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Cleanto Rogério Rego Fernandes
EFEITO DO ALERTA E VALÊNCIA EMOCIONAL SOBRE
OS COMPONENTES DE LEMBRANÇA E FAMILIARIDADE
DA MEMÓRIA EPISÓDICA
Natal, 2014
Cleanto Rogério Rego Fernandes
EFEITO DO ALERTA E VALÊNCIA EMOCIONAL NOS
COMPONENTES DE LEMBRANÇA E FAMILIARIDADE DA
MEMÓRIA EPISÓDICA
Dissertação apresentada à Universidade Federal
do Rio Grande do Norte como requisito para
obtenção do título de Mestre em Psicobiologia
Orientador: Prof. John Fontenele Araujo
Natal, 2014
TÍTULO DA DISSERTAÇÃO:
Efeito do alerta e valência emocional nos componentes de lembrança e
familiaridade da memória episódica.
AUTOR:
Cleanto Rogério Rego Fernandes
LOCAL E DATA DE APRESENTAÇÃO:
Natal, 30 de julho de 2014.
Comissão avaliadora:
_______________________________
Prof. Dr. John Fontenele Araujo (Orientador)
Depto. de Fisiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_______________________________
Prof. Dr. Mario Andre Leocadio Miguel (Examinador Interno)
Depto. de Fisiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_______________________________
Prof. Dr. Flávio Freitas Barbosa (Examinador Externo)
Depto. de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba
5
Agradecimentos
O psicólogo canadense Endel Tulving considera que a memória episódica
nos permite fazer uma “viagem mental no tempo”. Ao término de qualquer
empreendimento, sentimos a necessidade de fazer essa viagem. Pois eu, agora,
faço um breve relato do que vi e senti ao revisitar o passado.
De volta acelerada ao passado, na fração de um segundo, chego aos
primeiros anos de década de 1990, numa cidade pequena sobre uma serra, Martins-
RN. Naquela época e naquele lugar, vejo minha família. Meu irmão sempre por
perto, seja em casa, na rua ou na escola. De fato, ele sempre foi um bom parceiro,
desde os tempo difíceis de vida intrauterina, onde dividimos um espaço feito para
um. Lá vejo nossa Mãe mais jovem, porém não muito diferente. Desde aquela
época, tinha como prioridade a educação dos filhos. Encontro também nosso Pai, o
que provoca em mim uma emoção muito forte, ao lembrar de quando ainda estava
entre nós. Me surpreende como ele educava pelo exemplo, sem nunca ter lido sobre
a eficácia desta estratégia. Na passagem pela serra, encontro com meus
professores. Quanto trabalho eu dei a eles! E eles me retribuíam com paciência,
generosidade, e esforço pela minha educação.
Fazendo uso de artifícios que só uma viagem mental proporciona, dou um
salto enorme no espaço-tempo e venho até Natal, no final da década de 2000,
quando era estudante de Ciências Biológicas. Vejo, novamente, a possibilidade de
estudar a cognição e o comportamento por meio de um ponto de vista biológico.
Esse interesse me levou a cursar as disciplinas complementares ligadas ao
Programa de Psicobiologia. Em uma destas disciplinas, conheci a Professora
Fabíola Albuquerque, com quem realizei minha iniciação na pesquisa científica e no
estudo da memória. Minha viagem mental permite reviver momentos agradáveis de
quando nós e outros colegas fazíamos parte do Laboratório de Estudos da Memória.
Adiante na linha do tempo, termino o bacharelado em Ciências Biológicas e
cresce meu interesse sobre as bases biológicas do comportamento e, em especial,
pela memória. Assim, me apresento para fazer o mestrado em Psicobiologia no
6
Laboratório de Neurobiologia e Ritmicidade Biológica, coordenado pelo Prof. John
Fontenele Araujo. Aceito pelo programa e pelo laboratório, passo a frequentar as
disciplinas e o laboratório. No laboratório as pessoas são muito interessadas e
ativas. Os estudantes são de diversas formações, estudam vários fenômenos em
humanos, saguis e roedores. Os sotaques são de todos os tipos. Em minha viagem
mental no tempo consigo, em silêncio e sem citar seus nomes, abraçar cada um
dos meus colegas. John mantem no laboratório um acervo rico e diversificado de
livros que estão disponíveis para os alunos, fazendo do laboratório uma fonte
valiosa de conhecimento, sendo que sua pessoa também é fonte valiosa de
conhecimento. Igualmente rica e diversificada é a formação dos alunos no
laboratório. Pude agora viajar rapidamente da programação em MATLAB até a
filosofia da ciência, passando neurobiologia das doenças mentais. Nos intervalos e
horas “vagas”, durante o almoço, aprendo sobre política, filosofia e sociologia geral,
educação e muito mais.
Nesta revisitação ao laboratório durante os últimos três anos, vejo mais uma
vez e definitivamente reconheço o privilégio de quem desse grupo faz parte. Vejo e
reconheço que a relação foi assimétrica, muito mais meu orientador e meus colegas
me ofereceram do que eu lhes ofereci. Muito mais me preocupei com minha
formação do que com a produção que é esperada de um estudante de mestrado.
Estou em dívida com todos. No meu caso, mais do que em outros, é importante
afirmar: é minha a responsabilidade pelos erros. De minha parte, asseguro que o
mestrado foi uma época muito importante para mim, e de muita alegria. Talvez isso
explique ser o primeiro a entrar e o último a sair.
Após minha viagem mental no tempo, não há dúvida de que tive
contribuições importantes além das que encontrei entre meus familiares, orientador
e colegas. Durante o mestrado recebi bolsa financiada pela população brasileira,
através de impostos pagos ao governo federal e repassados ao Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A minha pesquisa contou
com a participação de vários voluntários que, de forma anônima e sem qualquer
remuneração, deram sua contribuição ao estudo.
7
A todas essas pessoas que encontrei nessa visita ao passado, expresso
meus sinceros e afetuosos agradecimentos, bem como desculpas pelas minhas
falhas. Estou à disposição de vocês no que puder ajudar.
Abraços,
Cleanto
Sumário Agradecimentos ................................................................................................... 5
Lista de figuras .................................................................................................... 9
Lista de gráficos ................................................................................................. 10
Resumo ............................................................................................................. 11
Abstract.............................................................................................................. 12
Apresentação ........................................................................................................ 13
Cap. 1 - Memória ................................................................................................ 14
O que é e para que serve? ................................................................................ 14
Classificação da memória .................................................................................. 15
Modelo de duplo processo da memória episódica ............................................. 21
Cap. 2 - Relação entre memória e emoção ........................................................ 27
Efeito da emoção sobre a memória episódica ................................................... 29
Neurobiologia da modulação emocional da memória ........................................ 32
Aspectos da memória episódica modulados pela emoção ................................ 39
Efeitos diferencias do alerta e valência emocional ............................................ 42
Relevância da pesquisa sobre emoção e memória ........................................... 46
Perspectivas teóricas e metodológicas na investigação do efeito da emoção sobre a memória episódica ................................................................................ 47
Cap. 3 - Experimento .......................................................................................... 50
EFEITO DO ALERTA E VALÊNCIA EMOCIONAL NOS COMPONENTES DE LEMBRANÇA E FAMILIARIDADE DA MEMÓRIA EPISÓDICA ........................ 50
Introdução .......................................................................................................... 50
Método ............................................................................................................... 55
Análises ............................................................................................................. 60
Resultados ......................................................................................................... 63
Discussão .......................................................................................................... 67
Referências bibliográficas ..................................................................................... 73
9
Lista de figuras
Fig. 1 – Modelo de memória proposto por Squire e Zola-Morgan ......................... 17
Fig. 2 - Modelo de memória de Henke .................................................................. 20
Fig. 3 - Exemplo de uma curva ROC típica ........................................................... 25
Fig. 4 - Formas de classificação da memória e emoção ....................................... 29
Fig. 5 - Curva de Yerkes-Dodson .......................................................................... 31
Fig. 6 - Circuitos da modulação emocional da memória ........................................ 38
Fig. 7 - Procedimento de treino ............................................................................. 58
Fig. 8 - Procedimento de teste .............................................................................. 60
Fig. 9 - Graus de confiança obtidos a partir da classificação dos participantes. ... 61
Fig. 10 - Elaboração de curva ROC ...................................................................... 62
10
Lista de gráficos
Gráfico 1 – Memória para estímulos de alto e baixo alerta em indivíduos com e
sem lesão na amígdala. ........................................................................................ 33
Gráfico 2- Alerta e valência das figuras do IAPS ................................................... 56
Gráfico 3 - Alertas e valência das figuras utilizadas no experimento .................... 56
Gráfico 6 - Índice de acurácia de acordo com o tipo de lista ................................. 65
Gráfico 7 - Índice de viés de resposta de acordo com o tipo de lista .................... 66
Gráfico 8 - Curvas ROC médias conforme o tipo de lista ...................................... 66
Gráfico 9 - Índice de lembrança conforme o tipo de lista ...................................... 67
Gráfico 10 - Índice de familiaridade conforme o tipo de lista ................................. 67
Gráfico 11 - Resultados encontrados no presente trabalho e no realizado por
Ochsner (2000). .................................................................................................... 70
11
Resumo
O sistema de memória episódica nos permite recuperar informações sobre eventos,
incluindo os seus aspectos contextuais. Tem sido sugerido que a memória episódica
é composta por dois componentes independentes: lembrança e familiaridade. A
lembrança está relacionada com a recuperação vívida e detalhada dos itens e sua
informação contextual, enquanto a familiaridade é a capacidade de reconhecer os
itens previamente vistos como familiares. Apesar do fato de que a emoção é um dos
processos mais influentes na memória, poucos estudos têm investigado o seu efeito
sobre a lembrança a familiaridade. Outra limitação dos estudos sobre o efeito da
emoção na memória é que a maioria deles não considerou adequadamente os
efeitos diferenciais do alerta e valência positiva / negativa. O principal objetivo do
presente trabalho é investigar o efeito independente do alerta e valência emocional
na lembrança e familiaridade, bem como testar algumas hipóteses que têm sido
sugeridas sobre o efeito da emoção na memória episódica. Os participantes da
pesquisa realizaram uma tarefa de reconhecimento de três listas de fotos
emocionais: negativa de alto alerta, positiva de alto alerta e positiva de baixo alerta.
Na sessão de teste, os participantes também avaliaram o nível de confiança de suas
respostas. As avaliações de confiança foram utilizados para traçar curvas ROC e
estimar as contribuições da lembrança e familiaridade no desempenho do
reconhecimento. Como principais resultados, verificou-se que a valência negativa
aumentou o componente de lembrança, sem qualquer efeito sobre a familiaridade
ou acurácia do reconhecimento. O alerta não afetou o desempenho de
reconhecimento ou de seus componentes, mas o maior alerta foi associado com
uma maior proporção de falsas memórias. Este trabalho destaca a importância de
considerar as dimensões emocionais e componentes de memória episódica no
estudo do efeito da emoção sobre a memória episódica, uma vez que eles
interagem de forma complexa e independente.
Palavras-chave: teoria do duplo processo; reconhecimento; falsas memórias.
12
Abstract
The episodic memory system allows us to retrieve information about events,
including its contextual aspects. It has been suggested that episodic memory is
composed by two independent components: recollection and familiarity. Recollection
is related to the vivid e detailed retrieval of item and contextual information, while
familiarity is the capability to recognize items previously seen as familiars. Despite
the fact that emotion is one of the most influent process on memory, only a few
studies have investigated its effect on recollection and familiarity. Another limitation
of studies about the effect of emotion on memory is that the majority of them have
not adequately considered the differential effects of arousal and positive/negative
valence. The main purpose of the current work is to investigate the independent
effect of emotional valence and arousal on recollection and familiarity, as well as to
test some hypothesis that have been suggested about the effect of emotion on
episodic memory. The participants of the research performed a recognition task for
three lists of emotional pictures: high arousal negative, high arousal positive and low
arousal positive. At the test session, participants also rated the confidence level of
their responses. The confidence ratings were used to plot ROC curves and estimate
the contributions of recollection and familiarity of recognition performance. As the
main results, we found that negative valence enhanced the component of
recollection without any effect on familiarity or recognition accuracy. Arousal did not
affect recognition performance or their components, but high arousal was associated
with a higher proportion of false memories. This work highlight the importance of to
consider both the emotional dimensions and episodic memory components in the
study of emotion effect on episodic memory, since they interact in complex and
independent way.
Key words: dual-process theory; recognition; false memories.
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Apresentação
Esta dissertação é constituída por três capítulos. No primeiro deles, eu
apresento o conceito de memória e alguns paradigmas utilizados na sua
classificação, fazendo uma comparação das qualidades e limitações dessas
classificações. No segundo capítulo é discutida a interação entre emoção e memória
episódica, bem como os principais desafios na pesquisa sobre o assunto. Por fim,
no terceiro capítulo, como contribuição empírica ao estudo do efeito da emoção na
memória episódica, é relatado um estudo que teve como objetivo principal investigar
como as dimensões de alerta e valência emocional influenciam os componentes de
lembrança e familiaridade da memória episódica.
14
Cap. 1 - Memória
O que é e para que serve?
Uma das caraterísticas mais notáveis da vida é sua plasticidade, isto é, a
capacidade dos organismos vivos de modificarem sua estrutura e função em
resposta a estímulos ambientais, o que lhes permite melhor responder aos desafios
ecológicos que enfrentam. Nos animais, principalmente entre aqueles que possuem
sistema nervoso (a maioria), a plasticidade ganhou uma nova dimensão. A função
do sistema nervoso é regular a homeostase e controlar o comportamento. Essa
função, que ele realiza em colaboração com os sistemas endócrino e imunológico,
consiste em receber informações sobre os meios internos e externo, processar
essas informação e, quando oportuno, dar uma resposta adequada que será
executada por órgãos efetores. No caso da interação com o meio externo, esse
processo ocorre através de ciclos de sensação-ação e a resposta é o
comportamento (Fuster, 2001, 2008).
