razoabilidade quando se considera
o cenário de exploração, de exclusão, de eliminação, de depredação do Outro humano
e da natureza. Esta realidade de exclusão da alteridade que parece aprofundar-se dia
a dia, defronta-se na contemporaneidade com uma nova proposta de educação ético-
moral: a promoção do respeito ao diferente em sua alteridade infinita e da
responsabilidade por Outrem.
Considera-se, que a ética, fundamentada na perspectiva da alteridade, na
epifania do Rosto, na relação face a face, como proposta teórica do filósofo Emmanuel
62
Levinas, é de fundamental importância para a prática da construção e organização de
uma sociedade mais justa, solidária e humana. Este é um dos principais desafios da
formação nas instituições de ensino na contemporaneidade: “formar um ser humano
íntegro num mundo desintegrado; [...] formar um sujeito ético numa realidade sem
valores; formar um sujeito sensível numa sociedade violenta; formar um sujeito
democrático numa sociedade excludente” (GOERGEN, 2015, p. 31).
Diante de todas as inquietações apresentadas neste tópico, considera-se que
é de suma importância estabelecer a relação entre alteridade e educação para a
construção social de referências, para um agir humano mais ético. Optar pela
educação para ética ou educação como mercadoria, talvez, seja uma impossibilidade,
uma vez a educação não pode se efetivar separadamente do sistema econômico são
dependentes e inseparáveis na sociedade contemporânea.
No próximo tópico, discute-se, de modo mais aprofundado, as influências da
globalização no ensino superior, seu processo de internacionalização e
transnacionalização, especialmente na EaD.
3.2.2 Indústria educacional, internacionalização e transnacionalização do ensino
superior
Como já mencionado anteriormente, a globalização está provocando
mudanças cada vez mais complexas, não somente na esfera tecnológica e
econômica, mas em todos os setores sociais, inclusive no educacional. Ela está
inserida em um contexto capitalista, com propósitos essencialmente econômicos e,
no caso da educação, principalmente no ensino superior, está associada às novas
ideologias profissionalizantes, com foco nas qualificações e empregabilidade (ALVA,
2010).
Com sustentação em fundamentos econômicos, a globalização tem como
finalidade, reduzir ao mínimo o papel do Estado e dos domínios públicos,
principalmente, no campo da educação. Prioriza-se a competitividade entre os
indivíduos e a vantagem individual imediata a qualquer preço, e secundariza-se o
bem-estar comum social.
A sobrevalorização do econômico e de tudo que faz parte da lógica mercantil produziu um enfraquecimento dos valores públicos e, em
63
contrapartida, o fortalecimento da ideologia do individualismo e de tudo que possa gerar mais sucesso individual, em detrimento do sentido social da vida (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 52).
Uma das consequências expressivas da globalização está associada à
transformação da educação em instrumento fornecedor de conhecimentos e mão de
obra humana para a “máquina produtiva” - o sistema capitalista. Inserida em um
universo em que tudo se vende, se compra e tem seu preço, a educação também
acaba sendo integrada aos processos de mercantilização. Desta maneira, a educação
transforma-se em, como vem sendo chamada, indústria educacional. Os espaços
educacionais – as instituições escolares, convertem-se em shopping centers,
alicerçados na lógica do consumo e do lucro (ALVA, 2010).
Em contradição ao que está posto, de acordo com o artigo 7 do II Congresso
Mundial da Internacional de Educação, realizado em Washington, em 1998, nas
sociedades cada vez mais complexas e multiculturais, a educação, para formar seres
humanos preparados para viverem e se envolverem de modo ativo e consciente, e
para preservar os ideais democráticos, de justiça social, de solidariedade e paz, não
deve jamais se submeter aos interesses econômicos.
Também segundo consta no Extrato da Declaração das Delegações da
Organização Mundial de Comércio (OMC), aprovada em Melbourne, em 2005, a
educação, como fator humano e bem público, não deve ser tratada como mercadoria,
submetida às leis do comércio. E ainda, destaca que suas características mais
importantes são culturais, sociais e de desenvolvimento.
Portanto, considera-se que a educação conceituada como direito social e
subjetivo, bem público e formação humana, se contrapõe à concepção de educação
como mercadoria, que pode ser adquirida privadamente27 como objeto de negócio
(DIAS SOBRINHO, 2010).
27 De acordo com Sguissardi (2008), o processo de expansão da Educação Superior aconteceu
de modo desproporcional, com prevalência das IES privadas. No período de 1994-2006, verificou-se
o crescimento de 13,7% do número de IES públicas e 219,4% das IES privadas. Evidenciou-se também
o processo de privatização das matrículas que em doze anos aumentaram 75% nas IES públicas e
275,2% nas IES privadas. Segundo dados mais recentes de Sguissardi (2017), constata-se a presença
majoritária do setor privado na Educação Superior no Brasil, representando 85% das IES e 75% das
matrículas no país.
64
É evidente que não se pode negar a importância da economia para os avanços
sociais, mas, por outro lado, conforme afirma Morin (2005, p.16), “a economia é, ao
mesmo tempo, a ciência mais avançada matematicamente e a mais atrasada
humanamente”. Logo, a educação vinculada à economia pode se configurar como
imoral e antiética, pois afasta o homem de sua condição humana.
A educação globalizada, submissa aos princípios econômicos, deixa de lado a
responsabilidade face ao Outro, em benefício do lucro e da rentabilidade financeira.
Anula-se a relação de alteridade, entendida como “capacidade ética de reconhecer o
outro como legítimo outro e não como um mero instrumento, meio ou recurso” (ALVA,
2010, p. 81).
É nesse contexto, permeado de contradições e mudanças complexas, de
avanços e exclusões, que se insere o ensino superior - a universidade. Esse cenário
da globalização, atrelado diretamente ao sistema capitalista neoliberal, pode e decerto
determina valores, formas de ver e representar as relações culturais e sociais, que ao
olhar de Dias Sobrinho (2010) precisam ser rejeitadas e não incorporadas pela
universidade.
Para o autor (2010, p. 30-31) a universidade é um “espaço social em que os
sujeitos sociais se formam e se constituem por intermédio de suas ações e
experiências com o saber e com os outros”. No entanto, presa a lógica capitalista, esta
função encontra-se comprometida. Para reverter esta situação, é necessário que a
universidade repense, com coerência, suas escolhas e caminhos a serem seguidos,
e não aceitar ser somente operacional e instrumentalizada a serviço dos interesses
do sistema capitalista.
Nesse mesmo sentido, de acordo com Panizzi (2002), a universidade apenas
tem sentido como construção coletiva consistente, desde que não ceda à sedução do
extraordinário e ao mesmo tempo momentâneo – mercado capitalista, como meio de
produção de riquezas “quantitativas” e escassez de riqueza moral, valores,
convivência, diálogo, crítica e ética.
Considerando que “a educação superior sempre esteve muito proximamente
relacionada às forças dominantes em cada época, [...] e, reciprocamente interferiu
sobre a sociedade de cada época” (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 64), essa nova
“concepção” de universidade, a serviço da economia, coloca em jogo sua identidade,
deixa em segundo plano a humanidade e intensifica a frieza e a indiferença para com
o Outro.
65
A sociedade contemporânea vive em condição de anomia, em situação de
grandes incertezas e de falta de princípios valorativos. A universidade se apropria de
um modelo racional operacional e se constitui desprovida da substância mais
profunda: o sentido humano. Condicionada pelo contexto e exigências do sistema
capitalista, ela está insegura sobre seu papel e suas funções na sociedade
contemporânea. Desse modo, é preciso que ela tenha liberdade e abertura para
intencionar suas ações com fundamentos éticos e sociais (DIAS SOBRINHO, 2010).
Nesse sentido, é importante refletir sobre o papel que a Educação Superior – a
universidade, exerce na construção da sociedade, não somente do ponto de vista
econômico, mas, também, e sobretudo, em relação à ética.
Com a estreita relação entre a Educação Superior e a economia, novos
significados e problemas sociais e profissionais emergem na sociedade, e
enfraquecem as referências valorativas e os processos de construção de
subjetividades na vida social. Seduzida pelos estímulos econômicos, “a educação
superior não necessariamente se compromete com os interesses mais amplos da
sociedade” (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 78); entretanto, obedece e dedica-se ao
sistema de mercado, mais do que à responsabilidade de formar cidadãos.
Umas das críticas – em boa parte, a educação superior estaria deixando de ter como referência o desenvolvimento da sociedade e formação da consciência crítica de cidadãos e estaria elegendo como finalidades principais a autonomização técnica, a competitividade individual, a instrumentalização econômica, a operacionalidade profissional (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 23-24).
Mais do que competição, elementos técnicos, operacionais e instrumentais
para inserção dos indivíduos no mercado de trabalho, a dimensão ética deve ser
valorizada nas instituições de ensino superior, uma vez que dá significado à
responsabilidade social. Para Dias Sobrinho (2010), a questão da ética na Educação
Superior envolve nos processos de formação - além de capacitação profissional e
preparação para os aspectos práticos da vida, a promoção de valores, o
desenvolvimento moral e intelectual, a autonomia do sujeito, a participação na vida
social.
Agora, em meio à crise geral de referências valorativas e à economização da sociedade e da própria educação, coloca-se à universidade a exigência de fazer suas escolhas e definir os sentidos de sua existência futura: servir a sociedade ou servir ao mercado; restringir-se à agenda econômica ou, prioritariamente, desenvolver as
66
dimensões sociais e políticas que lhe são essenciais (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 102).
Assim como no tópico anterior sobre “Educação para ética da alteridade e/ou
educação como mercadoria”, em que a educação não pode omitir a dimensão ética e
estar apenas vinculada aos aspectos econômicos, considera-se que, assim como para
Dias Sobrinho (2010), seria equivocado afirmar que a universidade deve estar a
serviço da sociedade e da ética, e excluir a economia como se esta não fosse uma
dimensão importante para o desenvolvimento social. Em contrapartida, também seria
um grande equívoco conceber a economia como razão principal da sociedade e
configurar a Educação Superior como mero instrumento a serviço do sistema
econômico.
A globalização e o sistema econômico impõem novas configurações e
capacitações à sociedade, especialmente, aos processos de formação. A
responsabilidade da Educação Superior na sociedade contemporânea globalizada é
ainda maior que em contextos anteriores e, por ora, ainda não está conseguindo
responder com propriedade às exigências atuais. Cabe à universidade, também, o
papel de transformação da sociedade por meio da ação consciente de indivíduos
formados do ponto de vista técnico e ético, associadamente.
Não é possível argumentar sobre a globalização e sua repercussão na
educação sem mencionar a internacionalização do ensino superior, considerada por
Alva (2010) como uma forma de reação perante as possibilidades e desafios da
globalização. A internacionalização do ensino superior é avaliada pela Unesco (2003)
como uma reflexão de caráter universal do aprendizado e da pesquisa, que envolve
um conjunto de elementos, como: programas de estudo, processo de ensino e
aprendizagem, pesquisa, acordos institucionais, mobilização de estudantes e
professores, promoção da cooperação, entre outros.
Também pode ser definida como um processo de integração de todas as
dimensões – intercultural, nacional e global, em todas as atividades, funções e
organização da universidade, não apenas relacionadas aos estudantes, mas aos
serviços, processos de ensino e investigação. A dimensão internacional é o centro da
concepção da universidade (WIT, 2005).
De acordo com Dias Sobrinho (2010, p. 141), os objetivos e as estratégias da
internacionalização do ensino superior têm duas dimensões: “uma
interna, de fortalecimento da qualidade institucional, outra externa, voltada a ampliar
67
o prestígio internacional de uma instituição, e, assim, aumentar sua capacidade de
atrair estudantes, demandas da indústria e financiamentos”.
Essas duas dimensões começaram a ser propagadas no decorrer do tempo,
após a criação de novos significados, decorrentes da maximização das
comunicações. A primeira dimensão está relacionada ao desenvolvimento do
processo de ensino e aprendizagem, relação entre estudantes e professores,
processos de investigação, etc. A segunda, está associada indiscutivelmente às
motivações e aos interesses econômicos, afastada e sem correspondência ao
conceito inicial de internacionalização.
Um aspecto não pode ser omitido, ao se tratar da mobilidade internacional que hoje se verifica na educação superior: a formação dos quadros segundo o paradigma cultural e administrativo neoliberal. O que aí prevalece não é o compromisso com o desenvolvimento da nação de origem, e sim os interesses das empresas sem pátria (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 142).
Segundo Afonso (2010), no que diz respeito a problemática da segunda
dimensão, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS)28, um dos principais
compromissos internacionais que entrou em funcionamento em 1995 promovido pela
OMC e criado para expandir o sistema de comércio, possivelmente afetará de forma
crescente a educação em virtude da alteração do papel do Estado nacional e dos
padrões de funcionamento dos sistemas educativos submetidos à concepção de bem
comum.
Se isto ganhar maior amplitude, como é previsível, ‘um hipotético sistema educativo mundial’ não apenas levará a uma maior internacionalização das credenciais e diplomas, como impulsionará decisivamente a ‘globalização da produção e do consumo do conhecimento‘ (AFONSO, 2010, p. 1148-1149).
Para Afonso (2010), o ensino superior é o setor mais passível de sofrer
influências do mercado global em relação à comercialização dos serviços educativos;
ademais, menciona que há mais de uma década a transnacionalização da
universidade vem acontecendo com suporte da OMC e transformando, a longo prazo,
a Educação Superior em uma mercadoria educacional.
É nesse contexto de interesses econômicos e lucrativos que surge então o
fenômeno da transnacionalização, não raro confundido com a internacionalização; no
28 Em inglês General Agreement on Trade in Services (GATS).
68
entanto, são, claramente, distintos, conforme observa Dias Sobrinho (2010, p. 141):
“diferentemente da cooperação internacional, a transnacionalização tem como
principais motivações a competitividade e o lucro”.
A Educação Superior enfrenta atualmente dificuldades com os altos índices de
competitividade, não apenas em âmbito local, mas internacional. A
transnacionalização promove uma educação transfronteira e o comércio de serviços
educativos e fortalece-os por meio das fronteiras com fins comerciais, econômicos e
lucrativos (DIAS SOBRINHO, 2010; KNIGHT, 2004).
Para Dias Sobrinho (2010, p. 154), “a educação deixa de, essencialmente,
educar; é serviço, sujeito às leis de oferta e demanda, que se produz em função e com
o objetivo de lucro”. Esse comércio transnacional acontece também em espaços
virtuais, em que as fronteiras físicas se “desmancham” e a Educação Superior se torna
objeto de comercialização, não somente com processos de formação presenciais,
mas com a criação de uma nova modalidade, além-fronteiras físicas, a EaD.
Essa modalidade globalizada, transnacional, sem fronteiras, de livre negociação, tende a tomar a educação como um objeto de exportação e de comercialização, utilizando largamente os recursos das novas tecnologias (universidades virtuais) e novos tipos de contratos comerciais (universidades corporativas, filiais, franquias, alianças estratégicas) (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 145).
Embora as novas tecnologias sejam universais, existem fortes críticas e
resistências por parte de alguns com a inserção dos meios virtuais nos processos
educacionais, principalmente porque, segundo Dias Sobrinho (2010), ainda não
existem experiências fortes o suficiente para legitimar a qualidade da EaD em grandes
proporções. Uma das justificativas, fundamentada em Castells (1997, p. 431), seria
“porque a qualidade da educação ainda se associa, e assim continuará durante longo
tempo, com a intensidade da interação cara a cara”.
Se por um lado possuem questionamentos com relação à qualidade da EaD e
ainda é forte a concepção de educação como relação direta, frente a frente entre
pessoas; por outro lado, não há dúvidas de que a EaD é um campo de alto valor
econômico e fonte de lucro para muitas associações comerciais que investem no
âmbito da educação (DIAS SOBRINHO, 2010).
Entretanto, a EaD pode contribuir para a otimização de custos. Exemplo
relevante, é o caso da implementação desta modalidade no contexto brasileiro, em
que o Estado assumiu o papel de fomentador da implantação e institucionalização da
69
EaD, por considerá-la uma estratégia de reforma educacional e também por sua
contribuição para potencialização de custos, com a redução dos recursos humanos
(PESCE, 2007).
Em conclusão, apesar da globalização não ser um fenômeno novo, ela se
manifesta de forma intensa e extensa na contemporaneidade como nunca antes havia
se revelado, principalmente, em virtude da evolução das tecnologias. Estas novas
tecnologias trouxeram muitas mudanças, entre elas: novas concepções de espaço e
tempo, novos modos de organização econômica, novas formas de relações humanas,
novos estilos de vida e identidades, novas percepções de mundo e maneiras de agir.
Sob a perspectiva da economia e do avanço dos conhecimentos técnicos e
científicos, a educação, especialmente, em nível superior, tem se mostrado eficiente
quanto ao desenvolvimento e transformações em diversos aspectos da vida humana.
Em contrapartida, com a priorização do lucro, o processo de formação se empobrece
e se limita a aspectos técnicos, voltados ao mercado de trabalho, sendo a formação
ética relegada a segundo plano.
Dessa forma, torna-se necessário repensar o ensino superior em sua
configuração, concebendo-o não somente como indústria educacional, a serviço da
economia, mas como espaço de formação humana ética; duas finalidades muito
contraditórias em diversos sentidos, mas que assim não precisam ser, se trabalhadas
associadamente. No tópico a seguir, discute-se sobre o ensino superior a distância
em relação ao processo de produção industrial, envolvendo o interesse lucrativo de
corporações pela EaD, otimização de custos e redução de recursos humanos.
3.2.3 Ensino superior a distância: processo de produção industrial?
Com a globalização, diversos fenômenos reverberaram no âmbito do ensino
superior, sendo dois deles a internacionalização e a transnacionalização. O primeiro,
trouxe avanços significativos para a Educação Superior, no que se refere à integração
das atividades, funções e organização da universidade, fortalecimento institucional e
prestígio internacional. O segundo, intensificou a competitividade e o lucro no âmbito
do ensino superior, especialmente, com repercussões na EaD que se tornou um
campo de alto valor econômico para investimento de empresas. Essa tendência
fortaleceu-se de maneira acentuada nas últimas duas décadas. Neste sentido, Costa
70
e Aquino (2011) assinalam que há indícios de que foram, principalmente, os modos
de produção do contexto capitalista e a ênfase da globalização na economia que
contribuíram para acentuar a configuração da EaD como modelo, vigorosamente,
industrial.
Em estudo publicado em 196729, Otto Peters mostrou uma comparação entre
o ensino a distância30 e o processo de produção industrial, e apontou características
comuns entre eles, o que justificou a ideia de que a EaD era produto da sociedade
industrial. Entre os aspectos comuns presentes em ambos, Peters destacou a divisão
de tarefas e a especialização das funções, a mecanização, a criação de “linhas de
montagem”, a produção em massa, a padronização, a concentração e centralização
dos recursos (GOMES, 2004).
“O impulso para a intepretação do ensino a distância como forma
industrializada do ensino e da aprendizagem, ou como processo de ensino e
aprendizagem mais industrializados”, foi dado há 50 anos (PETERS, 2001b, p. 198).
O autor (2001b) destaca que a concepção de ensino e aprendizagem industrializados
não diz respeito à aplicação de alguns ou vários princípios da industrialização, mas,
se refere à analogia entre o processo de ensino e aprendizagem e o processo de
produção industrial. Em síntese, Peters (2001b) denomina de industrialização do
ensino, a aplicação do princípio da produção e do consumo em massa de bens ao
ensino acadêmico.
Ensino industrializado significa simultaneamente planejamento e divisão de trabalho prévios, desenvolvimento dispendioso e objetivação de meios, o que faz do ensino acadêmico um produto que pode ser produzido em massa como uma mercadoria, mantido em disponibilidade, distribuído em vasto território, avaliado e otimizado (PETERS, 2001b, p. 203).
29 Em 1967, Otto Peters publicou pela primeira vez suas percepções sobre a industrialização
do ensino a distância, em forma de monografia, em língua alemã. Todavia, sua grande divulgação
aconteceu somente após a publicação da mesma em língua inglesa, tornando-o um dos pioneiros na
teorização em EaD.
30 Utíliza-se neste tópico o termo “ensino a distância” em virtude da análise feito pelo autor Otto
Peters, comparando a EaD ao processo de insdutrialização. Dessa forma, na concepção de Peters a
EaD está ligada somente a um processo de ensino instrucional e não a um processo de formação em
sentido amplo.
71
De acordo com Keegan (1991), o conceito de industrialização do ensino de
Peters tem sustentação na sociologia industrial e representa uma das três principais
abordagens da EaD. Dessa maneira, considerando que não é possível analisar os
processos de formação superior a distância sem levar em conta as ideias de Peters
sobre o tema, pretende-se com este tópico refletir sobre os principais elementos da
teoria da industrialização do ensino de Peters (2001b).
Em sua teoria, Peters compreende o desenvolvimento dos sistemas educativos
como reflexo do modelo de sociedade na qual estão inseridos - sua organização,
princípios, valores e avanços tecnológicos (GOMES, 2004). Este é um dos
argumentos para explicar a expansão da EaD no Brasil na década de 1990, que
alicerçada no avanço da ciência e tecnologia, instaurou uma política nacional que
projetou um sistema de EaD inédito na história do país e de grande impacto na
produção acadêmico-científica nacional (COSTA; AQUINO, 2011).
Para Peters (2001b), cinco especificidades da organização e dos princípios da
EaD diferenciam-na de outras formas de Educação Superior: “a específica
combinação de algumas das formas de ensino e aprendizagem convencionais, o
aproveitamento específico de meios técnicos, um handicap31 estrutural específico, o
tipo especial dos estudantes” e maneiras exclusivas de institucionalização (PETERS,
2001b, p. 29). Além disso, a função dos professores se constitui como um trabalho
cooperativo compartilhado, reduzida praticamente ao papel de “fornecedores” de
ensino, com uso excessivo de tecnologias e falta de sensibilidade (PETERS, 2001b).
Dentre as diversas características da EaD descritas por Ishida, Stefano e
Andrade (2013) destacam-se, particularmente, as relacionadas ao processo industrial,
sua comunicação em massa – dirigida a um grande número de pessoas; seus
procedimentos industriais e efeito multiplicador – tudo planejado detalhadamente com
tempo, pois não há lugar para improvisações; e economia – confecções de materiais
com gastos divididos entre usuários e exemplares, professores contratados por tempo
limitado, etc. Portanto, em virtude da combinação de suas características, os
programas de ensino a distância “são desenvolvidos, elaborados detalhadamente,
padronizados, otimizados e aperfeiçoados a um custo jamais visto anteriormente”
(PETERS, 2001b, p. 129), como no processo de industrialização.
31 Significado de Handicap: vantagem/desvantagem, pode estar vinculado ao que é rentável.
72
A produção industrial está estreitamente associada ao processo de
“racionalização”. A racionalização do processo produtivo possibilita a obtenção de
resultados e produtos com a redução de gastos com energia, tempo e dinheiro, e
nesse sentido, pautada em interesses econômicos/mercadológicos, a EaD instaura
no campo da educação, a racionalização do ensino, tendo em vista maior
rentabilidade financeira comparada à educação presencial (GOMES, 2004).
Para Gomes (2004), o processo de produção e de racionalização manifestam-
se na EaD em diversos aspectos, dentre eles: a) divisão de tarefas e especialização
de funções; b) mecanização do processo produtivo; c) criação de “linhas de
montagem”; d) produção em massa; e) importância do trabalho preparatório e do
planejamento; f) formalização de processos; g) padronização dos produtos; h)
mudanças de funções; i) aumento da objetividade ao nível do processo produtivo e; j)
concentração e centralização. Por conseguinte, considera-se necessário explicitar
minuciosamente cada um dos aspectos mencionados anteriormente e sua aplicação
na EaD.
A divisão de tarefas e especialização das funções (a) é a condição básica para
que o processo de ensino e aprendizagem na EaD possa ser eficiente. Com a
crescente especialização da mão de obra e a redução dos períodos e custos de
formação, é possível capacitar um número maior de pessoas para o mercado de
trabalho (GOMES, 2004). Com relação ao trabalho docente, a divisão das tarefas
ocorre com a separação das funções por especialização. Por exemplo: o ensino, a
supervisão e a avaliação que no ensino presencial são feitas por apenas um professor,
na EaD são executadas por diferentes docentes, de acordo com sua especialização.
O trabalho é coletivo e compartilhado.
Quanto à mecanização do processo produtivo (b), ao fazer analogia entre o
processo de industrialização da sociedade e o processo de industrialização da
educação, Peters considera que na EaD, assim como na produção industrial, os
recursos de comunicação, o uso de máquinas e a produção de materiais pedagógicos
são essenciais (GOMES, 2004), o que favorece à crescente mecanização e
automatização da EaD.
A partir do processo de mecanização na industrialização foram criadas as
“linhas de montagem” (c), com a substituição do uso de ferramentas pelo uso de
máquinas, progressivamente mais eficientes. Por “linhas de montagem” entende-se
um sistema em que vários trabalhadores atuam sobre um mesmo objeto, os
73
trabalhadores permanecem em local fixo enquanto o objeto se desloca. Peters
considera que na perspectiva da EaD, a criação destas linhas não se restringe
somente à produção e distribuição de materiais de ensino, mas também se revela no
processo de interação professor/aluno (GOMES, 2004).
Todos os aspectos anteriores contribuem para a produção de bens em grandes
quantidades, “produção em massa” (d). É importante destacar que o processo de
“produção em massa” só faz sentido com a existência de consumidores. No caso da
EaD, o estudante assume o papel de “consumidor de educação acadêmica” e “a
produção em massa [...] manifesta-se pela produção de grandes quantidades de
pacotes de materiais de estudo e pela possibilidade de abarcar um número muito
alargado de estudantes localizados” em territórios diversos (GOMES, 2004, p.70); o
que possibilita a formação de muitos estudantes ao mesmo tempo, uma das
justificativas para o investimento de diversos países na EaD.
No processo industrial, a divisão de tarefas e a sua organização em “linhas de
montagem” determina que sejam estabelecidos os papéis e as relações de cada uma
das partes envolvidas no sistema (homens, máquinas e materiais), evidenciando-se
assim a importância do trabalho preparatório e do planejamento (e) (GOMES, 2004).
Na perspectiva da EaD, a preparação e o planejamento tem relação com a articulação,
integração e programação entre os encontros e tarefas de ensino. Sem preparação e
planeamento, não há ensino, em qualquer que seja a modalidade educacional. No
entanto, diferentemente da educação presencial em que um mesmo professor
acumula diversas funções, na EaD os professores dividem tarefas, cada um assume
uma parte das funções, sendo facilmente substituível (GOMES, 2004). Em função da
divisão de tarefas, considera-se que é ainda maior a relevância da preparação e do
planejamento na EaD para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça de
modo articulado e integrado.
Para que a formalização dos processos (f) aconteça, é preciso que nas várias
fases do processo de produção industrial, citadas anteriormente, os integrantes
estejam em cooperação. “Esta cooperação é essencial na medida em que cada
trabalhador tem que atuar com base em trabalho desenvolvido em etapas sucessivas,
de acordo com um plano prévio” (GOMES, 2004, p. 72). Este é um dos desafios para
EaD na contemporaneidade, inserida em um contexto de exclusão e individualismo,
em que cada sujeito pensa somente em si próprio, em suas vantagens, “esquecendo-
se” do Outro.
74
Outra característica da industrialização é a padronização dos produtos (g), que
possibilita a produção de bens em escala, a custos reduzidos, para um número
elevado de pessoas (GOMES, 2004). Na EaD, a padronização dos produtos acontece
por meio do planejamento prévio e único de programas de ensino e da produção de
materiais idênticos, sem levar em conta as particularidades de cada sujeito/aluno
envolvido no processo de ensino e aprendizagem, como se todos fossem iguais, sem
diferenças e singularidades.
Assim como no processo industrial, em que ocorrem mudanças de funções (h)
dos trabalhadores por meio da divisão de tarefas e da mecanização, na EaD os
professores enfrentam esta mesma condição, se comparados aos professores da
educação presencial. Um dos elementos que diferencia o processo de ensino na EaD
do ensino presencial é a mudança de funções dos professores. As funções que no
ensino presencial são atribuídas somente a um professor, na EaD são divididas entre
vários professores, divisão considerada como significativa e de qualidade.
Peters parece considerar que esta divisão das funções que convencionalmente eram desempenhadas por um mesmo professor apresenta vantagens significativas em termos de nível de qualidade possível de atingir nos sistemas de educação a distância. Esse acréscimo de qualidade decorre, no entender de Otto Peters, do facto de, ao estarem mais libertos da função de transmitir conteúdos, os professores-tutores poderem dedicar-se mais a actividades como a motivação e apoio de estudantes, estruturação dos conteúdos ou identificação de problemas (GOMES, 2004, p. 73).
De acordo com Gomes (2004), Peters considera como positivas as mudanças
de funções e a divisão de tarefas, levando em conta que o professor-tutor pode se
dedicar mais aos alunos por meio do incentivo e auxílio nas atividades, além da
organização de conteúdos e reconhecimento de problemas. Em contrapartida, é
preciso destacar que a possibilidade do professor-tutor poder se dedicar mais, não
significa que ele efetivamente o faça. É apenas uma possibilidade, que não garante
mudanças e resultados, realmente, significativos para o processo de ensino e
aprendizagem. Tais resultados dependerão do contexto e dos sujeitos envolvidos.
Outro aspecto da industrialização que também se manifesta na EaD é o
aumento da objetividade no processo produtivo (i). A inserção das máquinas no
processo produtivo, o torna mais objetivo e isento da influência dos trabalhadores, o
que resulta no aumento da escala de produção, com maiores ganhos econômicos.
75
Para Gomes (2004), no processo de ensino a distância, o aumento da objetividade é
essencial para a obtenção de economia em escala.
Só com um grande grau de objetividade associada ao desenho e produção de materiais de ensino, bem como a aspectos ligados à avaliação e apoio aos estudantes é possível “reproduzir” e promover situações de ensino à distância que possam ser disponibilizadas quando, e onde forem necessárias e para um número muito elevado de estudantes (GOMES, 2004, p. 74).
Em outras palavras, padroniza-se os materiais, as atividades, os processos de
avaliação, etc., e se reproduz de forma idêntica as situações de ensino, como: aulas,
tutoria, atendimento, tornando possível atender um grande público, estudantes
“consumidores”, mas desconsiderando suas particularidades e necessidades, com
objetivos lucrativos.
Por fim, a concentração e a centralização (j) de recursos existentes no processo
industrial, tendo em vista a viabilidade financeira, são encontrados, da mesma forma,
subjacentes ao sistema de ensino a distância. Para Gomes (2004, p. 74), “a
concentração dos recursos disponíveis e a adoção de um modelo de administração
centralizado é considerada por Otto Peters como a única possibilidade de tornar o
ensino à distância uma opção viável”, na perspectiva da economia.
Após a apresentação das características presentes no processo industrial e
também na EaD, cabe destacar que a teoria da industrialização de Otto Peters está
centrada, principalmente, na análise e descrição da organização e estruturação de
instituições de ensino a distância, com potencial explicativo e interpretativo muito
importante. Contudo, não pode ser considerada como uma teoria de ensino e muito
menos de aprendizagem a distância, uma vez que não explica e nem descreve o
processo de ensino e aprendizagem na EaD (GOMES, 2004).
Alguns críticos, como membros da Universidade Aberta do Reino Unido e
representantes da EaD na Austrália, apontam que é preciso superar os modelos de
EaD baseados em princípios da sociologia industrial e que o problema crucial da
interpretação comparativa de Otto Peters, entre a industrialização e a EaD, está no
emprego das características do modelo industrial fordista (COSTA; AQUINO, 2011).
Resumidamente, com sustentação no desenvolvimento capitalista pós-guerra,
o fordismo baseia-se na produção e no mercado de massa uniforme. Justaposto à
EaD, o modelo fordista “implica na divisão de trabalho, produção e consumo de
massa, organização, controle e distribuição centralizados dos programas, com os
76
cursos sendo concebidos” por um grupo pequeno de especialistas (COSTA; AQUINO,
2011, p. 44).
Entretanto, para Costa e Aquino (2011, p. 44), o fordismo “não se adaptaria
mais a uma sociedade em rápida evolução, com elevado nível de competitividade,
diversificação de demanda, expansão e uso intensivo de tecnologia avançada”. Dessa
maneira, aponta-se como necessário a EaD se adequar às transformações que
afetam o mundo. O modelo industrial fordista deveria ceder espaço ao pós-fordista,
“um modelo menos tecnocrata e mais humanista” (COSTA; AQUINO, 2011, p.44).
De acordo com Belloni (2012), um modelo pós-fordista de EaD precisa ser,
obrigatoriamente, focalizado no aluno, e não mais no programa e no controle de
qualidade. Aos professores cabe a função de desenvolver os cursos, currículos e
métodos, levando em conta a demanda dos estudantes. Assim, com o formato dirigido
ao aluno, a EaD não deixaria de ser uma adaptação do sistema de produção industrial,
mas seria mais flexível e direcionada às demandas dos “consumidores”. Contudo,
para Costa e Aquino (2011, p. 44), a aplicação do modelo pós-fordista à EaD “corre o
risco de acabar representando uma mera adaptação dos sistemas de EaD aos novos
imperativos do sistema capitalista e do mercado globalizado”.
