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EFICIÊNCIA ENERGÉTICA,
POLÍTICAS PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE
Monica Menkes Tese de Doutorado
Brasília, DF: Março de 2004
ii
iii
MENKES, MONICA Eficiência energética, políticas públicas e sustentabilidade, 295 p., 297 mm,(UnB-CDS, Doutor, Desenvolvimento Sustentável, 2004). Tese de Doutorado – Universidade de Brasília. Centro de Desenvolvimento Sustentável. 1. Eficiência energética 2. Política ambiental 3. Política pública 4. Desenvolvimento sustentável I. UnB-CDS II. Título (série) É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta tese e emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O autor reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta tese de doutorado pode ser reproduzida sem a autorização por escrito do autor.
_____________________________
Monica Menkes
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a dedicação e a orientação do Prof. Marcel Bursztyn, que
possibilitou a conclusão desta tese.
À Maria Augusta Bursztyn, que me incentivou, arduamente, a realizar esse
Doutorado.
A todos os professores do curso, em especial a Profa. Laís Mourão, cuja matéria me
cativou a participar do processo de seleção do Doutorado.
Ao Prof. Aroudo Mota, que acreditou na importância do meu trabalho.
Agradeço a todos os técnicos, pesquisadores e professores entrevistados, em
especial a Howard Geller, que atendeu prontamente a minha solicitação e se mostrou
disponível para quaisquer contribuições de ordem técnica.
Agradeço aos componentes da banca de tese Professores Maria Augusta Bursztyn,
Paulo Egler, Emilio La Rovere e Alessandra Magrini, que aceitaram prontamente o
convite, embora estivessem com suas agendas lotadas.
Aos companheiros de turma de Doutorado de 2000 que se tornaram verdadeiros
amigos especialmente às amigas Rachel Blumenshein, Suzana Pádua e Izabel Zanneti pelo
carinho, força e amizade no decorrer desses anos.
A todos os que eu não citei , mas que de alguma maneira colaboraram para a
conclusão dessa tese.
Ao MCT, que permitiu, financeiramente, que eu terminasse esse doutorado,
especialmente a Maria Dalva e Lucrécia que sempre se mostraram atenciosas.
E enfim, a minha família, Beto, Carol e Theo, que compartilharam comigo este
trabalho durante estes anos e à quem eu dedico esta tese.
v
RESUMO
O objetivo desta tese é avaliar a efetividade da eficiência energética enquanto
instrumento de política ambiental.
A integração entre a política de eficiência energética e ambiental foi demonstrada
por meio de estudos de caso de quatro países: França, Reino Unido, Canadá e Estados
Unidos, cujas experiências foram fundamentais para a implementação da política de
eficiência energética no Brasil.
A experiência brasileira também é analisada, mostrando o arranjo institucional das
ações de eficiência energética e oscilações que ocorreram ao longo do tempo, face,
principalmente, às mudanças político-institucionais.
Procurou-se abordar a reforma do setor elétrico, especialmente no que se refere às
implicações para a política de eficiência energética e ambiental. Neste sentido foi
ressaltada, a importância da atuação do Estado como regulador e regulamentador das ações
que dizem respeito a essas políticas.
Foram também listados alguns condicionantes para que a eficiência energética se
efetive como instrumento de política energética e ambiental no Brasil.
Entre as conclusões da tese destacam-se que o principal motivo para a
implementação de eficiência energética nos países desenvolvidos é de ordem ambiental; a
interação entre programas de eficiência como água, energia, reciclagem, possibilitam a
economia de recursos naturais; O investimento em eficiência energética permite, um
retorno de cerca de 20 a 25% dos recursos no curto prazo e pode possibilitar, no longo
prazo, mais de 100% de retorno, sem contabilizar os ganhos ambientais. Contatou-se
ainda, que a política de eficiência energética exige a consolidação de parcerias do setor
público com o setor privado e que a participação social é imprescindível para a melhoria da
eficiência.
vi
ABSTRACT
The aim of this paper is to show that energy-efficient methods can contribute as
tools for environmental policy.
Experiences drawn from case studies in France, England, USA and Canada were
fundamental for the implementation of energy-efficient methods in Brazil.
The Brazilian experience is also analyzed by showing the path of the
institutionalization of energy efficient policies and the changes that followed such as the
reforms in the electricity sector, and the role of the State as the regulator.
Recommendations are made so that energy efficiency can become an effective
instrument of energy and environmental policy in Brazil.
Some of the conclusions of this paper highlight that the main reason for the
implementation of energy efficiency in developed countries is of environmental nature; the
importance of institutionalization of energy efficiency in an entity of environmental policy
which allows the existence of a constant interaction between efficiency programmes such
as water, energy, recycling, etc; the investment in energy efficiency methods allows a
return of between 20 and 25% of the resources and can, in the long run, enable a return of
more than 100% without taking into account the environmental gains; that energy efficient
policies demands the consolidation of the public and private sectors and that social
participation is indispensable for the improvement of energy efficiency.
vii
RÉSUMÉ
L'objectif de cette thèse est démontrer que la politique d'efficience énergétique
peut contribuer comme instrument de politique environnementale, à exemple dont viennent
en se produisant dans la plupart des pays développés.
L'intégration entre la politique d'efficience énergétique et environnementale a été
démontrée au moyen d'études de cas de quatre pays : France, Royaume-Uni, Canada et
États-Unis, dont les expériences ont été fondamentales pour la mise en oeuvre de la
politique d'efficience énergétique au Brésil.
L'expérience brésilienne est analysée aussi, montrant la disposition institutionnelle
des actions d'efficience énergétique et des oscillations qui se sont produites au long du
temps, face, principalement aux changements politique-institutionnelles.
Il s'est cherché aborder la réforme du secteur électrique, surtout en ce qui concerne
aux implications pour la politique d'efficience énergétique et environnementale. Dans ce
sens a été mit l’accent sur l’importance de la performance de l’État comme régulateur et
réglementaire des actions qui concernent à ce politiques.
Aussi ont été énumérées quelques conditions importantes pour lesquelles
l'efficience énergétique s'accomplisse comme instrument de politique environnementale au
Brésil.
Entre les conclusions de la thèse se détachent que la principale raison pour la mise
en oeuvre d'efficience énergétique dans les pays développés est d'ordre environnemental ;
l'importance de l'institutionnalisation de l'efficience énergétique dans une agence de
politique environnementale, qui permet, par exemple, qui existe une constante interaction
entre des programmes d'efficience comme l'eau, l'énergie, la recyclage, etc.;
L'investissement en efficience énergétique permet un retour d'environ 20 à 25% des
ressources et peut rendre possible, dans un long délai, plus de 100% de retour, sans
comptabiliser les profits environnementaux. Que la politique d'efficience énergétique exige
la consolidation de partenariats du secteur public avec le secteur privé et que la
participation sociale soit indispensable pour l'amélioration de l'efficience.
viii
SUMÁRIO RESUMO....................................................................................................................................v ABSTRACT...............................................................................................................................vi RÉSUMÉ ................................................................................................................................. vii Lista de Quadros ........................................................................................................................xi Lista de Figuras........................................................................................................................ xii Lista de Siglas e Abreviaturas.................................................................................................. xii INTRODUÇÃO.........................................................................................................................1 1. ENERGIA, EFICIÊNCIA ENERGÉTICA, E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL ...........................................................................................................8 1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS ACERCA DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL....................................................................8 1.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL..................................................................11 1.2.1 Indicadores de sustentabilidade ....................................................................................14 1.3 ENERGIA, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ..........18 1.3.1 Eficiência energética, economia sustentável e meio ambiente.....................................19 1.3.2 Impactos da produção e uso da energia elétrica ...........................................................21 1.3.3 Efeito estufa e mudanças climáticas .............................................................................28 2. POLÍTICAS PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE..............................................32 2.1 A QUESTÃO INSTITUCIONAL ................................................................................32 2.2 CRISE DO ESTADO....................................................................................................34 2.3 NEOLIBERALISMO....................................................................................................35 2.3.1 Um novo papel para o Estado – Estado Forte ..............................................................37 2.3.2 O papel da sociedade civil na reconstrução do Estado.................................................39 2.4 POLÍTICA PÚBLICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .........................46 2.4.1 Desenvolvimento econômico x desenvolvimento sustentável: introdução ao debate
político ..........................................................................................................................47 2.4.2 A institucionalização das políticas de meio ambiente ..................................................50 2.4.3 Políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e o Terceiro Setor ..................52 2.4.4 O Estado e o desenvolvimento sustentável...................................................................53 3. REFORMA E PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO ..................................56 3.1 REGULAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, DESREGULAMENTAÇÃO E RE-
REGULAMENTAÇÃO................................................................................................56 3.2 REFORMA DO SETOR ELÉTRICO - ANTECEDENTES ........................................58 3.3 EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE REFORMA DO SETOR ELÉTRICO ....60 3.4 A REGULAÇÃO E A REGULAMENTAÇÃO NA REFORMA E
PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO ................................................................65 3.4.1 Experiências regulatórias internacionais ......................................................................65 3.5 A REFORMA E PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO NO BRASIL...............67 3.5.1 Antecedentes.................................................................................................................67 3.5.2 Implementação da reforma ...........................................................................................70 3.5.3 Implementação da privatização ....................................................................................73 3.5.4 Experiência regulatória no Brasil .................................................................................75 3.5.5 A ANEEL como agência reguladora ............................................................................82 3.6 A QUESTÃO AMBIENTAL E DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NA REFORMA
E PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO.............................................................84 3.6.1 Antecedentes: Implementação das ações socioambientais no âmbito do setor
elétrico ..........................................................................................................................84
ix
3.6.2 A inserção das questões socioambientais no planejamento do setor elétrico...............88 3.6.3 A reforma, a privatização do setor elétrico e o desenvolvimento sustentável..............92 3.7 A QUESTÃO AMBIENTAL DIANTE DA DESREGULAMENTAÇÃO DO
SETOR ELÉTRICO......................................................................................................93 3.7.1 A matriz energética frente à desregulamentação do setor elétrico ...............................98 3.8 A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E A DESREGULAMENTAÇÃO DO SETOR
ELÉTRICO .................................................................................................................101 3.9 A CRISE DE ENERGIA ELÉTRICA DO ANO DE 2001 ........................................104 3.10 A DESREGULAMENTAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO NO BRASIL E O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL................................................................106 4. EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS EM EFICIÊNCIA ENERGÉTICA .....110 4.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA...........................110 4.1.1 Organizações não governamentais .............................................................................114 4.2 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NA FRANÇA ............................................................114 4.2.1 Legislação...................................................................................................................116 4.2.2 Os programas da ADEME..........................................................................................116 4.2.3 Instrumentos econômicos ...........................................................................................120 4.3 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NO REINO UNIDO ..................................................122 4.3.1 Legislação/Regulamentação .......................................................................................123 4.3.2 Principais programas de eficiência energética e meio ambiente ................................124 4.3.3 Instrumentos econômicos: ..........................................................................................129 4.4 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NOS ESTADOS UNIDOS ........................................134 4.4.1 Legislação /Regulamentação ......................................................................................135 4.4.2 EERE – Principais programas ....................................................................................137 4.4.3 Instrumentos econômicos ...........................................................................................145 4.4.4 Eficiência energética e gestão ambiental nos EUA ....................................................148 4.4.5 Organizações não Governamentais - ONGs...............................................................149 4.5 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NO CANADÁ ...........................................................150 4.5.1 Legislação e Regulamentação ....................................................................................150 4.5.2 Programas do OEE .....................................................................................................151 4.5.3 Instrumentos econômicos ...........................................................................................155 4.6 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NAS
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS .....................................................................156 4.6.1 Legislação...................................................................................................................157 4.6.2 Padrões de eficiência energética para edificações ......................................................157 4.6.3 Padrões de eficiência energética para equipamentos..................................................159 4.6.4 Certificação/etiquetagem ............................................................................................160 4.6.5 Diagnósticos energéticos ............................................................................................163 4.6.6 Instrumentos econômicos ...........................................................................................165 4.7 ASPECTOS QUANTITATIVOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS DE
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ....................................................................................169 5. EFICIÊNCIA ENERGÉTICA – A EXPERIÊNCIA NACIONAL......................179 5.1 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA: RAZÕES ECONÔMICAS, DE SEGURANÇA E
AMBIENTAIS ............................................................................................................180 5.1.1 Eficiência energética visando suprir a demanda de energia elétrica ..........................181 5.1.2 O fator economia ........................................................................................................182 5.2 A EXPERIÊNCIA NACIONAL.................................................................................185 5.2.1 O Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica - PROCEL.....................185 5.2.2 Outras Linhas de financiamento para projetos eficientes ...........................................194 5.3 PROGRAMAS IMPLEMENTADOS PELO PROCEL E PARCERIAS...................195
x
5.3.1 Atividades setoriais do PROCEL ...............................................................................198 5.3.3 GESTÃO ENERGÉTICA ESTADUAL E MUNICIPAL ..........................................204 5.4 O PAPEL DA AGÊNCIA REGULADORA E DO MINISTÉRIO DE MINAS E
ENERGIA/MME NA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ................................................207 5.5. PLANO ENERGIA BRASIL – EFICIÊNCIA ENERGÉTICA – PRINCIPAIS
AÇÕES (CGE, 2001). .................................................................................................209 5.6 A ATUAÇÃO DO MMA NAS AÇÕES DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA.............215 5.7 A PROPOSTA DE MODELO INSTITUCIONAL DO SETOR ELÉTRICO E A
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ....................................................................................216 5.8 O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL NA IMPLEMENTAÇÃO DA EFICIÊNCIA
ENERGÉTICA............................................................................................................217 5.9 ASPECTOS NEGATIVOS E POSITIVOS DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA EM
NÍVEL FEDERAL......................................................................................................219 5.9.1 Aspectos negativos: ....................................................................................................219 5.9.2 Aspectos positivos: .....................................................................................................220 6. CONDICIONANTES PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA EFICIÊNCIA
ENERGÉTICA COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL......................................................................................................................222
6.1 ARRANJO INSTITUCIONAL...................................................................................222 6.2 ESTADO FORTE .......................................................................................................223 6.3 LEGAIS/NORMATIVAS...........................................................................................225 6.4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL ........................................................................................227 6.5 EDUCAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO E MARKETING ..........................................229 6.6 INSTRUMENTOS ECONÔMICOS ..........................................................................230 6.6.1 Incentivos fiscais, incentivos financeiros e financiamentos .......................................232 6.6.2 Subsídios ao preço da energia ....................................................................................232 6.6.3 Contratos de Performance e ESCOs...........................................................................233 6.7 AVANÇOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS.....................................................234 6.8 REQUISITOS ÉTICOS ..............................................................................................237 6.9 ACORDOS INTERNACIONAIS...............................................................................239 6.10 PROMOÇÃO DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NO BRASIL................................241 CONCLUSÃO.......................................................................................................................249 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................259
xi
Lista de Quadros
Quadro 1 - Síntese dos principais indicadores utilizados pela OCDE em energia – meio
ambiente.......................................................................................................................17
Quadro 2 - Energia x problema ambiental ...........................................................................24
Quadro 3 - Evolução da implantação do Programa Prioritário de Termelétricas ................96
Quadro 4 - Instituições de eficiência energética internacionais (países selecionados/2003)
....................................................................................................................................112
Quadro 5 - Programas internacionais de eficiência energética/mudanças climáticas (países
selecionados)..............................................................................................................113
Quadro 6 - Empregos diretos e indiretos por £ 1 milhão investidas..................................133
Quadro 7 - Experiências internacionais - Legislação / Regulamentação..........................163
Quadro 8 - Incentivos Fiscais – Experiência internacional ............................................166
Quadro 9 – Incentivos Financeiros – Experiência internacional ......................................167
Quadro 10 - Custos e impactos estimados de programas de eficiência energética e
conservação de energia no ano de 2001 - EUA .........................................................170
Quadro 11 - Estimativa de retornos para investimentos em eficiência energética nos EUA
....................................................................................................................................170
Quadro 12 - Resultados gerais considerando a implementação de políticas de eficiência
energética para 2010 e 2020 - EUA...........................................................................171
Quadro 13 - Redução de emissões para cada política adotada (MTM) - EUA..................172
Quadro 14 - Redução do uso de energia por política setorial implementada nos EUA.....173
Quadro 15 - Comparação da redução de consumo e de economia gerada prevista nos três
estudos apontados - EUA...........................................................................................174
Quadro 16 - Análise de custo benefício baseado em cenários com e sem investimentos em
eficiência energética nos EUA...................................................................................177
Quadro 17 - Resultados Acumulados pelo PROCEL (1986-1998) ...................................187
Quadro 18 - Metas de economia de energia previstas para o período 2000-2002.............188
Quadro 19 - Investimentos realizados pelas empresas de energia elétrica em eficiência
energética e resultados gerados..................................................................................190
Quadro 20 - Comparativos de investimentos realizados - PROCEL (1994-2000)...........191
Quadro 21 - Valor dos investimentos em projetos de P&D aprovados pela ANEEL para os
ciclos 1999/2000 e 2000/20001 .................................................................................192
xii
Quadro 22 - Utilização de recursos do BIRD ....................................................................193
Quadro 23 - Utilização de Recursos do GEF.....................................................................194
Quadro 24 - Emissões evitadas pelo PROCEL, 1990-2020 ..............................................203
Quadro 25 - Matriz comparativa de eficiência energética países estudados .....................218
Quadro 26 - Matriz indicativa de ações em eficiência energética passíveis de serem
implementadas em curto e médio prazo.....................................................................247
Lista de Figuras
Figura 1 - Contribuição dos principais gases de efeito estufa para o aquecimento global 29
Figura 2 - Quantidade de Emissões de Dióxido de Carbono e Metano para 1000 MW de
eletricidade gerada .......................................................................................................30
Figura 3 - Variação do PIB x Consumo de energia elétrica (%) - Brasil...........................181
Lista de Siglas e Abreviaturas
ACEEE - American Council for an Energy Efficiency Economy
ADEME - Agence de l’environement et la matrise de energie
AFVs - Alternative Fuel Vehicles
AGO- Australian Greenhouse Office
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CBIP - Commercial Building Incentive Program
CCC - Conta Consumo de Combustíveis
CCL - Climate Change Levy
CCMA - Comitê Consultivo de Meio Ambiente
CCPE - Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos
CEMA - Comissão Especial de Meio Ambiente
CEPEL - Centro de Pesquisas Elétricas da Eletrobrás
CFCs - clorofluorcarbonetos
CFVs - Clean fuel vehicles
xiii
CGE - Câmara de Gestão da Crise de Energia
CGIEE - Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência Energética
CGSE - Câmara de Gestão do Setor Energético
CH - metano
CNI - Confederação Nacional das Indústrias
CNPE - Comitê Nacional de Política Energética
CO - monóxido de carbono
CO2 - dióxido de carbono
COMASE - Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor Elétrico
CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONPET - Programa Nacional de Racionalização do Uso dos Derivados de Petróleo e do
Gás Natural
COPPE/UFRJ - Coordenação de Programas em Pós Graduação em Engenharia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
CPTA - Comissão de Planejamento de Transmissão da Amazônia
CTSA - Comitê Técnico para Estudos Socioambientais
DEFRA - Department of Environment Food and Rural Affairs
DETR - Departament of Environment Transports and Regions
DOE - Departament of Energy
DSM - Demand Side Management
EDF - Életricité de France
EEAC - Energy Efficiency Advice Centers
EEBPP - Energy Efficiency Best Practice Programme
EEC- Energy Efficiency Commitment
EERE - Energy Efficiency and Renewable Energy
EFEI - Escola Federal de Engenharia de Itajubá
EII - Energy Innovators Initiative
EPA - Environmental Protection Agency
ESCOs - Energy Service Companies
EST - Energy Saving Trust
FBI - Federal Buildings Initiative
FCC - Federal Communications Comission
FERC - Federal Electric Regulatory Commission
FEMP - Federal Energy Management Program
xiv
FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos
GCPS - Grupo de Coordenação do Planejamento do Sistema de Energia Elétrica
GEF - Global Environment Facility
GLD - Gerenciamento pelo Lado da Demanda
GTZ - Deutsche Gesellschaff für Technische Zusammenarbeit
HCs - hidrocarbonetos totais
HECAction - Home Energy Conservation Act
HEES - Home Energy Eficiency Scheme
IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IEA - International Energy Agency
ILUMINA - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético
INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia
INEE - Instituto Nacional de Eficiência Energética
INFORSE - International Network Sustainable Energy
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPMVP - International Performance Measurement and Verification Protocol
IPT - Instituto de Pesquisa Tecnológica
ISEW - Index of Sustainable Economic Welfare
LIPA - Long Island Power Authority
MAE - Mercado Atacadista de Eletricidade
MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
MIPS - Material Intensity per Unity of Service Delivered
MMA - Ministério do Meio Ambiente
MME - Ministério de Minas e Energia
MPES - Minimum Energy Performance Standards
NAECA - National Appliance Energy Conservation Act
NEPA - National Environment Policy Act
NICE - National Industrial Competitiveness through energy environment and economics
NOVEM - Agência Holandesa de Energia e Meio Ambiente
NOx - Óxidos de Nitrogênio
NO2 - Dióxido de Nitrogênio NRCANs - Natural Resources of Canadá/Office of Energy Efficiency
xv
NYPA - New York Power Authority
NYSERDA - New York State Energy Research and Development Authority
O3 - Ozônio
OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos
OEE - Office of Energy Efficiency
OFFER - Office of Eletricity Regulation
OFGEM - Office of the Gas and Electricity Markets
OIT - Office of Industrial Technologies
OLADE - Organização Latino-Americana de Energia
ONGs - Organizações Não Governamentais
ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico
PAN - peroxiaceltilnitrato
PBF - Public Benefit Fund
PCHs - Pequenas Centrais Hidroelétricas
PES - Public Electricity Suppliers
PG&E - Pacific Gas & Eletric
PLANAFLORO - Projeto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal de Rondônia
PNAEE - Programa Nacional de Melhoria da Eficiência Energética
PNEPP - Programa Nacional de Eficientização de Prédios Públicos
PPA - Plano Plurianual
PPT - Programa Prioritário de Termelétricas
PREDIT - Programa Nacional de Pesquisa e de Inovação nos Transportes Terrestres
PROCEL - Programa de Nacional de Conservação de Energia Elétrica
PROINFA - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica
PROCECON - Programas de Conservação de Energia nas Concessionárias
PRODEAGRO - Projeto de Desenvolvimento Agroambiental do estado de Mato Grosso
PUC - Public Utilities Commission
RCE - Rede Cidades Eficientes em Energia Elétrica
RGR - Reserva Global de Reversão
SEMA - Secretaria Especial de Meio Ambiente
SEMAM - Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República
SISNAMA - Sistema Nacional de Meio Ambiente
SoCal Edison - Southern California Edison
SoP - Electricity Standards of Performance
xvi
SOx - óxido de enxofre
SUDHEVEA - Superintendência da Borracha
SUDEPE - Superintendência do Desenvolvimento da Pesca
SDR - Sustainable Development Records
Super ESPCs - Super Performance Contracts
USAID - US Agency for International Development
WEC - World Energy Council
1
INTRODUÇÃO
Após dois séculos de consumo perdulário de energia, de desconsideração com as
conseqüências ambientais da industrialização e do consumismo e do esgotamento de
recursos naturais, as últimas décadas do século 20 revelam uma mudança de condutas que
se reflete tanto nas políticas públicas quanto no grau de consciência e de exigências da
população.
No âmbito das ciências e das políticas públicas, dois marcos situam esse período: a
importância do meio ambiente para a Humanidade e a necessidade de um
desenvolvimento mais sustentável.
O setor energético, por sua vez, passa a ser muito visado tanto pelos efeitos
negativos ao meio ambiente e às populações, causados por projetos de grande porte,
quanto pelo desperdício e pela ineficiência de sua produção e de uso, intrínseca ao setor.
Eficiência energética é a capacidade de utilizar menos energia para produzir a
mesma quantidade de iluminação, aquecimento, transporte e outros serviços baseados na
energia (US National Policy Development Group, 2001).
A eficiência energética veio se tornando cada vez mais um ponto recorrente nas
discussões sobre a demanda de energia em nível global e possui hoje um papel
preponderante nas políticas mundiais de energia e de meio ambiente, em especial naquelas
relacionadas às mudanças climáticas.
Embora as primeiras iniciativas de conservar energia surjam na década de 1970, em
virtude, principalmente, das crises do petróleo de 1973 e 1979, a questão da eficiência
energética toma vulto, na década de 1990. As discussões sobre o aumento das emissões de
gases do efeito estufa, que se acentuam especialmente após a Conferência Mundial do
Meio Ambiente, propiciaram, entre outros resultados, um acordo internacional sobre
Mudanças Climáticas.
A Conferência resultou na criação e/ou na reestruturação de instituições destinadas
a tratar de ações de eficiência energética como estratégia para o cumprimento das metas
quantitativas e do cronograma para redução do consumo de combustíveis fósseis e da
produção de gases causadores do efeito estufa1, como estipulado no Protocolo de Kioto2.
1 Principais gases do efeito estufa: Dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), Oxido Nitroso (N2O),
Clorofluorcarboneto (CFC) e Ozônio (O3).
2
De uma maneira geral, essas instituições estabeleceram programas que visam
promover a eficientização energética nos setores industrial, residencial, comercial, de
transportes, construção civil, além de máquinas, equipamentos e iluminação. Pelo lado da
oferta de energia, também foram efetivados programas de eficiência nas empresas
concessionárias, visando diminuir o custo de geração e o desperdício de energia.
Alguns países criaram instituições específicas para tratar da questão da eficiência
energética. A maioria dessas são subordinadas ao Ministério do Meio Ambiente e órgãos
afins, e seus papéis principais são promover a melhoria do meio ambiente e a qualidade de
vida das populações, por meio de programas de eficiência energética e de meio ambiente,
tais como: o estímulo ao uso de fontes renováveis de energia, incentivos financeiros para
isolamento térmico, etc). São exemplos: a Australian Greenhouse Office (AGO), a
Agência Holandesa de Energia e Meio Ambiente (NOVEM), a Agence de l’Environement
et la Matrise de Energie (ADEME) - Agência de Meio Ambiente e Matriz Energética
Francesa - Natural Resources of Canadá/Office of Energy Efficiency (NRCANs/OEE),
entre outras.
Em outros casos, a própria agência do meio ambiente conduz programas de
eficiência energética. Nos EUA, a Environmental Protection Agency (EPA), atua nesse
sentido, implementando programas de grande porte, como o Green Lights e o Energy
Star.
Algumas outras agências situam-se no âmbito das instituições federais de energia.
Em alguns países, a eficiência energética está instituída em bases legais, como é o caso do
Japão (Lei de Conservação de Energia), do Canadá (Energy Efficient Act de 06/92) e dos
EUA (Energy Acts).
No Brasil, a eficiência energética ainda não é tida, na prática, como um
instrumento de políticas públicas de meio ambiente. Embora o tema das mudanças
climáticas e da poluição atmosférica urbana venha sendo enfatizado na política ambiental
global, no Brasil, não há ainda uma ampla conscientização de que uma das formas efetivas
2 A Conferência realizada em Kioto, Japão, em dezembro de 1997, culminou na decisão por
consenso de adotar-se um Protocolo (instrumento para implementar a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) segundo o qual os países industrializados reduziriam suas emissões combinadas de gases de efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990 até o período entre 2008 e 2012. O Protocolo de Kioto foi aberto para assinatura em 16 de março de 1998, e entrará em vigor 90 dias após a sua ratificação por pelo menos 55 membros da Convenção. Esse número deve incluir os países membros listados no Anexo 1 do Protocolo (os países industrializados), os quais são responsáveis por 55% das emissões totais de dióxido de carbono no planeta.
3
para minimizar esses danos ambientais seja a institucionalização de programas de
eficiência energética.
Os fatores que incentivam o país a estabelecer programas de eficiência energética
são, principalmente, de ordem econômica (diminuição de custos) e energético (segurança
no suprimento de energia elétrica).
No nosso estudo tomamos como base os casos dos EUA, França, Inglaterra,
Canadá e Brasil. As quatro experiências internacionais foram escolhidas, principalmente,
pelas ações inovadoras em eficiência energética. O Brasil tem se baseado nas práticas
desses países para implementar suas ações nessa área. Enquanto nos países desenvolvidos
as ações de eficiência energética são centradas na política ambiental, no Brasil estas ainda
são focadas na política energética.
O objetivo geral dessa tese é avaliar a efetividade da eficiência energética
enquanto instrumento de política ambiental.
Para tanto, foram definidos alguns objetivos específicos:
1. Analisar experiências internacionais de programas de eficiência energética e suas
vinculações com a política ambiental;
2. Demonstrar que a desestatização do setor energético possui implicações na política
de energia, nos padrões e mecanismos para a eficiência energética e para a política
ambiental;
3. Verificar se o Programa de Nacional de Conservação de Energia Elétrica
(PROCEL) e outras ações que vêm sendo realizadas em relação à eficiência
energética no Brasil vêm obtendo êxito em seu propósito e se existe integração
com a política nacional de meio ambiente;
4. Identificar as lacunas/requisitos existentes para que a eficiência energética seja
implementada como instrumento de política energética e ambiental;
As seguintes hipóteses foram levantadas:
A primeira hipótese da tese é: As ações de eficiência energética interagem com a
política ambiental, sendo na realidade um instrumento dessa política.
Os atores envolvidos no processo são: o Estado, por meio de instituições federais,
estaduais e municipais; as Energy Service Companies (ESCOs), empresas de serviços de
eficiência energética; as Organizações Não Governamentais (ONGs), que em sua maioria
atuam como programas voluntários nos países estudados e, por outro lado, as indústrias, os
usuários dos setores residencial e comercial, dos transportes, entre outros.
4
A segunda hipótese da tese é: A efetivação dos programas de eficiência energética
como instrumento de política ambiental, exige, por um lado, a intervenção do poder
público e, por outro lado, a participação social.
A questão da eficiência energética está também baseada em pelo menos outros três
fundamentos associados ao tema ambiental: economia de recursos naturais, acordos
internacionais e conscientização social ou demanda por uma produção ecologicamente
correta.
A metodologia adotada para a elaboração dos objetivos supracitados, foi em
primeiro lugar uma abrangente consulta bibliográfica relacionada ao tema. No caso das
experiências internacionais, a pesquisa incluiu principalmente, documentos oficiais das
agências de eficiência energética dos quatro países estudados: Agence de l’Environement
et la Matrise de Energie, Office of Energy Efficiency (OEE), Energy Saving Trust (EST) e
Energy Efficiency and Renewable Energy (EERE). Outros órgãos oficiais foram
consultados freqüentemente, tais como o Environmental Protection Agency, além de
instituições governamentais que atuam em conjunto com o setor privado como, por
exemplo, o Action Energy e Carbon Trust, no Reino Unido. A maioria desses documentos
foi acessada por meios eletrônicos. Foram checados várias vezes ao longo da elaboração
da tese, a fim de verificar alterações realizadas pelas instituições nesse período. Além
desses documentos, foram utilizados estudos técnicos realizados por organismos
internacionais, especialmente aqueles vinculados à pesquisa em temas energéticos e
ambientais, tais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos
(OCDE), International Energy Agency (IEA), American Council for Energy Efficient
Economy (ACEEE), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD),
World Energy Council (WEC), entre outras.
Das quatro experiências internacionais analisadas, os Estados Unidos é o país que
apresenta mais estudos e resultados quantitativos de ações e programas de eficiência
energética e emissões de gases de efeito estufa. Foi, portanto, possível incorporar à tese
mais dados sobre o assunto que nos outros países.
Para complementar a pesquisa internacional, foram visitados alguns centros de
assessoramento em eficiência energética, tais como o de Toronto, no Canadá e o de São
Francisco, nos EUA. Nesses locais, na posição de consumidora de energia elétrica, foram
disponibilizadas todas as informações disponíveis sobre a eficiência energética residencial,
que incluíam folders, CDs, etc.
5
Para a experiência nacional, foram utilizados documentos oficiais de órgãos de
energia, eficiência energética e ambiental, tais como o Ministério de Minas e Energia
(MME), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Programa Nacional de
Conservação de Energia (Procel), Ministério de Meio Ambiente (MMA), entre outros.
Também foram utilizados estudos técnicos de institutos de pesquisa, ONGs e
universidades relacionados a questões de eficiência energética, tais como da
COPPE/UFRJ, do Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE), Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor
Energético (ILUMINA), entre outros.
Cabe ressaltar que tanto no âmbito internacional quanto nacional, os dados
utilizados na tese foram baseados em grande parte em documentos e fontes oficiais, como
assinalado acima. É, portanto, passível de verificação a efetiva tradução dos propósitos em
resultados. A pesquisa não obteve análises críticas, talvez em razão da ainda recente
adoção das práticas estudadas cujo resultado real tende a ser verificável em prazo mais
longo.
Quanto às entrevistas realizadas (15), cuja listagem está em anexo, houve uma
preocupação em, por um lado, ouvir especialistas da área, especialmente professores que
vêm estudando as questões de eficiência energética e meio ambiente há algumas décadas.
Por outro lado, foram entrevistados os responsáveis pela coordenação de políticas de
eficiência energética e meio ambiente, no âmbito da Eletrobras/Procel, do MME, do
MMA, da ANEEL. Outras duas entrevistas foram solicitadas ao presidente de uma
organização não governamental dos EUA e por um representante de uma ESCO no Brasil.
As entrevistas foram realizadas via e-mail, telefone, ou pessoalmente. Alguns dos
entrevistados, ainda que não tenham se mantido nos mesmos cargos, participaram, em
algum momento, de programas vinculados às questões de eficiência energética e/ou meio
ambiente.
Quanto à abordagem das entrevistas, foram efetuadas três questões básicas para
serem respondidas, além de questões específicas relacionadas à experiência de cada
interlocutor ou ao tipo de trabalho/estudo que cada um vinha desenvolvendo. As
perguntas gerais são as seguintes: Qual a importância da eficiência energética para a
política ambiental? Como deveria ocorrer a interação entre a eficiência energética e a
política ambiental? Quais os gargalos (técnicos, políticos, econômicos, etc.) para a
integração dessas duas políticas?
6
Por fim, foi de grande valia para a elaboração da tese, a bagagem de quase vinte
anos de serviço público, trabalhando com políticas públicas de ciência e tecnologia e meio
ambiente e a experiência acadêmica na Coordenação de Pós-Graduação de Programas em
Engenharia (COPPE/UFRJ), onde realizei mestrado no tema energia e meio ambiente,
fazendo simultaneamente, consultorias para a Eletrobrás na mesma área.
Quanto a estrutura da tese, o primeiro capítulo abrange noções e conceitos de
energia, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, explicitando as interações entre
estes e introduzindo a articulação desse trinômio com a eficiência energética.
O segundo capítulo aborda a crise do Estado, que afeta suas instituições, em grande
medida associada ao neoliberalismo, e as relações entre políticas públicas e
desenvolvimento sustentável. Não se trata de um estudo geral sobre políticas públicas, mas
sim de um sobrevôo das análises atuais sobre o papel do Estado na promoção de funções
de natureza pública, contextualizando as limitações e desafios resultantes da crise de
governabilidade. O capítulo serve para situar a questão da regulação como elemento
crucial associado ao objeto desta tese.
No terceiro capítulo são abordados os aspectos da reforma e da privatização do
setor elétrico. É explicitada a desregulamentação do setor elétrico, especialmente no que
diz respeito às interferências que poderão ou irão ocasionar na política ambiental e de
eficiência energética, objeto de nosso estudo. Questões que não dizem respeito
diretamente à dimensão ambiental e à eficiência energética – como é o caso da crise de
energia elétrica brasileira ocorrida em 2001 – serão abordadas como pano de fundo, de
forma a possibilitar uma compreensão do processo como um todo.
No capítulo 4, são abordados os estudos de caso da França, Inglaterra, EUA e
Canadá, mostrando a evolução dos programas de eficiência energética nestes países, no
que se refere a experiências com êxito (institucionalizadas e legalizadas) e que podem
trazer exemplos relevantes para a implementação de programas de eficiência energética
agregados à política ambiental brasileira. Nesses capítulo são feitas, ainda, considerações
gerais acerca das experiências internacionais estudadas. Embora a maioria dos
mecanismos de eficiência energética se repita nos quatro países analisados, existem
características próprias que diferenciam as ações de eficiência energética de cada País.
O capítulo 5 explicita a experiência nacional – em níveis federal, estadual e
municipal – identificando a experiência brasileira em relação à implementação de
7
programas, projetos, e/ou ações em eficiência energética e as possibilidades de avanços
em direção a sustentabilidade energética e ambiental.
No capítulo 6 são abordados alguns requisitos/prerrogativas necessários para a
implementação da eficiência energética como instrumento de política ambiental ou de
desenvolvimento sustentável. Trata-se de mecanismos de diversas ordens, que podem
tornar mais possível a implementação de programas de eficiência energética eficazes em
termos de diminuição do consumo de energia na produção e no uso final; menor produção
de gases causadores do efeito estufa e possibilidade de conscientização e mudança
comportamental para a sociedade. São destacados requisitos institucionais, legais,
internacionais, sociais, econômicos, governabilidade, educação, conscientização,
marketing, a dimensão ética, avanços científicos e tecnológicos e requisitos políticos, bem
como algumas recomendações para implementação de políticas de eficiência energética e
ambiental.
Ao final, são apresentadas as conclusões da tese.
8
1. ENERGIA, EFICIÊNCIA ENERGÉTICA, E
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Neste capítulo são apresentados conceitos utilizados e sua evolução. Inicia-se com
aspectos conceituais de eficiência energética e desenvolvimento sustentável, indicadores
de sustentabilidade, passando-se, em seguida, para a interação entre energia, meio
ambiente e desenvolvimento sustentável, explicitando os impactos ambientais da produção
e do uso da energia em nível local, regional e global. Será dado destaque ao efeito estufa e
mudanças climáticas.
1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS ACERCA DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A maioria dos autores que tratam das questões sobre eficiência energética, aponta
estas ações como sendo um dos instrumentos-chave para a diminuição dos impactos
ambientais em níveis locais, regionais e globais, especialmente no que se refere à redução
das emissões de gases de efeito estufa.
Alguns autores vão além, defendendo que as medidas de eficiência energética,
dependendo da forma e da sua aplicação – respeitando padrões culturais, sociais, ambientais
e especificidades locais – poderão contribuir para as metas de um desenvolvimento
sustentável. Para ser sustentável, o desenvolvimento deve implementar eficiência
econômica, proteger e restaurar os sistemas ecológicos e melhorar a qualidade de vida das
populações (Kats, 1998).
O objetivo de toda política energética deve ser contribuir para o desenvolvimento
sustentável da sociedade. De todas as opções de políticas energéticas, o desenvolvimento de
fontes de energia renováveis e a adoção da eficiência energética são, sem dúvida, os
instrumentos mais afinados aos critérios do desenvolvimento sustentável (OECD, 2000).
Segundo Attfield (1999), o desenvolvimento sustentável depende de
responsabilidade e uso mais eficiente dos recursos, o que envolve a restrição do uso da
energia pelas sociedades e a adaptação dos estilos de vida, de acordo com os meios
disponíveis (ecológicos) do planeta.
De acordo com Sachs (1993), a verdadeira escolha não é entre desenvolvimento e
meio ambiente, mas entre formas de desenvolvimento sensíveis ao meio ambiente e formas
insensíveis ao mesmo. Para o autor, estamos na busca de um desenvolvimento que conjugue
9
crescimento econômico, geração de emprego e proteção adequada ao meio ambiente. Um
dos parâmetros apontados acerca do desenvolvimento sustentável é que o nível de consumo
dos países desenvolvidos não poderá ser estendido ao resto do mundo, sob pena de colocar
o planeta em risco ambiental. Estes é que terão que reduzir seus padrões de consumo para
atingir a sustentabilidade desejada. “Se desejarmos evitar o inevitável esgotamento do
capital natural, tanto como fonte de recursos, quanto como sumidouro de resíduos, o
processamento de energia e materiais deve ser contido” (Sachs, 1993).
Existem, entretanto, controvérsias sobre as mudanças necessárias nos padrões de
consumo das sociedades, especialmente dos países desenvolvidos, para que a eficiência
energética se concretize. Segundo o relatório “It doesn´t have to hurt” (Alliance to Save
Energy, 1997), a eficiência energética, a energia renovável e o gás natural podem reduzir
substancialmente, as futuras emissões de carbono, sem prejudicar economias ou estilos de
vida. Esse documento aponta que isso já tem ocorrido nos últimos 25 anos (entre 1973 e
1996), quando a eficiência energética e as energias renováveis supriram mais de 80% do
aumento das necessidades de energia nos EUA, comparativamente aos níveis de 1973, e
contribuíram, substancialmente, para a redução das emissões de carbono (8.286 milhões de
toneladas de carbono).
Segundo Jechoutek (1998), os benefícios advindos da eficiência energética podem
ser percebidos pelos principais atores envolvidos no processo, ou seja, as empresas, a
sociedade e as concessionárias de energia, desde que alguns requisitos sejam atendidos:
• Parcerias entre concessionárias e empresas de energia, órgãos financiadores, empresas
produtoras de equipamentos eficientes, principais consumidores (indústria e transporte);
• Adequação da eficiência à cultura e às necessidades de cada região;
• Energia a preços de mercado;
• Instituições fortes para implementar os projetos;
• Monitoramento e verificação da energia economizada;
• Custos transacionais mais baixos.
Levine et alli (1998), apontam que esforços contínuos de pesquisa e
desenvolvimento em tecnologias e práticas para aumento da eficiência energética são
essenciais para garantir um futuro energeticamente eficiente, além da implementação de
políticas efetivas de energia eficiente e de mais programas para a transferência de
conhecimento, de tecnologia e instrumentos para a transformação de mercados para os
países em desenvolvimento.
10
Geller (2003) afirma que, no longo prazo, o aumento da eficiência energética é
crítico para a redução das emissões de Dióxido de Carbono (CO2,), uma vez que não
existem tecnologias para o controle dessas emissões provenientes das usinas térmicas,
veículos, etc.
Mills e Rosenfeld (1998) apontam sete categorias, abaixo relacionadas, de benefícios
indiretos da não energia3, por meios de introdução de tecnologias de eficiência energética.
Estes benefícios não são facilmente quantificáveis, sendo melhor utilizados como incentivo
aos consumidores a adotarem tecnologias energeticamente eficientes, na medida em que
podem agregar valor quantitativo aos benefícios já conhecidos. Esse conceito assume papel
importante para alguns segmentos não tão sensíveis aos argumentos econômicos:
1. Melhoria do ambiente interno: conforto térmico, qualidade do ar, saúde e
segurança, entre outras;
2. Redução dos níveis de ruídos (ex. Janelas eficientes);
3. Economia de trabalho e de tempo (ex. Microondas eficiente);
4. Melhoria do controle do processo produtivo (ex. Motores com variação de
velocidade);
5. Aumento do bem-estar (ex. Reatores eletrônicos eliminam cintilação e ruídos
dos sistemas de iluminação);
6. Economia de água e redução do desperdício (eixos horizontais para lavadoras);
7. Benefícios diretos e indiretos da diminuição do tamanho do equipamento.
A maioria dos equipamentos tecnologicamente eficientes agrega múltiplos
benefícios indiretos da não–energia nas várias categorias supracitadas, como os reatores
eletrônicos, que além de gerar economia de energia, aumentam o conforto e a qualidade nos
ambientes, ao eliminar ruídos e cintilação das lâmpadas fluorescentes.
Cabe ressaltar, que esses benefícios indiretos da não-energia, podem vir a ter um
papel significativo, especialmente no que se refere aos benefícios ambientais resultantes de
medidas mais eficientes de produção de energia, que hoje não estão sendo contabilizados no
planos do setor energético, tais como conforto ambiental, melhoria da qualidade de vida e
melhoria da saúde.
3 “Tradução do inglês “non-energy benefits
11
Kuennen (1998) defende que a eficiência energética não pode ser encarada de forma
reducionista, mas sim como um meio de atingir objetivos mais amplos, como o
desenvolvimento sustentável e a equidade social. “Visto por um ângulo mais amplo, a
eficiência deve estar condicionada a uma filosofia que a reconhece como um meio de elevar
a finalidade humana e não um fim em si”. Nesse sentido, introduz o conceito de
relatividade ontológica da eficiência, na qual a eficiência de qualquer ação depende da
abordagem particularizada de cada meio onde será inserida, seja em termos sociais,
materiais, culturais, ideológicos, entre outros. Existe um risco, segundo ele, de nos atermos
a interesses estreitos de segmentos dominantes, que não estão comprometidos com a
questão mais ampla dos interesses sociais. “Esses atores defendem e introduzem as ações
eficientes como uma garantia do status quo, não colaborando absolutamente para o processo
de desenvolvimento sustentável” (Kuennen, 1998, p.4148).
Um exemplo da questão da eficiência no sentido amplo, aplicado ao setor de
transportes, seria uma política pública intensiva em transporte de massa, em carros elétricos,
um uso intenso das redes de comunicação, um desenho urbano que privilegie o pedestre e
transportes alternativos (bicicletas), direcionando a política como um fator cultural e
organizacional. Esta forma de atuar, englobando vários parâmetros ao mesmo tempo, ao
invés de tratar cada problema isoladamente por meio de uma tecnologia, permite ampliar o
conceito de eficiência Ao se tratar a integração entre a eficiência energética e o meio
ambiente, deve-se levar em conta a complexidade das questões envolvidas.
1.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A discussão acerca da necessidade da mudança do paradigma de desenvolvimento
econômico vem trilhando os meios acadêmicos há pelo menos três décadas. Desde o final
dos anos 1960, sobretudo a partir da Conferência de Estocolmo, em 1972, houve um sem
número de publicações, conferências, workshops e outros tipos de discussões acerca da
insustentabilidade das atividades humanas e dos impactos negativos sobre o meio
ambiente, que se revertem, geralmente, em prejuízos para o próprio Homem.
As principais correntes surgidas defendiam a busca de “um outro estilo de
desenvolvimento” propagado por Oswaldo Sunkel na década de 1970. Posteriormente, o
“ecodesenvolvimento” (Sachs, 1980, 1981 e 1986) e, finalmente, o chamado
12
desenvolvimento sustentável4 (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, 1988). Neste, qualquer alternativa de desenvolvimento, além da
dimensão econômica, terá também de ser ambiental e socialmente sustentável, priorizando
as necessidades básicas das gerações atuais e futuras e preservando os estoques atuais de
recursos5.
Embora o conceito de desenvolvimento sustentável venha sendo cada vez mais
assumido como uma necessidade planetária, observamos, ainda hoje, um desconcerto entre
as afirmações teóricas e a maioria das ações existentes a esse respeito. Na prática, ainda
vigora a ênfase determinante no crescimento econômico, no consumo crescente de bens e
na exploração dos recursos naturais não renováveis; ou seja, as atividades humanas
tornam-se cada mais insustentáveis.
A ciência e a tecnologia, por exemplo, podem ser instrumentos que desempenhem
um papel contra ou a favor do desenvolvimento sustentável. À medida em que vêm sendo
desenvolvidas com intuito de possibilitar o atendimento das “necessidades humanas”,
podem ser direcionadas tanto ao desenvolvimento sustentável – tais como as fontes de
energias alternativas - como ser forças motrizes do modelo de crescimento com
degradação ambiental.
A sustentabilidade exige estratégias que englobem as dimensões política, social,
científica, tecnológica, econômica e ambiental, dentro de uma ótica sistêmica. Não há
mais lugar para a visão unidisciplinar, quando se está diante de problemas complexos
como aqueles que gravitam em torno do conceito de sustentabilidade.
Barbier (1987) sugere que o desenvolvimento sustentável pode ser visto como uma
interação entre três sistemas: ambiental, econômico e social. O objetivo geral do
desenvolvimento sustentável é maximizar as metas que perpassam estes três sistemas em
direção a um processo adaptativo de trade-off. Essas metas seriam, resumidamente, o
atendimento e a satisfação das necessidades básicas, proteção e utilização ótima do meio
ambiente e reforço de grupos e comunidades. À eles há que se somar a justiça social, que
em países como o Brasil é um tema na ordem do dia.
4 A expressão desenvolvimento sustentável aparece inicialmente no relatório Bruntland. Ver: Nosso
futuro comum – Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1988). Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988.
5 Ver a respeito: Governo do Brasil, 1992. O desafio do desenvolvimento sustentável. Relatório para
a Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento.
13
Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável dependeria do uso equilibrado dos
recursos naturais, respeitando-se tanto o ritmo dos ecossistemas, quanto o atendimento das
necessidades básicas das sociedades apontadas pelas próprias comunidades.
Sachs (1993) corrobora da idéia de Barbier de que o desenvolvimento sustentável
está baseado no tripé meio ambiente, economia e sociedade. Ele defende que o
desenvolvimento sustentável deverá conjugar crescimento econômico, geração de
emprego e proteção adequada ao meio ambiente. Isso possibilita que a verdadeira escolha
não se dê entre desenvolvimento e meio ambiente, mas entre formas de desenvolvimento
sensível ao meio ambiente e formas insensíveis ao mesmo.
Ekins (1994) alerta para a existência de confusão entre os conceitos de
desenvolvimento e sustentabilidade. Enquanto o desenvolvimento pode ser considerado
como um processo resultante do crescimento do bem-estar da população, a
sustentabilidade pode ser considerada como a capacidade de este ter continuidade
indefinida no futuro.
A sustentabilidade ambiental relacionada às atividades humanas refere-se à
capacidade do meio ambiente em sustentar o modo de vida das populações. Assim, a
manutenção das funções do ambiente está relacionada à manutenção da sustentabilidade.
O conceito de resiliência6, oriundo da ecologia, é um elemento importante ao
entendimento da sustentabilidade. Outro conceito também relevante, que vem sendo
apropriado pelos economistas, é o de capacidade de suporte7.
A perda dessas funções insere custos que dificilmente podem ser calculados por
meio de métodos de valoração econômicos. Nesse caso, pode ainda haver
desenvolvimento, porém insustentável.
A insustentabilidade provem dos efeitos negativos das atividades de produção e
consumo, na medida em que estas ultrapassam a capacidade de suporte do meio ambiente,
ou seja, começam competir e afetar as funções ambientais, além de sua resiliência.
6 Resiliência é a capacidade que o sistema tem para se recompor das ações degradadoras,
absorvendo distúrbios, mas sem sofrer mudanças estruturais. Esse conceito tem origem em estudos da capacidade dos ecossistemas se regenerarem quando da presença de interferências exógenas.
7 Na biologia, a capacidade de suporte é a quantidade de fauna e flora que um determinado
ecossistema pode sustentar, sem comprometer a habilidade de longo prazo do ambiente em sustentar vida em um certo nível. O planeta também tem uma capacidade de suporte, que as atividades humanas não podem ultrapassar sob risco de comprometimento da qualidade de vida e de extinção dos recursos naturais.
14
Hueting (1980) considera que essa competição pode ser quantitativa (resulta da
extração e do esgotamento dos recursos), espacial (ocupação do espaço, provocando
congestionamento) ou qualitativa (resulta da emissão de substâncias e/ou ruídos,
resultando em altos níveis de concentração/perturbação).
Van der Bergh & Van der Straaten (1994), defendem que a sustentabilidade
ambiental está baseada na manutenção do estoque natural. Baseiam-se na conclusão de um
estudo realizado na Universidade de Edimburgo, denominado GlobEcco8, sobre o
esgotamento das reservas naturais, onde se destacam os seguintes pontos:
- Se as políticas econômicas e as tendências da população mundial persistirem,
daqui a 50 anos 80% das reservas de petróleo, gás natural e urânio estarão
esgotadas;
- Se o padrão de consumo da sociedade persistir nos moldes atuais, todo o
investimento em energias renováveis terá sido em vão;
- Se a redução dos padrões de emissão de dióxido de carbono tornar-se
obrigatória, será necessário restringir a taxa de uso de combustíveis fósseis
para as populações; e.
- A energia nuclear terá que ser mantida pelo menos por mais 50 anos (mesmo
com a introdução de energia solar) se quiser manter o padrão de consumo atual.
A seguir serão citados alguns indicadores de sustentabilidade utilizados para a
interação com a energia e meio ambiente.
1.2.1 Indicadores de sustentabilidade
Para se aferir o desenvolvimento sustentável ou insustentável, pode-se recorrer ao
uso de indicadores de desenvolvimento sustentável.