O tecido nervoso, como todos os tecidos biológicos, possui plasticidade. Na
verdade, o tecido nervoso é notavelmente plástico, podendo alterar sua estrutura
em diversos níveis de dimensão (de receptor de membrana até agrupamentos de
células) e abrangência (em apenas um louco ou por várias áreas). Essas alterações,
é claro, resultam de interações com o meio. Isso significa que o sistema nervoso
pode ser modificado pelo ambiente e, como consequência disso, os ciclos de
sensação (percepção) e ação (comportamento) também podem.
Dessa forma, o sistema nervoso tem a capacidade de armazenar informação
sobre as experiências que o organismo teve e de utilizar essa informação para
melhor controlar os ciclos de sensação-ação. A memória é, então, um conjunto de
sistemas e processos interativos que permite a modificação do processamento de
15
informação e comportamento por meio de alterações estruturais e funcionais no
tecido nervoso. Seu valor adaptativo está no fato de proporcionar uma melhor
resposta dos organismos a desafios ecológicos que estão associados a alguma
forma de padrão, contingência ou probabilidade.
Classificação da memória
Pense na seguinte situação:
Você acorda pela manhã e vai tomar café. Enquanto pensa nas tarefas que
terá que cumprir ao longo de mais um dia de trabalho ou estudo, vai até a primeira
gaveta do armário da cozinha para pegar uma colher, mas, para sua surpresa, não
há nenhum talher lá. Você questiona um familiar onde estão os talheres, afinal, eles
estivaram lá nos últimos anos. O familiar lhe responde que eles agora ocupam a
terceira gaveta. Então você vai até a terceira gaveta e pega uma colher. No dia
seguinte, a mesma rotina. Você, distraído, chega na cozinha para tomar o café e vai
até o armário para pegar uma colher. Abre a primeira gaveta e não vê nada, só
então lembra que elas mudaram de lugar, agora estão na terceira gaveta. Esse
fenômeno lhe deixa curioso. Você já sabia que os talheres estavam em outro lugar,
mas mesmo assim permaneceu no erro. É como se dentro de sua cabeça
existissem duas informações: uma dizendo que os talheres estão na primeira
gaveta; e outra que eles estão na terceira gaveta. Durante o resto da semana você
se dá conta de mais uma coisa: um tipo de informação muda rapidamente, seu
familiar disse que agora os talheres estão na terceira gaveta e pronto, você já sabe;
mas outro tipo leva um tempo para mudar, é esse tipo de informação que lhe
“persegue” e o leva a errar. Você nota, também, que quando está atento na tarefa
de tomar café você vai para a terceira gaveta, mas quando está distraído ou
pesando em outras coisas vai para a primeira gaveta. Por fim, você se pergunta:
“Quantas memórias eu tenho?”.
16
A situação fictícia descrita acima tem algo de real. Cenas semelhantes a essa
já aconteceram inúmeras vezes na vida cotidiana das pessoas comuns. Essa
situação ilustra algo interessante: a memória não é um fenômeno unitário nem
homogêneo. Pelo contrário, representa a interação de vários processos e
mecanismos independentes que, em comum, permitem o armazenamento e
recuperação de informações.
A compreensão da multiplicidade da memória não tem suporte apenas no
conhecimento cotidiano, mas também no conhecimento científico. Inúmeros
estudos envolvendo tarefas comportamentais e avaliação neuropsicológica de
pacientes com determinadas formas de lesão encefálica mostraram que a memória
é formada por vários sistemas independentes (ainda que interativos) e vários
estágios de processamento. Não é o propósito deste texto revisar os estudos que
levaram a essa compreensão. O leitor interessado pode consultar ótimas revisões
em artigos científicos e livros texto (Baddeley, Anderson, & Eysenck, 2011; Colombo
& Bohbot, 2013; Squire & Wixted, 2011; Tulving, 2001; Xavier, 1993). O objetivo
aqui é mais desafiador e relevante, que é revisar e questionar quais são esses
sistemas e processos e quais critérios são utilizados em sua classificação.
Em primeiro lugar, é importante entender que toda classificação é uma
taxonomia baseada em critérios. E, como bem argumentaram Willingham & Goedert
(2001), a memória não é exceção. Como estes pesquisadores revisaram, existem
mais de dez propostas de modelos e teorias para classificação da memória (de 2001
para cá outros foram propostos).
De todos esses modelos, certamente o mais aceito e conhecido é o proposto
por Larry Squire e Stuart Zola-Morgan (Squire & Kandel, 2003; Squire & Zola-
Morgan, 1996; Wixted & Squire, 2011; Zola-Morgan & Squire, 1993). De acordo com
seu modelo, existem dois sistemas de memória, que são a memória declarativa (ou
explícita) e a memória não-declarativa (ou implícita). A memória declarativa é aquela
que nos permite armazenar informação sobre fatos e eventos e recuperá-los de
forma consciente, o que nos permite declarar seu conteúdo. A consolidação para
longo prazo da memória declarativa depende da integridade estrutural e funcional
17
do lobo temporal medial. O sistema de memória não-declarativa, por sua vez, está
relacionado com a formação de hábitos, aprendizagem de procedimentos e outras
formas implícitas de aprendizagem, como condicionamento clássico, priming,
sensibilização e habituação. A memória implícita não é afetada por perturbações no
funcionamento do lobo temporal medial, seus substratos neurais estão nos núcleos
da base e cerebelo. Cada sistema é classificado em subsistemas (Fig. 1).
O modelo de Squire e Zola-Morgan adota três critérios na elaboração da
taxonomia: (1) a dissociação da arquitetura neural envolvida, ou seja, a lesão dos
substratos neurais da memória explícita não prejudica a memória implícita e vice-
versa; (2) o tipo de informação processada; e, principalmente (3) a forma como a
informação é recuperada, se conscientemente ou não. Esse modelo tem várias
vantagens, se mostrou aplicável a humanos e vários outros modelos animais, tem
Fig. 1 – Modelo de memória proposto por Squire e Zola-Morgan
Sistemas de memória propostos por Squire e Zola-Morgan e seus substratos neurais. Casa sistema é constituídos por subsistemas. Fonte: elaborado pelo autor a partir de (Henke, 2010).
18
fundamentação neurobiológica e relevância clínica, uma vez que prediz os prejuízos
cognitivos que uma pessoa terá ao sofre lesão em algumas das estruturas
envolvidas na memória.
Apesar disso, alguns pesquisadores tem criticado seu modelo e apresentado
modelos alternativos. Uma teoria recentemente apresentada para a classificação da
memória de logo prazo foi elaborada por Katharina Henke. Seu modelo traz a
proposta de classificar a memória de acordo com os modos de processamento de
informação (Henke, 2010) , ao invés de adotar como critério principal o envolvimento
da consciência na codificação e aprendizagem (como fizeram Squire e Zola-
Morgan).
Henke (2010) argumenta que (1) o número de séries necessárias para a
aprendizagem, (2) a complexidade cognitiva e (3) a natureza da representação
mental também são fatores relevantes na classificação da memória. Quanto ao
primeiro aspecto, pode-se observar que memória episódica e priming requerem
apenas um sessão de treino, mas para a formação de novos hábitos e o
condicionamento clássico são necessárias várias séries de treino. A complexidade
da informação processada também é um critério importante: enquanto a memória
episódica processa informação multissensorial e com contexto espacial e temporal,
o priming e condicionamento estão relacionados com informação mais simples. Por
fim, existe uma diferença na representação mental da informação: na memória
episódica essa representação é composta (inclui os elementos individuais e o
contexto geral) e flexível (os elementos são codificados independentemente e
podem ser recuperados de várias formas), enquanto na memória de procedimentos
os elementos são inseparáveis.
Em seu artigo, Henke também questiona a teoria de que o hipocampo está
envolvido exclusivamente com formas conscientes de memória (Henke et al., 2003),
apresentando estudos que mostram que a função hipocampal é a aprendizagem
rápida e associativa de informação (informação sobre o que – quando – onde), seja
inconsciente ou consciente, de curto ou longo prazo. Ademais, pode haver formação
de memória para itens e seu contexto espacial-temporal independente do
19
hipocampo, por meio do neocórtex. A diferença, neste caso, é que são necessárias
várias sessões de treino, enquanto no caso da consolidação por meio do hipocampo
apenas uma série de treino é suficiente (depois o hipocampo irá gradativamente
consolidar essa informação no neocórtex).
Henke (2010) fundamenta também sua teoria nos trabalhos feitos por
Howard Eichenbaum e seus colegas sobre a função do hipocampo e outras
estruturas do lobo temporal medial em roedores. E um de seus experimentos
(revisados por Eichenbaum & Fortin, 2003; Eichenbaum, 2000), eles verificaram que
tanto ratos com lesão hipocampal quanto animais controle (sem lesão) são capazes
de aprender a associação entre dois odores, no entanto, apenas os animais do
grupo controle foram capazes de expressar alguma flexibilidade das memórias
formadas (como por exemplo a capacidade de associar dois estímulos na ordem
inversa que foram apresentados durante o treino). Assim, os ratos lesionados
apresentam o que poderia se chamar de uma memória explícita normal, mas de
uma forma rígida e inflexível.
Alguns estudos neuropsicológicos de pacientes com lesão no hipocampo
mostraram que seu maior prejuízo ocorre na memória para associação entre
estímulos que para itens únicos, mas que eles podem aprender essas associações
se lhes for possibilitado muitas sessões de treino (isso foi demonstrado, inclusive,
para o famoso caso do paciente H.M. por O’Kane, Kensinger, & Corkin, 2004).
Esses e outros estudos levaram Henke (2010) a propor um novo modelo para
a memória, no qual o critério principal de classificação é como ocorre o
processamento da informação. O modo de processamento selecionado resulta em
memória com propriedades diferentes e quem podem ser descritas pelos termos
clássicos de episódica, semântica etc. Seu modelo, ilustrado na Fig. 2, propõe a
existência de três modos principais de processamento, aqui vistos como sistemas
de memória:
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1. Codificação rápida de associações flexíveis: permite a
formação de memória episódica (contextual) em apenas uma série de
codificação e depende do hipocampo e neocórtex;
2. Codificação lenta de associações rígidas: permite a formação
de memória de procedimentos e hábitos, condicionamento clássico e
integração de nova informação na memória semântica, em processos
dependentes dos núcleos da base, cerebelo e neocórtex; a memória
semântica pode ser formada de duas formas, diretamente no neocórtex, ou
por meio da memória episódica (seta tracejada na Fig. 2, cujo conteúdo, com
o tempo, passa por um processo de semantização;
3. Codificação rápida de itens únicos: por meio de uma única
exposição pode criar familiaridade e priming, em processoso que dependem
do córtex parahipocampal e neocórtex; essas duas formas de memória são
ativadas pela apresentação de um item igual ou semelhante.
Modelo proposto por Henke (2010) para classificação da memória bom base no modo de processamento da informação. Fonte: elaborado pelo autor a partir de Henke (2010).
Fig. 2 - Modelo de memória de Henke
21
Este modelo tem algumas vantagens. Primeiro, explica melhor os resultados
observados em pacientes e em animais, especialmente quando e lesão é restrita ao
hipocampo (algo raro de acontecer em humanos mas que pode ser realizado em
outros animais). Segundo, na medida em que não adota a consciência como critério
principal de classificação, permite uma maior interação entre os estudos feitos com
humanos e outros animais, sendo portanto um que modelo faz muito sentido
biológico e evolutivo.
Modelo de duplo processo da memória episódica
O termo “memória episódica” foi cunhado por Endel Tulving para um dos
subsistemas da memória declarativa relacionado com a memória para eventos, que
permite a recuperação da informação em seu contexto espacial e temporal (a tríade
“o que - onde - quando”). O outro subsistema é a memória semântica, que seria
uma memória para fatos, não associada a um lugar no espaço ou intervalo no tempo
(Tulving, 1995, 2002). Os conceitos de memória episódica e semântica foram
amplamente aceitos pela psicologia e neurociência e incorporados a vários modelos
de memória (Tulving, 1998), inclusive nos modelos de Henke (2010) e Squire e Zola-
Morgan (1996).
A memória episódica, por permitir a lembrança para eventos, tem um caráter
autobiográfico, sendo, às vezes, também chamada de memória autobiográfica. Para
alguns pesquisadores, a memória autobiográfica é uma parte ou extensão da
memória episódica, pois não permite apenas lembrar algo em algum lugar e época
no passado, mas lembrar como a pessoa estava e se sentia diante de algo em
alguma época e lugar no espaço. Assim, mais que uma memória para o que – onde
– quando, a memória autobiográfica envolveria o self (Gauer & Gomes, 2008;
Piolino, Desgranges, & Eustache, 2009).Apesar da ampla aceitação e robustez do
conceito de memória episódica, algumas questões foram e estão sendo colocadas
a seu respeito, em especial a hipótese de ser constituída por dois componentes.
22
Por introspecção, muitas pessoas podem ter se dado conta de que ao
encontrar uma pessoa conhecida, um antigo colega de escola, por exemplo, podem
lembrar com vividez e detalhes quem ela é e quais eram suas características, além
de onde, quando e como se conheceram. Em outras situações, é possível encontrar
alguém na rua e ter e sensação de que conhece essa pessoa. Às vezes, a sensação
é tão forte que a pessoa tem a convicção de que conhece essa pessoa, mas não
lembra quem ela é, muito menos de onde a conhece. A aflição da dúvida pode
continuar até que, enfim, vem à lembrança. Isso explica alguma coisa sobre a
memória episódica, ou o que se sabe sobre a memória episódica explica por que
isso ocorre?
No estudo científico da memória episódica, um dos procedimentos mais
usados são as tarefas de reconhecimento. Nestas, a pessoa é apresentada a um
conjunto de estímulos e, após um intervalo de tempo variável, os estímulos vistos
são misturados com estímulos novos, sendo todos apresentados ao participante da
pesquisa. Sua tarefa é discriminar quais são os estímulos vistos anteriormente e
quais são os novos. O desempenho das pessoas em testes de reconhecimento
parece se basear em duas “fontes” de informação. Algumas vezes, a pessoa lembra
vividamente que viu o estímulo durante o treino. Outras vezes, a pessoa não lembra
se viu o estímulo, mas tem uma impressão subjetiva de tê-lo visto, pois o estímulo
lhe parece familiar. Então a pessoa se baseia na lembrança vívida e, quando esta
não ocorre, no senso de familiaridade para ter o melhor desempenho possível no
teste (Wixted, 2007).