Em conclusão, Peters (2001a, p.1) considera que o problema principal não
reside na aplicação de um modelo fordista ou pós-fordista na EaD, mas no fato de que
“as sociedades industrializadas se encontram agora num período de neo ou pós-
industrialização. Mas quando se analisa a maioria das universidades de ensino à
distância, ver-se-á que elas ainda aplicam princípios da industrialização”, com altos
índices de competitividade e frieza, carência de sensibilidade e de respeito à
alteridade.
Isto posto, Peters (2001b) considera que as sociedades pós-industriais abrem
novas perspectivas e dimensões para a EaD. A relação e o processo de ensino e
aprendizagem da EaD nas sociedades pós-industriais se configuram
fundamentalmente diferente das sociedades industrializadas. Dessa maneira,
destaca-se a importância de uma reforma na formação superior a distância, com uma
nova configuração, dimensão e concepção de ensino e aprendizagem.
77
4 FORMAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA NAS UNIVERSIDADES
Na última década, estudos e pesquisas (MOORE, ANDERSON, 2003;
SANTOS, 2006; MAIA, MATTAR, 2007; GIOLO, 2008; MUGNOL, 2009; GIOLO, 2010;
MILL, 2012; ISHIDA, STEFANO, ANDRADE, 2013; entre outros) no mundo e no Brasil
tiveram como objetivo compreender e analisar a EaD, seu desenvolvimento, estrutura,
organização e funcionamento.
Com o intuito de fomentar as discussões sobre esta modalidade de ensino
pretende-se neste capítulo explorar e relacionar os conceitos, argumentos e
resultados demonstrados nos estudos e pesquisas veiculados e leis que
regulamentam a EaD para refletir, de modo integrado e crítico, sobre a estrutura,
organização e funcionamento que esta modalidade de ensino vem apresentando ao
longo do tempo no mundo e no Brasil.
Com esse objetivo, analisa-se, inicialmente, a formação superior a distância em
âmbito mundial, em especial, as gerações da EaD e as experiências mais
significativas desta modalidade em diversos países do mundo. Em seguida, aborda-
se a mesma temática, particularmente e com maior profundidade, no contexto
brasileiro, com ênfase nas leis que regulamentam a EaD no Brasil e nos dados
apresentados pelos Censos da Educação Superior, em forma de relato cronológico
dos acontecimentos.
Posteriormente, apresenta-se duas experiências de universidades públicas
brasileiras de EaD, sob responsabilidade do Governo Federal e Estadual de São
Paulo, por meio da consideração de suas principais leis e regulamentações. No passo
seguinte, realiza-se a descrição da concepção, estrutura e organização da EaD no
Brasil, seus diversos modelos e abordagens existentes, assim como suas possíveis
ferramentas de interação e comunicação. Logo após, analisa-se os novos papéis
discente, docente e institucional esperados para esta modalidade de ensino. Por fim,
argumenta-se sobre o novo marco regulatório da EaD e os dados do último Censo da
Educação Superior.
78
4.1 Educação a Distância em âmbito mundial
Há muito tempo a EaD vem sendo reconhecida e adotada em diversos países,
de diferentes maneiras, adequada à realidade de cada contexto. Primeiramente, é
preciso lembrar que a EaD recebe sentidos e denominações distintas em cada país.
Nos Estados Unidos é denominada de estudo em casa ou estudo independente; na
Austrália, estudos externos; na França, telensino ou ensino a distância; na Alemanha,
estudo ou ensino a distância; na Espanha e Brasil, educação a distância; em Portugal,
teleducação e, por fim, na Inglaterra, ensino a distância ou ensino a uma distância
(MAIA; MATTAR, 2007).
De acordo com Maia e Mattar (2007), a EaD surgiu, de fato, em meados do
século XIX e XX, com o desenvolvimento dos meios de transporte (como trens) e de
comunicação (correio). Esse período caracteriza-se como a primeira geração da EaD,
em que o ensino acontecia por correspondência, com a produção e distribuição de
materiais impressos encaminhados via correio, em que a interação entre professor e
aluno acontecia de modo lento e era limitada aos períodos dos exames.
Evidencia-se na primeira geração, no ano de 1922, a criação de um sistema de
ensino por correspondência pela União Soviética (extinta) que atendeu 350 mil alunos
em um período de dois anos. Também, a França, em 1939, criou um serviço de ensino
por correspondência para estudantes que haviam emigrado (LEITÃO NETO, 2012).
Para Niskier (2000, p. 254), esta “é a forma mais popular de EaD”.
Com o surgimento e o aprimoramento dos meios modernos de comunicação -
rádio, telégrafo, telefone e televisão, e a posterior criação e difusão das Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação (TDIC)32, como o computador e a internet, que
facilitaram a transmissão de informações; ocorreu a ascensão e evolução dos cursos
de EaD no contexto mundial, especialmente, depois da segunda metade do século XX
(ISHIDA; STEFANO; ANDRADE, 2013; MUGNOL, 2009).
A EaD tem trazido experiências de sucesso em todo o mundo, principalmente após passarem a utilizar as novas tecnologias, como o aparecimento da fibra ótica, comunicação via satélite, Internet, vídeos e teleconferências, acarretando na expansão da aprendizagem virtual
(ISHIDA; STEFANO; ANDRADE, 2013, p. 754).
32 Termo adotado nesta tese, baseado em Mill (2012).
79
Chama atenção o fato de que, com sua acelerada difusão, as TDIC vêm
assumindo crescente influência sobre a evolução da educação, da economia e muitas
outras dimensões da vida pessoal e social (HETKOWSKI; LIMA, 2001).
Nas décadas de 1960 e 70, com a introdução dos novos meios de comunicação
nos processos de formação a distância, principalmente, do rádio e da televisão, a EaD
iniciou a sua segunda geração, na qual o ensino acontecia por meio de fitas de áudio
e vídeo (MAIA; MATTAR, 2007). Para Leitão Neto (2012), na segunda geração da
EaD, o processo de ensino e aprendizagem se associa à esperança de uma maior
aproximação entre os envolvidos e à ampliação do discurso científico, especialmente,
em virtude dos meios de comunicação.
A terceira geração da EaD começou a surgir em 1990. Com a evolução e
disseminação das TDIC, o processo de ensino e aprendizagem incluiu o uso de
computadores, internet e novas técnicas de multimídia, como: videoconferência,
videotexto, ambiente virtual de aprendizagem (AVA), etc (MAIA; MATTAR, 2007).
A partir da terceira geração a expansão da EaD aconteceu de modo célere,
sobretudo, com a criação das universidades virtuais, se perpetua até a
contemporaneidade e está em constante desenvolvimento, com o uso cada vez mais
intensivo da internet e maiores possibilidades de interação entre professores e alunos.
Há outros autores (KIPNIS, 2009; MOREIRA, 2009; ISHIDA, STEPHANO, ANDRADE,
2013; entre outros) que categorizam os períodos da EaD de modo distinto das três
gerações apresentadas anteriormente.
Resumidamente, Kipnis (2009) e Moreira (2009) apontam que a EaD passou
por quatro gerações. A primeira geração iniciou-se com os cursos por
correspondência e material impresso. A segunda, envolveu o uso do rádio e da TV,
assim como áudios e videocassetes. A terceira, incluiu o uso de computadores,
videoconferências e CD-ROM. A quarta, geração mais atual, utiliza de modo mais
intensivo a internet e influencia de modo considerável no aumento da interatividade e
no aprimoramento da composição e funcionamento dos cursos.
Em outra perspectiva, para Ishida, Stephano e Andrade (2013) existiram cinco
gerações da EaD, como mostra o quadro 1 a seguir.
80
Quadro 1 – Gerações da EaD
Fonte: (ISHIDA, STEPHANO e ANDRADE, 2013, p. 752) – adaptado de Moore e Kearsley.
Apesar das divergências quanto ao número de gerações da EaD (três, quatro
ou cinco), ressalta-se que elas devem ser compreendidas com base nas tecnologias
disponíveis no contexto e momento históricos nos quais estão inseridas.
Em âmbito mundial, aponta-se como marcos históricos da EaD a criação da
Universidade Aberta de Londres/Inglaterra (Open University), em 1969, e da
Universidade Nacional de Educação a Distância de Madri/Espanha (UNED)33, em
1972, que servem como modelo para vários países, em razão de seu sucesso
(MUGNOL, 2009); em vista disso, descreve-se a seguir de modo mais detalhado sobre
estas instituições.
A Open University tem como objetivo oportunizar o acesso ao ensino superior
aos adultos que não tiveram oportunidade de ingressar em uma universidade
convencional. Atualmente, possui mais de duzentos mil alunos, uma equipe de tempo
integral de duas mil pessoas e mais cinco mil orientadores de meio período, treze
centros regionais e duzentos e cinquenta centros locais na Grã-Bretanha. A Open
University oferece mais de trezentos e sessenta cursos, em sua grande maioria de
graduação, e, ainda, é classificada na categoria “Excelente”, em dezessete, de vinte
e três requisitos, de acordo com a avaliação da Agência de Qualidade Assegurada do
33 O modelo espanhol de EaD é o que mais se assemelha ao modelo do brasileiro.
81
governo (NISKIER, 2000; MOORE; KEARSLEY, 2010). Os princípios gerais da Open
University são:
- Qualquer pessoa pode se matricular, independente da educação anterior; - Os alunos podem começar um curso em qualquer época; - O estudo é feito em casa ou em qualquer lugar de escolha do aluno; - Os materiais do curso são desenvolvidos por um grupo de especialistas; - A orientação pode ser fornecida por outros especialistas; - O empreendimento tem nível nacional; - A instituição matricula muitos alunos e assim se beneficia da economia em escala (NISKIER, 2000, p. 274).
Não há pré-requisitos para o ingresso. Os candidatos apenas precisam ter mais
de dezoito anos e pagar as taxas escolares – que são reduzidas, se comparadas às
das demais universidades (cerca de sete mil dólares para um curso de bacharelado).
A interação entre professores e alunos pode ocorrer on-line, via telefone,
correspondência, ou, ainda, presencial (MOORE; KEARSLEY, 2010).
Segundo Belloni (2012), a Open University sofreu árduas críticas, rotulada
como um sistema baseado em práticas fordistas. Em contrapartida, ela não pode ser
identificada como um modelo industrialista, uma vez que se fundamenta em uma
filosofia humanista, quer em suas práticas de gestão, quer em sua concepção de
ensino.
De acordo com Niskier (2000), para garantir a qualidade, desde o início, a Open
University contratou os quinhentos melhores professores universitários da Grã-
Bretanha, que foram responsáveis pela elaboração dos materiais em módulos e
também pelo controle de avaliação de todo o processo. Por tudo isso, o resultado e
sucesso desta universidade não poderia ser diferente; ela representa o modelo
preparatório de EaD do mundo, discutido por diversos autores e utilizado por várias
instituições.
A Universidade Nacional de Educação a Distância de Madri/Espanha (UNED),
tem cerca de cento e cinquenta mil alunos, com setenta e cinco centros de estudo,
incluindo quinze no exterior e é considerada como um dos principais sistemas
nacionais de EaD do mundo. Trabalha segundo os princípios da profissionalização e
da formação permanente. A oferta de cursos não tem limite e o ingresso é similar ao
das universidades convencionais. Contudo, a UNED oferece um programa
82
preparatório para adultos que não possuem os pré-requisitos necessários (NISKIER,
2000; MOORE; KEARSLEY, 2010).
Sua metodologia de ensino é baseada em materiais impressos e audiovisuais,
os alunos têm auxílio de orientadores/tutores e utiliza, cada vez mais, as TDIC. As
avaliações acontecem a distância e de modo presencial, até mesmo em práticas de
laboratório. O aluno que se forma na UNED é reconhecido socialmente, assim como
em qualquer outra universidade (NISKIER, 2000; MOORE; KEARSLEY, 2010). É um
modelo bem próximo ao do Brasil, entretanto, no contexto brasileiro, ainda existem
muitos aspectos para serem modificados e aperfeiçoados. Para Niskier (2000, p. 280)
“após 25 anos de existência, a UNED realiza um trabalho notável de preparação à
distância de recursos humanos com que conta a Espanha para sua expansão
econômica e social”.
Segundo Nunes (2009), até o ano de 2009, mais de 80 países ofereciam cursos
de EaD em todos os níveis de ensino, formais e não formais, dos quais boa parte se
inspira nos modelos das duas instituições mencionadas, entre as experiências mais
significativas destacam-se:
a) China TV University System, criada em 1979 na China, com quinhentos e
trinta mil alunos e um milhão e quinhentos mil trabalhadores “treinados”;
b) Sukhotai Thamnathirat Open University, criada em 1972 na Tailândia, com
cerca de trezentos mil alunos em, aproximadamente, quatrocentos cursos;
c) Anadolu University, criada em 1982 na Turquia, com mais de setecentos mil
alunos, é a maior universidade de ensino a distância do mundo;
d) Indira Ghandi National Open University, criada em 1985 na Índia, tinha em
2003 cerca de quatrocentos e trinta mil alunos;
e) Allama Iqbal Open University, criada em 1974 no Paquistão, em 2003 era a
maior universidade no país, com mais de setecentos cursos e mil e quatrocentos
centros de estudos locais;
f) Athabasca University, criada em 1970 no Canadá, é uma das primeiras
universidades com finalidade única (somente ensino a distância);
g) Korea National Open University, criada em 1982 na Coréia, em 2002, tinha
cerca de duzentos e sete mil alunos. Atualmente, recebe do governo cerca de 35% de
seu orçamento (NISKIER, 2000; MOORE; KEARSLEY, 2010).
Outra Universidade Aberta que merece destaque e que foi pioneira em EaD é
a University of South Africa, criada em 1916, na África do Sul. De acordo com Niskier
83
(2000), para fundar a Open University os ingleses estudaram o sistema e o modelo de
EaD da África do Sul.
Cada uma dessas universidades tem sua história e seus princípios. Mesmo
assim, é possível notar que elas possuem em comum o objetivo de oportunizar o
acesso ao ensino superior àquelas pessoas que não tiveram, ou ainda não têm,
oportunidade de ingresso à Educação Superior pelo modo convencional. Dessa forma,
independente do contexto, para que essa possibilidade de ingresso e formação no
ensino superior seja significativa, é preciso planejar e capacitar os profissionais
envolvidos no processo de formação a distância.
Conforme afirma Amante e Morgado (2015), apesar dos avanços e das
experiências significativas apresentadas, a EaD em âmbito mundial se encontra em
uma fase crítica, com necessidade de reformulação, tanto do conceito, como da
adequação de ambientes e pedagogias. O momento contemporâneo é tempo de
rupturas e desafios para as universidades/instituições de EaD, docentes e estudantes.
Para além de práticas pedagógicas operacionais, instrutivas e replicadas, os
processos de formação superior a distância requerem novas formas de ensinar e
aprender na sociedade contemporânea, que está em constante evolução, com
frequentes novas descobertas e inovações.
4.2 Educação a Distância no contexto brasileiro
A EaD sofreu, e ainda sofre, preconceitos e severas suspeitas por parte de
pesquisadores e educadores que criticam sua suposta fragilidade como ensino de
massas de baixo nível, oferecido à população menos favorecida e sem acesso à
educação em tempo e espaço presenciais. Estas críticas são, sobretudo, comuns em
países como o Brasil.
No contexto educacional brasileiro, a EaD, de um lado, recebe apoio expressivo
dos governos e órgãos de fomento do país, como, por exemplo, a criação da
Universidade Aberta do Brasil (UAB). Por outro lado, ainda existem resistências por
parte das instituições, pesquisadores e educadores, possivelmente, atreladas ao
desconhecimento ou à posição crítica diante da estrutura e do funcionamento desta
modalidade de ensino no país.
84
Embora a EaD ainda seja considerada como uma modalidade de ensino de
baixa qualidade no Brasil, este conceito está passando por modificações significativas,
dado que grande parte das pessoas possuem tempo limitado e a veem como uma
possibilidade de realização de estudos superiores ou de retomada dos mesmos
quando interrompidos, por exemplo, por razões econômicas ou de deslocamento.
Ademais, Giolo (2010, p. 1286) aponta que “os defensores da educação a
distância sustentam não haver estudos científicos abrangentes que mostrem que esta
modalidade é de menor qualidade do que a presencial”, o que não comprova as
críticas e os julgamentos proferidos. Contudo, esta tese acredita que, assim como na
avaliação de Mill (2012), se estas críticas forem elaboradas de modo construtivo, elas
podem criar condições para a superação dos problemas na EaD, como parece estar
acontecendo recentemente no Brasil.
Em meados da década de 90, considerou-se necessária a formação adequada
de profissionais da educação que atuavam no sistema de ensino brasileiro sem curso
de nível superior (grifo nosso). Com o apoio e incentivo das Secretarias Municipais e
Estaduais de Educação, em parceria com as universidades, foram implantados cursos
de EaD para atender à demanda existente (MUGNOL, 2009; GIOLO, 2010).
Havia um exército de professores sem formação adequada, especialmente os que atuavam em lugares tradicionalmente esquecidos pelas políticas públicas e pelo desenvolvimento econômico. Como atingí-los rapidamente e massivamente? É em função disso que foram feitos, por parte do Estado, os primeiros movimentos para implantar redes de educação a distância (GIOLO, 2010, p. 1274).
A partir dessa circunstância, iniciou-se o processo de expansão da EaD no
Brasil, o que favoreceu a democratização do acesso ao ensino superior,
principalmente aos profissionais da educação, com a finalidade de viabilizar a
formação continuada e a melhoria da qualidade do ensino.
O crescimento dos cursos de EaD disparou, acompanhando o desenvolvimento
do sistema educacional e a expansão do ensino superior brasileiro, com o apoio
significativo do Governo Federal e do Ministério da Educação (MEC). Para melhor
organização, no ano de 1995, criou-se uma Subsecretaria de EaD, no setor da
Secretaria de Comunicação da Presidência da República, incorporada, em 1996, pela
Secretaria de Educação a Distância (SEED) do MEC (GIOLO, 2010).
85
Também no ano de 1995, em termos de ações políticas, foi criada uma
sociedade científica, sem fins lucrativos, denominada Associação Brasileira de
Educação a Distância (ABED), com o propósito de incentivar a divulgação, o
desenvolvimento e a prática da EaD.
Tendo em vista que a legislação educacional brasileira não reconhecia a
especificidade da EaD e não contribuía para o incentivo da mesma, em 1996, em
assembleia geral, a ABED, com sua posição militante, aprovou um documento
intitulado de “I Epístola de São Paulo sobre Educação a Distância”, que levantou um
diagnóstico nada favorável sobre a legislação, com propostas de recomendações,
como a seguinte:
Recomendação 3: Buscar adequar a legislação educacional brasileira às características específicas da educação a distância. A legislação educacional brasileira, além de não incentivar a educação a distância, cria dificuldades para sua aplicação, em geral submetendo-a às mesmas exigências que se aplicam ao ensino presencial. Há necessidade de se criar uma boa articulação, junto às autoridades educacionais, com vistas a: a) eliminar as restrições hoje existentes em relação à educação a distância, que deve receber o mesmo tratamento dispensado ao ensino presencial; b) desenvolver programas de educação a distância em nível regional e nacional sem a obrigatoriedade de prévia autorização dos sistemas de ensino dos Estados; c) assessorar o Congresso Nacional, os conselhos Estaduais de Educação e o CONSED ‚ Conselho de Secretários Estaduais de Educação, na tarefa de regulamentar a educação a distância.
Sem nenhuma regulamentação para a EaD anterior ao estabelecimento das
Leis de Diretrizes e Bases da Educacional Nacional (LDB), em 20 de dezembro de
1996, Fernando Haddad, ex-Ministro da Educação (2005-2012), reconheceu que é
uma prática no Brasil autorizar o crescimento de um setor antes de ser regularizado.
Por causa disto, para o Ministro, o que seria uma grande ideia, como, por exemplo, o
crescimento de um setor, pode ser comprometido, sem os cuidados adequados, ou
seja, sem regularização (MANZINI, 2008).
A LDB, nº 9.394/1996, artigo 80, garantiu à EaD o incentivo do poder público
para a difusão ampla de cursos, em todos os níveis de ensino - até mesmo para
educação continuada; transmissão via canais de radiodifusão; organização com
regimes especiais e tratamento diferenciado aos programas credenciados; exames,
avaliações e diplomas regulamentados.
86
Art. 80º. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada. § 1º. A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União. § 2º. A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância. § 3º. As normas para produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas. § 4º. A educação a distância gozará de tratamento diferenciado, que incluirá: I - custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens; II - concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas; III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais.
Como exigência da LDB, artigo 87, § 4º, entrou em vigor a obrigatoriedade da
formação superior aos professores de educação básica até o final da Década da
Educação34, o que favoreceu ainda mais a expansão da EaD no Brasil (grifo nosso).
Art. 87º. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei. § 4º. Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço.
Em continuidade às ações políticas, a ABED, após a promulgação da LDB, no
ano de 1998, propôs um novo documento – “II Epístola de São Paulo sobre Educação
a Distância”, que dirigia recomendações para a regulamentação do artigo 80 da LDB
e do Plano Nacional de Educação.
Dois anos após a LDB, em 10 de fevereiro de 1998, aprovou-se o Decreto nº
2.494, que regulamentou o artigo 80 da Lei nº 9.394. De modo genérico e breve, o
Decreto estabeleceu como diretrizes gerais: autorização, reconhecimento de cursos e
credenciamento de Instituições, públicas e privadas, com validade de cinco anos e
sujeito à renovação após avaliação; organização dos cursos com regimes especiais e
flexibilidade de horários e duração; diplomas e certificados com validade nacional;
aplicação de exames e avaliações presenciais com a finalidade de promoção,
recebimento de certificado ou diploma, sob responsabilidade da instituição
credenciada.
34 A Década da Educação iniciou-se em 1997, um ano após a promulgação da LDB (Lei nº
9.394/1996) e terminou após 10 anos, em 2007.
87
Além disso, esse mesmo Decreto, deixou para subsequentes regulamentos: a
oferta de programas de mestrados e doutorados; as exigências para a
regulamentação do credenciamento e autorização de instituições e de cursos de
graduação e educação profissional; e procedimentos e critérios de avaliação.
Como correção dos artigos 11 e 12 do Decreto nº 2.494, no dia 27 de abril de
1998, aprovou-se o Decreto nº 2.561, que ampliou aos sistemas estaduais e
municipais a autorização para regulamentar a oferta de cursos de ensino profissionais
em nível técnico, anteriormente limitada a cursos de ensino fundamental e médio.
Com a promessa de ampliar suas ações políticas, no ano de 2000, a ABED,
elaborou a “Epístola de São Sebastião sobre Educação a Distância”, com a proposta
de “rever e avaliar as estratégias referentes ao encaminhamento das questões
evidenciadas pelas Epístolas I e II de São Paulo e adotar uma atuação mais proativa”,
em ação conjunta com as outras entidades científicas, de maneira a colaborar de
maneira efetiva para a formulação de políticas educacionais.
Sete anos depois da publicação do primeiro Decreto nº 2.494/1998, divulgou-
se no Diário Oficial da União, no dia 19 de dezembro de 2005, o Decreto nº 5.622,
seguido pela complementação do Decreto nº 6.303, em 12 de dezembro de 2007,
documentos que voltaram a regulamentar o artigo 80 de modo mais concreto e
detalhado. Em destaque, as principais mudanças destas leis:
(a) O leque dos momentos presenciais obrigatórios se amplia, incluindo, além das avaliações, os estágios obrigatórios, a defesa dos trabalhos de conclusão de cursos e atividades de laboratório (nos três casos, quando previsto na legislação ou quando for o caso) e serão realizados na sede da instituição ou nos pólos, estes também credenciados mediante avaliação. (b) A EaD, quando se refere à educação básica, pode ser praticada apenas como complementação de estudos ou em situações emergenciais (essas situações estão definidas nos documentos em análise). (c) A duração dos cursos a distância é a mesma dos cursos presenciais. (d) Os exames presenciais serão elaborados pela própria instituição credenciada e prevalecerão sobre as outras formas de avaliação. (e) Todos os acordos de cooperação serão submetidos ao órgão regulador do respectivo sistema de ensino. (f) Instituições de pesquisa científica e tecnológica, públicas ou privadas, de comprovada excelência, poderão ser credenciadas para ofertarem cursos de pós-graduação (lato e stricto sensu) e de tecnologia. (g) O sistema federal credenciará
também as instituições dos outros sistemas que desejarem ofertar cursos de educação a distância de nível superior e de educação básica, neste caso, quando sua abrangência ultrapassar o âmbito geográfico do respectivo sistema. As autorizações, reconhecimentos e renovação de reconhecimento dos cursos tramitarão apenas no âmbito dos respectivos sistemas de educação. (h) A Lei do SINAES
88
(n. 10.861/2004) aplica-se integralmente à educação a distância. (i) As prerrogativas da autonomia das universidades e centros universitários
são asseguradas também quanto se trata de EaD (GIOLO, 2008, p. 1215 – 1216).
É fato que após a promulgação da LDB até o Decreto nº 6.303/2007, a
expansão dos cursos de EaD aconteceu desenfreadamente, assim como o número
de Instituições de Ensino Superior (IES) credenciadas, a abertura de vagas e
matrículas de inscritos. Porém, segundo o Resumo Técnico do Censo da Educação
Superior de 2007, apresentado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira - INEP (BRASIL, 2009), a oferta de vagas não obedeceu
à demanda de inscritos, sendo a oferta maior que a demanda, como demonstrado na
tabela 1 a seguir.
Tabela 1 – Evolução do Número de IES, Cursos, Vagas e Inscritos na Educação a Distância
– Brasil: 2002 a 2007
Fonte: Resumo Técnico do Censo da Educação Superior de 2007, apresentado pelo INEP
(BRASIL, 2009, p. 20).
De acordo com os dados do Resumo, em 2007, existiam 97 instituições
credenciadas que ofereciam cursos de graduação a distância, 26% a mais em relação
às registradas no ano de 2002. O número da oferta de vagas no ano de 2007 era de
1.541.070. Todavia, o número de alunos inscritos foi de apenas 537.959, ocupando
35% das vagas oferecidas. Provavelmente, o aumento do número de instituições
credenciadas e o número exorbitante de oferta de vagas aconteceram em razão do
investimento da iniciativa privada (tema abordado no tópico 4.2.1 a seguir) no
credenciamento de IES para oferta de cursos a distância e, consequentemente, o
aumento desenfreado de vagas sobreveio sem a demanda necessária.
Em dados apresentados, o Censo da Educação Superior de 2014 mostrou que
neste mesmo ano, na modalidade a distância, o percentual de alunos que ingressaram
89
era de 23,4% - índice que cresceu ano após ano (gráfico 1), e o número de alunos
matriculados atingiu 1.341.842, representando um percentual de 17,1% das
matrículas na Educação Superior brasileira (gráfico 2).
Gráfico 1 – Número de Ingressos em Cursos de Graduação, por Modalidade de Ensino –
Brasil: 2003 – 2014
Fonte: Censo da Educação Superior de 2014 MEC/INEP (BRASIL, 2015).
Gráfico 2 – Número de Matrículas em Cursos de Graduação, por Modalidade de Ensino –
Brasil: 2003 – 2014
Fonte: Censo da Educação Superior de 2014 MEC/INEP (BRASIL, 2015).
90
Por tudo isso, considerada como ensino de massa e de baixa qualidade, a EaD
sofreu (e ainda sofre) preconceitos quanto à sua estrutura, organização e função no
ensino superior. No Brasil, a expansão da EaD se iniciou a partir da emergente
necessidade e posterior obrigatoriedade da formação superior de professores que
atuavam na educação básica. Após a promulgação da LDB, com incentivo do poder
público e imediato investimento do setor privado, a expansão aconteceu de forma
acentuada. Na contemporaneidade, os cursos de EaD no Brasil crescem
continuamente e recebem forte investimento do setor privado – tema de discussão do
próximo tópico.
4.2.1 Embate entre o público e o privado
Antes de dar início a este tópico, faz-se necessário esclarecer que esta
pesquisa não tem nada contra a participação do setor privado no campo da educação,
“o que importa é que essa participação leve em conta que se trata de uma área [...]
que implica responsabilidades muito distintas das que regem outros setores do
mercado” (GOERGEN, 2006, p. 4), ou seja, a área da Educação diferentemente de
outros setores do mercado, como: indústria, finanças, serviços e utilidades, tecnologia
e entre outros, vai além dos investimentos monetários, implica responsabilidade e
transformação social.
A criação e a implantação da EaD no Brasil aconteceram por meio de decretos
governamentais e iniciativas privadas, ainda que inicialmente a proposta era que
essas ações se efetuassem por incentivo público, como previsto pela LDB. No
decorrer de sucessivos governos, a EaD constituiu-se como um sistema
economicamente viável para a ampliação do acesso a educação, cumprindo a
promessa de “ser a modalidade mais revolucionária em termos de expansão das
oportunidades de educação superior, com economia de tempo e de recursos” (GIOLO,
2010, p. 1291).
No decorrer da década de 90, período em que se iniciou o processo de
expansão da EaD no Brasil, o setor público enfrentava uma situação econômica
desfavorável às diversas áreas. Em contrapartida, o setor privado apresentava
soluções que supririam a falta de recursos do poder público, principalmente, para o
91
campo da Educação Superior brasileira em geral (incluindo a EaD), o que a tornou,
como considerado pelo INEP (2008), uma das mais privatizadas do mundo. Para
Goergen (2006, p. 75), no ensino superior brasileiro, de maneira geral, “promissora foi
a expansão quantitativa; decepcionante o fato de tal expansão ter se dado com base
na privatização”.
A partir do Censo da Educação Superior de 2014, o MEC/INEP demonstrou
que de modo geral - nos cursos presenciais e a distância, de cada quatro estudantes
de graduação, três estudavam em instituições privadas no ano de 2014, constatando
a presença marcante do setor privado no ensino superior brasileiro.
Gráfico 3 – Número de Matrículas em Cursos de Graduação, por Categoria Administrativa –
Brasil: 1980 – 2014
Fonte: Censo da Educação Superior de 2014 MEC/INEP (BRASIL, 2015).
É possível verificar por meio do gráfico 3 que, desde o ano de 1980, o
percentual do número de matrículas em cursos de graduação é superior em
instituições privadas e que os cursos de graduação nestas instituições se
multiplicaram a partir do final da década de 90, após a expansão da EaD no Brasil.
O desenvolvimento da oferta de cursos e a expansão da EaD foram previstos
na LDB; o que não se esperava era o investimento avassalador da iniciativa privada
nesta modalidade de ensino. Como mencionado anteriormente, a LDB, no artigo 80,
recomenda o desenvolvimento da EaD por meio de iniciativas do setor público:
92
“O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de
ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação
continuada”.
Para Giolo (2008), após ter explorado todos os “trilhos” da Educação Superior
presencial (cursos de licenciatura, bacharelado e tecnólogo), chegando ao fim da linha
– no limite, o setor privado requisitou ao MEC a abertura para o credenciamento de
IES privadas para o funcionamento da modalidade de ensino a distância; solicitação
atendida após o primeiro Decreto nº 2.494/1998, que abriu explicitamente o campo da
EaD para a iniciativa privada.
É importante deixar claro que a EaD se tornou preferência do setor privado –
haja vista o lucro rápido e abundante, após a diminuição da demanda e expansão dos
cursos de modalidade presencial, em virtude das dificuldades financeiras dos
candidatos diante dos altos custos da educação presencial; evento que, de certa
maneira, mudou o sentido da EaD.
[...] em vez de ser uma modalidade de ensino capaz de ampliar o raio de atuação da educação superior para além da esfera abrangida pela educação presencial, tornou-se concorrente da presencial, ou melhor, para certos cursos, ela se constituiu numa ameaça, pois pode praticar preços menores, além de oferecer outras facilidades práticas ligadas ao tempo, ao espaço e aos métodos de aprendizagem (GIOLO, 2008, p. 1217).
Para certificar a evolução desenfreada das matrículas em cursos de EaD em
instituições privadas e a diminuição surpreendente nas instituições públicas, mostra-
se no gráfico 4, os dados do MEC/INEP, apresentados por Giolo (2008), que
demonstram o que antes era exclusivo ao poder público, tornou-se prevalecente à
iniciativa privada.
93
Gráfico 4 – Evolução percentual das matrículas EaD, segundo a categoria administrativa –
Brasil: 2000 - 2006.
Fonte: (GIOLO, 2008, p. 1221) – baseado em dados do MEC/INEP.
Como forma de EaD, essencialmente pública, criou-se em 2005 a Universidade
Aberta do Brasil (UAB), financiada e oferecida com recursos do Estado (assunto
detalhado no tópico 4.3), em consórcio com governos municipais e estaduais.