Nas últimas duas décadas do século 20, a discussão sobre o desenvolvimento
sustentável deu origem a metodologias e indicadores que foram sendo definidos no sentido
8 Como propostas de longo prazo, o estudo defende que o aumento do bem-estar material pode ser
possível desde que atendidas as seguintes condições: haver redução de consumo no 1º Mundo; haver redução do crescimento populacional no 3º Mundo; introduzir eficiência energética em escala maciça em todo o mundo; haver ajuda substancial do 1º para o 3º Mundo; cancelar as dívidas externas dos países e elaborar um programa de P&D em tecnologias alternativas, especialmente solar, em nível global.
15
de medir o grau de sustentabilidade do desenvolvimento de uma determinada sociedade,
ou a sustentabilidade de seus sistemas produtivos.
Um dos primeiros índices foi o de bem-estar econômico sustentável (Index of
Sustainable Economic Welfare - ISEW) desenvolvido por Daly e Cobb (1989). Este ajusta
a medida de consumo em função de uma variedade de fatores sociais e ambientais que
normalmente não são considerados em medidas de progresso econômico, como o PIB.
Outras estratégias de medição de sustentabilidade vieram a reboque, como o
conceito de Material Intensity per Unity of Service Delivered (MIPS) - Intensidade
Material por Unidade de Serviço Prestado. Conceito criado por Schmidt-Bleek (1999)
parte do princípio de que há uma relação entre o uso de recursos e o impacto ambiental
causado.
Na pegada ecológica9 (Rees & Wackernael, 1994), a medida resultante é dada em
termos da área terrestre necessária para dar suporte ao estilo de vida ou o modelo de
desenvolvimento de uma sociedade.
Bergstrom (1993) cria o Sustainable Development Records - SDR (Currículo de
Desenvolvimento Sustentável) que parte de uma avaliação sistêmica, visando maximizar o
gerenciamento de recursos em sua totalidade e incluindo capital humano e social,
ambiental e financeiro, entre outros.
A energia integra grande parte dos indicadores de sustentabilidade até hoje
apontados por algumas instituições que vêm trabalhando nesse sentido. Entre eles
ressaltam-se os oito indicadores estabelecidos pela Organização Latino-Americana de
Energia (OLADE), agrupados em três grandes dimensões:
Indicadores de dimensão econômica:
- Auto-suficiência energética: a sustentabilidade é associada à baixa participação
de importações na oferta energética;
- Robustez diante das mudanças externas: a sustentabilidade é associada a baixo
efeito de exportações energéticas no PIB;
- Produtividade energética: relação PIB/energia consumida, o inverso da
intensidade energética.
9 Pegada Ecológica permite calcular a área de terreno produtivo necessária para sustentar o nosso
estilo de vida.
16
Indicadores de dimensão social:
- Cobertura elétrica: percentual de municípios eletrificados;
- Cobertura das necessidades energéticas básicas; consumo de energia útil
residencial;
Indicadores da dimensão de recursos e meio ambiente:
- Pureza relativa do uso da energia relacionada com emissões de CO2;
- Uso de energias renováveis;
- Estoques de recursos fósseis e lenha.
A avaliação desses indicadores permite mostrar o posicionamento de um
determinado País com relação às possibilidades no setor energético. A avaliação integrada
desses indicadores com o PIB per capita, distribuição de renda e investimento em recursos
físicos, permite verificar o relacionamento energia-desenvolvimento sustentável (OLADE,
1996).
A OCDE também criou e utiliza indicadores para a medir o progresso do
desenvolvimento sustentável no setor energético (ver Quadro 1). Estes são instrumentos
considerados tanto na identificação e no monitoramento de decisões políticas, como
também para atingir as metas progressivas em relação ao meio ambiente e
desenvolvimento sustentável.
O propósito desses indicadores é prover dados para monitorar a integração dos
assuntos ambientais nas políticas energéticas e identificar como as diferentes forças e
instrumentos políticos interagem e afetam nos impactos ambientais provenientes das
atividades energéticas.
17
Quadro 1 - Síntese dos principais indicadores utilizados pela OCDE em energia – meio ambiente
Tendências setoriais
de significado ambiental
Interações com o
Meio ambiente
Aspectos econômicos
e políticos
Demanda e uso de energia
Recursos energéticos Danos ambientais
Intensidade energética Poluição do ar Gasto ambiental
Mix energético Poluição da água Impostos e subsídios
Desperdício Estruturas de preços
Uso da terra
Risco e segurança
Fonte: OCDE, 2000.
A OCDE também utiliza indicadores sócio-ambientais que interagem com o setor
energético. Estes são a seguir apontados:
- exposição a emissões;
- acidentes/segurança do trabalho;
- emprego no setor energético; condições de trabalho; sindicatos; qualidade de
trabalho.
- demanda energética;
- justiça ambiental; proporção de pobres morando perto de instalações
energéticas;
- acesso à informação ambiental;
- participação pública no processo de tomada de decisão do setor energético;
- educação ambiental e treinamento;
- uso de produtos energeticamente eficientes.
Segundo a OCDE (2000), os indicadores utilizados provaram ser essenciais para a
monitoração do setor energético à luz do enfoque do meio ambiente e a integração da
economia com as decisões ambientais.
18
1.3 ENERGIA, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O aumento do consumo de energia vem se acentuando na maioria dos países
desenvolvidos e em muitos países em desenvolvimento. Esse aumento ocorre tanto em
função do crescimento populacional, quanto pela maior demanda das populações pelo uso
da energia. Existem duas preocupações centrais relacionadas a essa maior utilização de
energia. A primeira refere-se à viabilização do atendimento dessa demanda crescente e, a
outra, à sustentabilidade ambiental desse processo.
A energia possui um importante papel para o desempenho ambiental dos países e
para a sustentabilidade de seu desenvolvimento. Desenvolvimento sustentável do setor
energético depende de achar caminhos para atender as necessidades da demanda,
obedecendo a critérios de meio ambiente sustentável, socialmente eqüitativo,
economicamente viável (OECD, 1997).
Os impactos no meio ambiente não se restringem a um determinado aspecto da
utilização da energia, mas abrange toda sua cadeia: produção, transformação, transmissão,
transporte, distribuição, armazenagem e uso final. Alguns dos maiores desafios
relacionados aos problemas ambientais que a humanidade se depara no século 21 estão
diretamente vinculados ao modo como a energia é produzida, transportada, armazenada e
utilizada. Assim, a questão não se restringe ao binômio energia e desenvolvimento, mas
sim à associação da questão energética ao desenvolvimento sustentável. Como produzir a
mesma quantidade de bens, utilizando-se de menor quantidade de energia e
conseqüentemente menos recursos naturais? As ações deverão passar por utilizar a energia
de forma mais eficiente e em priorizar o uso de energia proveniente de fontes renováveis,
tais como a hidráulica, biomassa, solar, eólica, fotovoltaica, entre outras.
O objetivo de toda política energética deve ser contribuir para o desenvolvimento
sustentável da sociedade. De todas as opções de políticas energéticas, o desenvolvimento
de fontes de energia renováveis e a adoção da eficiência energética são, sem dúvida, os
instrumentos mais afinados aos critérios do desenvolvimento sustentável (OECD, 2000).
Segundo Attfield (1999) a sustentabilidade do desenvolvimento depende de
responsabilidade e uso mais eficiente dos recursos, o que envolve a restrição do uso da
energia pelas sociedades e a adaptação dos estilos de vida, de acordo com os meios
disponíveis (ecológicos) do planeta. Isso significa dizer que podemos consumir menos
energia e menos ambiente, sem prejuízo do desenvolvimento, desde que se privilegie a
geração e o uso eficiente da energia. Esse é um requisito básico para se começar a pensar
19
em um desenvolvimento sustentável, em detrimento da continuidade do modo de
desenvolvimento não sustentável baseado em premissas ultrapassadas, como as de
recursos ilimitados e desperdício.
1.3.1 Eficiência energética, economia sustentável e meio ambiente
A energia é essencial tanto para os meios de produção quanto para o aumento da
qualidade de vida das sociedades. A real necessidade não é pela energia propriamente dita,
mas pelos serviços por esta providos: força motor, aquecimento, esfriamento, iluminação,
mobilidade etc. O desenvolvimento técnico proporcionou o surgimento de equipamentos
cada vez mais sofisticados, que provêm mais serviços com menor uso de energia.
Um sistema sustentável caracteriza-se pela habilidade de prover os serviços
necessários sem exaurir os recursos naturais. O uso eficiente dos recursos faz-se
necessário tanto pelo lado ambiental como pelo econômico. Utilizar a energia de forma
ineficiente proporciona prejuízos em qualquer economia implicando, ao mesmo tempo,
impactos ambientais em nível local, regional e global. A criação de um sistema de energia
sustentável começa pelo uso eficiente dos recursos (usá-los com sabedoria) e continua
com o aumento do uso de recursos renováveis e o uso controlado de não renováveis em
tecnologias avançadas. Energia eficiente é a máxima prioridade na mudança para um
padrão de energia sustentável (OCDE, 1997).
O maior desafio na criação de um sistema de energia sustentável está em como as
inovações tecnológicas que proporcionem essa melhoria podem ser utilizadas o mais
rapidamente possível, ser mais abrangentemente disseminadas e em como adaptar o
comportamento dos consumidores a estas (OCDE, 1997).
Cabe ressaltar, no entanto, que para que o setor energético se torne sustentável, é
necessário que seus problemas sejam abordados de forma abrangente, incluindo não
apenas o desenvolvimento e a adoção de inovações e incrementos tecnológicos, mas
também importantes mudanças que vêm sendo implementadas em todo o mundo. Essas
mudanças envolvem, por um lado, políticas que tentam redirecionar as escolhas
tecnológicas e os investimentos no setor, tanto no suprimento, quanto na demanda, bem
como o comportamento dos consumidores (Reis & Silveira, 2001).
Além do uso de tecnologias mais eficientes, o uso mais efetivo dos recursos
naturais oferece importantes vantagens: desacelera seu esgotamento, diminui a poluição e
20
fornece as bases do crescimento de emprego em atividades significativas em todo o
mundo. Disso podem resultar custos mais baixos para as empresas e para a sociedade, que
não terá que arcar com os custos das perturbações sociais e ambientais.
A energia eficiente é, em muitos aspectos, um fator chave para a economia de um
país. Tem implicações na competitividade das empresas, na estabilidade e vulnerabilidade
das economias, assim como no emprego e no meio ambiente.
A melhoria da eficiência energética reduz a necessidade de aumentar a capacidade
geradora e novos investimentos, conseqüentemente liberando recursos para investimento
em medidas de proteção ambiental, de segurança e melhoria nas geradoras já existentes,
em tecnologias limpas, entre outras.
A importância da busca de maior eficiência energética e da transição para o uso de
recursos primários renováveis têm sido ressaltada em toda e qualquer avaliação sobre
desenvolvimento sustentável.
Como já mencionado, no setor energético, a sustentabilidade requer mudanças
significativas na geração, na distribuição e no uso final da energia, o que significaria uma
maior utilização de fontes renováveis e a diminuição do uso de combustíveis fósseis na
matriz energética em nível mundial. Reis & Silveira (2000, p.37) apresentam algumas
propostas energéticas para o desenvolvimento sustentável:
- Diminuição do uso de combustíveis fósseis e maior uso de tecnologias e
combustíveis renováveis.
- Aumento da eficiência do setor energético desde a produção até o consumo.
- Mudanças no setor produtivo visando o aumento da eficiência no uso dos
materiais, transporte e combustíveis.
- Desenvolvimento tecnológico do setor energético, no sentido de encontrar
alternativas ambientalmente benéficas. Isso inclui também melhorias nas atividades
de produção de equipamentos e de materiais para o setor e exploração de
combustíveis.
- Redefinição das políticas energéticas visando, por um lado, favorecer a formação
de mercados para tecnologias ambientalmente benéficas e, por outro lado, cobrar
os custos ambientais de alternativas não sustentáveis.
- Incentivo ao uso de combustíveis menos poluentes.
21
Agrega-se a essas alternativas a opção ressaltada por especialistas de que a maior
economia energética é a não produção de energia, ou seja, eficientizar para não ter que
produzir.
1.3.2 Impactos da produção e uso da energia elétrica
A produção de bens de consumo para satisfazer as necessidades humanas utiliza-se
de fontes de energia primária, tais como petróleo, gás natural, carvão mineral, água, lenha,
biomassa, entre outros. Esses recursos naturais são objeto de usos domésticos, industriais,
nos transportes e na geração de eletricidade.
A maioria das agendas ambientais dos países desenvolvidos e não desenvolvidos
tem com uma das prioridades a serem solucionadas, os impactos ambientais negativos
resultantes da produção e do uso da energia. Esses impactos, no que se refere à geração de
energia elétrica de fonte hídrica ocorrem nas fases de implantação, operação e
transmissão. A construção de barragens e formação dos reservatórios implica em perdas de
recursos florestais e de fauna terrestre e aquática, desestabilizando os ecossistemas locais,
causando danos ambientais no meio físico e biológico, que, por sua vez, afetam as
atividades econômicas locais e os níveis de saúde das populações. A remoção das
populações é outro fator que acarreta danos sócio-culturais e econômicos às comunidades
locais.
Na geração de energia termelétrica, utiliza-se como fonte o petróleo, o carvão
mineral, o urânio, o gás natural e a biomassa (bagaço de cana, carvão vegetal etc.). Os
impactos ambientais, nesse caso, ocorrem tanto na mineração (erosão e acidificação do
solo e dos cursos d’água), no beneficiamento (poluição do ar por material particulado,
óxido de nitrogênio - NOx - e óxido de enxofre - SOx), no transporte do minério (risco de
contaminação e de explosões, especialmente no caso de material radioativo), quanto na
produção de energia (emissão de CO2, contribuindo para o efeito estufa e SOx para a
chuva ácida) (La Rovere, 1990).
No tocante à geração termonuclear, os efeitos sócio-ambientais mais graves se
relacionam com o transporte e o armazenamento final dos rejeitos radioativos, os efeitos
radiológicos e evacuação populacional em caso de acidente.
22
Quanto ao uso final de energia, três grandes setores da atividade econômica
mundial dividem entre si o consumo: indústria (cerca de 40%), o residencial/comercial
(cerca de 30%) e os transportes (cerca de 20%) (Martin, 1992).
O lançamento de substâncias poluentes na atmosfera e nos recursos hídricos,
provenientes do setor industrial, compromete a qualidade de vida das populações e os
ecossistemas terrestres e aquáticos. A acidificação ambiental resulta da transformação do
SO2 e do NO2 em ácidos que são lançados pelas chaminés das fábricas/indústrias,
deslocados por até milhares de quilômetros, impactando solos, rios e florestas, sob a forma
seca ou úmida (chuva ácida). As indústrias eletrointensivas (siderúrgica, metais não
ferrosos, materiais de construção, vidro, química, papel) exigem uma produção de energia
em grande escala para funcionarem. A Usina Hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo, foi
concebida, primordialmente, para atender as necessidades do projeto de fabricação de
alumina/alumínio da Albras/Alunorte e Alumar, situadas no Pará e no Maranhão.
No setor residencial/comercial, os usos de energia são representados pela
iluminação, ar condicionado, refrigeração, aparelhos eletrodomésticos, em especial os que
utilizam resistências, aquecimento (nos países do hemisfério norte), entre outros. O setor
residencial contribui significativamente para o dimensionamento da capacidade do setor
elétrico em atender à demanda no horário de ponta10, especialmente pela utilização do
chuveiro elétrico, responsável por 20% do consumo de energia no setor residencial.
No Brasil, a energia utilizada nos transportes provém basicamente de derivados do
petróleo e uma parte de gás natural e álcool. A exploração e produção do petróleo e gás
natural pode gerar danos ao ambiente e prejuízos à saúde humana, por meio de
vazamentos de óleo, incêndios e risco de explosões. As refinarias de petróleo poluem a
atmosfera com emissões de SOx, de compostos orgânicos, de NOx, de monóxido de
carbono, hidrocarbonetos e de particulados. Geram ainda efluentes líquidos, contendo
óleos, graxas, fenóis, amônia e sólidos dissolvidos ou em suspensão. Adiciona-se, ainda, a
poluição proveniente do uso dos combustíveis nos transportes.
Os instrumentos de redução de poluição ou rejeitos implicam custos elevados - 30
a 35% do investimento total nas centrais de carvão (Martin, 1992). Não há, ainda, indícios
de que haja diminuição relevante da demanda energética pelo menos no curto prazo.
Programas e ações em eficiência energética terão, portanto, um papel relevante nas
10 Horário em que a demanda de energia elétrica é máxima. Por exemplo, entre 18-20h., quando as
pessoas voltam do trabalho (usam chuveiros, ligam luzes, equipamentos eletrodomésticos etc).
23
políticas de diminuição dos impactos ambientais causados pela produção e consumo de
energia.
Cabe ressaltar que entre os principais riscos ambientais citados acima e com os
quais nos deparamos atualmente, estão associados à elevação do consumo de energia, com
implicações em nível global, regional e local, tais como: (La Rovere, 2002)
- Poluição global, relacionada à emissão de gases relacionados ao efeito estufa,
como CO2 e CH4, gerados pela produção, transporte e uso de combustíveis
fósseis;
- A poluição do ar urbano pelas indústrias e veículos de transporte;
- A chuva ácida e seus impactos sobre os solos, os recursos hídricos e a vegetação;
- Riscos relacionados à extração, transporte e uso de combustíveis fósseis, como,
por exemplo, acidentes nos mares, incêndios, explosões etc;
- O risco de acidentes em reatores nucleares, problemas relacionados ao lixo
atômico e pela desativação dos reatores, após seu tempo de vida útil, e os
perigos da contaminação associados ao uso da energia nuclear.
Goldemberg (2001) aponta os principais problemas sócio-ambientais decorrentes da
geração, do armazenamento, do transporte e do uso da energia em nível local, regional e
global (Quadro 2).
24
Quadro 2 - Energia x problema ambiental
Problema ambiental Fonte de problema
Poluição urbana do ar Energia (usinas termelétricas, indústria e
transportes)
Chuva ácida Energia (queima de combustível fóssil)
Diminuição da camada de ozônio Indústria
Aquecimento por efeito estufa/mudanças
climáticas
Energia (queima de combustível fóssil)
Degradação costeira e marinha Transporte e energia (vazamentos de
petróleo, aquecimento das águas para
resfriamento de usina térmica,
represamento de rios para barragens, entre
outros)
Desmatamento e desertificação Energia (30 a 40% da população mundial
depende da lenha para cozinhar)
Resíduos tóxicos, químicos e perigosos Indústria e energia nuclear
Fonte: Goldemberg, 2001.
A OCDE/IEA (1998a e 1998b) aponta como principais impactos ambientais
decorrentes da produção e do uso da energia os seguintes itens:
a. Acidentes ambientais de grande porte e poluição marítima
A principal fonte de poluição marítima concentra-se nas operações com navios.
Estima-se que para cada 1.000 toneladas de óleo transportada, uma é despejada no mar
(1,1 milhões de toneladas de óleo são despejadas no mar ao ano, sendo que 400 mil
toneladas são despejadas devido a acidentes com tanques). Os recorrentes derramamentos
de óleo ocorridos em navios da Petrobrás são um exemplo, em nível nacional, do risco
ambiental e para as populações.
Entre os acidentes e as áreas de risco vinculadas a energia, se destacam:
- Explosões e incêndios pela produção, beneficiamento, transporte e uso do petróleo e
gás, tais como incêndios em refinarias, torres de petróleo, tanques de armazenamento
de gás, explosões de oleodutos e gasodutos etc.
25
- Liberação de radiação resultante de acidentes nucleares durante a produção de energia
nuclear, assim como no transporte, beneficiamento ou armazenamento de material
radioativo.
- Impactos das usinas hidrelétricas seja na implantação, construção, operação ou por
rompimento de barragem.
- Afundamento e desmoronamento dos solos devido às atividades de mineração, assim
como explosões nas minas.
- Poluição marítima devido a acidentes com navios-tanque, assim como poluição dos
solos e das águas devido a derramamentos de óleo nas rodovias e ferrovias.
- Combustão espontânea do carvão armazenado ou de depósitos de lixo, assim como
explosões face ao metano acumulado em refugos de lixo e minas de carvão.
b Poluição da água
As fontes de poluição hídrica vinculadas à energia incluem:
- Produção de efluentes químicos perigosos como clorine e metais e outros vários
dissolvidos ou em suspensão em usinas termelétricas e refinarias.
- Deposição de salmoura em petróleo on-shore e produção de energia geotérmica.
Embora varie em função das propriedades do reservatório, fluidos geotérmicos podem
conter produtos tóxicos como benzeno, arsênico, mercúrio e ácido bórico. Podem,
ainda, liberar gases como dióxido de carbono e metano.
- Drenagem ácida devido a minas existentes ou abandonadas e resíduos provenientes do
beneficiamento e lavagem do carvão e ainda os resíduos do controle de poluição
podem contaminar as águas de superfície.
- Poluição térmica proveniente das descargas dos sistemas de esfriamento das usinas
termelétricas (nucleares) ou das usinas geotérmicas são uma ameaça aos ecossistemas
marítimos.
c. Uso da terra e sítios paisagísticos
No setor de energia, todas as atividades relacionadas à energia causam impactos
nos sítios paisagísticos. As áreas de maior impacto paisagístico são as usinas hidrelétricas
e as áreas de mineração.
26
Algumas formas de exploração de energia de fonte renovável, tais como energia
eólica, estações de energia solar, produção de biomassa também podem utilizar grandes
áreas e causar impactos na paisagem.
As usinas termelétricas ou refinarias são tradicionalmente causadoras de impactos
paisagísticos, principalmente pelo fato de acumular resíduos sólidos, desde aqueles
provenientes das medidas de controle de poluição, até resíduos com alto nível de
radioatividade. Ainda não existem evidências comprovadas sobre impactos causados à
saúde humana ou animal devido aos efeitos dos campos magnéticos associados às linhas
de transmissão.
d. Radiação e radioatividade
As atividades energéticas contribuem com 25% do total da radioatividade sob
responsabilidade humana11. O urânio da mineração libera radônio que provoca a
contaminação do lençol freático. Essas atividades contribuem com um quarto da
radioatividade relacionada a atividades energéticas.
Um reator operando normalmente produz baixo nível de emissão radioativa, não
sendo considerado perigoso. O risco potencial de falhas e os efeitos ambientais de um
vazamento são as maiores preocupações envolvendo reatores nucleares.
Os rejeitos nucleares envolvem por sua vez, vários graus de contaminação,
dependendo do seu armazenamento, transporte, a liberação no ambiente ou isolados da
biosfera.
A desativação de usinas nucleares tem sido objeto de pesquisas e o risco de
exposição à radiação no desmonte desses reatores é preocupante, uma vez que os impactos
ainda não estão bem definidos.
e. Disposição de resíduos sólidos
Os resíduos sólidos geram problemas ambientais de dois tipos: riscos à saúde
resultantes de resíduos perigosos e ameaças para o meio ambiente. A maior parte dos
11 Entre os acidentes nucleares divulgados, os a seguir apontados chamaram a atenção de toda a
população mundial: Idaho, USA, 1961, resultou na morte de três operadores; Three Mile Island, Pensilvânia – 1979; Chernobyl – 1986 (neste 135 mil pessoas tiveram que ser evacuadas e não se tem idéia do número de pessoas contaminadas e que sofrem ou sofrerão de doenças relacionadas à radioatividade nas próximas décadas).
27
resíduos é liberada pelas indústrias químicas e metalúrgicas. As atividades relacionadas à
energia são responsáveis por cerca de 12% desses resíduos.
f. Qualidade do ar
A poluição atmosférica causada por atividades energéticas está relacionada tanto
aos poluentes emitidos diretamente na atmosfera como àqueles formados na atmosfera por
reação fotoquímica.
Os poluentes são emitidos por uma variedade de fontes estacionárias ou móveis de
combustíveis. As usinas de combustão são a maior fonte de emissão de Dióxido de
Enxofre (SO2) e Dióxido de Nitrogênio (NO2 )12.
A poluição causada por atividades energéticas internas incluem as seguintes
emissões: Monóxido de Carbono (CO) dos aquecedores a querosene, fogões a lenha e a
gás; Óxido de Nitrogênio (NOx) dos aquecedores movidos a querosene e dos aparelhos a
gás.
Várias atividades energéticas emitem poluentes atmosféricos perigosos, tais como:
- Hidrocarbonetos, como benzeno, emitido nas fugas da extração de petróleo e gás e no
processamento industrial.
- O uso e a combustão do petróleo e óleo diesel utilizado nos transportes emitem
hidrocarbonetos e dioxina e são a maior fonte de poluentes tóxicos relacionados a
atividades energéticas.
- Pequenas quantidades de arsênico, mercúrio, berílio e radionuclídeos podem ser
liberados durante a combustão do petróleo pesado.
- Mercúrio proveniente dos incinerados de lixo.
g. Deposição ácida
As atividades energéticas são as maiores fontes de chuva e deposição ácida.
As estações de eletricidade, aquecimento residencial e energia utilizada na
indústria contabilizam 80% das emissões de SO2. Somente o carvão é responsável por
70%.
12 Nos países da OCDE, os transportes são responsáveis por 75% das emissões de CO2.
28
O transporte rodoviário é uma importante fonte de emissões de NOx (48% do total
de emissões dos países da OCDE). O restante vem de fontes estacionárias de combustão
de combustíveis fósseis.
h. Destruição da camada de ozônio
A destruição da camada de ozônio é causada por clorofluorcarbonetos (CFCs). No
uso de energia, o CFC é utilizado para o esfriamento no transporte e sistema predial de ar
condicionado e refrigeração e na espuma para isolamento térmico.
O efeito estufa e as mudanças climáticas por serem os impactos ambientais
negativos globais que mais interagem com a política de eficiência energética mereceram
um item exclusivo para sua abordagem.
1.3.3 Efeito estufa e mudanças climáticas
Neste item, iremos abordar as causas e conseqüências do efeito estufa e das
mudanças climáticas, que são primordialmente responsáveis pela implementação da
política de eficiência energética na maioria dos países desenvolvidos.
As mudanças climáticas são o maior problema global, possuindo profundas raízes
no modo em que o mundo produz e consome energia13. As mudanças climáticas são
resultantes do efeito negativo (aquecimento da atmosfera) proveniente das concentrações
excessivas de gases causadores do efeito estufa. Entre estes, incluem-se o dióxido de
carbono - CO2 (55%), o metano - CH4 (15%), o vapor d´ água, o N2O (6%), o ozônio (O3),
o CFC, os halógenos e o peroxiaceltilnitrato - PAN. Na figura 1 podemos verificar a
contribuição dos principais gases formadores do efeito estufa para o aquecimento global.
13 A contribuição global para o efeito estufa da produção e uso de energia é de 57%. Outras fontes
principais são os transportes; a indústria; as construções; os desmatamentos. (Goldemberg,2001).
29
Figura 1 - Contribuição dos principais gases de efeito estufa para o aquecimento global
Fonte: Lashof & Tirpak, 1990.
O dióxido de carbono (CO2) é o mais significativo e ambientalmente impactante
entre os gases causadores do efeito estufa. Isso ocorre tanto pela quantidade emitida
quanto pela longa duração de seu efeito na atmosfera14. Suas emissões estão
principalmente vinculadas ao uso de combustíveis fósseis15, que contabilizam cerca de
75% do total do CO2 liberado pelas atividades humanas. O restante é proveniente,
principalmente, do desflorestamento e oxidação dos solos (IEA/OCDE, 1997).
A combustão dos combustíveis fósseis, juntamente com a biomassa, contabilizam
65 a 75% das emissões humanas de N2O.
O ozônio e os aldeídos são produtos de reações envolvendo poluentes resultantes
do uso do combustível fóssil (essencialmente N2O e Componentes Orgânicos Voláteis).
A liberação do metano é feita primeiramente devido à fermentação da matéria
orgânica. A distribuição e uso dos combustíveis, principalmente do gás natural, pode
representar de 10 a 30% do total das emissões de metano (Goldemberg, 2001).
14 O CO2 fica na atmosfera de 50 a 200 anos. A capacidade dos gases em contribuir para o efeito
estufa é medida por indicador denominado de potencial de aquecimento global (GWP), que mede o tempo de vida do gás na atmosfera e de suas interações com outros gases e com vapor d´água. O CH4, por exemplo, embora menos abundante na atmosfera do que o CO2 possui um GWP onze vezes maior que este. (Goldemberg,2001).
CFC24%
N2O6%
CH415%
CO255%
30
Além da produção e uso da energia, responsável por 57% da contribuição global
para o efeito estufa, o setor de transportes responde por mais de 70% de todas as emissões
de monóxido de carbono - CO; mais de 40% das emissões de óxidos de nitrogênio - NOx;
quase 50% dos hidrocarbonetos totais - HCs; em torno de 80% de todas as emissões de
benzeno e pelo menos 50% das emissões atmosféricas de chumbo (Goldemberg, 2001).
A figura 2 quantifica as emissões de dióxido de carbono e de metano na produção
de eletricidade (para cada 1000MW).
De acordo com a figura 2, podemos verificar que na produção de eletricidade, o
carvão é o maior gerador de CO2, principal gás que contribui para o efeito estufa (cerca de
1.480.000 ton para cada 1000 MW gerado).
Observa-se ainda na figura, que a fonte de energia que produz menos quantidade
de gases de efeito estufa é a nuclear, embora seu preço, efeitos e riscos para a população
moradora das cidades próximas à usina não aconselhem a sua utilização. Com relação ao
preço, Rosa (2000) afirma que em Angra 2, para cada KW gerado são investidos US$ 6
mil, enquanto que em uma usina hidrelétrica essa relação é de US$ 100/ KW16.
Figura 2 - Quantidade de Emissões de Dióxido de Carbono e Metano para
1000 MW de eletricidade gerada
15 Cerca de 6 bilhões de toneladas de carbono são lançadas à atmosfera pela queima de combustíveis
fósseis (Januzzi,1996). 16 Mesmo assim, a retomada da construção de Angra 3 está prevista para 2004. A construção da
usina é matéria de pauta de reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Além disso, os deputados da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, destinaram emendas ao orçamento e ao Plano Plurianual - PPA que somam R$ 1,3 bilhão para a construção da usina no ano de 2004.
1000
t/an
o
Emissão de dióxido de carbono por 1000 MW
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
Madeira Nuclear
Mad
eira
Nuc
lear
Car
vão
Gás
Nat
ural
Petr
óle
o
31
Fonte: Science Concepts, Inc, apud Goldemberg, 2001, pg.98.
* * * * * *
A interface entre energia e meio ambiente é complexa e constantemente crescente. Tal
crescimento deve-se, principalmente, à conscientização das conseqüências ambientais das
atividades econômicas em geral e das atividades energéticas em particular. O
conhecimento de mecanismos envolvendo os impactos destas atividades pode ainda estar
incompleto e, em alguns casos, ser especulativo (OCDE, 1997).
Neste primeiro capítulo foram vistos os aspectos conceituais da eficiência
energética e do desenvolvimento sustentável, as interações entre energia, meio ambiente,
bem como os impactos negativos gerados pela produção e uso da energia em nível local,
regional e global. No próximo capítulo iremos destacar a relação entre política pública e
sustentabilidade, enfatizando a crise do Estado, o neoliberalismo, o papel da sociedade
civil, a institucionalização do meio ambiente, requisitos para a introdução de políticas
públicas para o desenvolvimento sustentável.
Metano
0
20
40
60
80
700 ton
t/ano
Mad
eira
Nuc
lear
Car
vão
Gás
Nat
ural
Petr
óleo
32
2. POLÍTICAS PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE
A maioria dos Estados-nacionais encontrava-se em crise nas últimas décadas do
século 20. A capacidade desses Estados de atuar como provedores das demandas sociais
havia se esgotado e encontrava limitações, diante da grave crise fiscal que os afetava.
Reduzia-se, assim, a legitimidade de seus aparatos institucionais.
Com a crise dos Estados, o neoliberalismo foi ganhando espaço e obteve adeptos
na maior parte do mundo ocidental. Na década de 1990, porém, a experiência neoliberal,
começa a ser questionada. O neoliberalismo não se apresenta mais como a solução para
todos os males, como queriam fazer crer os defensores dessa ideologia, uma vez que o
mercado por si só não se mostra apto (e nem é essa a sua função) a substituir o poder
público na função de atender, da melhor forma possível, as demandas da sociedade.
Busca-se, assim, delinear um novo papel para o Estado, no qual este se fortaleça
menos como implementador das ações, mas mais como regulador e regulamentador das
ações de outros atores sociais, tais como as empresas privadas e as organizações sociais.
Isso exige uma nova postura não somente por parte do próprio poder público, mas da
sociedade como um todo, que deverá estar mais integrada na nova ordem social,
econômica e política.
Esse capítulo aborda a crise do Estado, a fragilidade de suas instituições e o
neoliberalismo, de forma a fundamentar a análise das relações entre políticas públicas e
desenvolvimento sustentável.
2.1 A QUESTÃO INSTITUCIONAL
O debate sobre regulação pública, em geral, e sobre o desenvolvimento sustentável,
em particular, deve ser precedido pela consideração de uma premissa básica: sem
condições institucionais sólidas não há como considerar a possibilidade de tornar os
instrumentos de intervenção ou de indução efetivos.
Sabemos que a regulação pública – entendida como a ação do Estado no sentido de
assegurar o interesse público nas complexas relações entre as diferentes forças que incidem
sobre uma sociedade – pode se dar de inúmeras formas, direta ou indiretamente. Ela pode
ter um caráter indutivo, valendo-se de incentivos ou desincentivos econômicos. Mas pode
também agir na esfera normativo-legal, mediante a definição de um arcabouço
33
regulamentador. Em ambos os casos, o poder público deve estar aparelhado para fazer
cumprir os instrumentos, com agilidade, determinação e continuidade. Esses três atributos
compõem o tripé da sustentabilidade institucional, para o qual também contribui o fator
recursos humanos capacitados.
A sustentabilidade institucional é pré-condição ao desenvolvimento sustentável,
sendo pilar essencial à governabilidade, que é necessária a qualquer tipo de política
pública.
Tratar a dimensão institucional como pano de fundo das políticas públicas em geral
– das políticas energéticas e ambientais em particular – requer algumas considerações
prévias, em se tratando do aqui (Brasil) e agora (momento de marcante fragilidade da
capacidade regulatória do Estado).
Em primeiro lugar, há que se assinalar que a maré liberalizante chegou ao Brasil
com uma fisionomia ao mesmo tempo desestatizante (promovendo privatizações) e
desregulamentadora (reduzindo o escopo da ação normativa).
Em segundo lugar, a cultura de mudanças é particularmente notável no Brasil, onde
prevalece uma mentalidade nos dirigentes públicos de que sempre deve haver um novo
desenho na estrutura das organizações públicas, que devem ser moldados à sua imagem e
segundo seus interesses. O resultado disso é a fragmentação da estrutura institucional do
Estado brasileiro, que gera uma ineficiência na gestão dos órgãos governamentais.
Egler (2000:7), assinala que:
Uma organização não deve estar sujeita a permanentes mudanças e
alterações. Não só porque constantes mudanças, como visto, resultam em
uma desestruturação de suas regras e de suas rotinas de funcionamento,
levando a uma perda da identidade institucional, mas também devido a
uma característica que impõe que o resultado imediato de qualquer
mudança organizacional é uma ineficiência no seu funcionamento. E isso
independentemente do tipo e da natureza da mudança que se realiza.
Isso torna o debate sobre o arcabouço institucional sensível e necessariamente
circunscrito a um contexto determinado. No Brasil, diferentemente de outros países, há
mazelas que, por si só, já representam limitações a arranjos institucionais que possam ter
tido êxito no exterior. É nesse sentido que as considerações que serão apresentadas a
34
seguir devem ser devidamente apreciadas, à luz do contexto brasileiro. Falar de reforma
pode ser tão somente mais um episódio de uma série de tantas mudanças. O que está em
questão é, sem dúvida, a necessária sustentabilidade político-institucional que, de forma
alguma, significa imutabilidade, mas aponta para a continuidade e a solidez das
organizações e dos aparatos normativos.
2.2 CRISE DO ESTADO
O século 20 se caracteriza pela incorporação, por parte do Estado, de certas
funções de interesse público da sociedade, como a saúde e a educação. O setor público
cresce, implicando na ampliação das estruturas físicas das instituições de governo,
resultando em um crescente peso do Estado nas economias nacionais. Entretanto, a crise
fiscal dos anos 1970 tornou evidente a incapacidade do poder público seguir crescendo
indefinidamente, reagindo a cada impulso de novas demandas sociais.
Nas últimas décadas do século 20 novas ações regulatórias foram se tornando
necessárias (como é o caso das políticas ambientais). Entretanto, a capacidade do Estado
responder a tais demandas, nos moldes como historicamente sempre o fez se esgotava
(Bursztyn, 2001).
Embora o Estado não possua mais a capacidade financeira de custear o aumento da
máquina burocrática, as demandas sociais permanecem crescentes, ou seja, não há, por
parte das sociedades, uma renúncia a mecanismos de proteção social tais como saúde,
educação e previdência. E estas não podem ser supridas pelos mecanismos de mercado
sem as devidas ações reguladoras por parte do poder público, sob o risco de não servir à
sociedade.
Para Bresser Pereira,
A crise do Estado é uma crise endógena decorrente do crescimento
excessivo e distorcido do Estado ocorrido neste século (...) O
crescimento em áreas inadequadas, aliado ao aumento extraordinário dos
recursos fiscais do Estado, somado ao excesso de demandas da sociedade
sobre este, levou-o a crise fiscal, que se expressou na redução da
poupança pública e na relativa imobilização do Estado, abrindo caminho
para a desaceleração econômica e para a crise financeira (2000, p.74).
35
A hipótese neoliberal que sustentava que o Estado mínimo seria a alternativa
adequada à crise do Estado não se confirmou. Serviu, no entanto, para demonstrar que o
Estado ainda é um importante agente de intervenção estratégica nos processos econômicos
e que os contextos institucionais e regulatórios são extremamente relevantes, tanto para a
economia, como para a sociedade. Ficou claro que a reforma do Estado teria que ir além
dessa experiência, em que o neoliberalismo ditava as regras.
Trata-se, assim, de transformar o Estado em crise em um Estado forte, embora
menor em suas estruturas burocráticas, que assuma as funções que lhe cabem com
eficiência e firmeza, repassando para o mercado e/ou para a sociedade as tarefas que não
possa desempenhar adequadamente. A coordenação desse processo se faz relevante para
que não se perca o objetivo final de uma política pública, que é atender o público a
contento.
2.3 NEOLIBERALISMO
O neoliberalismo estabelece que deve haver, simultaneamente, uma redução do
tamanho físico do Estado (desestatização) e uma redução da ação reguladora indireta
(desregulamentação).
A desestatização assenta-se na idéia de que o Estado é irreformável e ineficaz. A
única reforma possível consiste em reduzi-lo ao mínimo necessário ao funcionamento do
mercado.
Para a direita neoliberal a única possibilidade econômica seria o
predomínio total dos mercados, a flexibilização do trabalho etc, não mais
existindo espaço para o Estado definir políticas regulatórias sociais,
econômicas e tecnológicas (Bresser Pereira, 1999, p.88).
A desestatização, por si só, já reduz sobremaneira a capacidade de ação do Estado,
uma vez que ocorre um desmonte das instituições públicas e a conseqüente transferência
de suas competências para as empresas privadas. A desregulamentação, somada à
desestatização, reduz a atuação do Estado como poder público. O mercado pode ter
interesse em desregulamentar para que possa atuar livremente. Mas para a sociedade o
36
mercado deve estar regulamentado, pelo Estado, de forma a garantir serviços de interesse
público.
Uma das críticas ao neoliberalismo quanto à desregulamentação é que, para que o
Estado cumpra seu papel de regulador nesse processo deve haver re-regulamentação, mas
não uma renúncia ao caráter público do complexo jogo entre diferentes atores da
sociedade. Nesse sentido Souza Santos (1999, p.247) assinala que “como toda
desregulamentação envolve regulamentação, o Estado paradoxalmente, tem de intervir
para deixar de intervir”.
Bursztyn (2001, p.68) concorda que a solução não se dá pelo desmantelamento do
Estado e sim pela melhora da sua eficiência, assim como pela regulamentação do mercado.
Se as regulamentações vigentes são ineficientes, a solução não deve ser a
desregulamentação, mas sim a ‘re-regulamentação’, pois ao mau-Estado
não deve se opor o não-Estado, mas sim o bom-Estado, sob risco de se
perder a capacidade reguladora, fato que provoca tragédia coletiva.
Anderson (1995) complementa, mostrando alguns resultados negativos do
neoliberalismo como o desmonte dos serviços públicos17, a privatização de empresas, o
crescimento de capital corrupto e a polarização social.
Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma
revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, criou
sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas
como queria. O êxito do neoliberalismo foi exclusivamente no âmbito
político e ideológico, uma vez que a disseminação de suas idéias
alcançou uma abrangência inimaginável (Anderson, 1995, p.23).
Offe (1999) concorda com os críticos liberais de que “o estatismo excessivo
freqüentemente inculca disposições de dependência, inatividade, procura de rendas e
benefícios pessoais, clientelismo, autoritarismo, cinismo, irresponsabilidade fiscal, fuga de
‘accountability’, falta de iniciativa e hostilidade à inovação, se não diretamente
17 Nesse sentido, Bursztyn afirma que “uma das grandes armadilhas do neoliberalismo foi a
autofagia das instituições públicas, vítimas de um voluntarismo demolidor, por parte de dirigentes que cumprem papel antiestatal por dever ideológico”(Bursztyn, 2001, p.68)
37
corrupção”. Entretanto, concorda que o mercado não resolve, por si só: “Os mercados são
indispensáveis como poderosos remédios se administrados em doses razoáveis. Esse é o
caso de mercados apropriadamente constrangidos e regulados” (Offe, 1999, p.138).
De qualquer forma, a solução encontrada pelos neoliberais quer seja de extinção do
Estado, ou mesmo de um Estado mínimo, não os exime desses “maus” atributos nem
atende as necessidades das sociedades de uma maneira geral, uma vez que o mercado
materializa interesses próprios que nem sempre são idênticos aos da sociedade.
Sachs (2000, p.209) corrobora com a prioridade a ser atribuída às funções
reguladoras do Estado. Segundo ele “para funcionar adequadamente, os mercados exigem
regras de jogo estabelecidas com clareza”.
Fica constatado, assim, que o neoliberalismo tanto quanto a falência do Estado não
resolvem os problemas, mas sim os agravam. Nesse sentido, vê-se como necessária, a
reformulação da atuação do Estado, que o coloque na posição de um Estado forte e
comprometido com os interesses sociais.
O desafio é o de reconstruir um Estado mais enxuto, mas também mais
forte, guardião e promotor do interesse público, desempenhando um
papel central na nova ordem social emergente, alicerçada na busca
racional de órgãos coletivos (associações de cidadãos, partidos políticos,
sindicatos de trabalhadores), com objetivos elaborados e aprovados
coletivamente (Bourdieu apud Sachs, 1999, p.209).
2.3.1 Um novo papel para o Estado – Estado Forte
Como vimos, o desafio do Estado é o de reestruturar-se de modo a tornar-se mais
ágil e eficaz. E para tal não é mais possível a existência de uma máquina administrativa
pesada, centralizada e com instituições ineficientes (características de Estado grande). Por
outro lado, a característica de um Estado leve e eficaz deverá aliar-se a condição sine qua
non de Estado forte, que dê suporte a toda essa reforma.
Segundo Offe (1999, p.135) “um Estado forte é um Estado cujas ações de governo
têm um impacto significativo no nível e na distribuição das perspectivas de vida dos
38
indivíduos e na sociedade civil”; e um Estado que saiba atuar no mundo globalizado
minimizando seus conflitos, inclusive a exclusão social.
Assim, a quantidade de Estado deverá dar lugar à qualidade do Estado e a
sociedade civil terá um papel relevante a ser desenvolvido, não mais contra um Estado
ineficaz e ilegítimo, mas em parceria com este em prol de uma mudança qualitativa e
legitimada. Como afirma Dupas (1999) a questão não é mais a redução radical do papel
do Estado, mas de modificá-lo profundamente, transformando-o e fortalecendo-o para
novos papéis fundamentais.
Como Dupas, vários outros autores reforçam a idéia de que o Estado deverá passar
por uma reforma qualitativa, para a redefinição e recuperação da importância de seu papel
no novo contexto mundial. Essa reformulação passa, necessariamente, por um Estado mais
enxuto, mas ao mesmo tempo mais forte.
O capitalismo global não pode dispensar a existência de Estados fortes
(...) Há, pois que reconstruir essa nova força estatal. A questão do Estado
não se resolve pela redução da quantidade de Estado. Resolve-se sim,
pela construção de uma outra qualidade de Estado e, para isso há que se
partir da idéia que o Estado é reformável. (Souza Santos, 1999, p.249).
Sunkel (1999, p.178) é da opinião que “o grande desafio consiste em (…)
estabelecer um novo equilíbrio pelo qual um Estado mais enxuto e forte e um mercado
maior e mais bem regulado se complementem reciprocamente no contexto da
globalização”.
Offe considera que:
As reformas do Estado são hoje vistas como o item máximo da agenda
política e têm como objetivo a restauração das capacidades estatais em
desmoronamento. Essas deficiências na performance dos Estados estão
sendo diagnosticadas hoje com respeito a todos os aspectos: proteção
social, lei civil, lei e ordem e poder de extração de receitas.
Aparentemente, temos sido mais ameaçados pela patologia das severas
deficiências estatais do que pela patologia da hipertrofia estatal (Offe,
1999, p.134).
39
Em sua análise da reestruturação do Estado, Wilheim, assinala o seguinte:
O Estado enfrenta o desafio de sua reestruturação, a partir de uma
redefinição de sua própria razão de ser, assim como de sua relação com
as demais instituições. O exame e aperfeiçoamento de seu desempenho
interno, de sua eficiência e sua eficácia, constituem apenas uma parte
desse desafio. É o contexto de novas realidades de um mundo em
transformação que constituem o maior desafio para a adequação das
instituições (Wilheim, 1999, p.22).
É nesse sentido que Stark & Bruszt consideram que:
A necessidade de formular um modelo generalizável, universal de
desenvolvimento está na origem do que se convencionou chamar de
paradoxo neoliberal - Estado forte como condição necessária para a
liberalização da economia. (Sola, 1999, p.42). No novo debate, o
substantivo Estado é modificado positivamente pelo adjetivo forte (Stark
& Bruszt, apud Sola, 1994, p.43).
Nesse sentido, um Estado forte, com instituições e representações legítimas, é uma
condição necessária à reestruturação do Estado. Nessa reforma, a sociedade civil tem um
papel preponderante na influência da redefinição do papel do poder público, o que implica
na redefinição de seu próprio papel.
2.3.2 O papel da sociedade civil na reconstrução do Estado
Em meados da década de 1990, inicia-se uma nova reforma de Estado, que tem por
base a reformulação da administração pública e do terceiro setor. Segundo Souza Santos
(1999, p.263), há uma reinvenção do Estado que incorpora duas concepções
diametralmente opostas: o “Estado-empresário” (privatizar todas as funções que o Estado
não tem que desempenhar com exclusividade, submeter à administração pública a critérios
de eficiência, eficácia, criatividade, competitividade e serviço aos consumidores próprios
do mundo empresarial) e o “Estado-novíssimo-movimento social”.
O discurso se divide entre os defensores de um Estado atuante dentro de uma lógica
empresarial, onde a eficiência e a competitividade são fatores intrínsecos, e entre os que
40
defendem que o Estado repasse as suas funções para as organizações sociais, que teriam,
em tese, mais interesse em defender os direitos da sociedade civil. Nos dois casos,
entretanto, o objetivo final dessa transformação teria que se dar em prol da população, ou
seja, para haver uma real mudança dos padrões vigentes, os benefícios advindos dessa
nova forma de administração por meio do Estado empresário ou Estado movimento social
devem poder ser repassados à sociedade.
No Estado-empresário, o Governo deve atuar como uma empresa que promove a
concorrência entre os serviços públicos, centrando em objetivos e resultados, mais do que
na obediência a regras. Deve obter mais recursos do que gastá-los, transformar os cidadãos
em consumidores, descentralizando o poder segundo mecanismos de mercado em vez de
mecanismos burocráticos. (Osbourne & Gaebler apud Souza Santos, 1992, p.267).
Dupas (1999), por exemplo, defende que a lógica privada possui amplas condições
de aumentar a eficiência operacional das empresas estatais, desde que estas saibam
balancear a eficácia com o atendimento à demanda dos atores sociais. É importante
garantir que as vantagens cheguem ao consumidor, fazendo-se necessário, portanto, haver
uma forte condição competitiva e um sistema regulatório independente e eficaz.
No Estado novíssimo-movimento social, a sociedade civil assume um papel
estratégico na reforma do Estado e do mercado. Para exercer esse papel ela própria tem de
se modificar, aprofundando a sua democracia interna. Vários autores consideram que a
transferência para a sociedade civil das funções que nem o Estado nem o mercado estão
sendo capazes de realizar a contento (sob a ótica da sociedade) é que vai concretizar a
verdadeira reforma do Estado e dos atores envolvidos na mesma.
Quando o mercado é manifestadamente incapaz de oferecer certos
serviços de um modo que permita o acesso eqüitativo a eles e o Estado
está sobrecarregado e/ou é ineficiente, faz sentido transcender a
dicotomia Estado-mercado e transferir essas funções às organizações
sociais (Bresser Pereira apud Sachs, 1999, p.203).
De acordo com Franco (1999, p.277), a busca da sinergia Estado-Mercado-
Sociedade Civil é uma condição sine qua non tanto para a gestão das políticas públicas
baseada em um novo paradigma de relação Estado-Sociedade18, quanto para a
18 Este paradigma, segundo Franco, prevê a articulação, a descentralização, a parceria, a
transparência, o controle social e a participação.
41
alavancagem de recursos para investir no desenvolvimento do país. Segundo ele, “sem
essa sinergia o Estado jamais poderá ser controlado e o mercado jamais poderá ser
orientado pela sociedade”.
Grau (1999, p. 240) comenta que as organizações sociais19, não sendo públicas nem
privadas, possuem vantagens comparativas em relação ao Estado e ao mercado,
particularmente no campo da produção de serviços sociais.
Além das vantagens óbvias associadas ao aporte de doações e trabalho voluntário e
a adaptabilidade aos públicos concernentes, as organizações sem fins lucrativos oferecem
outra vantagem sobre os serviços onde o usuário não pode dispor de informação completa
de sua qualidade. É a confiança e a ênfase na dedicação humana – envolvidas em seu
caráter não mercantilista – valores que se revelam chaves como princípios de controle e
administração e fatores de qualidade dos serviços públicos.
Sachs (1999) concorda que as organizações sociais são instituições mais adequadas
para o cumprimento das funções que hoje nem o Governo nem o mercado estão
conseguindo atender: o primeiro por ineficácia e o segundo por possuir objetivos distintos
da promoção da equidade social.
Souza Santos (1999, p. 250) introduz um outro ponto de fundamental relevância
para a reforma do setor público: a reforma do sistema jurídico. “A reforma do setor
público assenta-se, em termos de engenharia institucional em dois pilares fundamentais: a
reforma do sistema jurídico e o papel do terceiro setor”20.
Franco (1999) vai além. Defende uma reforma política nos três poderes, embora
concorde com Souza Santos que o judiciário seja o mais carente de representatividade e
legitimidade social.
Como abordado, se a sociedade civil não se reestruturar, vai ser difícil cumprir o
papel que lhe é apontado: o de participar amplamente da reforma do Estado. O mesmo
ocorre ao sistema jurídico. Como restabelecer a legitimidade do Estado sem uma reforma
19 As organizações sociais são formas institucionais não Estatais, que possuem objetivos sociais, públicos ou coletivos. Distinguem-se das empresas privadas tradicionais por não terem fins lucrativos. Seu trabalho baseia-se, via de regra, na descentralização, iniciativas locais/regionais, trabalho em redes, entre outros.