As primeiras evidências de que o desempenho em um teste de
reconhecimento é baseado na lembrança e familiaridade vieram de dois protocolos
especiais de tarefas de reconhecimento. O primeiro desses protocolos são as
tarefas de reconhecimento do tipo lembrar/saber (orginalmente remember/know).
Neste protocolo, além de responder ser viu ou não o estímulo anteriormente, no
caso de responder que viu o participante deve dar uma informação adicional:
responder se apenas tem um senso de familiaridade com o estímulo (“sabe”) ou se
recuperou vividamente em sua consciência o estímulo (“lembra”) (Migo, Mayes, &
23
Montaldi, 2012). O segundo protocolo é a tarefa de reconhecimento com grau de
confiança, no qual além de responder se viu o não o item durante o treino, o
participante responde o quanto está confiante de que sua resposta está certa,
usando para isso uma escala de 1 a 3. Alternativamente, ele pode dar essas duas
respostas de uma só vez, responde uma escala de 1 a 6, na qual um extremo
significa “certamente novo” e o outro “certamente velho” (Yonelinas, Dobbins,
Szymanski, Dhaliwal, & King, 1996). Em qualquer um dos casos, os resultados são
utilizados para estimar a contribuição da lembrança e da familiaridade para o
desempenho no teste (Rotello, Macmillan, & Reeder, 2004; Stanislaw & Todorov,
1999).
Os dois protocolos trouxeram evidências de que familiaridade e lembrança
são processos independentes que se somam para permitir o reconhecimento da
informação encontrada previamente (uma ampla revisão sobre o assunto foi feita
por Yonelinas, 2002). Essas pesquisas mostraram que os componentes são
influenciados de forma independente por várias manipulações cognitivas,
comportamentais e farmacológicas. Assim, uma determinada variável pode
aumentar a lembrança e não alterar a familiaridade, enquanto outra variável pode
aumenta e lembrança e diminuir a familiaridade. O efeito de algumas dessas
variáveis está sumarizado na Tabela 1.
Tabela 1 - Algumas variáveis que influenciam os componentes de lembrança e
familiaridade, de acordo com revisão feita por Yonelinas (2002).
Variável Lembrança Familiaridade
Nível de processamento + +
Benzodiazepínicos - 0
Atenção dividida no teste - 0
Tempo entre treino e teste - -
Maior fluência do estímulo 0 +
Envelhecimento - 0
Legenda: + (aumenta), (-) diminui e (0) nenhum efeito
24
Além das dissociações evidenciadas por essas variáveis, existem outras
evidências em favor dessa teoria de duplo processo. A familiaridade torna-se mais
rapidamente acessível que a lembrança, sendo que quando o limite de tempo para
respostas em um teste de reconhecimento é muito curto (p. ex. menos de 1
segundo), a resposta é dada com base exclusivamente na familiaridade (Wixted,
2007). Esses dois componentes também apresentam correlatos eletrofisiológicos
distintos, como mostraram estudos de potenciais relacionados a eventos feitos
durante testes de reconhecimento (Düzel, Vargha-Khadem, Heinze, & Mishkin,
2001).
Quando os dados obtidos em um teste de reconhecimento com grau de
confiança são analisados conforme a teoria de detecção do sinal e é produzida uma
curva ROC1, as características obtidas da curva são diferentes para lembrança e
familiaridade. Uma curva ROC típica obtida a partir dos graus de confiança em um
teste de reconhecimento é apresentada na Fig. 3. De acordo com as premissas da
teoria de detecção do sinal, a curvilinearidade e assimetria do traçado evidenciam
que dois componentes são necessários para explicar a desempenho no
reconhecimento (Macmillan & Creelman, 2005). Vários estudos feitos por Yonelinas
e seus colegas demonstraram que a assimetria da curva é uma medida do
componente de lembrança, e o grau curvilinearidade é uma medida da familiaridade.
Dessa forma, uma curva ROC simétrica significa que não houve contribuição do
componente de lembrança para o desempenho no teste de reconhecimento,
enquanto um traçado linear significa que não houve contribuição da familiaridade
(Yonelinas & Parks, 2007; Yonelinas, 2002).
Experimentos sobre a contribuição desses dois componentes para o
reconhecimento foram realizados em pacientes com lesão, e mostraram que
lembrança e familiaridade são dependentes de regiões cerebrais diferentes
1 Uma curva ROC, do inglês receiver operting caracteristics, é uma curva obtida a partir de pontos que são plotados no espaço cartesiano ortogonal onde um eixo representa a taxa de acertos e outros a taxa de alarmes falsos. Cada ponto representa esses dois valores para um determinado grau de confiança. Para saber mais sobre o assunto, consultar Macmillan, N. A., & Creelman, C. D. (2005). Detection theory: a user guide (2nd ed.). Mahwah, New Hersey: LEA.
25
(Eichenbaum, Yonelinas, & Ranganath, 2007; Vann et al., 2009; Yonelinas et al.,
2004). Pacientes com lesão hipocampal apresentam um prejuízo severo na
lembrança, sem alteração na familiaridade. Adicionalmente, os correlatos
eletrofisiológicos da lembrança estão ausentes nesses pacientes, mas os correlatos
da familiaridade estão presentes.
As evidências de que os componentes de lembrança e familiaridade estão
relacionados com áreas diferentes do cérebro levaram a teoria de que esses
componentes sejam algo mais que simples contribuintes para o reconhecimento,
mas componentes do sistema de memória episódica (Yonelinas, Aly, Wang, & Koen,
2010a; Yonelinas, 2001a). Essa teria ganhou força recentemente, depois que
Sauvage e seus colegas desenvolveram um protocolo experimental capaz de testar
Exemplo de curva ROC que pode ser obtida através da plotagem dos índices de acerto e alarme falso para cada um dos graus de confiança. A assimetria do traçado, identificada pelo ponto em que tange o eixo vertical, representa o índice de lembrança. O grau de curvatura do traçado, medido pela distância entre o ápice da curva e a linha de probabilidade do acaso, representa o componente de familiaridade. Fonte: elaborado pelo autor a partir de (Macmillan & Creelman, 2005).
Fig. 3 - Exemplo de uma curva ROC típica
26
o reconhecimento em ratos para diferentes níveis de viés (equivalente aos grau de
confiança em humanos). A curva obtida foi semelhante à observada em humanos,
com as características de assimetria e curvilinearidade. Posteriormente, esses
pesquisadores submeteram ratos com lesão hipocampal e animais controle ao
mesmo protocolo e observaram que a lesão hipocampal prejudica severamente o
componente de lembrança sem afetar a familiaridade (Eichenbaum, Sauvage,
Fortin, & Yonelinas, 2008; Sauvage, Fortin, Owens, Yonelinas, & Eichenbaum,
2008; Sauvage, 2010).
Os trabalhos de Andrew Yonelinas com humanos, e de Magdalena Sauvage
com ratos fazem sentido quando considerados em conjunto com as pesquisas de
Howard Eichenbaum sobre o funcionamento do hipocampo e córtices adjacentes
do lobo temporal medial. Eichenbaum (2000, 2013) propõe uma arquitetura
funcional para o lobo temporal medial na qual a representação inicial dos itens
únicos (o que) ocorre no córtex perrinal e no córtex entorrinal lateral, e a informação
contextual (onde, quando) é representada no córtex parahipocampal e no córtex
entorrinal medial. A função do hipocampo é integrar os itens entre si e ao contexto,
formando uma associação.
Todos esses trabalhos convergem para a teoria de que a memória episódica
é formada por dois componentes:
1. Familiaridade: está relacionada com a memória para itens únicos e
depende espacialmente do córtex parahipocampal e áreas adjacentes;
2. Lembrança: está relacionado com a memória contextual e associativa
e depende especialmente do hipocampo.
Por fim, a classificação da lembrança e familiaridade como componentes da
memória episódica é debatida. Na classificação de Henke (2000), já discutida neste
texto, a lembrança é entendida como sendo a memória episódica, enquanto a
familiaridade é classificada como fazendo parte de outro sistema.
27
Cap. 2 - Relação entre
memória e emoção
Para uma melhor compreensão da memória episódica, além de se buscar
entender quais são seus componentes e como estes interagem, é importante
investigar como a memória se relaciona com outros processos cognitivos, como
atenção, percepção e emoção.
A valência emocional dos estímulos, sejam eles positivos/apetitivos ou
negativos/aversivos e com diferentes níveis de intensidade, sinaliza sua relevância
para a sobrevivência e sucesso reprodutivo dos indivíduos. Para ser mais correto, é
essa relevância que faz com que o estímulo seja identificado pelos organismos como
emocional. De um ponto de vista evolutivo, faz muito sentido que o conteúdo
emocional receba por nosso sistema nervoso um processamento diferencial – e
muitas vezes preferencial – em relação ao conteúdo que não apresenta essa
relevância.
Com efeito, dentre os processos fisiológicos e cognitivos que de alguma
maneira influenciam a codificação, consolidação e recuperação da memória
episódica, um dos mais importantes e, provavelmente, um dos mais estudados é a
emoção (Baddeley et al., 2011; J. L. McGaugh, 2000). Esse programa de pesquisa
vem desafiando uma dicotomia entre emoção e cognição (da qual fazem parte, além
da memória, processos como atenção e percepção). Essa dicotomia, que assume a
forma de uma separação e até mesmo oposição entre “pensamento x emoção” ou
“razão x emoção”, faz parte do conhecimento cotidiano das pessoas e já teve e tem
muito espaço nas discussões entre filósofos. Mesmo no âmbito da psicologia e
neurociências, nas quais essa oposição hoje é reduzida, existem termos usados para
28
separar cognição e emoção. Por exemplo, os processos subjetivos e conscientes que
possuem valência emocional são chamados de processo afetivos, em oposição aos
processos cognitivos, que são emocionalmente neutros. Faz mais sentido, inclusive
quando levamos em conta os substratos neurobiológicos desses processos,
considerar os processos afetivos como sendo também processos cognitivos, ou a
expressão consciente da interação entre cognição e emoção (Pessoa, 2008 faz uma
revisão crítica sobre o assunto).
Como apresentado no capítulo anterior, e sumarizado na Fig. 4, memória e
emoção não são processos homogêneos. Pelo contrário, são o resultado da interação
dinâmica entre diferentes processos, áreas e circuitos neurais muitas vezes
independentes. A emoção pode ser classificada conforme suas dimensões (Lang &
Bradley, 2010; Lang, 1995), tipos básicos (Ekman, Levenson, & Friesen, 1983),
mecanismos de sobrevivência (LeDoux, 2012) e forma de expressão (Damásio, 1996).
De forma semelhante, a memória é formada por distintos sistemas que são
processados em várias etapas (Squire & Kandel, 2003).
A multiplicidade desses processos torna a investigação da relação entre
emoção e memória uma tarefa complexa. A forma como um determinado aspecto da
emoção influencia um aspecto em particular da memória não significa que a relação
seja a mesma quando são considerados outros aspectos. Por exemplo, uma situação
de alerta emocional (estresse agudo) favorece a codificação e consolidação da
informação vivida na ocasião, principalmente dos elementos mais alertantes e centrais
do contexto. Mas numa situação de estresse agudo a recuperação é prejudicada,
principalmente de informação emocionalmente neutra. Então, se um estudante está
ansioso durante a realização de uma prova, ele provavelmente recordará essa
situação desagradável no futuro, devido a um favorecimento da codificação e
consolidação. Mas, durante a prova, ele terá dificuldade em lembrar o conteúdo
previamente estudado – uma forma de bloqueio da recuperação a qual muitos
estudantes reclamam (Schacter, 1999).
Assim, o alerta emocional pode ter efeitos opostos sobre a memória episódica,
dependendo da etapa em que a experiência emocional acontece, o que ilustra a
29
importância de se levar em consideração a limitação das pesquisas que tratam da
relação entre emoção e memória. Esse assunto será melhor explicado ainda neste
capítulo.
Adiante, será revisado: (1) como a emoção modula o processamento da
informação no sistema de memória episódica, (2) os mecanismos neurobiológicos
envolvidos, (3) quais aspectos deste sistema de memória são mais influenciados pela
emoção e (4) o papel das dimensões de alerta e valência emocional nessa modulação.
No fim do capítulo, será discutida a (5) relevância da pesquisa sobre a relação entre
memória e emoção e as (6) perspectivas teóricas e metodológicas para essa linha de
estudo.
Efeito da emoção sobre a memória episódica
Como exposto acima, por muito tempo predominou a noção de que memória e
emoção estão em campos opostos da mente. Com base nessa ideia, os cientistas e
Fonte: elaborado pelo autor.
Fig. 4 - Formas de classificação da memória e emoção
30
pessoas em geral acreditavam que quando esses dois fenômenos interagissem seria
de forma a um prejudicar ao outro. De acordo com essa hipótese, o único efeito
possível da emoção sobre a memória seria de dificultar que a informação fosse
armazenada e recuperada (ver revisão de Kensinger, 2008).
Um marco na pesquisa experimental sobre memória e emoção foi o trabalho
realizado por Brown & Kulik (1977), que iniciaram uma linha de investigação sobre a
memória para eventos autobiográficos de elevada intensidade emocional. Em sua
pesquisa, eles investigaram, 14 anos depois, a recordação das pessoas para o
assassinato do presidente americano John Kennedy, o que eles referem ser um
evento de impacto emocional intenso e amplo sobre a população americana. O
principal achado da pesquisa foi que a maioria das pessoas ainda lembrava onde
estavam e como souberam da notícia, a hora (aproximada) do dia e o que estavam
fazendo naquela ocasião. Os participantes da pesquisa também relataram ter uma
lembrança muito vívida da ocasião. Brown e Kulik interpretaram seus resultados como
indicativo de que um evento emocionalmente muito intenso produzia uma forma de
memória muito rica em quantidade de informação, vívida (como se fosse um “replay”
da cena) e que permanecia acessível à lembrança mesmo após muitas décadas,
sendo portanto resistente ao esquecimento ao longo do tempo (transiência) que é
característico da memória declarativa. A esse tipo de memória eles deram o nome de
flashbulb memories2.