Contudo, mesmo com a abertura de novas vagas em instituições públicas, o número
de matrículas ainda foi maior e crescente nas instituições privadas. Também se
constatou a predominância do setor privado no Anuário Brasileiro Estatístico de
Educação Aberta e a Distância (ABRAEAD) que, até o ano de 2008, representava
62,9% das instituições que atuavam na modalidade EaD, com 82,9% de estudantes
matriculados.
Assim como na Educação Superior presencial, os princípios das atividades na
EaD passaram a atender as expectativas do mercado de trabalho e não mais do
Estado. Segundo Giolo (2010, p. 1283), “foi perceptível a movimentação de certos
setores que vivem no seio das instituições públicas, no sentido de criar arranjos que
lhe permitissem [...] faturar um dinheiro extra por conta da EaD”.
Como exemplo, Giolo (2010) menciona o fato que aconteceu na Universidade
do Estado de Santa Catarina (UDESC), uma das primeiras IES a abrir cursos de
graduação a distância, oferecidos em parceria com municípios e outras instituições
educacionais, que cobravam mensalidades dos alunos e repassavam dinheiro a
UDESC. Caso parecido ocorreu na Universidade de Tocantins (UNITINS). Por se
tratar de instituições públicas, desrespeitou-se o artigo 206, da inc. IV da Constituição
94
Federal (1988) que diz que “o ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios: IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais” e tiveram
que responder a processos administrativos.
De acordo com David Noble, autor do artigo “De volta à ruína? Ensino a
distância, lucros e mediocridade”, publicado em abril de 2000, para ofertar cursos de
EaD, as universidades estabelecem parcerias com empresas comerciais – o que
confirma a imersão do setor educacional no jogo do mercado; fenômeno que para o
autor (2000) não traz benefícios, mas, por vezes, prejuízos aos processos de
formação e seus envolvidos.
De imediato, a maior parte da educação à distância é produzida por instrutores mal pagos e exauridos, remunerados por aula, sem estabilidade no emprego e aos quais foi solicitado, como condição para a contratação, que cedessem seus direitos autorais sobre o material pedagógico produzido. As exigências da produção ganharam o jogo, determinando os contornos das condições de trabalho dos instrutores até chegar à sua substituição definitiva por máquinas, cenários e atores (NOBLE, 2000, s/p.).
Dado o exposto, destaca-se a presença do setor privado também no âmbito do
ensino superior a distância, atestando que, assim como já mencionado no capítulo
anterior, a educação se configura como objeto de fins lucrativos para o sistema
capitalista de produção, no qual a burguesia se apropria do Estado e o transforma em
ferramenta para a viabilização de seus projetos econômicos de vida “social”,
menosprezando a formação humana. Desse modo, a EaD tem desempenhado uma
função importante na expansão do ensino superior privado no Brasil, uma vez que
possibilita a ampliação do número de alunos, maximização de lucros e barateamento
das despesas.
4.2.2 Aspirações e realidade: expansão e democratização da Educação a
Distância
Em meio a tantas implicações e contradições, a EaD almejava a expansão e
democratização da educação para alcançar um patamar elevado de acesso e oferta
de cursos no ensino superior. Entretanto, existem algumas incompatibilidades entre
as aspirações da EaD e a realidade concreta, desde o início do processo de expansão
95
e democratização, até a contemporaneidade no contexto brasileiro que merecem ser
examinadas.
Com o intuito de democratizar a educação - considerado a chave mágica para
a solução dos problemas de defasagem educacional, pode-se dizer que uma das
aspirações da EaD no Brasil era oferecer o acesso à educação nas regiões do país
em que havia precariedade de instituições e carência de cursos de ensino superior.
Contudo, o desequilíbrio da expansão da EaD, revelado em termos de instituições
públicas e privadas, também se manifestou em relação à distribuição regional.
No tocante à questão da distância e a consequente necessidade de instituições
formadoras e cursos de ensino superior, era de se esperar que a expansão da EaD
acontecesse em maior projeção nas regiões Norte e Centro-Oeste. No entanto, o MEC
apresenta dados estatísticos do ano de 2006, em que o número de vagas e matrículas
ofertadas foram relativamente superiores na região Sul, como mostram os gráficos 5
e 6, a seguir.
Gráfico 5 – Percentual das vagas EaD, segundo a região – Brasil: 2006
Fonte: (GIOLO, 2008, p. 1223) – baseado em dados do MEC/INEP.
96
Gráfico 6 – Percentual de matrículas EaD, segundo a região – Brasil: 2006
Fonte: (GIOLO, 2008, p. 1223) – baseado em dados do MEC/INEP.
De certo modo, essa oferta estava na contramão das aspirações e demandas
existentes, se considerado que o sistema escolar da região Sul é o mais
democratizado do país. Por se tratar de EaD, é importante destacar que os dados do
MEC/INEP não mostram em que região residiam os alunos matriculados em cada
instituição/curso. Dessa forma, Giolo (2008) levanta a hipótese de que como não é
possível saber em quais regiões moravam os alunos matriculados nas IES do Sul, não
se pode afirmar que as vagas ofertadas foram ocupadas por candidatos, apenas, da
região Sul, em virtude de que um indivíduo de outra região, ou até mesmo de outro
país, pode se matricular em cursos e instituições EaD. Sendo assim, a probabilidade
de que tenha ocorrido tal fato é alta, já que na região Sul, é grande a oferta de cursos
presenciais.
Após a promulgação da LDB, que exigiu a formação superior em cursos de
Pedagogia e Normal Superior para a atuação na educação básica (tema já discutido
no tópico 4.2), outra pretensão da EaD para a democratização da educação foi a
criação de programas de formação de professores, em nível de formação inicial e
continuada. O período dos anos 2000 a 2006 foi marcado pelo crescimento
desenfreado de matrículas nestes cursos de EaD. A tabela 2 mostra a evolução dos
percentuais de matrículas nos cursos de Pedagogia e Normal Superior em cursos
presenciais e a distância.
97
Tabela 2 – Evolução dos percentuais de crescimento das matrículas de Pedagogia e Normal
Superior presencial e a distância – Brasil: 2000- 2006
Fonte: (GIOLO, 2008, p. 1227) – baseado em dados do MEC/INEP.
Os dados da tabela 2 mostram que a queda e os índices negativos nas
matrículas presenciais e o crescimento extraordinário de índices nas matrículas EaD.
Assim, pode-se afirmar que EaD está, ao longo dos anos, de certo modo, substituindo
a oferta de cursos presenciais e conseguindo efetivá-la, sobretudo, no que tange aos
cursos de Pedagogia e Normal Superior.
Inicialmente, a intenção da EaD, realmente, era privilegiar a oferta dos cursos
de Pedagogia e Normal Superior. Entretanto, na sequência, ocorreu a abertura de
cursos em outras áreas: Licenciaturas em geral, Administração/Gestão, Serviço Social
e Ciências Contábeis, que sobressairam-se, junto a Pedagogia e Normal Superior,
como demonstra, na sequência, o quadro 2.
Quadro 2 – Áreas de Predileção da EaD – Matrículas de 2007
Fonte: (GIOLO, 2010, p. 1277) – baseado em dados do MEC/INEP.
98
Constata-se que 58,3% das matrículas na EaD, no ano de 2007, eram em
cursos de Licenciaturas, expressivamente nos de Pedagogia e Normal Superior que
contemplavam 32,1% dos alunos. Este fato merece cuidadosa análise, uma vez que,
inicialmente, pensou-se na formação de professores na EaD, como forma de atender
a exigência e complementação para aqueles que já atuavam na educação básica.
Contudo, no ano de 2007, mesmo após onze anos da LDB, as matrículas na EaD nos
cursos de Pedagogia e Normal Superior continuaram superiores, ou seja, os
professores que atuavam no sistema escolar no ano de 1996 já haviam concluído a
formação exigida e novos alunos passaram a frequentar os cursos de EaD com o
intuito de se formar e, posteriormente, atuar na educação básica.
De acordo com Giolo (2010, p. 1278), “dos alunos que, em 2007, se
preparavam para o exercício do magistério na educação infantil e nos anos iniciais do
ensino fundamental, um terço deles fazia-o em cursos a distância”, um fator de grande
impacto e passível de questionamento sobre sua adequação para o sistema de
educacional brasileiro, tendo em vista que “a educação a distância se propõe a fazer
[...] tudo o que se deve esperar de um processo educacional?” (GIOLO, 2010, p.
1287). Para o autor (2010), quando se trata de educação continuada, em que o
objetivo principal é o aperfeiçoamento técnico dos indivíduos, os propósitos da EaD
talvez sejam suficientes. Todavia, quando se considera a formação inicial de futuros
professores, talvez estes propósitos devam ser repensados.
Segundo as estatísticas do MEC/INEP, do Censo da Educação Superior de
2014, pode-se dizer que o número de matrículas em cursos de licenciatura se
estabilizou entre os anos de 2010 a 2013. No entanto, de 2013 a 2014, voltaram a
crescer na modalidade a distância, com um aumento de 6,7%, e permaneceram
inalterados na modalidade presencial. Os dados mostram que no ano de 2014 os
novos alunos preferiram os cursos de EaD, aos cursos presenciais, como pode ser
observado no gráfico 7.
99
Gráfico 7 – Número de matrículas em cursos de licenciatura, por Modalidade de Ensino –
Brasil: 2003 - 2014
Fonte: Censo da Educação Superior de 2014 MEC/INEP (BRASIL, 2015).
Outra informação apresentada pelo MEC/INEP (BRASIL, 2015) mostra que
mais da metade das matrículas (51,1%) em cursos de licenciatura na rede privada
eram na modalidade a distância, sendo que na rede pública este índice era de apenas
16,6%. Esses dados confirmam, mais uma vez, a presença do setor privado na
Educação Superior brasileira, principalmente em cursos EaD, como mostra o gráfico
8 a seguir.
Gráfico 8 – Distribuição do número de matrículas em cursos de licenciatura, por Modalidade
de Ensino, segundo categoria administrativa – Brasil – 2014.
Fonte: Censo da Educação Superior de 2014 MEC/INEP (BRASIL, 2015).
100
Também de acordo com o Censo de 2014, mesmo após dezoito anos da
promulgação da LDB, existiam 256.396 professores de educação básica matriculados
em cursos de graduação, que buscavam formação superior acadêmica inicial ou
continuada. Destes professores, 82,1% frequentavam cursos de licenciatura e 45%
estudavam a distância, conforme apresentado no gráfico 9.
Gráfico 9 – Percentual do número de docentes da educação básica matriculados em cursos
de graduação – Brasil – 2014.
Fonte: Censo da Educação Superior de 2014 MEC/INEP (BRASIL, 2015).
Em virtude dos dados e argumentos apresentados, verificou-se que a expansão
da EaD no Brasil em termos de distribuição regional aconteceu de forma
desequilibrada. Esperava-se que a expansão acontecesse, principalmente, nas
regiões Norte e Centro-Oeste; no entanto, ela ocorreu na região Sul – a mais
democratizada do país.
As matrículas de novos alunos nos cursos de Pedagogia e licenciaturas na
modalidade a distância continuaram a crescer mesmo após onze anos da
promulgação da LDB, bem como a procura por parte de professores por cursos de
formação superior após dezoito anos desta mesma Lei.
Também foi possível constatar a presença significativa do setor privado em
cursos de licenciatura na modalidade a distância, em detrimento do setor público.
Desta maneira, conclui-se que os resultados e as repercussões na realidade concreta,
101
em que a EaD se encontra inserida, aconteceram de forma inesperada e se
distinguem das aspirações iniciais.
4.3 Universidade Aberta do Brasil (UAB) e Fundação Universidade Virtual
do Estado de São Paulo (Univesp)
Posto que esta pesquisa trata da EaD, especialmente, no contexto brasileiro e,
mais especificamente, no contexto do Estado de São Paulo, justifica-se a escolha e o
destaque dado, respectivamente, à UAB e à Univesp como duas experiências de
universidades públicas brasileiras de EaD, a primeira sob responsabilidade do
Governo Federal e a segunda do Governo Estadual de São Paulo. Acrescenta-se
ainda que a UAB deve servir de parâmetro para as demais IES da modalidade de
ensino a distância.
Com a proposição e criação da UAB, o poder público federal trouxe para si a
responsabilidade legislativa e de fiscalização, consequentemente, novas exigências
legais e parâmetros de qualidade passaram a fazer parte do universo da EaD em
âmbito nacional. Cabe destacar que, de acordo com Gomes (2013), o projeto UAB
apresenta algumas incoerências em termos de legislação e de propósitos, o que pode
ter dificultado o progresso pedagógico desta modalidade até o presente momento.
Por um lado, considerado mais do que um programa governamental, o Sistema
UAB, “configura-se como programa nação, ao proporcionar educação superior para
todos, com qualidade e democracia, desafio permanente para a construção de um
projeto nacional sustentável e inclusivo” (MOTA, 2009, p. 302). De outro lado, o
Sistema UAB é concebido como um sistema de grande extensão territorial e
populacional, que associa o baixo custo com resultados em curto prazo, comparado a
educação presencial, inserido enquanto política pública, em um contexto com
abundante influência neoliberal sobre as políticas de educação do país (JUNIOR;
NOGUEIRA, 2014).
Ressalta-se que a primeira iniciativa para se instituir uma Universidade Aberta
no Brasil aconteceu em 1974, por meio do projeto de Lei nº 1.878. Contudo, o projeto
de lei não foi encaminhado de modo correto ao Congresso Nacional e, por isso, foi
retirado pelo executivo e, logo em seguida, arquivado (ALVES, 2009). Em decorrência
deste fato e outros contratempos, “o Brasil foi o último país com população acima de
102
cem milhões de habitantes a estabelecer uma universidade aberta” (LITTO, 2009, p.
15). Enquanto as primeiras Universidades Abertas surgiam na Europa nos anos 70,
no Brasil, os programas de EaD, com base na Lei nº 5.692/71 (revogada pela LDB nº
9.394/96), eram de caráter experimental.
Com a finalidade de promover o desenvolvimento da modalidade EaD no Brasil,
expandir e interiorizar a oferta de cursos - prioritariamente de formação inicial e
continuada de professores, e de programas de Educação Superior pública no país, o
MEC/SEED criou, em 2005, a UAB. No entanto, sua oficialização ocorreu apenas com
o Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006. Este Decreto concebe, em seu artigo 1,
que o sistema UAB está voltado para “o desenvolvimento da modalidade de educação
a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas
de educação superior no País” e, de acordo com Giolo (2010, p. 1285), “deverá servir
de parâmetro para as demais instituições oficiais que atuam ou pretendem atuar com
educação a distância”.
Criada, também, pelos esforços do Fórum das Estatais pela Educação com
foco nas políticas e gestão da Educação Superior, a UAB é um sistema de formação
em nível superior do Governo Federal, baseada em experiência de consórcios, em
parceria com IES públicas, de governos municipais e estaduais – os quais são
responsáveis pelos Polos de Apoio Presencial (PAP). Para Junior e Nogueira (2014,
p. 228) é o PAP “que representa o elo fundamental de ligação entre [...] aluno e a
instituição de ensino e é nele que se desenrolam as atividades fundamentais para a
efetivação do programa”, ou seja, exerce uma função extremamente importante no
Sistema UAB.35
Ainda que denominada de universidade, a UAB não se integra nos moldes
tradicionais de uma IES, como as presenciais. Ela não possui reitores, professores, e
funcionários próprios, mas é coordenada, controlada e operada por uma complexa
rede de parcerias e consórcios. Até mesmo os alunos da UAB, são oficialmente alunos
das IES parceiras. Na UAB não há um Registro Acadêmico, vestibular ou emissão de
35 Cabe ressaltar aqui, como uma pequena nota, mas significativa, que levando em
consideração a teoria da ética da alteridade de Levinas defendida nesta tese, o PAP tem uma função,
muito mais do que somente importante para o Sistema UAB, mas essencial para o processo de
formação humana, em virtude da possibilidade do encontro presencial, face a face com o Outro.
103
diplomas, tudo “isto é feito pelas Instituições que ofertam cursos no Programa, toda a
vida acadêmica do aluno UAB é realizada via IES participante” (JUNIOR; NOGUEIRA,
2014, p.232).
Descrito em um documento da criação e funcionamento da Open University
(Inglaterra), o termo “aberta” usado para estes “novos modelos” de universidades, está
ligado a vários aspectos, dentre eles:
[...] no sentido social, pois se dirige a todas as classes sociais, permitindo que as pessoas possam completar seus estudos em suas próprias casas sem exigência de frequência às aulas, a não ser uma ou duas semanas por ano. [...] do ponto de vista pedagógico, na medida em que ela está aberta a todo indivíduo, [...] ela se chama ‘aberta’ no sentido de que seus cursos, pelo rádio e pela televisão, estão abertos ao interesse e à apreciação do público em geral (ALVES, 2009, p. 12).
Para Litto (2009), a denominação “aberta” sugere que a instituição não requer
que o aluno faça exame eliminatório, como um vestibular, e permite a ele escolher um
programa que irá garantir-lhe um diploma acadêmico ou, apenas, fazer cursos não
formais de seu interesse.
Santos (2009, p. 296) indica que o conceito “abertura” em EaD é bastante
amplo e pode ser interpretado de diferentes modos, no entanto “talvez o fator mais
importante no conceito de abertura seja o da ‘inclusão educacional’ [...], a
democratização do acesso ao conhecimento é a palavra de ordem”.
De acordo com a Resolução FNDE/CD/ nº 044, de 29 de dezembro de 2006,
artigo 3, o sistema UAB cumprirá seus objetivos sócio-educacionais junto aos seus
parceiros, tendo em vista a melhoria da qualidade da educação básica, obedecendo
as seguintes diretrizes:
I. oferecer, prioritariamente, cursos de licenciatura e de formação inicial e continuada de professores da educação básica; II. oferecer cursos superiores para capacitação de dirigentes, gestores e trabalhadores em educação básica dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; III. oferecer cursos superiores nas diferentes áreas do conhecimento; IV. ampliar o acesso à educação superior pública; V. reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as diferentes regiões do País; VI. estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância; e VII. fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade de educação a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação (BRASIL, 2006, p.2).
104
Considera-se a criação da UAB como ápice da entrada e participação das IES
públicas na modalidade EaD. Apesar deste fato ter acontecido por estímulos políticos
e financeiros – e não pedagógicos, é inegável sua importância para o desenvolvimento
e evolução da EaD no ensino superior brasileiro. Um exemplo que merece ser citado
é o início da oferta de cursos de longa duração, como as graduações.
Com planos ousados, o portal da UAB/Capes36 destaca que, até o ano de 2010,
o Sistema UAB prenunciava a edificação de mil polos estrategicamente distribuídos
no território nacional em parceria com IES públicas, com um total de 300 mil novas
vagas; e, ainda, até o ano de 2013, pretendia ampliar sua rede de consórcios para
atender 800 mil alunos por ano. E de acordo com Junior e Nogueira (2014, p. 233) as
aspirações não param por aí.
Há indicativos e perspectivas de expansão pelo próximo decênio, onde se prevê uma expansão, tanto em sua abrangência territorial (inclusive com oferta de cursos na África portuguesa e nos países do Mercosul) quanto na sua ampliação para os níveis de ensino técnico de nível médio e pós-graduação lato e stricto sensu.
Como coordenador “geral” e gestor nacional, o MEC assume a função de
conduzir a implantação, o acompanhamento, a supervisão, a avaliação e
regulamentar Decretos e Portarias para o funcionamento dos cursos oferecidos pelas
IES públicas vinculadas ao sistema UAB, estabelecendo regras, metas, recursos,
bolsas, vagas, entre outros.
Segundo o Portal da Universidade Aberta do Brasil, atualmente, existem 105
IES públicas vinculadas ao Sistema UAB e cabe a elas as responsabilidades de
a) [...] selecionar os professores, pesquisadores e tutores que receberão bolsa de estudo; b) cadastrar e manter atualizados os dados pessoais e acadêmicos dos professores cursistas aprovados em processo seletivo; c) indicar os professores, pesquisadores e tutores para as funções de bolsistas; d) cadastrar e manter atualizados os dados pessoais e acadêmicos dos professores, pesquisadores, tutores e coordenadores de pólos; e) encaminhar, até o primeiro dia útil do mês, à Comissão de Acompanhamento, Relatório de Ocorrências que indique a permanência, interrupção ou cancelamento do pagamento das bolsas; f) encaminhar, 30 dias antes do início do semestre letivo, à Comissão de Acompanhamento, a relação dos professores, pesquisadores, tutores que participarão dos estudos e pesquisas no âmbito do Sistema UAB; g) manter os registros das informações necessárias ao adequado controle do curso, bem como o
36 http://www.uab.capes.gov.br/
105
Termo de Compromisso e a freqüência dos professores pesquisadores e tutores das IES, para verificação periódica do Ministério da Educação; h) indicar professor responsável pelo curso para atestar as informações prestadas; i) cooperar com o Ministério da Educação na produção dos manuais das atribuições e obrigações dos bolsistas, bem como na supervisão das atividades (BRASIL, 2006, p.3).
As bolsas para professores, pesquisador e tutores, citadas acima, tem duração
de até 2 anos e são pagas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE) – órgão responsável pelo apoio financeiro; atribui-se a ele a suspensão ou
não das mesmas, caso haja descumprimento das funções estabelecidas na
Resolução Nº 044/2006. Os bolsistas podem ocupar as seguintes funções:
Coordenador/Suplente da UAB; Professor/Pesquisador; Tutor a Distância;
Coordenador do Polo e Tutor Presencial, com variação monetária de acordo com a
função exercida.
Em relação à disponibilidade de espaços físicos, bibliotecas, laboratórios,
serviços de comunicação – incluindo internet, como também a manutenção dos
mesmos, estes são mantidos pelas próprias entidades responsáveis pelos PAPs, o
que de acordo com Alonso (2010) é um ponto negativo do sistema UAB, uma vez que
no caso dos municípios, a maior parte deles, tem pouca chance de implementá-los
com qualidade.
Para ser aprovado pela CAPES/MEC a criação de um PAP, é preciso que um
município ou estado negocie a possibilidade de ofertar cursos em alguma IES já
existente, com uma infraestrutura local que atenda as especificações exigidas para
instalações, equipamentos e apoio. Uma vez atendidos os requisitos, autoriza-se o
município ou estado a receber cursos do Sistema UAB.
Em Relatório do Tribunal de Contas da União37, com data da apreciação em 14
de outubro de 2009, foram apresentadas algumas constatações sobre a
implementação dos polos presenciais da UAB, que demonstraram elementos sobre a
fragilidade das parcerias entre IES e municípios. Embora em vigência o Decreto nº
6.303/2007, que regulamenta em seu artigo 10, § 7º que as IES integrantes dos
sistemas estaduais que pretenderem oferecer cursos superiores à distância,
37Disponível em:
http://portal3.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/Forma%C3%A7%
C3%A3o%20de%20Professores.pdf. Acesso em: 13 maio. 2016.
106
anteriormente ao seu credenciamento, devem apresentar PAPs com demonstração e
suficiência de estrutura física, tecnológica e de recursos humanos; até o momento
datado, quase metade dos PAPs não haviam finalizado suas instalações, apesar da
existência de cursos já em andamento. Também foram relatados problemas em
relação ao mau funcionamento ou inexistência de internet, falta de bibliotecas e
fragilidade das coordenações locais e tutorias. Em conclusão, o relatório apresentou
as observações a seguir:
Constatou-se risco de sustentabilidade do sistema, em virtude de: a) os núcleos de ensino à distância nas instituições de ensino superior não estão suficientemente instrumentalizados para organizar e ministrar os programas de formação; b) a infra-estrutura física é deficiente nos pólos de apoio presencial; c) deficiências na atividade de tutoria, sobretudo na articulação entre tutores e professores formadores e na sua supervisão; e d) descompasso entre o número de vagas disponíveis e a capacidade de atendimento. Como resultado dessa avaliação, evidencia-se que a estrutura de gestão e a sistemática de acompanhamento das ações precisam ser aperfeiçoadas, de forma a mitigar o risco de desperdício de recursos públicos com a instituição de cursos e instalação de pólos sem a devida estrutura organizacional, física e material.
Em suma, o sistema UAB, apesar da relevância para o desenvolvimento da
EaD no Brasil, tem apresentado alguns aspectos de fragilidade e precariedade
relacionados à instalação e manutenção dos PAPs, o que tem fomentado dúvidas
sobre a qualidade dos cursos de EaD oferecidos no país, tendo em vista que, como
já apontado, o sistema UAB serve como parâmetro aos demais órgãos que oferecem
cursos da modalidade EaD.
Outro fator destacado por Gomes (2013, p. 20), seria a metodologia de ensino
e aprendizagem do Sistema UAB que “embora tenha muitas virtudes e, em alguns
casos, resultados bastante favoráveis, não avançam muito além da adequação das
ideias pedagógicas do ensino presencial”, uma vez que reproduzem nos ambientes
virtuais, práticas similares às das salas de aula habituais. Para Carlos Vogt (2013),
este é um grande desafio, desenvolver novas tecnologias educacionais que usem as
tecnologias de maneira efetiva, criativa e produtiva e não somente a adoção das
mesmas metodologias de ensino e aprendizagem usuais dos cursos presenciais.
Como atual presidente da Fundação Universidade Virtual do Estado de São
Paulo (Univesp), Vogt (2013) considera que a Univesp tem utilizado tecnologias
inovadoras que possibilitam uma efetiva ampliação da oferta de vagas e ensino de
107
qualidade na Educação Superior pública e gratuita. Segundo ele, apesar do Estado
de São Paulo apresentar em nível nacional os melhores índices sociais e econômicos,
há muito ainda a fazer para evolução do bem-estar social e formação da cidadania.
Para alcançar essa evolução e formação almejada, Vogt (2013) vê como uma das
possibilidades a ampliação do acesso ao ensino superior, principalmente, por meio de
metodologias inovadoras de ensino baseada no uso das TDIC.
Até o ano de 2013, no Estado de São Paulo, três quartos dos jovens em idade
universitária, entre 18 e 24 anos, continuavam fora das IES e, uma em cada dez
cidades ofertava vagas públicas gratuitas no ensino superior paulista (VOGT, 2013).
Estes dados são preocupantes, haja vista que muitos jovens não dão continuidade ao
seu processo de formação e que as vagas públicas são insuficientes para atender a
demanda.
Como proposta para a expansão significativa da oferta de vagas públicas no
ensino superior paulista, em 26 de agosto de 2009, foi lançado o Programa Univesp.
Com o objetivo de oferecer ensino gratuito e de qualidade e, ampliar o número e
abrangência geográfica das vagas ofertadas, o Programa Univesp fez parcerias com
três universidades do Estado de São Paulo – Universidade de São Paulo (USP),
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Universidade Estadual Paulista
(UNESP), além do Centro Educacional de Ensino Tecnológico Paula Souza
(CEETEPS) e da Fundação Padre Anchieta (FPA).
O Programa Univesp oferece cursos extracurriculares, graduação e
especialização, e desde o seu lançamento e até o ano de 2013, cerca de 15 mil alunos
já haviam sido atendidos. Além da educação formal, o Programa criou uma revista
digital de apoio aos estudantes, chamada Pré-Univesp, com eixos temáticos e
publicações mensais. Também produziu a instalação da Univesp TV, com canais
digitais abertos38 (VOGT, 2013).
Com a Lei nº 14.836, de 20 de julho de 2012, foi criada a Fundação
Universidade Virtual do Estado de São Paulo – a Univesp, como a quarta universidade
pública paulista, deixando de ser somente o Programa Univesp. A promulgação do
seu estatuto aconteceu pelo Decreto nº 58.438, de 9 de outubro do mesmo ano.
38 Canal 2.2 da multiprogramação da TV Cultura; <http://Univesptv.cmais.com.br/>;
<http://www.youtube.com/user/Univesptv>.
108
Os profissionais envolvidos na Univesp são contratados especificamente de
acordo com a qualificação e formação acadêmica relacionadas aos cursos oferecidos.
A estrutura dos cursos da Univesp é diferenciada, se comparada às habituais. Todos
os cursos possuem um núcleo básico comum nos primeiros anos, e nos anos
seguintes o aluno escolhe uma entre as possíveis carreiras profissionais que deseja
seguir. Como exemplificado por Vogt (2013, p.48-49).
Para a formação de professores no Eixo de Linguagens e Humanidades, haverá, por exemplo, um núcleo básico e comum nos primeiros anos composto por Linguística, Teoria Literária, Filosofia e Ciências Sociais e, nos anos seguintes, o estudante escolherá uma dentre as possíveis trilhas cuja saída profissional seja Português, Língua e Literatura, Economia, Sociologia, Antropologia, Filosofia, História, Geografia, entre outras.
A Univesp também oferece vagas anuais para o ingresso no ensino superior
para alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas, e parte dessas vagas
são destinadas a pretos, pardos e indígenas por meio da classificação do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Considerando que o conhecimento é um bem público e que por meio dele
novas práticas sociais são promovidas para o bem-estar coletivo, a Univesp, por meio
da universalização do acesso ao ensino superior público, gratuito e de qualidade,
concebe as modernas tecnologias e o acesso ao conhecimento digital como artifício
para proporcionar a inserção social e o exercício da cidadania. Para Vogt (2013, p.
50), “é a tecnologia a serviço da educação e da cidadania, levando a educação de
qualidade, em todos os níveis, para todas as regiões e municípios do Estado”.
Para Alonso (1996), a expansão da EaD no Brasil, de modo geral, foi
acompanhada pelo aumento da falta de qualidade na oferta de cursos, incipiência da
infraestrutura, bem como a falta de recursos humanos para o atendimento das
demandas pedagógicas dos alunos, com raras exceções, como o caso da Univesp,
que até agora não foi possível verificar impasses em seu andamento. Além disso,
Mugnol (2009) aponta a carência de regulamentação do sistema de acompanhamento
do aprendizado dos alunos, da formação de professores, das diferentes metodologias
utilizadas e da avaliação do resultado do processo de ensino e aprendizagem, entre
outros.
Na sequência, aprofunda-se a discussão sobre a concepção, estrutura e
organização da EaD, com ênfase em alguns elementos, como: o conceito de EaD;
109
metodologia e gestão; projetos pedagógicos; número de vagas; carga horária dos
cursos; atividades presenciais; avaliação de desempenho; modelos e abordagens de
EaD; ferramentas de interação e comunicação.
4.4 Concepção, estrutura e organização da Educação a Distância
No contexto educacional brasileiro, a EaD vem progredindo e se destacando
cada vez mais, em virtude do fácil acesso e baixo custo, e, sobretudo, da sua nova
forma de ensino e aprendizagem que por meio de recursos tecnológicos, não
existentes anteriormente, possibilitam uma maior autonomia ao aprendiz e dispensa
da exigência presencial física constante.
De acordo com o Decreto nº 5.622/2005, complementado pelo Decreto nº
6.303/2007, artigo 1, a EaD caracteriza-se como modalidade educacional, na qual a
mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com
a utilização de meios e tecnologias digitais de informação e comunicação, com
estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos
diversos.
Para Mill (2012), a EaD se diferencia da educação presencial, pela separação
física entre aluno e professor, assim como pelo uso intenso das TDIC como suporte
midiático aos conteúdos e como mediadoras da relação de ensino e aprendizagem.
Tem como característica principal, a promessa de ensinar e aprender sem que
professores e alunos estejam presentes no mesmo local ao mesmo tempo. O autor
(2012) define EaD como:
[...] modalidade de educação geralmente considerada uma forma alternativa e complementar (mas não necessariamente substitutiva) para a formação do cidadão (brasileiro e do mundo), com ricas possibilidades pedagógicas e grande potencial para a democratização do conhecimento, decorrentes de seu princípio de flexibilidade temporal, espacial e pedagógico (MILL, 2012, p. 21).
Embora para alguns estudiosos (MILL, 2012), (PINTO; NUNES; LAGO, 2012),
(CARDOSO; ISSE, 2010) a flexibilidade temporal e espacial, considerada nesta tese
como uma possibilidade de não-presencialidade, seja um fator positivo dos processos
de formação na EaD; para outros (GIOLO, 2008, 2010; SANTOS, 2006) existem
contestações quanto a sua efetividade, assim como também para esta tese, que
110
defende os princípios teóricos da ética da alteridade de Levinas, que considera a
relação face a face, a partir da epifania do Rosto do Outro, como relação
ética/metafísica e, portanto, a presença é indispensável para a formação humana.
Além da separação física, está presente na EaD o conceito da heutagogia, que
significa aprendizagem autodirecionada em que os alunos são os gestores e
programadores do seu processo de formação com o auxílio de recursos e tecnologias
digitais e suporte dos professores (MAIA; MATTAR, 2007).
Destarte, a atual estrutura e organização da EaD requer um perfil de aluno
como um aprendiz autônomo e autodeterminado, responsável e compromissado com
o aprendizado, que seja capaz de monitorar e regular seus estudos, utilizar e explorar
os recursos de comunicação. No entanto, apesar do estudo “solitário”, espera-se
também que o aluno aprenda em interação com seus colegas, professores e tutores
nos ambientes sociais digitais, e não apenas sozinho.