20 Terceiro setor é uma denominação para um conjunto de organizações sociais que, por um lado, sendo privadas não tem fins lucrativos e, por outro lado, sendo animadas por objetivos sociais, públicos ou coletivos, não são estatais. Entre tais organizações podem mencionar-se cooperativas, associações mutualistas, associações de solidariedade social, organizações não governamentais, organizações quase-não governamentais, organzações de voluntariado, organizações comunitárias ou de base etc.
42
do sistema jurídico vigente? Como o Estado poderá regular e regulamentar as ações
executadas, por empresas privadas ou por organizações sociais, sem um arcabouço legal
que o respalde? Como a sociedade civil poderá se reestruturar e ter seu papel
institucionalizado, sem as devidas leis e penalidades instituídas, uma vez que isso vai de
encontro ao sistema vigente até então dominado pelas oligarquias e elites. Se não houver
uma parceria e reforma do sistema jurídico, torna-se pouco provável uma verdadeira
reforma do Estado.
Partindo-se da premissa que a reforma do Estado, que está em processo, contempla
a sociedade civil e que esta entra em cena tanto para fortalecer o Estado quanto para
fortalecer a si própria, são enunciadas algumas propostas, que de certa maneira funcionam
como pré-requisitos e/ou condicionantes para que essa reforma se estabeleça.
Há, sem dúvida, uma confluência nas propostas que se seguem: O Estado rede, de
Castells (1998), engloba várias outras propostas no que tange às condições políticas,
sociais, administrativas, entre outras, necessárias ao funcionamento do Estado. Sunkel, por
exemplo, possui uma proposta de rede institucional que se assemelha ao funcionamento do
Estado proposto por Castells.
Os contratos sociais, por sua vez, possuem alguns dos requisitos apontados por
Castells, tais como a transparência administrativa, a institucionalização da participação da
sociedade no planejamento e nas ações que lhes dizem respeito. A coordenação, a
regulação, o acompanhamento e a avaliação também fazer parte da maioria das propostas
apresentadas.
a. Estado-rede (Castells, 1999)
Castells aponta o Estado rede como a forma institucional que surge e se adequa aos
novos problemas de administração pública e gestão política da era da informação. Neste, o
Estado se caracteriza por compartilhar a autoridade e a tomada de decisões com uma série
de instituições supranacionais, regionais e locais. As organizações não governamentais se
conectam com essa rede interinstitucional. Assim, diferentes níveis de Estado se
convertem simplesmente em diferentes tipos de nós dessa rede. A capacidade de ação está
instalada na rede mais do que em um nó, seja qual for a sua dimensão (Castells, 1998).
Os oito princípios abaixo relacionados norteiam o funcionamento administrativo
dos Estados-rede, proposta de Castells (1998, p.165) para uma reforma do Estado que,
como assinalado acima, se adeque às novas exigências técnicas, políticas, administrativas,
43
econômicas etc. de cada país. Note-se que a maioria destes princípios já foi citada
anteriormente e faz parte dos requisitos apontados para a reforma do Estado, tais como a
subsidiaridade, a coordenação, a participação social, entre outros.
1. Subsidiaridade – trata-se da transferência das ações do Estado à sociedade, e/ou
às empresas, ou mesmo a instâncias regionais ou locais de governo, quando não há
necessidade de sua atuação. O Estado tem a responsabilidade da redistribuição da
riqueza, por meio da captação de impostos de recursos gerados pelo setor privado.
A gestão administrativa deve se situar no âmbito mais descentralizado possível,
onde possa desempenhar-se eficazmente21.
2. Flexibilidade – o Estado tem que ter flexibilidade para acompanhar as constantes
mudanças que vêm ocorrendo em nível global, tais como passar de um Estado
decretador a um Estado negociador, de um Estado controlador a um Estado
interventor.
3. Coordenação – trata-se do estabelecimento de mecanismos de cooperação
permanente com as administrações locais, regionais, nacionais e supranacionais de
todas as instituições pertinentes à rede.
4. Participação – a participação dos cidadãos legitima as ações do Estado. O uso de
instrumentos tecnológicos pode estender as formas de consulta e co-decisão a todas
as esferas do Estado22.
5. Transparência administrativa - para tal, são necessários controles externos
ancorados na sociedade23.
6. Modernização tecnológica - o Estado-rede requer o uso contínuo de redes
informatizadas e de telecomunicações avançadas.
21 A descentralização não aparece como um item em separado, mas é um dos requisitos do Estado-
rede. Castells defende que os governos locais e regionais apresentam um maior potencial de flexibilidade para adaptarem-se e negociar com os fluxos globais. E têm uma relação mais fluida com seus cidadãos. Podem, assim, expressar melhor as identidades culturais de um território, estabelecer mais facilmente mecanismos de participação e informação e gerar mobilizações comunitárias (Castells, 1999, p.161).
22 Outros autores vão além, trazendo para o debate a questão da institucionalização da representação
social. A esse respeito ver Grau (1999, p.235); Bursztyn (1998, p.156) e Offe (1999, p.142).
23 Para Grau (1999), é imprescindível que sejam repensados os mecanismos para a accountability horizontal (característica do sistema político que implica transparência dos atos dos governantes e capacidade de sanção destes pelos governados, que têm os instrumentos para acompanhar o comportamento dos primeiros e responsabilizá-los pelos seus atos).
44
7. Capacitação – a capacitação dos agentes da administração se dá por meio da
profissionalização, melhores salários e competências.
8. Acompanhamento e avaliação da gestão.
Sunkel (1999, p.191) corrobora com a proposta de Castells sobre a criação de uma
rede de instituições baseada nos movimentos sociais, por meio da descentralização, da
regionalização, da promoção de iniciativas locais, de uma grande diversidade de
associações, dos grupos cooperativos, das municipalidades, das organizações de bairros,
organizações filantrópicas e para o desenvolvimento social.
Além dos requisitos colocados por Sachs e Sunkel, alguns outros se tornam
imperativos nesse processo de reforma de Estado no qual a sociedade se insere como
parceira do Estado. Entre estes, destacam-se a formulação de um projeto nacional e a
elaboração de um novo contrato social.
b. Formulação de um projeto nacional
Há um consenso, entre alguns dos autores acima citados, de que a reforma do
Estado deverá engendrar a idéia de um projeto nacional, coordenado pelo próprio Estado e
englobando o máximo de questões prioritárias para o país. Teria, em princípio, que
incorporar a participação da sociedade e dos atores envolvidos no processo, de forma a
legitimá-lo, assim como inserir a criação de um projeto institucional que dê suporte à
estratégia do país.
Sunkel defende que o Estado deve coordenar um plano nacional estratégico de
médio e longo prazo, que teria como objetivos oferecer orientação para o estabelecimento
de incentivos adequados e uma estrutura reguladora coerente, bem como garantir o
consenso, por meio de diálogo, entre todos os setores sociais e políticos, a fim de garantir
apoio a essa estratégia/plano (Sunkel, 1999, p.190).
Sachs (1999), por sua vez, apóia a criação de um projeto nacional proveniente de
um intenso debate da sociedade, que compare opções alternativas de desenvolvimento,
buscando um equilíbrio entre o ideal e o possível, no sentido de uma utopia viável.
Defende, ainda, a criação de um projeto institucional sintonizado com as metas
estabelecidas no projeto nacional.
45
Para (Bursztyn, 2001), o Estado deve ter uma presença marcante no projeto
nacional. Este, por sua vez, deve possuir forte componente educacional e não pode
prescindir da apropriação de uma base de recursos naturais, que deve se dar de forma
coerente com o princípio da sustentabilidade.
c. Elaboração de um novo contrato social
O novo contrato social é uma espécie de acordo, pacto ou intercâmbio de ações
entre o Estado e a sociedade civil, que venha definir um fortalecimento político e social de
ambos parceiros.
Esse novo pacto pressupõe, necessariamente, a recuperação da
capacidade de indução de Estados nacionais éticos e fortalecidos em sua
legitimidade, e a criação de estruturas eficazes que com a colaboração da
sociedade civil tenham condição de fiscalizar o cumprimento dos
acordos e dos compromissos assumidos nos processos de regulação
(Dupas, 1999, p.232).
O Estado precisa ser reconstruído e a sociedade civil precisa ser
desenvolvida, de maneira que seja possível inaugurar um novo contrato
social sobre bases de poder mais plurais (…) Estimular um novo contrato
social que abranja o que toda a sociedade exige, pensar nas premissas
sobre as quais se assentam as principais alternativas em jogo, que estão
dirigidas pelo ideal da diversificação na representação social para obter
uma maior igualdade política (...) Um ponto crítico essencial ao
desenvolvimento é tanto a reconstrução do Estado, como o
fortalecimento da sociedade situados por sua vez como condições de um
novo contrato social (Grau, 1999, p.241-242).
Rosenvallon (1997), também defende um novo contrato social entre indivíduos,
grupos e classes, cujo objeto central diz respeito às formas do social e do político. Esse
acordo consiste em trocar a possibilidade de uma maior flexibilidade da atividade
econômica e de uma certa desburocratização do Estado pelo reconhecimento de uma
autonomia crescente das pessoas e dos grupos que será garantida por agentes coletivos e
por instituições.
46
As propostas acima apresentadas podem e devem ser utilizadas no processo de
reforma do Estado, em direção a uma política de desenvolvimento sustentável. A
institucionalização da representação social em parceria com o Estado, como vimos, será
imprescindível nesse processo.
2.4 POLÍTICA PÚBLICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Políticas públicas voltadas para o desenvolvimento são, por si, um desafio que
aumenta sobremaneira quando se agrega, como requisito desse desenvolvimento, a
sustentabilidade. No Brasil, as experiências de políticas públicas visando o
desenvolvimento sustentável ainda são relativamente recentes e poucas. Situam-se,
principalmente, no nível de projetos e não de programas. Ocorrem, quase sempre, em nível
local, e exigem parcerias de diversos atores sociais. Geralmente são projetos implantados
como pilotos de um projeto maior e são financiados por organismos internacionais.
Cada vez mais, as questões ambientais vêm influenciando as tomadas de decisões
nas políticas de desenvolvimento. Isso se dá por força de mecanismos legais, econômicos,
normativos e acordos internacionais. Mas também pela imposição do próprio meio
ambiente, que sinaliza por meio de exaustão dos recursos, aumento dos custos ambientais,
danos à saúde, desastres ambientais, entre outros, em resposta às intervenções que direta
ou indiretamente contribuem para a sua deterioração. Face às repercussões econômicas,
que elevam os custos das políticas implementadas, o meio ambiente acaba por ter
influência nas tomadas de decisão, como já assinalado acima.
Nesse sentido, como afirma Bursztyn (2001, p.74)
Um importante vetor de apoio ao desenvolvimento sustentável é o
estabelecimento de políticas públicas indutoras de comportamentos
coerentes com o imperativo da qualidade ambiental. Para isso, o Estado
deve atuar, ainda que indiretamente, por meio de instrumentos
econômicos (sistema tributário e de crédito, condicionados a critérios
ambientais) e normativos/legais. E deve, também, se valer de
mecanismos contratuais, onde a função pública é de mediação, mas
assegurando a validade de pactos, como é o caso dos sistemas de
certificação legitimados pela credibilidade. E é o caso também da
instituição de um pacto ético, onde a produção de conhecimentos e de
tecnologias deixe de se orientar principalmente pela razão instrumental e
47
pela lógica do mercado, para se preocupar, acima de tudo, com o bem-
estar e a perenidade da vida (princípio da precaução).
Na realidade, devem ser estimuladas as iniciativas que visem provocar um novo
comportamento ético em relação ao meio ambiente, buscando uma mudança cultural. Esta
pode ser realizada, por exemplo, por meio de maciças campanhas educativas, marketing,
lobby, em que atuem atores política, social e eticamente envolvidos com as questões
ambientais e as interações que promovam o desenvolvimento sustentável. Esta prática
poderá ser considerada como política pública, no sentido de iniciativas em prol da
sociedade como um todo.
2.4.1 Desenvolvimento econômico x desenvolvimento sustentável: introdução ao
debate político
O meio ambiente só se tornou motivo de interesse político, econômico e objeto de
políticas públicas muito recentemente. Desde o início dos anos 1970 emergiam as
discussões acerca da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento econômico vigente
e dos impactos sócio-ambientais em nível local, regional e nacional, que começavam a se
tornar objeto de preocupação da maioria dos países. Isso se deu, grosso modo, a partir da
Conferência de Estocolmo em 1972 (ver box 1), quando vários alertas sobre a finitude dos
recursos naturais não renováveis começaram a emergir24.
24 Carson, R. Silent Spring.(1962) – Relata os efeitos adversos da má utilização dos pesticidas e
inseticidas químicos sintéticos; Udall (1963) The Quiet Crisis- Denuncia a degradação do meio ambiente e da qualidade de vida da sociedade americana; Boulding, K.E. The economics of the coming spaceship earth, (1966). Faz uma analogia da economia futura ao homem espacial, preocupado fundamentalmente com a manutenção de estoques; Erlich, P. & A. Erlich, The Population Bomb, Ballantine, New York, 1969 - Alerta para os problemas ambientais relacionados à superpopulação; Commoner, B. The Closing Circle; Nature, Man and Technology, Knopf, New York, 1971- Alerta para o impacto das novas tecnologias no meio ambiente; Meadows, D. The Limits to Growth, A global challenge; a report for the Club of Rome Project on the Predicament of Mankind, Universe Books, New York, 1972 - Fala das raízes da crise ambiental como um resultado do crescimento exponencial da população; Hardin, G. The Tragedy of Commons, in: Science 162, 1968 – alerta para os problemas ambientais vinculados a superpopulação e ao individualismo.
48
BOX 1: Principais resultados da Conferência de Estocolmo segundo McCormick (1992):
a. A natureza do ambientalismo mudou: da forma popular, intuitiva com a qual emergiu
nos paises mais desenvolvidos para uma forma de perspectivas mais racionais e globais, a
qual enfatizava o esforço no sentido de uma compreensão plena dos problemas e do
acordo sobre uma ação legislativa efetiva. O Novo Ambientalismo evoluiu para termos
que eram politicamente mais aceitáveis, encorajando mais governos nacionais a fazer do
meio ambiente uma questão de política.
b. Forçou um compromisso entre as diferentes percepções sobre o meio ambiente
defendidas pelos países. Antes de Estocolmo as prioridades eram determinadas pelos
países desenvolvidos. Depois, as necessidades dos países menos desenvolvidos tornaram-
se um fator chave na determinação das políticas internacionais.
c. A presença de muitas ONGs na Conferência marcou o começo de um papel novo e
mais persistente para as políticas ambientais.
d. Criação de um Programa de Meio Ambiente nas Nações Unidas.
Embora a Conferência não tenha resultado em compromissos e acordos oficiais,
teve um papel relevante por legitimar politicamente e em escala mundial a questão
ambiental. A partir de então, quase todos os países desenvolvidos e não desenvolvidos
passaram a instituir políticas nacionais de meio ambiente.
Em 1987, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU elaborou um
relatório denominado Our Common Future25, que mostrava a vinculação entre meio
ambiente e desenvolvimento e como as políticas estavam aquém de responder às
demandas existentes. O relatório considerava as instituições existentes independentes,
fragmentárias, excessivamente limitadas na sua perspectiva e preocupadas demais com o
enfrentamento de efeitos e não de causas. Além disso, via de regra, a política ambiental
era colocada em segundo plano; os organismos ambientais muitas vezes sabiam sobre
novas iniciativas nas políticas econômicas, comerciais e energéticas muito depois das
decisões efetivas já terem sido tomadas (CNUMAD, 1988).
25 Ver Nosso Futuro Comum/Comissão Mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento – Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988.
49
O Relatório Bruntland26 (Our Common Future) introduz um novo patamar na
discussão da questão ambiental. Ele insere o debate em fóruns onde a questão ambiental e
a do desenvolvimento sustentável ainda não ocorria plenamente. O tema passa a ser
incluído nos debates das políticas econômicas, nas relações internacionais e em outros
locais de difícil penetração.
O debate sobre desenvolvimento e meio ambiente também foi trazido à tona pelas
instituições de financiamento como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e
o Banco Mundial (BIRD), que passaram a considerar as dificuldades de compatibilização
das políticas ambientais e dos programas de desenvolvimento em países do Terceiro
Mundo.
Vinte anos depois da Conferência de Estocolmo ocorre a Rio 9227, quando então os
problemas ambientais já passam a ser motivo de discussões internacionais, uma vez que
alguns dos problemas nacionais tornam-se globais28. Desse encontro surgem os primeiros
acordos internacionais - ainda que nem todos os países compactuassem dos mesmos – tais
como o da biodiversidade do planeta, as mudanças climáticas e as florestas. Esses acordos
deram margem a regulamentações - com respeito a esses temas - por parte das agências
ambientais de vários países. O acordo sobre Mudanças Climáticas29 e a posterior
assinatura do Protocolo de Kioto, por exemplo, resultaram na criação de uma série de
instituições ambientais/energéticas destinadas a atuar no sentido de se fazerem cumprir os
pontos acordados.
Dez anos depois, a cúpula da Conferência Rio + 10, adota a Declaração de
Joannesburgo sobre desenvolvimento sustentável, que assinala, como principais
estratégias na área de energia e desenvolvimento sustentável, o desenvolvimento de
26 O Relatório da Comissão Mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento denominou-se
Relatório Bruntland em homenagem à Presidente da Comissão, Gro Harlem Bruntland, da Noruega. 27 As conferências mundiais foram importantes no sentido de “contaminar” Estados que não
possuíam ainda agendas ambientais explícitas e que passam a integrar o espaço público mundial no tocante às questões ambientais. Após a Conferência de Estocolmo, em 1972, o número de países que possuíam agências de meio ambiente estatais aumentou de 12 para 140 (Leis, 1999).
28 Poluição dos mares, caça as baleias, produção pesqueira, desertificação, poluição ácida, destruição da camada de ozônio e a escalada do dióxido de carbono são problemas que transcendem os países isoladamente, alguns transnacionais, outros globais.
29 A Convenção de Mudanças Climáticas estabelece como objetivo final estabilizar as concentrações de gases do efeito estufa na atmosfera, de modo que impeça a interferência humana perigosa no clima. A Convenção foi negociada em pouco mais de dois anos e 175 Estados a ratificaram. O tratado entrou em vigor em 22 de março de 1994.
50
tecnologias inovadoras menos poluentes e de melhor rendimento e o aumento significativo
das fontes de energia renováveis.
2.4.2 A institucionalização das políticas de meio ambiente
Os países desenvolvidos instituíram políticas de meio ambiente a partir do final da
década de 1960. Os EUA criaram uma legislação ambiental - National Environment Policy
Act (NEPA) - em 1969 e a Agência de Proteção Ambiental - Environment Protection
Agency (EPA) em 1970. Na Dinamarca foi criada a Lei de proteção ambiental em 1973 e a
França instituiu a Lei de proteção ambiental em 1976.
No Brasil, a institucionalização da política de meio ambiente começa a surgir
nessa época, com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), em 1973.
De 1973 até 1985 era vinculada ao Ministério do Interior; a partir de 1985 foi alocada no
Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente e em 1987 vinculou-se ao
Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente. As agências estaduais também
começaram a ser criadas a partir da década de 1970. O primeiro órgão estadual instituído
foi a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), criada no ano de
1968.
Nos anos 1980 foram criados os Conselhos estaduais e municipais de meio
ambiente (CONSEMAS e CONDEMAS). Em 1981 foi instituída a Política Nacional de
Meio Ambiente, por meio da Lei 6938/81. Essa Lei cria o Sistema Nacional de Meio
Ambiente (SISNAMA) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). A partir
de então, são introduzidas características novas dentro da estrutura do poder público: a
participação da sociedade civil e a descentralização da gestão ambiental.
Em 1989 foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA), por meio da fusão de 4 órgãos - Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), Superintendência da Borracha (SUDHEVEA),
Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) e Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(IBDF). A criação do IBAMA, antecedeu a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência
da República (SEMAM), de 1990 e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), criado em
1992. Essa institucionalização da política ambiental demonstra que as questões de ordem
ambiental começavam a tomar vulto e a assumir dimensões compatíveis com a magnitude
suscitadas por estas.
51
Entretanto, embora muitos ganhos tenham sido registrados no âmbito da
capacidade institucional de atuar em política e gestão ambiental, o MMA não logrou um
peso político forte no conjunto do Governo, de forma a exercer a influência nas políticas
públicas de um modo geral. O Ministério é convocado a atuar, quase que isoladamente nas
questões onde o meio ambiente predomina, sendo que muitas vezes atua em parceria com
ONGs e setores do Congresso, no sentido de reagir a determinadas ações provenientes de
outros setores que interferem nas questões ambientais, muitas vezes tendo como
protagonistas instituições do próprio Estado.
Em termos legais, surge em 1986, a Resolução CONAMA 001/86, que estabeleceu
a obrigatoriedade de elaboração de estudos de impacto ambiental e respectivos relatórios
de impactos ambientais (EIA/RIMA) para atividades potencialmente causadoras de danos
ambientais. Em 1988, o artigo 225 da Constituição do Brasil abre espaço institucional em
termos de regulamentação, execução e fiscalização do meio ambiente, estimulando a
elaboração, em 1998, da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605 de 12/02/98).
Em se tratando de Lei que prevê e cria penalidades para crimes contra o meio
ambiente e a sustentabilidade do mesmo, foi um avanço significativo, embora não se tenha
confirmação da efetividade da Lei e do cumprimento das penalidades da mesma.
Ferreira (1998) assinala que, por um lado, as políticas públicas têm contribuído
para o estabelecimento de um sistema de proteção ambiental no país. Mas, por outro lado,
o poder público é incapaz de fazer aos indivíduos e às empresas cumprir uma proporção
importante da legislação ambiental. Nesse sentido, há no Brasil uma legislação ambiental
moderna, mas com condições de aplicabilidade ainda restritas.
De qualquer forma, os parâmetros do debate ambiental brasileiro mudaram na
década de 1990. Já não se fala mais em proteção ambiental independentemente do
desenvolvimento econômico e a participação social é um fator condicionante básico. O
eixo estruturador do debate é a preocupação em como atingir um novo estilo de
desenvolvimento que interiorize a proteção ambiental.
Bursztyn (2001, p.69-75) aponta, além de um Estado atuante e a participação da
sociedade nas decisões públicas, outros três imperativos em que as políticas públicas
podem e devem atuar em prol do desenvolvimento sustentável:
- Intervenção reguladora do Estado de modo a ambientalizar as decisões baseadas
exclusivamente em fatores econômicos.
- Inserção da dimensão ambiental na educação, de modo a conscientizar a
sociedade.
52
- Combate à exclusão social.
2.4.3 Políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e o Terceiro Setor
Na década de 1980 surgem novos atores sociais que irão contribuir sobremaneira
para a disseminação das questões ambientais no âmbito da sociedade civil, levando, de
certa forma, à institucionalização dessas questões e a introdução de políticas públicas para
o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
Segundo McCormick (1992) os diferentes grupos de interesse tiveram uma
importância fundamental para as políticas ambientais, tanto no sentido de atrair a atenção
da sociedade para as questões relacionadas ao meio ambiente, quanto no acompanhamento
da implementação e da eficácia da legislação. Nesse sentido, a quantidade de
Organizações não Governamentais foi crescendo na mesma proporção em que aumentava
o número de organismos ambientais estatais e de instrumentos legislativos. A tendência
dessas ONGs era de se envolver em questões ambientais mais amplas e na prática de
lobby.
Por outro lado, os organismos internacionais foram de fundamental importância na
vinculação das ONGs com as políticas públicas. No tocante aos projetos ambientais, estes
órgãos foram, de certa forma, responsáveis pela parceria das ONGs com o Estado.
Na realidade, a maior proximidade de entidades da sociedade civil com a
formulação de políticas públicas ambientais, foi estimulada pelo acesso a recursos
financeiros internacionais, uma vez que os órgãos financiadores consideravam a
participação da sociedade civil nos projetos como um pré-requisito para os empréstimos se
efetivarem. O setor ambiental obteve, a partir da década de 1990, uma soma vultosa dos
organismos internacionais30, o que precipitou, de certa forma, a entrada de novos atores
sociais nas negociações de projetos ambientais.
As instituições internacionais de financiamento impõem critérios de eficiência e
legitimação de projetos por mecanismos de participação que impactam decisivamente as
relações governos/ONGs. Constatam a baixa eficiência oficial no uso dos recursos
negociados, sobretudo a dificuldade de fazê-los chegar ao público–alvo. E não só surgem
30 Podem ser citados alguns exemplos como o Projeto de Desenvolvimento Agropecuário e florestal
de Rondônia (Planafloro), que recebeu um empréstimo do Banco Mundial de US$ 177 milhões; o Projeto de Desenvolvimento Agroambiental do estado de Mato Grosso (PRODEAGRO) com US$ 190 milhões e o II Programa Nacional de Meio Ambiente (II PNMA) cuja quantia foi de US$ 15 milhões (World Bank, 2002).
.
53
aí espaços para ONGs, como se criam entidades com a finalidade específica de ser
instrumental de política pública para atuação na ponta do processo, junto às comunidades,
onde nem os financiadores nem o Governo têm capacidade para estar (Bernardo, 2001).
Nem todas as ações ambientais partem do poder público ou das ONGs. Estas ações
também podem vir de organizações ambientais privadas, como no caso da Grã-Bretanha31
(McCormick, 1992), setores do empresariado cujos sistemas produtivos preenchem em
medida significativa o critério da sustentabilidade (Ferreira, 1998), associações civis
voluntárias, privadas com fins públicos e, como tal, habilitadas a participar da formulação
e implementação de políticas públicas (Bernardo, 2001).
Poderíamos apontar, ainda, a participação dos partidos verdes, especialmente nos
países europeus e da América do Norte32. Estes buscavam mudanças sociais fundamentais
e de amplo espectro: pequenos partidos socialistas preexistentes que adotaram políticas
ambientais e se transformaram em partidos ecológicos; partidos liberais e agrários que
vinham tradicionalmente enfatizando as questões ambientais e os novos partidos criados
especificamente para representar um eleitorado mais consciente das questões ambientais.
2.4.4 O Estado e o desenvolvimento sustentável
Como vimos no item anterior, a politização das questões ambientais surgiu, em
grande parte, da organização das demandas sociais em relação ao meio ambiente. O
Estado, no entanto, deve estar preparado para permitir o diálogo com os diversos setores
que passam a se interessar pelos valores e problemas ambientais.
Segundo Leis (1999), a democratização na sociedade contemporânea pode (e deve)
ser vista como o crescimento de uma esfera pública autônoma, capaz de recolocar no
debate valores e interesses universais. Além de permitir e fazer ampliar esse debate, o
Estado deverá ser o mediador dos conflitos inerentes ao enfrentamento das lógicas da
produtividade econômica e da sustentabilidade.
31 Na política ambiental britânica, por exemplo, organismos ambientais privados são o elemento-
chave. Muitos grupos ambientais recebem financiamento do governo e quase a metade tem representantes em um ou mais comitês consultivos oficiais. Até a década de 1970 esses grupos dependiam de negociações privadas com funcionários do governo, depois muitos ficaram envolvidos na prática direta de lobby, no ativismo político e na mobilização da opinião pública.
32 Entre 1972 e 1984, a maioria dos países europeus e da América do Norte já possuíam partidos
verdes. A esse respeito ver McCormick, 1998, p. 140-141.
54
Como isso pode ocorrer? Em princípio, existe uma ampla concordância quanto à
prioridade das atribuições reguladoras do Estado. Para funcionar adequadamente, os
mercados exigem regras de jogo estabelecidas com clareza.
Os mercados, como aponta Offe (1999, p.136) são conhecidos por sua surdez e
cegueira: “são surdos às externalidades por eles causadas, por exemplo, de natureza
ambiental, ao mesmo tempo que são cegos às conseqüências de longo prazo que as
transações de mercado podem causar àqueles envolvidos com elas”.
Assim, um Estado atuante deverá ter por papel regular e regulamentar as ações
que, de alguma forma interfiram no meio ambiente e/ou na vida da sociedade. “A
regulação quando não se dá pela mão invisível do mercado – o que nem sempre ocorre,
principalmente onde o mercado é imperfeito – deve ser exercida pelo poder público, que
atua como mão visível” (Bursztyn, 2001, p.69).
No caso de empresas públicas, por exemplo, que por seu caráter estatal já
representa em si instrumentos de regulação, o Estado não precisa de muitas
regulamentações; mas quando se pensa em privatizá-las é preciso que sejam definidas
regras de funcionamento, sobretudo quando se tratar de serviços públicos que passem a ser
objeto de concessões à iniciativa privada (Bursztyn, 1998, p.155).
O Estado deve concentrar-se na regulamentação, na gestão de contratos
sociais, na promoção de instrumentos e políticas indutoras de estratégias
planejadas, na garantia da proteção social (…).O Estado tem enorme
responsabilidade no desenvolvimento econômico e social de um país e
sobre a sustentabilidade do desenvolvimento. O potencial do Estado de
alavancar, promover e de mediar mudanças na busca de fins coletivos
não tem limites (BIRD, 1997, p.157).
Para que o Estado tenha o desenvolvimento sustentável como uma premissa, este
deverá, de preferência, estar inserido, como falado anteriormente, em um plano de ação,
ou em um projeto nacional. Sachs (1999) defende o planejamento organizado pelo Estado
tanto para a harmonização dos objetivos sociais, ambientais e econômicos visando o
desenvolvimento sustentável, como para que os atores participantes dos processos de
negociação possam ter uma visão clara das prioridades nacionais de longo prazo.
Diante do exposto nesse capítulo, poderíamos afirmar que o desenvolvimento
sustentável é um marco que deverá caracterizar a reforma do Estado, servindo de base e
55
fundamento à elaboração e aplicação de um projeto nacional, que traduza um novo pacto
social em que se evidencia a participação do terceiro setor, fortalecendo a sociedade civil.
Esse seria o caminho mais adequado à implementação de políticas públicas em
eficiência energética, objeto desta tese, pois dificilmente essas políticas fazem parte das
políticas de desenvolvimento sustentável.
∗ ∗ ∗
O presente capítulo introduziu a questão das políticas públicas, a crise do Estado, o
neoliberalismo, a institucionalização da questão ambiental como política pública e a
emergência do conceito de desenvolvimento sustentável. No capítulo seguinte, será
abordada a política energética no Brasil, a inserção da questão ambiental na mesma, o
impacto do neoliberalismo na política energética e as perspectivas futuras.
56
3. REFORMA E PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
Neste capítulo serão abordados os aspectos da reforma do setor elétrico, da
privatização, da desregulamentação e da re-regulamentação por parte do Estado,
especialmente no que diz respeito às interferências que poderão ou irão ocasionar na
política ambiental e de eficiência energética, objeto de nosso estudo. O que não diz
respeito diretamente às questões ambientais e à eficiência energética será abordado como
pano de fundo, de forma a possibilitar uma compreensão do processo como um todo.
3.1 REGULAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, DESREGULAMENTAÇÃO E RE-REGULAMENTAÇÃO
Na maioria dos textos que abordam as questões referentes à reestruturação e/ou a
privatização do setor elétrico, há referências à regulação, regulamentação,
desregulamentação, re-regulamentação, entre outros termos. Nesse sentido, procuraremos
explicitar os que estão sendo utilizados ao longo da tese.
O termo regulação, segundo Boyer (1990, p.46), apresenta um sentido mais
abrangente do que a simples intervenção do Estado ou de outras organizações coletivas na
atividade econômica. A regulação deve ser entendida como a "conjunção de mecanismos
que promovem a reprodução geral, tendo em vista as estruturas econômicas e as formas
sociais vigentes". Os autores americanos utilizam o termo regulação, para qualquer que
seja a conotação dada, pois a língua não permite que outros termos sejam utilizados para
os diferentes sentidos. Na língua inglesa, a idéia de regulação confunde-se com a de
regulamentação (regulation). As línguas latinas permitem a distinção entre regulação e
regulamentação.
Boyer (1990) também sugere que a regulação setorial, através de normas e regras,
deve ser tratada de regulamentação, reservando à regulação um sentido mais amplo.
Assim, a necessidade do Estado prover regras claras para amparar as privatizações,
incentivando a competição e a eficiência das empresas, se refere à regulamentação setorial
(Krause apud Gomes, 1994, p.103).
O papel do Estado, independentemente do grau de interveniência direta
enquanto ator econômico é o de regular as relações entre os diferentes
agentes do sistema econômico-social. Para regular pode lançar mão de
57
dois mecanismos: a regulamentação e a ação direta (…) No caso de
empresas públicas, por exemplo, que por seu caráter estatal já
representam em si, instrumentos de regulação, o Estado não precisa de
muitas regulamentações; mas quando se pensa em privatizá-las, é preciso
que sejam definidas regras de funcionamento, sobretudo quando se tratar
de serviços públicos que passem a ser objeto à iniciativa privada.
(Bursztyn, 1998, p.155).
Na realidade trataremos aqui tanto da regulação, quanto da regulamentação. O
Estado enquanto regulador tratará das questões em nível geral, ou seja, como coordenador
da reestruturação e do processo de privatização do setor elétrico. Atuará ainda como
regulamentador do novo mercado elétrico no sentido de estipular as normas pelas quais os
novos e antigos agentes do setor deverão se guiar. A regulamentação estará, assim,
inserida no processo de regulação.
O termo desregulamentação tem sido amplamente utilizado associado à idéia de
mercado livre, à diminuição da intervenção do Estado na economia e mesmo às
privatizações. Porém, na maioria dos países de industrialização avançada ocorreu uma
reforma regulatória, servindo como suporte à introdução de mais competição no mercado e
às privatizações (Gomes, 1998, p.24).
As privatizações, juntamente com mecanismos de regulamentação e o grau de
competição dos mercados são combinações possíveis para se organizar uma atividade
econômica visando determinado fim. Competição, regulamentação e privatização podem
ser combinadas de diferentes formas para atingir certo objetivo econômico, mas são
instrumentos imperfeitos quando utilizados de maneira isolada (Joskow apud Gomes 1998,
p.31).
Vogel (1996, p.3) atenta para o fato que as pessoas tendem a utilizar o termo
desregulamentação indiscriminadamente para se referir tanto à introdução de um mercado
competitivo, como à redução ou eliminação da regulamentação Estatal, como se essas fatos
fossem agregados. Na maioria dos casos, entretanto, os governos combinam a introdução
de um mercado competitivo à re-regulamentação, que significa a reformulação de antigas
regras e o estabelecimento de novas.
Assim, o termo desregulamentação utilizado como o estabelecimento de um
ambiente competitivo para estimular a eficiências das empresas, deve ser substituído por
58
re-regulamentação, onde políticas regulatórias que estimulem a eficiência e a competição
são necessárias para nortear o desempenho das companhias.
A experiência do Reino Unido, onde as privatizações, que significaram
redução de atividades governamentais, mostram que é preciso aumentar -
e não reduzir – as regulamentações. Se estas se mostram obsoletas ou
ineficientes, é o caso de revê-las, mas não de eliminá-las. Ou seja,
melhor que o conceito de desregulamentação é a idéia de “re-
regulamentação” (Bursztyn, 1998, p. 155).
Para efeito desta tese, o termo desregulamentação irá se referir às reformas e
reformulações das regras e regulamentações pertinentes ao setor elétrico face às mudanças
ocorridas no mesmo. Essa desregulamentação só será efetiva se combinada com a re-
regulamentação, ou seja, a instituição de novas regulamentações adequadas às reformas
introduzidas no âmbito do setor elétrico. O processo é contínuo. Se desregulamenta para
em seguida se re-regulamentar. Cada vez que o Estado deixa de atuar diretamente, mais
ele precisará regulamentar para poder cumprir o seu papel de regulador.
3.2 REFORMA DO SETOR ELÉTRICO - ANTECEDENTES
As reformas empreendidas no âmbito do setor elétrico, que foram marcantes ao
final do século XX, obedecem a uma lógica que seguiu dois movimentos: o encadeamento
com outros universos de reformas promovidas no aparelho de Estado, em geral, e a
propagação, em ondas, das experiências de um país a outro.
Desde o início dos anos 1980, diante da crise fiscal do Estado e da emergência de
teses desestatizantes, temas como desregulamentação e privatização passaram a ocupar
crescente espaço não só em fóruns acadêmicos, mas também nos esferas de decisões
governamentais. De início, o eixo reformista tinha como parâmetro maior a desoneração do
Estado em termos de suas responsabilidades como provedor de serviços e bens que
implicavam déficit nas contas públicas. Como essa referência, surgem iniciativas de vender
ativos públicos, notadamente indústrias, à iniciativa privada. Resolvia-se, assim, duas
questões: ao mesmo tempo em que o poder público se livrava de fontes de prejuízo,
passava a receber o valor da amortização daquelas vendas; por outro lado, o Estado
59
também se desincompatibilizava da responsabilidade de assegurar o emprego e os salários
de amplo contingente de trabalhadores.
A experiência britânica, pioneira nas reformas neoliberais no mundo desenvolvido,
demonstra que passada a fase das privatizações de empresas industriais públicas, o passo
seguinte é a privatização de serviços públicos. O setor energético se enquadra nessa
categoria.
As reformas do setor elétrico de um modo geral tiveram por objetivo a
reestruturação desse setor, visando favorecer a competição e diminuir o grau de
intervenção dos governos no mercado. Assim, os principais pontos das reformas foram a
substituição do Estado por capital privado; a “desverticalização” das empresas elétricas; a
atuação do órgão regulador que faz a interface entre o governo e os agentes do mercado
elétrico; a introdução de um novo regime tarifário, orientado para a busca da eficiência
econômica e a estruturação de um regime contratual, que repassasse para o mercado a
maior parte dos riscos assumidos pelos agentes econômicos.
De maneira geral, a busca da eficiência econômica por meio da criação de um
ambiente competitivo foi o fator determinante das reformas estruturais que vêm sendo
implementadas no setor elétrico brasileiro e em outros países. Os modelos, via de regra,
são semelhantes, tendo o modelo inglês como embrião, muito embora isto tenha causado
uma série de problemas em outros países, em razão, principalmente, da própria natureza
dos ativos, hidro ou termelétricos (Gregório, 2000).
No que se refere às ações ambientais e de eficiência energética no âmbito das
reformas, pode-se afirmar que estas são, em um primeiro momento, deixadas para um
segundo plano, tanto nas experiências internacionais quanto na brasileira.
No plano internacional, a experiência tem mostrado que iniciativas de
interesse público nas áreas de eficiência energética, proteção ambiental e
investimentos em pesquisas, por exemplo, são minimizadas ou
simplesmente ignoradas durante os estágios iniciais das reformas (…)
Como o ponto central da competição baseia-se em preços de energia,
mesmo atividades tradicionais ou em andamento em áreas de eficiência
energética, pesquisa e desenvolvimento, perdem sua importância ou são
desativadas se elas não apresentam vantagens para as companhias
privadas (Jannuzzi, 2000).
60
Dos países estudados, a Inglaterra e os EUA destacam-se pelas iniciativas das
companhias de eletricidade iniciarem investimentos em eficiência energética com o
objetivo de diferenciar seus produtos no mercado.
Nos Estados Unidos, por exemplo, esse fato se deve aos vários anos de forte
regulação pública, pela tradição em implementar grandes programas de eficiência
energética e uso de fontes renováveis nesse país, bem como já terem tido a experiência de
realizar reformas nos setores de telecomunicações e transportes, que auxiliou a formulação
de políticas públicas para preservar os aspectos de interesse da sociedade. Cabe ressaltar
que além da participação do governo na regulação é necessária a participação constante de
grupos de interesses de consumidores, fabricantes de equipamentos, ONGs, entre outros.
3.3 EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE REFORMA DO SETOR ELÉTRICO
3.3.1 Reforma nos EUA
Os primeiros movimentos de reforma do setor elétrico surgiram nos Estados
Unidos, em meados da década de 1970.
Nos EUA, embora as empresas privadas controlem a maior parte do sistema
elétrico (cerca de 73% da capacidade instalada), existe ainda uma significativa parcela sob
controle estatal33 (9% da capacidade instalada nas mãos do governo federal e 10% nas dos
governos estaduais e municipais) e de cooperativas de consumidores e autogeradores
(8%).(Oliveira, 1997).
O mercado elétrico americano é fortemente regulamentado. O papel regulador do
governo federal - Federal Electric Regulatory Commission (FERC) - se restringe à
regulação inter-estadual das concessionárias, sendo os reguladores estaduais - Public
Utilities Commission (PUC) - responsáveis pelo controle da atuação das mesmas,
inclusive no que se refere à política tarifária.
Os estados com tarifas elétricas elevadas foram agressivos na reforma. Os de
tarifas mais baixas adotaram posição conservadora, preferindo aguardar a consolidação
33 Neste caso, trata-se, na maior parte dos casos, de centrais hidrelétricas.
61
das mudanças nos estados pioneiros. Os efeitos, nesse caso, têm sido o desengajamento
das concessionárias das atividades de geração, abrindo espaço para os geradores
independentes; a busca de novas fontes de suprimento elétrico pelos grandes
consumidores e pelas concessionárias de distribuição; além da diversificação nos serviços
elétricos, com novos esquemas tarifários (Villela e Maciel, 1999, p.26).
As condições de operação das concessionárias são definidas por dispositivos
legais34 tais como: a obrigação de servir todo consumidor na área franqueada; garantia de
exclusividade na zona geográfica franqueada; remuneração adequada para investimentos;
regulador com papel quase judicial e quase legislativo; utilização de procedimentos
judiciais e soluções compensatórias para arbitrar conflitos; supervisão dos planos de
expansão e da qualidade dos serviços elétricos pelo regulador (Oliveira, 1997, p.21).
Em 1992, o Congresso Americano editou lei energética que definiu as condições
de operação do mercado elétrico naquele país (EIA, 1993). Esta legislação abre o mercado
elétrico à concorrência, passando as concessionárias estabelecidas a ter que competir com
os geradores independentes na oferta de eletricidade. O principal efeito da legislação foi a
rápida expansão da oferta independente de eletricidade, a custos sempre inferiores aos das
concessionárias, particularmente nos estados onde as tarifas são muito elevadas.
3.3.2 Reforma no Reino Unido
Na reforma inglesa, a privatização iniciou-se pelas distribuidoras em 1990. Em
1991, privatizaram-se as centrais geradoras. Os novos agentes do mercado assinaram
contratos que cobririam os três primeiros anos posteriores à privatização. A geração, a
transmissão, a distribuição e a comercialização de eletricidade foram estruturadas como
atividades econômicas independentes. Enquanto a transmissão e a distribuição foram
mantidas como monopólios, a comercialização foi liberada à concorrência, e a geração foi
dividida entre três empresas.
O modelo adotado no Reino Unido acabou prevalecendo nos países em que o setor
elétrico estava sendo reformulado. De uma maneira geral, os seguintes instrumentos de
reforma foram seguidos por outros países (Gregório, 2000):
- Desverticalização entre todos os segmentos da cadeia de produção;
- Criação de um mercado “spot” para a comercialização da energia gerada;
62
- Livre acesso à rede de transmissão para geradores e consumidores;
- Criação de um operador independente para operar o pool de geração;
- Exigência de que a negociação da energia no mercado fosse efetuada por meio de
leilão de preços;
- Liberdade de escolha para os consumidores finais;
- Criação de uma agência reguladora forte e independente.
No caso do modelo inglês, entre 1991 e 1996 observou-se a seguinte situação: (a) a
produtividade da mão-de-obra praticamente duplicou; (b) a produção das nucleares
aumentou em 28%; (c) a produção com térmicas a gás natural passou de uma participação
quase nula para 15% em 1995 e 30% em 1997; (d) os produtores independentes passaram a
ser responsáveis por quase metade de toda nova expansão de capacidade de geração; (e) o
custo do combustível do sistema nuclear caiu em 60% e o preço do carvão foi reduzido em
20%; (f) o índice de CO2/kWh caiu 28% (Newbery apud Gregório, 2000).
Além dos indicadores acima, a competição, da forma como proposta para o setor
elétrico inglês, trouxe, ainda, outros resultados, tais como (Newbery apud Gregório 2000):
- Redução significativa dos custos de geração, em geral motivada pela entrada de
geradores com custos menores (o gás natural) e pelo aumento da produtividade
das geradoras já existentes; ou seja, os duopolistas (National Power e PowerGen)
tiveram de reduzir seus custos para competir com as novas usinas a gás natural;
- No primeiro ano (1991), cerca de 5.000 consumidores com demanda superior a
1,0 MW (30% do total da oferta) já compravam energia diretamente no mercado.
Este número já era de 50.000 em 1994, incluindo os consumidores com demanda
maior do que 100 kW.
Os ganhos financeiros, entretanto, ficaram com os acionistas, que tiveram um lucro
acumulado, até 1996, de US$ 38,0 bilhões. (Newbery & Green apud Gregório, 2000)
3.3.3 A reforma chilena
A reforma chilena teve como principal objetivo criar condições para a
privatização do setor elétrico, permanecendo, entretanto, como um serviço público. Os
63
elementos centrais da reforma chilena foram: a desintegração parcial das empresas
verticalizadas, que tiveram que separar as atividades de geração/transmissão das atividades
de distribuição; a abertura das redes de transporte para todos os agentes do mercado, que
passaram a pagar um pedágio pelo seu uso; introdução de concorrência na geração; a
participação dos consumidores no financiamento da expansão, por meio de empréstimos
compulsórios reembolsáveis por meio do uso futuro de energia; um novo regime tarifário;
substituição do planejamento centralizado pelo planejamento indicativo; a segmentação do
mercado consumidor em uma parcela concorrencial e outra cativa, regulada.
A reforma chilena se caracteriza pelo fato de ter procurado preservar os benefícios
da coordenação com a liberalização do mercado. A privatização do setor elétrico chileno
reduziu o grau de intervenção do Estado, mas não a tornou irrelevante. O planejamento
indicativo, exerce forte papel indutor das decisões, já que o governo pode oferecer
condições favoráveis de acesso a financiamentos, sempre que julgar relevante um projeto
particular. Podem ainda ser oferecidos subsídios para a eletrificação de uma determinada
área, que não ofereça rentabilidade compatível com os requerimentos de capitais privados.
O setor elétrico chileno tinha, em 1998, cerca de 30 empresas, quase todas elas
privadas, ficando a participação do Estado limitada a uma empresa de geração e outra de
distribuição.
3.3.4 A reforma Argentina
A reforma argentina deu origem a 40 empresas de geração, 28 de distribuição e 8
de transmissão. Como na Inglaterra, a atuação das empresas de transmissão ficou limitada
ao transporte, tendo sido aberta a rede para geradores, distribuidores e grandes
consumidores, mediante o pagamento de um pedágio, estipulado com base em um regime
tarifário fixado pelo regulador35. Enquanto os grandes consumidores e as distribuidoras
podem negociar livremente contratos de fornecimento com os geradores, os consumidores
cativos têm suas tarifas fixadas pelo regulador.
35 No caso das tarifas de transporte e dos consumidores cativos, foi adotado o regime de preço teto,
incentivado, ficando as tarifas fixadas em dólares e indexadas com a inflação americana.
64
A reforma permitiu recolocar o sistema elétrico argentino em funcionamento com
níveis de eficiência técnica adequados36. A entrada de capitais privados e a concorrência
induziram a recuperação de centrais indisponíveis, o término das obras paralisadas e a forte
expansão de centrais alimentadas a gás natural (ENRE apud Oliveira, 1997). A Argentina,
em 1997, se defrontava com uma situação inversa à do início da década, sendo o excesso
de capacidade instalada disponível, uma fonte de preocupação para os agentes do sistema
elétrico. Em razão desta situação, o preço da energia no mercado atacadista caiu para
patamar abaixo de US$ 30/MWh, nível de preço que compromete a rentabilidade de
diversas centrais privatizadas, apesar dos preços de venda dessas centrais terem sido muito
abaixo dos seus custos de reposição37(Oliveira, 1997).
Um dos pontos positivos da reforma e que diferencia da situação do Brasil, é que
entre 1993 e 1999 foram instaladas 6200 MW no sistema elétrico argentino. Essa expansão
teve investimentos públicos (no que se refere a hidrelétricas que já haviam sido iniciadas
anteriormente à reforma – quase 3000MW) e investimentos privados em centrais térmicas
(cerca de 3500 MW). Outro ponto é que a eficiência térmica das centrais subiu
sensivelmente (chegando a 55%), possibilitando que a diferença entre o preço médio, antes
utilizado para as tarifas de energia elétrica, não se diferenciasse tanto do preço marginal,
utilizado posteriormente à privatização38 (Hasson, 2001).
Apesar da eficiência econômica que pôde ser evidenciada pelos dados supracitados,
cabe ressaltar que em termos de benefícios sociais, a privatização foi bastante ineficiente.
Primeiramente, provocou uma demissão generalizada. Somente em uma das empresas do
setor o quadro de empregados fixos passou de 50.000 para 5.000 funcionários. Embora
tenha havido uma ampliação na geração de energia elétrica, os sistemas de distribuição e
transmissão de energia após a privatização passaram por muitas dificuldades, face a falta
de investimentos, uma vez que estes não trariam benefícios econômicos para os novos
agentes do setor privado. A ineficiência na distribuição culminou com o blecaute, na
cidade de Buenos Aires, no ano de 1999, que deixou 100.000 usuários de energia elétrica
36 Na distribuição, as perdas caíram continuamente de 69,9% para 48,2%; na distribuição, as perdas
as interrupções forçadas caíram continuamente de 21% para 12% (Estache e Rodriguez-Pardina apud Villela & Maciel, 1999, p.102).
37 As centrais térmicas foram vendidas a 25% do seu valor e as centrais hidrelétricas a 50% do seu
valor (Hasson, 2001). 38 Inicialmente o preço da energia a partir do custo marginal chegou a US$ 60 MW/h e foi
diminuindo com a eficiência térmica, até chegar a US$ 26 em 2000, o que ainda é maior do que o custo médio utilizado anteriomente à privatização (Hasson, 2001).
65
sem luz, sendo que quase metade destes tiveram um corte de energia por 20 dias contíguos.
Isso, de certa forma ocorreu face a desregulamentação do setor elétrico ter ocorrido sem
uma re-regulamentação adequada.
3.4 A REGULAÇÃO E A REGULAMENTAÇÃO NA REFORMA E PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
Nas reformas do setor elétrico, de uma forma geral, o regulador possui um papel
central. Pode-se afirmar que o êxito obtido nas reestruturações dos setores elétricos em
nível internacional deu-se, em grande parte, face ao posicionamento do regulador no
processo, por meio de regulamentações adequadas.
A regulamentação possui uma dimensão bem ampla. Engloba o controle de custos
e preços, qualidade do produto, controle ambiental, estrutura de mercado, conduta e
performance empresarial, acesso às informações etc. e influencia na conduta das empresas
visando sua eficiência e o bem-estar da sociedade.
Na medida em que na privatização, as empresas funcionam sob as regras de
mercado, há a necessidade de regulamentação para garantir a viabilidade da concorrência
nessas indústrias. Ademais, naquelas atividades caracterizadas por monopólio natural e
que forem submetidas ao controle do capital privado, é necessário que o Estado atue
coibindo abusos econômicos, estimulando a eficiência, garantindo a qualidade dos
serviços prestados e a modicidade das tarifas (Gregório, 2000).
Em um ambiente onde empresas privadas convivem com empresas estatais,
competindo pelos mesmos segmentos do mercado, um novo estilo de regulamentação se
faz necessário. Uma regulamentação capaz de proteger os consumidores do poder das
empresas que atuam nos segmentos monopolistas da indústria, que propicie aos
investidores privados a confiança de que poderão auferir remunerações de seus
investimentos compatíveis com o custo do capital empregado e que promova a eficiência
econômica. O novo estilo de regulamentação deve permitir ao governo formalizar e
institucionalizar compromissos para resguardar consumidores e investidores (Gomes,
1998).
3.4.1 Experiências regulatórias internacionais
66
Nos EUA, a regulação federal é feita, em nível federal, pela Federal Energy
Regulatory Comission (FERC). Em nível estadual, atuam as comissões estaduais de
serviço público. As atividades da FERC são, em resumo: a supervisão das tarifas por
atacado e dos padrões de serviço; a coordenação e provisão de serviços de transmissão;
responsabilidade regulatória quanto a determinadas atividades empresariais das
companhias de energia elétrica; revisão das tarifas e verificação da qualificação de
pequenos produtores de eletricidade e das instalações para cogeração. As comissões
estaduais regulam os preços de varejo da energia elétrica, os índices referentes à qualidade
dos serviços, impacto ambiental, permissão para expansão, capacidade, entre outras.