Do trabalho pioneiro de Brown & Kulik (1977) até o presente, muita pesquisa
foi feita a respeito do efeito da emoção sobre a memória episódica, em laboratório e
em situações de validade ecológica, inclusive envolvendo situações públicas
emocionalmente impactantes (ex: estudo de Sharot, Martorella, Delgado, & Phelps
(2007) sobre os “atentados terroristas de 11 de setembro”, em 2001 em New York). O
entendimento atual é de que essas situações emocionalmente muito impactantes não
produzem memórias tão fiéis e resistentes à transiência, nem existe um tipo especial
2 O termo “flashbulb memory”, algumas vezes é traduzido para língua portuguesa como “memória vívida” (Baddeley et al., 2011) ou até mesmo “memória em lampejo” (Gauer & Gomes, 2008). Entretanto, é comum o uso do termo na sua forma original em inglês, como descrito por (Brown & Kulik, 1977).
31
de memória para tal (Kensinger, 2009). Entretanto, o pioneirismo de seu trabalho em
demonstrar que eventos emocionais são mais e melhor recordados que os eventos
neutros instigou o interesse dos cientistas para investigar como a emoção poderia
afetar a memória.
E, desde então, o que foi feito nessa linha de pesquisa? Muitos trabalhos, com
humanos (saudáveis e em condições patológicas) e utilizando modelos animais, já
foram realizados. Já existe um considerável corpo de conhecimento sobre os
processos neurais envolvidos na modulação emocional da memória, os eventos
fisiológicos relacionados e os processos cognitivos envolvidos.
De uma maneira geral, o conjunto de pesquisas até agora realizados mostra
um efeito de aumento da emoção sobre a memória, pois, na maioria dos
procedimentos usados em investigação, os estímulos emocionais são mais ou de
alguma forma melhor recuperados que os neutros. Esse efeito de favorecimento da
memória pela emoção muitas vezes
ocorre de forma quantitativa, mas
também existe uma efeito sobre a
qualidade da informação e tipos de
detalhes que são evocados
(Kensinger, 2008c). Em algumas
situações, geralmente relacionadas
com emoção extrema, pode haver um
efeito prejudicial, como nos casos de
amnésia dissociativa (ou
psicogênica), em que a pessoa
passou por um trauma emocional e
não consegue lembrar nada da
ocasião. Outras vezes, também em
decorrência de situações negativas extremas, a pessoa fica recordando a situação
repetida e involuntariamente, numa condição classificada por profissionais de saúde
mental como um transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) (Baddeley, Kopelman,
Representação da curva de Yerkes-Dodson. O aumento da intensidade da emoção ou estresse resulta em melhor desempenho até um ponto ótimo, a partir do qual o desempenho declina. Fonte: elaborado pelo autor a partir de (Diamond et al., 2007)
Fig. 5 - Curva de Yerkes-Dodson
32
& Wilson, 2002). Nesses dois casos – amnésia dissociativa e TEPT – ocorre algo
comum à relação entre emoção e processos cognitivos de uma forma geral: a emoção
favorece o processamento até certo nível de intensidade, alcançando um ponto ótimo
e, a partir de então, há um declínio no desempenho cognitivo. Esta relação, quando
expressa em dois eixos no plano cartesiano, produz um gráfico de “U invertido”,
conhecido como curva de Yerkes-Dodson (Fig. 5; para uma discussão sobre a
chamada lei de Yerkes-Dodson, com ênfase na memória emocional, ver Diamond,
Campbell, Park, Halonen, & Zoladz, 2007).
Duas questões tem sido importantes na compreensão do efeito da emoção
sobre a memória episódica. A primeira é se isso ocorre através da modulação de
processos que influenciam a memória para qualquer tipo de informação (atenção,
nível de processamento, repetição etc) ou se existem processos envolvidos
exclusivamente na memória para estímulos emocionais. A outra questão é: em quais
estágios de processamento – codificação, consolidação ou recuperação - ocorre esse
efeito? Discutir estas questões implica, primeiro, entender os substratos neurais
envolvidos.
Neurobiologia da modulação emocional da memória
Existe um razoável corpo de conhecimento sobre as áreas e circuitos neurais
subjacentes à modulação emocional da memória (Hamann, 2001; Harmann, Lee, &
Adolphs, 1999; Kensinger, 2008h; Labar & Cabeza, 2006; James L McGaugh, 2006).
Boa parte desses trabalhos foi realizada em animais não-humanos (principalmente
roedores) e investigaram mecanismos conservados na evolução que existem em
nossa espécie ou utilizaram modelos experimentais que tentam reproduzir, ao menos
em alguns aspectos, esses processos em humanos. Outra parcela de estudos foi
realizada em pacientes com lesão de diferentes causas e dimensões no encéfalo. Na
últimas décadas, o desenvolvimento de técnicas de neuroimagem funcional – como
ressonância magnética e tomografia por emissão de pósitrons - permitiu o estudo da
modulação emocional da memória em humanos saudáveis.
33
Existe um circuito de estruturas encefálicas responsáveis pela emoção. Um dos
componentes deste circuito é a amígdala, que é uma estrutura essencial na
modulação emocional da memória (Hamann, 2001). Evidências disso vem do relato
de casos de pacientes que sofrem de uma doença autoimune que produz lesão
seletiva bilateral da amígdala sem comprometimento do hipocampo ou quaisquer
outras estruturas temporais mediais - doença de Urbach-Wiethe.
Phelps et al. (1998) relataram o caso de uma mulher com a doença Urbach-
Wiethe (paciente S.P., 54 anos). O estudo, que teve também a participação de um
grupo controle de pessoas saudáveis, envolveu várias tarefas de memória episódica,
no curto e longo prazos, com estímulos emocionais e neutros. A paciente não
apresentou a melhor evocação de estímulos alertantes que é observada em pessoas
saudáveis. Seu desempenho na recordação de estímulos alertantes e neutros foi
semelhante, e equivalente ao desempenho do grupo controle para itens neutros.
Assim, S.P. apresentou memória normal, mas sem o efeito de aumento na recordação
para estímulos alertantes. Entretanto, quando a dimensão de valência foi considerada,
foi observado uma diferença: itens positivos e negativos foram mais lembrados que
os neutros.
Desempenho típico de indivíduos com lesão na amígdala devido a doença de Urbach-Wiethe e indivíduos controle em tarefa de memória episódica para estímulos de alto e baixo alerta. Fonte: elaborado pelo autor a partir de Markowitsch & Staniloiu (2011).
Gráfico 1 – Memória para estímulos de alto e baixo alerta em indivíduos com e sem lesão na amígdala.
34
Phelps e seus colegas também analisaram o desempenho da paciente e do
grupo controle de acordo com o intervalo de tempo entre treino e teste. Considerando
os estímulos de alerta baixo, tanto S.P. como o grupo controle apresentam um declínio
no desempenho após o intervalo de uma hora. No caso do estímulos de alerta alto,
por outro lado, as pessoas saudáveis apresentam uma melhora no desempenho após
o intervalo treino-teste, o que não aconteceu com a paciente. A doença de Urbach-
Wiethe é rara e oferece uma oportunidade única para estudos envolvendo lesão
restrita às amígdalas, pois é muito raro que outras formas de lesão que envolvem a
amígdala (trauma, acidente vascular etc) não danifiquem outras estruturas do lobo
temporal. Além do caso descrito acima, alguns outros foram investigados (p. ex. o
paciente B.P.; Cahill, Babinsky, Markowitsch, & McGaugh,1995). No geral, o que se
observa é que a amígdala intacta é necessária para que os estímulos alertantes sejam
mais recuperados que os com baixo alerta, um efeito que é especialmente observado
com o passar do tempo entre as sessões de treino e teste.
Com o propósito de uma melhor compreensão da função da amígdala na
modulação emocional da memória, vários estudos envolvendo imagem funcional e
tarefas comportamentais de memória episódica foram realizados. Esses estudos,
revisados por Hamann (2001) e por Kensinger (2008b), mostram uma maior atividade
da amígdala durante a codificação de estímulos alertantes (tanto positivos quanto
negativos), em comparação com estímulos neutros. Além disso, existe uma correlação
entre o grau de ativação da amígdala e do hipocampo durante a codificação de um
item emocional e a probabilidade de o mesmo ser posteriormente recuperado durante
a etapa de teste. Entretanto, se o teste for realizado imediatamente após o treino,
nenhuma correlação com a amígdala é observada.
Existe, assim, uma concordância entre os estudos neuropsicológicos e de
neuroimagem de que a amígdala é uma estrutura essencial para o aumento da
memória observado para o conteúdo alterante e, como esse efeito aparece apenas
após um intervalo de tempo decorrido do treino, parece que esse efeito ocorre
principalmente sobre o processo de consolidação da memória. Essa teoria também
tem suporte de estudos com outros animais.
35
Contudo, esses estudos demonstraram que a amígdala não é necessária na
modulação da memória para a informação emocional não-alterante. A maioria dos
trabalhos realizados utilizaram estímulos com alto nível de alerta, não se preocupando
em investigar os mecanismos envolvidos na memória para estímulos positivos e
negativos de baixo alerta. O primeiro trabalho a utilizar neuroimagem para investigar
os mecanismos subjacentes aos efeitos tanto do alerta quanto da valência foi
realizado por Kensinger & Corkin (2004). Os participantes de sua pesquisa realizaram
um sessão de treino para palavras negativas alertantes, negativas não-alertantes e
neutras durante o escaneamento por ressonância magnética funcional e, após 10 min
de intervalo, realizaram um teste de reconhecimento. Os participantes apresentaram
maior acurácia na discriminação de palavras negativas (alertantes ou não) que para
palavras neutras. Entre os achados relevantes da análise da imagem funcional, está
uma maior atividade na amígdala e hipocampo para palavras negativas dos dois níveis
de alerta que para palavras neutras, e uma maior atividade das partes inferior e
dorsolateral do córtex pré-frontal (PFC, de prefrontal cortex) durante a codificação das
palavras negativas não alertantes em comparação com palavras negativas alertantes
e neutras. Quanto maior a ativação da amígdala e hipocampo durante a codificação
de uma palavra negativa, maior foi a acurácia no teste de reconhecimento. Também
foi observada uma correlação positiva entre a atividade no PFC e desempenho no
teste para as palavras negativas não-alertantes.
A partir desses resultados, Kensinger e Corkin propuseram um modelo para a
modulação emocional da memória episódica baseado em dois circuitos distintos: um
circuito amígdala-hipocampo, relacionado com o alerta; e um circuito PFC-hipocampo,
relacionado com a valência. Assim, a amígdala responde ao alerta e o PFC à valência
emocional, e ambos modulam a atividade hipocampal. Seu modelo encontra suporte
nos estudos neuropsicológicos, pois pessoas com lesão restrita à amígdala, e portanto
com integridade funcional do hipocampo e PFC, apresentam uma modulação normal
da memória pela valência emocional (Labar & Phelps, 1998). Mas uma limitação de
seu trabalho foi que não utilizaram estímulos positivos.
36
Evidências adicionais para essa teoria de duas rotas para a memória emocional
vem dos estudos com tarefas comportamentais. O PFC está relacionado a processos
como funções executivas e memória operacional. Como já se sabe, esses processos
são fundamentais para o sucesso da codificação de informação na memória
declarativa (Baddeley, Allen, & Hitch, 2010; Baddeley et al., 2011; Fuster, 2008). A
partir desta relação, pode-se predizer que o PFC modula a memória para informação
com valência emocional através do aumento do processamento dessa informação,
principalmente por meio do aumento da atenção sustentada para estímulos
emocionais, o que favorece a elaboração repetitiva da informação emocional por meio
do sistema de memória operacional. Vários estudos, revisados por Kensinger (2008a,
2008c), dão suporte a essa premissa. Algumas manipulações realizadas durante
tarefas comportamentais que interferem na memória operacional (como a realização
de uma tarefa concorrente durante a sessão de treino) ou que impedem a repetição e
elaboração (p. ex. a realização de uma tarefa concorrente durante as sessões de
treino e teste) reduzem ou eliminam a modulação da memória pela valência. Isso
significa que a valência emocional favorece o processamento e elaboração da
informação emocional, muitas vezes às custas da diminuição de processamento da
informação neutra, especialmente durante a codificação, mas também durante os
demais estágios da memória.
Se por um lado a interferência em processos como atenção sustentada e
memória operacional altera o efeito da valência, pouca ou nenhuma alteração ocorre
com relação ao efeito do alerta, sugerindo que este efeito é mais automático,
independente da elaboração consciente e relacionado com alterações neuroquímicas
e hormonais.
James McGaugh e seus colaboradores vem investigando os mecanismos
neurais e humorais envolvidos na modulação emocional da memória e, em especial,
o papel da amígdala nesse processo (Cahill et al., 1995; Cahill & McGaugh, 1995;
James L McGaugh & Roozendaal, 2002; van Stegeren, Everaerd, Cahill, McGaugh, &
Gooren, 1998) que, considerados em conjunto com trabalhos de outros
pesquisadores, os levaram à proposição de uma teoria para explicar a fisiologia da
37
modulação da memória episódica pelo alerta emocional (McGaugh, 2000; 2006). De
acordo com sua teoria, a exposição a um estímulo alertante causa a ativação da
amígdala, a qual, através de vias diretas e indiretas, modula a função hipocampal. A
via direta é a projeção neural da amígdala diretamente para o hipocampo. A via
indireta envolve a projeção da amígdala para o hipotálamo e o desencadeamento de
uma resposta fisiológica através da ativação do sistema neurovegetativo (no caso a
divisão simpática) e do sistema neuroendócrino (no caso o eixo hipotálamo-hipófise
adrenal), as quais são as respostas fisiológicas naturais do organismos diante de um
estímulo alertante. O hormônios liberados pela glândula adrenal – cortisol e adrenalina
– caem na circulação e se ligam a receptores nos neurônios da amígdala, neocórtex
e hipocampo, alterando o funcionamento dessas regiões. Assim o principal
mecanismo pelo qual o alerta influencia a memória episódica seria através da
modulação direta e indireta do hipocampo pela amígdala.