Ainda segundo o Decreto nº 5.622/2005, complementado pelo Decreto nº
6.303/2007, a EaD pode ser ofertada nos níveis da educação básica, educação de
jovens e adultos, educação especial, educação profissional e Educação Superior.
Sendo que os projetos pedagógicos dos cursos e programas oferecidos deverão
seguir o artigo 13, reproduzido na sequência.
I - obedecer às diretrizes curriculares nacionais, estabelecidas pelo Ministério da Educação para os respectivos níveis e modalidades educacionais; II - prever atendimento apropriado a estudantes portadores de necessidades especiais; III - explicitar a concepção pedagógica dos cursos e programas a distância, com apresentação de: a) os respectivos currículos; b) o número de vagas proposto; c) o sistema de avaliação do estudante, prevendo avaliações presenciais e avaliações a distância; e d) descrição das atividades presenciais obrigatórias, tais como estágios curriculares, defesa presencial de trabalho de conclusão de curso e das atividades em laboratórios científicos, bem como o sistema de controle de freqüência dos estudantes nessas atividades, quando for o caso (BRASIL, 2005).
Como observado, os níveis educacionais em que são ofertados cursos a
distância são os mesmos ofertados presencialmente. Dado que existem dificuldades
e fragilidades nos processos educacionais presenciais, em virtude de diversos fatores,
como: despreparo docente diante das particularidades de cada aluno, falta ou má
comunicação entre professores e alunos, infraestrutura inadequada, classes
superlotadas, entre outros; uma das “soluções” encontradas para superação destes
111
problemas foi a criação de cursos a distância, sem levar em consideração que eles
poderiam apresentar os mesmos contratempos que os presenciais.
Em relação ao número de vagas, o Decreto acima citado define que será fixado
pela própria instituição, caso tenha autonomia universitária, a qual deverá observar a
capacidade institucional, tecnológica e educacional disponíveis para oferecer cursos
a distância. Ou, ainda, nas instituições credenciadas, sem autonomia universitária, o
número de vagas será definido, mediante processo de avaliação externa, realizada
pelo MEC. Indaga-se, como questiona Giolo (2008, p. 1231), no caso das instituições
com autonomia universitária, “elas continuarão a abrir a quantidade de vagas que seus
conselhos superiores entenderem necessárias, independente se forem mil, cem mil
ou trezentos mil?”.
Segundo o mesmo Decreto, artigo 13, §1º, os cursos a distância deverão ter a
mesma duração, em carga horária, definida para os respectivos cursos na modalidade
presencial. E, ainda, artigo 10, §2º, nessa carga horária deverá conter atividades
presenciais obrigatórias, tais como: avaliações, estágios, defesas de trabalhos e
atividades em laboratório, que serão realizadas nos PAPs das IES credenciadas.
De acordo com Manzini (2008), o ex-Ministro Fernando Haddad declarou que
era intenção do Ministério exigir que os programas incluíssem uma carga horária
presencial mínima de 20%. Também destacou que o modelo brasileiro de EaD não é
100% virtual e tem a pretensão de seguir o modelo espanhol, em que parte da
formação é realizada presencialmente. Para Giolo (2008, p.1231) “a simples definição
de um modelo para a EaD no Brasil já é um avanço importante”. No entanto, crítico
ao sistema EaD, em que a não-presencialidade prevalece, o autor questiona
novamente: “Bastam 20%? Teremos profissionais 20% e profissionais 100%?”.
Com referência à avaliação de desempenho do estudante, o Decreto nº
5.622/2005, artigo 4, prevê que a promoção, conclusão de curso e obtenção de
certificados e diplomas acontecerão de acordo com o cumprimento das atividades
programadas e a realização de exames presenciais. E, ainda, os exames serão
elaborados pela própria IES credenciada, seguindo os critérios definidos pelo projeto
pedagógico do curso ou programa, sendo os resultados dos exames presenciais
prevalecentes aos obtidos em quaisquer outras formas de avaliação realizada durante
o curso a distância.
A avaliação complementa o quadro de aspectos criticados com relação ao
sigilo, à burla e à vigilância. Portanto, considera-se a inserção de exames presenciais
112
nos cursos de EaD como uma das estratégias adotadas para maior credibilidade do
processo de ensino e aprendizagem na EaD. Além desta estratégia, outras merecem
destaque: “leitura biométrica, vigilância virtual (câmeras pela internet), provas digitais
com senhas e horários para abertura e fechamento do sistema, [...] software de
rastreamento de plágios e similares” dentre outros (MILL, 2012, p. 28).
Por ocasião dessas e outras exigências, o ex-secretário da SEED, Carlos
Eduardo Bielschowsky, prevendo conflitos, se manifestou dizendo que “O MEC não
está fechado em um único modelo de educação a distância, mas propõe diretrizes”39.
Considerada como uma ação modeladora, a ABED afirma que a EaD, da maneira que
se encontra sistematizada, bloqueia a criatividade, e acredita que novas propostas e
mudanças podem colaborar para uma melhor formação humana nesta modalidade no
contexto brasileiro. Para tanto, o próximo tópico argumentará acerca dos diversos
modelos de EaD existentes no Brasil e suas concepções pedagógicas distintas.
4.4.1 Modelos de Educação a Distância
Como foi possível verificar anteriormente, a EaD no Brasil se consolida a partir
de políticas reguladoras do MEC, com portarias e decretos que definem regras e
obrigações. Apesar disso, é possível classificar diferentes modelos de EaD existentes
no Brasil com concepções pedagógicas e organizacionais distintas.
Para Silva (2013, p. 64), a escolha de um modelo de EaD “depende da
combinação de fatores administrativos, técnicos e pedagógicos”. Logo, para a
efetivação da escolha de um modelo de EaD em uma IES deverão ser levados em
consideração fatores administrativos do ponto de vista econômico; critérios técnicos e
pedagógicos compatíveis com a estrutura e público-alvo da instituição; condições de
acesso e permanência dos alunos e, também, possibilidades de expansão e
adaptação de acordo com a demanda.
De acordo com Pimentel e Andrade (2005), os modelos educacionais podem
ser classificados como presencial, educação mista/semipresencial/bimodal e a
distância, dependendo do tempo de comunicação estabelecido entre discentes e
docentes, como mostra a figura 1 a seguir.
39 Declaração publicada no JC E-mail (Notícias, n. 3.387, 9 nov. 2007).
113
Figura 1 - Classificação dos sistemas educacionais em função do tempo de comunicação
"presencial" e "a distância"
Fonte: (PIMENTEL; ANDRADE, 2005, n.p).
Por definição, o modelo semipresencial (ou educação mista, ou bimodal) é
caracterizado como processo de formação realizado “com parte em forma presencial
(com presença física, numa sala de aula) e parte em forma virtual ou a distância (com
pouca presença física), por meio de tecnologias de comunicação” (GUAREZI;
MATOS, 2009, p. 87). Cabe ressaltar que no Brasil a EaD utiliza, majoritariamente, o
modelo semipresencial, em virtude dos requisitos presenciais obrigatórios exigidos
pelas leis.
Neste modelo, os alunos e professores se reúnem face a face periodicamente,
com aulas presenciais e não-presenciais intercaladas. Em virtude da possibilidade de
interações diferenciadas, esta tese considera, assim como apontam Guarezi e Matos
(2009), que o modelo semipresencial pode facilitar o fortalecimento das relações entre
professor/aluno e aluno/aluno, a construção de conhecimentos e a capacidade de
reflexão dos sujeitos e, ainda, os autores acreditam que seja mais vantajoso quanto
ao índice de evasão, uma vez que diminuem as taxas de abandono, pois são mais
interessantes aos alunos do que os modelos totalmente presenciais ou a distância.
Já o modelo a distância se configura a partir de aulas não-presenciais, sendo o
processo de formação mediado pelas TDIC, com possíveis encontros presenciais
esporádicos ou inexistentes (no caso de cursos totalmente a distância). Para Guarezi
e Matos (2009), o modelo a distância quando articulado como um bom processo de
114
comunicação, minimiza as barreiras espaço-temporais e estimula um processo de
ensino e aprendizagem colaborativo.
Entretanto, considera-se nesta tese que há uma certa complexidade em
estruturar o modelo a distância como um processo comunicativo e colaborativo na
medida em que envolve um conjunto de elementos subjetivos e intersubjetivos e
somente as TDIC não fazem o trabalho por si só. Para tanto, é preciso interligá-las à
uma proposta pedagógica atrelada à uma equipe de profissionais capacitados e
engajados para que o processo assim aconteça.
Além da classificação dos modelos educacionais descritos acima, na qual a
EaD está representada nos modelos bimodal e a distância, Vianney (2008) classifica,
de modo distinto, cinco modelos de EaD, com suas respectivas descrições e
instituições de funcionamento no Brasil entre os anos de 1994 e 2008, como mostra o
quadro 3 a seguir.
Quadro 3 – Modelos de EaD estruturados e em funcionamento no Brasil (1994-2008)
Fonte: (VIANNEY, 2008, p. 4)
115
Resumidamente, a partir da análise do quadro 3 é possível verificar que o
modelo 1 (Tele-educação via satélite) funciona por meio da transmissão de tele-aulas
em franquias de recepção presencial e domina o setor privado do mercado. O modelo
2 (Polos de apoio presencial – semipresencial) atende os alunos em polos de apoio
presencial, com serviços de tutoria e suporte técnico; é o modelo utilizado pelo MEC
para UAB que serve como parâmetro para as demais IES e também está presente em
diversas universidades federais. O modelo 3 (Universidade Virtual) utiliza de modo
intensivo as TDIC para o relacionamento entre alunos/professores/instituições, sendo
os polos de apoio presenciais somente utilizados para a realização de provas; as
universidades líderes neste modelo são: Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL) e Universidade Católica de Brasília (UCB). O modelo 4 (Vídeo-educação) é
representado por franquias de vídeo-aulas com tutoria presencial e a distância; este
modelo foi criado pela Instituição “Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino” –
Paraná, replicado e recriado pela Universidade Castelo Branco e Universidade
Luterana do Brasil (ULBRA). Por último, o modelo 5 (Universidade Central) não é
efetivamente um modelo de EaD, mas um sistema de atividades presenciais de
práticas de laboratório que são utilizadas pela Universidade de Brasília (UnB) e
UNISUL.
Portanto, evidencia-se a existência de diversas classificações para os modelos
de EaD que podem se diferenciar de autor para autor. No presente trabalho, foram
apresentadas duas classificações distintas, de Pimentel e Andrade (2005) e de
Vianney (2008); no entanto, uma não é mais relevante que a outra, ambas são
importantes para o conhecimento das diferentes vertentes e concepções de EaD no
Brasil.
Assim como os diversos modelos de EaD, existem no Brasil diferentes
abordagens relacionadas a EaD. Estas abordagens se relacionam com os modelos
existentes; dessa forma, também se considera relevante apresentar algumas delas
neste tópico. Valente (1999) identifica três tipos de abordagens presentes nos
modelos de EaD no Brasil, que diferem entre si de acordo com a intensidade de
interação possibilitada. São elas: “broadcast”, “virtualização da escola tradicional” e
“estar junto virtual”.
Na abordagem “broadcast” o processo de ensino e aprendizagem acontece via
tutorias computacionais ou livros de instrução programada. O professor é responsável
116
por organizar a sequência de informações e enviá-las aos alunos pelos meios
tecnológicos. Não há interação entre professor e aluno, nem garantia de construção
de conhecimento, uma vez que o professor não tem recursos para identificar o que o
aluno faz ou se ele compreendeu o que foi transmitido. Esta abordagem se caracteriza
como uma concepção instrucionista, de disseminação de informações para um grande
número de pessoas, uma vez que ela não tem limitação de números de alunos
(VALENTE, 1999). A figura 2, a seguir, mostra como funciona esta abordagem via
internet.
Figura 2 – Abordagem broadcast na EaD utilizando a internet
Fonte: (VALENTE, 1999, p.2).
Para Valente (1999), a abordagem “broadcast” pode ter vantagens e
desvantagens, dependendo do objetivo que se pretende alcançar com os processos
de EaD. Se houver a pretensão de dar acesso a um grande número de pessoas ela é
viável. Todavia, com relação a qualidade educacional, ela não é garantida.
[...] ela se apresenta como uma solução bastante viável para a
situação educacional do Brasil, permitindo que muitos cidadãos tenham acesso à Educação, sem que para isso seja necessário investir em infra-estrutura de salas de aula. Por outro lado, como não há garantia de qualidade educacional, essa abordagem é considerada uma Educação de segunda categoria, atendendo, em geral, as necessidades das classes mais desfavorecidas (VALENTE, 1999, p. 2-3).
A abordagem “virtualização da escola tradicional” é caracterizada como uma
tentativa de realizar no espaço virtual a mesma dinâmica da escola tradicional, ou
seja, a sala de aula presencial é transferida para o espaço virtual. O processo de
ensino e aprendizagem é centrado no professor. Assim como na sala de aula
117
presencial, nesta abordagem existe uma certa interação entre professor e aluno.
Entretanto, “em geral, a interação professor-aluno resume-se em verificar se o
aprendiz memorizou a informação fornecida ou requer uma aplicação direta da
informação fornecida em um domínio muito restrito” (VALENTE, 1999, p.3). Observa-
se a seguir, na figura 3, a exemplificação de como acontece esta abordagem na EaD.
Figura 3 – Abordagem “virtualização da escola tradicional” na EaD
Fonte: (VALENTE, 1999, p. 3).
Com a existência da interação entre professor e aluno, tendo em vista a
obrigatoriedade da verificação dos resultados da aprendizagem, o número de alunos
nesta abordagem é restrito, menor do que na abordagem “broadcast”. Em
contrapartida, com o número restrito de alunos, a qualidade do processo de ensino e
apresendizagem é considerada melhor do que na abordagem “broadcast”. Apesar
destas diferenças, “pode não ser ainda suficiente para criar condições para o aluno
construir conhecimento”, bem como nas situações de ensino em sala de aula
presencial (VALENTE, 1999, p. 4).
Segundo Pesce (2010), a abordagem “virtualização da escola tradicional” é
muito comum na EaD no Brasil em virtude da tendência dos professores em transpor
a dinâmica dos cursos presenciais para os cursos a distância, sem fazer as
adequações necessárias, uma circunstância preocupante. Por este e outros motivos,
Valente (1999, p. 4) aponta que “essa abordagem de EaD tem sido a mais utilizada
no Brasil”.
Por último, na abordagem “estar junto virtual” a construção do conhecimento
acontece por meio de um ciclo de ações (descrição-execução-reflexão-depuração-
118
descrição), em uma dinâmica computacional, na qual o professor é mediador do
processo de ensino e aprendizagem junto ao aluno (VALENTE, 1999). Desta forma,
há um alto grau de interação entre professor e aluno. Na prática da EaD, o ciclo de
ações acontece conforme Valente (1999, p.4-5) descreve no trecho e ilustra na figura
4 na sequência.
[...] o aluno deve estar engajado na resolução de um problema ou projeto. Nessa situação, se surge alguma dificuldade ou dúvida, ela pode ser resolvida com o suporte do professor, que poderá auxiliar o aluno via rede. O aluno age, produz resultados que podem servir como objetos de reflexões. Estas reflexões podem gerar indagações e problemas, e o aluno pode não ter condições para resolvê-los. Nessa situação, ele pode enviar essas questões ou uma breve descrição do que ocorre para o professor. Este professor reflete sobre as questões solicitadas e envia sua opinião, ou material, na forma de textos e exemplos de atividades que poderão auxiliar o aluno a resolver seus problemas. O aluno recebe essas idéias e tenta colocá-las em ação, gerando novas dúvidas, que poderão ser resolvidas com o suporte do professor. Com isso, estabelece-se um ciclo que mantém o aluno no processo de realização de atividades inovadoras, gerando conhecimento sobre como desenvolver essas ações, porém com o suporte do professor. Assim, a Internet pode propiciar o “estar junto” do professor com o aluno, vivenciando com ele o processo de
construção do conhecimento. Figura 4 - Ciclo que se estabelece na interação aluno-professor, no “estar junto virtual”
Fonte: (VALENTE, 1999, p. 5).
Para Valente (1999), não há dúvidas de que o processo de construção do
conhecimento nesta abordagem acontece de modo efetivo e se considera como uma
solução educacional de alta qualidade para EaD. No entanto, comparada às demais
abordagens, o custo é muito mais elevado, tendo em vista que o professor consegue
119
atender somente até vinte alunos. Além disso, esta abordagem requer a preparação
de uma equipe com capacitação adequada e implica profundas mudanças no
processo educacional (VALENTE, 1999).
Não obstante, para o autor (1999, p. 5), a abordagem “estar junto virtual” “nos
permite entender como propiciar as condições para o aprendiz construir
conhecimento, contextualizado na sua realidade” e está sendo utilizada no Brasil na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Dessa forma, considera-se nesta tese que a abordagem “estar junto virtual” traz
indícios de que pode ser uma possibilidade de formação a favor da ética da alteridade
de Levinas
Em suma, a partir dos modelos e abordagens aqui apresentadas e, ainda,
levando em consideração outras existentes no âmbito da EaD no Brasil, considera-se
que há um amplo leque de possibilidades de caminhos a serem seguidos nos
processos de EaD. Destaca-se também a integração e a transferência de
procedimentos da educação presencial para a EaD, que podem ou não ser relevantes,
dependendo da forma como são empregados; até mesmo as regras impostas pela
legislação fazem com que a EaD tenha aspectos similares aos existentes no educação
presencial. Por estas e outras razões, alguns estudiosos (GUAREZI; MATOS, 2009;
ALVES, et.al., 2015) consideram que a fronteira entre a modalidade a distância e a
modalidade presencial está cada vez menos evidente, e ainda, acreditam que a
separação entre estas modalidades fará parte de um passado remoto.
Por fim, percebe-se a ênfase atribuída à interação na classificação e na
descrição dos modelos e abordagens da EaD e, portanto, concebe-se como
significativo refletir sobre as ferramentas de interação e comunicação no processo de
formação superior a distância.
4.4.2 Ferramentas de interação e comunicação
Consideradas como um dos elementos constituintes da estrutura e organização
da EaD, e, sem dúvidas, um dos mais importantes para o funcionamento dos
processos de formação, as ferramentas de interação e comunicação proporcionam o
estabelecimento das relações entre os indivíduos e, entre indivíduos e máquinas, o
que justifica a relevância dada a elas neste tópico.
120
O termo ferramenta de acordo com o dicionário Michaelis40 significa “qualquer
instrumento ou utensílio empregado nas artes ou ofícios”, ou seja, para a realização
do processo de formação na EaD utilizam-se ferramentas específicas para
consolidação da interação e comunicação. Ainda de acordo com o dicionário, o
vocábulo interação é descrito como “ação recíproca de dois ou mais corpos” em que
ocorre a intersubjetividade, e/ou ainda, “ação recíproca entre o usuário e um
equipamento (computador, televisor etc.)”. Já o termo interatividade representa um
“sistema de comunicação que possibilita a interação”. Logo, pode-se afirmar que, na
EaD, é por meio das ferramentas de interação e comunicação que os indivíduos entre
si e/ou com as máquinas intercambiam informações e ideias, realizam atividades,
escutam, dialogam e se aproximam, mesmo em espaços e tempos distintos.
Segundo Floriano, et.al. (2006), na EaD, a interação se refere ao encontro (que
pode ser a distância ou presencial) de dois ou mais sujeitos - professores e alunos,
alunos e alunos, que se relacionam e se comunicam por meio da internet e demais
mídias; já a interatividade designa o agir humano e a retroalimentação de uma
máquina. Por outro lado, para Carvalho e Struchiner (2001), a interatividade na EaD
compreende o relacionamento entre pessoas com experiências diversas, por meio do
uso de ferramentas e da organização de atividades, constituindo-se como uma inter-
relação mediatizada pela comunicação em uma comunidade de aprendizagem virtual.
De acordo com Nunes (2009), são as ferramentas de interação e comunicação
que podem possibilitar a indispensável interatividade – considerada entre todas as
características dos processos de educação, a mais importante para a formação
humana. Elas são concebidas como recursos e utensílios, geralmente tecnológicos,
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
Por intermédio de uma rede de interações, os espaços de ensino e
aprendizagem entre professores e alunos na EaD, mediados pelos recursos
tecnológicos, se constituem via processo dialógico, cooperativo, de coensinantes e
coaprendentes, em que todos os sujeitos são reconhecidos como legítimos e ativos
interativamente, de modo a contribuir para uma possível superação do isolamento e
do individualismo, ou, pelo menos, assim deveria ser e acontecer. Entretanto, apesar
do diálogo ser uma condição para a formação humana e indispensável para a ética
da alteridade, é preciso ressaltar que em diversas circunstâncias confunde-o com
40 Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/ Acesso em: 13 maio. 2016.
121
conversação, atribuindo a ele significado e conteúdos isentos de reflexão e
posicionamento crítico perante a sociedade.
Para Peters (2001b), o diálogo é concebido como elemento fundamental no
processo de ensino e aprendizagem na EaD e é por meio dele, na interação social,
que os indivíduos se socializam, aprendem, formam-se e se tornam capazes de agir
socialmente.
O diálogo tem papel central no processo de ensino e aprendizagem na educação a distância no contexto da interação social entre indivíduos. Interação social significa, na compreensão sociológica, o intercâmbio de ações inter-relacionadas numa situação social. Essas ações sofrem influência das noções de valores e posicionamentos do parceiro de orientação e ação do outro em cada situação (do outro significante), que, por sua vez, se derivam de noções de valores sociais correspondentes. Dentro dos moldes dessas interações acontece a socialização dos indivíduos, que se dá pela aprendizagem de símbolos e papéis. Nisso, desenvolvem sua identidade como pessoa e se tornam interativamente competentes, isso quer dizer, portanto, capazes de agir socialmente (PETERS, 2001b, p. 83).
É possível encontrar na teoria da ética da alteridade de Levinas a interação
social camuflada41 e conceitualmente diferenciada. Distintamente ao que comumente
se define, Levinas (2010) considera que a interação entre os indivíduos, na relação
entre subjetividades (intersubjetividade), acontece a partir da disponibilidade infinita e
desinteressada do eu pelo Outro; é uma relação assimétrica, sem a obrigatoriedade
de ser recíproca, na qual o eu respeita o Outro enquanto absolutamente único –
alteridade absoluta, se dispõe a serviço do Outro e se responsabiliza por ele; uma das
principais dificuldades da contemporaneidade em que prevalece o imperialismo do
“Eu” como centro da relação.
Além disso, Levinas (2009) considera que o Rosto é originariamente linguagem,
que fala por si só. “Falar é, antes de tudo, este modo de chegar por detrás de sua
aparência, por detrás da sua forma, uma abertura na abertura” (LEVINAS, 2009, p.
51). Dessa forma, a manifestação do Rosto é o primeiro discurso, é uma abertura para
o diálogo do eu com o Outro e implica a escuta por parte do eu para a fala do Outro.
“Encontrar um rosto é, de pronto, ouvir um pedido e uma ordem” (POIRIÉ, 2007, p.
85). Logo, indaga-se: Seria possível interagir e dialogar com o Outro na EaD,
41 Utiliza-se o termo interação social camuflada uma vez que Levinas não define o conceito
interação, mas pode ser entendida por meio de outros elementos presentes em sua teoria.
122
pensando a partir da teoria da ética da alteridade de Levinas, com concepções
totalmente distintas das encontradas atualmente nos cursos de formação superior a
distância na contemporaneidade, em que a não-presencialidade está integrada?
Em relação às ferramentas de interação e comunicação, usualmente são
utilizadas em cursos EaD: máquinas (computadores, notebooks, tablets, etc.); internet
(e-mail, blog, redes sociais, Youtube, Skype, Web 2.0, etc.); ambiente virtual de
aprendizagem - AVA (Moodle, tutoria, fóruns, chats, biblioteca virtual, etc.); além da
linha telefônica. Assim, a interação e comunicação entre os sujeitos pode acontecer
de duas maneiras: síncrona/simultânea (acontece ao mesmo tempo, de modo
imediato), como as webconferências via Skype, os chats e chamadas telefônicas;
assíncrona/diferida (não ocorre ao mesmo tempo), como os fóruns, e-mails, etc.
Com a invenção das ferramentas de interação e comunicação tecnológicas, a
EaD “surgiu como a ‘salvação’ para todos os problemas educacionais e sociais, como
forma de inclusão digital, meio de democratizar o acesso à informação e ao
conhecimento e forma de capacitação” de pessoas que ainda não possuíam e
necessitavam de formação (MAIA; MATTAR, 2007, p. 68).
No contexto contemporâneo, para iniciar um curso de formação a distância, é
necessário que o aluno e o professor se equipem com um computador (ou notebook,
atualmente mais utilizado) e acessórios tecnológicos como: caixas de som, placas de
vídeo, webcam, microfone, entre outros. O computador precisa ter um sistema
operacional (Windows ou outro de sua preferência); um pacote office para a produção
de textos, trabalhos e pesquisas; leitor de pdf (para baixar e acessar os arquivos
enviados pelo professor/tutor); antivírus (para proteção da máquina); acesso à internet
e navegador.
O que no passado era inimaginável, contemporaneamente é uma realidade. Os
cursos a distância são, em sua maioria, inteiramente tecnológicos e virtuais.
Anteriormente, os cursos a distância eram realizados por correspondência, rádio,
televisão, até chegar no momento atual, aos computadores e internet. A “sala de aula”
se transformou em um ambiente virtual. O avanço da ciência e tecnologia revolucionou
toda a humanidade e, indiscutivelmente, os processos de ensino e aprendizagem.
Segundo Mill (2012), a “sala de aula” na EaD, se é que assim pode ser
denominada, poderia ser reinterpretada e metaforizada pela canção infantil brasileira
conhecida “A casa” de Toquinho e Vinícius de Morais.
123
Era uma casa Muito engraçada
Não tinha teto Não tinha nada
Ninguém podia Entrar nela não Porque na casa Não tinha chão
Para o autor (2012), efetivamente, a “casa”, no caso a EaD, não é tão
engraçada, dado que ela possui teto e chão com materialidades e temporalidades
distintas, e que “qualquer um” pode entrar nela, ou seja, participar dos processos de
ensino e aprendizagem pela mediação das TDIC. Com a composição básica comum
conservada, a sala de aula na EaD se diferencia por estar em todo lugar, a qualquer
momento, em virtude de sua flexibilidade espacial e temporal, e por ser personalizada
pelo Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).
O AVA, também conhecido como Learning Management Systems (LMS),
oferece vários recursos para que os professores e alunos desenvolvam e realizem
suas atividades, se relacionem e interajam. É onde acontece o processo de ensino e
aprendizagem, a construção de conhecimentos, lugar de formação, assim como a
típica sala de aula de educação, todavia, com forma, lugar e tempo distintos. Na EaD,
não somente os espaços e tempos de ensinar e aprender são diferenciados, mas
também as noções de presença e proximidade, ausência e distância.
Atribui-se ao AVA o papel central na dinâmica do processo de ensino e
aprendizagem, na organização e no gerenciamento dos cursos e disciplinas. Deste
modo, para Mill (2012), seria mais adequado chamá-lo de ambiente virtual de
educação, pois compreenderia as noções de aprendizagem, ensino e gestão. De
acordo com o autor (2012, p. 143) o AVA, como simulacro de um ambiente pedagógico
tradicional, oferece aos professores e alunos três condições fundamentais ao
processo de ensino e aprendizagem:
a) uma área onde o educador disponibiliza múltiplas atividades ou propostas de aprendizagem aos estudantes; b) um lugar de colaboração mais formal ou informal, como suporte às interações entre educador e educandos; c) um conjunto de recursos e ferramentas para apoiar a aprendizagem – incluindo as mídias e os suportes aos conteúdos e ao manejo da turma.
Todas essas situações ocorrem por meio da utilização dos tradicionais AVAs,
tais como: FirstClass, Blackboard, Learning Space, Virtual U, WebCT, Universite,
124
AulaNet, TelEduc, dentre outros e, o mais recente e mais utilizado Modular Object-
Oriented Dynamic Learning (MOODLE). Ele funciona por meio do desenvolvimento da
Web 2.0, que possibilita a migração dos softwares do computador para a Web e
disponibiliza os aplicativos de textos, planilhas, vídeos via internet, que podem ser
acessados de qualquer local. No entanto, é importante destacar que a interação pelo
uso da linguagem textual é predominante.
A colaboração e o suporte aos alunos acontecem por meio da tutoria. São os
tutores os responsáveis pelas ações e relações no processo de ensino e
aprendizagem, que possibilitam a aproximação dos alunos entre si e com os
conteúdos de aprendizagem. É a partir das ferramentas de interação e comunicação
que a função do tutor se torna possível e efetiva, por meio da utilização dos fóruns,
chats e e-mail, além do Skype, redes sociais, blogs, entre outros.
Para tanto, Prado e Almeida (2003) alertam que a existência dos recursos,
como as ferramentas de interação e comunicação, isoladamente, não garante o
desenvolvimento de atividades e ações reflexivas e colaborativas. São os profissionais
envolvidos no planejamento, organização e execução das atividades didáticas e
pedagógicas que dão sentido e significado ao uso destes recursos. Teles (2009)
também aponta que embora o AVA conceitualmente seja sinônimo de aprendizagem
colaborativa e interativa, ele não o é por natureza. Ele precisa ser gerenciado pelos
professores, responsáveis por despertar a autorreflexão e encorajar a participação
ativa dos alunos.
Em âmbito avançado e atualizado, uma nova ferramenta está em
desenvolvimento, promissora e inovadora para os cursos de EaD, conhecido como
“Second Life”. Constitui-se como um ambiente colaborativo virtual com interface 3D,
que utiliza linguagens gráficas, orais, gestuais e textuais. O “Second Life” possui
Espaços de Convivência Digital Virtual (ECODI). Segundo Schlemmer (2010, p. 79),
“o aluno não navega para acessar fóruns e chats para colaborar com os demais, ele
está presente no lugar em que isso ocorre”. Para isso acontecer, criam-se corpos
digitais virtuais - avatares, como mostra a figura 5 a seguir.
125
Figura 5 - Avatares em um ECODI
Fonte: (SCHLEMMER; TREIN; SOARES, 2009).
Como toda nova criação, uma nova tecnologia precisa ser experimentada. A
figura 5 se refere a um projeto desenvolvido pela Rede e Instituição Católica de Ensino
Superior (RICESU). Segundo Schlemmer (2010), a ideia de iniciar esta experiência foi
despertada pelo incômodo causado pelos depoimentos frequentes dos alunos
usuários dos AVAs que diziam “me sinto sozinho”, “sinto falta de ver pessoas”, entre
outros. Sendo assim, a autora (2010) afirma que o “Second Life” é de suma
importância para que os sujeitos criem sentimentos de presença e pertencimento
social por meio da telepresença dos avatares no ambiente 3D, proporcionando uma
emancipação digital. Para Moran (2007), esta nova ferramenta facilitará o contato
visual, interação, discussão e orientação.
Sobre este assunto, Torres e Fialho (2009, p. 449) questionam: “O que é
melhor? Visitar virtualmente um site ou interagir com avatares e agentes em uma
aventura emocionante e divertida?”. Talvez já existam respostas para tal
questionamento, mas, somente com o desenvolvimento e disseminação dessa
ferramenta inovadora e com novas pesquisas será possível evidenciá-las. Apesar de
inovadora, a ferramenta do “Second Life” ainda possui algumas limitações, sendo as
principais, o alto custo e a necessidade de elevados níveis de hardware para rodar o
programa, ainda assim, especialmente no contexto educacional, a tendência é que ela
se torne uma realidade em breve. Entretanto, considera-se nesta tese que a presença
virtual, como a demonstrada no plano 3D, não substitui a presença física e os
encontros face a face, a favor da ética da alteridade.
Não é o caso de negar as grandes vantagens que as tecnologias trouxeram (e
ainda trazem) ao desenvolvimento da EaD; sem embargo, em uma perspectiva
126
pedagógica, poucas mudanças aconteceram com relação ao formato e modelo dos
cursos de formação. As aulas orais e expositivas presenciais transformaram-se em
apresentações em Power Point e/ou vídeoaulas. Os livros/textos impressos foram
digitalizados e disponibilizados online, em formato de ebooks.
O que antes era oferecido como livro ou apostila em formato impresso e entregue pelo correio passou a ser disponibilizado na Web em formato ‘pdf’. O que antes era divulgado pela rádio ou no Telecurso passou a ser multimídia e estar disponível em um site (MAIA; MATTAR, 2007, p. 69).
Na realidade, ao invés de uma inovação educacional, aconteceu na EaD,
predominantemente, uma reprodução e repetição do modelo da educação presencial,
mesmo com todos os investimentos e tecnologias disponíveis. A estrutura e
organização dos cursos, a formatação dos currículos e das disciplinas, a seleção dos
conteúdos, todo o processo de ensino e aprendizagem foi baseado no modelo já
existente na educação presencial. O professor atua como um expositor e transmissor
e o estudante como um espectador, um receptáculo de conhecimentos.