Os incentivos financeiros são muito utilizados como mecanismos de regulação
(regulação por incentivos). Por um lado, há recompensas financeiras para a eficiência de
uma determinada usina/empresa39, e por outro lado, são cobradas multas para aquelas que
não demonstram comprovada eficiência (Villela & Maciel, 1999).
No Reino Unido, a indústria de energia elétrica foi totalmente reestruturada pouco
antes da privatização ocorrida em 1991 e, portanto, conta com um marco regulatório40 que
vem atualizando pontos conforme a necessidade, ao longo de mais de uma década. O
órgão específico de regulação é o Office of Eletricity Regulation (OFFER), que é um
departamento não ministerial do Governo. Participam também do processo regulatório os
Secretários de Estado de Comércio e Indústria e da Comissão de Monopólios e Fusões.
Além da regulamentação das tarifas, na reestruturação do sistema britânico,
destaca-se o papel do regulador como agente supervisor do mercado elétrico, cuja
incumbência primordial é garantir a aderência de todos os participantes do mercado às
regras operacionais, promover a concorrência e garantir condições adequadas de
suprimento para os consumidores. Para tal, o regulador é, na medida do possível,
independente, e conta com instrumentos que lhe permitem:
i) penalizar as empresas elétricas sempre que, a seu juízo, as condições de
concorrência estejam sendo burladas;
ii) alterar as tarifas praticadas pelos proprietários das redes de transporte,
quando julgar que as condições de custo tenham sido alteradas;
39 Os incentivos são dados para fatores de capacidade elevados (acima de 75%) e multas para fator
de capacidade baixos (abaixo de 60%); Incentivos para coeficiente baixo de calor de uma unidade geradora (quanto mais baixo o coeficiente, mais eficiente é a unidade geradora em transformar combustível em eletricidade); incentivos para o custo de combustível e da energia comprada; incentivos ao custo de construção.
40 Electricity Act , de 1989 e Competition and Service (Utilities ) Act, de 1992.
67
iii) garantir o suprimento do mercado, sempre que a utilização da capacidade
instalada ultrapasse a margem de reserva considerada adequada;
iv) estabelecer padrões de desempenho para os participantes do mercado
elétrico;
v) implementar políticas governamentais (no caso inglês, garantir uma certa
diversidade nas fontes primárias utilizadas para a geração de eletricidade);
vi) proteger os consumidores de práticas de subsídios cruzados que atendam a
objetivos comerciais;
vii) supervisionar o regime contratual.
De um modo geral, houve continua melhoria no desempenho das empresas
fornecedoras de energia (public electricity suppliers) quanto aos padrões de qualidade.
Neste ponto, a regulamentação foi efetiva, uma vez que os padrões de qualidade
estipulados são rígidos e o não cumprimento destes acarreta o pagamento de
compensações por parte das empresas.
3.5 A REFORMA E PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO NO BRASIL
3.5.1 Antecedentes
Até meados da década de 1970, a utilização de uma grande capacidade produtiva
instalada que estava ociosa, juntamente com a oferta de recursos financeiros no mercado
internacional possibilitou que o País mantivesse elevadas taxas de crescimento econômico,
sem depender de uma poupança interna correspondente. Tais características deram suporte
a uma política expansionista, situação que se reverteu a partir da crise da dívida externa e
da retração dos mercados mundiais (conseqüência da crise do Petróleo de 1973/1974) e,
posteriormente, com a redução do fluxo de recursos externos no início dos anos 1980.
Com isso, os investimentos na expansão da oferta de energia elétrica foram
prejudicados pela insuficiência de capacidade financeira do Estado. A contenção das
tarifas públicas, usada para frear o processo inflacionário, fez com que os projetos
energéticos já implantados não obtivessem uma remuneração adequada dos investimentos
realizados, o que comprometeu, ainda mais, o quadro financeiro do setor.
68
O desempenho das empresas do setor elétrico passa a deteriorar-se, deixando de
desempenhar o papel que tinha até então de indutor do desenvolvimento econômico. Isso
se dá em decorrência do gigantismo, da falta de flexibilidade e da excessiva interferência
política na gestão de seus negócios (Oliveira, 1997).
Diante desse quadro, e tendo em vista a transformação do setor elétrico na maioria
dos países, o Banco Mundial, por meio de seus estudos e relatórios de avaliação, passou a
recomendar a reformulação do setor elétrico no Brasil. A mudança deveria envolver, além
da privatização das empresas, uma reforma estrutural e regulatória. Vale assinalar que tal
procedimento não representava uma fórmula específica a ser aplicada ao caso brasileiro:
na verdade, tratava-se de uma nova fase doutrinária que passou a se expressar na
orientação dos investimentos efetuados por meio das agências internacionais de fomento
ao desenvolvimento: a emergência do neoliberalismo. Dali em diante, a diretriz seria
menos Estado e mais mercado.
O governo brasileiro decidiu, assim, por uma completa revisão do setor elétrico,
baseada nos seguintes princípios: privatização de concessionárias; instituição de um
mercado competitivo; abertura de oportunidades a produtores independentes; segregação
da grande transmissão para assegurar o livre acesso; licitação dos aproveitamentos
hidrelétricos e instituição de um órgão regulador independente.
A idéia básica da reforma do setor elétrico é a de que a competição estimula as
inovações, alavancando a eficiência das companhias. Dessa forma, alguns segmentos da
indústria de energia elétrica deixam de funcionar em regime monopolista, acarretando uma
mudança de paradigma para essas empresas. Contribui também para a formação do novo
modelo a mudança da gestão das empresas, de pública para privada, e a inserção de
regulamentação voltada a promover eficiência das companhias naqueles segmentos onde o
mercado é cativo (Gomes, 1998).
Embora a privatização dos serviços públicos de energia elétrica tenha sido
efetuada, a partir dos anos 1990, em vários países, nenhuma possui a complexidade do
caso brasileiro41. Este tem, do lado político, a Federação42, e do lado técnico o domínio da
41 O setor elétrico nacional apresenta perfil bastante peculiar e distinto, pois é marcado pelo
predomínio da geração hidráulica (90%), constituída de usinas e reservatórios de grande porte. As usinas estão localizadas em diferentes bacias hidrográficas. Entretanto, há uma forte interdependência entre elas. Em uma mesma bacia há usinas hidrelétricas de diferentes empresas. Como o fluxo de água é variável e depende do nível pluviométrico anual, usinas térmicas (óleo, carvão e nuclear) operam complementarmente, principalmente em períodos secos.
69
energia hidrelétrica. O primeiro restringe a liberdade de ação do governo federal e o
segundo introduz, na equação econômica, as variações hidrológicas da sazonalidade e dos
ciclos de longo prazo da capacidade de geração de energia (Leite, 1998). Além destas
especificidades, Oliveira (1997) aponta outras, como o forte ritmo de crescimento do
consumo de energia elétrica43 e o sistema de transmissão ainda em construção.
O debate acerca da privatização se mune de elementos como a busca de eficiência
e competitividade, entre outros aspectos. No Brasil, o principal motivo que acionou o
processo foi assegurar a participação do capital privado - face à crise fiscal do Estado - na
expansão do setor elétrico44. Essa expansão era considerada de extrema urgência45, mesmo
antes da crise de energia que se abateu sobre o País em 2001. Só que o processo de
privatização, no caso brasileiro, não obteve, até o ano de 2002, o êxito esperado, no
sentido da captação do montante de recursos financeiros pretendidos. Isso se deu tanto
pela insegurança do setor privado em investir em projetos de maturação prolongada, como
pela falta de regulamentação adequada e bem definida por parte do órgão regulador do
setor elétrico, que vem se implementando paulatinamente.
Novos investimentos vêm sendo realizados e o caminho da privatização, embora
trilhado com mais cautela, após a crise de energia ocorrida no País em 2001, não foi
interrompido. O setor público regula o processo, por meio da regulamentação das
empresas privadas e do mercado de energia elétrica de uma forma geral. Esta
regulamentação se dá por meio de instrumentos normativos, administrativos, legais, entre
outros, e deve caminhar no sentido da eficiência visando induzir as empresas
concessionárias públicas e privadas de energia elétrica a proverem o melhor serviço para
toda a sociedade.
42 Pelo fato do regime político brasileiro ser federativo, é indispensável a divisão dos poderes
regulatórios entre o governo federal e os governos estaduais, uma vez que as concessionárias de energia estaduais estão sendo privatizadas (Oliveira et alli, 1997).
43 Segundo o ONS (2001), a expansão da oferta para o período de 2002-2006 será de 16.847 MW, o
que significa cerca de 27% a mais energia do que a quantidade ofertada em 2001 (69.158 MW). 44 O Decreto nº 915, de setembro de 1993, permitiu a formação de consórcios entre empresas
estatais e capitais privados interessados em geração própria de energia. Assim, várias usinas paralisadas puderam ser concluídas por meio dessas parcerias, tais como a UHE Itá, UHE Igarapava e UHE Serra da Mesa (Oliveira et alli, 1997).
45 O Plano de Expansão da Eletrobrás 1997 estimava a taxa de crescimento do mercado de energia
elétrica no Brasil entre 5% a 7% ao ano, para o período de 1997/2005. Para atender esse mercado, seriam necessários acréscimos de 27,6 GW de capacidade instalada no sistema elétrico do País, 48.100 km de linhas de transmissão, 108.400 MVA em subestações. O orçamento de tais investimentos ultrapassava a cifra de R$50 bilhões.
70
3.5.2 Implementação da reforma
Os anos 1980, como acima mencionado, começam a apresentar a exaustão do
modelo centralizado que se reflete, por exemplo, na falta de estímulo para a melhoria da
eficiência e na crise de financiamento do setor público46. A reforma do setor elétrico e a
privatização eram formas de recuperar os investimentos para o setor, especialmente para
implementar a geração de energia e melhorar a administração47.
O novo modelo do setor elétrico brasileiro contempla um rearranjo da estrutura
comercial do setor; mudanças no aparato legal (contratos, entidades legais envolvidas,
documentação etc.); alterações na regulamentação econômica, técnica e na qualidade da
prestação do serviço; mudanças institucionais; reorganização das atribuições e funções da
Eletrobrás e do órgão regulador; redefinição do agente financeiro; levantamento e
alocação dos riscos dos negócios envolvidos na indústria e definição das taxas de retorno
apropriadas para os investimentos, de acordo com os riscos envolvidos nos negócios
(Gomes, 1998).
Sobre a estrutura comercial econômica, os instrumentos de estímulo à competição
são os mesmos do caso inglês (desverticalização, livre acesso às redes etc.) e apresenta
como principais diferenças o fato de que a competição não se dá pela oferta de preços e
que o Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, não é o próprio sistema de
transmissão. Ao final do mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso (final de
2002), os segmentos de geração e distribuição estavam sendo privatizados e a transmissão
permanecia estatal.
Ao contrário do caso inglês e da maioria dos países que desregulamentaram o setor
elétrico, que primeiro implementaram e regulamentaram um novo modelo e só depois
iniciaram o processo de privatização, no Brasil algumas empresas foram privatizadas antes
da reforma (Escelsa, Light, Cerj e Coelba) 48. Algumas o foram quando o modelo ainda
46 A crise do setor público privou o modelo centralizado do financiamento a baixo custo. Do total de
US$ 14 bilhões, os investimentos caíram para US$ 12 bilhões até o final da década. Nos anos 1990 atingiram níveis abaixo de US$ 5 bilhões em 1995/1996 (Ferreira, 2000, p.191).
47 A redução dos investimentos internacionais não se deu somente pela má gestão dos Estados ou
dos impactos ambientais causados pelas intervenções do setor elétrico. Na relidade, o neoliberalismo trouxe embutida a crença de que a energia não mais poderia ser atribuição do Estado, o que determinou a limitação de recursos para o setor elétrico.
71
estava em estudo. Esta situação não só prejudicou a modelagem de venda, dado que não se
tinha definido qual seria o arcabouço institucional e comercial do setor, como causou
incerteza para os investidores (Gregório, 2000).
Do ponto de vista institucional, a falta de coordenação entre a privatização e a
definição do novo modelo, ou a urgência do governo privatizar para obter novos recursos
externos, fez com que não fossem tomados os devidos cuidados quanto ao cumprimento
das metas das empresas privatizadas ou até mesmo como as mesmas seriam fiscalizadas
(Gomes, 1998). A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL só foi criada,
efetivamente, em 1997, quando várias empresas já haviam sido privatizadas.
No que se refere à regulamentação – com exceção da reforma na Argentina, onde o
processo de regulamentação foi deficiente - o Brasil ficou bem aquém dos modelos
tomados como exemplo, especialmente o inglês, uma vez que naquele pais, o processo de
reforma do setor elétrico foi acompanhado de enérgica regulamentação, assim como nos
EUA.
A sistemática de privatização também é diferenciada. O Estado brasileiro vende o
controle para um grupo de acionistas, não havendo oferta para o público em geral, como
aconteceu na Inglaterra. Os valores de venda são minimizados e a receita decorrente é toda
apropriada pelo vendedor, no caso o próprio governo (federal ou estadual). Nesse sentido,
no Brasil, dificilmente os consumidores seriam beneficiados com a competição, a não ser
alguns poucos consumidores livres, que conseguissem menores preços de alguns
varejistas. É provável que os maiores ganhadores sejam os acionistas, que passaram a
obter importantes ganhos de produtividade (as empresas privatizadas tornaram-se cada vez
mais lucrativas) “A maximização das receitas com a venda das empresas estatais de
energia elétrica, que talvez seja um dos objetivos da privatização no Brasil, pode estar
sendo alcançada, mas, ao mesmo tempo, contribuindo para a não observância de um dos
princípios tarifários, que é o da justiça”. (Gregório, 2000).
Podemos destacar alguns pontos importantes provenientes das experiências
internacionais que serviram de base para a experiência nacional:
i. A implementação de uma solução gradualista preserva as empresas existentes,
permitindo o seu ajuste progressivo à nova realidade do mercado.
48 A Escelsa foi privatizada em 12/07/95, a COELBA foi privatizada em 01/07/96, a CERJ foi
privatizada em 20/11/96 e a Light foi privatizada em 21/05/96.
72
Nos Estados Unidos foi implementada uma solução gradualista. Na medida em que
a concorrência é introduzida paulatinamente, as tarifas resultam, inicialmente, da
composição ponderada do custo da energia produzida nas centrais antigas, que seguem
sendo remuneradas pela regra do custo do serviço, com o preço da energia ofertada pelas
novas centrais, fixado pelo mercado. Desta forma, os consumidores são protegidos de
choques tarifários ou da deterioração da qualidade do serviço. Na medida em que a
concorrência vai sendo ampliada, o peso do custo do serviço das velhas centrais vai sendo
reduzido e os preços dos serviços elétricos são crescentemente determinados pelo
mercado.
No Chile, a estratégia também tem sido gradualista, porém subsiste uma forte
supervisão estatal na dinâmica do sistema elétrico. Por se tratar de um sistema em
desenvolvimento, com acentuado ritmo de expansão, os benefícios da coordenação
continuam sendo muito importantes. A empresa estatal ENDESA foi mantida verticalizada
e o papel da Secretaria de Energia, particularmente no que se refere à sua expansão,
continua sendo determinante.
Oliveira (1997), defende a solução gradual. Para ele, a reforma deve ser percebida
como um processo e deverá evoluir com o aprendizado obtido na medida em que ele
avança.
ii. O envolvimento do governo com a privatização do setor elétrico não desaparece,
apenas toma outra forma, como a de regular o mercado elétrico, por meio de
regulamentações.
iii. O papel do regulador é crucial na nova organização industrial, devendo ser
dotado de instrumentos que lhe permitam uma equilibrada repartição dos benefícios
econômicos gerados.
No Brasil, a preocupação com o financiamento da expansão tem dominado o
debate sobre a reforma do setor elétrico49. Há uma percepção generalizada de que a
privatização das empresas elétricas estatais é capaz de resolver os problemas setoriais, na
medida em que atrai capitais privados para novos projetos elétricos, como também elimina
a intervenção dos governos nas empresas.
49 Algumas soluções engenhosas têm sido utilizadas para atrair financiamentos, tais como a pré-
compra de energia e a estruturação de consórcios entre capitais privados e empresas públicas para a construção de centrais de geração. Contudo, estas soluções não são suficientes para sustentar o fluxo necessário de financiamento para o setor elétrico (da ordem de US$ 3 a 4 bilhões anuais).
73
Entretanto, a simples privatização das empresas estatais elétricas não é suficiente
para colocar o setor elétrico em nova trajetória tecnológica de ganhos de eficiência
econômica. Apesar de se enfatizar o discurso sobre a ineficiência das empresas públicas, as
evidências empíricas sugerem que estas decorrem, em larga medida, da estrutura de
mercado e de inadequação do regime regulatório (Oliveira, 1997).
Leite (1998) concorda que a reforma não se restringe à privatização e que este é um
processo gradual e contínuo, que compreende a legislação relativa à constituição do órgão
regulador, ao regime das concessões e dos produtores, e às licitações de aproveitamentos
hidrelétricos.
Nos casos estudados, como vimos, as reformas e a privatização, com a conseqüente
entrada de capitais privados, permitiram alguns ganhos efetivos, tais como aumento da
oferta e, por vezes, a redução das tarifas de energia elétrica e ganhos em eficiência por
parte das empresas, pelo menos até o final da década de 1990. No âmbito ambiental,
verificou-se a diminuição de emissão de gases de efeito estufa, entre outros benefícios. Os
resultados deverão ser melhor apurados na análise de um período maior, a partir das
reformas implementadas. Cabe ressaltar que nesses países, ao contrário do caso brasileiro,
a regulamentação ocorreu anteriormente à privatização, não ocasionando prejuízos aos
serviços públicos.
No Brasil, particularmente, embora até o ano de 2002 se verificasse pouco tempo
transcorrido desde o início das reformas do setor elétrico, há, claros indícios que
demonstram efeitos negativos da experiência, tais como a regulamentação que não se
concretizou até essa data apesar da privatização já ter sido realizada; as empresas de
energia elétrica privadas que não se comprometeram a investir em novas usinas, gerando a
crise de energia elétrica de 2001; o aumento excessivo das tarifas e o pagamento do
encargo de energia emergencial (seguro apagão), entre outras.
3.5.3 Implementação da privatização
Em 1990 começa a ser definida a privatização de empresas sob controle da União e
dos estados, com especial ênfase nas telecomunicações e na energia elétrica. A real
reestruturação e privatização do setor elétrico só ocorreu a partir de 1995. Nesse ano, o
Congresso aprovou a Lei Geral sobre concessões de serviços públicos (Lei 8987/95), que
74
fornecia as regras gerais para a licitação de concessões de um serviço público, em vários
segmentos de infra-estrutura, incluindo o setor elétrico.
No mesmo ano, a Lei 9.074/95, regulamentada em setembro de 1996, estabeleceu
regras específicas para o setor elétrico: introduziu a figura do produtor independente e deu
aos consumidores de carga maior ou igual a 10 MW a possibilidade de escolher o seu
supridor. Enquanto na atividade de geração e distribuição passa a existir a possibilidade de
competição, a atividade de transmissão continua sendo um monopólio natural.
Em meados de 1996 foi contratada pela Secretaria de Energia do Ministério de
Minas e Energia, a consultoria da firma Coopers & Lybrand para um estudo global que
servisse de base para uma proposta de reforma do setor elétrico no longo prazo, que
inseria a privatização das empresas. O processo de privatização, entretanto, foi
precipitado. Muito antes da conclusão da nova estrutura do setor elétrico como um todo,
privatizam-se a ESCELSA, a Light, a CERJ e a Coelba, como citado anteriormente.
Em dezembro de 1996 foram publicadas, a Lei e o Decreto que institui a Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), como órgão regulador (Lei 9.427/96, de 26/12/96
e Decreto nº 2335 de 06/10/97). A ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a
produção, a transmissão, a distribuição e a comercialização de energia elétrica, em
conformidade com as políticas e diretrizes do Governo Federal.
A Coopers & Lybrand apresentou um relatório em meados de 1997, cujas
principais recomendações eram: a) a criação de um mercado atacadista de eletricidade -
MAE; b) o estabelecimento de contratos iniciais para criar uma fase de transição para o
mercado de energia elétrica competitivo; c) o desmembramento dos ativos de transmissão
e a criação de um Operador Independente do Sistema para administrar o sistema
interligado; e d) a organização das atividades financeiras e de planejamento neste novo
cenário.
Em maio de 1998, foi promulgada a Lei 9648, que incorpora as recomendações
feitas pelo relatório da Coopers & Lybrand. Essa lei cria formalmente o Mercado de
Atacado de Energia – MAE)50, responsável pelo estabelecimento do preço de referência da
50 No MAE são realizadas as transações de compra e venda de energia de cada sistema interligado
(S/SE/CO e N/NE) entre produtores, empresas varejistas e grandes consumidores. Todos os geradores com capacidade instalada igual ou maior que 50 MW, varejistas com faturamento anual igual ou maior a 100 GWh fazem parte do MAE ou são nele representados. Grandes consumidores com demanda acima de 10 MW (chamados consumidores livres) também participam do MAE. Os principais objetivos do MAE são: estabelecer um preço que reflita, a qualquer instante, o custo marginal da energia no sistema; estabelecer um preço que possa ser usado para balizar os contratos bilaterais de longo prazo; prover um mercado onde geradores e distribuidores possam comercializar sua energia não contratada; e criar um ambiente multilateral,
75
energia e pela administração do mercado. O MAE regulamenta os contratos iniciais para
compra e venda de energia e autoriza a reestruturação das três subsidiárias remanescentes
da Eletrobrás (Eletrosul, Furnas e Eletronorte). Cria, ainda, a figura do Operador Nacional
de Sistema de Energia (ONS)51 com a missão de efetuar, de forma centralizada, o
despacho da geração de energia elétrica.
A implementação da lei se deu a partir da data de sua publicação e a reestruturação
do setor elétrico deverá continuar por mais alguns anos. A regulamentação do setor, papel
que cabe à ANEEL, por sua vez, tem sido realizada, ainda com dificuldades, pela falta de
experiência e de pessoal. No que se refere à eficiência energética e ao meio ambiente a
regulamentação ainda é incipiente, especialmente em relação a este último, o que
demonstra a pouca prioridade que o assunto possui para o órgão regulador.
Com a crise de energia elétrica que se instalou no país no ano de 2001, a
privatização do setor elétrico diminuiu o seu ritmo, embora a tendência seja o seu
prosseguimento nos próximos anos, como já dito, uma vez que a expansão da oferta de
energia continua se baseando no capital privado.
3.5.4 Experiência regulatória no Brasil
Conforme já assinalado acima, nas reestruturações dos setores energéticos
internacionais o processo de regulamentação antecedeu o de privatização. No Brasil,
optou-se por fazer primeiro a transferência de ativos, para então se debruçar sobre a
questão da regulamentação.
Nesse sentido, constatou-se um descompasso entre o ritmo das privatizações e a
elaboração e implementação de um novo modelo para o setor. A necessidade de se cobrir
o déficit fiscal do País, impôs um grau de velocidade às privatizações, não condizente com
as regras necessárias para ampará-las, o que veio impedindo que os objetivos relacionados
à maior eficiência se efetuassem. É de extrema importância para o alcance de objetivos
onde distribuidores possam comprar energia de qualquer produtor e os geradores possam vender a qualquer comprador (COOPERS & LYBRAND, 1997).
51 O Operador (ONS) é uma entidade sem fins lucrativos, com as funções de: elaborar o planejamento operacional da geração e transmissão (e a sua expansão) em horizontes de tempo até 5 anos; programar a operação e despacho da geração; fazer a cobrança dos encargos pelo uso das redes de transmissão e remuneração dos prestadores de serviços de transmissão; assegurar novos investimentos em transmissão e executar funções de contabilização e liquidação de energia em nome do MAE (www.ons.org.br).
76
microeconômicos, que as privatizações, vistas como necessárias para equacionar
problemas fiscais do governo sejam ancoradas por regulamentações adequadas e pela
introdução de maior competição. Do contrário, a reestruturação do setor pode se
transformar numa grande liquidação de ativos públicos (Gomes, 1998).
Uma das maiores críticas que se faz a todo o processo de privatização do
caso brasileiro é justamente o fato de que o País não construiu a priori
um marco regulatório que dotasse a sociedade brasileira dos necessários
instrumentos de controle sobre os serviços públicos concedidos ou
delegados (…) O que se viu em nosso País foi uma privatização
desenfreada, sem que a sociedade, na maioria das vezes, tivesse os
elementos de regulação e de fiscalização bem definidos para que os
grupos que estavam adquirindo as empresas anteriormente estatais
prestassem seus serviços da forma como deveriam ser prestados, com
qualidade e com tarifas módicas (Saraiva, 2001, p.105).
O relatório da Coopers & Lybrand (1997) já indicava algumas condições que a
priori dificultariam o estabelecimento do novo modelo institucional. Entre elas destaca-se
o aumento das restrições ambientais aos projetos de geração e transmissão de energia; a
necessidade de promover moderados aumentos tarifários e, paralelamente, manter a
confiança dos consumidores no programa de reforma do setor; as dificuldades financeiras
do Brasil, que coloca os bancos receosos de realizar financiamento de longo prazo e a
dificuldade para se obter mudanças legislativas significativas.
A esses obstáculos, soma-se o equacionamento dos interesses dos diferentes atores
do setor elétrico que, com a reforma, poderiam ter seus privilégios afetados. Tudo isso
acaba por tornar o processo de reestruturação bastante complexo, envolvendo intensas
negociações, possibilitando às privatizações avançarem sem que um novo modelo
institucional tenha sido acordado e implementado.
Quanto às restrições ambientais, cabe ressaltar, que na ocasião da crise de energia
de 2001, como já citado, o prazo de licenciamento ambiental para empreendimentos de
geração de energia diminuiu, como uma forma de impedir que o meio ambiente fosse um
empecilho para garantir o suprimento de energia.
77
Em relação ao aumento tarifário, este tem sido absorvido pela população, de uma
maneira geral, visto que este é imposto como uma tarifa emergencial, com a argumentação
de que a população não pode estar sujeita a racionamentos de energia.
Oliveira (1998), atenta para três aspectos conflitantes do processo regulatório: o
duplo papel de regulador previsto para a ANEEL; a devolução de poderes regulatórios aos
governos estaduais e a formulação de um regime contratual que permita aos agentes
econômicos minimizar os riscos de seus investimentos.
i. Quanto ao duplo papel do regulador, a lei que cria a ANEEL estipula que, a
licitação das concessões seja efetuada por esta agência, outorgando-lhe, assim, o papel de
agente do Estado, responsável pela celebração dos contratos de concessão e órgão arbitral
e o de dirimir divergências entre os agentes do mercado elétrico e entre estes e o Estado.
Esta situação, segundo Oliveira (1998) cria riscos regulatórios adicionais para os
investidores privados, já que esta agência terá que dirimir questões, inclusive na fixação de
tarifas, nas quais os governos têm óbvio interesse. A separação destas duas funções,
ficando outra agência governamental como responsável pela tarefa de conduzir o processo
de licitação das concessões e celebração dos contratos, e a ANEEL exclusivamente
dedicada às tarefas de supervisão da operação do mercado, pareceria ser uma solução mais
adequada.
ii. No que se refere aos poderes regulatórios estaduais, a privatização das
concessionárias nos estados vem gerando um movimento reivindicatório de reguladores
estaduais. A lei de concessões prevê a delegação, por meio de convênios de cooperação,
de poderes regulatórios para os governos estaduais, que vem ocorrendo ainda lentamente.
Em junho de 2002, já haviam 11 convênios celebrados, 8 em entendimentos e 8 agências
criadas sem delegação. As principais atividades dos estados são a fiscalização e a
auditoria52. As agências também auxiliam nos processos de regulação e outorga, de
competência exclusiva do poder federal.
Segundo Saraiva (2001, p.105), existem no papel um sem número de agências
reguladoras estaduais construídas ao longo do processo de privatização de grandes
empresas em todos os estados brasileiros. Na maioria, as agências reguladoras foram
criadas a posteriori do processo de privatização. Essas agências, salvo raras exceções, não
52 Os estados que já havia celebrado Convênio de Cooperação com a ANEEL em 2002 foram: RS,
SP, GO, MS, MT, PA, CE, RN, PB, PE, BE.
78
dispõem de um aparato técnico e administrativo capaz de executar as funções de regulação
e fiscalização que os serviços públicos exigem e que a sociedade deve exigir. Essas
agências deveriam ter independência, direção estável, especialização de quadros,
atribuições bem definidas e suficiente transparência de ações. Assim, necessitam de um
controle maior da sociedade, das entidades da sociedade civil, do Congresso Nacional e
das Assembléias Legislativas.
iii. A formulação de um regime contratual que minimize o risco dos investidores,
de certa forma já vem ocorrendo, por meio de regulamentações específicas para tal. No
final de 2001, foi elaborado um termo aditivo aos Contratos Iniciais, resultantes de um
Acordo Geral do Setor Elétrico. Esse termo inclui aditivos contratuais, acordos de energia
livre e acordo de compras de sobras líquidas (www.aneel.gov.br).
Como exemplos de conseqüências de falhas na regulamentação, podemos apontar
as crises de abastecimento de energia elétrica que ocorreram no Rio de Janeiro em 1997 e
1998 e, em parte, a crise de energia nacional de 2001, bem como as crises de energia da
Argentina, em 1999 e da Califórnia, ocorrida em 2001.
Na primeira, a qualidade do serviço prestado ficou bastante deteriorada e o governo
não possuía mecanismos eficientes para mudar rapidamente a situação (Rosa et alii, 1998
e Lotero, 1999). As empresas do Rio de Janeiro (Light e Cerj) procuraram obter os
maiores ganhos de produtividade (financeira) nos primeiros anos após a privatização, dado
que esta é a regra contratual do sistema price-cap53. Para isto, executaram grandes cortes
de pessoal, postergaram investimentos e adotaram programas de manutenção com pessoal
não preparado – mas de menor custo54 (Rosa et alii, 1998). Ou seja, o consumidor pagou
um preço elevado por um serviço que teve significativa queda na qualidade.
No que se refere à crise ambiental nacional, de 2001, Pires & Rodrigues (2001),
ressaltam que uma das razões para o déficit de energia foi o fato dos investimentos
privados não terem sido realizados no montante previsto, devido à existência de riscos
regulatórios para os geradores privados. Nesse sentido, como aponta Oliveira G. (2001) é
preciso definir os limites de competência das agências de regulação, de modo que estas
possam regular nos termos da lei e propiciar maior segurança aos investidores.
53 Preço-teto. 54 Convém destacar que tais empresas tinham baixíssimos índices de produtividade e quase não
combatiam alguns problemas que lhes provocavam enormes perdas de receita, como era o caso do furto de energia.
79
Na crise de energia na Argentina, em 1999, como citado anteriormente, houve um
corte de fornecimento de cerca de 20 dias contínuos. Lá, o sistema de regulação, por ser
um sistema de controle ex-post, não controla a gestão da empresa e sim avalia os
resultados. Nesse caso, como os resultados foram adversos, instituiram-se penalidades às
empresas para evitar que esses episódios se repetissem (Hasson, 2001).
No caso da crise de energia da Califórnia, ocorrida no ano de 2001, a
desregulamentação do preço da energia fez com que as distribuidoras tivessem que
comprar a energia das geradoras a um preço desregulamentado e vender aos consumidores
a um preço regulamentado, muito menor, o que causou, obviamente um déficit no
suprimento de energia no estado. Segundo Schwartz (2001) o fracasso da política de
desregulamentação traduziu-se pela inviabilidade de produzir um equilíbrio entre a oferta
e a procura de energia elétrica. A desregulamentação na Califórnia beneficiou as grandes
empresas ao reduzir os preços de energia no atacado, impedindo o desenvolvimento de um
varejo competitivo.
Segundo Gonçalves (2001), o exemplo da crise ocorrida na Califórnia no início de
2001 foi tanto significativo quanto preocupante para o modelo que se está implantando no
Brasil. O déficit de energia ocorreu pela incapacidade das ex-empresas estatais Pacific
Gas & Eletric (PG&E) e a Southern California Edison (SoCal Edison) suprirem o
mercado de energia elétrica no preço estipulado pela agência reguladora. Essas empresas,
após venderem as plantas de geração a terceiros, pagavam pela energia destes o valor
definido por eles, embora precisassem manter o preço estipulado pelo regulador aos
consumidores. Com o mercado crescente e a dificuldade de construir novas usinas que
vinha ocorrendo especialmente por restrições ambientais, falta energia.
O papel das agências reguladoras vai além das questões econômicas e políticas
intrínsecas aos mercados de energia. Passa também pelas questões sociais, ambientais,
entre outras. Sachs (1999) afirma que as opções para o desenvolvimento de um país
dependem em certa medida do regime regulador adotado. Dupas (1999) ressalta o papel de
intermediadores entre Estado, sociedade civil e empresas. As agências reguladoras devem
garantir a presença ativa dos representantes da sociedade civil e dos consumidores, além
de membros do governo, configurando-se, portanto, como interessantes mini-laboratórios
80
de pactos sociais. Mantega (2001) concorda e sugere a constituição de uma Câmara
Setorial de Energia, que reuna todos os segmentos envolvidos e com poder deliberativo55.
Segundo Oliveira, G. (2001) o desenho ideal de uma agência reguladora deveria
conter seis elementos: a transparência, a independência, o controle social; a precisão dos
limites de competência; autonomia financeira e gerencial e um perfil de excelência técnica
dos quadros reguladores.
A transparência requer que a regulamentação seja o mais aberta e clara
possível, sendo todas as decisões regulatórias devidamente publicadas e
amparadas por justificativas técnicas e econômicas. A redução do risco
regulatório requer uma definição clara de objetivos e ações, de forma a
proporcionar segurança de ação para todos os players do mercado. A
redução do nível de incerteza é crucial para que o risco do negócio seja
abrandado, refletindo, conseqüentemente, no custo de capital e preço e
beneficiando, em última instância, o consumidor final (Coopers &
Lybrand, 1996, p.3).
No que se refere à transparência, instrumentos como as audiências públicas e a
internet têm sido de extremo valor. Saraiva (2001) ressalta que a ANEEL tem tentado
tornar suas atividades mais transparentes, embora essa seja ainda bem pequena no que se
refere à sociedade como um todo.
Os reguladores britânicos, por exemplo, são obrigados, por lei, a publicar os
estudos de revisão de preços e outras providências, a fim de dar transparência ao processo
regulatório. Similarmente, nos EUA, a Federal Communications Comission (FCC) deve
informar as mudanças nas regras e diretrizes aos grupos interessados (Villela & Maciel,
1999, p.106).
A independência, por outro lado, exige uma mudança da cultura de centralização
administrativa, existente no país, bem como pode permitir distanciar as instâncias de
decisão técnica das pressões políticas de toda ordem, minimizando as mudanças súbitas na
regulação dos mercados ao sabor das conjunturas político-eleitorais.
Ainda que haja independência, os reguladores podem sofrer pressões políticas,
especialmente porque o Executivo continua tendo um papel essencial na escolha dos
55 Berman & Vainer (2001) vão além, defendendo que não somente as regulamentações providas
pela agência reguladora, mas sim o modelo e a política energética, uma vez que “podem hipotecar o futuro da nação” devem resultar de amplo debate público.
81
titulares das agências. Cabe ressaltar que circunstâncias políticas e/ou econômicas podem
ter desfechos de toda ordem. Na crise de energia em 2001, por exemplo, o governo criou a
Câmara de Gestão da Crise Energética (CGE), subordinando a ANEEL a ela. Entretanto, a
lei que regulamenta a Agência prevê que esta seja forte, independente e não subordinada a
nenhum outro órgão de governo.
Smith & Shin apud Villela & Maciel, (1999) argumentam que os dois elementos
básicos para se criar independência são: isolar a possibilidade de influências impróprias
(sejam de políticos, empresas ou consumidores) e incentivar o desenvolvimento técnico
dos reguladores.
Algumas medidas comumente usadas para incentivar e garantir a independência
dos reguladores são:
i. estipular mandatos para os reguladores por períodos distintos dos mandatos
políticos e não coincidentes com o ciclo eleitoral;
ii. nomear e promover por critérios técnicos;
iii. nomear reguladores por períodos fixos, com restrições para sua remoção;
iv. excluir a agência reguladora do regime salarial público, de forma a atrair;
v. profissionais melhor qualificados e, evitar práticas de suborno por meio de uma
remuneração mais adequada à qualificação exigida;
vi. prover a agência reguladora de autonomia financeira.
Essas salvaguardas são especialmente importantes para países que não possuem
tradição e experiência com instituições públicas independentes. Mas ainda é necessário
que os reguladores desenvolvam uma mentalidade de comprometimento, não se
influenciando por pressões ilícitas; exerçam sua autoridade com habilidade para ganhar
confiabilidade e respeito de todos os envolvidos na indústria; realcem a legitimidade de
seus papéis e decisões, construindo e solidificando os pilares de sua independência (Smith,
1996).
No que se refere ao controle social sobre as agências faz-se necessária a exigência,
por parte da sociedade, de relatórios de prestação de contas e de tomadas de decisão mais
democráticas. Nesse sentido, Sauer (2001) sugere a criação de agências regionais, de
modo que a sociedade discuta tanto as opções de produção de energia adequadas à região
em que vivem, quanto o controle social sobre os serviços.
82
3.5.5 A ANEEL como agência reguladora
A ANEEL tem por papel, em resumo, regulamentar e fiscalizar o setor elétrico56.
Tem ainda por missão, assegurar o suprimento confiável e adequado de eletricidade,
garantindo a continuidade do fornecimento e a qualidade do serviço, protegendo os
consumidores em relação ao preço57; assegurar o cumprimento de leis e regulamentações;
garantir transparência nas transações entre as companhias reguladas; e incentivar a
conservação de energia, por meio de mecanismos regulatórios criados para esse fim.
A competência da ANEEL é muito abrangente (o decreto 2335/97 enumera, no
artigo IV 38 incisos de ordem técnica, administrativa, legal, entre outras) e de extrema
dificuldade de execução, uma vez que lida com diversos atores que possuem interesses
distintos e opiniões, por vezes divergentes. Mesmo nos países onde os processos
regulatórios encontram-se consolidados, ainda existem problemas, especialmente no que
se refere ao estímulo à competição58 e de ganhos de produtividade menores que os
esperados. Nesse sentido, acredita-se que a ANEEL e a regulação de uma forma geral,
ainda vão passar, durante muitos anos, por um processo de erros e acertos.
As atividades de regulação latu sensu envolvem alguns aspectos
altamente complexos, que vão além da existência das agências
reguladoras em si. Precisamos ter para cada setor definições e marcos
regulatórios bem claros, que permitam aos entes reguladores o efetivo
exercício de seu papel (…) O que vemos é que esses marcos
regulatórios ainda estão em construção. Ainda estão em construção os
mecanismos de controle de entrada e de saída do mercado desses novos
agentes privados. Ainda estão em construção as relações entre os entes
reguladores e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para
56 As responsabilidades operacionais são delegadas a outros agentes específicos do setor, a exemplo
do ONS que se ocupa da gestão da rede nacional de dados hidrológicos, identificação do desenvolvimento ótimo de potenciais hidrelétricos, manutenção de inventários hídricos e planejamento de longo prazo do sistema
57 Isso se dá basicamente por meio de dois mecanismos: regulamentação de preços nas atividades
monopolistas, de forma a manter e estimular a eficiência das concessionárias e sua viabilidade financeira e o estímulo à concorrência, sempre que esta for possível.
58 Nesse sentido, o orgão regulador deve estar alerta para não permitir a formação de oligopólios privados. Isso se dá mediante a entrada de novos atores, do estímulo a competitividade, coibindo abusos nos segmentos caracterizados como monopólio natural e promovendo a qualidade e a eficiência na prestação dos serviços.
83
que se faça a regulação da concorrência, de forma que não se estabeleça
monopólios privados em setores estratégicos, em substituição a
monopólios antes estatais (Saraiva, 2001, p.105).
No que se refere especificamente à eficiência energética, a ANEEL tem por
competência incentivar o combate ao desperdício de energia no que diz respeito a todas as
formas de produção transmissão, distribuição, comercialização e uso da energia elétrica.
(Decreto nº 2335, de 06 de outubro de 1997, art. 4º, inciso IX ). Entretanto, o papel da
ANEEL em relação à eficiência energética se concentra, na prática, prioritariamente em
avaliar os projetos de aplicação de recursos das empresas em eficiência energética.
No âmbito ambiental, a ANEEL deve zelar para que não haja confronto entre o
sistema de energia elétrica e a sustentabilidade ambiental e mais, que o mercado de
energia elétrica insira o meio ambiente como fator de balizamento das questões de energia.
O Decreto 2335/9759, que rege a atuação da ANEEL, evidencia o estímulo e participação
de ações ambientais voltadas para o benefício da sociedade, bem como a interação com o
Sistema Nacional de Meio Ambiente em conformidade com a legislação vigente, atuando
de forma harmônica com a Política Nacional de Meio Ambiente. Ainda é incipiente a
atuação da ANEEL com relação às questões ambientais e principalmente a interação entre
meio ambiente e a de eficiência energética. Entretanto, algumas ações já têm sido
realizadas, tais como convênios assinados com o IBAMA/MMA, além do trabalho
conjunto com a área de meio ambiente da Eletrobrás, com o CEPEL.
Quanto à eficiência técnica dos recursos humanos da agência reguladora, nem é
preciso questionar sobre a necessidade de ter quadros técnicos com excelência que possam
desenvolver as complexas atividades a contento e negociar adequada e eticamente com a
vasta quantidade de atores envolvidos no processo de regulação.
Pires e Paranhos em entrevista concedida a Magnavita (2001) apontam as
deficiências existentes quanto ao quadro de pessoal da agência reguladora. Enquanto em
outros países as agências são independentes tanto do ponto de vista conceitual como
técnico e comandadas por uma equipe de formação heterogênea, com gente do setor,
acadêmicos e administradores com visão geral, a ANEEL foi formada exclusivamente
com executivos de estatais do setor elétrico. Faltou uma visão de pessoas de fora do setor.
59 inciso XXV do art. 4º
84
Além disso, o quadro de pessoal da ANEEL é muito pequeno em relação às suas
demandas. Os técnicos estão sendo contratados por um período temporário de três anos, o
que, por um lado, pode fazer com que a equipe não “vista a camisa” mas por outro lado,
não reforça a cultura que perdura no setor público na qual os técnicos possuem
estabilidade e, em muitos casos, não se esforçam adequadamente para servir o público.
3.6 A QUESTÃO AMBIENTAL E DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NA REFORMA E PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO 3.6.1 Antecedentes: Implementação das ações socioambientais no âmbito do setor
elétrico
O planejamento do setor elétrico até meados da década de 1980 baseava as opções
de investimento para a oferta de energia nos custos mínimos de geração, sem embutir
nesses custos a variável socioambiental. O meio ambiente era considerado como fator
externo, não cabendo nos custos tradicionais como engenharia, obras civis, equipamentos,
administração etc.
A necessidade em adequar-se às progressivas exigências da sociedade brasileira e
mundial, assim como das agências multilaterais - que passam a condicionar seus
financiamentos a providências para mitigar os impactos ambientais negativos causados por
empreendimentos de grande porte60 - leva o setor elétrico a sistematizar as ações
ambientais que até então, quando existiam, vinham se dando informalmente, por uma ou
outra empresa do setor, sem um plano que as direcionasse.
A primeira providência, nesse sentido, foi a elaboração de um Manual de Estudos
de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos, elaborado em 1986, que tinha por base
uniformizar as diretrizes relacionadas aos EIAS/RIMAS a serem elaborados para os
empreendimentos, de acordo com a Resolução CONAMA 001/86. Este Manual
praticamente não foi utilizado, pois na prática, eram utilizados os Termos de Referência
elaborados pelos órgãos estaduais de meio ambiente.
60 Embora as agências multilaterais de financiamento pressionassem o setor elétrico no sentido da
implementação de um plano diretor de meio ambiente, o BIRD foi um dos maiores financiadores dos grandes empreendimentos hidrelétricos responsáveis pelos impactos negativos ao meio ambiente e às populações afetadas. Segundo Schwartzman & Malone (1988) entre o início da década de 1950 e o final da década de 1980, o BIRD emprestou cerca de US$ 3,5 bilhões ao setor energético brasileiro, enquanto o BID investiu, US$ 2 bilhões, entre 1961 e 1972.
85
Em seguida, foi elaborado, ainda em 1986, o primeiro Plano Diretor para
Conservação e Recuperação do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor Elétrico (I
PDMA). Esse Plano foi revisado em 1987 e passa a ser a referência ambiental para o
planejamento e gestão dos empreendimentos do setor.
Ainda em 1986, foi constituído um Comitê Consultivo de Meio Ambiente
(CCMA) com o objetivo de proporcionar uma maior participação da sociedade nos
assuntos relacionados ao meio ambiente e ao setor elétrico. Esse Comitê era composto por
nove consultores, escolhidos pelo presidente da Eletrobrás. Não se comprovou, entretanto,
uma vinculação entre as recomendações do Comitê com o processo de tomada de decisões
do setor, nem uma interação entre o CCMA e os segmentos sociais envolvidos com os
empreendimentos.
No âmbito institucional, foi criado, em 1987, o departamento de meio ambiente da
Eletrobrás. Além disso, o setor estruturou áreas de meio ambiente nas empresas,
principalmente pela expansão de seus quadros técnicos. Por outro lado, houve um
incremento no aperfeiçoamento desses quadros, por meio de cursos na área ambiental.
Embora tenha havido um esforço no sentido de capacitar os técnicos do setor elétrico, a
maioria dos estudos ambientais realizados foi elaborada por consultores provenientes de
universidades e institutos de pesquisa. Esses estudos serão descritos abaixo, com a
elaboração da nova versão do Plano Diretor de Meio Ambiente (II PDMA).
Em 1988, foi criado o Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do
Setor Elétrico (COMASE). Sua criação visava o estabelecimento de um fórum para a
formulação e coordenação da política ambiental do setor elétrico. O COMASE
desenvolveu, juntamente com universidades e institutos de pesquisa, estudos de
fundamental importância para o processo de inserção da questão ambiental e social no
planejamento e tomada de decisão do setor elétrico, tais como: o de mecanismos de
interação com a sociedade; custos ambientais; monitoramento da implementação das
diretrizes do II PDMA; incorporação da componente ambiental no planejamento;
legislação ambiental. Além desses estudos, um dos pontos principais da atuação do
Comitê foi a alocação de recursos financeiros em rubrica específica para ações ambientais,
o que, até então, não existia61.
61 O documento intitulado Referencial para Orçamentação dos Programas Socioambientais foi
publicado em outubro de 1994 e a internalização dos custos ambientais no orçamento padrão da Eletrobrás ocorreu no início de 1996.
86
Os estudos desenvolvidos pelo COMASE foram utilizados para o estabelecimento
de procedimentos e medidas relevantes no sentido de integrar os componentes sociais e
ambientais no processo de planejamento e tomada de decisão do setor elétrico (Egler,
1998). Com a reforma e a privatização das empresas do setor elétrico, houve uma
paralisação na elaboração desses estudos.
Em 1990, foi elaborada uma nova versão do Plano Diretor de Meio Ambiente (II
PDMA). Este veio nortear os planos e programas do setor elétrico no âmbito ambiental e
socioeconômico, tais como o planejamento, os procedimentos metodológicos e a
articulação interinstitucional. Também eram tratadas as relações com os segmentos sociais
envolvidos nos empreendimentos, o financiamento de programas sociais e ambientais e a
capacitação e organização interna setorial.
O II PDMA propôs estudos temáticos sobre questões ambientais consideradas
prioritárias, que viriam subsidiar os planos e políticas do setor elétrico no âmbito social e
ambiental. Tais estudos trouxeram à tona as questões que não estavam bem resolvidas pelo
setor elétrico e que de uma forma ou de outra teriam que estar presentes na elaboração do
Plano 2015 e nos planos posteriores. Os principais temas tratados nesses estudos eram: a
inserção regional; o remanejamento de grupos populacionais; a interferência nas
comunidades indígenas; a conservação e recuperação de fauna e flora; a qualidade de água
nos reservatórios; a saúde pública; os mecanismos de interação do setor elétrico com a
sociedade; a avaliação integrada de impactos ambientais e a legislação ambiental
(Eletrobrás, 1990).
Alguns desses estudos temáticos foram realizados por empresas de consultoria e/ou
instituições de pesquisa, em conjunto com a Eletrobrás, com custo direto estimado em US$
1.500.000,00 e propuseram um elenco de diretrizes e recomendações que possibilitariam
que as empresas concessionárias implementassem ações ambientais específicas em função
das características locais. Alguns estudos, como o de inserção regional, buscavam
introduzir nas ações do setor elétrico propostas de desenvolvimento sustentável, definidas a
partir dos interesses locais/regionais.
Nos planos 2015 (de longo prazo) e nos Decenais posteriores (a partir de
1994/2003, até o Plano 1999/2008), as avaliações ambientais eram realizadas por projeto e
independentemente de uma análise energética integrada. O Plano Decenal 2000/2009
inseriu uma análise ambiental sistematizada.
Devem ser ressaltados alguns marcos importantes que, de certa maneira, induziram
uma mudança de postura do setor elétrico quanto às questões socioambientais relevantes
87
para o planejamento da expansão do setor: os estudos sobre os mecanismos de interação
com a sociedade para a Comissão de Planejamento de Transmissão da Amazônia (CPTA),
realizados de 1990 a 1993; a metodologia desenvolvida para os estudos de inventário
(1997); a criação da Comissão de Estudos de Meio Ambiente (CEMA), no âmbito do
GCPS, em 1999 (CEPEL/Eletrobrás, 2001).
O CCPE passa a exercer as atividades de planejamento indicativo a partir do ano
de 2000, possuindo um caráter inovador, no que se refere aos aspectos ambientais. Dentro
da sua estrutura organizacional foram criados seis comitês técnicos, entre os quais
encontram-se o Comitê Técnico para Estudos Socioambientais (CTSA)62 e o Comitê
Técnico para a Expansão de Fontes Alternativas. Cabe ressaltar que o meio ambiente
passa a ocupar, pela primeira vez, um lugar de destaque dentro do planejamento do setor
elétrico.
Dentro das suas atribuições, o CTSA passa a estabelecer uma estratégia ambiental
para o processo de planejamento e inclusão de métodos e critérios adequados para a
concepção integrada, envolvendo aspectos técnicos, econômicos, energéticos e ambientais.
Quanto aos Planos Indicativos, cabe ao CTSA realizar análises ambientais, procurando:
orientar a sistematização do conhecimento sobre as questões ambientais na área de estudo
e sobre os projetos indicados; fornecer subsídios para a formulação de alternativas de
expansão da oferta e da transmissão de energia elétrica, bem como para a concepção dos
projetos; e prover informações para a avaliação ambiental dos projetos e dos conjuntos de
projetos, assim como dos Planos como um todo (CCPE/CTSA, 2001).
No âmbito do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)63, foram
estruturados sete comitês técnicos, em 200164, entre os quais, um comitê de energia e meio
ambiente, que tem por objetivo “propor políticas de gestão ambiental para o setor de
energia, com ênfase na redução do potencial de riscos e danos ambientais que possam ser
causados ao meio ambiente pela utilização das diferentes fontes de energia” (CNPE,
2001).
62 O CTSA/CCPE é constituído por quatro grupos de trabalho. Dois têm por objetivo analisar a
questão ambiental no âmbito da geração e da transmissão (GT geração e GT transmissão). Outro visa implementar um sistema de informações ambientais que subsidie o planejamento da expansão (GT sistema de informações) e o quarto visa aprimorar a metodologia de análise dos aspectos ambientais relacionados aos projetos e ao plano indicativo da expansão (GT desenvolvimento metodológico).
63 O CNPE foi criado em 1997, por meio da Lei nº 9478, de 6 de agosto de 1997. 64 Resolução nº 7, de 5 de dezembro de 2001.
88
No plano institucional, as questões ambientais ainda são trabalhadas no âmbito da
Eletrobrás, visto que a ANEEL, como já foi citado, responsável pela regulamentação do
mercado de energia elétrica, não possui um setor de meio ambiente estruturado. As
questões ambientais são tratadas em vários departamentos e as de eficiência energética são
tratadas quase que exclusivamente no Ministério de Minas e Energia e na Eletrobrás.