O envolvimento desses hormônios é suportado por vários estudos. Tanto em
humanos como outros animais, a administração de hormônio corticoesteróide após a
codificação resulta em maior desempenho em tarefas de memória explícita e a
administração de antagonistas adrenérgicos elimina o efeito do alerta sobre a
memória (O’Carroll, Drysdale, Cahill, Shajahan, & Ebmeier, 1999; Schwabe et al.,
2009).
O efeito do alerta de um estímulo também pode favorecer a memória para
estímulos neutros que o antecederam. Anderson, Wais, & Gabrieli (2006) conduziram
um experimento que consistiu na apresentação de várias séries formadas, cada uma
por uma primeira figura neutra seguida de uma segunda figura que podia ser alertante
ou não. O intervalo entre as duas figuras era de 4 ou 9 segundos. Após 7 dias os
participantes realizaram um teste de reconhecimento. Os resultados mostraram que
as figuras neutras que foram seguidas por uma figura alertante no intervalo de 4
segundos foram melhor recuperadas que as demais. Esse estudo trouxe uma
evidência muito forte que o alerta atua principalmente (mas não exclusivamente)
através de processos automáticos que independem do tipo de processamento durante
a codificação.
38
Em síntese, e respondendo as questões apresentadas na seção anterior,
parecem haver mecanismos distintos para o efeito da valência e do alerta sobre a
memória explícita (ver na Fig. 6 um esquema dos mecanismos envolvidos). O efeito
do alerta é automático, depende da amígdala e atua principalmente sobre o estágio
de consolidação do conteúdo. O efeito da valência emocional é mediado
principalmente pelo córtex pré-frontal, que está relacionado com processos que
influenciam sobremaneira a codificação, notadamente atenção e memória
operacional. Dessa forma, a valência atua modificando os mesmos processos
relacionados com a memória para informação neutra, enquanto o alerta desencadeia
mecanismos neurobiológicos especiais.
Principais vias neurais e humorais envolvidas na modulação emocional da memória episódica. A modulação pelo alerta ocorre por meio do circuito amígdala-hipocampo, enquanto a modulação pela valência ocorre por meio do circuito córtex-pré-frontal-hipocampo. Fonte: elaborado pelo autor.
Fig. 6 - Circuitos da modulação emocional da memória
39
Aspectos da memória episódica modulados pela emoção
A memória não é um processo binário de lembrar ou esquecer. A recuperação
da informação pode acontecer de diferentes formas. Além da questão quantitativa (o
quanto da informação foi recuperada) existem aspectos qualitativos (o que
exatamente foi recuperado). Em nossas vidas, às vezes lembramos apenas de parte
da uma experiência, quando, por exemplo, lembramos que deixamos o carro nos
estacionamento mas não onde exatamente ele ficou ou, ainda, quando vemos uma
pessoa na rua que sabemos ter sido colega na escola mas não recordamos seus
nome. Na verdade, é possível que alguns aspectos de uma experiência sejam
recuperados com acurácia enquanto outros sejam distorcidos. Não é raro que uma
pessoa se refira a um evento passado como ocorrendo em um lugar ou épica diferente
de ondem de ocorreu. Este tipo de engano, conhecido como atribuição errada, é
considerado por Daniel Schacter como um dos Sete Pecados da Memória em nossa
vida cotidiana (Schacter, 1999, 2013).
Se a emoção é um dos fatores mais influentes sobre a memória, é muito
oportuno questionar quais de seus aspectos são influenciados. Com efeito, em muitas
situações o efeito da emoção só pode ser observado quando aspectos qualitativos
são levados em consideração. Vários estudos com tarefas de reconhecimentos não
encontraram nenhuma diferença no desempenho para estímulos neutros em
comparação com os emocionais (Ochsner, 2000), mas quando a tarefa é de
recordação livre, na qual não há dicas e o participante tem que lembrar o que viu
anteriormente, existe uma diferença, com o conteúdo emocional sendo mais lembrado
que o neutro.
Desde os estudos sobre memória para evento traumáticos, foi observado que
as pessoas relatam lembranças muito vívidas e ricas em detalhes da ocasião
emocional, o que significaria uma recuperação com muita acurácia. Dessa observação
surgiu uma questão importante: a emoção favorece realmente uma evocação acurada
e detalhada da experiência, ou apenas cria um senso subjetivo de vividez durante a
recuperação, tornando as pessoas mais confiantes de terem uma recordação fiel do
40
que aconteceu? Não há outra forma de responder essa questão senão avaliando a
acurácia e detalhamento das recordações das pessoas para eventos emocionais.
Esse tipo de estudo é difícil de ser feito para eventos traumáticos que ocorrem na vida
das pessoas, pois normalmente não é possível saber realmente o que aconteceu na
ocasião. É necessário a realização de estudos controlados em laboratório.
No caso de a emoção aumentar a confiança das pessoas de terem uma
memória vívida, isso significaria uma maior propensão a falsas memórias, pois as
pessoas tenderiam a superestimar o quão certas estão de que suas recordações de
fato aconteceram. Essa predição já foi confirmada em muitos testes de
reconhecimento, revisados por Kensinger (2009), no qual a taxa de alarmes falsos foi
maior para a informação emocional. Isso significa que as pessoas tem uma tendência
maior de achar que viram um item anteriormente quando ele é emocional do que
quando é neutro.
Também existem evidências de que a emoção aumenta a riqueza de detalhes
com a qual o conteúdo é recuperado. Por exemplo, alguns trabalhos demonstraram
um melhor reconhecimento de estímulos emocionais mesmo quando parte dos
distratores era semelhante aos itens-alvo (Kensinger, Garoff-Eaton, & Schacter, 2006,
2007). Nesses experimentos, um reconhecimento correto exige a recuperação de
detalhes, para que os itens vistos durante o treino possam ser discriminados dos
distratores semelhantes. Esses estudos mostram, portanto, que os participantes foram
capazes de evocar detalhes do conteúdo emocional visto alguns dias antes numa
maior proporção que o recuperado do conteúdo neutro.
Nesse ponto é importante observar que mais detalhes não significa
necessariamente melhor acurácia. Nos trabalhos de Kensinger e seus colegas citados
acima, não houve diferença no teste de reconhecimento entre estímulos neutros e
emocionais. É possível que em algumas situações a emoção não aumente a
probabilidade de um item ser recuperado, mas, uma vez isso acontecendo, a emoção
pode favorecer que seja de forma mais detalhada, alterando um aspecto qualitativo
da recuperação.
41
Mas a emoção aumenta a memória para todos os tipos de detalhes? Os
trabalhos que investigaram essa questão mostram que esse efeito existe para alguns
tipos de detalhes, enquanto para outros, não. Por exemplo, a emoção aumenta a
recuperação da cor da palavra vista no treino (D’Argembeau & Van der Linden, 2004)
e o local que o item foi apresentado na tela do comutador (MacKay & Ahmetzanov,
2005). Mas quando os participantes são questionados sobre uma decisão que
tomaram com relação aos itens durante a sessão de treino (p. ex. decidir se o estímulo
é animado ou inanimado), não há efeito da emoção (Kensinger & Schacter, 2006a).
Além disso, existem evidências experimentais de que as pessoas lembram com
menor acurácia e precisão a duração de estímulos e eventos emocionais em
comparação com os neutros, pois tendem a superestimar o tempo de duração
(Cocenas-Silva, Bueno, & Droit-Volet, 2012). Uma das hipóteses levantadas para
explicar esse fenômeno de pior estimativa retrospectiva de tempo é que os estímulos
emocionais demandam mais processamento cognitivo que os evento neutros, o que
favorece a memória mas leva a percepção de uma maior duração (Droit-Volet & Meck,
2007). De fato, Dirnberger e colegas (2012) demonstraram que a distorção na
percepção e memória para duração de intervalos observada para estímulos
emocionais se correlaciona com um melhor desempenho no reconhecimento desses
estímulos.
No conjunto, esses estudos dão suporte à ideia de que a emoção aumenta a
memória para informação contextual, especialmente no que diz respeito ao contexto
espacial e temporal no qual a informação foi apresentada, mas também o contexto
interno do indivíduo, isto é, o que pensava e sentia durante a codificação.
Considerando os estudos que mostram um papel particular do hipocampo na memória
para informação contextual (Eichenbaum et al., 2007; Rugg et al., 2012), Elizabeth
Kensinger e seus colaboradores propõe que a modulação da função hipocampal pela
amígdala é mecanismo por trás da maior recuperação desses tipos de detalhes para
o conteúdo emocional (Kensinger, 2008a).
Por fim, é importante considerar quais aspectos da memória podem ser
prejudicados pela emoção. Muitos dos aspectos prejudicados ocorrem como efeito
42
colateral de um aspecto de que é beneficiado (Kensinger, 2008e). É o que ocorre com
relação aos elementos neutros e emocionais de uma cena, em que a emoção
direciona a atenção para o elemento emocional (elementos centrais), prejudicando
assim a codificação dos elementos neutros (elementos periféricos). Diante da situação
negativa de sofre um assalto armado, por exemplo, a vítima geralmente lembra com
acurácia e detalhes da arma utilizada, ocorrendo o contrário para outros elementos da
cena, como o veículo utilizado pelo assaltante ou mesmo sua aparência. Este
fenômeno, descrito por Elizabeth Loftus como weapon-focus effect (efeito do foco na
arma) e por ela largamente estudado, tem implicações forenses muito relevantes (ver
revisão recente sobre o assunto em Schacter & Loftus, 2013). Um outro aspecto, que
vem sendo estudado por Ralph Adolphs e seus colegas, é que a emoção favorece a
memória para o “tema geral” do evento em detrimento de detalhes que não são
relevantes para o enredo ou assunto principal (Adolphs, Tranel, & Buchanan, 2005).
Então, por exemplo, a intensidade emocional de um filme aumenta a probabilidade de
os espectadores lembrarem o conteúdo relevante para o enredo, às custas de um pior
desempenho na recuperação das informações menos relevantes.
Ainda que as teorias de Loftus e de Adolphs sejam vistas como efeitos da
emoção, os experimentos nos quais se baseiam utilizaram quase exclusivamente
estímulos negativos alertantes, ignorando a valência positiva. As diferenças entre
emoção positiva e negativa e o alerta sobre a memória episódica são o assunto da
próxima sessão.
Efeitos diferencias do alerta e valência emocional
Tanto no capítulo anterior quanto no início deste, foi explicado que a emoção
não é um fenômeno unitário e homogêneo, e que pode ser entendido e investigado
sob a perspectiva de suas diferentes propriedades (Adolphs, 2003). Uma das formas
de se entender a emoção é em termos de alerta (nível de excitação psicofisiológica)
e valência (o quanto positivo/apetitivo ou negativo/aversivo um estímulo ou evento é).
Essa abordagem bidimensional de alerta e valência para a memória é provavelmente
43
a mais enfatizada nos estudos sobre memória episódica em humanos. Entretanto, os
estudos nessa linha permaneceram por várias décadas com uma limitação que só
recentemente foi considerada: a grande maioria dos estudos utilizam estímulos
negativos alertantes, ignorando os estímulos que são positivos ou com baixo alerta.
Geralmente tais estudos extrapolam seus resultados como “efeitos da emoção”, ao
invés de se limitarem a discutir os efeitos da emoção negativa alertante.
As pesquisas feitas nos últimos anos mostram que essa extrapolação de
resultados é imprudente, pois o alerta e a valência afetam de forma diferente, por
vezes oposta, o processamento da informação emocional pela memória e outros
processos cognitivos (Kensinger, 2008f; Pessoa, 2008). Além disso, os mecanismos
subjacentes aos efeitos da valência e alerta são distintos. O efeito do alerta é
automático e dependente da integridade funcional da amígdala, enquanto o efeito da
valência é baseado na elaboração do conteúdo e está relacionado com funções do
córtex pré-frontal.
Uma vez que existem muitos estudos sobre o efeito do alerta, aqueles que se
propõe a investigar melhor essas dimensões enfatizaram o efeito da valência,
principalmente para estímulos de baixo alerta. Os primeiros estudos mostraram que o
alerta não era necessário para a modulação emocional da memória, pois estímulos
emocionais de baixo alerta também são melhor recuperados que os neutros
(Kensinger & Corkin, 2003a, 2003b; Ochsner, 2000).
Ao passo que começaram a ser esclarecidos os mecanismos neurais pelos
quais alerta e valência influenciam a memória, também avançou o conhecimento
sobre os processos cognitivos relacionados e qual o resultado disso quantidade e
qualidade da informação recuperada (Kensinger, 2011; Mickley Steinmetz &
Kensinger, 2009). O efeito do alerta é mais automático, no sentido que não depende
de esforço consciente, não é influenciado por tarefas concorrentes e mais imediato.
Já o efeito da valência está relacionado com processos conscientes de elaboração,
os quais envolvem: um nível de processamento mais profundo; maior tempo de
observação; elaboração autobiográfica (relacionar o conteúdo com a própria pessoa
e sua história de vida) e elaboração semântica (relacionar com outras informações).
44
Todos esses processos, quando acontecem, aumentam a memória para informação
neutra. Portanto, o efeito da valência ocorre principalmente por meio da elaboração
do conteúdo.
Mas quais o efeitos da valência não-alertante? E se a dimensão de valência é
bipolar, negativa num extremo e positiva em outro, qual o efeito da cada uma na
memória? Os primeiros trabalhos que investigaram essas questões não viram nenhum
efeito significativo da valência, apenas do alerta (p. ex. Bradley, Greenwald, Petry, &
Lang, 1992; Lang, Greenwald, Bradley, & Hamm, 1993). Entretanto, como discutido
acima, em algumas situações o efeito é qualitativo e não quantitativo. Isso parece ser
especialmente válido para o efeito da dimensão de valência emocional na memória
episódica. Destes estudos, alguns verificaram melhor recuperação para informação
negativa (p. ex. Charles, Mather, & Carstensen, 2003), enquanto outros observaram
melhor memória para o conteúdo positivo (p. ex. White, 2002). Kensinger (2008f)
realizou uma revisão sobre estudos que investigaram o efeito da valência e observou
que os estudos que mostram um melhor recuperação da informação positiva são
aqueles relacionados com memória autobiográfica, isto é, fazem referência à história
de vida da pessoa e seu self.