Para Maia e Mattar (2007), por não realizar mudanças e transformações de
paradigmas e conceitos, o e-learning (aprendizagem eletrônica) é uma versão
“maquiada” da educação presencial tradicional, que transpõe metodologias e
conteúdos para a internet. E, ainda, os alunos que deveriam ser responsáveis pelo
“design” de suas aprendizagens, ficam em segundo plano, com cursos previamente
padronizados, como se não existissem sujeitos diferentes frente às máquinas. Assim
sendo, “a tecnologia já existe; falta saber o que fazer com ela para se produzir algo
novo na educação, pois, até agora, o que tem sido desenvolvido é uma cópia malfeita
do modelo do ensino presencial”, e por este motivo, até então não prosperou no Brasil
(MAIA; MATTAR, 2007, p. 69).
De nada adianta ter tecnologias e ferramentas de última geração, se as
concepções e metodologias educacionais reproduzirem as práticas pedagógicas da
educação presencial, ditas ultrapassadas. Os cursos de EaD requerem novos perfis e
papéis aos sujeitos envolvidos, uma nova rede de interações e relações. É preciso
quebrar paradigmas, criar e experimentar algo novo, diferente, para além das práticas
de reprodução.
127
4.5 Os novos papéis discente, docente e institucional nos processos de
formação a distância
A educação, de modo geral, ainda perpetua a concepção do processo de
ensino e aprendizagem centralizado no professor – o detentor de conhecimento, o
dono da verdade absoluta. Atribui-se ao docente o papel de transmissor de
conhecimento e ao aluno, assimilador passivo.
Com o surgimento da EaD, e, consequentemente, de um novo cenário
educacional, mudanças de paradigmas aconteceram nos processos de ensino e
aprendizagem e configuraram novos papéis aos discentes, docentes e as instituições
educacionais, o que já era previsto na década de 60 por McLuhan (1964), quando
declarou que aconteceria uma verdadeira “revolução” nos papéis do aluno e do
professor. Nesse sentido, este tópico reflete sobre os novos papéis dos discentes,
docentes e das instituições nos processos de formação a distância no Brasil.
4.5.1 Perfil do aluno
Com a flexibilização do tempo e a independência da localização geográfica e
dos espaços físicos, a EaD trouxe novas possibilidades para a formação42 dos sujeitos
e criou diferentes papéis e particularidades aos personagens do processo de ensino
e aprendizagem43, inclusive aos discentes.
Para Mill (2012), uma das particularidades do perfil do aluno na EaD é a sua
participação como sujeito ativo no processo de construção do conhecimento. Ele é o
responsável pela sua formação e o elemento central do processo de ensino e
aprendizagem.
42 Novamente ressalta-se: esta tese concebe que o ensino superior envolve um conceito de
formação ampla, humanista e cidadã, que vai além da formação instrumental e profissional. De acordo
com Dias Sobrinho (2010, p.3) “as universidades são espaços de formação intelectual, moral,
profissional e política das pessoas. Por princípio, hão de estar profundamente implicadas na tarefa do
desenvolvimento humano integral”.
43 Destaca-se também mais uma vez que o conceito de ensino-aprendizagem defendido nesta
tese, é concebido em sentido amplo, “corresponde aos processos educacionais referentes à formação
humana envolvendo a reciprocidade que se manifesta entre o educador e o educando” (MILL, 2018, p.
214).
128
Como já mencionado anteriormente, difunde-se na EaD o conceito de
heutagogia44, compreendido como aprendizagem autodirecionada, em que o aluno
assume o papel de gestor e programador de sua aprendizagem. A formação a
distância requer, portanto, um perfil de aluno autônomo, independente, mais
responsável, organizado e comprometido.
O próprio conceito de autonomia, referenciado por Carvalho e Struchiner
(2001), como a capacidade do aluno de se autodeterminar, escolher, apropriar-se e
reconstruir conhecimentos, a partir de sua responsabilidade, decisão, auto-avaliação
e reflexão de suas experiências, remete ao perfil de discente requisitado pela EaD.
De acordo com Maia e Mattar (2007, p. 85), nesse novo cenário e ambiente
educacional a aprendizagem pode ser tratada como “auto-responsável,
autoplanejada, auto-organizada, independente e auto-regulada, além de não-linear e
não sequencial, em que os aprendizes trilham seus próprios caminhos” para a
construção de conhecimentos e alcance seus objetivos.
O aluno na EaD assume a responsabilidade e o compromisso com o
aprendizado, aprende por meio do autoestudo e autogerencia seu tempo e suas
prioridades. Considera-se, assim como Maia e Mattar (2007, p. 89), que “a EaD exige
interesse, curiosidade, proatividade, atenção, e concentração, senso crítico, raciocínio
lógico e persistência”. Desse modo, o papel do aluno neste novo modelo de
aprendizagem não se resume mais a receber e memorizar informações, mas
organizar, buscar, selecionar, pesquisar, colaborar, interagir, etc.
Palloff e Pratt (2004), apoiados no Illionois Online Network45, elencaram uma
sequência de itens que, em conjunto, criam um perfil para o aluno virtual que quer ter
“sucesso” em sua formação. Os itens são: o aluno precisa ter acesso a um computador
e uma conexão com internet de alta velocidade e saber utilizá-los; ter mente aberta e
compartilhar detalhes sobre sua vida, trabalho e experiência educacionais; não se
sentir prejudicado pela ausência de sinais auditivos ou visuais no processo de
comunicação; ter automotivação e autodisciplina; dedicar uma quantidade significativa
de seu tempo semanal aos estudos e não ver o curso a distância como uma maneira
44 A etimologia da palavra heutagogia vem do grego heuta (que significa auto) mais agogus
(guiar), remetendo a um conceito de aprendizagem autoguiada, em que o aluno é o ‘único’ responsável
pelo seu processo de aprendizagem, agrupado às TDIC.
45 http://www.ion.uillinois.edu/
129
mais leve e fácil de obter o cumprimento de créditos e diploma; acreditar que a
aprendizagem de alta qualidade pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer
momento, não apenas em uma sala de aula tradicional; refletir; trabalhar em conjunto.
As contradições podem ser identificadas a partir da descrição dos itens que
criam um perfil para o aluno virtual. Primeiramente, como já ressaltado, um dos
objetivos iniciais da EaD no Brasil era a democratização da educação incluindo
pessoas que não tinham condições de acesso, em virtude, principalmente, das
condições geográficas ou monetárias. No entanto, inicialmente, a partir do perfil
traçado e descrito anteriormente, exige-se do aluno o acesso a um computador e
conexão com internet de alta velocidade, o que seria quase impossível em regiões
mais isoladas do Brasil, mesmo com o avanço da ciência e tecnologia. Além disso,
requisita-se habilidade do aluno para a utilização dessas ferramentas, o que não
deveria ser uma exigência, mas sim, fazer parte do processo de formação e da
construção de conhecimentos.
Outro ponto contraditório é a reinvindicação para que os alunos não se sintam
prejudicados pela ausência de sinais auditivos ou visuais no processo de
comunicação. Aspectos relacionados a este fator são fortemente destacados por
alunos quando questionados sobre as dificuldades encontradas no curso de EaD,
como nos exemplos descritos por Oliveira (2010, p. 122): “A única coisa que eu sinto
é a falta de contato... é um pouco frio, eu como sou falante, (sorri) tenho necessidade
de interagir [...] ‘olho no olho’”; “[...] para mim interação seria quase um ‘tato’. Eu tenho
necessidade de estar junto”.
Quanto a ter automotivação e autodisciplina, é preciso considerar que
raramente os indivíduos aprendem a ser autônomos e independentes nos processos
educacionais anteriores a formação superior, como, por exemplo, na educação
básica, o que dificulta a construção de conhecimentos na EaD, como ressaltado por
um aluno em Mill (2012, p. 176): “o problema é que não se aprende a gerir o próprio
tempo e o próprio espaço de trabalho de um dia para o outro, é preciso cultivar isso”.
Com relação à dedicação de uma quantidade significativa de seu tempo
semanal aos estudos e à concepção do curso a distância não como uma maneira mais
leve e fácil de obter o cumprimento de créditos e diploma, é necessário analisar que
grande parte dos alunos buscam os cursos de formação a distância em razão da falta
de tempo para se dedicar aos estudos, pela “facilidade” e menor custo para obtenção
de um diploma, principalmente, de ensino superior. Estes impasses podem ser
130
encontrados nas descrições das falas dos alunos em Oliveira (2010, p. 124), quando
questionados sobre a participação nos chats: “Ainda não deu. O tempo é curto.
Também como falei para você, achei que não precisava”; “Eu já falei para mim mesma,
que eu vou fazer isso. Porque só na segunda-feira é muito pouco”.
A respeito do aluno acreditar que a aprendizagem de alta qualidade pode
acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento, não apenas em uma sala de aula
tradicional, Mill (2012) aponta que por motivo de desconhecimento dos aspectos e
processos e da “natural” resistência ao caráter inovador da EaD, ainda existem
severas críticas de educadores, estudiosos e demais sujeitos, que perpetuam e
inculcam preconceitos aos processos de formação a distância. Estes fatores impedem
que os alunos reconheçam a EaD como um processo de ensino e aprendizagem de
qualidade. Cabe aqui também mencionar novamente que, por vezes, os cursos a
distância apenas reproduzem virtualmente o que é feito na educação presencial e
intensificam ainda mais a má fama desta modalidade
Simultaneamente ao processo autônomo e independente de aprendizagem, o
aluno também precisa saber trabalhar em conjunto e ser responsável pela construção
das comunidades virtuais. Para isto, o aluno precisa participar ativamente das
atividades propostas por meio das ferramentas de interação e comunicação, sendo
aberto, flexível, humorado e honesto (PALLOFF; PRATT, 2004).
Precisa, por exemplo, aprender a ler as colocações de outros alunos, não apenas do professor; refletir; postar seus comentários e fazer sugestões de fontes de informação (como artigos, livros, sites, filmes, etc.) sempre que achar conveniente, não apenas quando formalmente requisitado pelo professor. No caso dos fóruns, é importante que o aluno se organize para o acesso semanal, com maior frequência possível, pois cada grupo de discussão adquire seu próprio ritmo, então não faz sentido aparecer no fórum no último minuto apenas para ganhar nota (MAIA; MATTAR, 2007, p. 87).
A formação a distância também exige o trabalho em grupo, em equipe,
atividades colaborativas e cooperativas para o desenvolvimento de aprendizagens e
construção de conhecimentos. Para Maia e Mattar (2007), a ideia da aprendizagem
autônoma do aluno na EaD não pode desqualificar os processos de interação na
formação a distância. O aluno não aprende apenas sozinho, mas também com os
Outros - colegas e professores. O papel e a responsabilidade do aluno são essenciais
para criação das comunidades virtuais e construção de conhecimentos, assim como
a participação ativa em todas as atividades propostas.
131
O aluno deve ser estimulado para estudar e pesquisar de modo autônomo. Deve ser incentivado a fortalecer o aprendizado colaborativo, a dinamizar a comunicação e a troca de informação entre os demais participantes do curso e, ainda, como forma de consolidar a aprendizagem, deve ser estimulado a participar de atividades individuais ou em grupo (MAIA, 2003, p. 55).
Para a concretização do processo de aprendizagem e formação do aluno, o
papel do docente, responsável pelo ensino e mediação das atividades, também é de
suma importância. Formiga (2009) destaca que nesse redesenho do ambiente
educacional, tecnológico e inovador, a valorização da aprendizagem se revela na
cooperação entre os sujeitos, com foco no aluno, o que modifica o papel do professor,
que por meio de um paradigma ultrapassado atuava como mero transmissor de
conhecimento. Na EaD – novo cenário educacional, tal como o discente, o docente
assume um novo papel, com novas particularidades e exigências.
4.5.2 Docência virtual
A difícil compreensão do papel da docência perpassa os diversos contextos
educacionais, não somente a educação presencial, mas também a EaD e de modo
ainda mais complexo. Neste novo cenário educacional, “extingue-se”46 a hierarquia do
saber e a superioridade do docente, o processo de ensino e aprendizagem acontece
de forma coletiva e cooperativa, e o aluno assume o lugar central na formação.
Surgem na EaD rumores de uma possível eliminação da figura do professor,
da mesma maneira que o operário foi “substituído” pela máquina. Segundo Maia e
Mattar (2007), este seria um dos sonhos dos economistas: um software inteligente,
que sem intervenção humana pudesse desempenhar a atividade do professor.
Entretanto, para Moran (1997), até o presente momento, as tecnologias não
substituem o papel do professor, mas sim, permitem a modificação de algumas
funções docentes, como, por exemplo, as tarefas presenciais e manuscritas, que se
transferem aos vídeos e programas virtuais.
Similarmente, acredita-se que a docência na EaD não exige tanto do professor
como na educação presencial, o que facilita o trabalho do mesmo. É comum encontrar
46 O termo extinção está entre aspas pelo fato de que este conceito é idealizado, mas na prática
não acontece.
132
comentários como estes: “É fácil ser professor na EaD, você trabalha em casa e ainda
não precisa lidar com os alunos presencialmente”. Ou então, “O professor na EaD faz
o próprio horário, não tem compromissos fixos, pode viajar, sair e se divertir quando
quer”. Em contrapartida, os referenciais de qualidade para cursos superiores a
distância do MEC (2007, p. 20), apontam:
[...] é enganoso considerar que programas a distância minimizam o trabalho e a mediação do professor. Muito pelo contrário, nos cursos superiores a distância, os professores veem suas funções se expandirem, o que requer que sejam altamente qualificados.
Um dos pontos principais para destacar é que o docente virtual precisa,
necessariamente, dominar o uso das tecnologias, por se tratar de uma exigência para
sua atuação. E, ainda, para Formiga (2009, p. 39), “trabalhar com a EaD requer
profissionais e atores sensíveis e dispostos à inovação, porque atuam em um setor
de transitoriedade, no qual a única certeza é a permanente mudança”, onde não há
espaço para os conservadores ou acomodados.
De acordo com o site da ABED47, a resposta para a pergunta: “Qual é o perfil
do professor a distância?”, é a seguinte:
Além do exigido de qualquer docente, quer presencial quer a distância, e dependendo dos meios adotados e usados no curso, este professor deve ser capaz de se comunicar bem através dos meios selecionados, funcionando mais como um facilitador da aprendizagem, orientador acadêmico e dinamizador da interação coletiva (no caso de cursos que se utilizem de meios que permitem tal interação).
Como descrito, o professor deve ser capaz de se comunicar adequadamente a
partir dos meios selecionados, cabe enfatizar que na EaD estes meios são
tecnológicos. O conhecimento tecnológico é imprescindível ao docente virtual, sendo
esta exigência maior do que ao docente da educação presencial. Além disso cabe a
ele estimular a interação entre os sujeitos, promovendo diálogos reflexivos e críticos,
circunstância indispensável para o processo de formação humana.
Uma das características que diferenciam o trabalho docente na EaD é que o
professor não é uma entidade individual, como muitas vezes se pensa na educação
47Disponível em:
http://www.abed.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=4abed&sid=83>
Acesso em: 09 jun. 2016.
133
presencial, mas sim, uma entidade coletiva (MAIA; MATTAR, 2007). Na EaD, o
trabalho docente é colaborativo, acontece em equipe, e por depender de um
funcionamento coletivo a docência virtual se torna mais complexa do que o trabalho
individual e artesanal, peculiar na educação presencial (MILL, 2012). Embora na
educação presencial também exista trabalho coletivo, na EaD esta é uma condição
essencial.
Apesar de coletivo e colaborativo, o trabalho docente na EaD também é
fragmentado, semelhante ao processo industrial – tema comentado por Peters
(2001b). Como já mencionado anteriormente, as tarefas e funções, realizadas na
educação presencial por um único professor, são desempenhadas na EaD por
diferentes docentes, e até mesmo, outros profissionais. Na docência virtual, a função
pedagógica é dividida em componentes, “como desenvolvimento de currículo,
desenvolvimento de conteúdo, entrega de informação, mediação e tutoria, serviços de
suporte aos estudantes, administração e avaliação” (MAIA; MATTAR, 2007, p. 89-90).
A docência na EaD - concebida como um trabalho pedagógico virtual, dinâmico,
complexo, coletivo e fragmentado, é denominada por Mill (2012) como polidocência.
Logo, se pode afirmar que o trabalho docente individual na educação presencial, é
compartilhado entre integrantes de equipes polidocentes na EaD.
O termo polidocência, ainda não dicionarizado, pode ser definido e analisado
da seguinte maneira: “poli, no sentido de multiplicidade, e docência, aquele que exerce
a atividade de ensinar, responsável pela decisão pedagógica no ensino-
aprendizagem, com o objetivo de melhorar esta última” (MILL, 2012, p. 67). Assim
sendo, polidocência é o trabalho realizado por um coletivo de professores, mediado
pelas TDIC, caracterizando uma “nova” forma de divisão do trabalho pedagógico.
Não obstante, se o trabalho docente na EaD é coletivo, compartilhado e
fragmentado, surgem, frequentemente, as seguintes questões: quem ensina nos
cursos a distância? A que tipo de docente cabe esta função? Apenas a um docente?
Para Maia e Mattar (2007, p. 90), “muito mais do que um professor, é uma instituição
que ensina a distância”. Por outro lado, Mill (2012) considera esta resposta como
imprecisa, em virtude de que toda e qualquer instituição ensina de alguma maneira,
e, portanto, sugere como resposta que na EaD quem ensina é um polidocente, o que
ainda pode parecer um pouco confuso.
Como justificativa de sua resposta, Mill (2012) explica que em consequência da
complexidade do processo do trabalho virtual, da quantidade de tarefas e de alunos,
134
a opção de um único profissional realizar todo o processo de ensino na EaD é quase
impossível - são raras instituições que conseguem implantar a unidocência, e ainda
em condições especiais, como, por exemplo, o caso da Universidade Aberta de
Portugal (UAb), em que um único professor é responsável por três disciplinas, com 15
a 50 alunos e contratado em tempo integral.
Em geral, é comum existir nos cursos de EaD três tipos diferentes de docentes:
docente-autor, docente-formador, docente-tutor, além da possibilidade da existência
do docente coordenador de disciplina que, geralmente, exerce a função de docente-
autor e docente-formador (MILL, 2012).
O docente-autor, ou também denominado de docente-conteudista, é
responsável pela elaboração e preparação dos materiais didáticos, sejam eles
impressos, audiovisuais, virtuais, ou até mesmo de conferências em tempo real.
Corriqueiramente, o docente-autor é um prestador de serviços, que cede os direitos
autorais dos materiais didáticos produzidos à instituição ou à editora que o contratou,
e após a conclusão de seu trabalho, perde o vínculo estabelecido (MILL, 2012).
De acordo com Mill (2012), em instituições mais rigorosas, preocupadas com a
qualidade do ensino, o docente-autor atua também como docente coordenador da
disciplina, desempenhando a função de docente-formador e auxiliando na tutoria.
Porém, esta não é uma estratégia muito utilizada pelas instituições devido ao
encarecimento dos cursos a distância, tanto com relação ao salário do docente,
quanto à mensalidade do aluno.
O trabalho do docente coordenador de disciplina engloba a função do docente-
autor e do docente-formador de preparar os conteúdos e materiais didáticos e de
auxiliar na oferta da disciplina, principalmente na tutoria. Desempenha, também, o
papel de gestor dos tutores e alunos. Para Mill (2012), por este professor estar
envolvido em ambas as etapas e pelo nível de participação, ele é considerado como
o principal docente de um curso de formação na EaD, entretanto, é pouco adotado
pelas IES. Na maioria das instituições que oferecem cursos a distância, é possível
encontrar somente docentes-autores e docentes-tutores.
Com relação ao docente-tutor, é importante destacar em primeiro lugar que
com maior frequência ele é conhecido, apenas, como tutor, o que contribui para a
desvalorização e desqualificação de sua função enquanto professor, em prejuízo de
seu status profissional e redução de seu piso salarial. O docente-tutor tem o papel de
acompanhar e organizar o processo de aprendizagem dos alunos, apoiar na
135
construção de conhecimentos e estimular a participação reflexiva e crítica dos alunos.
Cabem aos docentes-tutores as seguintes tarefas:
atender às demandas dos alunos, ajudando-os na aquisição de uma metodologia autônoma de estudo e aprendizagem;
auxiliar os alunos na compreensão do material didático do curso, estimulando o aprofundamento dos conteúdos das disciplinas;
promover situações de estímulo à prática reflexiva e à participação crítica, auxiliando-os na construção de seus conhecimentos;
estimular os alunos a buscar informações pertinentes em bibliotecas virtuais, auxiliando-os na familiarização com o hábito da pesquisa bibliográfica;
estimular a construção coletiva de vínculos afetivos, orientando os alunos na construção de identidade com o curso, a instituição e a comunidade virtual de aprendizagem (MILL, 2012, p. 274-275).
Dessa forma, pode-se afirmar que o docente-tutor é responsável pelo incentivo,
monitoramento, criação e funcionamento das comunidades virtuais, e, principalmente,
pelo desenvolvimento de práticas reflexivas e críticas e pela estimulação de vínculos
afetivos nas comunidades virtuais coletivas, assumindo um papel essencial no
processo de formação nos cursos a distância, a favor da ética da alteridade, se assim
o fizer.
A função do docente-tutor envolve aspectos didáticos, pedagógicos, sociais,
administrativos, técnicos e estratégicos e, por isso, para Mill (2012), a sua atuação
requer alguns cuidados, como, por exemplo: conhecer a proposta curricular, o perfil
do egresso e o desenho do curso; dominar os conteúdos específicos da disciplina e
os materiais didáticos de apoio; conhecer as particularidades do trabalho docente
virtual; compreender suas responsabilidades, tarefas e rotinas; dominar efetivamente
as competências sociais e comunicacionais; desenvolver habilidade de boa
comunicação escrita; buscar seu letramento digital, apropriando-se de recursos
tecnológicos adotados no curso; organizar sua agenda de trabalho; cuidar dos
aspectos administrativos relativos à tutoria; desenvolver a capacidade de trabalho
coletivo; conhecer bem o perfil dos alunos; ter boa conexão com a internet e acesso
a equipamentos necessários ao curso.
Ainda assim, muitos problemas persistem com relação ao trabalho do docente-
tutor, principalmente, referentes à desatenção em relação a esses cuidados. Um dos
principais problemas está ligado à ausência do docente-tutor na concepção da
disciplina e dos materiais didáticos. Sua atividade se inicia com a oferta da disciplina,
já planejada, o que pode afetar negativamente a qualidade da interação entre tutor e
136
aluno (MILL, 2012). Outros dilemas se relacionam com a falta de dedicação do
docente-tutor ao processo de aprendizagem dos alunos e à sua própria profissão,
como, por exemplo: a falta de incentivo aos alunos, a demora em responder
(feedback); a falta de clareza em suas respostas; o não acompanhamento da
participação dos alunos; a falta de liderança nas discussões em grupo; entre outros.
Reconhece-se a tutoria como um dos elementos-chave dos processos
pedagógicos e também administrativos na EaD. Assim, a função de docente-tutor
enquanto “recurso” humano precisa ser repensada, tanto em relação à
responsabilidade de sua função para a formação humana, quanto ao status de uma
profissão docente, ainda não reconhecida e pouco valorizada. De acordo com Bentes
(2009, p. 168), “o tutor é espelho da instituição; quanto mais ágil e com bom conteúdo
forem suas respostas, melhor o aluno perceberá o quanto a instituição é responsável”.
Dessa maneira, é de suma importância que os docentes-tutores sejam bem
preparados, com conhecimentos e atitudes adequadas, para o bom funcionamento
dos cursos, dinamizando o processo de formação.
É fato que há muitos problemas e desafios a serem enfrentados e superados
pela docência virtual, como a fragmentação do trabalho docente, e consequente,
“desintegração” do processo de ensino. Maia e Mattar (2007, p. 93) afirmam que “os
professores de EaD precisam estar tão ou mais organizados do que os professores
do ensino presencial” e, mais do que isso, precisam compreender que ensinar é muito
mais que transmitir informações; é orientar, estimular, relacionar, interagir, despertar,
fomentar, entre outras tantas “ações” necessárias à formação humana. No entanto,
para que isso aconteça é preciso que o docente assuma sua responsabilidade pelo
Outro - aluno.
4.5.3 Apoio institucional
O apoio institucional é fundamental ao planejamento, organização e
manutenção da infraestrutura e dos processos pedagógicos da EaD. As instituições
são responsáveis pelo funcionamento dos cursos, apoio aos funcionários e alunos,
bem como pelo desenvolvimento e efetivação dos processos de ensino e
aprendizagem.
137
A EaD se tornou um instrumento de competição dentro do mercado, tendo em
vista que cresce, cada vez mais, o número de instituições que investem em cursos de
formação a distância, que visam a expansão, o crescimento e o lucro no mundo dos
negócios.
Considerada, por um lado, “positivamente”, como mão de obra barata, flexível
e democrática de acesso a educação, e por outro lado, como educação de má
qualidade e de massificação do ensino, surgem alguns questionamentos a respeito
dos processos de formação superior a distância, como por exemplo: “é possível,
diminuir o custo em educação, e especificamente na EaD, sem afetar a qualidade? A
qualidade de um curso de EaD não estaria ligada à interação proporcionada [...]” entre
professores e alunos? (MAIA; MATTAR, 2007, p. 95).
Para Maia e Mattar (2007), financeiramente, os custos de uma instituição que
oferece formação a distância envolvem uma série de variáveis: prédios e
equipamentos; produção do material didático; tutoria; número de alunos matriculados
e de cursos oferecidos; multimídias, ferramentas de interação e comunicação, e
ambiente virtual utilizados; entre outros. Desta maneira, o custo-benefício pode variar
de uma instituição para outra e, como o próprio termo já diz, as instituições não
calculam apenas os custos, mas também mensuram os benefícios que EaD traz para
elas.
[...] uma instituição que considera a interação em pequenos grupos essencial, em seu projeto pedagógico, terá provavelmente um custo maior para a oferta de seus cursos do que uma instituição interessada apenas no crescimento e expansão do negócio, ou seja, em atingir o maior número possível de alunos, quando a interação poderá ser diminuída ou mesmo tender a zero (MAIA; MATTAR, 2007, p. 95).
Assim, pode-se considerar que o custo-benefício dependerá do objetivo que
cada instituição tem ao oferecer cursos de formação a distância. Se a instituição
estiver interessada no melhor desenvolvimento da aprendizagem de seus alunos, os
custos podem ser altos, mas os benefícios também são grandes, tanto aos alunos em
seu processo de formação, quanto à instituição como formadora. Em contrapartida,
se a instituição estiver preocupada somente com o lucro do seu negócio, os custos
são baixos, mas o processo de formação pode não acontecer verdadeiramente, mas
sim, ser apenas um simulacro. Por isso, “talvez o mais importante para as instituições
de EaD não seja alcançar o mais barato, mas conseguir administrar seus custos,
138
mantendo-os em um nível estável. Não apenas diminuir os custos, mas também
melhorar o nível da educação” (MAIA; MATTAR, 2007, p. 95).
Para Moran (2009), o direcionamento dos cursos de EaD dependerá do objetivo
de cada instituição ao ofertá-los, o que para ele, usualmente, acontece da seguinte
maneira:
As instituições sérias no presencial costumam desenvolver também um trabalho a distância relativamente sério. E aquelas que são menos sérias, que focam mais os interesses econômicos no presencial, costumam ver a EaD como um caminho para poder ganhar mais dinheiro ainda (MORAN, 2009, p. 55-56).
Um dos maiores problemas encontrados nos cursos de EaD está relacionado
ao número de alunos por docente-tutor. De acordo com o Referencial de Qualidade
para cursos de graduação a distância (MEC, 2007), cabe às instituições determinar o
número de alunos por docente-tutor, assim como o número de professores e horas
disponíveis ao atendimento dos alunos. As instituições que visam apenas o lucro com
os cursos de EaD, não atentam para este fator, sobrecarregando os docentes-tutores
e influenciando negativamente no atendimento e na aprendizagem dos alunos.
A UAB, que serve como parâmetro para as demais instituições, julga adequado
aos requisitos de qualidade, conforme indicado pelo MEC, o atendimento de 25 alunos
por docente-tutor. Entretanto, uma pesquisa realizada em 125 instituições para o
Anuário ABRAEAD (2007), consta uma média de 51 alunos por docente-tutor, bem
acima do indicado como parâmetro. Cabe às instituições que oferecem cursos a
distância reverem esta proporção, tendo em vista um melhor processo formativo.
Na EaD, o apoio institucional precisa oferecer aos alunos: uma experiência
educacional de alta qualidade; acesso a todos os serviços e recursos disponíveis no
campus (virtual e presencial); disponibilizar uma forte infraestrutura tecnológica dia e
noite, em conjunto com o suporte técnico (serviços de secretaria, biblioteca,
monitoria/tutoria); bom custo-benefício; programas e cursos centrados no aluno,
encaixados no currículo, com conteúdo relevante, colaborativos, interativos,
acessíveis, coesos e com grupos pequenos de sujeitos (PALLOFF; PRATT, 2004).
Para que um curso, de fato, esteja centrado no aluno, é essencial que a
instituição, como um todo, conheça quem são os seus alunos; entenda como acontece
o processo de aprendizagem e a construção de conhecimentos; dê apoio e suporte
técnico aos problemas e dúvidas; ajude os alunos no desenvolvimento como agentes
139
reflexivos; respeite seus direitos e seu papel no processo de formação (PALLOFF;
PRATT, 2004).
Além disso, o apoio institucional deve continuamente desenvolver e melhorar
as práticas de ensino e aprendizagem. Para tanto, a avaliação contínua pode servir
como forte aliada ao aperfeiçoamento dos cursos e programas de EaD, e na regulação
de boas práticas. De acordo com Palloff e Pratt (2004), uma boa prática na EaD
incentiva: o contato entre os alunos e professores; a cooperação entre alunos; a
participação e aprendizagem ativa; o retorno (feedback) imediato aos alunos; os
prazos para o desenvolvimento das atividades; os desafios para alcançar as altas
expectativas e o respeito as diferenças.
Por tudo isso, é de responsabilidade do apoio institucional, em sincronia com o
trabalho docente, garantir aos alunos boas práticas de ensino e aprendizagem, para
que aconteça um processo formativo com a melhor preparação possível. Ainda há
muito para se fazer e descobrir. A EaD ainda é uma “novidade” e está em processo
de “amadurecimento” no Brasil, e por este motivo é necessário, constantemente, rever
os pressupostos pedagógicos e as escolhas tecnológicas, assim como os papéis dos
discentes, docentes e das instituições.
4.6 Novo marco regulatório da Educação a Distância e último Censo da
Educação Superior
Com muitas lacunas e pontos controversos em suas diretrizes, desde o ano de
2012 encontrava-se em debate o novo marco regulatório da EaD entre uma comissão
do Conselho Nacional de Educação (CNE), a Associação Brasileira de Ensino a
Distância (ABED) e audiências públicas. Estavam em revisão: a atualização “dos
conceitos, critérios e indicadores de avaliação dos cursos superiores a distância,
considerando as novas tecnologias e metodologias disponíveis, bem como a
preocupação com a expansão qualificada” do ensino superior, com foco nas regiões
menos atendidas (ALVES, 2015, p. 55).
Homologado pelo MEC no dia 11 de março de 2016, Resolução nº 1, o novo
marco regulatório estabelece novas diretrizes e normas para a oferta de Programas e
140
cursos de formação superior na modalidade a distância. Esta nova resolução foi
concebida, por estudiosos que participaram do debate, como um “avanço” para área.48
Durante o evento de divulgação da homologação, o Ministro da Educação na
época, Aloizio Mercadante, ressaltou que essa nova resolução constitui um capítulo
fundamental para a Educação Superior, posto que modifica a relação entre EaD e IES;
nessa ocasião, as instituições devem realizar um planejamento único para o ensino
presencial e para o ensino a distância. Doravante, a EaD faz parte do projeto
educacional e pedagógico das IES.49 Para o MEC, este planejamento conjunto do
ensino presencial e ensino a distância é uma das principais novidades do novo marco
regulatório, além de vários outros pontos que possibilitam uma melhor flexibilização
da EaD (HETSCHKO, 2016), o que confirma a concepção de alguns pesquisadores
(GUAREZI; MATOS, 2009; ALVES, et. al., 2015) sobre a possibilidade de no futuro
ser superada a separação entre estas modalidades.
Em contrapartida, o diretor de ética e qualidade da ABED, Luciano Sathler,
considera o novo marco como “pouco inovador”. De acordo com Hetschko (2016, p.
22), Sathler afirma que o documento atual “é apenas uma organização de assuntos
que até então estavam soltos em várias peças regulatórias”. Para Oscar Hipólito, vice-
presidente acadêmico da Laureate Brasil, existem pontos na nova resolução da EaD
que ainda precisam ser discutidos e repensados como, por exemplo, as provas e as
atividades presenciais (HETSCHKO, 2016). O novo marco regulatório ainda considera
obrigatórias estas tarefas, como se vê no artigo 26, §1º.