Quanto às ações de eficiência energética, estas, de um modo geral, nunca estiveram
interagindo com as questões ambientais. No âmbito institucional, essas áreas/programas
são trabalhadas independentemente. Embora já existisse o Programa de Conservação de
Energia Elétrica (PROCEL) na Eletrobrás, desde 1985, nunca houve interação entre este e
o departamento de meio ambiente. No Ministério do Minas e Energia, as ações de
eficiência energética foram sendo trabalhadas, a partir da crise de energia de 2001, pela
Câmara de Gestão da Crise Energética, totalmente desvinculada da questão ambiental. No
final de 2002, quando a Câmara foi extinta, a eficiência energética passa a ser uma
Diretoria, mas continua totalmente desvinculada do meio ambiente. No Ministério de
Meio Ambiente, também devido à crise energética, o Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) instituiu uma Câmara Técnica permanente de meio ambiente e
energia que passa a tratar dessas questões. Nesse caso, essa Câmara foi instituída face à
urgência de ser implementada uma Resolução CONAMA65 que estabelecesse prazos
menores para a implantação de usinas “que não possuíssem impacto ambiental
significativo”.Esse Comitê foi extinto no início do ano de 2003 (mudança de Governo).
3.6.2 A inserção das questões socioambientais no planejamento do setor elétrico
Praticamente toda a capacidade de geração e transmissão de energia elétrica no
Brasil foi construída sob a égide do sistema centralizado66. Em 1982, foi criado o Grupo
de Coordenação do Planejamento do Sistema de Energia Elétrica (GCPS), com a
finalidade de projetar a demanda de energia elétrica, por meio de previsões
macroeconômicas e com base nos resultados, definir os investimentos necessários para a
expansão das atividades de geração, transmissão e distribuição.
65 A Resolução do CONAMA nº 279 de 27 de junho de 2001, estabelece procedimentos para o
licenciamento ambiental simplificado de empreendimentos elétricos com pequeno potencial de impacto ambiental.
66 Por volta de 1995, o Brasil havia construído 55.512 MW de capacidade de geração de energia
elétrica, 153.406 km de linhas de transmissão e 1,6 milhão de linhas de distribuição (Oliveira, 1997, p.11).
89
As estimativas dos planos setoriais eram calcadas na premissa de que o aumento do
consumo de energia vinha atrelado ao crescimento econômico do País. Vultosos
investimentos foram gastos na construção de grandes usinas hidrelétricas, acrescidas de
um polêmico programa de geração termelétrica baseada em energia nuclear. Essa investida
ocasionou graves impactos ambientais e sociais negativos, além do endividamento do
setor elétrico e do País.
A maior parte do dinheiro investido provinha de empréstimos internacionais, o que
trouxe um substancial aumento da dívida externa, agravado pelos cronogramas de obras
que ultrapassaram, em muito, o tempo de construção estimado para a maioria das usinas
hidrelétricas.
Tendo em vista que a economia de escala era a prioridade que definia a maior parte
das decisões sobre investimentos, as usinas maiores eram preferidas às menores. Isto
resultou em projetos enormes, demandando grandes dispêndios com ativos fixos e de
maturação longa – fatores que impediram a construção de muitas delas (Oliveira, 1997,
p.27).
Os primeiros planos setoriais nacionais67, tais como o Plano 95 (período 79-95),
2000 (1982-2000) e 2010 (1987-2010) não consideravam a questão socioambiental no
planejamento da expansão. A premissa utilizada baseava-se, exclusivamente, no custo
mínimo unitário (os custos eram relacionados aos dispêndios do suprimento energético).
Nesse sentido, não somente não se definiam os custos ambientais dessas grandes
usinas hidrelétricas “a priori”, como esse foi um dos fatores que posteriormente
contribuíram para a crise do setor elétrico, pois com a entrada em cena da legislação
ambiental, os órgãos financiadores passam a diminuir os investimentos em projetos de
grande impacto socioambiental68. Grandes somas tiveram que ser ressarcidas às
comunidades/municípios que foram alagados pelos empreendimentos e os projetos tiveram
que ser submetidos à avaliação de impacto ambiental que aumentaram os seus custos
iniciais. Somam-se a estes, os custos ambientais que surgiram posteriormente, face à
imprevisibilidade das intervenções sobre os ecossistemas atingidos.
67 Dentro do período abordado o único plano setorial elaborado foi o Plano 90, concluído em 1974,
que abrange o planejamento da expansão do setor elétrico para as regiões sul, sudeste e centro-oeste. 68 Nesse sentido, o BIRD teve uma postura mais coerente com a questão dos impactos ambientais do
que o BID. O financiamento do BID para a construção de grandes barragens atingiu o auge no período de 1970-1979. Entretanto, entre os anos de 1999 e 2001, o BID financiou a construção de 140 barragens na América Latina, incluindo 82 classificadas como grandes barragens, provendo um total de US$ 9,4 bilhões em auxílio financeiro (Switkes, 2001).
90
Com a falta de investimento internacional, inicia-se uma fase de “declínio” do
setor elétrico, que suspendeu a expansão da geração de energia elétrica e que anos mais
tarde culminaria na crise de energia elétrica de 2001.
A partir do Plano Decenal de Expansão (1990-1999), elaborado em 1989,
começam a ser considerados alguns requisitos sociais e ambientais para a implementação
de projetos do setor elétrico. Neste Plano foram cancelados os projetos mais polêmicos, ou
seja, que ocasionariam significativos impactos socioambientais negativos, tais como o
deslocamento de reservas indígenas, o alagamento de grandes núcleos urbanos/grande
contingente populacional, as áreas de Patrimônio Nacional, as reservas ecológicas, entre
outras (Eletrobrás, 1990).
Esse Plano Decenal insere uma reprogramação dos empreendimentos previstos no
Plano 2010. Isso ocorreu face às taxas de crescimento da demanda terem sido inferiores às
preconizadas no plano anterior; à evidência da escassez de recursos para novos
investimentos; e à interferência, da questão ambiental, cada vez mais utilizada como
requisito de escolhas de novos empreendimentos. Assim, pelo alto custo de
implementação, inserindo os custos sociais e ambientais, vários empreendimentos foram
cancelados69, tais como as usinas de Santa Isabel, Pedra Branca, Ilha Grande, Capanema e
Babaquara. Algumas outras usinas foram adiadas. A partir da crise energética no Brasil,
em 2001, algumas usinas que haviam sido postergadas e/ou canceladas entram em
funcionamento, ou encontram-se em estudos para a sua implantação. É o caso de
Machadinho em Santa Catarina, do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no Pará e do
Complexo de usinas no Rio Madeira, em Rondônia.
O Plano de Longo Prazo 2015, elaborado em 1993, foi o primeiro a inserir,
efetivamente, a questão social e ambiental no planejamento da expansão do setor,
hierarquizando as obras face à sua complexidade ambiental e social. Este Plano relaciona
ainda os custos ambientais relativos aos empreendimentos, que até então não haviam sido
inseridos em nenhum plano.
Cabe ressaltar, também, que o Plano 2015, especialmente no que se refere às
questões sociais e ambientais, foi concebido a partir de um processo (relativamente)
69 Por volta de 1992, os investimentos paralisados nas usinas de energia elétrica alcançaram a cifra
de US$ 10 bilhões e os ativos ociosos representavam 10 GW de capacidade potencial adicional (Pires e Piccinini, 1998).
91
participativo, com o envolvimento de várias instituições e atores sociais em seminários e
workshops realizados durante a formulação do mesmo70.
Com a reforma do setor elétrico, a consultora Coopers & Lybrand71, contratada
pela Secretaria de Energia do Ministério de Minas recomenda que o planejamento de
expansão do setor elétrico passasse a ter um caráter indicativo. O GCPS72, que vinha
elaborando, por quase duas décadas o planejamento do setor elétrico, é extinto. O Plano
Decenal 2000/2009 foi o último plano elaborado pelo GCPS antes de sua extinção, em
1999. Procurava identificar, para a expansão dos diversos sistemas elétricos do País, a
seqüência de obras que apresentava a melhor relação entre custos e benefícios, inserindo
as questões socioambientais. (Eletrobrás, 1999).
Para o setor ambiental, a extinção do GCPS foi desastrosa. Um pouco antes, ainda
no ano de 1999, havia sido criada uma Comissão Especial de Meio Ambiente (CEMA)
para inserir as questões ambientais e sociais na elaboração dos Planos Decenais73, junto ao
GCPS. Até então, as áreas de meio ambiente e de planejamento da expansão trabalhavam
separadamente, o que dificultava a integração do planejamento com as questões
socioambientais. Os técnicos do departamento de meio ambiente da Eletrobrás
participaram do planejamento junto ao GCPS até a sua extinção74.
Com a reforma do setor elétrico e a privatização das empresas, o departamento de
meio ambiente da Eletrobrás, elaborou uma revisão dos Manuais de Inventário, de Projeto
Básico e de Viabilidade, que as empresas, a partir da privatização, deveriam ter de utilizar,
para seguirem as diretrizes ambientais e sociais para a implantação e operação de
empreendimentos do setor elétrico. Tais procedimentos deveriam ser seguidos de acordo
70 Para sistematização dessa participação foram elaborados cadernos temáticos que serviram de
subsídios para a formulação do Plano 2015 (Eletrobrás, 1991). 71 A Coopers & Lybrand é uma empresa britânica responsável pelo Projeto de Reestruturação do
Setor Elétrico Brasileiro (Re-Seb). A consultora foi contratada pela Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia, a um custo inicial de quase US$ 40 milhões.
72 O GCPS, responsável pelo planejamento da expansão do setor elétrico, foi criado em 1982 e
extinto em 1999 . O GCPS era coordenado pela Eletrobrás e integrado por 34 concessionárias de energia elétrica e pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica. (DNAEE).
73 A área de meio ambiente da Eletrobrás, dividiu-se entre o Departamento de Meio Ambiente e o
Programa de Planejamento e Gestão Ambiental, que compunha a Comissão Especial de Meio Ambiente (CEMA).
74 Esses técnicos atuaram, ainda, por cerca de um ano, junto ao o Comitê Coordenador do
Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos (CCPE), quando então o grupo de meio ambiente passa a ser coordenado pela Companhia Parananense de Energia Elétrica (COPEL), sendo assessorado pelo CEPEL. Esse grupo assessor, derivado da CEMA é, então, denominado de Comitê Técnico Socioambiental – CTSA
92
com a regulamentação da ANEEL (Nutti, 2002, entrevista). Entretanto, esta não vinha, até
o ano de 2002, colocando exigências nesse sentido, o que por um lado, dificulta o trabalho
das empresas no âmbito ambiental, ao não seguirem orientações preestabelecidas, mas por
outro lado, não são obrigadas a seguir regras rígidas no que se refere às questões
ambientais e sociais. Ocorre que a ANEEL não considera de sua competência as
regulamentações ambientais, transferindo essa incumbência para o IBAMA e para os
órgãos ambientais estaduais, por meio de convênios.
Face ainda à privatização, o departamento de meio ambiente da Eletrobrás, cujo
papel foi bastante importante no sentido da inserção das questões sociais e ambientais no
âmbito do planejamento do setor elétrico, foi alijado do processo. Isso se deu,
primeiramente, porque essas questões não eram prioritárias no curto prazo e também pelas
modificações institucionais que se instituíram a partir da privatização, que acarretaram
mudanças na direção e diretrizes da empresa, entre outras. Nessa fase, foram afastados
muitos técnicos com larga experiência no setor elétrico face aos planos de demissão
voluntária efetuados pelas empresas. O departamento de meio ambiente, embora não tenha
sido muito afetado com as demissões, sofreu quase que uma parada em sua atuação.
Desde então, aquele departamento vem trabalhando na orientação dos aspectos
ambientais e sociais para a execução de projetos pelas empresas privadas. Na maioria dos
casos, a Eletrobrás é sócia minoritária nos empreendimentos, tendo, portanto, interesse em
viabilizar as questões ambientais e sociais no âmbito dos empreendimentos, embora a
execução dos mesmos não seja da sua competência.
Com a extinção do GCPS, em 1999, foi criado o Comitê Coordenador do
Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos (CCPE), que passou a atuar, no ano de
2000, na elaboração dos Planos Indicativos de Expansão e Programas Determinativos da
Transmissão. O Plano Decenal 2001/201075 foi o primeiro plano elaborado pelo CCPE,
dentro do novo modelo de planejamento indicativo.
3.6.3 A reforma, a privatização do setor elétrico e o desenvolvimento sustentável
Embora a hidroeletricidade seja uma forma de energia elétrica de fonte renovável,
mais ambientalmente sustentável do que as fontes de energia provenientes de combustíveis
75 Nos cenários utilizados nesse Plano, o crescimento médio da da demanda de energia corresponde
a 5,5% e 6,3%.
93
fósseis, esse não vinha sendo o critério adotado para a implantação das usinas
hidrelétricas. A política se orientava, principalmente, em função da possibilidade de
obtenção de maior suprimento, da pressão das empreiteiras por grandes obras, dos
empréstimos internacionais para tais empreendimentos, entre outras razões.
Na realidade, os impactos sociais e ambientais causados pelos
megaempreendimentos, especialmente na década de 1980, poderiam ter sido minimizados
se as escolhas interagissem com as questões ambientais que emergiam naquela época76.
Com certeza a opção hidreletricidade deveria ser utilizada, porém com menores usinas,
menores lagos e barragens e, portanto, menores danos ambientais e sociais.
Com a mudança do modelo do setor elétrico e a introdução do mercado
competitivo, apesar da opção termelétrica assumir, inicialmente, prioridade nos planos de
expansão de energia elétrica, passa a existir um lado favorável, qual seja, que na
competição entre as empresas, o meio ambiente entrará como um dos fatores de
diferenciação entre elas. Uma empresa que tem preocupação na sustentabilidade ambiental
e apresenta aos usuários itens que comprovem esse interesse, com certeza se diferenciará
das demais.
Invariavelmente, quando nos referimos à competitividade fazemos alusão às
variáveis econômicas que estão em jogo. Entretanto, a competição pode ser baseada na
comparação de performance, sendo esta uma forma de se incentivar as empresas a
operarem de forma eficiente. Nesse caso, enquadram-se os requisitos necessários para o
desenvolvimento sustentável, tais como eficiência energética, proteção ambiental,
atendimento às necessidades sociais, etc.
3.7 A QUESTÃO AMBIENTAL DIANTE DA DESREGULAMENTAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
A inserção da questão ambiental no âmbito do setor elétrico foi sendo construída
paulatinamente, como abordado no item 3.6.1. Foram necessárias quase duas décadas para
que fossem inseridos novos instrumentos e atores sociais no processo e para que as
questões sociais e ambientais passassem a ter importância no planejamento e na tomada de
76 O próprio Diretor americano do BID criticou a falta de vinculação entre energia e meio ambiente.
Segundo ele, colocar em funcionamento eficazes leis mabientais e capacitação como componenetes integrais dos programas de reestruturação é decisivo para garantir que as reformas do setor não sirvam somente à viabilidade financeira do suprimento sustentável de energia, mas também à eficiência ambiental (IDB apud Switkes, 2001, p.94).
94
decisões do setor. Como vimos, isso contribuiu, inclusive, juntamente com a escassez de
recursos, para a paralisação da construção de algumas usinas hidrelétricas, bem como para
que se repensasse o modo de expansão setorial, inserindo tecnologias de menor impacto
ambiental e social, como, por exemplo, a co-geração de energia77.
A questão que se coloca agora é como o setor ambiental e a eficiência energética
passam a se inserir no processo de reestruturação do setor elétrico, uma vez que a
privatização das empresas de energia prioriza o aumento da produção e da venda de
energia. Assumindo que, via de regra, a lógica empresarial visa aumentar o mercado de
venda e maximizar o lucro, o Estado terá que intervir mais ativamente por meio de
regulamentação, visando assegurar que as empresas tenham as questões ambientais
devidamente consideradas em suas práticas, que são moldadas pelo mercado competitivo.
Nesse sentido, estas deverão incorporar nos serviços, o respeito ao meio ambiente e ao
caráter de serviço público como requisitos de eficiência.
Os exemplos que sobressaem nos primeiros anos da experiência privatizante
brasileira não são muito animadores. A crise de energia elétrica que se instalou no País em
2001, por exemplo, não ocasionou prejuízos meramente econômicos. No âmbito ambiental,
certamente ocorreu um retrocesso. No âmbito legal, os prazos para o licenciamento de
novas usinas foram reduzidos de forma a antecipar o processo de implementação das
mesmas78. A Resolução CONAMA nº 279/2001 dita no art 2º, que os órgãos competentes
poderão estabelecer modelos simplificados de publicação dos pedidos de licenciamento
conforme o porte do empreendimento. Ou seja, a maioria dos projetos que até então
necessitavam de avaliação de impacto ambiental, passam a ter seu licenciamento aprovado
baseado na nova norma, corroborado pelo “artifício” de ser um projeto de pequeno porte.
Na pressa de atender a demanda do consumo de energia, o governo brasileiro criou,
no ano de 2000, o Programa Prioritário de Termelétricas - PPT79 que previa a construção
77 O potencial de co-geração no Brasil fica em torno de 12.000MW, segundo estudos da USP e
UFRJ, sendo que pode ser viabilizado com tecnologia brasileira e com maior eficiência (enquanto a co-geração aproveita 90%, as termoelétricas têm um grau de eficiência de 50 a 55%). No sentido de reduzir os impactos ambientais, vários países desenvolvidos chegaram a suprir até 20% da demanda nacional com energia co-gerada (Sauer, 2001).
78 A medida provisória nº 2147 de 15/05/2001, estipula que o CONAMA estabeleça procedimentos
simplificados de licenciamento para os empreendimentos de impacto ambiental de pequeno porte, referentes a linhas de transmissão, gasodutos e oleodutos, usinas hidrelétricas, termoelétricas, geração de energia elétrica por fontes alternativas e importação de energia. Assim, os empreendimentos de geração e transmissão de energia, passam por um processo simplificado de licenciamento, diminuindo o prazo para a concessão da licença ambiental.
95
de 49 usinas hidrelétricas e termelétricas até o ano de 200380. Ainda que esse prazo fosse
inviável do ponto de vista do tempo de execução de tais usinas – sem mencionar a questão
financeira - o que importa na nossa ótica é ressaltar que os impactos ambientais negativos e
sociais provenientes da construção dessas usinas poderão ser subestimados, face ao
imperativo de se expandir a oferta de energia elétrica81. Neste caso, não se tem levado em
conta os impactos ambientais negativos provenientes da construção de usinas
termelétricas82, uma vez que estas podem ser construídas em um menor prazo e
conseqüentemente, propiciar um retorno mais rápido dos investimentos realizados.
Visando um desenvolvimento mais sustentável, vários especialistas da área de
energia levantaram alternativas à termeletricidade, que viriam suprir a demanda existente:
co-geração, pequenas centrais hidrelétricas, conservação de energia, geração distribuída,
repotenciação, modernização do parque existente, entre outras (Sauer, 2001; Rosa, 2001;
Tolmasquim, 2001). O programa de termeletricidade proposto em 2001 ficou restrito a um
programa de complementaridade energética, visando evitar riscos de racionamentos de
energia caso ocorram longos períodos de secas. O PPT foi ajustado conforme quadro
abaixo.
79 O Decreto nº 3371, de 24 de fevereiro de 2000, institui, no âmbito do Ministério de Minas e
Energia, o Programa Prioritário de Termeletricidade e dá outras providências. 80 A Lei nº 10.438/02 prorroga até 31 de dezembro de 2004, o prazo de entrada em operação
comercial das usinas enquadradas no PPT. Prevê-se, que a geração térmica passará, após a entrada em operação dessas usinas de 2% para 17%.
81 A esse respeito, as declarações do Ministro Pedro Parente e do presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, por ocasião da edição da Medida provisória nº 2147, que criou a Câmara de Gestão da Crise de Energia, foram contundentes: ”questões ambientais têm atrasado obras e empreendimentos” e “nós temos sempre que tomar em conta as questões ambientais. Mas, também, dado o caráter emergencial, é possível ser mais rápido nessas decisões” (Araújo, 2001).
82 Segundo Sauer (2001, p.121), o programa de termelétricas, em virtude das emissões de monóxido
de carbono, dióxido de carbono, metano, óxidos nítricos e nitrosos, vem mudar drasticamente o perfil do setor elétrico brasileiro, em relação ao maio ambiente, que era positivo. De acordo com Bermann & Martins, apud Switkes, (2001, p.97), a implantação da rede de usinas a gás projetada, aumentaria as emissões de CO2 no Brasil em 59,5 milhões de toneladas anuais, um aumento de 20% do total das emissões atualmente resultantes da queima de combustíveis fósseis, madeira e carvão. Essas usinas também emitiriam 2.210,5 toneladas de SO2, enquanto as emissões diárias de NOx seriam de 30.200 toneladas.
96
Quadro 3 - Evolução da implantação do Programa Prioritário de Termelétricas
Ano 2001 2002 2003 2004 2005 Total
Cronograma original PPT (MW) 1,027 3,911 6,946 2,970 745 15,599
Cronograma
Original ajustado (MW)
1,305 4,447 5,389 296 - 11,437
Estimativa da ABRAGET (MW) 1,027 1,859 2,487 1,497 - 6,870 Fonte: Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (ABRAGET, 2003)
Não há dúvida que a crise de energia trouxe embutida ingredientes que agravam a
crise ambiental. Desta vez, ao contrário dos ganhos sociais e ambientais obtidos nas
décadas de 1980/1990 pelos ambientalistas, pelos movimentos sociais, pelas ONGs, pelas
populações atingidas por barragens, o meio ambiente cede espaço para a eletricidade.
Por outro lado, pode-se extrair um fato positivo proporcionado pela crise energética
de 2001. Esta foi o estopim que permitiu uma maior visibilidade, por parte da sociedade,
do estreito vínculo existente entre energia e meio ambiente, seja pelos impactos ambientais
negativos relacionados à produção e ao uso da energia, seja pelo desperdício e/ou pela
exaustão de recursos naturais não renováveis.
Os desafios para se continuar a expandir as necessidades energéticas da
sociedade com menos efeitos ambientais são enormes e complexos
envolvendo a discussão de aspectos técnicos, de preferências, padrões de
conforto desejados pela sociedade e custos de energia, sistemas de
urbanização, atividades econômicas e estilos de vida (…) Para que se
possa conceber um futuro mais sustentável do ponto de vista energético é
necessário maior participação de fontes renováveis e maior eficiência
para a produção e uso da energia. É fundamental maior compromisso e
esforço por parte do setor público e privado, seja em nível local ou
internacional (Jannuzzi, 2001).
Há que se assinalar que cada vez mais políticas conjuntas de energia/eficiência
energética e meio ambiente têm sido instituídas em nível mundial. Nas experiências
internacionais, a questão ambiental vem sendo definida, após a privatização, por meio da
regulamentação por parte dos Estados em nível federal e estadual. Nos EUA, por exemplo,
as regulamentações são bastante rígidas no que se refere ao controle dos impactos
97
ambientais, especialmente das usinas termelétricas, principalmente, quanto ao padrão de
emissões83 de poluentes atmosféricos.
Nesse sentido, em 15 de novembro de 1990, foi assinada a segunda Lei do Ar
Limpo (Clean Air Act Amendment), legislação que controla os poluentes atmosféricos
provenientes das plantas termelétricas, fontes móveis e instalações industriais. Essa lei
levou o setor elétrico a buscar alternativas para operar novas e antigas usinas termelétricas,
como tecnologias de controle e mudança da qualidade e/ou do próprio combustível (como
o uso de carvão mineral de melhor qualidade84), visando minimizar os efeitos adversos
sobre a saúde humana e os danos ambientais. Isso se refletiu no aumento dos custos e,
conseqüentemente, na elevação dos preços da energia85.
Na Califórnia, a Lei que rege a privatização, enfatiza fortemente a preocupação
ambiental, estimulando a entrada de novas usinas geradoras mais eficientes e de fontes
limpas e renováveis.
No que se refere à utilização de tecnologias, prevê-se sistemas combinados de
controle, visando o aumento da eficiência de remoção de poluentes; o desenvolvimento de
novas tecnologias de combustão e pós-combustão; a melhoria do processo de
beneficiamento e limpeza do carvão mineral, minimizando o teor de impurezas (pré-
combustão; utilização de sistemas de redução catalítica seletiva com possibilidades de
redução de 80 a 90% de NOx).
Essa Lei permitiu, ainda, a criação de um mercado de licenças ambientais86,
coordenado pelo EPA, que tem por objetivo determinar e monitorar a quantidade de
emissão de poluentes que cada usina termelétrica, entre outras fontes estacionárias, tem
83 O padrão de emissão é definido como a quantidade máxima de poluente que se permite liberar no
meio ambiente a partir de uma única fonte de poluição. O padrão de emissão está diretamente associado ao tipo de controle de poluição realizado: controle direto da poluição do ar, uso de equipamentos que removem as substâncias poluentes dos gases de exaustão das plantas de energia. Enquadram-se, nesse caso, os sistemas de remoção de SO2 (dessulfurizadores) e os sistemas de remoção de particulados (precipitadores eletrostáticos, ciclones, filtros) (Santos, s/d).
84 A partir da revisão da Lei do Ar Limpo, houve um aumento da demanda pelo carvão mineral
proveniente dos Apalaches (Central) e da região da bacia do rio Powder, produtores de carvão de melhor qualidade dos EUA.
85 Segundo o Electric Power Research Institute (EPRI), as regulamentações foram responsáveis, no
curto prazo, pelo aumento direto de 40% no custo médio da eletricidade nos EUA, no cancelamento de alguns programas e pesados estímulos na conservação de energia (Finon, 1990). Dentre os investimentos realizados em proteção ambiental, o que mais onerou as empresas de eletricidade foi o controle da poluição aérea.
86 Maiores detalhes sobre o mercado de licenças ambientais (permits) consultar o site:
www.epa.gov/oar/oaqps/permits/ .
98
permissão para liberar no meio ambiente. As empresas negociam as licenças entre elas,
havendo também a possibilidade destas serem adquiridas em leilões.
Em um sentido amplo – a medida em que os custos para a melhoria dos sistemas de
controle de emissões aumentaram - a Lei propiciou o uso de energias de fontes renováveis,
bem como o estímulo à eficiência energética e, portanto, ao menor desperdício de energia.
Segundo Santos, (s/d), a legislação americana obteve êxito no atingimento aos
objetivos almejados face, principalmente, a cinco pontos:
i. Capacidade técnica de medição dos níveis de emissão e a busca da
confiabilidade na determinação dos danos ambientais;
ii Capacidade de avaliação da variação geográfica do dano ambiental;
iii. Base tecnológica capaz de atender as demandas legais;
iv. Desenvolvimento de métodos e técnicas para avaliar o dano ambiental;
v. Aceitação social em reduzir o consumo energético ou mesmo pagar pelo
controle ambiental realizado.
Na maioria dos casos estudados, o êxito na regulamentação está estreitamente
vinculado à base técnica/tecnológica, bem como ao monitoramento e ao envolvimento
social. Caberia ainda ressaltar a estreita vinculação entre o setor energético e a
regulamentação ambiental na maioria dos países industrializados.
No Brasil, a regulamentação do setor elétrico no que se refere às questões
ambientais é ainda incipiente. A Resolução CONAMA 008/90 é o instrumento que regula
os limites máximos de emissões de particulados e dióxido de enxofre das novas centrais
para geração de energia elétrica. Em relação a outros combustíveis que não o carvão
mineral e o óleo combustível, cabe aos órgãos estaduais de meio ambiente estabelecer os
limites máximos de emissão desses poluentes.
3.7.1 A matriz energética frente à desregulamentação do setor elétrico
Como visto no item anterior, a desregulamentação do setor elétrico, propiciou a
mudança na proporcionalidade da matriz energética brasileira. A hidreletricidade até então
utilizada em cerca de 95% para a geração de energia, começa a ceder espaço para a
99
geração termelétrica, utilizando o carvão mineral e especialmente o gás natural como
fontes de energia.
A crise de energia de 2001 e a necessidade de expandir a capacidade do setor
elétrico no menor prazo possível, leva o governo a instituir, como já citado, o Programa
Prioritário de Termeletricidade, por meio do Decreto nº 3371, de 24 de fevereiro de 2000.
Além do fator tempo, existem alguns outros motivos, especialmente de
ordem econômica, que explicam a introdução maciça dessas usinas. Uma
é o próprio retorno do investimento na construção da usina: o menor
tempo de maturação permite ao investidor um investimento menor e um
retorno mais rápido87. Para o consumidor, entretanto, a geração
termelétrica/gás é economicamente desinteressante88, além de ineficiente.
Para acelerar o processo de funcionamento das usinas térmicas, estas irão
funcionar em ciclo aberto, que é um processo mais ineficiente. Significa
maior consumo de gás e um custo maior (Tolmasquim, 2001).
Outro fator refere-se aos contratos de suprimento de gás natural89, por meio de
importação, especialmente do gasoduto Brasil-Bolívia90. O gás natural, ao mesmo tempo
que impulsionou a construção das usinas termelétricas, freou o processo de implementação
das mesmas, na medida em que a discussão sobre o preço do gás foi muito extensa91.
87 Correa (2001) alerta para dois fatores que podem ser atrativos para os investidores privados: o
primeiro é que algumas usinas termelétricas economicamente ineficientes podem ser mantidas em funcionamento para serem fixados valores altos na curva marginal de geração e o segundo é que a energia hidráulica, já amortizada em larga escala, com usinas subsidiadas, pode ser vendida ao preço de energia térmica, o que carateriza um excelente oportunidade de negócio para o investidor.
88 O valor da geração hidrelétrica, tomando Furnas como referência, está na faixa de US$ 20 por
MW/h, enquanto que o custo de geração de energia termelétrica/gás natural, ultrapassa US$ 40 por MW/h. (Rosa, 2001).
89 O estímulo governamental às usinas termelétricas pode ser constatado pelo tipo de contrato
realizado: o contrato de compra do gás possui uma cláusula take-or-pay, ou seja, este tem que ser pago independente de ser utilizado (Tolmasquim, 2001).
90 Martin (2001) questiona a necessidade do gasoduto Brasil-Bolívia, uma vez que as termelétricas
que serão instaladas necessitarão consumir cerca de 14 milhões de m³ de gás, sendo que as plataformas da Petrobrás já produzem 22 a 30 milhões de m³ de gás, ou seja o País paga caro por um gás que aparentemente não é necessário.
91 O preço da energia será reajustado segundo o valor do gás, que é cotado em dolar. A discussão
reside no preço final da energia , uma vez que esta, sendo reajustada pelo valor do gás, se elevará sobremaneira, porque até então o preço se baseia em energia proveniente de usinas hidrelétricas já amortizadas (Tolmasquim, 2001).
100
Por outro lado, o uso de fontes alternativas tem sido apoiado mais enfaticamente. A
Lei nº 10438, de 26 de abril de 2002 cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas
de Energia Elétrica (PROINFA), com o objetivo de “aumentar a participação da energia
elétrica produzida por empreendimentos de produtores independentes autônomos,
concebidos com base em fontes eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa, no
Sistema Elétrico Interligado Nacional”92.
Tal Programa institui que as fontes de energia eólica, pequenas centrais
hidrelétricas93 e biomassa atendam a 10% do consumo anual de energia elétrica no país,
objetivo a ser alcançado em 20 anos. Embora ainda seja um percentual pequeno, existirá
um ganho significativo no âmbito energético e ambiental, uma vez que essas fontes
alternativas têm uma participação ínfima na matriz energética brasileira. A energia eólica
participa, por exemplo, no final de 2001, com um percentual de 0,03%94.
Além disso, a ANEEL, visando reduzir o consumo de combustíveis fósseis na
geração de energia elétrica, estabeleceu alguns incentivos, por meio de resoluções, que
buscam “estimular o desenvolvimento de alternativas de geração de energia a partir de
fontes renováveis”, tais como: (www.aneel.gov.br)
- a energia gerada pelas Pequenas Centrais Hidroelétricas - PCH´s fica isenta do
pagamento pelo uso da rede de transmissão e distribuição. Além disso, as PCH´s
são dispensadas de remunerar os municípios e Estados pelo uso dos recursos
hídricos.
- a sub-rogação dos recursos da Conta Consumo de Combustíveis - CCC95 à
empreendimentos de geração a partir de fontes de energia renováveis.
Quanto a esta última, ainda é inócuo o número de empresas concessionárias ou
autorizadas que optam por migrar do uso de combustíveis fósseis para o uso de fontes
renováveis. Isso se deve a alguns fatores, tais como: uma vez que o benefício também se
92 Lei 10.438/02, art. 3º. 93 Usinas com potência superior a 1 MW e igual ou inferior a 30 MW e com o reservatório com área
igual ou inferior a 3 km².
94 No final do ano de 2001 haviam apenas 6 usinas eólicas em funcionamento no Brasil. Até 2005, foram autorizadas pela ANEEL a instalação de mais 23 usinas eólicas (www.aneel.gov.br). No ano de 2002 (até junho) foram autorizadas pela ANEEL 35 PCHs, 117 termelétricas e 15 eólicas.
95 A Conta Consumo de Combustíveis - CCC foi instituída legalmente, de forma que o custo do
consumo de combustíveis fósseis, fosse rateado entre as concessionárias ou autorizadas de energia no país. A ampliação da utilização dos recursos da CCC para empreendimentos de geração a partir de fontes renováveis
101
estende aos combustíveis fósseis, não há interesse em fazer a mudança apenas por
aspectos ambientais; não há obrigatoriedade nem benefícios maiores para quem fizer a
troca; o custo financeiro associado ao investimento inicial do empreendimento é mantido.
Segundo a ANEEL, para incrementar o desenvolvimento de fontes renováveis, deverão ser
inseridas outras medidas regulatórias ou dispositivos legais, tais como na Alemanha, onde
a legislação prevê garantia de prioridade para fontes renováveis de energia.
3.8 A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E A DESREGULAMENTAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
A reforma e a privatização do setor elétrico não incentivou a implementação de
ações em eficiência energética, haja visto que as empresas privadas, como já foi citado
anteriormente, possuem interesse na venda de energia, o que vai contra a eficientização e a
diminuição do consumo energético.
Entretanto, a crise de energia que se instalou no país em 2001 deu um caráter
emergencial ao assunto e serviu de estímulo às ações em prol da eficiência energética. O
projeto de Lei que tratava da Eficiência Energética96 e que passou onze anos tramitando
pelo Congresso Nacional, por exemplo, ganhou, então, prioridade absoluta. A Lei
10.295/2001 foi aprovada em outubro de 2001 e ressalta a criação de uma Política
Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia. O Decreto nº 4059/2001, que
regulamenta a Lei, foi aprovado em dezembro do mesmo ano.
Tal Decreto, instituiu a criação de um Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de
Eficiência Energética (CGIEE) no âmbito do Ministério de Minas e Energia, composto por
membros do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Agência Nacional de Energia Elétrica, Agência
Nacional do Petróleo (ANP) e dois especialistas em energia: um representante de uma
universidade brasileira e um cidadão brasileiro. Tal Comitê é responsável pela
implementação da aplicação da Lei nº 10.295/2001. Esse Comitê tem, entre outras
atribuições, acompanhar e avaliar sistematicamente o processo de regulamentação, bem
de energia (Resolução ANEEL nº 245, de 11 de agosto de 1999) vem contribuir para viabilização da substituição paulatina de combustíveis fósseis por fontes renováveis, até o ano de 2013.
96 Projeto de Lei nº 3.875 de 1993 (antigo Projeto de Lei do Senador Fernando Henrique Cardoso nº
125/90), em tramitação no Congresso Nacional por mais de uma década, incorporava as seguintes medidas: índices mínimos de eficiência para equipamentos, construções e processos industriais e apropriação de programas de conservação no custo de serviço das concessionárias.
102
como elaborar um plano de fiscalização, fazendo o vínculo entre a Agência reguladora e a
eficiência energética.
A privatização do setor elétrico ocasionou, indiretamente, o direcionamento de
recursos das empresas para as ações de eficiência energética. Havia um certo temor de que,
com a privatização, as empresas passassem a não obedecer a resolução ANEEL que as
obrigava a direcionar 1% do lucro para eficiência energética. Portanto, com a privatização,
essa resolução passa a ter força de Lei. Assim, a Lei nº 9991 de 24/07/2000 (já citada) e o
Decreto nº 3867/2001 que a regulamenta, tratam dos investimentos a serem realizados em
pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico e em eficiência energética no uso final por
parte das empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor de energia
elétrica.
Um outro salto qualitativo foi a submissão das resoluções da ANEEL a Audiências
Públicas. Estas têm ocorrido freqüentemente, com forte participação do público
interessado, especialmente por meio eletrônico. A contribuição da sociedade se dá, em
grande medida, pela polemização do assunto que a crise de energia gerou. Nesse sentido,
houve uma nítida ampliação da interesse da sociedade para tratar de assuntos relacionados
à eficiência energética.
A crise de energia propiciou, ainda, a recuperação econômica e política do
Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL), O Programa prevê,
uma economia de energia elétrica, em termos de demanda evitada na hora da ponta, de 670
MW, em média por ano.
Por fim a crise de energia fez emergir o vínculo existente entre energia e meio
ambiente citada no item anterior, que resultou no maior conhecimento, por parte da
sociedade, sobre os requisitos ambientais da geração e do uso da energia elétrica.
Cabe aqui refletir sobre o papel das empresas privadas, no que se refere à eficiência
energética. O investimento em eficiência energética teria como conseqüência a diminuição
do mercado de energia elétrica. Quanto maior a demanda por energia, maior a venda e
mais lucratividade, o que nos leva a questionar: somente o setor público teria interesse em
promover a eficiência energética? Ou o setor privado pode aliar a racionalidade econômica
a um desenvolvimento mais sustentável, mesmo que isso propicie um menor investimento
em geração, em distribuição e na transmissão de energia e conseqüentemente menor lucro?
A resposta talvez esteja na eficiência energética como fator de competitividade das
empresas, assim como de redução da pressão sobre o meio ambiente. No Brasil, a
103
eficiência energética ainda não vem sendo utilizada como um diferencial nas decisões
econômicas das empresas geradoras e distribuidoras.
A privatização do setor brasileiro fracassou em dirigir adequadamente
investimentos para nova capacidade de geração e aumento da eficiência
energética (…) Ao contrário, os consórcios que se propuseram a arriscar
grandes somas de capital para construir projetos de geração centralizada
são principalmente as indústrias de maior ineficiência energética –
alumínio, cimento, ferro-ligas – que buscam garantir um suprimento
cativo de energia, enquanto adicionam pouca potência ao total de energia
disponível aos domicílios e estabelecimentos comerciais (Switkes, 2001,
p. 88, 89, 90).
Nos países desenvolvidos, especificamente nos EUA, a eficiência passou a ser não
só um fator de competitividade, mas um fator de aumento de lucros para as empresas. Em
alguns estados, onde o preço da energia está regulamentado, os fornecedores ficam com
parte do que economizam na conta do consumidor. Assim a Pacific Gas and Eletric
Company (PG&E) na Califórnia, somou mais de 40 milhões de dólares em retorno sem
risco, ao mesmo tempo que poupava ao consumidor nove vezes esse valor, mediante
redução de tarifas. A Public Utilities Comission (PUC), no mesmo estado, teve, com seus
investimentos em eficiência, resultados que pouparam para o consumidor um valor de 2
milhões de dólares (Hawken, Lovins & Lovins, 1999).
De uma maneira geral, verifica-se, nas experiências internacionais que os
mercados por si só, após as reformas nos setores elétricos, não são capazes de introduzir
melhorias em eficiência energética nas proporções adequadas aos países. As ações
públicas continuam sendo essenciais para manter a continuidade de programas de
eficiência que vinham sendo implementados anteriormente às mudanças.
Eto, Goldman & Kito (apud Jannuzzi, 2001), listam uma série de argumentos a
favor da participação do setor público na implementação de programas de eficiência
energética, tais como: informação, educação, auditorias; incentivos financeiros, normas,
padrões de eficiência energética, programas de transformação de mercado, Gerenciamento
pelo Lado da Demanda (GLD)97, avaliação dos programas, entre outros. A necessidade de
97 GLD ou Demand Side Management (DSM) é um instrumento utilizado nos EUA desde a década
de 1970 para combater os grandes desperdícios de energia.
104
participação do setor público em atividades para promover o uso eficiente de energia já é
aceita em muitas regiões dos EUA.
3.9 A CRISE DE ENERGIA ELÉTRICA DO ANO DE 2001
Excetuando o Governo, todos os estudiosos do assunto foram unânimes em afirmar
que a crise de energia elétrica que ocorreu no país no ano de 2001 foi uma crise previsível.
O Plano Decenal de Expansão da Eletrobrás 2000/2009, já apontava os riscos de
déficit de energia para o período 2001-2002 superiores aos 5% que o sistema atingiu ao
longo dos anos e tido como limite aceitável pelo setor elétrico. Em meados de 2000, o risco
nas regiões sudeste e centro-oeste estava em torno de 15%.
Segundo Pires (2001), o risco do déficit pode ser explicado por três razões
interligadas: A primeira está relacionada à longa e dessincronizada transição do modelo
estatal para o modelo privado98. A segunda se refere aos riscos regulatórios do novo
modelo, que geraram paralisia na decisão de investir da iniciativa privada99. Em terceiro,
pela ausência de articulação, tanto durante a concepção quanto na implementação das
reformas do setor elétrico, petróleo e gás natural100.
Oliveira (2001), ressalta que a Comissão designada pelo Presidente Fernando
Henrique para analisar os fatores determinantes da crise de energia elétrica, concluiu que o
problema surgiu face à falta de investimento em novas usinas necessárias para equilibrar a
oferta e a demanda de energia. Segundo o relatório elaborado por essa Comissão, as perdas
financeiras das empresas geradoras (de US$ 3 bilhões) poderiam ser investidas em cerca de
3 mil MW de energia térmica. A Comissão identificou seis tipos de problemas:
insuficiência nos investimentos; ineficácia na ação governamental; insuficiência de ação
preventiva para evitar racionamentos; ineficácia na correção de falhas de mercado; falta de
98 Diferentemente do setor de telecomunicações, em que o processo de privatização foi precedido da definição de uma lei setorial que definiu o marco regulatório de todo o setor, no setor elétrico o processo de reformas vem sendo caracterizado por envolver um período de transição bastante longo, dessincronizado e problemático no que se refere à possibilidade de manutenção do nível de investimentos nos patamares previstos pelo Plano Decenal. O novo modelo começou a ser implementado em 1993, mas em 2000, apenas 20% do setor de geração estava sendo operado pela iniciativa privada” (Pires, 2001,p.18).
99 Além das indefinições da regulação, houve a desvalorização cambial. Tanto o gás como os
equipamentos das térmicas são, em grande parte, importados, o que aumentou muito o risco dos investimentos.
100 A esse respeito consultar Pires et alli (2001, p.18-25).
105
reserva de segurança para atendimento da demanda em situação de crise e insuficiências no
programa de conservação de energia.
Basicamente, todos os pontos estão relacionados com a falta de planejamento
adequado para atuar certeiramente no mercado de energia elétrica, intervindo eficazmente
de modo a equilibrar a demanda e a oferta de energia. Ao compararmos os dados de 2000
com os de 1980, essa falta de planejamento fica clara. Enquanto o consumo cresceu 165%,
a capacidade instalada se elevou apenas 119%. À medida que o setor elétrico se abriu ao
investimento privado, ficou constatado que não havia interesse em investir/construir novas
usinas. Como coloca D´Araujo, (2001): com tantas usinas prontas para comprar, por que
investir em novas?
Sauer (2001), vê a falta de investimento do setor privado por um outro aspecto. As
empresas privadas têm a expectativa de obter lucro a curto prazo. Existe, assim, um
conflito: espera-se que as empresas invistam para ter lucro, mas do ponto de vista da
empresa ela pode aumentar o lucro produzindo menos. Quando há escassez, o preço
aumenta.
Tolmasquim (2001) e Rosa (2001) concordam que a crise se sucedeu,
principalmente, porque não houve investimento em expansão de energia elétrica. As
empresas públicas foram impedidas de investir, uma vez que seu investimento
contabilizava como déficit público; e as empresas privadas também não investiram por
razões já explicitadas acima.
No que se refere ao último ponto identificado pela Comissão, sobre as
insuficiências no programa de conservação de energia, há uma concordância geral de que a
eficiência energética é uma alternativa de peso para a crise do setor elétrico. Entretanto, o
PROCEL, programa governamental de conservação de energia, veio, desde a sua criação,
apresentando altos e baixos, como será visto no capítulo 5. Nos anos precedentes ao início
do processo de reforma do setor elétrico, este Programa vinha apresentando um
crescimento significativo, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos. Entretanto,
após o início da reforma, face, principalmente à mudanças institucionais que ocorreram no
processo, houve modificações no quadro de pessoal responsável pelo Programa, que
permaneceu lento durante esses anos. Com a crise do setor elétrico, ficou clara a
necessidade e a responsabilidade das agências governamentais em implementarem, de
imediato, as ações previstas pelo PROCEL. Assim, o programa foi se reestruturando e
retomando as ações previstas.
106
Algumas das medidas tomadas em função da crise agregam, de certa forma,
benefícios ambientais em prol do desenvolvimento sustentável. Outras, provocam
prejuízos ambientais, como, por exemplo, o estímulo à utilização do gás natural, uma vez
que as usinas térmicas movidas irão propiciar o aumento de gases de efeito estufa. De toda
forma, face o caráter emergencial dessas medidas, o meio ambiente não fez parte das
discussões para implementação das ações abaixo relacionadas:
- Incentivos tarifários para a utilização do gás natural;
- Estímulos para investimentos em Pequenas Centrais Hidrelétricas, por meio de
incentivos financeiros do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES);
- Antecipação de entrada em funcionamento de algumas usinas hidrelétricas,
como, por exemplo, a de Itá;
- Autorizações de operação de UHEs e UTEs (16 até 2003)
- Licitação de novas linhas de transmissão e subestações de modo a facilitar os
sistemas interligados.
As pequenas centrais hidrelétricas (PCH) vêm de encontro às expectativas para o
desenvolvimento sustentável, pois unem o uso de fonte de energia renovável ao pouco
impacto ambiental e social, pela pequena escala dos empreendimentos. Uma PCH pode ser
construída no período de 12 meses. No estado da Califórnia, por exemplo, a lei que rege a
privatização enfatiza fortemente a preocupação ambiental, estimulando a entrada de novas
usinas geradoras mais eficientes e de fontes limpas e renováveis. Para a construção dessas
usinas, foram estabelecidas rigorosas regras ambientais (The Economist, 2001). No Brasil,
a ênfase é tão somente na oferta de energia como falado acima.
A experiência da Califórnia reitera a importância de que o processo de liberalização
do mercado de energia elétrica deve envolver a implementação de políticas de estímulo à
oferta e demanda de energia, vinculados à regulamentação ambiental e de eficiência
energética.
No caso brasileiro, essa oferta é importante, mas não podem ser negligenciadas as
políticas de conservação e de gerenciamento da demanda, melhorando a confiabilidade e a
qualidade dos sistemas de distribuição (Pires, 2001, p.45).
3.10 A DESREGULAMENTAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO NO BRASIL E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
107
A energia é um item essencial para as necessidades básicas do país, quer seja no
âmbito industrial, comercial e residencial, o que a torna ingrediente do desenvolvimento
nacional. Quando se pensa em energia e desenvolvimento sustentável o desafio se torna
ainda maior. Os indicadores de crescimento econômico do País são facilmente apontados e
são baseados em itens perfeitamente quantificáveis, enquanto os requisitos para se avaliar
o desenvolvimento sustentável do país são de ordem qualitativa. Indicadores sociais,
econômicos, ambientais, de qualidade de vida, são utilizados para a avaliação do
desenvolvimento sustentável. O uso de fontes de energia renováveis para a geração de
energia, os índices de eficiência energética adotados, o padrão de emissões de gases de
efeito estufa, assim como a universalização do uso de energia elétrica, fazem parte dos
principais indicadores, no âmbito energético, de desenvolvimento sustentável.
No processo de reforma do setor elétrico e de privatização das empresas de energia
no Brasil, a sustentabilidade não é definitivamente a questão prioritária, no curto prazo.
Com a passar do tempo, entretanto, a competitividade entre as empresas não poderá deixar
à margem do processo as questões relacionadas a sustentabilidade ambiental.
Como já foi citado em itens anteriores, existem regulamentações que estão
modificando a matriz energética brasileira. Por um lado, o programa de implantação de
usinas termelétricas poderá influenciar os indicadores de desenvolvimento sustentável no
sentido negativo, na medida em que irá aumentar os índices de emissão de gases de efeito
estufa. Por outro lado, ações como o incentivo a fontes de energia renováveis, tais como
biomassa e PCHs, influenciam positivamente a sustentabilidade. Os programas de
eficiência energética, também, vêm em prol da sustentabilidade ambiental (Kuennen,
1998).
A dificuldade entre conciliar a privatização do setor elétrico com as premissas do
desenvolvimento sustentável no Brasil, se dá, segundo Leite (1998), pelos seguintes
fatores:
i. O horizonte de tempo no qual se fundam as decisões empresariais são mais
curtos do que o requerido pela visão de longo prazo exigida pelo processo de
desenvolvimento sustentável;
ii. O processo de conservação de energia por parte dos consumidores pode ser
retardado pelo pouco interesse das empresas privatizadas;
iii. A privatização pode estimular, no futuro imediato, o consumo de energias não
renováveis cujo retorno do investimento é mais rápido;
108
iv. O suprimento das necessidades crescentes de energia resulta, inexoravelmente,
em pressão sobre os recursos energéticos do país, envolvendo, quase sempre,
danos ao meio ambiente;
v. Há carência de pessoal habilitado e com experiência, bem como falta de
entrosamento entre as diferentes instituições que emergiram no âmbito da
reforma do setor elétrico;
vi. A falta de continuidade das funções que vinham sendo exercidas pelo poder
público.
Leite (1988) afirma ser interessante preservar e até reforçar algumas das funções da
Eletrobrás, tais como:
- A pesquisa tecnológica aplicada, coordenada pelo CEPEL. No mercado
competitivo, as concessionárias possuem pouco interesse pela participação em
projetos conjuntos.
– A continuidade das pesquisas em novas tecnologias de geração de energia, que
poderão ser importantes no longo prazo.
– Estudos sobre a conservação da energia, que provavelmente não merecerá
atenção devida por parte dos novos distribuidores.
- Os levantamentos relacionados com a viabilidade econômica de usinas
hidrelétricas da Amazônia e troncos principais de transmissão. Estes requerem
investimentos moderados, porém de longo prazo de execução. É difícil prever-
se a presença da iniciativa privada nas fases iniciais destes investimentos.
- O atendimento a pequenas localidades isoladas no Brasil não encontra solução
razoável no mercado financeiro. Requer financiamentos privilegiados e
coordenação executiva.
- O acompanhamento e a coordenação dos trabalhos relativos à compatibilização
do suprimento de energia com os requisitos da preservação do meio ambiente,
na visão de longo prazo.
Assim, a Eletrobrás, ou a ANEEL, que é responsável pela regulamentação referente
às ações ambientais vinculadas à oferta e uso de energia101, poderiam ser os agentes do
101 O Decreto 2335/97, art. 12, inciso III diz que a ação regulatória da ANEEL visará
primordialmente a “promoção do uso e da ampla oferta de energia elétrica de forma eficaz e eficiente, com foco na viabilidade técnica, econômica e ambiental das ações”.
109
governo federal responsáveis pela solução de problemas relacionados a energia elétrica e
desenvolvimento sustentável, uma vez que estes não encontram eco na economia de
mercado. Cabe ressaltar, entretanto, que não há nenhum propósito em designar-se qualquer
instituição para definir as estratégias de energia e desenvolvimento sustentável se esta não
possuir força legal e competência técnica e gerencial.
∗ ∗ ∗
Este capítulo abordou a reforma do setor elétrico em nível nacional e internacional,
a privatização do setor elétrico e suas particularidades no caso brasileiro. Também foram
analisadas as experiências regulatórias em nível internacional e no Brasil. No que se refere
às questões ambientais e de eficiência energética, foram vistas a inserção e a
sistematização das questões ambientais na política do setor elétrico, bem como as
conseqüências da desregulamentação do setor elétrico para a questão ambiental e para a
eficiência energética. Foi abordada ainda, a crise de energia de 2001, razões e
conseqüências. No próximo capítulo, iremos introduzir as experiências de eficiência
energética em nível internacional.