Os principais efeitos da valência são vistos quando olhamos para aspectos
qualitativos. A informação negativa geralmente é lembrada como maior vividez que a
positiva (p. ex. Ochsner, 2000), enquanto a informação positiva tende a ser mais
recuperada por meio de um senso de familiaridade, sem uma lembrança mais vívida
ou informação específica. O mais interessante é que essas diferenças podem ser
vistas mesmo quando o desempenho no teste de reconhecimento é igual entre as
listas positivas e negativas (p. ex. Kensinger et al., 2007).
Um estudo interessante e com boa validade ecológica foi realizado por
Elizabeth Kensinger e Daniel Schacter com torcedores de uma partida de baseball
(nos Estados Unidos, onde o estudo foi realizado, este esporte é muito popular e
envolve muito emocionalmente os torcedores). A partida foi disputada entre dois times
rivais (o que acentua a valência emocional do evento), ao final da qual um venceu o
outro. Então, Kensinger e Schacter (2006b) investigaram a memória dos torcedores
45
para a partida em duas ocasiões, após 6 e 23 dias do jogo. Note-se, aqui, que para
os torcedores do time vitorioso o jogo teve valência positiva, para os torcedores do
time perdedor o evento foi negativo, e para outras pessoas que não torciam para
nenhum dos dois times o evento foi neutro (isso foi confirmado depois por meio de
questionários que avaliaram os participantes). Com os resultados, pôde-se ver que os
torcedores dos times que disputavam a partida (para os quais havia valência
emocional) recuperaram a mesma quantidade de detalhes do evento, mas que foi
superior à quantidade recuperada por aqueles que não torciam para nenhum dos dois
times (para os quais o evento era neutro). O grau de confiança dos participantes para
as memórias relacionadas ao evento foi maior para os torcedores derrotados, já o grau
de confiança para memória relacionadas as eles próprios (sobre eles durante o
evento) foi maior os torcedores vitoriosos. Foi analisado ainda a consistência das
lembranças dos torcedores, ou seja, o quanto a informação recuperada 6 dias após o
jogo estava de acordo com o que foi recuperado 23 dias após. Os torcedores do time
derrotado foram mais consistentes em suas recordações que os do time vencedor,
porém, esses dois grupos foram menos consistentes que aqueles para os quais o
evento era neutro. Os autores do trabalho interpretaram esses resultados como
indicativos de que a valência emocional causa distorções na memória, especialmente
quando a valência é positiva. Adicionalmente, a valência positiva parece aumentar o
grau de confiança das pessoas na sua lembrança.
Considerando as poucas pesquisas que investigaram o efeito da valência
emocional não-alertante na memória episódica, a conclusão é de que seu efeito pode
ser observado especialmente sobre aspectos qualitativos da memória. Existem uma
concordância entre os pesquisadores de que esse tema deve ser bem mais
investigado (Kensinger, 2008f).
46
Relevância da pesquisa sobre emoção e memória
Por que estudar o efeito da emoção na memória episódica? O que justifica esse
empreendimento científico? Existem várias justificativas, de relevância teórica para o
conhecimento e aplicação prática.
Em primeiro lugar, o mundo é emocional. A neutralidade, apesar de ser relatada
nos trabalhos científicos (inclusive neste), não existe em absoluto. Como bem
argumenta Antonio Damásio, é difícil imaginar algo que não seja, ao menos
sensivelmente, positivo ou negativo (Damasio & Carvalho, 2013; Damásio, 1996). De
um ponto de vista ecológico e evolutivo, é pouco provável que algum estímulo não
seja de alguma forma relevante para a sobrevivência e sucesso reprodutivo do
indivíduo. A ideia de um “estímulo neutro” é mais um conceito teórico que uma
realidade natural. Sendo assim, ignorar a interação da emoção com os processos
cognitivos seria ignorar uma parte fundamental destes. Os trabalhos que estudam o
processamento apenas de informação neutra apresentam um retrato limitado e que
não existe na natureza de nossa cognição e comportamento. Não há valor adaptativo
na cognição (enquanto processamento de informação) e no comportamento
(enquanto interação com o meio) se estes não tiverem intrinsecamente uma natureza
emocional, ou seja, se não forem direcionados para os desafios que o organismo
encontra em seu ambiente (Scott, 2005).
Ademais, a emoção, seja na sua forma aguda ou de longa duração (humor),
está seguramente relacionada com a maioria dos transtornos e doenças da mente e
do comportamento. A compreensão de como os processos cognitivos interagem com
a emoção pode ajudar na prevenção e tratamento destes transtornos. Com efeito, tem
ajudado. Desde o desenvolvimento da terapia cognitivo-comportamental por Aaron
Beck, se reconhece que um dos fatores por trás da depressão é um viés da memória
autobiográfica para eventos negativos. O transtorno do estresse pós-traumático é uma
47
condição é, essencialmente, um problema de memória emocional (Baddeley et al.,
2002).
A pesquisa sobre emoção e memória também já contribuiu muito para as áreas
de criminal e forense, a ponto de conduzir ao esclarecimento de alguns casos
(Schacter & Loftus, 2013). Existem também trabalhos mostrando a importância da
emoção e do afeto na aprendizagem escolar (Immordino-Yang & Damasio, 2007).
Devido à importância e ubiquidade da emoção e memória, o estudo de sua interação
tende a trazer novas e importantes perspectivas de investigação e aplicação prática.
Perspectivas teóricas e metodológicas na investigação do
efeito da emoção sobre a memória episódica
Diante da relevância de se estudar o efeito da emoção na memória episódica,
é oportuno avaliar quais questões específicas devem ser alvo de pesquisa e os
métodos adequados para sua realização. Pelo que foi revisado nas seções anteriores,
alguns pontos merecem atenção especial.
Com relação aos estímulos emocionais, a maioria dos estudos utilizaram
apenas o efeito da emoção negativa de alto alerta. Considerando os estudos que
mostram que alerta e valência estão relacionados com efeito e mecanismos
diferentes, é importante que os próximos trabalhos contenham estímulos positivos e
negativos e de alto e baixo nível de alerta. Os efeitos da emoção são diferentes no
curto e longo prazo entre treino e teste, pois a forma como interage com os processos
de codificação, consolidação e recuperação não é o mesmo. Assim, um resultado
obtido num teste de curto prazo pode ser diferente do observado no longo prazo. Os
estudos que não contemplarem essas variáveis devem ter cautela na interpretação
dos resultados e reconhecer a limitação na extrapolação do que foi observado.
Com relação à memória, os estudos convergem para a importância de se
consider os aspectos qualitativos além dos quantitativos. Muitas vezes, o efeito da
emoção não pode ser observado por meio da acurácia em um teste de desempenho.
48
Aspectos como vividez, informação contextual, quantidade de detalhes e grau de
confiança são variáveis importantes. Em especial, a análise da contribuição
independente do componentes de lembrança e familiaridade para o desempenho no
teste de memória episódica pode apresentar efeitos que não são observáveis apenas
por meio dos índices de acurácia.
O estudo da memória em humanos envolve basicamente o seguintes métodos:
tarefas comportamentais, estudos neuropsicológicos de pacientes com lesão
encefálica e estudo da atividade cerebral por meio de imagem funcional. As tarefas
comportamentais são o método mais utilizado, e os estudos neuropsicológicos e de
imagem também costumam incluí-las em seus protocolos. Existem vários tipos de
tarefas comportamentais para o estudo da memória episódica, sendo as duas mais
utilizadas são a tarefa de recordação e a tarefa de reconhecimento. A diferença entre
esses dois procedimentos está na sessão de teste: na recordação o participante deve
lembrar quais itens foram apresentados no treino; no reconhecimento o participante é
apresentado a um conjunto de itens dos quais uma parte estava presente no treino
(itens alvo ou velhos) e outra parte não (itens distratores ou novos), sendo sua tarefa
discriminar quais itens são alvos e quais são distratores. No teste de reconhecimento
o participante não precisa, necessariamente, lembrar se viu ou não o item durante o
treino, ele pode responder baseando num senso subjetivo de ter visto o item antes,
mesmo sem detalhes ou aspectos contextuais. No teste de recordação a pessoa
precisa lembrar do item, pois não lhe é apresentado um estímulo para que julgue se
viu anteriormente ou não. Por isso, se supõe que o desempenho no teste de
reconhecimento é baseado nos componentes de lembrança e familiaridade, e o
desempenho no teste de recordação é baseado apenas no componente de lembrança
(Yonelinas et al., 1996).
Um dos desafios na pesquisa sobre memória e emoção são as limitações
éticas. Estímulos emocionalmente muito intenso geralmente não podem ser usados,
pois causam desconforto ou constrangimento no participante. Em algumas pesquisas,
os participantes aproveitam situações emocionais que aconteceram para investigar
seu efeito sobre a memória. É o caso dos estudos sobre eventos traumáticos (Sharot
49
et al., 2007). Para viabilizar a realização de estudos em laboratório, uma variedade de
protocolos já foram desenvolvidos. Estão disponíveis conjuntos de estímulos
emocionais de diferentes tipos, como figuras (Lang, Bradley, & Cuthbert, 1997;
Ribeiro, Pompéia, & Bueno, 2005), palavras (Kristensen, Gomes, Justo, & Vieira,
2011; Santos, Silveira, Gomes, & Stein, 2009; Stevenson, Mikels, & James, 2007) e
narrações audiovisuais (Uribe, Garcia, & Tomaz, 2011). Esses conjuntos de estímulos
foram padronizados para permitir uma utilização ética e segura na pesquisa com
humanos.
50
Cap. 3 - Experimento
EFEITO DO ALERTA E VALÊNCIA EMOCIONAL NOS
COMPONENTES DE LEMBRANÇA E FAMILIARIDADE DA MEMÓRIA
EPISÓDICA
Introdução
A memória episódica é um sistema que nos permite o armazenamento e
recuperação de eventos. A informação é processada neste sistema de memória de
forma contextual, ou seja, os itens são associados ao lugar e tempo em que
aconteceram (Tulving, 2002). Por ser o sistema que permite a representação de
eventos, a memória episódica tem um papel muito importante na construção da
autobiografia do indivíduo e formação de sua identidade (Gomes, 2006; Piolino et al.,
2009).
De acordo com o modelo de duplo processo, proposto por Yonelinas e seus
colaboradores, a memória episódica é constituída por dois componentes: lembrança
e familiaridade (Eichenbaum et al., 2007; Sauvage, 2010; Yonelinas, 2001b). A
lembrança permite a recuperação consciente e geralmente vívida de associações
entre itens e seu contexto espacial e temporal, e depende da integridade funcional do
hipocampo. A familiaridade permite a recuperação de itens únicos através de uma
percepção subjetiva de ter encontrado o item previamente, sendo dependente da
integridade funcional de algumas áreas adjacentes ao hipocampo, especialmente o
córtex parahipocampal.
51
Esses dois componentes são influenciados de maneira independente por
muitas variáveis biológicas e psicológicas e manipulações experimentais. Yonelinas
(2002) fez uma compilação de mais de três décadas de pesquisa sobre o assunto e
encontrou que os fatores nível de processamento durante a codificação, atenção
dividida durante o treino e o teste, duração do treino, intervalo entre treino e teste,
administração de benzodiazepínicos, idade e muitos outros influenciam a contribuição
da lembrança e familiaridade no desempenho em testes de reconhecimento. O efeito
dessas condições sobre os dois componentes se mostrou independente, ou seja, o
efeito sobre a lembrança não é o mesmo que sobre a familiaridade, podendo, por
vezes, ser o oposto.
Surpreende que na revisão feita por Yonelinas (2002) e em outras que
seguiram (Yonelinas et al., 2010a; Yonelinas, 1999) a escassez de estudos sobre
como a emoção influencia esses componentes. Isso é surpreendente porque a
emoção é um dos fatores que mais influencia a codificação, consolidação e
recuperação da informação episódica (D’Argembeau & Van der Linden, 2005; Labar
& Cabeza, 2006; Talmi, 2013; ver Cap. 2, pág. 27 deste texto). São muitos os estudos,
utilizando diferentes abordagens (tarefas comportamentais, avaliação
neuropsicológica, estudos farmacológicos e de neuroimagem etc.) que mostram um
efeito de aumento da memória para a informação emocional (ver revisão em
Kensinger, 2008b). Além do efeito quantitativo da emoção sobre a memória episódica,
alguns efeitos são qualitativos, e não podem ser observados por estudos que
investigam apenas a quantidade ou proporção de informação recuperada com
sucesso. Entre os aspectos qualitativos influenciados pela emoção, estão a vividez da
lembrança, o grau de confiança de que está recuperando algo que realmente ocorreu,
a tendência a falsas memórias e aspectos do contexto espacial e temporal (Kensinger,
2008a).
Se por um lado são poucos os estudos que investigaram a relação da emoção
com os componentes da memória episódica, por outro existem limitações importantes
nos estudos sobre o efeito da emoção na memória de uma forma geral. A emoção, à
semelhança da memória, não é um fenômeno homogêneo ou unitário. Possui várias
52
características que podem ser classificadas de acordo com seus tipos básicos (Ekman
et al., 1983), mecanismos de sobrevivência (LeDoux, 2012), forma de expressão
(Damásio, 1996) e dimensão de alerta e valência (Lang, 1995; Larsen, Norris, &
Cacioppo, 2003). Os efeitos sobre a memória de cada uma das formas de emoção
derivadas dessas classificações não são os mesmos. No que diz respeito às
dimensões de alerta e valência emocional, a maioria dos estudos utilizam apenas
estímulos negativos e alertantes, a despeito das evidências de que os vários níveis
de alerta e a valência positiva e negativa tem efeitos diferentes sobre a memória
(Kensinger & Corkin, 2004; Kensinger, 2011; Mickley Steinmetz & Kensinger, 2009).