As atividades presenciais obrigatórias, compreendendo avaliação acadêmica, defesa de trabalhos ou prática em laboratório, conforme o art. 1, § 1º, do Decreto nº 5.622, de 2005, serão realizadas na sede da instituição ou nos polos de EaD credenciados, admitindo-se convênios para a realização dos estágios supervisionados, em conformidade com a legislação vigente.
Na visão de Hipólito, não “há necessidade de submeter o aluno a provas
presenciais”, já que hoje existem mecanismos de controle para acompanhar o aluno
online e saber se ele manipulou os resultados (HETSCHKO, 2016, p. 23).
48 Informações disponíveis em: http://www.ufc.br/noticias/noticias-de-2016/7957-ensino-a-
distancia-tem-novo-marco-regulatorio. Acesso em: 16 mai. 2017.
49 Idem.
141
Com relação às mudanças estabelecidas pela nova resolução, pode-se
destacar: o credenciamento de IES na EaD junto com a educação presencial; o
compartilhamento de polos e o esclarecimento sobre a necessidade de professor e
tutor na EaD.
Sobre o credenciamento cabe lembrar que antes da nova resolução a IES
precisava estar credenciada na educação presencial, para posteriormente fazer o
credenciamento específico para EaD. Na atual regulamentação, a IES pode fazer ao
mesmo tempo o credenciamento na EaD e na educação presencial, como pode ser
verificado no artigo 25: “O credenciamento para oferta de cursos, na modalidade a
distância, deverá ser requerido por instituição de educação superior credenciada ou
em processo de credenciamento no sistema federal ou nos sistemas estaduais”
(grifo nosso).
A respeito do compartilhamento de polos, a nova resolução permite que várias
IES compartilhem um mesmo polo. Desta forma, os alunos poderão ter acesso
facilitado a um polo mais próximo de sua localização, como demonstra o artigo 7.
A educação a distância poderá ser ofertada em regime de colaboração nas seguintes hipóteses, ressalvadas as peculiaridades do Sistema UAB, instituído pelo Decreto nº 5.800, de 2006: I - em regime de parceria entre IES credenciada para EaD e outras pessoas jurídicas, preferencialmente em instalações de IES; II - em regime de compartilhamento de polos de EaD por duas ou mais IES credenciadas para EaD.
Um exemplo é o caso do Centro Universitário Belas Artes, que anteriormente
os alunos precisavam ir até São Paulo para realizarem suas atividades presenciais e
hoje podem ir até outros polos parceiros, como em Sorocaba e Fortaleza. De acordo
com o MEC, as principais vantagens do compartilhamento dos polos é a otimização e
racionalização de investimento, com o aproveitamento de infraestruturas já instaladas
(HETSCHKO, 2016).
Por último, o artigo 8 do novo marco regulatório estabelece a necessidade do
professor e do tutor na EaD, questão que estava em aberto e que para o professor
Francisco Carlos Tadeu Starke Rodrigues, pró-reitor administrativo do Centro
Universitário Belas Artes, “emprestavam uma aura negativa ao ensino a distância no
Brasil” (HETSCHKO, 2016, p. 23).
Os profissionais da educação, que atuarem na EaD, devem ter formação condizente com a legislação em vigor e preparação específica para atuar nessa modalidade educacional. § 1º Entende-se
142
como corpo docente da instituição, na modalidade EaD, todo profissional, a ela vinculado, que atue como: autor de materiais didáticos, coordenador de curso, professor responsável por disciplina, e outras funções que envolvam o conhecimento de conteúdo, avaliação, estratégias didáticas, organização metodológica, interação e mediação pedagógica, junto aos estudantes, descritas no PDI, PPI e PPC. § 2º Entende-se por tutor da instituição, na modalidade EaD, todo profissional de nível superior, a ela vinculado, que atue na área de conhecimento de sua formação, como suporte às atividades dos docentes e mediação pedagógica, junto a estudantes, na modalidade de EaD.
Segundo Mauro Pequeno, diretor de relações com o setor público da ABED, a
associação teria sugerido mudanças mais drásticas para a nova resolução, mas o
CNE ponderou que seria necessário um período de maturação das mudanças. Logo,
algumas reinvindicações não foram atendidas e em uma carta aberta a ABED
apresentou ao ex-Ministro Aloizio Mercadante, algumas proposições que foram
discutidas, inclusive defendidas, e que poderiam ter sido incluídas no texto final do
novo marco regulatório. São elas:
- Autorização e regulamentação do uso de bibliotecas digitais; - Autorização e regulamentação para expansão de polos das IES que tenham IGC contínuo ou superior a 4, sendo que a IES poderá expandir o número de polos a cada dois anos, sem necessitar de visita prévia para sua ativação. As visitas e avaliações referentes a esses polos ocorrerão quando do reconhecimento dos cursos oferecidos e/ou no recredenciamento da IES, o que acontecer primeiro; - Permissão para que sejam constituídas IES para oferta exclusiva de cursos na modalidade a distância; - Definição da modalidade dos cursos considerando o maior percentual da modalidade de oferta das atividades de ensino e de aprendizagem; - Permissão para que as IES sejam efetivamente autônomas, como definido na LDB 9394/96, para descrever seus projetos, metodologias e modelos didático-pedagógicos para o ensino mediado por tecnologia de informação e comunicação, determinados nos seus documentos institucionais: Projeto de Desenvolvimento Institucional – PDI, Projeto Pedagógico Institucional – PPI e Projeto Pedagógico de Curso – PPC, de modo a promover, com seu corpo administrativo, docente, tutores e discentes, uma educação de qualidade e inclusiva, independentemente da modalidade de ensino; - Necessidade de uma profunda revisão dos Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância (2007), de modo a contemplar diversos modelos didáticos-pedagógicos, que não necessariamente demandem tutoria presencial, além de diferentes metodologias recentemente incorporadas ao cotidiano da sociedade, assim como a necessidade de revisão da Portaria Normativa nº 40, de 2007 (HETSCHKO, 2016, p. 26).
143
Além dessas mudanças, também foi sugerido que era melhor que a resolução
não fosse extensa, uma vez que repete 90% do que já estava contemplado na
legislação educacional, não havendo necessidade de reiteração dos artigos. Outro
ponto também seria a autorização de mestrados e doutorados stricto sensu na
modalidade a distância, que assim como a existência de instituições com finalidade
única - que ofertam, exclusivamente, cursos de EaD, não é regulamentada no Brasil,
um dos poucos países que ainda não as autenticam (HETSCHKO, 2016).
Em síntese, deixando de lado as vantagens e desvantagens, o novo marco
regulatório trouxe mudanças que deram mais flexibilidade a EaD e que de fato foi a
primeira etapa de um processo, ainda cheio de contradições e em evolução.
Posteriormente ao novo marco regulatório, uma nova Resolução, n° 7, foi
estabelecida no dia 11 de dezembro de 201750. Nesta nova resolução, no capítulo 1,
artigo 3, o presidente da Câmara de Educação Superior do CNE baixou normas para
o funcionamento de cursos de Pós-Graduação stricto sensu, dentre elas se destaca a
liberação de propostas de cursos stricto sensu a distância, anteriormente não
regulamentados no Brasil.
Art. 3º As instituições credenciadas para a oferta de cursos a distância poderão propor programas de mestrado e doutorado nesta modalidade. § 1º As atividades presenciais previstas no projeto dos cursos de que trata o caput poderão ser realizadas na sede da instituição ofertante, em polos de educação a distância ou em ambiente profissional, regularmente constituídos conforme o disposto na Portaria Normativa MEC nº 11/2017, atendendo aos requisitos da organização da pesquisa adotada pela instituição e em conformidade com a legislação e as normas vigentes da pós-graduação stricto sensu. § 2º Caberá à Capes a definição dos procedimentos avaliativos referentes aos cursos de mestrado e doutorado na modalidade de Educação a Distância (EaD).
Adiante, a Portaria n° 13251, de 5 de junho de 2018, instituiu um Grupo de
Trabalho para a regulamentação da EaD nos programas de Pós-Graduação stricto
sensu, levando em consideração a Resolução CNE/CES nº 7, de 11 de dezembro de
2017, anteriormente citada, e a necessidade do estabelecimento de critérios para o
50 Disponível em: https://capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/12122017-
RESOLUCAO-N-7-DE-11-DE-DEZEMBRO-DE-2017.pdf Acesso em: 04.out.2018.
51 Disponível em: http://portal.imprensanacional.gov.br/web/guest/materia/-
/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/21027507/do1-2018-06-08-portaria-n-132-de-5-de-junho-
de-2018-21027454 Acesso em: 04.out.2018.
144
funcionamento e a avaliação de programas de Pós-Graduação stricto sensu na
modalidade a distância.
Art. 1º Instituir Grupo de Trabalho, sob a coordenação conjunta da Diretoria de Educação a Distância (DED/CAPES) e da Diretoria de Avaliação (DAV/CAPES), com o escopo de analisar, organizar e propor instrumentos de regulamentação da Educação a Distância (EaD) nos programas de Pós-Graduação Stricto Sensu. § 1º O Grupo de Trabalho deverá ser composto por representantes (titular e suplente) das Entidades a seguir relacionadas: I - Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE/CES) II - Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES); III - Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal da Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF); IV - Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (ABRUEM); V - Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES); VI - Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). Art. 2º Estabelecer o prazo de 90 (noventa) dias, podendo ser prorrogado, para realização dos trabalhos. Art. 3º Esta Portaria Minuta entra em vigor na data de sua publicação.
Destarte, dá-se início ao processo de regulamentação dos cursos de Pós-
Graduação stricto sensu a distância, antes não autorizados no Brasil, liberando a
criação de propostas de programas e a instituição de um Grupo de Trabalho para a
análise e organização destes cursos. Considera-se que estas novas mudanças
poderão revolucionar o contexto da EaD no Brasil, basta ver que agora esta
modalidade abrangerá todo o âmbito da Educação Superior brasileira. Somente
pesquisas e dados estatísticos futuros poderão mostrar as implicações dessas atuais
modificações para a evolução da EaD e expansão dos cursos de Pós-Graduação
stricto sensu no Brasil.
Com notas estatísticas mais recentes, foi publicado no dia 20 de setembro de
2018 o último Censo da Educação Superior52, referente ao ano de 2017. Em dados
analisados, o Censo da Educação Superior mostrou um aumento significativo (27,3%)
no número de ingressos entre 2016 e 2017 nos cursos de graduação na modalidade
a distância, enquanto na modalidade presencial teve um pequeno crescimento (0,5%),
como retrata o gráfico 10.
52 Disponivel em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-
superior Acesso em: 04.out.2018.
145
Gráfico 10 – Número de Ingressos em Cursos de Graduação, por Modalidade de Ensino –
2007 – 2017
Fonte: Censo da Educação Superior de 2017 MEC/INEP (BRASIL, 2018).
Também é possível verificar que, entre 2007 e 2017, ocorreu uma variação
positiva do número de ingressos nos cursos de graduação na modalidade presencial,
equivalente à 19%, ao mesmo tempo que na modalidade a distância essa
porcentagem foi três vezes maior, com um índice eminente de 226%.
Com relação ao número de matrículas nos cursos de graduação, o Censo
identificou que em 2017 foram realizadas quase 1,8 milhões de matrículas na
modalidade a distância, o que já caracteriza uma parcela de 21,2% do total de
matrículas dos cursos de graduação, conforme mostra o gráfico 11.
Gráfico 11 – Número de Matrículas em Cursos de Graduação, por Modalidade de Ensino –
2007 – 2017
Fonte: Censo da Educação Superior de 2017 MEC/INEP (BRASIL, 2018).
146
Do mesmo modo, o gráfico 11 retrata entre os anos de 2016 e 2017 uma
diminuição de 0,4% do número de matrículas em cursos de graduação na modalidade
presencial, ao passo que na modalidade a distância ocorreu um aumento de 17,6%,
maior índice apontado desde o ano de 2008. Entre 2007 e 2017, as matrículas nos
cursos de graduação presenciais teve um leve crescimento de 33,8%, já nos cursos a
distância o aumento foi de 375,3%.
Dessa forma, pode-se verificar nos gráficos 10 e 11 que a modalidade a
distância vem evoluindo e se expandindo cada vez mais em relação ao número de
ingressos e matrículas nos cursos de graduação, enquanto a modalidade presencial
vem apresentando um pequeno crescimento ou, até mesmo, uma diminuição, se
comparado a outros períodos.
No que se refere ao número de matrículas em cursos de graduação a distância,
por categorias administrativas, retratou-se anteriormente nesta tese, no gráfico 4, que
até o ano de 2006 o índice dessas matrículas na rede pública era de 20,3% e na rede
privada era de 79,7%. A partir desses dados, já era possível identificar uma evolução
desenfreada das matrículas em cursos de EaD em instituições privadas e a diminuição
surpreendente nas instituições públicas.
Os dados mais recentes do Censo de 2017 monstram uma prevalência ainda
maior da iniciativa privada no contexto da Educação Superior brasileira,
especialmente no âmbito da EaD, conforme apresenta o gráfico 12.
Gráfico 12 – Percentual do Número de Matrículas em Cursos de Graduação a Distância, por
Categoria administrativa – 2017
Fonte: Censo da Educação Superior de 2017 MEC/INEP (BRASIL, 2018).
147
Destaca-se que em 2017, o número de matrículas em cursos de graduação a
distância na rede pública era de 9,4%, o que revela uma diminuição de 10,9% em
relação ao ano de 2006; ao mesmo tempo que na rede privada essas matrículas
representavam 90,6%, com um aumento de 10,9% em relação à 2006. Estes dados
atestam de modo intenso e progressivo a presença da iniciativa privada na Educação
Superior brasileira e, consequentemente, a transformação da educação em objeto de
viabilização de lucros para o sistema capitalista de produção, menosprezando
aspectos essenciais da formação humana.
Como ponto positivo, considerando o alto índice de evasão na Educação
Superior brasileira, principalmente no âmbito da EaD, o último Censo aponta um
aumento de 9,3% no número de concluintes em cursos de graduação a distância entre
os anos de 2016 e 2017, enquanto na modalidade presencial o crescimento foi de
apenas 0,9%, como retrata o gráfico 13.
Gráfico 13 – Número de Concluintes em Cursos de Graduação, por Modalidade de Ensino –
2007 – 2017
Fonte: Censo da Educação Superior de 2017 MEC/INEP (BRASIL, 2018).
Por fim, o Censo da Educação Superior de 2017 apresenta um aumento
surpreendente do número de matrículas em cursos de graduação tecnológicos a
distância entre os anos de 2007 e 2017. Conforme aponta o gráfico 14, mais de 46%
das matrículas em cursos tecnológicos já são a distância.
148
Gráfico 14 – Número de Matrículas em Cursos de Graduação Tecnológicos, por Modalidade
de Ensino – 2007 – 2017
Fonte: Censo da Educação Superior de 2017 MEC/INEP (BRASIL, 2018).
É possível identificar que, entre 2007 e 2017, o número de matrículas em cursos
de graduação tecnológicos a distância cresceu 586%, ao passo que na modalidade o
aumento foi de somente 54,1% no mesmo período. Também se verifica, entre 2016 e
2017, uma queda no número de matrículas em cursos de graduação tecnológicos
presenciais e um aumento nos cursos a distância.
Aponta-se uma prevalência da modalidade presencial nos cursos de graduação
tecnológicos até o ano de 2013. Após aquele ano, identifica-se uma queda nas
matrículas presenciais desses cursos e um aumento significativo na modalidade a
distância.
Em virtude dos dados apresentados, constata-se que a EaD vem
progressivamente no Ensino Superior brasileiro e ocupando espaços antes destinados
de modo restrito ou prevalecente a modalidade presencial, como os cursos de Pós-
Graduação stricto sensu e cursos de graduação tecnológicos. Do mesmo modo,
verifica-se de forma ainda mais acentuada a presença do setor privado na modalidade
a distância.
Dessa maneira, conclui-se que as implicações das novas mudanças e novos
resultados constatados no âmbito da EaD somente poderão ser identificadas em
pesquisas futuras. No entanto, fundamentada na teoria do filósofo Emmanuel Levinas,
espera-se que esta tese possa contribuir com reflexões sobre a EaD e as implicações
149
da não-presencialidade, levando em consideração aspectos essenciais da formação
humana, como a alteridade e a ética.
150
5 PRESENÇA E DISTÂNCIA: CONCEPÇÕES E IMPACTOS
Considera-se que, em virtude do avanço da ciência e da tecnologia, os espaços
e tempos educacionais na contemporaneidade já não são mais os mesmos, uma vez
que se modificam constantemente e variam de um contexto para outro, tal como as
relações entre professor-aluno e aluno-aluno, os processos de mediação e as
concepções de presença e distância.
Destarte, este capítulo trata sobre algumas concepções de presença e
distância que vem reverberando nas produções científicas mais atuais sobre a EaD.
Do mesmo modo, argumenta-se sobre os possíveis impactos e a redução da distância
por meio das TDIC na formação superior a distância, baseando-se nos
posicionamentos teóricos de alguns autores (TORI, 2010; PETERS, 2001; MOORE,
2002), que ora são equivalentes, ora divergentes. Por fim, apresentam-se pesquisas
e experiências no âmbito da EaD que potencializam os debates acerca dos conceitos
de distância e presença, de modo mais aproximado com a teoria da ética da alteridade
de Levinas.
5.1 Concepções iniciais: presença e distância
De imediato, ao se referir a EaD, instaura-se uma contradição entre os
processos de formação a distância e os presenciais. Como mencionado
anteriormente, alguns defendem a EaD por se tratar de uma educação inovadora em
razão das TDIC e, principalmente, pela “liberação” da presença física. Outros, ao
contrário, argumentam a favor da educação presencial/tradicional, por considerarem
a presença física essencial ao processo de formação.
Comumente, o conceito de presença é compreendido como “o estar alguém ou
algo presente; aspecto físico” (FERREIRA, 2011, p. 706). Esta definição está ligada
especialmente à presença física, em que o corpo se encontra em um local geográfico.
De outro modo, Levinas (2000), autor de destaque nesta tese, a presença se revela
na manifestação do Rosto do Outro, na relação face a face. Presença que não se
inscreve no universo do “Mesmo”, mas transcende, se constitui como infinito. Portanto,
é na relação face a face, por meio da epifania do Rosto, que o Outro, quando
151
respeitado em sua alteridade – como absolutamente Outro, se manifesta como
presença.
Também Ferreira (2011, p. 332) define distância como “espaço entre duas
coisas ou pessoas; intervalo de tempo entre dois momentos; separação”. Esta
conceituação está relacionada a separação física entre coisas ou pessoas, ou
interrupção de tempo de dias/horas/etc. Já para Levinas (2000), a distância está ligada
à presença. Na relação face a face, para que o Outro se torne presença, é preciso que
o eu esteja separado/distante do Outro, para que o Outro não se vincule ao “Mesmo”,
mas que seja transcendente, alteridade plena, definida como uma relação sem
relação.
No entanto, é preciso destacar que com o avanço da ciência e da tecnologia
aconteceu uma revolução destes conceitos, principalmente quando relacionados aos
processos educacionais de formação. Segundo a Internacional Society for Presence
Research (ISPR)53, nos processos mediados por tecnologias, como por exemplo na
EaD, a definição de presença se reporta ao conceito de “telepresença”.
Presence (a shortened version of the term “telepresence”) is a psychological state or subjective perception in which even though part or all of an individual’s current experience is generated by and/or filtered through human-made technology, part or all of the individual’s perception fails to accurately acknowledge the role of the technology in the experience. Except in the most extreme cases, the individual can indicate correctly that s/he is using the technology, but at *some level* and to *some degree*, her/his perceptions overlook that knowledge and objects, events, entities, and environments are perceived as if the technology was not involved in the experience. Experience is defined as a person’s observation of and/or interaction with objects, entities, and/or events in her/his environment; perception, the result of
perceiving, is defined as a meaningful interpretation of experience54.
53 Disponível em: https://ispr.info/about-presence-2/about-presence/. Acesso em: 29 ago. 2017.
54 Presença (uma versão abreviada do termo "telepresença") é um estado psicológico ou
percepção subjetiva em que, embora parte ou a totalidade da experiência atual de um indivíduo seja
gerada e/ou filtrada através de tecnologia humana, parte ou a totalidade do indivíduo, a percepção não
reconhece com precisão o papel da tecnologia na experiência. Exceto nos casos mais extremos, o
indivíduo pode indicar corretamente que está usando a tecnologia, mas em *algum nível* e *em algum
grau*, suas percepções ignoram esse conhecimento e objetos, eventos, entidades e ambientes são
percebidos como se a tecnologia não estivesse envolvida na experiência. A experiência é definida como
a observação e/ou interação de uma pessoa com objetos, entidades e/ou eventos em seu ambiente;
percepção, o resultado da percepção, é definida como uma interpretação significativa da experiência
(tradução nossa).
152
Apesar da descrição anterior relacionar a presença/telepresença como
percepção e experiência de um indivíduo por meio da tecnologia, faz-se necessário
salientar que a tecnologia ainda não é capaz de possibilitar a sensação e/ou
sentimento de presença idêntica à habitual de maneira natural. De acordo com a ISPR,
isto somente seria possível se a tecnologia se tornasse totalmente imperceptível ao
indivíduo em seu processo de experiência.
O conceito de distância também se modifica quando se refere aos processos
educacionais de formação na contemporaneidade. Com base na teoria da Interação
a Distância, “a distância é um fenômeno pedagógico, e não simplesmente uma
questão de distância geográfica” (MOORE, 2010, p. 239). Desta forma, mesmo que
na EaD os alunos estejam separados física e geograficamente de seus professores
em situações de espaço e/ou tempo, é preciso considerar a implicação da distância
no processo de ensino e aprendizagem, na estrutura e organização do curso e do
currículo. Para o autor (2010), a EaD não é uma experiência educacional pedagógica
diferente da educação presencial, a não ser pela distância física entre alunos e
professores.
Por esse e outros motivos, Mill (2012, p. 24-25) considera que “os tempos e
espaços que constituem sua maior ‘presença’ ou ‘distância’ não deveriam interferir e
muito menos determinar a base do ensino-aprendizagem”. Ou seja, o autor (2012)
considera fundamental conceber a educação sem adjetivos, “pois o que importa, de
fato, é que a aprendizagem se dê de modo efetivo e adequado e, portanto, deveria
independer dos esforços de mediação entre estudante e conhecimento”, sejam eles
humanos (especialmente professores) ou tecnológicos (recursos didáticos ou outros).
Assim, Mill (2012) acredita que não seja preciso contrapor as duas modalidades,
presencial e a distância, mas compreender e respeitar suas particularidades, que
também podem ser complementares, e agregar importantes elementos uma à outra.
Ademais, de acordo com Tori (2010, p.57), na EaD “é perfeitamente possível
ao aprendiz se sentir próximo ao professor, ou presente em uma atividade de
aprendizagem, mesmo se encontrado afastado geograficamente”, como por exemplo,
via videoconferência, o que estabelece uma conexão entre presença e distância. O
autor (2010) também salienta que é comum nos processos de ensino e aprendizagem
presenciais, em que alunos e professores compartilham o mesmo espaço físico, a
153
ausência do sentimento de presença; apesar de estarem próximos geograficamente,
parecem estar “distantes” mental e/ou psicologicamente.
Para tanto, a fim de explicar essa “elasticidade” dos conceitos de presença e
distância, Tori (2010, p. 58) apresenta a seguinte situação hipotética.
[...] um famoso cientista, vencedor do Prêmio Nobel, [...] ministrando uma aula magna, em um estádio de futebol, para os 30 mil alunos de uma grande universidade. Tecnicamente essa atividade é presencial. Imagine agora que um privilegiado grupo de três alunos dessa mesma universidade tenha a oportunidade de participar de uma videoconferência interativa com aquele mesmo cientista para discutirem e esclarecerem suas dúvidas a respeito de determinado tema apresentado. Tecnicamente essa atividade é a distância. Comparando as duas situações apresentadas, em qual delas aqueles três alunos se sentiriam mais próximos ao professor e mais presente à atividade de aprendizagem?
É possível que grande parte das pessoas respondam que na segunda situação,
a distância, em virtude do pequeno número de alunos envolvidos e da maior
possibilidade de interação e comunicação, os alunos se sentiriam mais próximos do
professor e mais presentes na atividade de aprendizagem; ao contrário da situação
presencial que tinha um elevado número de alunos e pouca possibilidade de interação
e comunicação. Para Tori (2010), os níveis de interação, comunicação, tecnologia e
número de indivíduos, entre outros aspectos, podem influenciar na percepção de
presença e distância em situações de ensino e aprendizagem. Contudo, esta tese
considera impertinente a comparação realizada nesta situação hipotética descrita por
Tori (2010), uma vez que coloca em contraposição atividades de modalidades
diferentes, uma presencial e uma a distância, e o adequado seria comparar atividades
de uma mesma modalidade, realizada de maneira distinta para verificar possíveis
impasses.
Assim como nesta tese, alguns estudos (MAIA, MATTAR, 2007; LEMGRUBER,
2008; CARDOSO, ISSE, 2010) concebem a presença física como indispensável para
os processos educacionais de formação, e demonstram que sem ela seria possível
acontecer somente ensino ou instrução, mas jamais educação como formação
humana. Ou ainda, que a falta da presença física na EaD a configura como educação
fria e impessoal, equiparada às pedagogias “bancárias” e massificadas. Embora
alguns considerem que as tecnologias modernizaram as relações e as situações de
ensino e aprendizagem para o âmbito virtual, não as reconhecem tão eficazes quanto
as que ocorrem presencialmente.
154
Em vista disso, de acordo com Peters (2001, p.249), muitos estudiosos
“procuram simular e imitar as formas sociais do estudo com presença” na EaD, tendo
como argumento principal que “com os meios de comunicação aconteceria com os
telestudantes exatamente a mesma coisa que ocorreria com os estudantes no ensino
com presença”. E, ainda, porque supostamente esta modalidade “não se distingue do
modo de ensinar do ensino com presença” (PETERS, 2001, p. 252).
Entretanto, na visão do autor (2001, p. 44) existem particularidades que
diferenciam, significativamente, a EaD da educação presencial. São elas:
O ensino através da escrita predomina sobre o ensino docente. O estudo por leitura é fortemente acentuado em relação ao estudo pelo ouvir.
O grau de acessibilidade influencia a qualidade do estudo.
Em consequência do emprego de meios técnicos e eletrônicos surgiram três estruturas didáticas distintas que cunham o processo de ensino-aprendizagem.
O status sociográfico dos estudantes é, entre outros, ponto decisivo.
Para o desenvolvimento, condução e avaliação do ensinar e do estudar exigem-se determinados pressupostos institucionais e organizacionais específicos.
Isso posto, Peters (2001) conclui que diante dessas circunstâncias, quem
considera que a EaD não se distingue da educação presencial, não leva em
consideração os aspectos didáticos e subjetivos do processo de formação, mas busca
outros objetivos.
Para Lemgruber (2008) e Tori (2010), os cursos de formação a distância
recorrem às atividades presenciais com o intuito de melhorar o rendimento e
desempenho dos professores e estudantes no processo de ensino e aprendizagem
no âmbito virtual, visto que os encontros presenciais aumentam o sentimento de
pertencimento a um grupo, o que pode até mesmo diminuir os níveis de evasão. Por
outro lado, segundo Peters (2001), também os cursos presenciais estão cada vez
mais utilizando tecnologias digitais, o que determina a transformação das formas de
ensino e aprendizagem.
Em consequência desses fatos, Tori (2002; 2010) aponta que no futuro o
conceito de EaD cairá em desuso, posto que a tendência é a convergência entre o
ensino e a aprendizagem virtual e o tradicional, a caminho de uma educação a
distância e presencial sem separação. Conforme o autor (2010, p. 29),
“à medida que os cursos tradicionais ampliarem a utilização de recursos virtuais e
155
cursos a distância incorporarem mais atividades presenciais ao vivo, ficará cada vez
mais difícil” separá-las.
No Brasil, com a publicação da Portaria nº 2.253, de 18 de outubro de 2001, o
MEC possibilitou a conversão de 20% da carga horária dos cursos presenciais de
formação superior em atividades não presenciais, ou seja, a distância, o que evidencia
o crescimento desse fenômeno. Essa convergência entre o ensino a distância e
ensino presencial é chamada por Tori (2010) de Blended Learning (BL), como mostra
a figura 6 a seguir.
Figura 6 – Evolução dos sistemas de Aprendizagem Virtual (AV) e convergência com a
Aprendizagem Presencial (AP), e a constituição do Blended Learning (BL).
Fonte: (TORI, 2010, p. 30).
Verifica-se na figura 6 que na contemporaneidade ocorre a expansão dos
sistemas AV, o aumento da aproximação entre AV e AP, e o crescimento do BL. Tori
(2010) aponta que no futuro, bem próximo, o BL predominará e a sensação de
presença e imersão nos processos de formação aumentará com a contribuição das
novas tecnologias interativas; ademais, elas também poderão favorecer a redução de
distância, como indicado no próximo tópico.
156
5.2 Redução e impactos da distância
Alguns indícios apontam que o uso das tecnologias interativas na
aprendizagem, como as TDIC, pode reduzir a distância e minimizar seus efeitos nos
processos educacionais de formação (TORI, 2010). Com o intuito de evidenciá-los,
apresenta-se a seguir diferentes concepções e impactos de distância e algumas
pesquisas e experiências na EaD, de modo mais aproximado com a teoria da ética da
alteridade de Levinas.
Como se mostrou no capítulo anterior, há entre as diversas universidades a
distância no mundo diferentes modelos de EaD, sendo alguns com elevados índices
de distância nas atividades do processo de ensino e aprendizagem, que maximizam
o autoestudo, com encontros presenciais facultativos e/ou obrigatórios esporádicos;
outros, por sua vez, apresentam níveis mais baixos de distância e mais altos de
presença física, exigindo a participação do aluno em encontros presenciais mensais.
Destacam-se como exemplos a Open University inglesa, a Fernuniversität de
Hagen alemã e a University of South Africa como modelos de EaD que dão ênfase ao
autoestudo, com encontros presenciais facultativos (seminários, tutorias,
aconselhamentos individuais e em grupos, entre outros) e índices elevados de
atividades de ensino e aprendizagem a distância. Como exceção, são obrigatórias as
summer schools da Open University inglesa e os seminários de fim de semana da a
Fernuniversität de Hagen alemã. Já a University of South Africa aposta na profusão
de materiais impressos. Constata-se que na década de 70, ela distribuiu a cada ano
250 mil impressos, mas ainda não havia construído centros de estudos presenciais
(PETERS, 2001).
Sob outra perspectiva, encontra-se a Central Radio and Television University
da China e a Universidade do Vietnã que exigem obrigatoriamente a participação dos
alunos em encontros presenciais mensais para atividades grupais, orientações e
tutorias, com níveis de presença física relativamente alta. Assim como concebido
nesta tese, para estas universidades, as atividades presenciais do aluno são pilares
substanciais para o processo de formação. Em contrapartida, de acordo com Peters
(2001), alguns adeptos e estudiosos questionam se este modelo, que exige a
presença dos alunos, pode ser chamado de EaD.
No Brasil, especialmente a partir do Decreto nº 6.303/2007, grande parte dos
cursos de EaD, passarram a funcionar como um modelo semipresencial,
157
principalmente nas instituições vinculadas ao sistema federal. De acordo com Vianney
(2008, p.2), a justificativa dos gestores do MEC em promulgar este decreto foi a
seguinte:
[...] uma maior carga de presencialidade nos cursos a distância propiciaria aos alunos um maior contato com os colegas de turma e com professores tutores, serviços de apoio como secretaria, biblioteca e laboratórios de informática, e que a ausência destes fatores seriam limitadores para uma aprendizagem de qualidade.
Apesar do MEC não apresentar pesquisas que comprovem ou sustentem esse
argumento, as atividades presenciais passaram a ser obrigatórias em todas as
instituições de EaD no Brasil, em virtude das fiscalizações e avaliações de qualidade,
baseadas na proposta de estrutura e funcionamento da UAB.
A partir dessas experiências, pode-se considerar que, possivelmente, para as
instituições que adotam o modelo de EaD no qual as atividades são realizadas
maiormente a distância, as TDIC são concebidas como redutoras de distância. De
outro modo, para as instituições que utilizam o modelo de EaD com alto índice de
atividades presenciais obrigatórias, a distância é um elemento limitador do processo
de formação, e, somente o uso das TDIC não minimizam os efeitos da distância; sendo
assim, consideram a presença física como componente significativo no processo de
formação, tal como sustentado nesta tese.
Com intuito de analisar a distância sob diversos aspectos, não concernida,
exclusivamente, à separação física e geográfica, e reduzir a distância entre docentes
e discentes por meio de uma simulação, tanto na EaD, como na educação presencial,
Moore (2002) criou a teoria da distância transacional.