110
4. EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS EM EFICIÊNCIA
ENERGÉTICA
4.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
A experiência brasileira em eficiência energética provem, em sua maior parte, das
experiências internacionais que serão aqui relatadas.
Embora quase todos os países desenvolvidos já possuam experiências relevantes
em ações/programas de eficiência energética, para efeito desta tese foram eleitos quatro
países-caso cujas experiências serviram de subsídios ao programa brasileiro: Reino Unido,
França, Canadá e Estados Unidos.
Nas quatro experiências a seguir expostas, assim como na maioria dos países102,
foram criadas instituições para tratar de eficiência energética com a meta primordial de
diminuir as emissões de gases de efeito estufa. Essas instituições são, no caso da França,
Reino Unido e Canadá, agências governamentais vinculadas ao setor ambiental.
No caso do EUA, a agência é subordinada ao Departamento de Energia.
Entretanto, os programas de eficiência energética mais atuantes em nível federal e
estadual, como o Energy Star, são vinculados à Agência de Meio Ambiente /Environment
Protection Agency (EPA).
Para a maioria dos países estudados, a criação de uma agência específica para
tratar das questões de eficiência energética permite estabelecer as ações devidas com
maior propriedade, sem muitos enfrentamentos de ordem política e/ou econômica.
Longe de serem instituições obsoletas, as agências de eficiência
energética da União Européia são altamente reconhecidas como
instrumentos necessários para executar as políticas de eficiência
energética (WEC, 2001, p.55).
Nesse sentido, o Programa Europeu de Mudanças Climáticas, implementado em
julho de 2001, apresentou uma proposta de instituir uma agência da União Européia para
implantar os programas dos países que fazem parte da mesma.
102 Dos 15 países da União Européia, por exemplo, 12 possuem agências de eficiência energética.
Nos países do leste europeu, foram criadas sete agências nacionais de eficiência energética (Tchecoslováquia, Hungria, Polônia, Slovênia, Bulgária, Lituânia e Romênia), segundo dados de 2003.
111
De maneira geral, a criação das agências específicas de eficiência energética visa:
a. promover assessoria técnica para os governos e para a população, uma vez que
as instituições existentes, de um modo geral, já possuem atribuições suficientes
e não tratariam das questões com o mesmo nível de profundidade que uma
agência específica;
b. promover a eficiência energética, fazendo uma espécie de “lobby”,
especialmente após a privatização das empresas de energia em diversos países,
que nem sempre desejam diminuir a sua margem de lucro;
c. atuar na coordenação das atividades em eficiência energética, de modo a evitar
duplicação de ações entre vários ministérios e/ou outros órgãos vinculados ao
assunto;
d. atuar como instância de mediação e coordenação nas negociações e acordos
entre os vários atores envolvidos na questão (empresas, consumidores,
fabricantes de equipamentos, entre outros), em prol da melhoria da eficiência
energética;
e. ser o agente responsável pela contrapartida nacional em casos de acordos
internacionais;
f. coordenar a elaboração de planos e legislação de eficiência energética.
De todo modo, o estabelecimento de agências de eficiência energética e a relação
destas com a implementação de medidas e o aumento da eficiência energética, também vai
depender do grau de prioridade que cada governo e a sociedade de um modo geral
estabelecem com o tema. Nos países desenvolvidos, por exemplo, a quantidade de
organizações não governamentais que vem trabalhando com essa questão é infinitamente
maior do que nos outros países, o que demonstra a integração e a priorização dada ao tema
por toda a sociedade.
A criação de programas e legislação de eficiência energética vem crescendo
sobremaneira em todos os países. Na maioria dos casos, este crescimento está vinculado
ao comprometimento com a redução de gases de efeito estufa. Nos quadros 4 e 5 abaixo,
encontram-se alguns dos países que já possuem instituições, assim como programas de
eficiência energética.
A maioria dos países possui uma agência nacional e agências regionais/estaduais.
Muitos países possuem, ainda, agências locais, como é o caso da maioria dos países da
União Européia. A descentralização permite uma maior proximidade com as
112
especificidades e a população regional/local, facilitando, portanto, direcionar as ações
necessárias para o estabelecimento da eficiência energética, em um menor prazo, e, em
grande medida, mais acertadamente.
Quadro 4 - Instituições de eficiência energética internacionais (países selecionados/2003)
Agências Nacionais Agências
Regionais/estaduais
Agências Locais
Áustria (EVA) 13 2
Canadá (OEE) * -
Dinamarca (DEA) - -
França (ADEME) 28 -
Finlândia (MOTIVA) 10 -
Alemanha (DenA) 12 *
Reino Unido (EST) * *
Irlanda (IEC) - 11
Itália (ENEA) 3 29
Estados Unidos (EREE) * -
México (CONAE) - -
Índia (EMC) * -
Holanda (NOVEM) * -
Portugal (AGEN) 7 5
Espanha (IDEA) 11 7
Suécia (STEM) 9 -
Austrália (APERC) * -
Noruega (IFE) * *
Polônia (KAPE) * -
Russia (CENEf) * -
Bulgaria (SEEA) - -
Chile (National Energy Commission)
- -
113
Turquia (NEEC) - -
Nova Zelândia (EECA) - - Fonte: WEC, (2001)
* países que possuem agências, sem informar a quantidade.
Quadro 5 - Programas internacionais de eficiência energética/mudanças climáticas (países selecionados)
País Programas de eficiência energética
Áustria Estratégia Nacional de Mudanças Climáticas 2000-08/12 (-15,5 Mt CO2)
Bélgica Programa Nacional de Mudanças Climáticas
Dinamarca Lei de promoção de economia de energia (março 2000); redução de emissões de CO2 em 21% em 2008/2012 comparativamente a 1990.
Finlândia Estratégia Nacional Climática
França Programa Nacional Contra Mudanças Climáticas (redução de 16 Mt C em 2008/2012 comparativamente a 1990).
Alemanha Acordo nacional para redução das emissões de CO2 em 25% em 2005
Itália Lei nº 10 de 1991 – Plano Nacional de Energia para Eficiência Energética, Economia de Energia e Desenvolvimento Renovável.
Irlanda Estratégia Nacional de Mudanças Climáticas 2000-redução de emissões até 15,4 Mt CO2 até 2010.
Holanda Aumento de eficiência energética em 33% (1,5% ao ano) entre 1995-2020; Programa de Ação em Conservação de energia 1999-2002; aumento de eficiência energética de 1,6 a 2% ao ano; Plano de Implementação de Política Climática: redução de emissões de CO2 em 6% (50 Mt).
Suécia Plano de Comitê Parlamentar de Mudança Climática visando a redução de 2% de gases de efeito estufa.
Reino Unido
Programa governamental de mudanças climáticas visando a redução de 20% das emissões de CO2 até 2010, comparativamente a 1990.
Canadá Programa de Eficiência Energética e de energias alternativas
EUA Plano 2000-2010 de Eficiência energética e energias renováveis
Índia Lei de conservação de energia (em preparação) Fonte: WEC, (2001)
Como vimos no quadro 5, a maioria dos programas de eficiência energética são
vinculados a programas de mudanças climáticas visando a redução de gases de efeito
114
estufa, o que, de certa forma, é a tendência global nos países desenvolvidos que têm as
mudanças climáticas como principal problema ambiental.
4.1.1 Organizações não governamentais
As ONGs de eficiência energética vêm atuando vinculadamente às questões
ambientais desde a década de 1980, no sentido de prover informações à sociedade civil de
uma forma geral, como prestando assessoria aos governos estaduais e federal no âmbito da
eficiência energética, da sustentabilidade ambiental e na questão das mudanças climáticas.
Isso ocorre por meio de relatórios técnicos, estudos, workshops, entre outros. As ONGs,
de uma maneira geral, atuam em nível local, regional, nacional, ou por meio da
participação em redes globais, tais como a International Network Sustainable Energy
(INFORSE); e Protecting the World´s Climate. Também realizam parcerias com a
iniciativa privada, universidades, centros e laboratórios de pesquisa, além de instituições
governamentais em todas as esferas de poder. O papel das ONGs nos países estudados tem
sido significativo para a implementação de propostas de políticas públicas, da
disseminação da eficiência energética e da proteção dos recursos naturais nos diversos
setores e atividades econômicas.
A seguir será feita uma abordagem dos programas e das principais ações em
eficiência energética que vêm sendo realizados nos países selecionados para esta tese
(França, Reino Unido, Canadá e EUA).
4.2 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NA FRANÇA
A Agência de Meio Ambiente e da Matriz Energética (ADEME), criada em 1992,
é um órgão governamental que responde conjuntamente aos Ministérios da Gestão do
Território e do Meio Ambiente e ao Ministério da Economia, das Finanças e da Indústria.
A Agência objetiva a elaboração de programas de eficiência energética e de redução do
consumo específico de matérias primas. A ADEME possui 28 agências regionais.
Visando abranger todos os aspectos concernentes à eficiência energética, a
ADEME trabalha com mais de 250 indicadores que são monitorados todos os anos. Tais
indicadores são usados para direcionar as políticas públicas de energia e meio ambiente
(OECD, 2000).
115
A Agência contava com um orçamento operacional de cerca de 300 milhões de
francos (US$ 267 milhões) ao ano até o ano de 2000. A partir de 2001, o orçamento da
ADEME passou a ser de 400 milhões de Euros.
A receita da ADEME provém de 3 fontes principais:
- Dotações orçamentárias do Governo;
- Receita de 4 taxas coletadas e administradas pela ADEME: Taxa Municipal sobre
resíduos sólidos, taxa sobre a poluição atmosférica, taxa sobre a poluição sonora
causada por aviões e taxa sobre o descarte de óleos.
- Fundos oriundos de serviços prestados no exterior e vendas de suas publicações.
A ADEME possui três linhas de atuação prioritárias, nas quais se baseia a maioria
dos seus programas/projetos e que vêm de encontro à busca do desenvolvimento
sustentável naquele país: desenvolvimento de uma economia de dejetos, visando a
melhoria ambiental; construção de uma matriz energética de base sustentável; melhoria da
performance do setor de transportes com respeito à redução da poluição atmosférica
causada por estes.
Além destas três linhas prioritárias, destaca-se ainda a preocupação com a
promoção de energias renováveis, tratamentos para a poluição dos solos, a promoção de
tecnologias mais limpas, entre outros.
A ADEME possui ações em nível nacional, ações européias e ações internacionais.
No âmbito da União Européia, a ADEME coordena o projeto Odyssee, em
operação desde 1992 e que visa estabelecer indicadores de eficiência energética para os
vários setores da economia, com intuito de monitorar os progressos realizados tanto em
relação ao aumento de eficiência energética, quanto à redução de emissões de gases de
efeito estufa103.
Além das ações específicas na União Européia - onde a agência também é o ponto
de contato do programa “energia, meio ambiente e desenvolvimento sustentável” - a
ADEME desenvolve projetos com países da Europa Central e do Leste Europeu, Países
Mediterrâneos, da África e do Sudeste Asiático. As ações da ADEME em nível
103 Nesse sentido, foi realizado um documento denominado "Cross country comparison on energy
efficiency indicators" o qual produziu uma série de indicadores setoriais em uma base estatística comparativa para a União Européia, juntamente com a Bulgária e a Hungria.
116
internacional concentram-se na utilização racional de energia, na eletrificação rural
descentralizada e ações no meio ambiente urbano e industrial.
4.2.1 Legislação
Em 1996, a França implementou legislação específica para as ações vinculadas à
eficiência energética (Lei nº 96-1236 de 30 de dezembro de 1996). Em janeiro de 2000 foi
implementado um Programa Nacional visando a diminuição das mudanças climáticas
(Programme National de Lutte Contre le Changement Climatique). Este Programa
instituiu medidas técnicas e fiscais envolvendo todos os setores que vinham causando
impactos no curto e no médio prazo e ampliou a atuação da ADEME. Em dezembro de
2000, foi implementado o Programa Nacional de Melhoria da Eficiência Energética
(PNAEE). O Programa visa uma maior divulgação e conscientização das ações de
eficiência energética. Para tal implantou Centros de Informação em Energia Eficiente, cujo
número de unidades instaladas já atingiu 150 no final do ano de 2002, além de disseminar
uma campanha publicitária nos meios de comunicação.
4.2.2 Os programas da ADEME
Os programas de eficiência energética da ADEME são, concomitantemente,
programas de gestão ambiental.
a. Redução do consumo energético nas comunidades, que visa:
- Treinamento de gerentes de edificações - fornecimento de ferramentas (softwares,
etc) que ajudam no monitoramento do consumo energético.
- Alta qualidade ambiental - desenvolve uma cultura de melhoria da qualidade
ambiental junto a proprietários de prédios e as comunidades em geral.
- Energia renovável e desenvolvimento local - a agência financia a melhoria dos
sistemas de aquecimento por meio de energias renováveis, estimulando
autoridades regionais a participarem do programa.
b. Melhoria da qualidade do ar nas cidades, visando:
117
- O aumento do monitoramento da qualidade do ar e dos poluentes.
- Estímulo à compra de frotas e veículos mais eficientes.
- Ferramentas para desenvolvimento de planos de transporte eficientes.
c. Gestão ambiental nos centros urbanos visa,
- Ecodesenvolvimento para um melhor meio ambiente
- Novas ferramentas derivadas do Plano Ambiente-Empresa
d. Otimização da gestão de resíduos, por meio de:
- Um mecanismo de apoio – inclui programas para pesquisa e comunicação, além
de recursos para estudos preliminares.
- Criação de um monitor de custos – criação de um mecanismo de controle de
custos/ desperdícios vinculados, principalmente, com a logística.
- Desenvolvimento de bioconversores e qualidade da compostagem – enfatiza os
índices de compostagem e a disseminação de protocolos de qualidade para todos
envolvidos em quaisquer atividades vinculadas à reciclagem de resíduos.
e. Principais programas setoriais :
O Setor residencial/comercial conta com medidas para eficiência
energética em novas e antigas residências/comércios.
- A substituição de vidros simples por duplos propiciou uma economia de 5
a 10% na necessidade de aquecimento nas novas residências. No setor comercial, a
regulamentação visando a eficiência térmica proporcionou a diminuição em 25%
do consumo.
- Elaboração de manuais de eficiência energética para prédios
Visando estimular os profissionais a planejar prédios mais eficientes, a
ADEME elaborou, juntamente com a Associação de Engenheiros de Refrigeração,
118
guias para hotéis, escritórios, hospitais, escolas, comércio, bibliotecas, indústria e
setor agropecuário. Esses guias e a regulamentação para as novas edificações
trouxeram para estes setores uma economia de consumo de energia de 25%.
No que se refere às antigas residências e comércios (construídos
anteriormente a 1975), a maior economia de energia que vem sendo realizada diz
respeito ao aquecimento, que vem sendo reduzido em média 10%.
- Diagnósticos energéticos
A ADEME passou a realizar, a partir de 1999, diagnósticos energéticos
subsidiados em 50% do custo real e ainda pré-diagnósticos que visam orientar as
comunidades a diminuir o consumo de energia.
- Edificações e desenvolvimento urbano
Os programas da ADEME nessa área se concentram na eficiência
energética e na qualidade ambiental nas edificações, no planejamento urbano e a
infra-estrutura, e no gerenciamento municipal de lixo urbano.
O Setor industrial, conta com oito projetos:
- Gerenciamento ambiental e de energia em plantas industriais;
- Desenvolvimento de tecnologias de eficiência energética e tecnologias
ecológicas;
- Processamento de lixo industrial e armazenamento de água residual;
- Processamento de resíduos sólidos;
- Gerenciamento do lixo industrial, em geral;
- Recuperação de zonas contaminadas;
- Desenvolvimento de segmentos industriais;
- Redução da poluição atmosférica.
O Setor de Transportes é centralizado em um Programa:
O Programa Nacional de Pesquisa e de Inovação nos Transportes Terrestres
(PREDIT), foi lançado em 1996, com programação para o período 1996/2000 e
119
2002/2006. É uma iniciativa da ADEME juntamente e os Ministérios da Pesquisa,
dos Transportes e do Meio Ambiente e da Indústria.
O PREDIT 2002/2006 foi lançado em março de 2002 e possui 11 grupos
operacionais que trabalham com questões relacionadas aos transportes e ao
desenvolvimento sustentável104 (www.predit.prd.fr).
f. Outros programas:
- Etiquetagem e marketing
A ADEME emite selos de eficiência energética para a maioria dos
eletrodomésticos, em especial refrigeradores, freezers, lavadoras e secadoras de
roupa e lavadoras de pratos. A ADEME atua em conjunto com a Életricité de
France (EDF), empresa estatal de energia, para promover campanhas sobre esses
produtos.
- Agricultura e bioenergia tratam das:
- Tecnologias de produção de alimentos com elevada eficiência energética e
baixos impactos ambientais negativos;
- Agricultura, indústrias alimentícias e reciclagem de lixo;
- Tratamento das emissões para a atmosfera causadas pela agricultura;
- Biomateriais e biomoléculas;
- Desenvolvimento de biocombustíveis sólidos e líquidos.
Fontes renováveis de energia visa o:
- Desenvolvimento de sistemas de aquecimento e resfriamento solares;
- Energia geotérmica e armazenamento subterrâneo;
- Produção de eletricidade a partir de fontes renováveis de energia;
104 Mobilidade e desenvolvimento sustentável; serviços móveis; novos conhecimentos para a
segurança; tecnologias para uma segurança “natural”; logística e transporte de mercadorias; tecnologias para o transporte de mercadorias; impactos energéticos e ambientais; veículos econômicos; integração de sistemas de informação; veículos e infraestruturas, desenvolvimento integrado, política de transportes.
120
Programas Interdisciplinares envolvem vários setores econômicos e vários
tipos de ação:
- Desenvolvimento e promoção de produtos verdes;
- Gerenciamento pelo lado da demanda e co-geração;
- Controle da poluição sonora;
- Cité Ville (programa em parceria com cidades de médio porte);
- Consideração de critérios ambientais nas decisões: avaliações de impacto
ambiental e energético objetivas para dar suporte a decisões de órgãos
governamentais, empresas e associações; desenvolvimento de ferramentas de
análise de ciclo de vida e pesquisa de toxidade ambiental.
4.2.3 Instrumentos econômicos
A França implementou alguns incentivos fiscais/financeiros para a melhoria da
eficiência energética em prédios residenciais/comerciais já existentes. Algumas taxas,
como as apontadas nos itens a e b abaixo, embora sejam tributações ambientais,
contribuem indiretamente para a eficiência energética, pois parte do dinheiro arrecadado é
redistribuído pela ADEME para programas de eficiência energética.
Incentivos fiscais
a. Taxa Municipal sobre resíduos sólidos; taxa sobre a poluição atmosférica; taxa
sobre a poluição sonora causada por aviões; taxa sobre o descarte de óleos. Essas
taxas são coletadas e administradas pela ADEME.
b. A TGAP (imposto sobre atividades poluidoras) está sendo aplicada em incentivos a
negócios do setor terciário;
c. Redução do percentual do imposto VAT que incide na venda de aquecedores
movidos a novas fontes de energia ou a fontes de energia renováveis, bem como de
produtos altamente eficientes;
d. Redução de impostos - redução no imposto de renda para investimentos em
isolamento térmico, melhorias nas instalações de aparelhos de aquecimento;
substituição de boilers ou instalação de fornos de madeira;
121
Incentivos financeiros
a. Incentivos financeiros para aquecedores de água residenciais eficientes em prédios;
b. Financiamento de diagnósticos energéticos – a partir de 1999 a ADEME passou a
financiar 50% do custo de diagnósticos energéticos nos setores residencial e
comercial;
c. Setor industrial: Desde 1983 a ADEME provê apoio financeiro de 50% do custo
para as indústrias que realizam diagnósticos/auditorias energéticas. Subsidiam,
ainda, estudos de eficiência na iluminação. Segundo a ADEME, praticamente todos
os investimentos retornam em menos de três anos.
d. Ainda na área industrial, existem fundos provenientes da SOFERGIE (grupo de
empresas que financiam investimentos em economia de energia), FOGIME (fundo
que garante investimentos em gerenciamento energético e ambiental) e FIDEME
(fundos de investimentos em eficiência energética)105.
e. A ADEME e a EDF, concessionária de energia elétrica francesa, assinaram um
acordo conjunto investindo em 19 programas pilotos regionais e três nacionais em
gerenciamento pelo lado da demanda. O investimento foi realizado em aparelhos e
produtos energeticamente eficientes, na compra de lâmpadas eficientes e em
auditorias de eficiência energética nos setores industrial, iluminação pública e
motores industriais eficientes.
f. No setor de transportes, é pago um bônus correspondente a 5000 francos para a
retirada de carros com mais de 10 anos de idade. A partir de 1996, o bônus passou
a ser dado para veículos com idade acima de oito anos.
g. Os prédios do setor terciário são dotados de incentivos específicos.
• • • • • • •
Cabe ressaltar que os programas de eficiência energética da ADEME são bem
abrangentes e compreendem uma quantidade significativa de ações envolvendo questões
ambientais que vão muito além de uma simples estratégia para tratar das questões
energéticas associadas ao aquecimento global.
105 Estava previsto para 2003 a compra de partes de empresas em expansão, fazendo com que o
capital aumente. Esses recursos serão geridos pela ADEME, pelo AMRO BANK e por um Banco Público Francês. A taxa de empréstimo será menor do que a taxa de risco de mercado.
122
4.3 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NO REINO UNIDO
No Reino Unido, como na maioria dos países desenvolvidos, os programas de
eficiência energética fazem parte de uma estratégia para tratar das questões energéticas
associadas ao aquecimento global106 .
O Energy Saving Trust (EST) foi criado em 1992 e é a instituição governamental
responsável pelas questões relacionadas à eficiência energética. É vinculado ao
Departament of Environment, Transports and Regions (DETR) e ao ao Department of
Environment, Food and Rural Affairs (DEFRA) do Governo Britânico. O EST possui
como objetivo principal a diminuição das emissões de dióxido de carbono no Reino Unido,
mediante as seguintes ações, entre outras:
- Aumentar o nível de conscientização da população com relação às vantagens da
eficiência energética;
- Assegurar que os mercados de energia trabalhem de acordo com o interesse dos
consumidores, fornecendo equipamentos e serviços energeticamente eficientes e
que sejam comercialmente sustentáveis no longo prazo;
- Desenvolver, gerenciar e avaliar o programa Electricity Standards of
Performance (SoP), voltado para direcionar as empresas concessionárias
britânicas a fornecerem eletricidade eficiente, a custos razoáveis.
- Criar um mercado para veículos de combustíveis limpos;
- Possibilitar aos consumidores de energia o recebimento de energia elétrica
proveniente de fontes de energia renováveis.
As fontes de financiamento dos Programas do EST provêm, principalmente, do
DETR (cerca de US$30,5 milhões biênio 98/99 e 14 milhões de libras para o ano de 2000)
e do Programa Eletricity Standards of Performance. Esse programa cobra 1,20 libra
compulsória ao ano, por consumidor residencial de gás e de energia elétrica, gerando cerca
106 A maioria dos países europeus tem por meta a redução de 8% (até 2008 a 2012) abaixo dos níveis
de emissão de gases em 1990.
123
de 50 a 100 milhões de libras107 anualmente. No período 1996-2002, a arrecadação
prevista dos SoPs 1, 2 e 3 foi de, aproximadamente, 500 milhões de libras. As medidas
implementadas em eficiência energética neste período, permitiriam, assim, a diminuição
de 10 milhões de toneladas de CO2 a partir das medidas implementadas com o dinheiro
investido em eficiência energética (EST, 2000).
O EST é uma agência governamental financiada por um órgão de meio ambiente,
com parcerias de empresas do setor de energia. Assim, cada programa citado abaixo,
consegue alavancar uma grande soma de investimentos do setor privado. Além deste, tais
programas envolvem associações de moradores, fabricantes, concessionárias de energia
etc. A aliança entre esses atores proporciona o fortalecimento e o comprometimento com
ações de eficiência energética. Assim, no ano de 1998, por exemplo, o EST levantou 100
milhões de libras externamente ao Departamento ao qual se subordina.
4.3.1 Legislação/Regulamentação
Legislação
Home Energy Conservation Act – 1996
Visa aumentar a eficiência energética no setor residencial, atingindo uma
redução de 30% do consumo energético em um período de 10 a 15 anos.
Warm Homes And Energy Conservation Act – 2001
O Reino Unido se destaca como um dos países que mais vincula a questão da
eficiência energética às questões ambientais. Em nível institucional, enquanto as
políticas de eficiência energética e ambiental são subordinadas ao DEFRA, todas
as outras questões vinculadas à política energética, tais como oferta de energia e
energias renováveis ficam subordinadas ao Departmento da Indústria e do
Comércio (DTI).
107 A relação entre dólar e libra era de US$ 1,67 para cada libra em maio de 2003
(www.br.invertia.com)
124
Regulamentação
Programa de Etiquetagem - Visa estimular a compra e a produção de
equipamentos mais energeticamente eficientes. O selo de eficiência energética é
obrigatório para todos os equipamentos elétricos, tais como máquinas de lavar e
secar, de refrigeração, entre outros, desde 1995. Este selo associa letras e cores a
maiores ou menores graus de eficiência energética (de A a G), permitindo o
consumidor comparar as alternativas possíveis.
Índices de eficiência energética (energy efficiency standards) - o programa tem por
objetivo implementar um padrão mínimo de eficiência energética, restringindo a
venda de equipamentos de refrigeração ineficientes, desde setembro de 1999.
4.3.2 Principais programas de eficiência energética e meio ambiente
Action Energy/Carbon Trust
Além do EST, o Reino Unido conta com o ActionEnergy, que é uma
versão renovada no ano de 2001 do “Energy Efficiency Best Practice
Programme” (EEBPP), programa lançado em 1989. O EEBPP evitou gastos
equivalentes a 650 milhões de libras ao ano no país (www.energy-
efficiency.gov.uk/). Assim como o EEBPP, o ActionEnergy é um programa
governamental de informação, assessoria e pesquisa, ajuda prática e ajuda
financeira – inclusive para P&D - para organizações privadas e o setor público
(incluem-se empresas de transporte, de serviços, do setor público e outras que
trabalham com o setor habitacional), no sentido de iniciarem ações em eficiência
energética.
O Programa é gerenciado e financiado por um órgão governamental, mas
incorpora representantes de setores-chave da economia, tais como associações da
indústria e do setor habitacional, entre outros. De acordo com a avaliação realizada
anualmente pelo próprio Programa, este promove uma economia de 500 milhões de
libras por ano, ou o equivalente a 3 milhões de toneladas de Carbono – MtC, ou
ainda a 2% das emissões anuais do Reino Unido.
125
O Carbon Trust é o braço do Action Energy que trata das questões
relacionadas a mudanças climáticas/diminuição das emissões de carbono
(www.thecarbontrust.co.uk). Entre as metas estipuladas pelo Carbon Trust,
destacam-se a economia de 700GWh por ano em energia e a diminuição de 50ktC
por ano em dióxido de carbono.
b. Climate Change Programme
Em 2000 foi criado o Climate Change Programme que introduz um pacote
de medidas políticas e econômicas para todos os setores e atividades, visando
atingir a meta estipulada no Protocolo de Kioto. Segundo este, o Reino Unido tem
por meta diminuir em 12,5% as emissões de CO2 abaixo dos níveis de 1990 no ano
de 2010.
As principais ações do Programa são: (www.defra.gov.uk)
- Melhorar a eficiência energética no setor de negócios, estimular
investimentos e diminuir custos;
- Estimular novas e mais eficientes fontes de energia;
- Cortar as emissões do setor de transporte;
- Promover melhor eficiência energética no setor residencial;
- Melhorar a regulamentação em eficiência energética para as edificações;
- Continuar a reduzir as emissões do setor agrícola;
- Garantir que o setor público tenha um papel exemplar em eficiência
energética nos prédios públicos, hospitais e escolas.
c. Transport Energy
Desenvolve soluções inovativas, programas e informações para redução dos
efeitos negativos do transporte no meio ambiente, promovendo um transporte
sustentável. Engloba os subprogramas Transport Energy Powershift e Transport
Clean Up.
O Transport Energy PowerShift foi lançado em 1996 com o objetivo de
dar o primeiro passo no mercado de veículos movidos a combustíveis
limpos (Clean fuel vehicles - CFVs) no Reino Unido. O subprograma
promove CFVs e oferece apoio financeiro para auxiliar na compra dos
126
veículos que são, comprovadamente, menores emissores de gases de
efeito estufa. Entre estes, encontram-se os veículos movidos a gás
natural, GLP e elétricos, incluindo híbridos.
O programa possui um orçamento de 30 milhões de libras para o
período 2001-2004.
O Transport Energy CleanUp objetiva melhorar a qualidade do ar, por
meio de equipamentos de redução de poluição nos veículos. Este
programa é implementado em nove áreas mais poluídas do país. O
orçamento para o primeiro ano foi de seis milhões de libras e mais 30
milhões de libras para o período 2001-2004.
d. Programa PlanetYork Climate Challenge
Pretende fazer de York uma cidade sustentável que sirva de modelo para as
outras cidades da Grã Bretanha e do mundo, por meio da diminuição da emissão de
gases no setor transportes, além de diminuir o uso e o desperdício da energia nos
setores residencial e comercial.
e.Future Energy
É um programa que visa aumentar a confiabilidade dos consumidores de
energia renovável, por meio de auditorias realizadas na produção/produtores de
energia renovável. Dessa forma, o programa visa tanto trazer confiança para os
consumidores, aumentando a demanda por esta forma de energia, quanto estimular
os produtores a gerar energia por fontes renováveis.
f. Subsídios para energia solar
Este programa visa apoiar iniciativas que envolvam energia solar. O
Departamento de Comércio e Indústria está implementando um programa
demonstrativo de energia fotovoltaica. Na primeira fase do programa foram
investidos vinte milhões de libras.
127
Uma das principais iniciativas do programa é o subsídio à instalação de
equipamentos de energia solar nos setores residencial, comercial e em instituições
sociais.
Existem três tipos de subsídios:
- Residenciais: para pequenos e médios empresários e para projetos de
edificações de pequeno porte, tais como escolas e grupos comunitários.
Estes projetos podem receber um percentual fixo de até 50% do valor do
subsídio fixado para projetos do porte de 0.5kWp - 5kWp.
- Para projetos de grande porte é possível receber até 65% do valor do
subsídio fixado para investimentos em projetos de energia solar de
pequeno e médio porte de 5kWp a 100 kWp.
- Para instituições comerciais: é possível receber até 40% do valor do
subsídio fixado para investimentos em projetos de larga escala (entre
5kWp to 100 kWp).
g. Programa Community Energy
O Programa oferece financiamento, informações e apoio a autoridades
locais, pessoas físicas registradas como proprietários de instituições sociais,
Universidades, Hospitais e outras organizações de serviço público para a reforma
das instalações existentes e implantação de novos esquemas de aquecimento em
instalações comunitárias.
O Programa destinou 50 milhões de libras para subsidiar pessoas/projetos
no período de 2002/2003.
h. Best Practice Sustainable Energy in Housing
O programa possui um fundo para incentivar práticas eficientes em
residências. Pretende realizar uma mudança cultural entre os profissionais da
indústria da construção, tais como engenheiros, arquitetos, construtores, fabricantes
de máquinas e equipamentos, entre outros, de modo a reduzir o CO2 produzido
pelo uso da energia no setor residencial. Para tal, o programa conta com um fundo
de um milhão de libras ao ano.
128
O programa visa:
- fornecer assessoria, informação técnica e treinamento para profissionais em
ações em eficiência energética;
- demonstrar e promover as ações e novas tecnologias que possam causar um
impacto positivo para a diminuição do carbono no setor residencial e
- ser a instituição/autoridade responsável na fonte de informações técnicas e
assessoria no uso de energia no setor residencial.
Outros programas/projetos/instrumentos complementares:
i. Assessoria e informação em eficiência energética
- Centro de Consultoria de Projetos (Design Advice Centre) - Oferece assessoria
profissional no sentido da implementação de projetos energeticamente eficientes
e ambientalmente corretos para prédios novos e antigos.
- Serviço telefônico/internet de Energia e Meio Ambiente108 - Serviço grátis de
informação e assessoria ao consumidor de energia. Faz parte do Programa
Melhores Práticas Tecnológicas para o meio ambiente109.
- Programa de eficiência energética nas escolas - Formação de alunos e
informação à comunidade, além de premiação do bom gerenciamento da energia
nas escolas.
- Marketing da Eficiência energética – programa nacional de longo prazo
denominado de eficiência energética é apoiado por distribuidores, produtores,
instaladores, comerciantes e consumidores;
- Consultoria - Os Energy Efficiency Advice Centers (EEAC) assessoram
consumidores domésticos e pequenos empresários quanto as possibilidades de
implementarem ações de eficiência energética. Existem cerca de 75 EEACs no
108 “Environment and Energy Helpline Service”.
129
Reino Unido(2003). Cerca de 500.000 pessoas já contataram os EEACs até
2002. Em média, estas pessoas economizaram 57 libras ao ano em suas contas
de energia, o que corresponde a 745 kg de emissões de CO2 a menos para cada
uma.
- Treinamento e educação - Programa de eficiência energética nas escolas -
Formação de alunos e informações para a comunidade sobre o tema, além de
premiar o bom gerenciamento da energia nas escolas.
j. Desenvolvimento tecnológico e do mercado de eficiência energética
- Controles de aquecimento: trabalho junto a fabricantes de equipamentos de
controle de aquecimento, associações comerciais, instaladores e EEACs visando
o aumento do mercado.
- Iluminação com alta freqüência: o programa Lightswitch objetiva incentivar
construtores e instaladores a usarem novas tecnologias de iluminação utilizando
alta freqüência o que prevê uma diminuição de 30% do consumo de energia
elétrica nesse segmento.
- Desenvolvimento de Energy Service Companhies (ESCOs): Estimula, o
desenvolvimento de ESCO’s inovadoras por meio de premiação.
4.3.3 Instrumentos econômicos:
Incentivos fiscais
a. O Reino Unido instituiu, em abril de 2001, um imposto sobre as mudanças
climáticas110. Esse tributo incide sobre os usuários de energia dos setores
comercial e industrial e setor público e é pago via contas de energia. Todos os
109 Environmental Technology Best Practice Programme é parte do Energy Efficiency Best Practice
Programme. 110 Climate Change Levy (CCL) (http://defra.gov.uk).
130
usuários pagam o imposto, excetuando os órgãos públicos e as microempresas.
A quantia paga é de 0,43 centavos de libra/kwh para a eletricidade, 0,15
centavos de libra/KWh para o gás, 1,77 centavos de libra/Kg de carvão
(equivalente a 0,15 centavos de libra/KWh e 0,96p/Kg para GLP (equivalente
a 0,07 centavos de libra p/KWH).
A introdução do imposto visa possibilitar a melhoria no meio ambiente face
(www.iea.org; WEC, 2001b):
- o aumento de arrecadação - Espera-se arrecadar 1 bilhão de libras a cada ano,
e serão utilizados em 100% para a implementação de instrumentos de
eficiência energética;
- à isenção de imposto para o uso de “novas” fontes de energia renováveis,
tais como solar e eólica;
- a diminuição de, no mínimo, 2,5 milhões de toneladas de carbono até 2010.
b. O Programa Energy Efficiency Standards of Performance (EESoP)111 cobra
dos usuários das 14 concessionárias de energia pública (Public Electricity
Suppliers ( PES) a quantia de £1,20 por ano, o que gera cerca de 40 milhões ao
ano (Aneel, 1999). Esse valor é direcionado a projetos de melhoria de
eficiência energética coordenado pelo EST. O Programa foi instituído em
1994. No triênio 2002-2005 o SoP passa a chamar-se Energy Efficiency
Commitment (EEC) - ex-SoP-4 (www.defra.gov.uk). O EEC é coordenado
pelo Department of Environment, Food and Rural Affairs (DEFRA) e
administrado pelo Office of the Gas and Electricity Markets (OFGEM). O
EEC requisita que as empresas de gás e de eletricidade melhorem a eficiência
energética dos consumidores residenciais, por meio da instalação de medidas
energeticamente eficientes.
Segundo estudos realizados pelo EST, para efetuar-se uma redução de 20% no
nível de emissão de CO2, será necessário aumentar a contribuição de cada
usuário para até 10 libras por ano, aumentando a verba destinada às ações de
eficiência energética. O incremento nessas ações permitiria gerar um retorno
111 No Programa Electricity Standards of Performance, as empresas concessionárias de energia
elétrica selecionam projetos de eficiência energética para consumidores residenciais e pequenos empreendimentos. O EST tem o papel de negociar as metas de economia da energia de cada empresa, avaliar
131
do investimento de até 100 libras por ano para cada usuário, nas contas de
energia.
c. Taxa sobre combustíveis112 - Desde 1993, a taxa sobre combustível vem
aumentando, em média, 7,4% ao ano (em termos reais), 6,75% para gasolina
sem chumbo, 7,75% para gasolina com chumbo e 8,25% para diesel.
d. Abatimento na taxação113 - redução da taxação /montante dos impostos para o
setor de negócios visando a compra de equipamentos e/ou máquinas eficientes
(www.eca.gov.uk).
Incentivos financeiros
a. Aquecedores de água residenciais eficientes114: o programa oferece incentivos
de £200 para os consumidores utilizarem aquecedores eficientes e £80 para o
serviço de instalação dos equipamentos;
b. Home Energy Conservation Act (HECAction): o programa criou um clima de
competição entre as prefeituras, envolvendo prêmios, visando o atendimento
com relação à Lei de Conservação de Energia no Lar.
Cabe ressaltar que esse programa é regido por uma lei federal, dando
responsabilidades aos governos locais em planejar, impor metas e estipular
orçamentos para a melhoria da eficiência energética em municípios, com apoio
dos programas e das autoridades federais. Para tal, foi instituído um Programa
de Restituição de Capital115 aos municípios que investiram, comprovadamente,
em estratégias de eficiência energética no setor residencial.
a implantação dos projetos, bem como desenvolver e gerenciar os projetos nacionais das empresas concessionárias.
112 Road Fuel Duties 113 Enhanced capital allowances 114 Condensing boilers 115 Capital Receipts Initiative repassa um capital de 800 milhões de libras em dois anos para projetos
eficientes.
132
c. Empréstimos sem juros, variando de 5,000 a 50,000 libras, destinados ao setor
privado e ao setor público investirem na compra de equipamentos eficientes
nos setores de iluminação, boilers e no isolamento térmico.
d. Home energy eficiency scheme (HEES) – o programa foi criado em junho de
2000 e apóia pessoas idosas (acima de 60 anos) e/ou carentes, mediante a
doação de benefícios financeiros para a implantação de medidas de
aquecimento das residências e/ou de eficiência energética. Os benefícios
variam de 1000 a 2000 libras.
O EST prevê também descontos para pessoas de baixa renda trocarem seus
equipamentos de refrigeração por outros mais eficientes. Foram realizados
vários acordos entre a Comissão Européia e fabricantes de equipamentos como
máquinas de lavar, televisões e VCRs/DVDs para instituir padrões um pouco
mais flexíveis do que os padrões mínimos de eficiência energética.
Estabeleceu-se um acordo com o EPA, dos EUA, para a utilização do selo
Energy Star nos escritórios europeus (este acordo prevê uma redução de
10TWh ao ano até 2015, o que corresponde à diminuição de 5 milhões de
toneladas de carbono por ano) (WEC, 2001b).
Além da economia de energia e benefícios ambientais, os investimentos em
eficiência energética possibilitam o aumento do número de empregos.
Para o EST, existem duas razões principais que explicam porque investimentos em
eficiência energética resultam em efeitos positivos na criação de empregos:
a. A produção e a instalação de medidas de eficiência energética é mais intensiva
em trabalho do que o setor energético.
b. Na medida em que a eficiência energética gera economia nos custos de energia,
os consumidores tendem a direcionar seus recursos em setores mais intensivos
em empregos.
O quadro a seguir mostra, em resumo, o número de empregos criados em 7
programas de eficiência energética implantados pelo EST na década de 1990.
133
Quadro 6 - Empregos diretos e indiretos por £ 1 milhão investidas
Programa Empregos diretos
(pessoa ao ano)
Empregos indiretos
(pessoa ao ano)
HEES (1991-96) 24 61
Heatwise (1996) 58 ---
SoP (1994-98) 11 87
Frigdesavers (1997-98) 10 75
Manweb DSM (1993) 21 Não estimado
Shetland IRP (1994-
97)
19 Não estimado
Building regulations (1996-97)
30 70
Fonte: EST, 2000.
Cabe ressaltar que, no que se refere à França e especialmente ao Reino Unido, a
regulamentação vem sendo estabelecida em cada País, obedecendo, porém, a regras gerais
que vêm sendo implementadas na União Européia. Assim, esses países estão em vias de
utilizarem regras similares, no que diz respeito aos padrões mínimos de eficiência
energética que já estão sendo estabelecidos no âmbito da UE.
A previsão de economia do consumo de energia proveniente da etiquetagem e dos
padrões mínimos de eficiência para os equipamentos de refrigeração para o período 1990 a
2020 é de 17,4 TWh em 2000, para 16 TWh em 2010 e 14,6 TWh em 2020. Se esses
índices forem reavaliados, face às inovações tecnológicas que venham a ser introduzidas,
esse consumo será reduzido para 12 a 13,5 TWH, chegando a previsões bem otimistas de 8
TWh em 2020 (DETR, 1999).
Quanto às metas para redução de dióxido de carbono - CO2, o EST e seus parceiros
realizaram estudos para verificar o potencial de redução desse gás face às medidas de
eficiência energética implementadas e qual a relação custo-benefício das mesmas. A meta
é de diminuir a emissão de CO2 em 20% até o ano de 2010, ou redução de 7.6 MtC
anualmente, o que representa cerca de 17% de redução das emissões provenientes do setor
residencial dos níveis de 1990116.
116 Além da economia em CO2, as contas de energia residencias diminuiriam cerca de 2700 libras
por ano e a economia da energia seria de 109 TWh por ano.
134
Para se atingir estes níveis de emissão, segundo os estudos das políticas e medidas
efetivas de eficiência energética, as ações eficientes podem ser efetuadas meramente no
âmbito residencial. O investimento necessário é de 1 bilhão de libras, provenientes do
Governo, de verbas do EESoP e outras formas de recursos que podem ser alavancados
(Lees, s/d).
O mais importante instrumento político para estimular o decréscimo do
uso da energia e das emissões de CO2 é a criação de demanda dos
consumidores por equipamentos eficientes, associada a um programa de
etiquetagem para equipamentos e máquinas eletrointensivas, negociando
acordos e padrões mínimos de eficiência (Lees, s/d).
Pode ser verificado que, ao compararmos o discurso e a prática das instituições de
eficiência energética ao longo dos anos, a preocupação com as questões ambientais foram
se acentuando, aparecendo, prioritariamente, tanto nos seus objetivos quanto nos seus
programas, tais como combustíveis limpos, energias renováveis, diminuição de emissão de
gases de efeito estufa, especialmente CO2, entre outros. Cabe ainda ressaltar que além da participação voluntária, todos os programas passam
por avaliações do público interessado, o que faz com que as pessoas se sintam envolvidas,
se tornem co-autoras e tenham responsabilidade sobre todos os programas.
4.4 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NOS ESTADOS UNIDOS
A Energy Efficiency and Renewable Energy (EERE), é uma rede subordinada ao
Departament of Energy (DOE) do Governo Americano. O orçamento da EERE para o
biênio 98-00 foi de US$ 1 bilhão 236 milhões.
O objetivo do EERE é o de desenvolver tecnologias que incrementem a eficiência
energética e o uso de fontes renováveis de energia nos EUA, a custos razoáveis,
protegendo o meio ambiente e a competitividade econômica do país. A rede atua em
parceria com o setor privado e com as concessionárias de energia.
Em julho de 2002, houve uma reformulação nas atividades e nos programas do
EERE, visando enfatizar os programas e incrementar as tecnologias que contribuem para a
eficiência energética, o uso de energias renováveis, incorporando, ao mesmo tempo, o
135
máximo possível de benefícios ambientais. Os 11 programas mencionados no item 4.4.2
ganharam maior visibilidade e foi dado um maior enfoque no desenvolvimento
tecnológico e nas metas de implementação de medidas práticas.
4.4.1 Legislação /Regulamentação
Em termos legais, a legislação americana é bastante avançada em eficiência
energética, assim como ocorre com a legislação ambiental. Isso se dá, em parte, pela
pressão da sociedade, seja por meio de movimentos verdes, das ONGs etc.
Na década de 1970, por exemplo, já existia o uso de selo de eficiência energética
para a venda de novos aparelhos tais como refrigeradores, freezers, máquinas de lavar
roupas, máquinas de lavar pratos. Nessa mesma década, quase todos os estados e governos
locais estabeleceram índices de eficiência energética para novos prédios residenciais,
enquanto que o National Appliance Energy Conservation Act (NAECA), de 1978, sofria
resistência dos fabricantes de equipamentos, com o argumento que esses índices não eram
igualmente econômicos para todos os estados.
Em 1987, o NAECA instituiu a aplicação de índices obrigatórios de eficiência
energética para refrigeradores, freezers, ar condicionados individuais, ar condicionados
centrais, máquinas de lavar e de secar roupa, além de vários outros equipamentos
eletrodomésticos.
O Energy Policy Act, de 1992, introduziu outros índices mínimos de eficiência
energética, tais como para equipamentos industriais e comerciais, incluindo aquecimento e
refrigeração, aquecedores de água e motores elétricos. Desde então, os índices de
eficiência, como já citado, foram sendo revisados com freqüência de cerca de quatro a seis
anos, de acordo com as inovações tecnológicas introduzidas no mercado (US National
Policy Development Group, 2001).
A partir da Lei federal de 1992, os índices passam a ser obrigatórios, certificando,
assim, que os estados e municípios atualizem seus códigos de eficiência energética. Nos
anos de 2000/2001, esses índices para refrigeradores, freezers, refrigeradores-freezers,
reatores, máquinas de lavar roupa, boilers e ar condicionados centrais foram revisados
adequando-se a novos patamares tecnológicos.
136
Regulamentação
Programa de etiquetagem
O programa de etiquetagem nos EUA foi regulamentado ainda nos anos 1970 por
meio da Lei de Política Energética e de Conservação (EPCA) de 1975 e implementado em
1980. Inicialmente foram exigidos selos para refrigeradores, freezers, máquinas de lavar
louça, boilers, ar condicionado, máquinas de lavar e fornos. Mais tarde foram
incorporados selos de eficiência energética para lâmpadas fluorescentes, reatores de
lâmpadas fluorescentes, lâmpadas fluorescentes compactas e lâmpadas incandescentes. O
programa visa prover os consumidores com informação confiável acerca dos produtos
eficientes. Para tal, os selos de eficiência implementados comparam o desempenho dos
vários aparelhos/equipamentos disponíveis no mercado. O programa Energy Star só foi
implementado pela EPA em 1992117, sendo primeiramente introduzidos selos de eficiência
energética em computadores e monitores, para em seguida serem utilizados em outros
produtos de escritório, aquecimento residencial e equipamentos de refrigeração. A partir
de 1996, o uso do selo foi ampliado para todos os equipamentos de iluminação, aparelhos
eletrônicos, etc, além de edificações comerciais, residenciais e industriais.
Em 2003, o programa ENERGY STAR auxiliou a população a economizar US$ 9
bilhões, reduzindo emissões equivalentes a 18 milhões de automóveis.
Índices de eficiência energética
Nos anos 1990 foram implementados os padrões mínimos de eficiência energética
para equipamentos de uso residencial previstos no NAECA (para refrigeradores, freezers,
boilers e ar condicionados), revisados em 1993 e posteriormente, em 2001. Com o
estabelecimento de padrões mínimos de eficiência, os equipamentos menos eficientes vão
sendo retirados do mercado, incentivando a introdução de novos produtos mais eficientes.
Dessa forma, os índices de eficiência são revistos periodicamente para adequarem-se às
inovações técnicas/tecnológicas.
117 O Energy Star é um programa (e uma marca) do EPA que estabelece padrões de eficiência
energética para produtos e equipamentos domésticos, comerciais, de negócios, prédios, setor público, entre outros.
137
Os padrões mínimos de eficiência nos EUA estimularam o aumento da eficiência
energética sem aumento significativo do preço dos produtos (entre 1984 e 1993 o preço
dos refrigeradores/freezers eficientes aumentou em apenas 1,25% ao ano).
A previsão de economia de energia associada aos programas de índices mínimos
de eficiência e de etiquetagem é de 245 TWh ao ano em 2015, correspondendo a 6% do
consumo de energia projetado. Em termos ambientais, a previsão é de prevenir 65 MtC de
emissões em 2010. Em termos econômicos, o DOE prevê, para o ano de 2015, uma
melhoria da eficiência energética nas edificações de cerca de 30%, o que irá reduzir os
custos de consumo em US$ 38 bilhões (www. eren.doe.gov/buildings/codes_standards).
Com a adoção de novos índices (em máquinas de lavar, ar condicionado central,
transformadores, fornos e boilers, reatores fluorescentes, aquecedores, etc) prevê-se em
2010 uma economia aproximada de 3% da projeção do consumo de energia residencial em
2004.
A economia das emissões resultadas dos índices mínimos de eficiência representa
15% da meta dos EUA para 2010 (WEC, 2001b, p.139).
Cabe ressaltar, uma vez mais, que estes programas, embora implementados pelo
Departamento de Energia, também podem ser enquadrados como instrumentos de gestão
ambiental, na medida em que estimulam a eficiência energética e diminuem as emissões
de gases do efeito estufa, como citado acima.
4.4.2 EERE – Principais programas
a. Industrial Technologies Program
O Programa de Tecnologias Industriais é um trabalho do Office of
Industrial Technologies - OIT, em parceria com as indústrias, para desenvolver e
melhorar a eficiência e a produtividade dos processos industriais (redução do uso
de energia por meio de tecnologias no reaproveitamento do calor, utilização de
energia e gerenciamento do lixo; melhoramentos nos processos e inovações
tecnológicas para indústrias energo-intensivas como papel, celulose, siderúrgica e
química), bem como melhorar o desempenho ambiental das tecnologias utilizadas.
138
b. FreedomCAR & Vehicle Technologies Program (eren.doe.gov).
O Programa FreedomCAR veio substituir, desde janeiro de 2002, o PNGV
(New Generation of Vehicles Program). É uma parceria entre governo e
indústria118 para o desenvolvimento de veículos altamente eficientes. O programa,
de longo prazo, visa desenvolver tecnologias para carros e caminhões movidos a
hidrogênio e células fotoelétricas que não utilizam gasolina nem emitem gases de
efeito estufa ou quaisquer outros poluentes.
c. The Building Technologies Program
O Programa de Tecnologias para Edificações conduz pesquisas e
desenvolvimento de tecnologias e ações visando a melhoria da eficiência
energética. Trabalha em parceria com a indústria da construção e fabricantes de
equipamentos, atuando junto aos estados e grupos reguladores locais, de modo a
melhorar os códigos de eficiência energética nas edificações e padrões mínimos de
eficiência para equipamentos e máquinas.
d. Programa Building America
O Programa é uma parceria entre o setor público e o privado para prover
soluções eficientes para a indústria da construção (setor residencial). A economia
de energia propiciada pelo Programa é de 30 a 50%, com uma redução de
desperdício de 50%, por meio da implementação de tecnologias inovadoras e
aumento da produtividade.
O Programa Building America reúne diferentes segmentos da indústria da
construção que normalmente trabalhariam isolados. São formadas equipes de
arquitetos, engenheiros, construtores, fabricantes de equipamentos, máquinas e
materiais, planejadores da comunidade, entre outros. De uma forma geral, o
programa engloba 5 equipes de um total de 50 diferentes empresas
(www.eren.doe.gov).
139
e. Federal Energy Management Program - FEMP
O FEMP procura reduzir o custo da energia nas agências governamentais
em nível federal, viabilizando a eficiência energética e a conservação de água.
Lidera uma parceria interagências para fornecer mecanismos de financiamento,
treinamento, auditorias e demonstração de tecnologias, auxiliando as agências
federais a realizarem melhores investimentos para poupar energia.