São, portanto, realmente poucos os estudos planejados para investigar as
diferenças entre alto e baixo alerta, e entre emoção positiva e negativa. Apesar destes
poucos estudos terem demonstrado que existem diferenças marcantes (revisados por
Kensinger, 2008f), a maior parcela dos pesquisadores que estudam o efeito da
emoção na memória ainda ignora essas diferenças. Kensinger & Schacter (2006b)
investigaram a memória para eventos positivos e negativos. Como resultado,
encontraram que a recuperação de eventos negativos é mais vívida e rica em
detalhes, enquanto que para eventos positivos são recuperados apenas os aspectos
mais gerais. Apesar dessas diferenças qualitativas, a quantidade de detalhes
recuperada foi a mesma para os dois tipos de eventos. Os estudos que compararam
a memória para estímulos de alto e baixo alerta geralmente relatam que o alerta
aumenta a acurácia na recuperação (Cahill & McGaugh, 1998; Dolcos, Labar, &
Cabeza, 2005), mas como não houve controle da dimensão de valência, não sabemos
ao certo o quanto esse efeito pode ser realmente atribuído ao alerta.
Ao que parece, o alerta tende a aumentar a acurácia na recuperação da
informação, já a valência raramente influencia aspectos quantitativos, sendo seus
efeitos observados em aspectos qualitativos. Em especial, as poucas evidências
existentes mostram que a valência negativa propicia uma recuperação mais
detalhada, tornando a memória menos suscetível a distorções (Kensinger, 2011).
Ao menos que tenha chegado ao nosso conhecimento, apenas um estudo,
realizado por Ochsner (2000), investigou em um mesmo experimento o efeito das
53
dimensões de alerta e valência positiva e negativa sobre os componentes de
lembrança e familiaridade. Em seu experimento, os participantes viram um conjunto
de figuras com diferentes níveis de alerta e valência emocional, havendo, portanto,
desde estímulos relaxantes até alertantes, de negativo a positivo. Após duas
semanas, os participantes realizaram um teste de reconhecimento do tipo
lembrar/saber, de cujo resultado ele pôde calcular os índices de acurácia, lembrança
e familiaridade. Para a análise, as palavras foram agrupadas em três categorias de
alerta (baixo, médio e alto) e de valência (positiva, negativa e neutra). A classificação
conforme esses dois critérios foi independente, isto é, duas figuras poderiam estar na
mesma categoria de alerta mas em categorias diferentes de valência, por exemplo.
Os principais resultados encontrados por Ochsner (2000) foram: (1) figuras negativas
foram reconhecidas como maior acurácia que as positivas e neutras; (2) figuras
negativas apresentaram maior índice de lembrança que as positivas e neutras; (3) não
houve diferença para a acurácia entre as categorias de alerta; (4) figuras com alerta
alto apresentaram maior índice de lembrança que as com alerta médio e baixo; (5)
não houve diferença nos índices de familiaridade na análise de nenhuma das
categorias de alerta ou valência. Em resumo, ele encontrou que a emoção negativa
aumenta a acurácia do reconhecimento por meio do aumento do componente de
lembrança, e que o alerta aumenta o componente de lembrança sem alterar a acurácia
no reconhecimento.
Sendo assim, entre os desafios mais importantes na pesquisa atual sobre o
efeito da emoção na memória episódica estão a importância de se considerar as
dimensões de alerta e valência, bem como os componentes de lembrança e
familiaridade. De forma mais específica, algumas questões são colocadas.
(1) A primeira delas é se as memórias emocionais são mais vívidas
porque aumentam a confiança da pessoa na sua recuperação ou porque
favorecem uma recuperação mais detalhada. No caso de o efeito ser sobre a
confiança, é esperado uma tendência a falsas memórias. Se o efeito for sobre
a quantidade de detalhes recuperada, podemos predizer uma maior acurácia
54
no reconhecimento, baseada, essencialmente, no componente de lembrança.
Estas duas hipóteses não são excludentes entre si.
(2) Outra questão relevante é se a informação negativa é recuperada
com mais detalhes e de forma mais consistente, enquanto a positiva é
recuperada de forma mais geral, como já foi proposto (Kensinger et al., 2007;
Kensinger & Schacter, 2006b). Esta hipótese nos permite predizer que em um
teste de reconhecimento haverá uma menor proporção de falsas memórias
para os estímulos negativos em comparação com os positivos, e que os
estímulos positivos serão recuperados principalmente por meio da
familiaridade.
(3) Uma terceira questão específica é colocada. O principal
mecanismo por meio do qual a valência (especialmente a negativa) influencia
a memória é por meio de processos conscientes de elaboração mediados pelo
córtex pré-frontal (Kensinger & Corkin, 2004). Além disso, existem evidências
de que indivíduos idosos não apresentam nenhum efeito da valência negativa
não alertante sobre a memória episódica, apesar de o efeito do alerta
permanecer (revisados por Kensinger, 2011). Já os idosos apresentam declínio
no componente de lembrança, tendo a familiaridade preservada (Yonelinas,
2002). Consideradas em conjunto, essas evidências são indicativas de que a
valência (espacialmente a negativa) influencia o componente de lembrança.
Desta hipótese fazemos a predição de que a informação negativa é tem sua
recuperação baseada pela lembrança numa maio extensão que a informação
positiva.
Investigar o desafio e questões acima citados são os objetivos geral e
específicos deste trabalho. A fim de atendê-los, planejamos e executamos um
experimento comportamental para testar as predições levantadas, como descrito a
seguir.
55
Método
Deste estudo participaram 40 pessoas (25 mulheres), todos estudantes
universitários de graduação ou pós-graduação com idade entre 18 e 35 anos
(média=23,75, desvio-padrão=3,65). Dos 40 participantes, dois foram excluídos das
análises (um homem e uma mulher) porque tiveram desempenho inferior a 50% no
teste, e portanto inferior ao desempenho por acaso. Os experimentos foram realizados
no Laboratório de Experimentos em Psicofisiologia, localizado no Departamento de
Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Todas as sessões foram
realizadas entre as 8 e 18 horas.
O procedimento experimental consistiu na realização de uma tarefa de
reconhecimento de longo prazo para figuras com diferente níveis de alerta e valência
emocional. As figuras foram retiradas do International Affective Pictures System
(IPAS), um conjunto de figuras neutras e emocionais desenvolvido e padronizado nos
Estados Unidos por Lang, Bradley, & Cuthbert (1997). O IAPS representa uma forma
ética e segura de apresentação de estímulos emocionais para pesquisa em laboratório
que vem sendo utilizada por centenas de pesquisas em várias partes do mundo nas
três últimas décadas. Cada figura do IAPS é acompanhada de informação sobre
valência e alerta conforme classificação subjetiva de uma amostra ampla de pessoas
e avaliação de resposta fisiológica (condutância da pele e eletromiografia facial). O
uso do IAPS com a população brasileira foi padronizado e validado por Ribeiro,
Pompéia, & Bueno (2004, 2005), que coletaram dados de avaliação subjetiva de alerta
e valência para cada uma das figuras. Uma avaliação da resposta fisiológica de uma
amostra de brasileiros às figuras também foi realizado (Ribeiro, Teixeira-Silva,
Pompéia, & Bueno, 2007).
Utilizando os dados de valência e alerta obtidos na validação brasileira, foram
selecionadas 300 figuras, reunidas em três listas, conforme os seguinte critérios:
Lista 1 - figuras negativas de alto alerta: valência menor que 3
e alerta maior que 5;
56
Lista 2 - figuras positivas de alto alerta: valência maior que 5 e
alerta maior que 5;
Lista 3 - figuras positivas de baixo alerta: valência maior que 5
e alerta menor que 4.
Figuras do IAPS de acordo com os valores de alerta e valência obtidos na validação brasileira, destacando as figuras utilizadas no experimento. Fonte: elaborado pelo autor.
Gráfico 2- Alerta e valência das figuras do IAPS
Valores médios de alerta e valência obtidos para cada uma das listas elaboradas. A lista 1 difere da lista apenas na dimensão de valência, e a lista 2 difere da 3 apenas quanto a dimensão de alerta. Fonte: elaborado pelo autor.
Gráfico 3 - Alertas e valência das figuras utilizadas no experimento
57
Assim, foram elaboradas 3 listas de forma que as listas 1 e 2 diferem apenas
na dimensão valência, e as listas 2 e 3 diferem apenas na dimensão alerta (ver Gráfico
2 e Gráfico 3).
De cada lista, metade das figuras foi utilizada como estímulos-alvo na sessão
de treino e metade como distratores na sessão de teste. No total, havia 150 alvos e
150 distratores, com igual proporção entre as listas e balanceados de forma que os
valores de alerta e valência sejam, para uma mesma lista, semelhantes entre alvos e
distratores.
Na sessão de treino (esquematizada na Fig. 7), o participante era informado
que realizaria uma tarefa que envolvia a classificação de figuras emocionais e um
teste de memória, e recebeu instrução e exemplo de cada uma das tarefas que deveria
realizar. Cada uma das figuras do IAPS foi apresentada no centro do monitor em
ordem aleatória por 2 segundos. Após a apresentação da figura, o participante era
solicitado a fazer a classificação emocional da figura. O único objetivo desta avaliação
foi atrair atenção do participante para a figura pois, para as análises posteriores, serão
utilizados os valores da validação para a população brasileira, os mesmos usados na
elaboração das listas. Para essa classificação foi utilizada a escala do Self-
Assessment Manikin (SAM), a mesma utilizada nos estudos de padronização e
validação do IAPS. O SAM é uma escala de 9 pontos que permite a avalição das
dimensões de alerta e valência emocional. Devido a cada ponto na escala estar
associado a uma figura, o SAM facilita a compreensão dos participantes e reduz a
diferenças linguísticas associadas aos rótulos e escalas. Na escala para a dimensão
de valência, o valor 1 representa o extremo negativo e 9 o extremo positivo. Já na
escala para a dimensão de alerta, o valor 1 representa o extremo relaxante (mínimo
alerta) e o valor 9 representa o extremo alertante. O participantes tinham até 10
segundos para avaliar a figura respondendo de 1 a 9 no teclado numérico.
58
Dura
nte
o tre
ino, os p
art
icip
ante
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Fig
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roc
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tre
ino
59
Para reduzir o declínio de atenção e distração comum em tarefas
comportamentais, as 150 séries de figura seguida de classificação foram divididas em
2 blocos, com 75 séries em cada bloco. Entre os dois blocos, foi realizada uma tarefa
de memória operacional do tipo 2n-back, na qual o participante é apresentado a uma
série de estímulos – figuras, neste caso – e deve julgar se a figura atual é igual ou
diferente a que apareceu por penúltimo. A única diferença entre os dois blocos era a
dimensão avaliada, se alerta ou valência. Para metade dos participantes, no 1º bloco
foi avaliado o alerta e no 2º a valência, enquanto a outra metade realizou o inverso.
Um conjunto de experimentos realizados por Ochsner (2000) mostrou que a avaliação
de alerta ou de valência não causa nenhuma diferença sobre a resposta emocional
ou memória dos participantes. A sessão de treino teve duração de 25 a 30 minutos.
Após 24 (+ ou – 3) horas da sessão treino, o participante retornava ao
laboratório para a sessão de teste (Fig. 8). Nesta etapa, as 150 figuras alvo
apresentadas no dia anterior foram adicionadas ao conjunto de 150 distratores. Cada
uma dessas 300 figuras foi apresentada em ordem aleatória por 2 segundos. Dentro
desse tempo, o participante deveria julgar se viu ou não a figura anteriormente,
respondendo em uma tecla designada para “velha” (figura velha, vista anteriormente)
ou outra tecla designada para “nova” (figura nova, vista pela primeira vez) em um
teclado adaptado. Após julgar se a figura era velha ou nova, o participante classificava
o grau de confiança (ou confidência) em sua resposta, utilizando para isso uma escala
de 1 a 3, na qual o maior valor representa maior confiança de que fez um julgamento
correto da figura. O participante tinha até 6 segundos para classificar a confidência da
resposta apertando uma das teclas (1,2 ou 3) em um teclado adaptado. A sessão de
teste tinha uma duração de 30 a 35 minutos.
60
Análises
Para atender aos objetivos deste estudo, foram analisados os dados do
reconhecimento das figuras (velho/novo) e o grau de confiança na resposta.
Considerando o julgamento se as figuras eram velhas ou novas, quatro
resultados são possíveis:
1. Acerto (Ac): ocorre quando o item-alvo é julgado como “velho”;
2. Rejeição correta (RC): ocorre quando um item distrator é julgado como
“novo”;
3. Alarme falso (AF): ocorre quando um distrator é julgado como “velho”;
4. Falha (Fa): ocorre quando um alvo é julgado como sendo “novo”.
Acertos e rejeições corretas são respostas corretas, pois o participante
reconheceu se o estímulo fazia parte ou não da lista estudada no dia anterior. Já os
alarmes falsos e falhas são respostas erradas. Como as somas [Ac +RC] e [AF + Fa]
são sempre iguais a 1, os índices serão calculados a partir do Ac e AF (se os cálculos
fossem feitos a partir da RC e Fa os resultados seriam os mesmos).
A quantidade de acertos foi dividida pelo número de itens alvo para obtenção
do Índice de Acerto (IA), e a quantidade alarmes falsos foi dividida pelo número de
Durante o teste, os participantes julgaram se cada figura era “velha” ou “nova” e, em seguida, avaliaram o grau de confiança na resposta. Fonte: elaborado pelo autor.
Fig. 8 - Procedimento de teste
61
distratores para obtenção do Índice Alarme Falso (IAF). A partir de IA e IAF foram
calculados a acurácia e o viés de resposta. Para a acurácia, foi calculado o índice Pr,
através da diferença entre IA e IAF. Por ser obtido através da diferença entre
respostas certas e erradas, um maior valor de Pr significa melhor acurácia na
discriminação entre alvos e distratores. Como para cada figura duas respostas são
possíveis (velha ou nova) e alvos e distratores estão presentes na mesma proporção,
o participante poderia acertar por acaso sua resposta 50% das vezes, resultando em
valores iguais e IA e IAF. Assim, um valor Pr=0 significa nenhuma capacidade de
discriminação, pois esse valor pode ser obtido por acaso. Valores negativos de Pr
representam desempenho inferior ao acaso, e portanto devem ser desconsiderados,
pois o participante não entendeu ou não realizou a tarefa adequadamente (Snodgrass
& Corwin, 1988).
Considerando a avaliação do grau de confiança na resposta feita pelo
participantes, três resultados eram possíveis: 1 (pouca confiança), 2 (média confiança)
e 3 (muita confiança). Como essa três respostas podiam ser pareadas com as duas
respostas no teste de reconhecimento (velho/novo), os dados obtidos para o grau de
confiança foram transformados em uma escala de 1 a 6, onde 1 representa o maior
grau de confiança de que o tem é velho e 6 o maior grau de confiança de que o item
é novo (ver Fig. 9).