Segundo a teoria de Moore (2002), existem três variáveis que interferem de
modo direto na dimensão da distância transacional: o diálogo entre pares, a estrutura
do programa e a autonomia do aluno. Com referência às duas primeiras,
“a função transacional é determinada pela medida em que docentes e discentes
podem interagir (dialogue) simultaneamente, porém, ela é influenciada pela medida
em que o caminho a ser seguido no estudo está prefixado (structure)” (PETERS, 2001,
p. 63).
Para Moore (2002), especialmente na EaD, o diálogo é uma possibilidade de
interação entre pares e pode auxiliar na construção de conhecimentos e na redução
da distância transacional. O autor (2002, p.1) também considera que “o diálogo em
158
uma relação educacional é direcionado para o aperfeiçoamento da compreensão por
parte do aluno”. No entanto, indica-se nesta tese que somente a existência e uso das
TDIC na EaD não são suficientes para que o diálogo aconteça efetivamente de modo
reflexivo e crítico, e aponta-se que diversas vezes ele é concebido erroneamente
apenas como uma simples conversação. Para tanto, considera-se que o diálogo
envolve aspectos subjetivos dos sujeitos e condições estruturais favoráveis, como, por
exemplo, estimulação da prática reflexiva, oportunidades de participação ativa e
crítica, cooperação entre os sujeitos, redução do número de alunos por tutor,
construção coletiva de vínculos afetivos, entre outros.
Com relação a estrutura do programa, Moore (2002) se refere ao nível de
organização, rigidez e flexibilidade de um curso quanto aos seus objetivos, estratégias
e metodologia, como mostra o exemplo a seguir.
Em programas altamente estruturados, como uma aula transmitida por televisão ou rádio, por exemplo, todas as ações são rigidamente planejadas e não há espaço para diálogo ou interferência dos alunos durante o desenvolvimento do curso. Já em situações sem estruturação [...] há muita oportunidade para diálogo e participação do aluno, que pode inclusive interferir nos objetivos, estratégias e métodos utilizados (TORI, 2010, p. 61).
Para elucidar melhor os níveis de distância transacional com relação as suas
variáveis, diálogo (dialogue - D) e estrutura (structure - S), na EaD, apresenta-se o
quadro 4 a seguir.
Quadro 4 – Distância transacional e suas variáveis na EaD
Fonte: Moore (1977) adaptado por Peters (2001, p.64).
159
Em síntese, quanto maior o diálogo55, menor será a distância transacional e
quanto maior a estrutura do programa de ensino, maior será a distância transacional.
Entretanto, para Moore (2002) não deveria ser um objetivo buscar a redução de
distância em todas as situações de ensino e aprendizagem, mas fazer uma dosagem
entre diálogo e estrutura em cada circunstância específica.
Em certos casos pode inclusive ser desejável e intencional uma distância transacional grande ou até mesmo extremamente grande, porque ela constitui uma premissa importante para o estudo autônomo, ao qual se atribui um alto valor justamente no ensino a distância (PETERS, 2001, p. 64).
Diante disso, o conceito de distância transacional estabelece uma terceira
variável, a autonomia do aluno. De um lado, programas mais dialógicos e menos
estruturados, proporcionam maior autonomia ao aluno. Por outro, programas menos
dialógicos e mais estruturados (com mecanismos de instrução programada, grande
controle do processo de ensino e aprendizagem, etc.), oferecem pouca ou nenhuma
autonomia ao aluno. Contudo, para Tori (2010, p.62), “é possível dar autonomia ao
aluno em programas mais estruturados e vice-versa”. Assim, a autonomia do aluno
também é um modo de redução da distância transacional.
Nesse sentido, a distância transacional é uma função com três variáveis
(diálogo, estrutura e autonomia), que se modificam em diferentes situações e podem
se relacionar de forma equivalente, antagônica ou excludente. Elas também são
dependentes de diversos fatores que envolvem os processos educacionais, como:
características dos sujeitos, objetivos, conteúdos, metodologia, meios, entre outros;
logo, é preciso correlacioná-las da melhor maneira possível para que a distância
transacional se adeque em determinada circunstância particular, levando em
consideração as exigências necessárias e condizentes em cada situação de ensino e
aprendizagem específica.
Ainda sobre a distância transacional, existe uma abordagem, proposta por Tori
(2002), para analisá-la a partir de sua decomposição em três componentes que podem
existir nas atividades educacionais. São elas: distância espacial (ou física), distância
temporal e distância interativa.
55 Tem-se a percepção de que Moore (2002) em sua teoria assemelhou, algumas vezes, de
forma errônea, o diálogo a um processo de simples conversação, concepção não defendida nesta tese.
160
A distância espacial (ou física), primeira componente, se refere ao espaço físico
entre os pares e a mais fácil de ser analisada. Para compensar essa separação física,
necessita-se, indispensavelmente, fazer uso de algum instrumento, no caso da EaD,
tecnológico para tentar produzir a mesma sensação de proximidade manifestada na
presença física (TORI, 2010). Para Moore (2002), inicialmente, a teleconferência
ofereceu um possível aumento no diálogo entre os pares. Também neste tipo de
atividade educacional, eventualmente, tem-se a presença simultânea de alunos e
professores, ainda que estejam distantes fisicamente (TORI, 2002). Entretanto, de
acordo com Tori (2010), este recurso, assim como outros, não substitui a diversidade
de possibilidades de interação possível no encontro físico.
A segunda componente, - distância temporal -, diz respeito à simultaneidade
ou não das atividades educacionais e da relação entre os pares. No caso da EaD, as
atividades realizadas simultaneamente, são chamadas síncronas, como o chat e a
teleconferência. Enquanto as atividades que não ocorrem de modo simultâneo, são
chamadas de assíncronas, como: o fórum, o uso de material impresso e a vídeo-aula
gravada (TORI, 2010). Para Tori (2010, p. 63), “a assincronia traz alguns benefícios,
como a possibilidade de maior reflexão e de ajuste ao ritmo de cada aluno”. Por outro
lado, “um diálogo em tempo real, além de indispensável em certos momentos,
aumenta a sensação psicológica de proximidade”. Já na educação presencial, em
geral, as atividades acontecem de forma síncrona.
A distância interativa é a terceira componente. Ela está relacionada à
participação do aluno no processo de ensino e aprendizagem, que pode acontecer de
forma ativa ou passiva. Quanto maior a interatividade do aluno, menor é a distância
interativa (TORI, 2002). Segundo Moore (2002), dois fatores influenciam de modo
direto na distância interativa: a quantidade de alunos por docente e a frequência das
possibilidades de interação concedidas ao aluno. Além disso, para Tori (2002, p. 4)
“há também aqui três tipos de distância interativas: professor-aluno (aula expositiva X
aula interativa); aluno-material (material passivo X material interativo); aluno-aluno
(trabalho individual X trabalho cooperativo)”.
Para além das três componentes de distância transacional, Tori (2002) propõe
métricas de distância em atividades de aprendizagem, as quais são quantificadas pelo
aluno de acordo com sua percepção. O valor é atribuído conforme as diferentes
componentes de distância (espacial, temporal e interativa) e os diferentes tipos de
interação identificados por Moore (2002): aluno-professor, aluno-aluno, aluno-
161
material, e pode variar entre 0 (atividade sem aproximação) e 100 (atividade com
máxima aproximação). Dessa forma, a métrica representa o potencial de distância na
atividade, como exemplificado a seguir.
Assim, é possível a mediação de um valor baixo (pouca proximidade) para determinada atividade que, tecnicamente, é classificada como local56, da mesma forma que uma atividade remotamente57 pode vir a receber uma pontuação alta (bastante proximidade). É importante ressaltar que, por tratar-se de uma métrica do potencial de distância na atividade e não de uma avaliação da efetiva sensação percebida pelo aprendiz durante a realização da atividade da mesma, a métrica por si só não é garantia de resultados. Se, por exemplo, tivermos a previsão de interatividade em determinada atividade, isso refletirá em uma métrica indicando proximidade, mas não se garante que, na prática, a interatividade – e com ela a aproximação – efetivamente ocorrerá (TORI, 2002, p. 4).
Portanto, a partir das abordagens das componentes e das métricas de distância
propostas por Tori (2002), é possível identificar que inúmeros fatores, como o espaço
físico, a simultaneidade ou não das atividades educacionais, a participação do aluno,
os tipos de interação, entre outros, podem influenciar na análise da distância
transacional e na sensação de proximidade entre os pares no processo de ensino e
aprendizagem. Não obstante, verifica-se que assim como nos cursos a distância, os
cursos totalmente presenciais também podem apresentar fragilidades com relação à
interação e à proximidade.
Tori (2002, p.11) sugere que “uma forma de melhorar tanto os cursos a
distância como os convencionais é se tomar o que há de bom em cada um,
convergindo-se para o que deve ser a educação no futuro:” uma mistura de atividades
presenciais e virtuais. E, ainda, faz o seguinte apontamento:
O segredo de um bom curso será utilizar os momentos em que os alunos se encontrem fisicamente para desenvolver atividades que privilegiem a interação aluno-aluno e aluno-professor, e os momentos virtuais para atividades que exijam concentração. Se os momentos presenciais forem bem aproveitados, os alunos se conhecerão melhor e interagirão mais no espaço virtual, o mesmo ocorrendo na relação aluno-professor. Assim, se reduz bastante a necessidade dos momentos de presença física e se aproveita muito mais os momentos de presença virtual” (TORI, 2002, p. 11).
56 Atividade local, quer dizer, atividade educacional em um mesmo espaço físico (TORI, 2002).
57 Atividade remota, quer dizer, atividade educacional com separação espacial (TORI, 2002).
162
Contudo, ressalta-se que na EaD no Brasil, algumas atividades presenciais
obrigatórias ainda não possibilitam, necessariamente, o encontro entre os pares, ou
seja, a presença física do aluno em uma atividade realizada em um polo presencial
não é sinônimo de atividade coletiva presencial, uma vez que podem ser individuais,
como, por exemplo, as provas finais, a apresentação de trabalhos de conclusão de
curso, entre outras, feitas em datas mais convenientes para cada aluno. Somente em
cursos de EaD com aulas realizadas via videoconferência que a presença física
coletiva dos alunos pode ser assegurada.
Sobre a dimensão do design midiático dos cursos e sua relação com a redução
da distância, Tori (2010) indica a existência da distância interpessoal. Para o autor
(2010, p. 42), “o significado de uma mensagem, assim como as intensidades das
respostas, se alteram à medida que a distância entre os interlocutores varia”. Estas
regras também são válidas se caso um dos interlocutores for substituído por uma
interface interativa digital. Dessa maneira, compete aos designers de mídia e
instrucionais a responsabilidade de adequar os distanciamentos (virtuais e/ou reais)
nas atividades de ensino e aprendizagem. Por exemplo, em uma vídeo-aula, quando
a imagem do professor está próxima, o aluno é atraído de modo mais intenso do que
quando está afastada. De outro lado, quando a proximidade da imagem ocorre de
maneira acentuada pode ser considerada inconveniente (TORI, 2010). Portanto,
considera-se que as imagens na EaD são determinantes e prefiguram o diálogo e
também podem ser facilitadores que cristalizam certos modos de pensar.
Sem embargo, faz-se necessário voltar o olhar para as diferentes variáveis da
distância (diálogo, estrutura do programa e autonomia do aluno) propostas na teoria
da distância transacional de Moore (2002); as três componentes de distância
(espacial, temporal, interativa), além da distância interpessoal, sugeridas por Tori
(2002) e aos três tipos de interação (aluno-aluno, aluno-professor, aluno-material) de
Moore (2002), com o intuito de reduzir a distância e minimizar seus efeitos nos
processos de ensino e aprendizagem na EaD. Assim como, considera-se importante
analisar algumas pesquisas e experiências que podem contribuir com reflexões sobre
a EaD e os conceitos de distância e presença existentes neste contexto educacional,
de forma mais aproximada com a teoria da ética da alteridade.
163
5.2.1 Pesquisas e experiências
Apresenta-se neste tópico pesquisas e experiências desenvolvidas em âmbito
nacional e internacional, algumas já analisadas anteriormente, mas que serão
retomadas neste tópico em virtude de suas possíveis contribuições. Todas elas trazem
diversos apontamentos que potencializam os debates acerca dos conceitos de
distância e presença no campo da EaD e estreitam a relação com a teoria da ética da
alteridade de Levinas.
Dentre as pesquisas e experiências realizadas no contexto nacional,
sobressaem-se a de Valente (2010), com a abordagem “estar junto virtual” e a de
Schlemmer (2010), com a criação da ferramenta “Second Life”.
Primeiramente, retoma-se a pesquisa de Valente (2010), na qual foram
identificados e analisados três tipos de abordagens presentes nos modelos de EaD
no Brasil, as quais se diferenciam de acordo com a itensidade de interação
possibilitada. Neste momento, destaca-se, especialmente, a abordagem “estar junto
virtual”, suas particularidades e possibilidades de relação com a ética da alteridade.
Como já mencionado anteriormente, de acordo com Valente (2010), na
abordagem “estar junto virtual” o professor assume o papel de mediador do processo
de ensino e aprendizagem juntamente ao aluno e, desse modo, há um alto índice de
interação entre professor e aluno. O processo de construção do conhecimento nesta
abordagem acontece por meio de um ciclo de ações (descrição-execução-reflexão-
depuração-descrição) e possibilita “o acompanhamento do aprendiz e a criação de
condições para o professor ‘estar junto’, ao lado do aluno, vivenciando e auxiliando-o
a resolver seus problemas, porém virtualmente”, o que pode reduzir o sentimento de
distância e aumentar o de presença (VALENTE, 2010, p. 236).
Para o autor (2010), a abordagem “estar junto virtual” não somente facilita as
questões de espaço e tempo dos processos de formação; todavia, introduz algumas
características indispensáveis que na formação presencial são difíceis de serem
utilizadas, como a criação de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA). Nesta
abordagem, a própria denominação já remete a “proximidade” entre professor e aluno
por meio do uso de estratégias e dinâmicas diferenciadas em que o professor, com
um número reduzido de alunos, precisa conhecer cada um deles, de modo particular,
e criar oportunidades para auxiliá-los na construção de conhecimentos (VALENTE,
2010). É importante destacar que apesar da “proximidade” que se pode encontrar
164
nesta abordagem, diferentemente das demais, em que não há ou há pouca interação,
ela acontece em uma dinâmica computacional, via internet, e não de modo presencial,
na relação face a face, o que implica que o processo de formação não acontece
efetivamente na ética da alteridade, levando em consideração os princípios da teoria
de Levinas. Contudo, evidencia-se que a abordagem “estar junto virtual” apresenta
particularidades que são incontestavelmente mais favoráveis ao processo de
formação humana.
Sobre a segunda pesquisa, já analisada anteriormente no capítulo 4, com a
criação do “Second Life”, proposta por Schlemmer (2010, p. 80), foi possível verificar
que “o sentimento de presença, de pertencimento e a vida em comunidade são
possíveis por meio da imersão pela telepresença de seu avatar no ambiente 3D”. Para
a autora (2010), o avatar é considerado como um corpo digital virtual que possibilita a
emancipação virtual dos sujeitos por meio da telepresença. Também se constatou que
nos espaços de interação virtuais, “os sujeitos podem ter diferentes tipos e níveis de
presença digital virtual”, de acordo com a tecnologia utilizada (SCHLEMMER, 2010,
p. 83), viabilizando a “proximidade” dos sujeitos nos espaços tecnológicos virtuais e
minimizando o sentimento de falta de presença. Entretanto, aponta-se nesta tese
que a presença digital virtual não substitui a presença física, e a vida em comunidades
virtuais também não desempenha as mesmas ações e reações humanas formativas
que os encontros presenciais, face a face, conforme propõe a teoria da ética da
alteridade.
No contexto internacional, outras pesquisas e experiências são relevantes e
podem fomentar reflexões sobre presença e distância. As pesquisas, apresentadas a
seguir de forma suscinta, tratam desta problemática. São elas: Social Presence in
Two-and Three-Dimensional Videoconferencing (HAUBER; et al., 2005); The ethical
and societal implications of presence from a distance (SALVINI, 2007); When Simple
Tecnology Affords Social Presence: A Case Study for Remote Family
(ALBUQUERQUE; PERKIS, 2008).
A pesquisa de Hauber et al. (2005) teve como objetivo mensurar e comparar a
diferença da presença social em três condições: a) videoconferência 2D em um
computador de mesa; b) videoconferência inserida em ambiente virtual 3D em um
computador de mesa; c) comunicação face a face local, em um ambiente real, cada
um com três participantes envolvidos. A pesquisa foi desenvolvida com 42 voluntários.
Como resultados, a comunicação face a face obteve maiores índices de presença
165
social, acima das outras condições testadas. No entanto, a presença social na
videoconferência inserida em um ambiente 3D atingiu pontuação superior que a
videoconferência 2D. Assim, em consonância com a pesquisa de Schlemmer (2010),
o “Second Life” por ser uma experiência em um ambiente 3D, pode trazer um
sentimento de presença maior do que os ambientes convencionais 2D,
constantemente, utilizados no campo da EaD no contexto brasileiro. Todavia, é
importante destacar que, assim como evidenciado anteriormente, o plano 3D não
representa a mesma presença social que a condição face a face local, apenas
demonstra um sentimento de presença maior que no plano 2D, o que confirma ainda
mais a importância da relação face a face para a formação humana, a favor da ética
da alteridade.
Em outra perspectiva, Salvini (2007) propõe considerar a distância do ponto de
vista da antropologia, não como uma fonte de problemas tecnológicos, mas como
fonte de implicações morais. Desta forma, a pesquisa do autor (2007) analisou alguns
efeitos sociológicos e psicológicos causados pela distância, atualmente provocada
pelas tecnologias de telepresença, que tangem a dimensão moral dos seres humanos.
Aponta-se como questões problemas dessa pesquisa: “Quais são os efeitos da
distância e da mediação sobre a presença e, em particular, sobre as dimensões
morais/éticas dos seres humanos? A mediação tecnológica está dificultando ou
promovendo a presença?”58 (SALVINI, 2007, p.1).
Considera-se que a pesquisa de Salvini (2007) se aproxima dos temas
debatidos nesta tese, sobre não-presencialidade, alteridade e ética, e traz indicativos
que contribuem para as reflexões feitas, especialmente, no contexto da EaD. De
acordo com o autor (2007, p.1), “o corpo ainda é fonte de presença, mas não é mais
o único suporte de presença”.59 A presença também não é limitada e delimitada ao
"aqui e agora" do corpo, e nem reduzida ao campo de ações e percepções temporal
e geográfico. Em contrapartida, Salvini (2007, p. 2) salienta que “a remoção das
conexões imediatas entre o corpo e sua esfera de ações/percepções (isto é, presença)
58 “What are the effects of distance and mediation on presence, and, in particular, on the
moral/ethical dimensions of human beings? Is technological mediation hampering or fostering
presence?” (texto original).
59 The body is still the source of presence, but is no more the only carrier of presence. (texto
original)
166
implica também remover as conexões entre ‘ações’ e ‘responsabilidade’, e isso é a
causa de preocupações morais e éticas”.60
Para Salvini (2007), a visão é o sentido humano mais acurado e os dispositivos
tecnológicos podem permitir que os sujeitos olhem para além das capacidades do olho
humano. Contudo, o que ainda falta na visão é o contato direto entre aquilo que é visto
e o vidente (no caso, o sujeito que vê). Desta forma, a tela do computador, assim como
outros recursos tecnológicos, pode funcionar como uma janela aberta ou como uma
parede/escudo, pode possibilitar a mediação e reciprocidade das ações ou aumentar
o sentimento de distância, tornando a resposta moral mais difícil.
Em diversos processos de formação a distância o sentimento de presença é
escasso, o que prevalece é o aumento do sentimento de distância, em virtude da não-
presencialidade, o que pode trazer implicações éticas e sociais preocupantes,
preocupação central desta pesquisa. Desta maneira, Salvini (2007) considera como
necessário o desenvolvimento de novas pesquisas que envolvam os temas de
presença, distância e proximidade, relacionados às suas possíveis implicações éticas
e sociais, conforme objetiva-se com esta tese.
A última pesquisa apresentada, de Albuquerque e Perkis (2008), não tem
relação específica com ambientes virtuais de formação, mas pode trazer contribuições
significativas para o desenvolvimento desta pesquisa que tem como objetivo analisar
o sentimento de estar mais perto de familiares remotos por meio do uso de diferentes
tipos de interação, com base nos relatórios dos usuários que vivem em países
geograficamente distantes de suas famílias. Também, investigam as razões pelas
quais as pessoas usam as tecnologias e quais são as mudanças em seus hábitos, a
fim de interagir com os seus familiares. De acordo com os autores (2008, p. 291), “a
presença social refere-se ao sentimento de estar junto com um parceiro de
comunicação virtual ou remotamente localizado”.61
Com base no projeto “Computers in Homes”, Albuquerque e Perkis (2008, p.
292) apontam que “o acesso à Internet traz benefícios para as famílias, pois fornece
60 However, removing the immediate connections between the body and its sphere of
actions/perceptions (i.e. presence) implies also removing the connections between “actions” and
“responsibility”, and this is the cause of moral and ethical concerns. (texto original)
61 Social presence refers to the feeling of being together with a virtual or remotely located
communication partner. (texto original)
167
comunicação entre os membros, permite que eles reajustem os links e tenham uma
comunicação mais frequente apenas acessando online”.62 E, ainda, para os autores
(2008), as mensagens instantâneas, com ou sem recurso de câmera, comunicação
de voz e mundos gráficos virtuais são as aplicações tecnológicas mais populares.
Como resultado da pesquisa de Albuquerque e Perkis (2008), foram
identificados dez tipos de interação relacionados à presença social: (1) e-mail; (2)
mensagem de SMS; (3) mensagem de voz (correio de voz); (4) chamada telefônica;
(5) chamada de voz por internet; (6) chamada de voz por internet com texto e
emoticons63; (7) conversa de texto com emoticons; (8) webcam com texto e emoticons;
(9) webcam com conversa por voz; (10) webcam e conversa de voz com suporte de
texto.
Constatou-se que a diferença entre (4) a chamada telefônica e (5) a chamada
de voz por internet é bem pequena e a sensação de presença é quase a mesma. No
entanto, (5) a chamada de voz por internet possui atrasos na voz em algumas
situações, e dessa forma, “100% das pessoas gostam das chamadas telefônicas
devido à qualidade da voz e relataram que ouvir a voz da outra pessoa é realmente
importante e dá uma boa sensação de proximidade”64 (ALBUQUERQUE, PERKIS, p.
294), conforme demonstrado pelos sujeitos da pesquisa.
Outro resultado, as opções para o uso da (6) chamada de voz por internet com
texto e emoticons e (8) webcam com texto e emoticons possuem quase o mesmo
valor. Segundo Albuquerque e Perkis (2008, p. 294) “isso infere que a voz ou a
imagem separadamente podem adicionar sensação semelhante de estar mais perto
da outra parte durante uma interação”65, e, portanto, requer maiores investigações
62 [...] that Internet access brings benefits to families because it provides communication
between members, allows them to re-establish links and have more frequent communication just by
going online. (texto original)
63 Emoticons é um tipo de comunicação paralinguística, deriva-se da ligação entre os vocábulos
em inglês emotion (emoção) mais icon (ícone), e pode representar uma sequência de caracteres
tipográficos ou uma imagem (ícone ilustrativo), que caracteriza um estado emotivo, uma expressão
facial.
64 100% of people like the phone calls because of voice quality and reported that hearing the
voice of the other person is really important and gives a good feeling of closeness. (texto original)
65 It infers that voice or image separately can add similar feeling of being closer to the other part
during an interaction. (texto original)
168
para confirmação deste resultado. Já a combinação de voz com imagem parece
propiciar um sentimento maior de estar junto com as demais pessoas.
Em conclusão, os autores (2008) apontam que conforme surgem e existem
mais tipos de interações disponíveis, as pessoas podem se sentir cada vez mais
próximas, mesmo usando as tecnologias simples, se combinadas com as tecnologias
mais avançadas, o sentimento de proximidade aumentará ainda mais. Entretanto,
cabe destacar que a pesquisa de Albuquerque e Perkis (2008) apresenta um fator de
extrema importância - a relação originária corpórea entre os sujeitos do estudo, uma
vez que eram familiares, e, portanto, anteriormente ao sentimento de presença social
virtual, já havia uma afecção primeira presencial de forma física. Assim, esse fator
contribuirá para reflexões sobre possíveis relações entre a EaD e a teoria da ética da
alteridade de Levinas desenvolvidas no capítulo 6.
A presente investigação justifica-se a partir da necessidade de proximidade dos
indivíduos e da diminuição de distância na relação eu-Outro, em uma sociedade em
que o individualismo e isolamento prevalecem, em especial, nos processos de
formação superior a distância. Para tanto, na sequência, apresenta-se aspectos da
teoria levinasiana relacionados às implicações da não-presencialidade no processo
de formação superior a distância para a constituição da alteridade enquanto
fundamento ético e revela-se possibilidades de práticas pedagógicas, a caminho de
uma EaD mais humana e ética.
169
6 ÉTICA DA ALTERIDADE DE EMMANUEL LEVINAS NO ENSINO SUPERIOR A
DISTÂNCIA
Neste capítulo se analisa a formação na Educação Superior a distância com
ênfase nas implicações da não-presencialidade, com fundamanto na teoria de
Emmanuel Lévinas, em busca de possibilidades de mudanças, a caminho da ética da
alteridade. É importante salientar que a teoria levinasiana se preocupa em explicar
aspectos da constituição do humano e suas ideias não devem ser compreendidas
como uma moralização e/ou indicação de um agir único, como verdade absoluta.
Dessa maneira, à luz da teoria da ética da alteridade de Levinas, no primeiro
tópico são destacados alguns indícios encontrados na EaD que a caracterizam como
mundo sem Rosto, por exemplo, enaltecendo as competências para o mercado de
trabalho; primazia da racionalidade técnica e instrumental; padronização dos cursos;
isolamento dos indivíduos e suas necessárias e possíveis modificações. Em seguida,
se enfoca os conceitos de presencialidade e não-presencialidade, destacando as
implicações da não-presencialidade nos cursos de EaD para a constituição da
alteridade como fundamento ético. Por fim, propõe-se uma possibilidade de mudança
na relação eu-Outro, professor e aluno, nos processos de formação superior a
distância, a caminho da ética da alteridade.
6.1 Evidências de um mundo sem Rosto
A sociedade capitalista contemporânea passa por um momento de grande
complexidade e contradições. Por um lado, vive-se o fascínio das múltiplas
capacidades e facilidades proporcionadas pelo avanço da ciência e da tecnologia. Em
contrapartida, habitua-se com a frieza nas relações sociais, marcadas pelo
individualismo e egoísmo, pela competitividade e negação do Outro. Com o
desenvolvimento do capitalismo e do progresso científico-tecnológico, novas
necessidades e anseios seduziram os homens e continuam se perpetuando na
sociedade, principalmente nos processos de formação.
Também se revela como problemática a acentuação do primado da razão,
idealizado pelo pensamento ocidental, e sua relação com as questões do ser. Esta
associação entre pensamento e ser reduziu o Outro ao “Mesmo”, impossibilitando a
170
abertura ao diferente, à alteridade. É nesse contexto de individualismo,
competitividade, frieza, indiferença e negação do Outro que Levinas propõe um novo
pensar ético, pautado no sentido humano, no respeito ao Outro e à sua alteridade.
Especialmente no âmbito da EaD, evidencia-se diversos impasses que
direcionam para a caracterização de um mundo sem Rosto nos processos de
formação superior a distância, destacam-se: o enaltecimento das competências para
o mercado de trabalho; a primazia da racionalidade técnica e instrumental; a
padronização dos cursos; o isolamento dos indivíduos; a linguagem como monólogo;
a mediação automática e mecânica das atividades; o processo de ensino e
aprendizagem com sentido informativo e instrucional; o número elevado de alunos; a
relação professor/aluno como sujeito/objeto; a transposição das práticas pedagógicas
do ensino presencial ao virtual, entre outros.
Considera-se que a primazia da racionalidade técnica e instrumental tem sido
um dos principais fatores que potencializam a negação da alteridade e do Rosto nos
processos de formação, principalmente na EaD. Em virtude da luta pelo acesso e
permanecimento no mercado de trabalho, as IES, em geral, priorizam
predominantemente a racionalidade técnica e instrumental. Segundo Síveres e Melo
(2012, p. 36), a teoria da ética da alteridade de Levinas, como um processo
pedagógico, é uma possibilidade para a “superação do predomínio de uma
racionalidade técnica e instrumental” que, muitas vezes, limita a experiência educativa
pensada a partir do Outro. Da mesma forma, para Dias Sobrinho (2010, p. 19) “sempre
que a razão se isola, se fecha em sua interioridade subjetiva, institucional ou
sistêmica, ela se distancia da alteridade, se torna absoluta e imperial, dogmática e
bárbara”.
No que se refere especialmente às novas tecnologias, relacionadas ou não à
EaD, Adorno (2003) aponta uma tendência para a fetichização da técnica, que se
constitui a partir do encobrimento da consciência, uma característica predominante
em um tipo de subjetividade, denominado pelo autor de consciência reificada ou
coisificada, em que os sujeitos se tornam incapazes de amar e se tornam frios, não
com significado sentimental ou moral, mas como coisificação de si e dos Outros.
Um mundo em que a técnica ocupa uma posição tão decisiva como acontece atualmente, gera pessoas tecnológicas, afinadas com a técnica. Isto tem sua racionalidade boa: em seu plano mais restrito elas são menos influenciáveis, com as correspondentes consequências no plano geral. Por outro lado, na relação atual com
171
a técnica existe algo de exagerado, irracional, patogênico. Isso se vincula ao ‘véu tecnológico’. Os seres humanos inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é uma extensão do braço do ser humano (ADORNO, 2003, p.132).
E, ainda, Adorno (2003, p. 133-134) escreve sobre a frieza e a indiferença do
eu para com o Outro e sua provável possibilidade de ter sido evitada.
Se ela não fosse um traço básico da antropologia, e, portanto, da constituição humana como ela realmente é em nossa sociedade; se as pessoas não fossem profundamente indiferentes em relação ao que acontece com todas as outras, executando o punhado com que mantém vínculos estreitos e possivelmente por intermédio de alguns interesses concretos, então Auschwitz não teria sido possível, as pessoas não o teriam aceito.
Entretanto, o autor (2003) destaca que essa tendência da fetichização da
técnica e, consequentemente, da propagação da frieza, encontram-se associadas ao
conjunto da civilização, e, portanto, manifestar-se contrariamente a estas ações seria
o mesmo que ir contra a “alma” do mundo, sendo este o aspecto mais “sombrio” da
educação.
Em consonância, a teoria de Gruschka (2014), retratada no capítulo 3, aponta
que a frieza não é apenas uma questão de ordem pessoal, mas social. A frieza é um
mecanismo de autoproteção e autopreservação do sujeito na sociedade capitalista,
como uma obrigação social de adaptação e integração. O homem é “obrigado” a agir
friamente para permanecer socialmente “ativo”, sem possibilidade de escape.
Especialmente relacionada aos processos educacionas, Gruschka (2014)
considera que a frieza avança por meio das normatizações guiadas pelos princípios
da sociedade burguesa, que submetem as relações educacionais (professor/aluno) à
lógica do lucro e da vantagem. Destituída de reflexão e encoberta de frieza, a
formação se molda de acordo com os interesses econômicos e se pauta no
desenvolvimento de competências para o mercado, a partir do prevalecimento da
técnica, em detrimento do conteúdo moral e ético da formação humana.
Em relação à ênfase dada à dimensão técnica, especificamente, na EaD, as
IES parecem cada vez mais empenhadas com as atividades funcionais e econômicas,
relegando ao segundo plano as atividades pedagógicas e as particularidades dos
sujeitos. Destaca-se também o excesso de técnicas empregadas para a padronização
dos cursos a distância, que, muitas vezes, replicam os modelos da educação
172
presencial e impossibilitam a experiência educativa pensada e possibilitada a partir do
Outro e pelo Outro. A priorização da dimensão técnica e o excesso de padronização
dos cursos a distância são aspectos que impedem a abertura ao Outro/diferente e o
respeito à alteridade na formação superior a distância, assim também precisam ser
ressignificadas e pensadas a partir de um outro-modo-de-ser pedagógico, para além
de um mundo sem Rosto.
Identifica-se que os processos de formação também se converteram,
paradoxalmente, em ensino de indivíduos isolados. Entretanto, entende-se que a
formação acontece com o Outro e não sem o Outro, e que “onde há alteridade, há
integridade física, moral e social de cada estudante” (ABRAHÃO; ASINELLI-LUZ,
2010, p. 277). Nos processos de formação superior a distância se verifica uma maior
possibilidade de isolamento dos estudantes, em virtude do tempo e espaço serem
distintos da educação presencial, pelo fato de professores e estudantes ficarem a
maior parte do tempo separados geograficamente. Não apenas a separação física nos
cursos de EaD configura o processo de formação como forma de isolamento, mas
também sua estrutura e organização.