O FEMP oferece, ainda, anualmente, um prêmio para as agências federais
que realizam contribuições excepcionais para a eficiência energética. Em 1998
foram distribuídos 49 prêmios. Esses ganhadores economizaram, em conjunto,
US$ 222 milhões em energia.
f. Biomass Program (parceria DOE, agências do governo federal e
empresas privadas)
O Programa de Biomassa visa desenvolver uma indústria integrada para a
produção de energia elétrica, combustíveis, plásticos e produtos químicos a partir
de cultivos agrícolas, florestas e resíduos.
O Programa lidera também uma agenda interinstitucional “Biomass
Research and Development Initiative” que coordena e acelera as iniciativas
federais baseadas em produtos derivados da biomassa e pesquisa e
desenvolvimento em bioenergia de acordo com a Lei de Pesquisa e
Desenvolvimento em Biomassa de 2000 (www.eren.doe.gov).
g. Hydrogen, Fuel Cells & Infrastructure technologies program
O Programa de Hidrogênio foi expandido e passou a incluir células
fotovoltaicas e pesquisa e desenvolvimento de infraestrutura, que se agrega às
pesquisas em andamento sobre o hidrogênio.
118 O Departamento de Energia desenvolve o programa em parceria com o U.S. Council of
Automotive Research, cooperativa formada pela Ford Motor Company, General Motors Corporation e DaimlerChrysler Corporation.
140
h. Geothermal Technologies Program
O Programa de Tecnologias Geotérmicas é uma parceria entre o DOE e
as indústrias, visando estabelecer a energia geotérmica como uma contribuição
efetiva e competitiva para o abastecimento de energia no país. Para tal, o programa
tem como metas dobrar o número de estados (para 8) com produtoras de energia
geotérmica; reduzir o imposto da geração geotérmica em 2007; suprir as
necessidades de energia elétrica de sete milhões de unidades residenciais e/ou
comerciais até 2010.
i. Solar Energy Technology Program
O Programa de Energia Solar visa acelerar o desenvolvimento de
tecnologia solar como fonte de energia. O programa possui uma ação educativa,
pois divulga à sociedade os benefícios da energia solar como uma fonte de energia
segura, confiável e limpa.
j. Wind & Hydropower Technologies Program
O Programa de Energia Eólica e Hidráulica trabalha em parceria com as
indústrias, visando desenvolver essas tecnologias.
- Wind Powering America – Os EUA, no final do ano de 2002, concentravam
20% da capacidade de geração de energia eólica mundial (cerca de 4600 MW119).
A energia eólica representa 0,3% do suprimento de energia elétrica do país. A
maior parte desta capacidade é proveniente de grandes projetos, cada um com
centenas de turbinas gerando energia elétrica. Os mais recentes projetos utilizam
uma nova geração de turbinas com potência de 1 MW ou mais. A meta para 2020
é de atingir 100.000 MW de capacidade instalada e reduzir o custo - hoje em
torno de 0,04kWh a 0,06 kWh - em cerca de 50% até 2010 (DOE/NREL, 2002).
119 Os estados da Califórnia e do Texas participam com 1714 MW e 1096 MW, respectivamente, no
final de 2001.(www.nrel.doe.gov).
141
- Programa de Energia Hidráulica (Hydropower Program/Office of Power
Technologies) - Visa desenvolver, conduzir e coordenar pesquisa e
desenvolvimento, em parceria com a indústria e agências federais, para a
melhoria dos benefícios sociais, ambientais e técnicos provenientes do uso da
energia hidráulica.
k. Distributed Energy and Electric Reliability Program
O Programa visa melhorar a confiabilidade das redes de transmissão e
distribuição e avançar na geração descentralizada de pequeno e médio porte. As
tecnologias apoiadas incluem sistemas eficientes de controle e de co-geração,
geradores eólicos, painéis fotovoltaicos, células fotovoltaicas, turbinas a gás,
produção e armazenamento de hidrogênio e sistemas híbridos (fonte renovável de
energia/ combustível fóssil).
l. Weatherization & Intergovernmental Program
O Programa visa prover os consumidores e os tomadores de decisão com
informações sobre custos, desempenho e financiamento para projetos de eficiência
energética e de energias renováveis. O programa também é responsável pela
manutenção das relações com os atores envolvidos nas questões de eficiência
energética, tais como governos estaduais e locais, agências de climatização,
empresas, responsáveis por frotas de veículos, agências internacionais, entre
outros.
Programas Setoriais
Outros programas/ações e medidas complementares às acima mencionados
vêm sendo utilizados pelos órgãos federais, estaduais e locais de energia, eficiência
energética e meio ambiente. Entre as principais ações destacam-se aquelas
relacionadas à educação, à informação e ao marketing da eficiência energética e
suas interações com o meio ambiente. Destacam-se:
142
Setor de transportes
m. O Office of Transportation Technologies - OTT apóia pesquisas em
veículos elétricos e híbridos, células de combustível, biomassa e outras fontes
renováveis de energia e materiais avançados.
Setores residencial e comercial
n. Rebuild America
Investimentos em eficiência energética para prédios residenciais,
comerciais e prédios públicos. A economia desse programa é de US$ 1,2 bilhões e
100 trilhões de Btus de energia ao ano.
o. Green Lights Programme
O Programa Green Lights convida empresas a usar iluminação eficiente
(mediante um contrato por 5 anos). Isto possibilita que a empresa tenha um retorno
de, no mínimo, 20% sobre o custo da energia. Já foram investidos mais de 1 bilhão
de dólares em equipamentos de iluminação eficiente nas empresas participantes do
Programa.
p. Energy Star Building Programme (www.energystar.gov.us)
Investe na utilização de tecnologias e equipamentos eficientes para prédios.
Os dois programas acima mencionados fundiram-se e passam a chamar-se
Energy Star Building Programme. Tanto este como o Energy Star Labels atuam
como programas voluntários e são extremamente atuantes nos EUA.
Além dos programas oficiais, o DOE e o EPA trabalham com uma rede
significativa de parcerias que envolvem construtores, fabricantes de equipamentos,
distribuidoras de energia, arquitetos, organizações não governamentais, entre
outros.
143
Setor industrial
q. The National Industrial Competitiveness through energy, environment
and economics (NICE)
O programa provê verba para o processo de produção mais limpo,
reduzindo desperdício e emissões, conservando energia e melhorando a
competitividade industrial. Até o início do ano de 2002, foram beneficiados pelo
NICE cerca de 92 projetos, alavancando US$ 26,3 milhões em fundos federais e
US$ 81,8 milhões de fundos estatais e de indústrias.
Prédios institucionais
r. Eficiência nas Escolas (Energysmart schools), coordenado pelo DOE, em
parceria com OnGs e empresas privadas.
Esse programa utiliza recursos públicos e privados e visa reduzir as contas
de energia das escolas e investir a economia obtida em educação (prevê-se uma
economia de US$ 1,5 bilhão em custo de energia evitando a emissão de 10 milhões
de ton de carbono até 2010). O programa visa ainda conscientizar os estudantes,
professores e a comunidade local quanto a relação entre energia e meio ambiente,
incluindo o uso racional da energia, gerenciamento financeiro de projetos,
qualidade do ar, mudanças climáticas e tecnologias mais eficientes e menos
poluentes.
Programas de auditorias (WEC, 2001b; US DOE, 2001).
s. Centro de Auditoria Industrial (IAC Audit Programme) – O
Departamento de Energia dos EUA criou cerca de 30 IACs para assessorar
indústrias de pequeno e médio porte120. Essas auditorias são realizadas em conjunto
120 Para serem elegíveis, estas indústrias devem ter faturamento anual abaixo de US$ 75 milhões,
possuir menos de 500 trabalhadores e suas contas de energia elétrica devem girar entre US$ 75,000 e US$ 1,75 milhões por ano.
144
com 30 universidades. O objetivo desses diagnósticos/auditorias é auxiliar as
empresas a economizarem energia. Os sistemas energéticos são analisados e na
medida necessária, os equipamentos são substituídos por outros mais eficientes. As
recomendações provenientes dessas auditorias resultaram, em média, US$ 55,000
em economia ao ano, para cada indústria.
t. The Weatherization Assistance Program – tem por objetivo auxiliar as
comunidades/pessoas de baixa renda121 a reduzirem as suas contas de energia
elétrica, por meio da eficientização de equipamentos, troca de janelas,
climatização, novos sistemas de aquecimento e outras medidas de economia de
energia, além de comprar refrigeradores mais eficientes e lâmpadas fluorescentes
compactas. O programa permite o investimento de US$ 2,032 para cada casa,
sendo que até 2001 foram atendidas cinco milhões de famílias, ou cerca de 170.000
residências por ano. O resultado tem sido uma economia de energia de 22%, em
média.
Assessoria, informação e assistência técnica
u. Motor Challenge Program – O DOE provê assistência técnica na escolha
de tecnologias mais avançadas para as indústrias trocarem motores e instalações
antigas por novas e mais eficientes.
v. Padronização energética – o DOE financia a assistência técnica para que
os consumidores de energia possam se adequar aos padrões estipulados de
eficiência energética.
x. Parceria para uma nova geração de veículos (PNGV) – Para o ano de
2000, foram investidos 263,2 milhões para o desenvolvimento de motores a diesel
mais limpos e eficientes. Os projetos apoiados incluem veículos híbridos e
elétricos.
121 Inserem-se nesse público as pessoas idosas, os deficientes físicos e famílias carentes com
crianças.
145
y. Educação em eficiência energética - O New York State Energy Research
and Development Authority - NYSERDA oferece cursos gratuitos na Energy Smart
University. Os cursos são de história da energia, segurança energética, fontes
energéticas, eficiência energética, entre outros.
z. Programas de informação em eficiência energética – Estes programas
assim como a sua vinculação com o meio ambiente são amplamente abordados, via
os meios eletrônicos, telefones, agências estaduais, federais e locais, entre outros.
4.4.3 Instrumentos econômicos
Incentivos fiscais
- Desenvolvimento tecnológico – para cada tecnologia aprovada e desenvolvida há
um retorno em forma de dedução de impostos de até US$ 500 milhões.
- Public Benefit Fund (PBF)/Fundo de Benefício Público – este fundo estadual,
proveniente de uma taxa cobrada para a geração e/ou transmissão de eletricidade,
visa prover verbas para programas de eficiência energética, educação do
consumidor, desenvolvimento e demonstração de tecnologias alternativas
especialmente de fontes de energia renováveis. Essa taxa é variável em cada
estado. A Califórnia, por exemplo, cobra 0,80/MWh dos consumidores e gera o
montante de US$ 135 milhões ao ano.
- Incentivos fiscais para combustíveis alternativos - Em abril de 2002, foi
aprovado, no Senado Americano, uma versão do US Energy Policy Act. Este
insere, pela primeira vez, incentivos fiscais para os usuários de veículos que
utilizem combustível alternativo - Alternative Fuel Vehicles (AFVs), conforme os
itens abaixo discriminados (Clear Act) (The Natural Gas Vehicle Coalition, 2002):
- Um crédito de 40% (na forma de dedução de impostos) sobre a compra de
um veículo que utilize combustível alternativo (de fontes limpas). Um crédito
146
adicional de 30% do custo para os veículos que atingirem índices de emissão mais
rigorosos.
- Um crédito por cada galão vendido (equivalente de gasolina) de gás
natural, hidrogênio, metanol e/ou propano para ser utilizado em transportes. O
crédito, de 30 centavos por galão, iniciou a partir de outubro de 2002, passando
para 40 centavos em 2004 e para 50 centavos em 2005 e 2006.
- Uma dedução de impostos no valor de US$ 100,000 para o custo do
capital investido em postos de combustíveis alternativos e crédito de até US$
30,000 para cobrir os custos de instalação de novos postos de combustíveis
alternativos.
- Um crédito (na forma de redução de impostos) de 50% do custo de
substituição de equipamentos antigos por novos e mais eficientes de até US$
1,000.
Incentivos para veículos movidos a energias renováveis - A proposta de
Lei também inclui incentivos para veículos elétricos, híbridos e movidos a células
fotoelétricas. Inclui, ainda, uma autorização de US$ 300 milhões para o programa
de ônibus verdes para as escolas - Clean Green School Bus Program (The Natural
Gas Vehicle Coalition, 2002).
Change Technology Initiative: Incentivos por meio de redução de impostos
para a compra de equipamentos de energia elétrica e de energias renováveis,
incluindo crédito de US$ 2,000 para novas residências, 15% para equipamentos
solares de teto e 20% para equipamentos eficientes para edificações.
Incentivos financeiros
Incentivo para a compra de veículos mais eficientes (utilizando 1/3 do
combustível e menos 2/3 de emissões de CO2); US$ 4000 para veículos ano 2003-
2006, caindo para US$ 3000 em 2007, US$ 2000 em 2008 e US$ 1000 em 2009.
Esse incentivo expira em 2010.
147
Incentivo para veículos mais eficientes (utilizando ½ do combustível ou
metade das emissões): US$ 3000 para veículos comprados em 2000-2003, US$
2000 em 2004 e US$ 1000 para 2005, terminando em 2006.
Incentivos federais para residências energeticamente eficientes: US$
2000 para novas residências, US$ 2000 para energia solar e 20% do valor total dos
créditos para o uso de equipamentos eficientes em prédios.
Incentivo para instalação de ar condicionado eficiente - O New York
State Energy Research and Development Authority - NYSERDA, juntamente com a
Long Island Power Authority (LIPA) e New York Power Authority (NYPA),
oferecem um bônus de US$ 75 na compra e instalação de ar condicionado com a
marca Energy Star®.
Incentivo por meio de rebates - Vários produtos eficientes são comprados
com descontos ou são utilizados mecanismos de devolução (rebates). Neste caso,
uma parte do valor pago pelo produto será devolvido ao consumidor,
estimulando-o a adquirir produtos eficientes.
Contratos de Desempenho
Super Performance Contracts (Super ESPCs)122 – qualquer unidade
federativa dentro dos EUA pode ser “retrofitada” 123 para reduzir o uso e os custos
da energia. Esse retrofit124 é feito por ESCOs contratadas por meio de
concorrências públicas. Estas financiam as instalações eficientes e em troca
recebem parte do valor economizado. Os contratos efetuados com as ESCOs
incluem doze tecnologias, entre elas, iluminação, ventilação, ar condicionado,
122 Trata-se aqui de Energy Savings Performance Contracts, no qual as agências federais contratam
as Empresas de Serviço de Energia (Energy Service Companhies - ESCO´s) para instalarem sistemas e componentes energeticamente eficientes. O pagamento dessas instalações é realizado com a economia gerada pelos novos sistemas.
123 Tradução do inglês retrofitted que significa modernização das instalações e equipamentos e de
modo a torná-los mais energeticamente eficientes. 124 Retrofit, como dito acima, é um termo já utilizado mundialmente, inclusive no Brasil, que
significa as reformas necessárias visando atingir a eficiência energética em todos os sistemas prediais, tais como instalações, iluminação, refrigeração e/ou aquecimento, entre outros.
148
motores e sistemas de aquecimento solar125. O investimento anual do Governo
Federal para essa finalidade atinge cerca de US$ 500 milhões. Estima-se a
economia do dobro desse valor na conta de energia.
4.4.4 Eficiência energética e gestão ambiental nos EUA
Nos EUA, os órgãos de meio ambiente vêm incorporando, cada vez mais,
programas de eficiência energética em suas políticas de gestão ambiental. A
Environmental Protection Agency (EPA) promove importantes iniciativas para a utilização
maciça, pela população, de equipamentos eficientes. Programas como o Green Lights e o
Energy Star, já citados anteriormente, promovem campanhas no sentido de que os
consumidores, ao utilizarem tecnologias eficientes, estarão economizando seus salários e
contribuindo, ao mesmo tempo, para a diminuição dos índices de poluição e para o
programa de mudanças climáticas126.
O uso do selo Energy Star como mencionado no item de regulamentação, para
produtos com tecnologias eficientes vem ampliando-se, significativamente, no mercado de
equipamentos de escritórios, de iluminação, de aparelhos eletrodomésticos, sinais de
trânsito, aquecimento e de refrigeração, entre outros. Esses produtos estão economizando
cerca de 42 bilhões de KWh por ano, equivalentes a cerca de US$ 3 bilhões em redução
nas contas de energia. A economia de energia também significa cerca de 9 milhões de
toneladas de emissões de carbono evitadas (EPA, 2001 apud Geller, 2003). O Programa
Energy Star (www.energystar.gov), do EPA, inclui 3400 modelos de produtos eficientes127
e possui uma rede de 1800 parceiros, tais como: fabricantes de equipamentos e produtos
eficientes, órgãos governamentais, escolas, indústria da construção, comércio, pequenos
negócios, entre outros.
125 Outras tecnologias também foram premiadas e estão sendo implementadas pelo FEMP: energia
solar, células fotovoltaicas e aquecimento de fonte geotérmica. 126 O Climate Protection Partneship Division (CPPD) é, dentro do EPA, a divisão que estuda a
vinculação entre energia e as mudanças climáticas, incentivando consumidores a utilizarem a eficiência energética como forma de reduzir os gases causadores do efeito estufa.
127 Entre os produtos com selos energy star destacam-se máquinas de lavar roupa, de lavar pratos,
refrigeradores, ar condicionados, desumidificadores, termostatos, boilers, fornos, aquecedores, TVs, VCRs, DVDs, telefones, secretárias eletrônicas, computadores, monitores, impressoras, fax, copiadoras, scanners, janelas, iluminação, ventiladores, transformadores, sinais de trânsito, motores, entre outros.
149
A estimativa do EPA é que 13% dos prédios públicos e comerciais no país
aderiram ao programa Energy Star building128. Em outubro de 2002 foi instituído o
Energy Star Performance Rating Tool, selos (Energy Star Label) para hotéis e hospitais
eficientes que atendam a pelo menos 75% dos requisitos de eficiência energética.
No que se refere às mudanças climáticas129, a estimativa do EPA é que as emissões
de carbono foram reduzidas em 16 milhões de ton. em 1998, índice equivalente à retirada
de 10 milhões de veículos das ruas. A eficiência energética propicia nos EUA, ainda
segundo o EPA, a economia de várias centenas de bilhões de dólares, anualmente.
O EPA vem se utilizando, cada vez mais, de programas de eficiência do uso dos
recursos naturais como instrumento de gestão ambiental. Nesse sentido, o programa de
eficiência dos recursos hídricos EPA´s Water Efficiency Program vem agregar esforços ao
Energy Star Program (www.energystar.gov) além de outros programas, como o
WasteWi$e, Industry of the future e Expansion of Recycling Technology. Estes programas
têm por propósito reduzir o desperdício, reciclar os resíduos sólidos, conservar energia e
promover a diminuição do uso dos recursos naturais/energéticos.
4.4.5 Organizações não Governamentais - ONGs
As ONGs que tratam das questões de eficiência energética e meio ambiente nos
EUA são atores fortemente atuantes nas questões relacionadas à eficiência energética, ao
meio ambiente e à economia. Atuam em parceria com o governo e a iniciativa privada e
fornecem assessoria na formulação de políticas de eficiência de energia. Isso inclui
esforços para a implementação dessas políticas, assim como para a disseminação de
informações em relação ao custo-benefício da implantação das mesmas para a economia e
para o meio ambiente.
Os EUA possuem ONGs bastante atuantes na assessoria, informação, P&D e para
as políticas de eficiência energética tais como o American Council for an Energy
Efficiency Economy (ACEEE); Resources for the future; Alliance to Save Energy;
NorthWest Energy Efficiency Alliance, entre outras.
128 Programa que utiliza tecnologias, equipamentos eficientes para prédios. 129 A previsão dos EUA é a redução das emissões de gases de dióxido de carbono e gases de efeito
estufa até chegar a 7% abaixo dos índices de emissão em 1990 (OCDE/IEA). Em 1998, este índice totalizava 1485 milhões de toneladas, 10% a mais do que as emissões em 1990 e em 2000 estavam acima de 16% dos
150
4.5 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NO CANADÁ
O Office of Energy Efficiency (OEE), foi criado em 1998 e é o órgão responsável
pela eficiência energética no Canadá, coordenando 17 programas de energia eficiente e
combustíveis alternativos, nos setores comercial, residencial, industrial e de transportes.
Outros 12 programas estão previstos para serem implementados até o final de 2003.
O OEE é vinculado ao Natural Resources Canada’s (NRCan’s), órgão de meio
ambiente federal. As iniciativas de eficiência energética são hoje o fator chave para a
implementação de uma estratégia nacional em relação às mudanças climáticas, visando
cumprir as metas acordadas no Protocolo de Kioto130.
No ano de 1999, o orçamento da OEE foi de C$ 60 milhões 131.
A implementação de medidas de eficiência energética nos setores residencial,
comercial, industrial e de transportes vem contribuindo para a redução de 4,1% nas
emissões de dióxido de carbono ao ano, economizando a cifra de C$ 4,4 bilhões por ano
em energia.(www.oee.org.ca).
No ano de 2000, o governo do Canadá, com a participação de representantes de
todos os setores, de organizações não governamentais e da sociedade civil, elaborou o
Plano de Ação em Mudanças Climáticas. Este Plano visa, primordialmente, ser efetivo na
diminuição de gases de efeito estufa e, para tal, pretende ser re-elaborado de 5 em 5 anos,
prevendo medidas e ações nas seguintes áreas: transportes, energia (petróleo, produção de
gás e eletricidade), indústria, edificações, floresta e agricultura, projetos internacionais e
investimentos em soluções futuras (tecnologias e ciência) (Government of Canadá, 2000;
climatechange.gc.ca)
4.5.1 Legislação e Regulamentação
Energy Efficiency Act – 1992
níveis de 1990 (www.aceee.org). Ressalta-se que até junho de 2003 os EUA não haviam ratificado o Protocolo de Kioto.
130 A tarefa do Canadá, neste sentido é reduzir as emissões de seis gases causadores do efeito estufa
para 6% abaixo dos índices de emissão de 1990, no período compreendido entre 2008 a 2012, ou cerca de 25% abaixo dos índices de emissão atuais.
151
Essa legislação estabelece padrões mínimos de eficiência energética para
determinados produtos, especificando a responsabilidade dos vendedores desses produtos.
Estabelece ainda os selos de eficiência para esses equipamentos.
Energy Efficiency Regulations de 1994, insere novos padrões mínimos de
eficiência energética. No Canadá não é permitido o uso de equipamentos ineficientes.
Certificação / Etiquetagem – obrigatoriedade de selos de eficiência energética para
todos os equipamentos eletro eletrônicos
4.5.2 Programas do OEE
a. Auto$mart
Visa auxiliar os motoristas de veículos a comprar, dirigir e manter os
veículos, para possibilitar a redução do consumo de combustível e a emissão de
gases de efeito estufa.
b. Commercial Building Incentive Program (CBIP)
O programa incentiva proprietários de edificações a incorporar tecnologias
e práticas energeticamente eficientes para os projetos de novos prédios comerciais
e institucionais. Este programa propicia incentivos financeiros (recursos federais)
aos investimentos em eficiência energética.
c. EnerGuide para equipamentos e EnerGuide para aquecimento,
ventilação e ar condicionado - HVAC
Este programa provê todas as informações necessárias para os
consumidores acerca da compra de equipamentos eficientes (etiquetagem, índices
de eficiência etc) de uso residencial, tais como: aquecimento, ventilação e ar
131 1 US$ dólar americano = C$ 1,36 dólar.
152
condicionado, além de providenciar ferramentas para os produtores incrementarem
as vendas desses equipamentos.
d. EnerGuide for houses
Oferece assessoria profissional personalizada para os consumidores
obterem maior eficiência energética, por meio de reformas ou na aquisição de um
novo imóvel.
e. EnerGuide for Vehicles
Oferece uma série de ferramentas para auxiliar os motoristas a considerar a
eficiência energética do combustível na compra de veículos.
f. Energy Efficiency Regulations
Criado sob a regulamentação do Energy Efficient Act, visa eliminar o uso
de equipamentos ineficientes, prescrevendo os padrões mínimos de eficiência
energética.
g. Energy Innovators Initiative (EII)
Assessora o setor comercial e o setor público na exploração de estratégias e
opções energeticamente eficientes. Nesse sentido, o EII oferece ferramentas,
serviços e incentivos financeiros para os estabelecimentos comerciais que possuam
planos de manejo de energia e/ou retrofits. As instituições municipais que
pretendem eficientizar as suas instalações também podem receber incentivos e
empréstimos por meio da Federação Canadense de Municípios.
h. ENERGY STAR®
O símbolo americano ENERGY STAR está sendo utilizado no Canadá por
meio do Natural Resources Canada's Office of Energy Efficiency para produtores e
153
distribuidores, cujos produtos atinjam os critérios de eficiência energética
estabelecidos pelo Energy Star.
i. Federal Buildings Initiative (FBI)
O FBI auxilia o setor público federal tanto a economizar energia, quanto a
aumentar o nível de conforto e produtividade em suas edificações.
j. FleetSmart
O programa assessora gerentes de frotas de veículos a reduzir o consumo de
combustível e as emissões veiculares por meio de práticas comprovadas de
eficiência energética.
k. FleetWise
Trabalha com as frotas de veículos federais, assessorando a diminuição dos
custos de energia, aumentando a eficiência dessas frotas.
l. Future Fuels Program
Desenvolve políticas e projetos para encorajar a produção e o uso de
combustíveis mais limpos com menor teor de carbono, além de tecnologia veicular
e infraestrutura.
m. Industrial Energy Efficiency Program
Trabalha em conjunto com a indústria canadense de modo a identificar o
potencial de eficiência energética, estabelecendo metas, implementando e
gerenciando programas, acompanhando e divulgando os resultados e celebrando
acordos.
154
n. Motor Vehicle Fuel Efficiency Initiative
Promove melhorias na eficiência do combustível veicular. Também
encoraja os produtores de motores a atenderem os índices de eficiência energética
para o consumo de veículos novos.
o. National Energy Use Database – NEUD
Apóia o desenvolvimento de dados para o uso final de energia em todos os
setores da economia, por meio da revisão dos dados existentes, da assessoria às
demandas, do desenvolvimento de pesquisas existentes ou não, além do
estabelecimento de bancos de dados e análises energéticas em algumas
universidades.
p. Natural Gas for Vehicles Program
Fornece $2,000 para cada veículo movido a gás natural que contribua para o
crescimento do mercado, visando o desenvolvimento de combustíveis alternativos.
q. R-2000 Program
Incentiva a construção de casas energeticamente eficientes (residências
ecológicas e/ou sustentáveis). Insere a certificação de janelas, portas, isolamento,
aquecimento, ventilação e ar condicionado, iluminação, qualidade do ar, materiais
reciclados e conservação de água das residências no sentido de alcançar padrões
mínimos de eficiência energética. Mais de 9000 construtores foram treinados para
incorporar o R2000 nas construções, sendo que, até 2001, 8400 residências já
haviam recebido certificados de eficiência energética, com uma economia de 35%
de energia comparativamente aos padrões de 1980.
Nos programas acima mencionados, há o envolvimento, por meio de parcerias, dos
governos das províncias, dos territórios e dos municípios, bem como das concessionárias,
155
da indústria, dos grupos de meio ambiente, das associações profissionais e da população
canadense.
Com a implementação dos programas já houve uma economia de energia de C$ 5,7
bilhões por ano e 32 Mt a menos de emissões de gases de efeito estufa, ou 19% a menos
de emissões.
Government of Canada Action Plan on Climate Change
De acordo com o Government of Canada Action Plan on Climate Change,
elaborado em 2000, as emissões de gases do efeito estufa deverão diminuir em 31%
abaixo dos índices de 1990 em 2010 ou reduzir 65 Mt ao ano.
4.5.3 Instrumentos econômicos
Incentivos financeiros
- Programa de incentivos para prédios comerciais: incentivos financeiros para
proprietários de prédios comerciais contratarem projetos eficientes. O programa
financia parte do projeto da edificação (até C$ 60,000) se ficar comprovado que
esta será, pelo menos, 25% mais econômica que o estipulado no Código
Nacional de Energia para Edificações em vigor.
- Incentivos para o uso de veículos que utilizam gás natural, por meio do Natural
Gas for Vehicles Program.
- Subsídios para retrofits no setor residencial.
- Rebates para a utilização de equipamentos com a certificação Energy Star.
- Incentivos para a eficientização de prédios industriais: incentivos financeiros de
até C$ 80,000 para novos prédios industriais energeticamente eficientes.
- Incentivos financeiros de até C$ 5,000 para a realização de auditorias
energéticas em indústrias.
Contratos de Performance
156
- Energy Innovators Initiative132 - O programa busca incentivar organismos,
empresas e instituições públicas e privadas a economizar energia em seus
prédios. Para tal, utiliza-se das ESCO´s que investem em ações de eficiência
energética e são pagas pela economia gerada.
- Melhoria da eficiência energética em prédios do governo canadense. O retrofit é
financiado com a economia advinda das ações de eficiência energética. O setor
privado investiu C$ 120 milhões, resultando em uma economia anual de C$17
milhões.
Embora com características próprias, os países estudados têm uma série de ações
coincidentes que fazem com que a eficiência energética seja instituída com objetividade
nesses países, provocando resultados positivos. Tais ações são, principalmente,
informação, treinamento, assessoria, incentivos econômicos, marketing, educação,
regulamentação, padrões de eficiência energética, etiquetagem, diagnósticos energéticos,
entre outros. A seguir iremos analisar quais dessas ações são prioritárias, segundo a
pesquisa efetuada, para se implementar a eficiência energética como instrumento de
política ambiental.
4.6 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
A maioria dos mecanismos de eficiência energética se repete nos quatro países
estudados como assinalado acima. Alguns programas/ações vêm sendo enfaticamente
utilizados para a diminuição do consumo de energia elétrica no uso final, como por
exemplo, nas ações para o setor residencial e comercial. Outras visam, prioritariamente, a
diminuição de gases de efeito estufa, tais como os programas relacionados ao setor de
transportes.
Cabe ressaltar que embora esses países adotem cada vez mais políticas de
eficiência energética, ainda pode se conseguir melhoras substanciais se forem
implementadas políticas complementares. Segundo Jochem (2000), nos EUA a economia
potencial de energia é de 33% ou mais no caso de iluminação residencial e refrigeração em
instalações comerciais, novos carros e caminhões leves e pelo menos 20% em várias
132 Energy Innovators e Energy Innovators Plus
157
outras aplicações. O mesmo ocorre nos países Europeus. Nos países em desenvolvimento
a estimativa do potencial de economia de energia é de 40% (esse percentual é maior
devido a maior ineficiência dos motores e processos industriais, sistemas de distribuição e
iluminação).
Esses percentuais tendem a se elevar, uma vez que novos equipamentos, produtos
de iluminação, materiais de construção e veículos mais eficientes em energia serão
fabricados e empresas e institutos de pesquisa também estarão desenvolvendo formas mais
eficientes e limpas para a produção industrial.
A seguir iremos apontar alguns dos instrumentos/programas mais efetivos
utilizados nas experiências internacionais em eficiência energética.
4.6.1 Legislação
A maior parte da legislação de eficiência energética dos quatro países estudados
data de 1992, quando se deu o Acordo de Mudanças Climáticas na Rio-92. Tratam, em sua
maior parte de medidas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, principal
prioridade para a implementação da eficiência energética nesses países.
A legislação francesa foi implementada uns anos mais tarde, em 1996. Porém no
ano de 2000 já existiam dois Programas Nacionais: O Programa Nacional de Luta contra a
Mudança Climática e o Programa Nacional de Melhoria da Eficiência Energética
(PNAEE).
A legislação do Reino Unido, instituída em 2001, prioriza a eficiência energética
no setor residencial e está intrinsicamente ligada as questões ambientais.
Em termos legais, a legislação americana é bastante avançada em eficiência
energética, tendo sido instituída desde a década de 1970 e desde então, vem sendo
constantemente atualizada.
A Lei de Eficiência Energética Canadense, também implantada em 1992, estabelece
critérios rígidos, não permitindo a fabricação e a utilização de equipamentos ineficientes.
4.6.2 Padrões de eficiência energética para edificações
Os padrões de eficiência energética para edificações têm sido amplamente
utilizados pela maioria dos países industrializados com intuito de reduzir o consumo de
158
energia elétrica. Na União Européia, por exemplo, estima-se que os prédios são
responsáveis por 40% do total desse consumo.
Esta padronização tem sido considerada, por unanimidade, um eficiente
instrumento de diminuição do consumo de energia elétrica, especialmente no que se refere
aos índices térmicos, seja para aquecimento ou para resfriamento das edificações. Nos
países estudados, os padrões vêm sendo revisados, no período entre seis a oito anos133, e
são utilizados principalmente para prédios novos, influenciando, entretanto, o retrofit de
prédios antigos. Na maioria dos países, os padrões são estipulados por meio de
regulamentação, exceto no Canadá, onde estes padrões são utilizados de forma voluntária,
por meio de acordos134.
Segundo (WEC, 2001a) essa medida vem sendo considerada nas políticas públicas
mundiais em eficiência energética, como “o mais efetivo instrumento em termos de custo-
benefício e de potencial de economia de energia”. Esses padrões vêm se tornando cada vez
mais complexos, na medida em que passam a considerar o sistema predial como um todo,
integrando itens como aquecimento, esfriamento, aquecimento de água, iluminação,
energia para motores e bombas, elevadores etc. Inclui ainda, coletores solares, células
fotovoltaicas etc.
Os padrões de desempenho energético para edificações (energy performance
standard) são cada vez mais utilizados, em conjunto com os padrões de eficiência
energética existentes para materiais e/ou equipamentos (insolação, janelas, boilers etc), de
forma a disseminar o uso desses equipamentos, especialmente na retrofitagem de prédios.
A França, por exemplo, adotou, no seu Programa Nacional para Mudanças Climáticas, de
2000, o uso de padrões para edificações conjugado aos padrões de eficiência para
equipamentos e materiais.
Uma evolução dos índices de eficiência energética para edificações foi a
introdução dos certificados que comprovam a eficiência energética dos prédios (building
certificates). Estes possuem uma similaridade com os selos de eficiência energética para
equipamentos e eletrodomésticos, porém mais complexos, ou seja, com maior número de
itens para serem avaliados.
133 O código europeu foi o primeiro a ser revisado, a cada 5 anos, de modo a estar de acordo com o
padrão de desenvolvimento tecnológico. 134 Em termos de agilidade, os acordos voluntários são mais efetivos, uma vez que não precisam
passar pelo poder legislativo.
159
A certificação de prédios eficientes, por sua vez, evoluiu para a introdução de um
outro padrão de certificação, o dos green building, que associam índices de eficiência
energética a padrões de sustentabilidade ambiental, tais como utilização de água de forma
eficiente; utilização de materiais menos impactantes ao meio ambiente; adaptação de
edificações existentes ao invés de construção de novas; otimização do uso de material
evitando o desperdício entre outros.
Nos EUA, por exemplo, os programas de incentivo aos Green Building vêm se
multiplicando, ampliando sobremaneira a implantação de “prédios sustentáveis”. Entre
outros, podem ser destacados os seguintes programas: Rebuild America; Million Solar
Roof Initiative; Partnership for advancing technologies in housing; Building Design
Guide; EPA´s Green Building, etc.
Assim, os green building tem por objetivo minimizar o impacto ambiental causado
pela implantação de novas ou antigas edificações. A eficiência energética e a utilização de
fontes de energia renováveis aparecem como principais indicadores de um green building,
o que vem corroborar a tese de eficiência energética como um fator de melhoria do meio
ambiente e de desenvolvimento sustentável (EBN, 1995; www.buildingreen.com;
www.USgreen building.org)
4.6.3 Padrões de eficiência energética para equipamentos
Esses padrões mínimos de desempenho energético para os equipamentos -
Minimum Energy Performance Standards (MPES) - impõem (por meio de
regulamentação) um índice mínimo de eficiência energética que estes devem possuir ou
indicam qual o consumo máximo para a maioria dos produtos do mercado.
Os níveis dos índices de eficiência são utilizados de diferentes formas nos diversos
países: na Europa, por exemplo, os índices de eficiência energética dos equipamentos
existentes no mercado são utilizados como base para buscar maior eficiência (cerca de 10
a 15%) nos novos produtos. Nos EUA, os índices de eficiência são utilizados buscando
estimular o aumento dos índices de eficiência, baseados em um retorno do investimento
em três anos.
Nos quatro países objeto de nosso estudo, os índices de eficiência energética para
equipamentos são regulamentados, tornando-se obrigatórios índices mínimos de eficiência
para refrigeradores e freezers, máquinas de lavar roupas e ar-condicionados. Nos EUA, o
160
Energy Policy Act, de 1992, incorporou padrões de eficiência energética para refletores
fluorescentes e incandescentes, produtos para bombeiros, motores elétricos, aquecedores
de água, aquecimento, ventilação e sistemas de condicionadores para o setor comercial.
4.6.4 Certificação/etiquetagem
Os equipamentos eletro-eletrônicos são responsáveis por cerca de 20% das contas
de energia elétrica. Refrigeradores, freezers, máquinas de lavar roupa, secadoras,
máquinas de lavar pratos e fornos são os aparelhos que mais utilizam energia nas
residências. O governo dos EUA, como já mencionado, implementou um programa, na
década de 1970, que exigia que alguns tipos de aparelhos eletrodomésticos apresentassem
um selo demonstrando, comparativamente, a eficiência energética dos mesmos. Assim
todos os refrigeradores, freezers, máquinas de lavar roupa e máquinas de lavar louça
passam a ser vendidos com o selo amarelo (depois passou a ser verde) que mostram a sua
eficiência energética.
Os programas de etiquetagem têm por objetivo informar os consumidores sobre o
consumo energético de seus equipamentos e praticamente todos os países desenvolvidos
os possuem.
Embora os programas de etiquetagem possuam algumas diferenças de um país para
outro, existem duas concepções básicas utilizadas nesses países: a rotulagem comparativa
e a rotulagem indicativa. No primeiro caso, os consumidores têm capacidade de comparar
a eficiência energética de todos os produtos etiquetados. Nesse caso, encontram-se as
etiquetas da União Européia - European Label e dos EUA - Energy Guide. Selos de
endosso identificam os aparelhos energeticamente eficientes.
No modelo europeu de etiquetagem, o rótulo de eficiência varia de A (mais
eficiente) a G (menos eficiente), utilizando graduações de cores correlacionadas às letras e
conseqüentemente a eficiência do produto. Cada selo indica, ainda, a média de consumo
anual de cada equipamento, medidos em KWh por ano. Atualmente nos países da União
Européia a etiquetagem é obrigatória, por meio de regulamentação específica, para os
seguintes equipamentos: refrigeradores e freezers, máquina de lavar roupa, máquina de
lavar louça e lâmpadas. Nos EUA e no Canadá, a etiquetagem também é obrigatória e
objeto de regulamentação.
161
Enquanto a etiquetagem estimula a inovação tecnológica e a introdução de novos
produtos eficientes, os padrões mínimos de eficiência vão, gradualmente, retirando do
mercado os produtos menos eficientes Nos países europeus, a introdução dos programas
de etiquetagem trouxe resultados efetivos para o mercado de eficiência energética. Por um
lado, os consumidores passaram a consumir mais produtos eficientes, incrementando a
venda desses equipamentos e, por outro lado, os fabricantes passaram a descontinuar a
produção de equipamentos ineficientes, introduzindo novos e mais eficientes (WEC,
2001a, p.72).
Algumas outras medidas complementares contribuem para a melhoria dos
programas de etiquetagem, tais como treinamento para distribuidores dos
produtos/equipamentos eficientes e/ou campanhas visando informar a população sobre estes
equipamentos. Também são utilizados incentivos financeiros, tais como os “rebates”135, nos
EUA, ou incentivos para a compra de aquecedores eficientes, na Inglaterra.
Nas quatro experiências internacionais, onde a renda da população é mais elevada
do que no Brasil, os fabricantes e os consumidores vêm aceitando melhor os produtos
eficientes, o que reflete em uma maior quantidade de produção, melhor qualidade do
produto e menores preços.
No Canadá e nos Estados Unidos, por exemplo, os programas relacionados a
índices mínimos de eficiência e etiquetagem são instrumentos utilizados
complementarmente e particularmente efetivos para o aumento da eficiência em
equipamentos, máquinas, eletrodomésticos e iluminação, uma vez que acelera a penetração
de tecnologias de eficiência energética, aumentando o mercado de produtos e serviços.
No Canadá, a Lei de Eficiência Energética foi decretada em 1992 visando estipular
os padrões mínimos de eficiência energética, bem como a etiquetagem dos produtos. A
regulamentação estabeleceu os índices mínimos de eficiência energética (MEPS) para uma
ampla gama de produtos consumidores de energia, com o objetivo de eliminar os modelos
menos eficientes do mercado canadense. A maioria das províncias canadenses possui sua
própria regulamentação, que pode diferenciar-se ou não da Federal.
Todos os produtos que circulam no Canadá devem possuir selos de certificação de
energia eficiente. O selo mostra a energia consumida em kWh/ano, além de uma escala
comparativa dos modelos existentes no mercado, quanto ao consumo de energia.
135 Cupons com descontos para a compra de produtos eficientes.
162
Nos EUA, o NAECA de 1987 e emendas de 1988, estabeleceram padrões mínimos
de eficiência (MEPS) para 12 categorias de aparelhos eletrodomésticos. O Energy Policy
Act (EPAct), de 1992, instruiu o DOE a desenvolver programas nacionais e voluntários de
testes e informações equipamentos de escritórios. Foram estabelecidas nove categorias de
índices mínimos de eficiência para produtos consumidores de energia e água no setor
comercial, para motores elétricos, produtos de iluminação e esgoto.
Além do Energy Star, já citado anteriormente, existe outro programa de
etiquetagem voluntária nos EUA. Uma Organização não Governamental chamada Green
Seal implementou um selo ecológico (voluntário) desde 1992, que endossa produtos
energeticamente eficientes. Nesse programa, são incluídos equipamentos como lâmpadas,
máquinas de lavar e de secar, máquinas de lavar pratos, freezers, fornos, fogões,
refrigeradores, ar condicionado e bombas de calor.
Para o estabelecimento dos padrões mínimos de eficiência energética é feita uma
análise do custo benefício de cada tecnologia para economizar energia. São avaliados os
impactos econômicos para os consumidores, fabricantes, concessionárias de energia e para
o país. No aspecto ambiental, são avaliados os impactos, a redução de emissões de dióxido
de carbono, óxidos de nitrogênio, etc.
Na etiquetagem, os selos mostram a energia consumida (kWh/ano), custo
operacional e o maior e o menor consumo de energia para produtos similares. No programa
Energy Star para equipamentos de escritório e eletrônicos residenciais, o selo indica que o
produto encontra-se entre os mais eficientes do segmento.
No Green Seal Label, os produtos são selecionados mediante os mais baixos
impactos ambientais negativos causados, por meio de entrevistas com indústrias,
ambientalistas, consumidores e o público em geral. (North American Energy Working
Group, 2002).
Nos EUA, a combinação de certificação com padrões mínimos de eficiência, em
vigor desde 1999, reduziu o consumo médio de refrigeradores e congeladores ineficientes
vendidos nos EUA em 27%, entre o início e o fim da década de 1990 (Waide, 2001). Além
disso, estima-se que, na Europa, para cada euro gasto em certificação, os consumidores
economizarão cerca de 100 mil euros em suas contas de energia (Wiel & Mcmahon,
2001). O quadro a seguir, apresenta a legislação de eficiência energética e sua a
regulamentação nos quatro países estudados.
163
Quadro 7 - Experiências internacionais - Legislação / Regulamentação
Países Legislação Regulamentação
Canadá Energy Efficiency Act - 1992 Índices mínimos de eficiência energética Certificação/Etiquetagem - Selo obrigatório para todos os equipamentos eletro-eletrônicos
França Lei de Eficiência Energética – 1992
Índices mínimos de eficiência energética Etiquetagem - Selo obrigatório Regulmentação térmica (redução de 25% do consumo) Desempenho energético em edificações
EUA Lei Política Energética – 1992 Índices mínimos de eficiência energética atualizados a cada 4 a 6 anos Etiquetagem - Selo obrigatório para todos os equipamentos eletro-eletrônicos
Reino Unido Lei de Conservação de Energia Residencial -1996
Índices mínimos de eficiência energética Etiquetagem - Selo obrigatório para todos os equipamentos desde 1995
Fonte: www.est.gov.uk; www.ademe.fr; www.eere.energy.gov; www.oee.nrcan.gc.ca
4.6.5 Diagnósticos energéticos
Os diagnósticos energéticos consistem em uma detalhada análise por parte de
especialistas em energia em instalações industriais, comerciais, residenciais, prédios
públicos entre outros. O objetivo desses diagnósticos é providenciar informações técnicas e
financeiras para os consumidores sobre que ações e medidas podem ser tomadas visando a
redução de custos relacionados ao consumo energético.
Essas ações passam pela troca de equipamentos que estão sendo utilizados por
outros mais eficientes, pela troca de combustíveis utilizados e ainda pela mudança de
tarifa. Alguns diagnósticos acenam com a possibilidade de serem instaladas tecnologias
renováveis, como painéis solares, turbinas eólicas e o uso da biomassa. Também são
164
sugeridas a instalação de tecnologias de geração distribuída, onde a energia elétrica on-site
é gerada por meio de micro turbinas ou células fotoelétricas. (WEC, 2001a, p.87).
De uma forma geral nos países estudados, as medidas usualmente propostas
incluem a troca de equipamentos por outros mais energeticamente eficientes, troca de
sistemas e retrofits. As sugestões são na maioria dos casos, relacionadas a equipamentos de
ar condicionados, aquecimento de água, equipamentos industriais e iluminação. Estudos
realizados nestes países comprovam que a maioria das sugestões são efetivamente
implementadas. Nos EUA são implementados, em média, cerca de 50% das
sugestões/recomendações. Na França esse percentual é de cerca de 75%. O retorno do
investimento realizado, nesses casos, é realizado em um período em torno de 1,3 a 3 anos
(WEC, 2001a, p.89).
As avaliações são feitas por agências governamentais, por concessionárias de
energia elétrica ou, mais comumente, especialmente após as privatizações, pelas Empresas
de Serviços Energéticos - ESCOs. Estas são, inclusive, contratadas por governos para
executar os diagnósticos e posteriormente implementar as modificações necessárias para
tornar a instalação mais eficiente, providenciando ao mesmo tempo, o financiamento
necessário para a implementação das medidas apontadas como necessárias. O
Departamento de Energia dos EUA, por exemplo, tem estabelecido amplos contratos com
as ESCOs, para atendimento do setor público.
Em alguns países, esses diagnósticos são obrigatórios para grandes instalações que
possuem um consumo energético muito alto. Por exemplo, em Portugal, a auditoria é
obrigatória para prédios que utilizam mais de 1000 toneladas de energia ao ano.
Embora não se possa precisar com exatidão qual é o benefício econômico advindo
da realização de diagnósticos energéticos, podem ser apontados alguns resultados, como o
advindo da avaliação do programa de diagnósticos energéticos industriais, na França,
realizada pela ADEME em 1997. O investimento público realizado foi de 76 euros por
tonelada de energia economizada por ano, durante a vida útil do equipamento (incluindo os
custos administrativos da ADEME). Este valor pode ser comparado aos custos de energia
por tonelada, de 190 euros ao ano (WEC, 2001a, p.90).
A implementação dos programas de diagnósticos é uma forma de reduzir as
emissões de carbono, agregando outros benefícios de ordem ambiental, econômica etc, e a
um custo zero.
165
4.6.6 Instrumentos econômicos
Os instrumentos econômicos, especialmente os incentivos fiscais e financeiros,
visam estimular investimentos em produtos e processos energeticamente eficientes, por
meio da redução dos custos para os consumidores.
São considerados incentivos financeiros os subsídios e os empréstimos a taxas
subsidiadas, entre outros. Os subsídios são principalmente utilizados para prover fundos no
sentido de estimular a eficientização de prédios, indústrias e equipamentos existentes e
para fabricantes de novos equipamentos eficientes. De uma forma geral, o subsídio
concedido é uma parte do investimento necessário, ou proporcional à quantidade de
energia economizada.
Os subsídios foram um dos primeiros instrumentos econômicos utilizados para
incentivar a eficiência energética. Estudos comprovaram deficiências na utilização dos
subsídios em termos de resultados alcançados e, de uma forma geral, estes passaram a ser
bem mais restritivos na maioria dos países. Assim, os subsídios passam a ser utilizados no
caso de incentivo a tecnologias inovadoras com comprovados ganhos em eficiência
energética, e/ou fontes renováveis de energia, cogeração etc.
Os incentivos financeiros são utilizados, na maioria dos países estudados para
apoiar medidas de eficiência energética em residências de baixa renda.
Incentivos fiscais incluem medidas para reduzir os impostos/taxas pagos pelo
consumidor que investe em eficiência energética. É o caso da redução de impostos para a
compra de equipamentos eficientes, para o uso de combustíveis limpos e para a compra de
carros eficientes. Por outro lado, há taxação para combustíveis poluentes, tais como as
taxas ambientais que se baseiam na “quantidade” de CO2 emitido por cada combustível
utilizado.
Os quadros 8 e 9 a seguir, mostram os principais incentivos fiscais e financeiros
adotados nos quatro países estudados.
166
Quadro 8 - Incentivos Fiscais – Experiência internacional
Países Incentivos fiscais
EUA - Dedução de impostos para tecnologias aprovadas e desenvolvidas - Fundo de Benefício Público (taxa de geração e transmissão de energia) - Redução de impostos para compra de equipamentos eficientes - Incentivos fiscais para combustíveis alternativos (2002)
Canadá
Reino Unido - Imposto sobre mudanças climáticas (usuários comércio, indústria e setor público - eletricidade 0,43KWh; gás 0,15KWh; carvão 1,17kg/ GLP 0,96 kg) - Isenção de impostos para fontes renováveis - EESoP £ 1,20 ao ano para consumidores de eletricidade e gás natural - Redução de impostos para equipamentos eficientes
França - Taxas para atividades poluidoras (revertido para eficiência energética) - Redução de imposto VAT para produtos eficientes - Redução de imposto de renda para investimentos em eficiência energética
Fonte: www.est.gov.uk; www.ademe.fr; www.eere.energy.gov; www.oee.nrcan.gc.ca
A taxação é sempre uma medida complementar à política e às ações de eficiência
energética, no sentido de determinar a efetividade destas (WEC, 2001a). Taxações e/ou
incentivos fiscais têm sido uma iniciativa comum aos governos que possuem objetivo de
incentivar a eficiência energética.
As experiências internacionais demonstram que a taxação tem sido utilizada como
um dos pilares da política de conservação de energia.
167
Quadro 9 – Incentivos Financeiros – Experiência internacional
Países Incentivos financeiros
EUA - Incentivos para compra de veículos eficientes (até US$ 4,000) - Incentivos para setor residencial - Incentivos para veículos híbridos e celulas fotoelétricas - Incentivos para construção mais eficientes - Rebates - Incentivos para retrofits (via contratos de desempenho–ESCOs)
Canadá - Incentivos para a construção de prédios comerciais eficientes -até C$60 mil; para prédios industriais - até C$80 mil - Incentivos para o uso do gás natural - Incentivo de C$ 5 mil para auditorias energéticas industriais, via contratos de desempenho - Investimentos em eficiência energética para prédios governamentais - Rebates para produtos da marca Energy Star
Reino Unido - Incentivos para aquecedores eficientes - Incentivos a municípios que investem em eficiência energética no setor residencial - Empréstimos sem juros (5 a 50 mil £ p/ compra equipamentos eficientes) - Doação de recursos a pessoas idosas ou carentes
França - Subsídios 50% diagnósticos energéticos nos setores residencial/comercial/industrial - Incentivos para aquecimento para pessoas baixa renda - Fundos específicos eficiência energética no setor industrial - Investimento em aparelhos eficientes - Auditoria para a iluminação pública e para o setor público - Bônus para a retirada de veículos com mais de 8 anos de uso
Fonte: www.est.gov.uk; www.ademe.fr; www.eere.energy.gov; www.oee.nrcan.gc.ca
Financiamento dos instrumentos econômicos
Os programas de eficiência energética são financiados de diferentes formas. Um
método bastante utilizado é o de consumidores pagarem uma sobretaxa sobre a energia
elétrica consumida gerando um fundo comum, como no Reino Unido, destinado a
investimentos de eficiência energética. Esses fundos, dependendo do país, são
administrados pelas distribuidoras de energia, pelas agências de eficiência energética, por
168
Organizações não Governamentais, e/ou pelos governos. Neste último caso, enquadra-se a
Inglaterra e o Brasil.