Para estimar a contribuição dos componentes de lembrança e familiaridade no
reconhecimento, os valores de IA e IAF foram plotados para cada um dos pontos da
escala de confiança, resultando em uma curva ROC. De acordo com a teoria de
detecção do sinal (Macmillan & Creelman, 2005; Yonelinas, 1994), a assimetria da
curva representa o componente de lembrança, e sua curvilinearidade representa o
componente de familiaridade. Curvas ROC foram feitas para cada lista e para cada
Fig. 9 - Graus de confiança obtidos a partir da classificação dos participantes.
62
um dos participantes, permitindo a obtenção de índices de lembrança (Ro) e
familiaridade (d’) individuais conforme cada lista. A Fig. 10 resume as etapas
necessárias para construção de uma curva ROC.
Os índices de acerto, alarme falso, acurácia, viés de resposta, lembrança e
familiaridade (sumarizados na Tabela 2) foram submetidos a análises de variância de
uma via tendo o tipo de lista como fator. Eventuais diferenças entre duas listas foram
comparadas através de testes post-hoc de Turkey. Em todos os casos, foram
consideradas estatisticamente significativas as diferenças cujo valor de p foi inferior a
5% (p<0,05).
Fig. 10 - Elaboração de curva ROC
Para cada um dos seis graus de confiança atribuídos pelo participantes, são calculados os índices de acerto e alarme falso. Em seguida, esses índices são somados de forma cumulativa a partir do grau de confiança 6 (“certamente novo”) até o grau 1 (“certamente velho”). Para a construção da curva ROC, os valores de IA e IAF são plotados para cada um dos graus de confiança, exceto o grau 1, que sempre é igual a 1 e, portanto, invariável. A partir destes índices, são feias as estimativas dos valores da lembrança e familiaridade. Na curva ROC, o índice de familiaridade é representado pela curvilineridade do traçado, e o índice de lembrança pela assimetria da curva, isto é, o ponto tangente entre a curva e o eixo vertical. Fonte: elaborado pelo autor a partir dos dados de um participante da pesquisa.
63
Tabela 2 - Índices calculados
Índice Medida Cálculo
IA Índice de acerto (proporção de alvos corretamente reconhecidos como “velhos”)
Nº de alvos julgados como velhos / nº de alvos
IAF Índice de alarme falso (proporção de distratores erradamente julgados como “velhos”)
Nº de distratores julgados como velhos / nº de distratores
Pr Medida de acurácia na discriminação entre alvos e distratores
IA-IAF
Br Viés de resposta (varia de conservador a liberal) IAF/(1-Pr)
Ro Componente de lembrança Curva ROC → assimetria
d’ Componente de familiaridade Curva ROC → curvilinearidade
Resultados
A análise do índice de acerto revelou um efeito do tipo de lista [F(2,114)=6,018;
p<0,05]. O IA médio das duas listas positivas foi semelhante e menor que o observado
na lista negativa, mas essa diferença foi estatisticamente significativa apenas quando
comparadas as listas NAA e PBA (p<0,01), e não para a comparação NAA x PAA
(p=0,06) (Gráfico 4). O efeito do tipo de lista também foi observado para os alarmes
falsos [F(2,114)=5,295; p<0,01], sendo que a lista PBA apresentou um IAF menor que
as listas PAA (p<0,05) e NAA (p=0,01) .Assim, o maior alerta das figuras resultou em
maior quantidade de falsos reconhecimentos, independente da valência (Gráfico 5).
64
A análise do índice acurácia, que integra os acertos e alarmes falsos, não
revelou qualquer diferença significativa entre as listas [F(2,114)=1,18; p=0,314]. Esse
resultado não surpreende quando consideramos os IA e IAF, pois o maior índice médio
de acerto observado na lista NAA foi contrabalanceado pelo maior índice de alarme
falso.
Gráfico 4 - Índice de acerto de acordo com o tipo de lista
Gráfico 5 - Índice de alarme falso de acordo com o tipo de lista
65
Como já pode ser deduzido a partir das análises de IA, IAF e Pr, houve uma
diferença no viés de resposta entre as listas. No caso da lista NAA, os valores
elevados de acerto e alarme falso sugerem uma tendência de os participantes
responderem “velho” diante desse tipo de figura. Para a lista PBA, o índice de alarme
falso foi bem inferior ao observado nas demais listas é indicativo de uma maior
tendência a responder “novo” que nas outras listas. Já no caso da lista PAA o maior
valor de IAF foi contrabalanceado pelo menor valor de IA, resultando uma tendência
moderada quando comparado com as duas outras listas. De fato, a análise do índice
Br mostrou uma diferença com elevada significância estatística entre as listas
[F(2,114)=11,212; p<0,001]. As análises post-hoc permitiram detectar que esse efeito
do tipo de lista no viés de resposta se deve à diferença entre as listas PAA x PBA
(p<0,05) e NAA x PBA (p<0,001). Assim, as listas com maior alerta apresentaram um
viés mais liberal que a lista de baixo alerta.
Gráfico 4 - Índice de acurácia de acordo com o tipo de lista
66
A partir dos valores médios de IA e IAF para cada um dos 6 pontos da escala
de confidência, foram obtidas curvas ROC para cada uma das listas (Gráfico 6).
Para o componente de familiaridade (Gráfico 8), nenhuma diferença foi
observada [F(2,114)=0,461; p=0,63]. Quanto ao componente de lembrança (Gráfico
7), foi observado um efeito do tipo de lista [F(2,114)=5,191; p<0,01], sendo que a lista
NAA apresentou maior índice de lembrança que as listas PAA (p<0,05) e PBA
(p<0,05).
Gráfico 6 - Curvas ROC médias conforme o tipo de lista
Gráfico 5 - Índice de viés de resposta de acordo com o tipo de lista
67
Discussão
O principal objetivo deste trabalho foi investigar como as dimensões de alerta
e valência emocional influenciam a memória episódica e seus componentes, a
lembrança e a familiaridade.
Os resultados obtidos para o índice de acerto mostraram que os itens negativos
foram mais recuperados que os itens positivos, independentemente do nível de alerta.
Já o índice de alarme falso foi maior para as figuras de alto alerta, sejam negativas ou
Gráfico 7 - Índice de lembrança conforme o tipo de lista
Gráfico 8 - Índice de familiaridade conforme o tipo de lista
68
positivas, que para as figuras positivas de baixo alerta. Isso significa que a valência
negativa aumentou a recuperação, enquanto o alerta aumentou a proporção de falsas
memórias. As listas não diferiram quanto à acurácia no desempenho, o que
geralmente é observado em testes de reconhecimento. Apenas em testes de
recordação é que o estímulos alertantes são recuperados com maior acurácia
(Kensinger, 2008a). A observação dos índices de acerto e alarme falso explicam, em
parte, porque isso ocorre. Enquanto a valência negativa aumenta a recuperação dos
itens visto durante o treino, o alerta aumenta proporção de alarmes falsos, anulando
o efeito de aumento da valência negativa. O viés de resposta observado foi maior para
as listas alertantes, independentemente da valência, do que para a lista positiva de
baixo alerta. Assim, o alerta causa um viés mais liberal, isto é, uma tendência a
identificar os itens como os tendo visto previamente, sendo um indicativo de maior
confiança do participante na sua resposta.
A contribuição do componente de lembrança para o reconhecimento foi maior
na lista negativa que nas listas positivas de alto e baixo alerta. Então, de acordo com
esses resultados, a valência emocional negativa aumenta a lembrança, não havendo
nenhum efeito do alerta. O componente de familiaridade, por outro lado, não foi
influenciado por nenhuma das dimensões emocionais, uma vez que nenhuma
diferença foi encontrada entre as listas. Portanto, a única interação observada no
experimento aqui relatado entre as dimensões da emoção e os componentes da
memória episódica foi o aumento da lembrança em função da valência negativa.
Esses resultados nos permitem sugerir que as memórias vívidas relatadas por
pessoas que passaram por experiências traumáticas (Brown & Kulik, 1977; Sharot et
al., 2007) se devem principalmente ao efeito da valência negativa, e não ao alerta.
Além do objetivo principal, o presente trabalho também teve como propósitos
esclarecer algumas questões importantes sobre o efeito da emoção na memória
episódica.
Os resultados que encontramos confirmam a hipótese de que um dos fatores
que contribuem para a maior vividez das memórias para estímulos alertantes é a maior
confiança do participante em sua resposta, pois os participantes apresentaram um
69
viés de resposta mais liberal para estímulos alertantes, enquanto que para os
estímulos menos alertantes eles foram mais conservadores, o que é indicativo de
menor confiança. No entanto, a hipótese de um maior detalhamento da recuperação
de informação alertante que contribui para a maior vividez não foi confirmada por
nossos resultados, uma vez que a acurácia para figuras de alto e baixo alerta foi a
mesma.
Nossos resultados também não dão suporte à hipótese de que a informação
positiva é recuperada de forma mais geral e é mais sujeita a distorções. Pelo contrário,
os resultados mostram que a familiaridade, a qual se acredita estar relacionada com
a recuperação mais geral e não detalhada, não foi diferente entre as listas. Ademais,
não encontramos maior proporção de alarmes falsos para as figuras positivas.
A hipótese de que a valência negativa influencia a lembrança foi confirmada,
pois as figuras negativas foram mais recuperadas com base na lembrança que as
figuras positivas, independentemente do alerta destas. Muitos trabalhos relataram que
estímulos emocionais são recuperados de forma mais vívida, detalhada e associada
ao contexto, que são características da lembrança (Kensinger et al., 2006, 2007). A
maioria desses estudos basearam suas conclusões em experimentos que utilizaram
apenas estímulos negativos de alto alerta. Os resultados do presente estudo mostram
que apenas a valência negativa é suficiente para aumentar a lembrança, pois não
observamos qualquer efeito da valência positiva ou do alerta.
Nossos resultados foram semelhante aos relatados por Ochsner (2000; ver
Gráfico 11), o único trabalho a investigar anteriormente o efeito da emoção sobre a
lembrança e familiaridade com estímulos de variados níveis de valência e alerta. Seus
resultados mostraram que a valência negativa e o alerta aumentam, de forma
independente, a lembrança, sem efeito sobre a familiaridade. Contudo, é oportuno
destacar que Ochsner (2000) analisou valência e alerta de forma independente, o que
dificulta, por meio de seus resultados, saber se o alerta aumenta a lembrança da
mesma forma para estímulos negativos e positivos, ouse, de fato, o efeito é do alerta.
Considerando que existe uma correlação quadrática entre valência negativa e alerta
(Bradley & Lang, 1994; Lang et al., 1997, 1993), é provável que a valência negativa
70
tenha predominado em seu conjunto de figuras de maior alerta. Além disso, Ochsner
também observou que a valência negativa aumenta a lembrança. Nosso experimento
criou listas separadas para figuras negativas de alto alerta e positivas de alto alerta, o
que nos permitiu observar que o alerta positivo não aumentou a lembrança. Portanto,
o efeito do alerta que Ochsner relatou provavelmente foi influenciado pela valência
negativa, pois em seu experimento não houve controle da distribuição da valência
entre os estímulos alertantes.
Gráfico 9 - Resultados encontrados no presente trabalho e no realizado por Ochsner (2000).
Os asteriscos sinalizam que o valor é significativamente superior às listas não sinalizadas, para uma mesma variável e em um mesmo experimento. Assim, nos dois experimentos, o único efeito significativo observado foi uma maior lembrança para as figuras negativas e de alto alerta.
71
O presente trabalho é mais um a demonstrar que os componentes da memória
episódica são influenciados de forma independente por manipulações experimentais
- neste caso, a emoção. Em conjunto com outras estudos que mostraram essa
dissociação (Yonelinas, Aly, Wang, & Koen, 2010b; Yonelinas, 2002), os resultados
que encontramos demonstram a necessidade de se considerar esses dois
componentes no estudo da memória episódica. Nosso trabalho também demonstrou
que alerta e valência tem efeitos diferentes sobre a memória episódica, ressaltando a
importância de ser utilizar estímulos rigorosamente controlados quanto aos níveis de
alerta e valência e o cuidado que se deve ter na interpretação do resultado de
experimento que não consideraram adequadamente essas duas dimensões da
emoção.
Algumas limitações deste estudo devem ser consideradas. Os participantes da
pesquisa eram todos jovens universitários, mas existem alguns estudos (revisados por
Kensinger, 2008g) que mostram que o efeito da emoção sobre a memória episódica i
diferente entre os grupos etários. Notadamente, os idosos não apresentam a
modulação da memória pela valência, enquanto a modulação pelo alerta costumar
ocorrer de forma normal. Além disso, a contribuição do componente de lembrança
para a recuperação episódica costuma declinar com o envelhecimento, de forma que
não sabemos como os componentes de memória episódica e as dimensões da
emoção interagem ao longo das etapas da ontogênese (Yonelinas et al., 2010b).
Esses efeitos também variam conforme o tempo de exposição dos estímulos na etapa
de codificação e o intervalo entre treino e teste. O efeito da valência, que depende da
elaboração consciente do conteúdo, pode ser diferente se o tempo disponível para
codificação foi maior. Ademais, o efeito da emoção sobre a memória episódica
costuma ser maior com o decorrer de tempo após a sessão de codificação. Assim,
não sabemos qual a dinâmica temporal dos efeitos diferenciais do alerta e valência
positiva e negativa nesse processo.
Em síntese, observamos que estímulos negativos são mais recuperados que
estímulos positivos, a despeito do nível de alerta, o que ocorre por meio do aumento
do componente de lembrança favorecido pela valência negativa. O alerta aumenta a
72
ocorrência de falsas memórias, possivelmente porque as pessoas tornam-se mais
confiantes em sua recuperação. Nenhuma das dimensões emocionais alterou o
componente de familiaridade. As dimensões de alerta e valência emocional interagem
de forma complexa e independente com os componentes da memória episódica, o
que torna fundamental que essas variáveis sejam levadas em consideração nos
estudos futuros.
73
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