Atente-se, também, para o fato de que muitas vezes nos processos de
formação, sejam eles a distância ou presenciais, quando o aluno solicita resposta do
tutor e/ou professor e não a recebe, a linguagem acontece como um monólogo. Pode
ser que, em situações a distância, o próprio sistema dê uma resposta pronta ao aluno,
no entanto, o aluno se coloca no lugar de instrumento, meio ou recurso, seja para
captação de recursos ou funcionamento dos cursos. Não raro, o aluno, como Outro,
não é respeitado em sua condição de único, de alteridade plena, como Rosto, mas
como idêntico ao eu e aos demais.
Para Miranda (2008, p. 145), “educar é desde já responder à palavra que me
chega da outra margem e me sacode eticamente”. Ressalta-se que é preciso ter
cuidado para que a resposta ao Outro não seja falseada, ou seja, ao invés de falar
com o Outro, respeitando sua alteridade, só fale de si mesmo. Assim, ao contrário da
abertura ao Outro, obriga-se o Outro a entrar na realidade do eu “Mesmo/Idêntico”.
Esse falseamento na resposta ao Outro é representado na EaD pelo envio de
mensagens automáticas padronizadas aos alunos após algum requerimento (dúvida,
solicitação, reclamação, etc.) aos professores/tutores ou, até mesmo, aos
departamentos administrativos das IES; logo, este é um aspecto que fomenta ainda
mais a negação da alteridade e, desta forma, precisa ser revisto e modificado como
173
condição de uma formação mais humana e ética. Com efeito, espera-se que o
processo de formação superior seja de fato um processo de humanização, de
responsabilidade e com implicações éticas, que vão para além da “mediação“
automática e mecânica de suas atividades.
Esse falseamento e essa não resposta do professor ao aluno pode acontecer
por diversos fatores, subjetivos e/ou instituicionais. Subjetivos, que se referem ao
eu/professor como ser humano, com suas concepções, prioridades e necessidades
quanto à sua responsabilidade pelo Outro/aluno. Instituicionais, com relação às
exigências e aos papéis atribuídos ao docente. Isto posto, sabe-se que “a renovação
que hoje se impõe à educação é excludente, pois, no seu afã de lucro, o sistema
econômico neoliberal faz evidente sua falta de responsabilidade face ao outro” (ALVA,
2012, p.81).
Na relação entre professor e aluno, a responsabilidade do professor pela
formação do seu aluno também é um aspecto que merece atenção e cuidado nos
processos de formação superior a distância, haja vista que o número de alunos por
professor/tutor estão muito acima do recomendado, o que inviabiliza atendimento
adequado e dialógico ao aluno. A indiferença e impessoalidade do professor resulta
em negação do Outro como alteridade. O número excessivo de alunos na EaD
também pode transformar a relação eu-Outro, professor/aluno, em relação
sujeito/objeto, em que o aluno deixa de ser sujeito de aprendizagem para se tornar
um cliente que compra educação e gera lucros. Efetivamente, para algumas IES, as
estratégias de oferta de cursos de EaD mais se parecem com operações econômicas,
preocupando-se mais com os rendimentos que com a formação dos alunos. Com
relação a isso, Souza (2012, p. 80) observa criticamente que
[...] na relação sujeito-objeto, acontece necessariamente a objetivação do outro e sua redução ao mesmo identificador e nivelador de toda diferença. O outro é radicalmente diferente em relação aos objetos do mundo, em relação a mim e aos outros e, portanto, não pode ser objetificado, a não ser numa envergadura violenta.
Ao permitir o ingresso de um número exagerado de alunos, a EaD assume
práticas pedagógicas que reduzem o Outro ao “Mesmo/Idêntico” e operam como um
sistema mercadológico que, focado no lucro, desconsidera as diferenças e
particularidades dos alunos e nega a constituição da alteridade como fundamento
ético do processo formativo. Neste contexto, questiona-se: como é possível que o
174
professor se responsabilize e responda ao apelo de tantos alunos/Outros? Como
acontece a constituição da alteridade enquanto fundamento ético num processo de
formação cujo objetivo principal é a obtenção de rendimentos econômicos?
Para Boff (2005, p. 33), “o humano só se oferece a uma relação que não é
poder”, mesmo sendo o poder econômico. Deste modo, ressalta-se que o diálogo
pode colaborar para a transformação da relação de poder entre sujeito e objeto para
relação ética entre sujeitos. De acordo com Peters (2001b), o diálogo é uma
possibilidade pedagógica e didática do processo de ensino e aprendizagem, e um
elemento do agir ético.
É importante salientar os aspectos didático-científicos, didático-universitários, didático-teleducativos, pedagógicos, filosóficos, antropológicos e sociológicos que influenciam o ensino a distância. Quem leva em consideração a aprendizagem dialógica, na EaD, e não reduz o estudo e o ensino somente a materiais de ensino pré-preparados, mas reconhece seus objetivos mais amplos, confere-lhes adicionalmente substância e relevância pedagógica (LEITÃO NETO, 2012, p. 46).
Isso posto, afirma-se que restringir o processo de ensino e aprendizagem ao
uso de materiais impressos ou, como já dito anteriormente, a mera transposição das
práticas pedagógicas da educação presencial à virtual, prejudicando o processo de
formação a distância. É imprescindível que o diálogo esteja presente na EaD, pois
facilita o estabelecimento das relações entre eu e Outro, entre professor e aluno, nas
quais as particularidades e alteridades se encontram presentes e eticamente
respeitadas.
Para Levinas, o diálogo tem função importante, seja na relação pedagógica ou
em qualquer outra relação social. No entanto, o filósofo considera que a linguagem,
antes de ser diálogo, é expressão do Rosto, é significado ético do Rosto. “Isso quer
dizer que, anteriormente à pergunta, a linguagem expressa uma resposta à
interpelação ética do rosto” (MIRANDA, 2008, p. 143). Por isso, a dimensão da relação
face a face é, para Levinas, elemento essencial à constituição da alteridade como
fundamento ético. Então, levando em conta a inegável a não-presencialidade na EaD,
como o diálogo poderia se estabelecer entre professor e aluno na formação superior
a distância, tendo em vista que a linguagem é, primeiramente, expressão do Rosto na
relação face a face? Nos cursos a distância, denominados semipresenciais, nos quais
os encontros presenciais acontecem periodicamente, como seria possível, baseado
na teoria de Levinas, estabelecer relações de diálogo entre professores e alunos?
175
Para Levinas, após a saída do eu de si mesmo e de sua abertura ao Rosto do
Outro, a linguagem, primeiramente, se estabelece na relação face a face, entre eu e
Outro, como expressão do Rosto, que apela e chama. No contexto educacional, o
Outro enquanto aluno, faz um apelo e/ou um chamado ao professor. A resposta do
docente ao apelo e ao chamado do aluno marca o início do diálogo e da orientação
educativa. Posteriormente ao “Rosto fala”, é o professor que fala.
“Falar, como sinônimo de educar, é expor-se, é responder ao Outro. Portanto, ao falar,
um indívíduo pode organizar o mundo para um interlocutor, mas a condição desse
processo é uma saída de seu mundo e da sua cultura” (ALVES, 2013, p. 36). Na
formação superior a distância, o apelo e o chamado do aluno, bem como a resposta
do professor, ocorrem virtualmente, mediante o uso das TDIC e dos AVAs. Como
função e responsabilidade docente, a saída de si, a abertura ao Rosto e a resposta
ao chamado do Outro/aluno é primordial e fundamentalmente ético.
Portanto, faz-se necessário repensar os processos de formação superior a
distância para além de práticas de ensino padronizadas, isoladas, mecanizadas,
replicadas ou instrutivas, mas que se vislumbre a abertura ao Rosto, a caminho da
ética da alteridade na formação humana. Dado o exposto, questiona-se: Quais seriam
as implicações da não-presencialidade para um pensar ético da alteridade na EaD?
Como aproximar a EaD de uma perspectiva ética da alteridade? Quais mudanças
seriam necessárias nos processos de formação superior a distância para um educar
para alteridade? Seria possível pensar a teoria da ética da alteridade de Emmanuel
Levinas relacionada à EaD?
6.2 Implicações da não-presencialidade
Como já argumentado no capítulo 5, o conceito de presença, assim como o de
distância, está em processo de reconfiguração. As novas TDIC existentes na
formação superior a distância são as principais responsáveis pelas modificações
desses conceitos. As noções de presença e de distância não estão mais ligadas
exclusivamente aos aspectos geográficos e de separação física, haja vista que alguns
autores (MOORE, 2002; SCHLEMMER, 2010; TORI, 2010; entre outros) consideram
que as TDIC se apresentam como viabilizadoras de presença por meio das
possibilidades de percepção e experiência, bem como redutoras de distância.
176
Schlemmer (2010) conceitua a presença na EaD como presença digital virtual,
que pode ser manifestada em diversos tipos e níveis, dependendo das TDIC
utilizadas. Para a autora (2010), a presença na EaD possui natureza digital virtual e é
puramente relacional, propicia o “estar junto” digital virtual e minimiza a falta de
presença física, assim como também o sentimento de distância.
Em contrapartida, Levinas (2000) define que a presença não se inscreve no
universo do “Mesmo”, mas transcende, mostra-se na relação face a face como
manifestação do Rosto do Outro. Logo, é na epifania do Rosto, que o Outro se revela
como presença, respeitado em sua alteridade – como absolutamente Outro. Para o
autor (2000), a presença também está ligada ao conceito de distância. Para que o
Outro seja presença, é preciso que na relação face a face o eu esteja
separado/distante do Outro, para que o Outro não se vincule ao “Mesmo”, mas que
seja transcendente, ou seja, alteridade plena. É ao mesmo tempo uma relação de
presença física (revelada na epifania do Rosto, na relação face a face) e de distância
metafísica (transcendência), uma relação sem relação.
Entretanto, e a presencialidade? Estaria associada ao conceito de presença?
De acordo com o Dicionário Michaelis online66, presencialidade é qualidade ou
condição de presencial. Desse modo, pode-se afirmar que a presencialidade está
atrelada ao conceito de presença. A presencialidade não é conceituada por Levinas
(2000), contudo pode ser representada na situação do encontro face a face com o
Outro, revelado na epifania do Rosto como alteridade absoluta, transcendente. Assim
sendo, em Levinas a não-presencialidade pode ser conceituada pela situação do não
encontro, da impossibilidade do encontro físico com o Rosto do Outro.
Sabe-se que na teoria de Levinas a relação face a face revela o Outro enquanto
Rosto. O Rosto é expressão, linguagem. O Rosto “fala” uma linguagem ética, não
como constituição do pensamento, mas do próprio ser que, para Levinas, se institui
“de outro modo que ser”, “para além ser”. Dessa forma, a linguagem antes de ser
diálogo, é expressão do Rosto, da alteridade; é relação ética com o Outro, relação de
proximidade (LEVINAS, 2000). Esta proximidade requer a presencialidade do
encontro entre o eu e o Outro, para que se manifeste a linguagem ética do Rosto do
Outro, a expressão original da alteridade.
66 Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=YkAMb Acesso em: 06 fev. 2018.
177
Além disso, o Rosto inaugura o acontecimento da linguagem, uma vez que faz
um chamado, interpela. Em resposta ao chamado do Outro, inicia-se a relação ética
de proximidade. Assim, por meio da linguagem como relação de proximidade entre
indivíduos, a educação é uma resposta ética ao chamado do Outro, e a não-
presencialidade a impossibilita de acontecer efetivamente.
Desse modo, considera-se urgente a incorporação da presencialidade nos
processos de formação, especialmente, a distância, comprometidos com a alteridade.
Ainda há muito a se fazer, mas é preciso fazer algo. Neste sentido, se propõe aqui
pensar a partir da teoria da ética da alteridade de Levinas, as implicações da não-
presencialidade na formação superior a distância, sinalizado como um mundo sem
Rosto, tentando apontar novos possíveis caminhos para uma Educação Superior a
distância a favor da ética da alteridade.
Ressalta-se que Levinas não foi um especialista em Educação, no entanto,
levando em conta as tradições do judaísmo, ele fez algumas reflexões específicas
sobre a educação judaica em três capítulos de sua obra “Difícil libertad: y otros
ensayos sobre judaísmo” (2008b), denominados de “Reflexiones acerca de la
educación judia”, “Educación y plegaria” e “Antihumanismo y educación”. Portanto,
estabelecer uma relação entre Levinas e Educação, em especial com a EaD, como
aqui se sugere, é tarefa complexa que pode desviar a atenção da proposta do
pensamento levinasiano. Todavia, esta tese defende que vale a pena argumentar que
a teoria de Levinas pode contribuir efetivamente para a ressignificação da EaD, no
que concerne a não-presencialidade, o respeito ao Outro e à sua alteridade.
Na perspectiva de Levinas, a Educação pode ser entendida como
“ensinamento ético que se manifesta no acolhimento e na responsabilidade pelo
Outro, situando-se contra a totalidade” (ALVES, 2013, p. 27). Com relação à Filosofia,
Levinas propõe um modelo abraâmico, distinto do modelo epopeico dominante. “O eu,
como Abraão, é total escuta, é completa atenção à convocação do outro; abandono
de si mesmo, interpelação para partir, sabendo que o itinerário é sem volta” (MELO,
2003, p. 57). Neste sentido, a Educação e a Filosofia, do modo como são
compreendidas por Levinas, podem atuar como potencializadoras de vivências éticas
mais humanas, rompendo com as práticas pedagógicas adaptadas ao sistema
totalizante da razão e de isolamento do ser, preso à mesmidade.
178
O ensinamento levinasiano se constitui como descrição fenomenológica da resistência de Outrem aos poderes dominadores do Mesmo. Tal questionamento se dirige à própria razão ocidental, caracterizada como uma forma astuciosa de dominação e tirania. Pois a razão, ao apelar para uma ordem conceitual, acaba por violentar e desrespeitar a resistência que o Outro apresenta, colocando-o no âmbito do ser em geral. Na educação tradicional, pelo recurso ao conceito universal, a razão desrespeita as singularidades e, inevitavelmente, constrói uma totalidade. Ou seja, neste modelo de educação formal, pelo qual o singular passa ao universal, o Outro fica como que suspenso e privado de permanecer em sua alteridade, e acaba fazendo parte de um sistema total, ditando todas as regras, não lhe restando alternativa senão agir de acordo com as normas propostas pelo sistema (ALVES; GHIGGI, 2012, p. 581).
Logo, observa-se que, historicamente, a Educação esteve (e ainda está)
pautada no pensamento da ontologia ocidental, tendo em vista a priorização do “Eu”,
na busca da satisfação das necessidades individuais e baseada em mecanismos de
dominação e doutrinação. Consolidou-se uma pedagogia do “Idêntico”, em que o
Outro foi reduzido ao “Mesmo”, a partir de um ideal de ensino universal,
desconsiderando as múltiplas alteridades e singularidades. Portanto, o pensamento
levinasiano se apresenta como possibilidade de um repensar educacional, em busca
de uma pedagogia aberta ao Outro, em movimento para-o-Outro, em que o eu seja
capaz de se render às necessidades do diferente, como forma de superação de uma
Educação repleta de individualismo e totalitarismo.
Visto que na teoria da ética da alteridade de Levinas a relação com o Outro
acontece face a face, por meio da revelação do Outro como Rosto, a Educação se
configura, então, como centrada no Rosto, que não se reduz à sua forma plástica,
mas que se apresenta como totalmente Outro, alteridade plena, manifestação da
transcendência. Esta relação com o Outro, como Rosto, não se estabelece na ordem
do conhecimento, mas se constitui como princípio ético. “Trata-se de uma relação que
não é meramente cognitiva, senão de uma relação de tipo ético, no sentido de que o
outro me afeta e me importa, o qual exige que me faça responsável dele” (ALVA, 2010,
p. 81). Para Levinas (2008a), a epifania do Rosto ordena ao eu uma conduta ética, o
Outro o convoca à responsabilidade.
[...] responsabilidade esta que não contraí em nenhuma ‘experiência’, mas da qual o rosto de outrem, por sua alteridade, por sua própria estranheza, fala o mandamento vindo não se sabe de onde. Não se sabe de onde: não como se este rosto fosse uma imagem que remetesse a uma fonte desconhecida, a um original inacessível,
179
resíduo e testemunho de uma dissimulação [...] (LEVINAS, 2008a, p. 15).
O eu, livre e autônomo, é confrontado pela epifania do Rosto do Outro e
intimado à responsabilidade, a “não-deixar-o-outro-homem-só”, e a responder “eis-
me-aqui”, à súplica do Outro (LEVINAS, 2010, p. 158). Portanto, a educação como
encontro com o Rosto do Outro também é ensinamento ético, de responsabilidade
infinita e irrecusável, aberto à transcendência infinita, não mais aprisionado ao
“Mesmo”, à totalidade, ao doutrinamento e à domesticação.
Nessa perspectiva, a responsabilidade é resultado do face a face com o Outro,
logo, a presença do Rosto é revelação da humanidade do homem: “a epifania do rosto
como rosto abre a humanidade” (LEVINAS, 200, p. 190); “o rosto apresenta a
significação do humano, que é ser para o outro” (SOUZA, 2012, p. 89). Assim, a
educação, em Levinas, implica abertura ao Outro/diferente por meio da saída de si
sem retorno e sem objetivar satisfações individuais, é acolhimento do Rosto no
encontro face a face, é humanização do homem.
[...] o Ensino, para Levinas, é um choque, um traumatismo, uma afecção no mais profundo da subjetividade. É uma atração abismal que puxa o Eu para além do que se faz saber-se como Eu, para além de sua atividade de identidicação na propriedade do próximo. O Ensinamento abre um mundo que se faz bondade, para além das lutas e posses encarniçadas dos indivíduos, é um acolhimento da Alteridade de Outrem que é maior e me precede (ALVES; GHIGGI, 2012, p. 586).
Isso posto, com base na teoria de Levinas, para que o eu seja convocado à
responsabilidade e o Outro seja respeitado em sua alteridade, faz-se necessário o
encontro face a face, a presença do Rosto. “Não olhei no rosto, não encontrei seu
rosto. A tentação da negação total, medindo o infinito desta tentativa e sua
impossibilidade, é a presença do rosto. Estar em relação com outrem face a face”
(LEVINAS, 2010, p. 30-31). Desse modo, pretende-se neste tópico responder ao
seguinte questionamento: quais seriam as possíveis implicações da não-
presencialidade para a constituição da alteridade como fundamento da ética na
formação superior a distância, configurado como um mundo sem Rosto?
Baseado na teoria de Levinas, pode-se afirmar que as principais implicações
da não-presencialidade para a constituição da alteridade como fundamento ético nos
processos de formação superior a distância estão associadas às relações
intersubjetivas, principalmente, entre professor e aluno. Sabe-se que esta relação na
180
EaD acontece de modo “distante”, usualmente, professor e aluno estão separados
física e geograficamente, e também nem sempre estão conectados sincronicamente,
ou seja, o espaço e o tempo na EaD são distintos dos processos de formação
presenciais.
Assinala-se que para Levinas uma situação de ensino e aprendizagem
pressupõe a relação face a face, entre o eu e o Outro, transcendência e infinito, sem
assimilação ao “Idêntico” ou renúncia à alteridade. É na transcendência que o gesto
ético se estabelece e estimula a saída do eu de si, sem retorno. E “o infinito surge na
exterioridade do outro e provoca uma ideia que não pode ser retida. O Eu deixa de
ser um sujeito fechado no Mesmo e passa a perceber o outro” (GOMES, 2008, p. 54).
Na relação professor e aluno, o Outro é aquele que ao mesmo tempo sensibiliza,
desequilibra e questiona o eu. Para Alves e Ghiggi (2012, p. 588), “nenhum sistema
teórico-conceitual ou regime sócio-político podem abarcar e neutralizar, de modo
fechado, esta relação”. No entanto, pode-se afirmar que os processos de formação
superior a distância, com a estrutura e a organização em vigência, com situações de
não-presencialidade, estão abarcando e neutralizando esta relação e ao Outro abdicar
de sua alteridade.
Como já mencionado anteriormente, a responsabilidade irrecusável pelo Outro
em Levinas (2008a, 2010) pressupõe a relação face a face, a epifania do Rosto, que
habitualmente não ocorre no contexto da formação superior a distância. Na pesquisa
de Cardoso e Isse (2010), alguns professores demonstraram a necessidade do
“corpo” do Outro, ou seja, da presença física do Outro. Ações como olhar, tocar e ouvir
o Outro foram apontadas como mecanismos de comunicação e formação
imprescindíveis ao processo de ensino e aprendizagem e, indubitavelmente, a
formação humana. Destaca-se a seguinte fala de um professor: “Ainda que a presença
virtual do aluno seja uma presença real, o corpo do outro faz falta” (CARDOSO; ISSE,
2010, p. 9).
Por outro lado, ressalta-se que “para que o contato entre o Eu e o outro, face a
face, ocorra, não basta, entretanto, apenas a consciência da presença do outro – esta
ainda é domínio do Eu -, é preciso que haja desejo” (GOMES, 2008, p. 54). A presença
do Outro é importante, mas o desejo metafísico que é o responsável por mobilizar a
saída do eu-Mesmo em direção ao Outro, face a face.
181
O Desejo metafísico que impulsionará o Eu a se relacionar com o outro e realizar sua alteridade, na medida em que ele se revela como abertura ao desconhecido, ao novo, ao diferente, ao mistério (GOMES, 2008, p. 55).
Para Lévinas (2010, p. 29), “o Desejo Metafísico seria a essência da teoria”,
admitindo a anterioridade da alteridade do Outro. Em uma situação de ensino e
aprendizagem, o desejo metafísico também seria a essência, “uma vez que o
ensinamento não parte do eu, mas vem do Outro” (ALVES, GHIGGI, 2012, p. 584),
como abertura e transcendência na formação humana. É preciso ter um cuidado maior
com a EaD para que o processo de ensino e aprendizagem não se configure somente
em sentido informativo e instrucional, mas que assuma sua função essencial de
formação humana e ética.
Conclui-se que quando as questões do ser humano são discutidas a partir das
relações intersubjetivas, a dimensão da alteridade se torna central e fundamental.
Para Levinas, a relação entre o eu e o Outro não se estabelece na filosofia do
“Mesmo/Idêntico”, mas acontece na relação face a face, na qual o Outro se revela
como Rosto, alteridade absoluta, infinito e transcendência. O eu sai de si sem retorno
e atende ao chamado do Outro por meio do desejo metafísico, e assume
responsabilidade irrecusável pelo Outro. Dessa forma, conclui-se que, de acordo com
a teoria de Levinas, a não-presencialidade na formação superior a distância pode
prejudicar a constituição da alteridade como fundamento da ética, principalmente no
sentido das relações intersubjetivas. Na sequência, o próximo tópico tem como intuito
responder a seguinte indagação: como é possível pensar a relação eu-Outro (relação
professor e aluno) nos processos de formação a distância, em que a não-
presencialidade é evidente, de modo a promover práticas educativas a favor da ética
da alteridade?
6.3 Um novo caminho para a Educação Superior a distância à luz da ética
da alteridade de Levinas
A evolução das TDIC e a promoção de sua utilização desmedida e, algumas
vezes, equivocada, tem repercutido de diversas maneiras nas transformações das
relações sociais. A cada nova descoberta e inovação surgem múltiplas formas de
convivência e interação entre as pessoas, especialmente no contexto educacional.
182
Assim sendo, os espaços de formação, sobretudo na Educação Superior a distância,
se constituem como territórios de relações sociais com variadas possibilidades, de
presença e não-presença, mas também de fragilidades e desafios que afetam o
processo de ensino e aprendizagem entre professores e alunos, e a formação
humana.
Há, sem dúvida, muito espaço para uso das TDIC no âmbito educacional como
instrumento modernizador de atividades. No entanto, essa “modernização” dos
instrumentos não implica grandes mudanças, mas, em grande apenas a substituição
de recursos cujo sentido, na verdade, não se altera. Esta substituição de um recurso
convencional para um instrumento modernizador modifica somente o objeto em si,
deixando as práticas inalteradas.
É como se as tecnologias digitais substituíssem os livros didáticos. Ou seja, a escola incorpora outros recursos, mas os processos de ensino e aprendizagem continuam os mesmos, pautados na repetição, na prática da memorização, o que impede que o aluno reflita, faça intervenções. Neste contexto, é possível afirmar que modernizamos o recurso, mas não nos desprendemos das práticas pedagógicas convencionais. [...] Isto implica dizer que em muitas situações o uso das tecnologias digitais pode servir apenas para fazer o que já vinha se fazendo anteriormente à presença (FRIZON; RICHIT, 2017, p.485-486).
Como já discutido no tópico 6.1, no caso da EaD, é possível constatar, em
algumas situações, a transferência das práticas da educação presencial para a EaD,
sem muitas alterações, o que pode fragilizar os processos de formação a distância,
tanto na estrutura e organização dos programas, quanto na relação professor/aluno
que acontece, majoritariamente, por meio de situações de não-presencialidade.
A não-presencialidade, conforme viemos assinalando, é um aspecto que
merece atenção e cuidado para que a Educação Superior a distância seja estrutrada
levando em conta a ética da alteridade como dimensão essencial ao processo
formativo. Entre os diversos aspectos e elementos que precisam ser repensados na
EaD já mencionados anteriormente, destaca-se, especialmente, o diálogo que, com
base na teoria da alteridade, é posterior a primeira linguagem, expressão do Rosto, e
não pode efetivamente acontecer na situação da não-presencialidade nos processos
de formação a distância. Assim, retoma-se algumas questões postas anteriormente,
na tentativa de encontrar respostas, ainda que provisórias. São elas: levando em
conta que é inegável a não-presencialidade na EaD, como o diálogo poderia se
183
estabelecer entre professor e aluno na formação superior a distância, tendo em vista
que a linguagem é, primeiramente, expressão do Rosto na relação face a face? Nos
cursos a distância, denominados semipresenciais, nos quais os encontros presenciais
acontecem periodicamente, como seria possível, baseado na teoria de Levinas,
estabelecer relações de diálogo entre professores e alunos?
Tendo em vista que em Levinas a linguagem, como expressão do Rosto, é
anterior ao diálogo, defende-se aqui o ponto de vista de que uma das possibilidades
de estabelecer nos processos de formação a distância é por meio de uma relação
originária corpórea anterior a não-presencialidade, ou, como sugere Schlemmer
(2010), a presencialidade virtual. Isto implica dizer que os processos de formação a
distância, inicialmente, necessitam oportunizar uma afecção primeira física, em que
os sujeitos se relacionem presencialmente para que aconteça uma posterior relação
intersubjetiva não-presencial. Assim, a linguagem, expressão do Rosto e,
consequentemente, manifestação da alteridade, deve se estabelecer
presencialmente, principalmente, no início do processo de formação a distância,
propiciando um conjunto de experiências intersubjetivas e subjetivas antecedentes,
para que possam ocorrer subsequentes diálogos a distância entre eu/Outro, entre
professores e alunos com Rosto.
Já nos cursos a distância, denominados semipresenciais, em que os encontros
presenciais acontecem periodicamente, a alteridade na revelação do Rosto, acontece
de forma contínua, durante todo o processo de formação. Dessa forma, o diálogo pode
ocorrer virtualmente levando em consideração a efetivação da relação originária
corpórea anterior.
Portanto, conclui-se que a relação originária corpórea é uma possibilidade na
formação superior a distância, considerado como um mundo sem Rosto, de modo a
propiciar alguma rostidade, mesmo que seja ela apenas inicial. Logo, esta é uma
forma de aproximar a EaD de uma perspectiva ética da alteridade. No entanto,
concebe-se que a educação enquanto especificidade humana possui inúmeras
variáveis, logo, a formação na Educação Superior a distância também apresenta
diversas dimensões que são condicionadas pelos sujeitos envolvidos e de suas
concepções, por isso, fala-se em possibilidades de mudanças na EaD, como
propostas que podem ou não acontecer.
Ressalta-se, também, que um processo formativo constituído a partir de
exigências de controle de resultados, sejam elas com fins econômicos, funcionais ou
184
pedagógicos, como, por exemplo, a padronização dos cursos e a lucratividade na
EaD, entre outros fatores, é uma ação educativa precária, que desrespeita e
desconsidera a alteridade e, logo, requer mudanças. Para tanto, a luz da teoria
levinasiana, propõe-se uma possibilidade factível de mudança a presença inicial que
oportuniza uma ressignificação da relação eu-Outro (relação professor e aluno) nos
processos de formação a distância, de modo a promover práticas educativas que,
além da inovação tecnológica, preservem a ética da alteridade.
185
7 CONCLUSÕES PROVISÓRIAS: INÍCIO DE UM CAMINHO
Desde o início desta tese pode-se perceber, em certa medida, críticas à
sociedade contemporânea, especialmente, à estrutura, organização e
funcionamentos dos cursos de formação superior a distância, que vem desfocando o
Rosto humano da educação. Nesse contexto, esta tese propôs estudar os temas da
formação, EaD, não-presencialidade e alteridade de modo correlacionado,
reconhecendo a complexidade dos mesmos.
Em virtude da globalização e do sistema econômico capitalista, considera-se
que a sociedade se configura como um modelo racional, em que o ser humano está
fechado em-si-mesmo e as relações sociais estão repletas de ações de frieza,
competitividade, indiferença e intolerância. Os processos educacionais de formação
de modo geral, dos quais a EaD também faz parte, tendem a privilegiar como ideal
formativo a adaptação aos interesses econômicos, cujas principais estratégias
operacionais são a otimização da produtividade, redução dos custos e aumento dos
lucros.
Frente à sociedade que está posta, torna-se evidente que o avanço tecnológico
e científico, especialmente as TDIC, vêm influenciando crescentemente as diversas
dimensões da vida, em particular, na evolução da educação. Logo, os processos de
formação a distância vêm cada vez mais se difundindo em âmbito mundial e também
possibilitando o acesso à educação nos diversos contextos regionais no Brasil.
No entanto, atenta-se para o fato de que alguns cursos à distância realizam um
papel de simulacro de formação, de rápido e fácil acesso a certificação,
menosprezando aspectos fundamentais da formação humana, como o respeito à
alteridade. Dessa forma, justifica-se nesta tese a utilização da teoria da ética da
alteridade, do filósofo Emmanuel Levinas, e o estudo de seus principais conceitos
‘alteridade’, ‘Rosto’ e relação ‘face a face’, com o intuito de analisar a formação
superior nos cursos de EaD e as possíveis implicações da não-presencialidade na
constituição da alteridade como fundamento ético.
Após análise realizada, evidenciou-se que os processos de formação superior
a distância apresentam diversos impasses que direcionam para a caracterização de
um mundo sem Rosto, dentre eles, destacam-se: enaltecimento das competências
para o mercado de trabalho; primazia da racionalidade técnica e instrumental;
padronização dos cursos; isolamento dos indivíduos; linguagem como monólogo;
186
mediação automática e mecânica das atividades; processo de ensino e aprendizagem
com sentido informativo e instrucional; número elevado de alunos; relação
professor/aluno como sujeito/objeto; transposição das práticas pedagógicas do ensino
presencial ao virtual, entre outros.
Também foi possível verificar que a não-presencialidade, conceituada nesta
tese como situação do não encontro, da impossibilidade do encontro físico com o
Rosto do Outro, traz implicações para a constituição da alteridade como fundamento
ético nos processos de formação superior a distância, associadas às relações
intersubjetivas, principalmente, entre professor e aluno.
Por fim, considera-se, entre os diversos aspectos e elementos educacionais
que precisam ser repensados na EaD, se evidencia, especialmente, o diálogo, que
com base na teoria da alteridade, é posterior a primeira linguagem, expressão do
Rosto, e não pode efetivamente acontecer na situação da não-presencialidade nos
processos de formação a distância. Dessa forma, esta tese acredita que uma das
possibilidades de o estabelecer nos processos de formação a distância é por meio de
uma relação originária corpórea anterior a não-presencialidade, de modo a propiciar
alguma rostidade, mesmo que seja ela apenas inicial. Logo, esta é uma forma inicial
de oportunizar uma ressignificação da relação eu-Outro (relação professor e aluno)
nos processos de formação a distância, de modo a promover práticas educativas a
caminho da ética da alteridade.
Ao realizar um balanço geral da pesquisa desenvolvida, considera-se que os
objetivos foram alcançados na medida das condições concretas de realização. No
entanto, entende-se que, devido à complexidade e amplitude dos temas, esta tese
pode ter deixado lacunas, as quais, entretanto, podem ser exploradas por pesquisas
futuras. Diante do exposto, ressalta-se que ainda há um caminho aberto a ser
percorrido. Com esta tese, iniciou-se a discussão e correlação entre a teoria de
Levinas e os processos de formação a distância. Tem-se a consciência de que muitos
aspectos levantados nesta pesquisa ainda precisam de maior aprofundamento
teórico, pois ainda há diversos questionamentos sobre a alteridade no campo da EaD,
especialmente relacionados à questão corpórea e a não-presencialidade. O desafio
está posto, em um contexto repleto de complexidades e mudanças que ainda estão
por vir.
187
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