A ADEME, na França, administra o FOGIME e o FIDEME, fundos que dão
garantia para os empréstimos efetuados pelas empresas com Bancos. No primeiro caso, o
FOGIME (Fundo de Garantia para investimentos de longo prazo) garante até 70% do
empréstimo contratado por pequenas empresas, desde que estas tenham sido auditadas
pela ADEME. O FIDEME (Fundo de Investimento para a eficiência energética) se propõe
a auxiliar financeiramente os fabricantes de equipamentos energeticamente eficientes, com
empréstimos a taxas abaixo do mercado (WEC, 2001a).
Outras fontes de financiamento para a eficiência energética são as agências
multilaterais, tais como o Banco Mundial, Global Environment Facility etc. Os Bancos são
fontes de financiamento para as ESCOs, que fazem melhorias na eficiência energética de
empresas e se remuneram por meio da energia economizada.
O papel das ESCOs é relevante, no sentido de incentivar as empresas a se tornarem
mais energeticamente eficientes, sem necessidade de realizar altos investimentos. Por
outro lado, o papel dos Governos de incentivar a eficiência energética, estabelecendo
parâmetros legais, além de incentivos fiscais é de fundamental importância na
implementação e continuidade dos programas de eficiência energética.
No caso de contrato de performance, as ESCOs são responsáveis pela parte técnica
e financeira dos serviços de eficiência energética nas empresas, nas indústrias e no setor
público. Geralmente, os bancos são os financiadores desses serviços e correm um risco
calculado sobre o investimento realizado.
Visando quebrar as barreiras que impedem ou dificultam a ampliação da eficiência
energética, especialmente no que se refere ao financiamento por parte dos investidores, foi
implementado um Protocolo Internacional de Medição e Verificação da Performance
Energética (International Performance Measurement and Verification Protocol - IPMVP),
criado com o objetivo de medir e verificar a economia prevista nos contratos de
performance (Energy Savings Performance Contracts), ganhando, assim, a confiança dos
investidores. Estudos demonstram que o IPMVP também é uma base técnica confiável
para a contabilização de créditos de emissões de gases de efeito estufa, uma vez que
verifica a quantidade de emissões evitadas por meio do uso de eficiência energética e
fontes renováveis.
De uma forma geral, o monitoramento é crucial para se checar a efetividade dos
instrumentos citados. As avaliações periódicas contribuem, sobremaneira, para a análise
169
da relação custo-benefício dos investimentos realizados em eficiência energética, o que
permite a continuidade ou a interrupção de alguns programas.
Como podemos constatar, os instrumentos acima citados são utilizados de forma
complementar na maioria dos países. Embora em alguns casos é dada ênfase a
determinado instrumento, quase todos são utilizados nos países estudados. Alguns casos os
instrumentos já foram reavaliados e cancelados e/ou transformados. Outros, já
aproveitaram experiências precedentes, implantadas em outros países e/ou outros estados
(como no caso dos EUA) e implementaram instrumentos já mais aperfeiçoados.
A França, por exemplo, possui programas mais abrangentes, como já foi citado, e
mais interdisciplinares, preocupando-se mais com a sustentabilidade ambiental e menos
com regulamentações específicas.
A maioria dos países introduziu um prêmio de eficiência energética para soluções
inovadoras. No Canadá, o Canada´s Energy Efficiency Award já está em seu terceiro ano
de existência até o início do ano de 2003, e divide-se em sete categorias, tais como:
equipamentos e tecnologias; residências; prédios; indústria; transportes; divulgação;
competição para estudantes de graduação.
4.7 ASPECTOS QUANTITATIVOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
Embora a União Européia já possua um número razoável de estudos relacionados a
programas de eficiência energética, há uma maior disponibilidade de estudos quantitativos
referentes às ações de eficiência energética nos EUA, o que fez com que ressaltássemos os
dados desse País na tese.
Serão abordados aqui, alguns estudos que apontam resultados quantitativos sobre
os investimentos realizados com e sem programas de eficiência energética. Estes
programas podem se diferenciar em cada estudo elaborado. Os resultados alcançados se
assemelham, apontando dados otimistas em relação à dedução de emissões de gases de
efeito estufa e redução de consumo energético.
A seguir, veremos alguns resultados de estudos realizados:
a. No quadro 10 verificamos o resultado de estudos realizados em três áreas
críticas com altas demandas de energia elétrica nos EUA, que obtiveram uma redução de
demanda nos horários de pico da ordem de 4300MW, equivalente a 15 usinas de médio
170
porte, como resultado de ações de eficiência energética, somente no ano de 2001. (New
York, Pacific Northeast e Califórnia).
Quadro 10 - Custos e impactos estimados de programas de eficiência energética e conservação de energia no ano de 2001 - EUA
Áreas Custo do programa (US$ milhões) Economia estimada (MW)
California 971 3.668
Northwest 150 390
New York 72 263
Fonte: ACEEE, 2002.
b. O quadro 11 aponta, em linhas gerais, as estimativas de investimentos para os
anos 2010 e 2015, retornos previstos e criação de empregos gerados pela implementação
de programas de eficiência energética. Esses dados permitem inferir que os investimentos
em eficiência energética podem gerar um retorno financeiro elevado de cerca de 2 para 1,
ou seja, para cada dólar gasto em eficiência energética, estima-se uma economia de quase
dois dólares. Além do retorno financeiro, ressalta-se o grande número de empregos
gerados por meio do investimento em eficiência energética. Esses números não incluem os
benefícios indiretos da redução do uso da energia e dos custos ambientais.
Quadro 11 - Estimativa de retornos para investimentos em eficiência energética nos EUA
Ano 2010 2020
Estimativas de investimento 213 bilhões 627 bilhões Estimativas de retorno 416 bilhões 1137 trilhão Criação de empregos 1.1 milhões
Fonte: (Geller, Bernow & Dougherty, 1999).
c. O quadro 12 mostra os resultados gerais da implementação de 10 políticas de
eficiência energética apontadas no estudo realizado por Geller, Bernow & Dougherty
(1999). Os principais resultados são que a implementação das políticas de eficiência
energética acarretará a redução de consumo de energia em 18% em 2010 e de 33% em
2020. As energias renováveis serão responsáveis por 12% de energia ofertada em 2010 e
171
19% da energia total em 2020. Sem a introdução dessas políticas, a energia renovável
contribuirá somente com 7,5% da oferta energia total de energia em 2020.
As emissões de carbono, por sua vez, sem a implementação das políticas de
eficiência energética, podem atingir níveis 33% acima das emissões em 1990 em 2010 e
47% acima em 2020. Com as políticas implementadas, as emissões de carbono decrescem
atingindo níveis 30% menores em 2010 e 55% menores em 2020136. Os benefícios
econômicos estimados somam US$ 203 e US$ 510 bilhões em 2010 e 2020
respectivamente.
Quadro 12 - Resultados gerais considerando a implementação de políticas de eficiência energética para 2010 e 2020 - EUA
1997 2010 2010 2020 2020
Sem investi-mentos em e.e.
Com implementação Políticas
Sem investi-mentos em e.e.
Com implementação políticas
Energia Uso final (Q)137 70.4 84.7 74.8 92.6 73.4 Consumo de energia (Q) 93.2 111.9 92 121.1 80.5
Renováveis fonte não hídricas(Q) 3.6 5.0 7.7 5.7 11.6
Renováveis de fonte hídrica(Q) 3.1 3.2 3.2 3.4 3.4
Intensidade por Unidade GDP (Q/trilhões $) 12.9 11.3 9.3 10.4 6.9
Carbono Emissões (MMT) 1,453 1,779 1,277 1,968 894
Intensidade por unidade de energia (MMT/Q) 15.7 15.9 13.9 16.3 11.1
Intensidade por unidade GDP (MMT/trilhões $) 204 180 129 168 77
Gases poluentes
Dióxido de enxofre (MMT) 18.2 12.3 5.4 12.4 2.9 Óxidos de nitrogênio (MMT) 17.8 11.7 9.9 11.7 8.4 Particulados (MMT) 1.4 1.3 1.1 1.4 1.0
Impactos Econom.
Benefícios (bilhões $) - - 203 - 510 Fonte: Geller, Bernow & Dougherty, (1999)
136 Embora não se chegue a atingir os índices necessários para alcançar a meta do Protocolo de
Kioto, (7% abaixo das emissões de 1990 durante 2008/12 está bem próximo (i.e., mais uma redução de 30 MMT).
172
d. O quadro 13 apresenta a redução de emissões de carbono para cada uma das dez
políticas implementadas. As políticas relacionadas a edificações são responsáveis por cerca
de 22% das deduções de emissões. A política industrial é responsável por cerca de 25% das
deduções. A política relacionada ao setor de transportes atinge cerca de 33% das emissões,
enquanto que a relacionada à oferta de energia é responsável pela redução de cerca de 20%
destas.
Quadro 13 - Redução de emissões para cada política adotada (MTM) - EUA
1990 2010 2020 Total de emissões sem implementação de políticas 1,338 1,779 1,968Reduções no setor de edificações 0 119 238Ìndices mínimos de eficiência e etiquetagem 0 23 41Códigos para edificações 0 11 19Retrofits em edificações 0 14 36Prédios públicos 0 70 142Reduções no setor industrial 0 153 281CHP 0 49 121Acordos voluntários 0 71 95Benefícios públicos 0 33 65Reduções no setor de transportes 0 130 355Padronização de gases do efeito estufa em combustíveis 0 22 124Melhoria da eficiência nos veículos 0 109 231Reduções no setor elétrico 0 98 199Utilização de energias renováveis 0 55 158Padronização da emissão na produção termelétrica usando carvão mineral 0 43 40
Total de emissões com implementação de políticas em 2010 e 2020 1,338 1,277 894
Fonte: Geller, Bernow & Dougherty, (1999)
A implementação das políticas de eficiência energética reduziria a emissão de SO2
em cerca de 62% em 2010 e 84% em 2020. A emissão de particulados diminui em cerca de
20% em 2010 e 35% em 2020 e as emissões de NOx seriam reduzidas em 17% em 2010 e
30% em 2020.
137 Q=quatrilhões de Btus
173
e. Um outro estudo mais recente de Nadel & Geller, (2001) aponta resultados
semelhantes aos obtidos no estudo anterior, com percentuais mais moderados em relação a
redução de consumo de energia caso sejam implementadas algumas outras políticas de
eficiência energética138:
A redução do consumo da energia é de 1,3% em média ao ano com a
implementação das políticas, sendo que em 2010 esse percentual seria equivalente a 11% e
26% em 2020 (no estudo anterior os percentuais eram de 18% e 33% para 2010 e 2020
respectivamente).
O quadro 14 mostra a redução do uso de energia com a implementação das políticas
de eficiência energética apontadas por Nadel & Geller, (2001).
Quadro 14 - Redução do uso de energia por política setorial implementada nos EUA
Ano 2010 2020
Consumo total de energia com implementação das políticas de eficiência energética
102,2 94,2
Política industrial 4,5 9,5 Política comercial 2,7 7,9 Política transporte 2,1 7,7 Política residencial 2,5 7,2 Política oferta de energia 0,6 1,5 Consumo total de energia sem implementação das políticas de Eficiência Energética
114,6 128,1
Fonte:Nadel & Geller, (2001)
Nesse estudo, os investimentos previstos são inferiores ao estudo efetuado em 1999
e citado acima. A implementação dessas políticas prevê um investimento de US$127
bilhões até 2010 e de US$495 bilhões até 2020 (no estudo anterior era de US$213 e
US$627 milhões). Estima-se que os consumidores economizarão cerca de US$1,1 trilhão
até 2020, (a mesma quantia do estudo anterior), o que permite um ganho proporcional
138 Aumentar a média de economia de combustível para veículos; Adotar um fundo nacional para
implementação de programas de eficiência energética para os estados e concessionárias de energia; Aprovar legislações para padrões mínimos de eficiência energética para equipamentos e máquinas ainda não existentes na regulamentação vigente; Implementar incentivos (por meio de impostos) para veículos eficientes, novas residências, prédios comerciais e outros produtos; Expandir P& D em eficiência energética em nível federal; Promover sistemas de co-geração ; Reduzir o uso de energia nas indústrias por meio de acordos voluntários e incentivos; Melhorar a eficiência e reduzir as emissões das usinas geradoras de energia existentes; Expandir a adoção dos códigos para edificações e desenvolver e implementar novos e mais avançados códigos
174
maior entre o investimento previsto e o retorno alcançado (para cada dólar investido o
retorno é de 2,3 dólares até 2020).
f. Em um outro estudo realizado pelo DOE/EERE, a previsão é de que o aumento
de eficiência energética e a expansão do uso de energias renováveis utilizada em todas as
atividades econômicas podem reduzir o consumo de energia nacional em 8 a 9% em 2010
e de 14 a 22% em 2020. Levando-se em conta o custo das medidas implementadas, os
consumidores residenciais e empresariais economizariam US$50 bilhões anualmente em
2010 e US$100 bilhões ao ano em 2020. Considerando que os estudos anteriores apontam
uma economia de 1,1 trilhão até 2020, este estudo tem uma perspectiva ainda mais otimista
em relação aos programas de eficiência energética.
O quadro 15 mostra a comparação dos cenários elaborados pelos três estudos
explicitados acima, referentes à redução do consumo de energia e ao benefício financeiro
gerado a partir dessa redução.
Quadro 15 - Comparação da redução de consumo e de economia gerada prevista nos três estudos apontados - EUA
Ano 2010 2020
Redução de consumo de energia (Geller, Bernow & Dougherty, 1999)
18% 33%
Redução de consumo de energia (Nadel & Geller, 2001)
11% 26%
Redução de consumo de energia (DOE/ EERE,2000)
8 a 9% 14 a 22%
Economia gerada (Geller, Bernow & Dougherty, 1999)
416 bilhões 1,1 trilhão
Economia gerada (Nadel & Geller, 2001) ------- 1,1 trilhão
Economia gerada (DOE/ EERE,2000)
50 bilhões ao ano 100 bilhões ao ano
Fonte: Geller, Bernow & Dougherty, 1999; Nadel & Geller, 2001; DOE/ EERE,2000.
Os três estudos apontados acima apontam cenários otimistas para os anos de 2010 e
2020. Para alcançá-los, porém, os programas e investimentos em eficiência energética
necessitam ser bem mais agressivos do que vêm sendo efetivamente realizados.
g. O estudo realizado nos estados de New York, New Jersey e Pennsylvania (Nadel
et alli, 1997) mostra como investimentos em tecnologias de eficiência energética podem
175
contribuir para a diminuição de gastos e ao mesmo tempo propiciar novas oportunidades
de emprego, bem como ampliar as atividades econômicas de uma maneira geral e a
qualidade de vida.
Os cenários apontados foram baseados em análises do potencial de eficiência
energética em edificações no setor residencial, comercial, industrial, assim como melhorias
no setor de transportes. A análise estima os investimentos necessários para alcançar a
economia de energia apontada bem como os resultados econômicos e ambientais para a
região no ano de 2010. Os resultados do estudo mostram que em 2010, os investimentos
em energia eficiente nos estados do meio atlântico americano viriam:
- Reduzir o uso de energia na região acima de 20%, reduzindo as contas de energia dos
consumidores residenciais e comerciais em mais de US$150 bilhões no período de
1997-2010;
- Criar 164.000 empregos na região;
- Reduzir emissões de poluentes em 24%;
O cenário acima requer um investimento de cerca de US$66 bilhões (entre 1997-
2010). Nesse sentido, o estudo nos mostra que o custo benefício dos investimentos em
eficiência energética no período será de 2.35, o que poderá ser ampliado se houver
continuidade dos investimentos, posteriormente.
A economia regional aumentará de US$1,022 bilhões em 1993, para US$1,327
bilhões em 2010. Com os investimentos em eficiência energética, a economia terá um
adicional de $612 milhões em 2010.
No que se refere à emissão de gases de efeito estufa, haverá uma redução de
dióxido de carbono de 161 milhões de toneladas em 2010, ou seja, uma redução de 29%
acima das emissões, sem investimentos em eficiência energética. Os óxidos nítrico e
sulfúrico diminuirão em 400 mil toneladas no ano de 2010.
h. A parceria entre governo e indústria é objeto deste estudo realizado por Geller &
McGaraghan, (1996). As três tecnologias abordadas neste estudo visam aumentar os
benefícios para fabricantes, consumidores e para o meio ambiente. As três tecnologias
combinadas proveram os fabricantes dos EUA com cerca de US$ 3,5 bilhões em vendas
adicionais cumulativamente, desde 1995. A economia de energia primária proveniente do
uso destas três tecnologias alcançou cerca de 250 trilhões de Btus ao ano. O valor desta
176
economia em energia é de cerca de US$ 1,5 bilhão por ano. Além disso, os consumidores
podem economizar US$ 10 bilhões em benefícios com duração indeterminada, em janelas
eficientes, reatores eletrônicos e sistemas de refrigeração altamente eficientes produzidos
nos EUA desde 1995.
O custo destes três projetos foi de cerca de US$ 24 milhões e os benefícios já
ultrapassam a relação de 400:1. Esse retorno aumentará a medida em que sejam vendidos e
utilizados mais produtos.
No que se refere à produção de gases poluentes, as três tecnologias permitiram (no
ano de 1995) a redução da emissão de CO2 —18.5 milhões de toneladas, emissões de SO2
—100.000 toneladas, emissões de NOx - 76,000 toneladas, emissões de CO - 814
toneladas, emissões de particulados - 3,700 toneladas.
i. Em um estudo realizado por Geller, DeCicco & Laitner, (1992) o investimento
adicional em medidas de eficiência energética com um cenário de alta eficiência seria, em
média, de US$46 bilhões ao ano durante o período de 1992-2010. Esses investimentos
resultam em um consumo de energia 20% menor do que o cenário base (ainda que haja
uma pequena elevação da demanda de energia em todo o período). Constata-se uma
redução do consumo de energia per capita de 2,4% ao ano entre 1990 e 2010. Com isso,
estimou-se uma dedução de 24% nas emissões de dióxido de carbono (CO2), 14% de
redução nas emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e 5% de redução nas emissões de
dióxido de enxofre (SO2) em 2010.
Baseado em análise de custo benefício, o cenário de investimentos em eficiência
energética traz mais empregos, maior renda per capita em todo o período analisado,
conforme quadro 16. O estudo estimou cerca de 293.000 novos empregos em 1995,
471.000 novos empregos em 2000 e aproximadamente 1.1 milhão de empregos em 2010, o
que representa 0.7% de aumento da taxa de emprego projetada para esse ano. Da mesma
forma, o aumento da renda nesse período atinge 0.5% em 2010, enquanto que a previsão
era de menos de 0.1%.
O resultado positivo do investimento em eficiência energética na geração de
empregos dá-se principalmente, em função da relativa baixa intensidade de emprego no
setor energético (na produção, beneficiamento, distribuição, etc) comparativamente com os
setores econômicos de uma maneira geral, como já citado anteriormente. A conservação de
energia reduz o pagamento de contas de energia paga pelos consumidores residenciais e
comerciais, possibilitando a transferência desta renda adicional para outros bens,
177
equipamentos e serviços. O resultado é que há um rearranjo da atividade econômica uma
vez que a renda é transferida da indústria de suprimento de energia para outros setores que
empregam mais trabalhadores por cada unidade monetária recebida. Por outro lado, a
indústria de eficiência energética emprega mais mão de obra do que a de suprimento
energético de um modo geral, pela quantidade de serviços (ESCOs, agentes financeiros,
fabricantes de equipamentos, distribuidores, empresas de serviços ambientais, etc).
No setor de transportes, o cenário de eficiência nos veículos produz 72.000 e 224.000
mais empregos na economia de um modo geral em 2000 e 2010, comparativamente ao
cenário de referência. Cerca de 20% do aumento de empregos encontra-se na indústria de
motores para veículos.
Quadro 16 - Análise de custo benefício baseado em cenários com e sem investimentos em eficiência energética nos EUA
Ano 1990 1995 2000 2005 2010
Cenário de referência GDP (bilhões)
5,514 6,205 6,993 7,889 8,911
Empregos (milhares) 122.600 129.273 136.494 144.273 152.650 Energia (Quads) 85.02 90.49 95.61 101.20 106.10 Btu/GDP (1990$) 15,.419 14,582 13,672 12,827 11,906 Cenário alta eficiência GDP (Bilhões 1990$)
5,.514 6,206 6,993 7,891 8,914
Empregos (milhares) 122.600 129.566 136.965 145.049 153.737 Renda (Bilhões) 3,290 3,719 4,203 4,761 5,394 Energia (Quads) 85.02 90.49 95.61 101.20 106.10 Btu/GDP (1990$) 15,419 14,040 12,593 11,033 9,574
Fonte: Geller, DeCicco & Laitner, (1992)
Como vimos, tanto estudos de órgãos oficiais de eficiência energética
(DOE/EERE) como os realizados por pesquisadores de Organizações não Governamentais
(ACEEE) apresentam resultados animadores para a continuidade da implementação das
políticas de eficiência energética.
A introdução dos programas de eficiência energética induz investimentos em
processos industriais avançados, iluminação, aparelhos mais eficientes, veículos movidos a
combustíveis mais eficientes, tecnologias de energias renováveis, usinas de geração de
energia mais limpas, entre outras. Cria, ainda, renda e empregos para as empresas que
produzem equipamentos eficientes, amplia o mercado e serviços em energia eficiente e
178
energia renovável. A diminuição das contas de energia no setor residencial e empresarial,
transfere a renda para outras áreas da economia (como alimentação, diversão, construção,
etc) que são mais intensivas em emprego do que a produção de energia.
∗ ∗ ∗
Neste capítulo foram introduzidas as experiências internacionais de política de
eficiência energética, mostrando a efetividade dessas ações como instrumento de política
ambiental. Procurou-se estabelecer uma análise comparativa entre alguns dos programas
implementados nos quatro países e apresentar resultados quantitativos da experiência norte
americana de programas de eficiência energética. No próximo capítulo será abordada a
experiência nacional com relação às ações de eficiência energética.
179
5. EFICIÊNCIA ENERGÉTICA – A EXPERIÊNCIA NACIONAL
No Brasil, os principais programas para incentivar a racionalização da produção e do
uso da energia foram o Programa de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL), criado
em 1985 pelo MME e executado pela Eletrobrás, e o Programa Nacional de Racionalização
do Uso dos Derivados de Petróleo e do Gás Natural (CONPET), criado em 1991 e
executado pela Petrobrás.
Esta tese enfoca as ações do PROCEL e suas interações, ao longo de sua existência,
visto que esse Programa embora tenha sofrido contratempos, modificações e desafios, vem
cumprindo a função de diminuir o desperdício de energia. Segundo o Secretário Executivo
do Procel, até o final do ano de 2002, foram economizados cerca de US$ 4 bilhões. A meta
estipulada para o ano de 2015, segundo o Plano de Longo Prazo 2015, é de cerca de US$ 11
bilhões, com a redução de demanda de 130 bilhões de KWh, evitando a instalação de
25.000 MW.
Os países desenvolvidos trabalham concomitantemente a energia e o meio ambiente,
enquanto no Brasil os dois setores ainda não possuem uma sistemática de trabalho conjunto.
Deve-se levar em consideração, no entanto, que na década de 1990 houve um considerável
avanço, no que se refere a ambientalização da política energética.
No que se refere à eficiência energética, esta ainda não é tida, na prática, como um
instrumento de políticas públicas de meio ambiente no Brasil. Embora o País considere o
tema das mudanças climáticas e da poluição atmosférica urbana nas políticas públicas
ambientais, não houve total conscientização, por parte dos tomadores de decisão, de que
uma das formas efetivas de combate à poluição atmosférica, e de diminuição da emissão de
gases causadores do efeito estufa seja a institucionalização de programas de eficiência
energética.
Com a reestruturação do setor energético brasileiro, faz-se necessário uma atuação
mais incisiva por parte das políticas e de meio ambiente e de energia, de forma que as ações
de eficiência energética também passem a fazer parte, da “nova” política energética e da
instrumentação de planejamento e gestão ambiental.
No âmbito da política do setor elétrico, o então Presidente da Eletrobrás Luiz
Pinguelli Rosa, ao tomar posse, em março de 2003, garantiu dar prioridade para projetos de
conservação de energia, revitalizar o PROCEL, a eficiência energética, a co-geração e a
geração distribuída a gás natural nas empresas consumidoras, bem como dar prioridade à
180
área de meio ambiente, incluindo os impactos ambientais e sociais das barragens, a poluição
atmosférica das termelétricas, o efeito estufa, os riscos dos reatores nucleares, entre outros.
5.1 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA: RAZÕES ECONÔMICAS, DE SEGURANÇA E AMBIENTAIS
A eficiência energética tem concomitantemente vinculação com problemas
ambientais globais, como o efeito estufa e as mudanças climáticas; regionais, como as
chuvas ácidas provenientes das chaminés das fábricas/indústrias, nacionais e locais como a
poluição atmosférica na maior parte dos centros urbanos.
Embora seja um problema global e responsável pela implementação dos programas
de eficiência energética na maioria dos países desenvolvidos, no Brasil o efeito estufa não é
o fator prioritário para a implantação das ações de eficiência energética139 Os fatores
principais que incentivam o país a estabelecer programas de eficiência energética são de
ordem econômica, e de segurança/energético (suprimento de energia elétrica).
Tradicionalmente, a política energética procurava atender a demanda por
meio de custos mínimos, sem inserir os custos ambientais e sociais
envolvidos e sem reconhecer o potencial de eficiência energética que
poderia suprir as necessidades energéticas. (…) Hoje, a eficiência
energética é o maior, mais barato e mais seguro recurso energético
brasileiro. Isso ocorre porque a eficiência está calcada em tecnologia
avançada, o que vem tornando-se totalmente viável enquanto que os
combustíveis fósseis vêm sendo exauridos (…) Economizar energia custa
muito menos do que importá-la, não polui o ambiente, gerando empregos
e o desenvolvimento econômico local (Lovins & Swisher, 2003:1).
139 Isso ocorre porque: 1º O Brasil utiliza predominantemente fonte hidráulica para a geração de
energia elétrica. 2º. Os países desenvolvidos contribuem substancialmente mais para o aumento do efeito estufa do que os não desenvolvidos. Segundo a OCDE, em 1997 enquanto os EUA emitiam 20,4 toneladas de CO2 por habitante, o México emitia 3,5 toneladas por habitante. 3o. Na Convenção de Mudanças Climáticas, somente os países desenvolvidos têm a obrigatoriedade de diminuír a emissão de gases causadores do efeito estufa.
181
5.1.1 Eficiência energética visando suprir a demanda de energia elétrica
Nas últimas três décadas do século XX, o crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) foi inferior ao aumento do consumo de energia elétrica, conforme pode-se observar na
figura 3.
Figura 3 - Variação do PIB x Consumo de energia elétrica (%) - Brasil
0
2
4
6
8
10
12
1970-80 80-90 90-94 1995 1996 1997 1998 1999 2000-04
PIB Consumo de Energia Elétrica
Fonte: Secretaria de Energia - MME, 1999.
Os setores residencial e comercial foram os maiores responsáveis pelo aumento do
consumo de energia elétrica. O setor industrial não foi o protagonista desse aumento da
oferta de energia elétrica nas últimas décadas face, principalmente, à falta de um
crescimento econômico significativo no País, associado ao uso de tecnologias mais
eficientes. A previsão para o período 2000-2004, segundo o MME, é que o crescimento da
demanda de energia permaneça maior do que o crescimento do PIB, mesmo após a crise de
energia de maio de 2001 e as ações de eficiência energética que se seguiram após a mesma.
A partir dessas perspectivas, fazem-se necessárias políticas de geração de energia
elétrica que venham suprir a demanda crescente. As usinas hidrelétricas, responsáveis por
cerca de 90% do fornecimento no País, dependem das condições climáticas para que os
níveis de seus reservatórios correspondam às necessidades de geração, o que tem criado
182
situações de inconstância e incerteza dentro do setor elétrico140, chegando a limites, como a
crise de energia elétrica citada acima.
Tais crises são situações conjunturais previsíveis. Pesquisadores, técnicos e
dirigentes do setor elétrico já haviam alertado para o possível colapso e necessidade de
racionamento de energia elétrica. Os argumentos utilizados eram a paralisação e/ou
adiamento de obras de usinas hidrelétricas e termelétricas e a falta de investimentos no setor
que equilibrassem a relação entre a demanda e a oferta, a perda de esforços e tempo
vinculados à desregulamentação, a privatização do setor elétrico e, principalmente, a falta
de incentivos para programas de eficiência energética, que contribuíssem para minimizar o
risco de escassez de energia.
Embora existam planos de construção de usinas hidrelétricas e principalmente de
termelétricas, há uma defasagem temporal entre a construção desses empreendimentos e a
urgência do suprimento de energia elétrica. Tal demora se dá – além do próprio prazo
estipulado para a construção de uma usina - principalmente, pela dificuldade do Governo
negociar com a iniciativa privada141, responsável pela maioria dos projetos de implantação
de usinas.
Nesse contexto, as ações de eficiência energética aparecem como forte alternativa,
ao diminuir o desperdício de energia, otimizar a sua produção e uso e promover uma
utilização da energia existente de forma mais racional e eficiente. Evita ou adia a
necessidade de produção adicional de energia e conseqüentemente novos investimentos,
minimizando, ainda os impactos ambientais negativos da expansão da produção.
O uso eficiente da energia propicia, ainda, benefícios relacionados à diminuição da
poluição atmosférica - provocada por equipamentos e/ou máquinas ineficientes, como o
caso dos veículos e motores movidos a diesel e gasolina - a emissão de gases do efeito
estufa, a melhoria da saúde e a geração de empregos.
5.1.2 O fator economia
140 Todos os anos o baixo volume de chuvas que ocorrem nos meses de janeiro e fevereiro,
acarretam apreensões no sentido de que o estoque de energia disponível para o período de estiagem seja suficiente para cobrir a demanda de energia elétrica. De acordo com estudos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a construção de novas usinas hidrelétricas e termelétricas viria sanar o problema.(Gazeta Mercantil, 20/02/01) Entretanto, isso não ocorreu, desencadeando a crise de energia elétrica de 2001.
183
O desperdício e o consumo exacerbado de energia causa um maior impacto na
sociedade de uma maneira geral se esta for afetada em termos econômicos142. Durante muitos
anos, o setor elétrico manteve a tarifa da energia subsidiada143 para os usuários residenciais e
industriais, não causando prejuízos significativos para o consumidor que utilizasse energia
além do essencial.
O subsídio ao preço da eletricidade reduz o interesse e a relação custo-benefício dos
projetos de conservação, tanto na perspectiva do consumidor, quanto na perspectiva da
concessionária. Estas, financeiramente “prejudicadas”, não investem em atividades “não
essenciais” como programas de conservação de energia (Geller, 1994).
Segundo Jannuzzi & Gomes, (2001, p.15) faz-se necessário estabelecer maneiras de
compensar ou de fazer com que as empresas percebam impactos positivos para seus
investimentos em eficiência energética. Segundo os autores, o sistema atual de tarifas (price-
cap)144 é um forte inibidor para as distribuidoras, quando se trata de programas de eficiência
energética voltados ao uso final. De acordo com Kozloff et al. (2000), isso poderia ser
solucionado com um outro sistema de tarifa, como o revenue – cap145. Ainda assim, com a
privatização do setor elétrico, o impacto do aumento na tarifação é significativo para os
consumidores em todos os setores, uma vez que as empresas concessionárias privadas têm
interesse em vender energia a preços de mercado.
Embora os países cuja energia elétrica foi privatizada utilizem o argumento da
melhoria de serviços e da diminuição do preço da energia, o que se constata é que os preços,
na maioria dos casos, se acentuaram após as privatizações. No Brasil, onde houve um
141 A dificuldade se dá, sobretudo, devido à indefinições sobre o repasse dos custos dos
investimentos às tarifas para o consumidor exigidos pelas empresas privadas, ou no preço do gás natural, utilizado como combustível para geração de energia nas usinas termelétricas.
142 A crise de energia elétrica que ocorreu em 2001, foi um exemplo claro de que a sociedade
aprende rapidamente, a não desperdiçar, se isto significar um custo financeiro alto. 143 Entre 1973 e 1988, a tarifa média real de eletricidade residencial caiu 55%. No ano de 1989, os
domicílios com consumo abaixo de 300KWh/mês pagaram 50 a 80% a menos do que o custo real do fornecimento de eletricidade para usuários residenciais. As grandes industriais que recebem energia a altas tensões, pagavam cerca de 30% a menos que custo real de fornecimento de eletricidade em 1989 (Geller, 1994).
144 O regime tarifário price-cap foi adotado para as distribuidoras privatizadas no Brasil. Trata-se de
um mecanismo de tarifação que se constitui na definição de um preço-teto para os preços utilizados por uma deteminada empresa (Pires & Piccinini, s/d).
145 A Coopers & Lybrand, consultora contratada para elaborar o modelo de reestruturação do setor
elétrico, sugeriu uma variante de tarifas para os processos revisionais que seriam realizados 6 anos após a privatização. Assim, com o revenue-cap o controle seria feito sobre as receitas das concessionárias (Pires& Piccinini, s/d).
184
aumento significativo de 131,76%, em média, o caso se agravou. As pressões das empresas
distribuidoras para aumento dos preços são muito fortes, havendo ameaças de deixar o
Brasil. A americana PPL Corporation desistiu e deixou a Cia. Energética do Maranhão -
CEMAR sob intervenção da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, por 180 dias.
Neste mesmo rumo encontravam-se a AES Corporation, a EDF e a EDP ao final do ano de
2002 (Isto É, 11/09/2002).
Dessa forma, os consumidores residenciais e comerciais, parcela significativa do
mercado de energia elétrica, passam a ter cada vez mais noção do que é o custo real da
energia e quanto esta impacta o seu orçamento mensal. Como não há indícios das tarifas
diminuírem - muito pelo contrário, a tendência é o aumento paulatino dos preços - a
sociedade só tem como alternativas diminuir o consumo, ou aumentar, significativamente,
seus custos.
Por outro lado, o programa prioritário do Governo brasileiro de construção de usinas
termelétricas, em curto prazo de tempo, tem um custo elevado que recai sobre o
consumidor146.
O setor industrial, outro grande consumidor de energia no país, passou a buscar a
redução do consumo de energia147. Algumas indústrias energo-intensivas148 intencionam
tornar-se energeticamente sustentáveis. Isso é possível por meio de investimentos na
construção de usinas para autoprodução de energia elétrica. O alto preço da energia neste
setor provoca um aumento dos custos na produção, que por sua vez eleva o preço dos
produtos.
Outra forma cada vez mais utilizada de geração de energia é a co-geração por
usuários de grande porte. Neste caso, aproveita-se todas as formas de energia gerada
(térmica, a vapor) para transformá-la em energia elétrica. Este modo de geração é um
caminho para a oferta e uso de energia eficiente e sustentável.
146 O Ministro das Minas e Energia, na época da implantação do programa prioritário de
Termelétricas, Rodolpho Tourinho, admitiu que a conta a ser gerada pela antecipação da entrada em funcionamento das usinas termelétricas em 2001 seria rateada por toda a sociedade e não apenas pelos que moram nas regiões das termelétricas. “Como as termelétricas vão entrar em funcionamento sem que o ciclo de geração esteja completo, o processo encarecerá o gás produzido”. O ministro justificou que é melhor ter esse combustível mais caro do que correr o risco de ter escassez de energia (Agência Estado, 07/07/00)
147 Na Trikem, indústria petroquímica, a energia representa 70% do custo operacional da empresa,
com uma conta anual de 50 milhões de reais ao ano. (Correio Braziliense, 20/10/00). 148 A Vale do Rio Doce constrói suas próprias usinas hidrelétricas ( Porto Estrela e Aimorés para
abastecer as instalações da companhia no complexo de Tubarão, no Espírito Santo e em Minas Gerais, a
185
5.2 A EXPERIÊNCIA NACIONAL
Conforme já assinalado, os principais programas criados na década de 1980 e 1990
para incentivar a racionalização da energia foram o Programa Nacional de Conservação de
Energia Elétrica e o Programa Nacional de Racionalização do Uso dos Derivados de
Petróleo e do Gás Natural. Nesta tese iremos nos ater ao PROCEL, pois, como já citado,
este vem demonstrando ações e resultados mais concretos na busca da eficiência energética.
5.2.1 O Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica - PROCEL
O PROCEL foi a primeira tentativa sistemática de promover o uso racional da
eletricidade no Brasil e tem como objetivo principal combater o desperdício de energia
elétrica, tanto no lado da produção como do consumo, otimizando a forma de utilizar a
energia e reduzir os impactos ambientais.
No lado da produção, o processo de geração, transmissão e distribuição acarreta
perdas significativas. A estimativa da Eletrobrás é que 16% da energia seja desperdiçada
(30% na transmissão e 70% na distribuição)149. Pelo lado do consumo, os setores residencial
(28%), comercial (15%) e industrial (43%) são responsáveis pela maior parte do uso de
energia elétrica no País. O PROCEL estima um desperdício de cerca de 15%, em média,
para estes setores. Esse programa prevê, ainda, uma economia progressiva de energia
elétrica, que deverá alcançar 130 bilhões de kWh no ano de 2015, ou “evitar a construção de
duas hidrelétricas de Itaipu” (www.eletrobras.gov.br).
Segundo Villaverde (2000), podem ser observadas três fases distintas do Programa.
Para este estudo consideraremos, entretanto, duas outras fases além das três apontadas por
este autor. Nesse sentido, a quarta fase irá abordar o Programa a partir da privatização do
setor elétrico, quando o PROCEL sofre uma mudança na sua coordenação, acarretando a
diminuição significativa no ritmo do trabalho que vinha sendo realizado até cerca de 1998.
A quinta fase se refere às atividades do Programa a partir da crise de energia de maio de
2001 até o final do ano de 2003, período de finalização desta tese.
usina de Igarapava para fornecimento de energia às minas de minério de ferro de Itabira e Timbopeba). (Correio Braziliense, 20/10/00).
149 Para o BIRD, a estimativa de perdas aceitáveis é de até 6%.
186
1ª fase do PROCEL
Na primeira fase, de 1986 até 1991, o Programa foi direcionado para as seguintes
ações: convencimento e orientação à sociedade quanto à efetividade das ações de
conservação de energia; levantamento de dados; realização de estudos sobre o uso da
energia pelos consumidores finais; montagem e aparelhamento laboratorial visando o
desenvolvimento de pesquisas em busca de melhoria dos índices de eficiência dos
equipamentos elétricos utilizados no país. Esta fase foi pouco produtiva no sentido da
obtenção de resultados em estudos e mecanismos financeiros para o incentivo ao uso
racional de energia elétrica.
2ª fase do PROCEL
Na segunda fase, de 1991 a 1994, o PROCEL torna-se legalmente um programa
federal150. Entretanto, esse período foi prejudicado pelas reformas administrativas realizadas
no governo Collor, que paralisou os projetos em andamento. Nessa época foram criados os
Programas de Conservação de Energia nas Concessionárias – PROCECON´s, nos quais a
Eletrobrás financiava as ações de conservação de energia empreendidas por essas empresas.
3ª fase do PROCEL
Esta fase se insere a partir de 1995 até cerca de 1998 (privatização das empresas do
setor elétrico). Nessa fase, o programa foi reativado e reestruturado. As ações e atividades
desse período elevaram o Programa a uma condição de importância nunca antes adquirida
no âmbito do setor elétrico. Isso resultou tanto na ampliação de recursos quanto na
incorporação de novas ações e parcerias nacionais e internacionais. Aos recursos da Reserva
Global de Reversão – RGR151 para aplicação em projetos de conservação de energia
elétrica, somaram-se recursos obtidos junto ao Banco Mundial - BIRD. Institucionalmente,
foi montada uma rede de eficiência energética, composta por organizações governamentais
e não governamentais, empresas privadas, ESCO´s, empresas de consultoria, laboratórios,
universidades e instituições de pesquisa e desenvolvimento.
Nessa fase, o PROCEL ampliou o escopo de atividades, incorporando ações de
educação nas escolas, conscientização dos consumidores de forma a utilizar a energia de
150 Decreto Presidencial de 18 de julho de 1991. 151 A RGR é um recurso administrado pela Eletrobrás, recolhido por meio das tarifas de eletricidade
cobradas pelas empresas concessionárias, sendo um item dos custos de serviço calculado por um percentual sobre seus ativos imobilizados em serviço.
187
forma mais racional; marketing; redução de perdas no sistema elétrico, entre outras. A
eficiência energética também foi estimulada por meio de parcerias com profissionais de
projetos e construções e fabricantes de equipamentos elétricos a fim de tornarem prédios,
instalações, máquinas e equipamentos mais eficientes.
Os resultados da ação do PROCEL, até o ano de 1998, indicam investimentos
realizados pelo setor elétrico da ordem de R$ 157,9 milhões no período 1986/1998152 e um
investimento evitado da ordem de R$ 3,13 bilhões153, conforme quadro 17.
Quadro 17 - Resultados Acumulados pelo PROCEL (1986-1998) Investimentos aprovados 354,1 (milhões de US$)
Investimentos realizados até 1998 143,9 (milhões de US$)
Energia economizada e geração adi-
cional (GWh/ano)
6.746
Usina equivalente (MW) 1.566
Redução de carga na ponta (MW) 2.018
Investimento evitado 2,85 (bilhões de US$) Fonte: Villaverde, 2000; PROCEL, 1999.
Dos recursos acima, 70% foram obtidos por meio da RGR. Destes, 47% destinaram-
se a projetos de melhoria da eficiência em iluminação pública; 20% a projetos de instalação
de medidores em consumidores sem medição, 11,8% a projetos de redução das perdas dos
sistemas de distribuição e os demais em projetos de uso final da eletricidade (Villaverde,
2000).
Os resultados apresentados para esta terceira fase foram animadores, no sentido de
dar continuidade aos projetos até então implementados. No ano de 1997, por exemplo, a
economia da energia resultante dos programas do PROCEL foi de 1757,8 GWh/ano e a
redução de demanda foi de 975,6 MW. Segundo o Procel, para cada R$ 1,00 aplicado em
eficiência energética, foram economizados R$ 9,64.
Segundo Geller (2003), a economia de energia, em 1998, permitiu que as concessionárias
brasileiras evitassem implementar aproximadamente 1.560 MW de nova capacidade
152 US$ 143,9 bilhões. 153 US$ 2,85 bilhões.
188
geradora, o que significou cerca de US$ 3,1 bilhões de investimentos evitados em novas
usinas e infra-estrutura de transmissão e distribuição associadas. Por outro lado, o Procel e
as concessionárias associadas gastaram cerca de US$ 260 milhões em projetos de
eficiência energética e de melhoria do suprimento de energia, entre 1986 e 1998. Assim, do
ponto de vista do setor de concessionárias, o Procel atingiu um coeficiente custo-benefício
global de aproximadamente 12:1.
No final desta etapa, eram previstos aumentos progressivos de economia de energia
a cada ano. Em 1999, as metas previstas para os anos de 2000 a 2002 eram as seguintes
(quadro 18).
Quadro 18 - Metas de economia de energia previstas para o período 2000-2002
Ano Economia (GWh) Equivalência a usina
(MW)
Investimentos evitados
(109 R$)
2000 2309 532 1064
2001 2540 580 1160
2002 2794 634 1268 Fonte: ANEEL, 1999 – Valor médio do dólar em reais (2000 = R$1,90; 2001 = R$2,40; 2002 = R$2,80).
4ª fase do PROCEL –privatização do setor elétrico
Esta fase inicia-se em 1999, a partir da reforma e da privatização das empresas154 do
setor elétrico, quando o quadro da conservação de energia toma um rumo diverso daquele
da fase anterior. As mudanças institucionais ocasionaram a saída da maioria dos dirigentes e
técnicos que vinham definindo e implementando as atividades do PROCEL, “desmontando”
a estrutura criada, o que veio refletir, como citado, na descontinuidade do andamento da
maioria dos projetos até então em vigor.
Entretanto, podemos apontar alguns pontos positivos que entram em cena a partir de
1998 e começam a vigorar a partir de 1999:
a. A Resolução ANEEL nº 242/98, obriga a todas as empresas distribuidoras privatizadas e
que tiveram seus contratos de concessão revistos, a apresentar programas de melhoria de
eficiência energética, que deveriam ser aprovados pelo órgão regulador, a ANEEL.
154 Em 1998 já haviam 16 empresas de distribuição privatizadas.
189
b. Em julho de 1998, foi firmado pela ANEEL o primeiro Convênio de Cooperação com a
Eletrobrás no âmbito do Programa de Combate ao Desperdício de Energia Elétrica –
PROCEL (Convênio ANEEL-Eletrobrás/PROCEL nº 02/98). Esse Convênio
possibilitou a operacionalização das atividades relacionadas a eficiência energética. Em
julho de 1998 foi lançado o primeiro Manual de Orientação para Elaboração de Projetos
de Combate ao Desperdício de Energia Elétrica, correspondente ao ciclo 1998/99155, que
viria orientar as empresas dos procedimentos necessários para a implementação dos
projetos. O Convênio ANEEL/ PROCEL veio propiciar o suporte técnico, ao viabilizar
a análise, do ponto de vista econômico-financeiro, dos projetos de eficiência energética
propostos pelas concessionárias.
Nessa perspectiva, o suporte do PROCEL é indispensável para essa tarefa,
uma vez que aí está o patrimônio de conhecimento tanto do mercado de
eficiência energética como das condições técnicas das concessionárias
para a realização dessas tarefas (Alveal e Junior, 1997).
c. A transformação da Resolução ANEEL 242/98 (citada no item a) em Lei nº 9991, de 24
de julho de 2000 é um marco que estabelece o compromisso das empresas
concessionárias com as ações de eficiência energética. De acordo com essa Lei, as
empresas devem aplicar, no mínimo, 1% da renda operacional líquida em projetos de
eficiência energética, sendo, no mínimo, 0,50% de sua receita operacional líquida em
pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico e 0,50% em programas de eficiência
energética no uso final de energia até o ano de 2006 quando estes percentuais se
modificam para 0,75% para P&D e 0,25% para eficiência energética no uso final156.
Esta Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 3867, de 16 de julho de 2001, que define os
procedimentos para a utilização dos recursos destinados a custear as atividades de
pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico do setor elétrico e em projetos de
eficiência energética no uso final. Nessa fase, previa-se a aplicação de R$ 250 a R$ 300
milhões de reais157 anualmente, em eficiência energética, o que iria colocar o Brasil na
155 Estes ciclos tomam o primeiro ano como ano base para contabilizar as receitas anuais das
empresas distribuidoras que serão utilizadas para cálculo dos recursos aplicados em programas de eficiência energética. O segundo ano após a barra corresponde ao ano de execução dos programas.
156 Metade do valor a ser investido em P&D deve ser aplicado no FNDCT, para financiamento de
projetos de pesquisa e de uso final.
190
posição dos principais investidores em eficiência energética. No ciclo 1998/1999, o
valor aplicado em eficiência energética correspondeu a R$ 196 milhões158. Nos ciclos
posteriores foram aplicados R$ 230, R$165 e R$185 milhões159, nos ciclos de
1999/2000, 2000/2001, 2001/2002 respectivamente, conforme quadro 19 (ANEEL,
1999. ANEEL, 2001, ANEEL, 2002 e Jannuzzi & Gomes, 2001).
Quadro 19 - Investimentos realizados pelas empresas de energia elétrica em eficiência energética e resultados gerados
Ciclo 1998/1999 1999/2000 2000/2001 2001/2002 1998/2002 2002/03
(previsão)
Nº empresas Participantes
17 42 64 64 - 64
Investimentos R$ milhões
196 230 165 185 776 200
MW retirado Da ponta
250 370 496 556 1672 600
Redução Energia-GWh/Ano
755 1020 1932 2166 5873 2340
Fonte: ANEEL, 2002.
Cabe ressaltar que, como vemos no quadro 20 abaixo, a economia da energia não
precisa estar, necessariamente, diretamente vinculada ao montante de recursos investidos.
No ano de 2000, por exemplo, houve o menor investimento do período e a energia
economizada e o investimento evitado foram os mais altos do período. Isso nos conduz a
uma reflexão acerca de onde e como estão sendo efetuados os investimentos.
A cada ano os resultados em termos de economia gerada foram aumentando, o que
demonstra que houve uma maior preocupação com a tipologia dos projetos apresentados.
Inicialmente, os investimentos eram realizados no lado da oferta, o que compensava para as
empresas, que de uma forma ou de outra iriam investir na melhoria e eficiência da sua
produção para aumentarem seus lucros. Posteriormente, os Manuais para a apresentação de
157US$ 100 a 125 milhões ao câmbio de R$ 2,40 (média de 2001) 158 US$ 109 milhões, ao câmbio de R$ 1,80 (média de 1999) 159 US$ 123,3 milhões (câmbio médio de 1999 – R$ 1,80) e US$ 81 milhões (câmbio médio de 2000
– R$ 1,90).
191
projetos foram sendo aperfeiçoados e os investimentos começaram a ser efetuados em
projetos de eficiência energética no uso final.
Quadro 20 - Comparativos de investimentos realizados - PROCEL (1994-2000)
Resultados 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Investimentos aprovados 9,5 30 50 122 50 40 26
Energia economizada e geração adi- cional (GWh/ano)
344 572 1970 1758 1909 1862 2300
Usina equivalente (MW) 80 135 430 415 440 420 530
Redução de carga na ponta (MW) 70 103 293 976 532 418 530
Investimento evitado 160 270 860 830 880 840 1060 Fonte: Procel, 2001; Jannuzzi& Gomes, 2001.
Valor médio do dólar em reais (2000 =R$ 1,90; 2001 = R$ 2,40; 2002 = R$ 2,80).
A esse respeito, Jannuzzi & Gomes (2001, p.4) consideram que a criação de um
mecanismo regulatório ou legislativo não foi suficiente para garantir que os recursos fossem
canalizados para as prioridades da sociedade. Constatam que, apesar das empresas
obedecerem a legislação que obriga a aplicação de 1% da renda líquida em eficiência
energética, houve muita dificuldade de se apontar sua real contribuição para minorar a crise
de abastecimento enfrentada a partir de meados de 2001. “As concessionárias privadas, por
exemplo, nos primeiros momentos da regulação, direcionaram grande parte dos recursos
para reduzir as suas perdas comerciais e melhorias no seu sistema produtivo”. A partir de
2001, com a Lei nº 9991/00, regulamentada pelo Decreto 3867 de 16 de julho de 2001, esse
tipo de investimento não mais ocorre, pois a alocação dos recursos passa a se dar somente
para uso final e em P&D160.
O Plano de Investimentos com os recursos disponíveis em 2001 contemplou ações
em formação e capacitação de recursos humanos na área de eficiência energética;
normatização e infra-estrutura em metrologia; divulgação tecnológica; fontes alternativas de
energia solar, eólica e biomassa; indução ao desenvolvimento tecnológico empresarial no
setor elétrico; prospecção tecnológica na área de energia elétrica/apoio a eventos, cursos de
interesse do setor elétrico.
160 Os recursos do FNDCT, fundo gestor de 50% dos recursos para eficiência energética em uso
final e para P&D de interesse público, foram, em 2001, da ordem de R$70 milhões. A estimativa para 2002 e 2003 é de 150 e 163 milhões, respectivamente (MCT/CTENERG, 2002).
192
Para o ciclo 2002/2003, os projetos ficaram restritos aos seguintes itens:
comercial/serviços; industrial; residencial; educação; gestão energética municipal;
iluminação pública; poderes públicos; serviços públicos; rural; aquecimento solar para
substituição de chuveiros elétricos (ANEEL, 2002).
No quadro 21 podemos verificar que o montante destinado a projetos de meio
ambiente foi sendo elevado a cada ciclo (3%, 5% e 10%), enquanto que para as outras
destinações houve uma diminuição do percentual.
Quadro 21 - Valor dos investimentos em projetos de P&D aprovados pela ANEEL para os ciclos 1999/2000 e 2000/20001
Ciclo Eficiência energética
Energia renovável
Geração de energia elétrica
Meio Ambiente
Pesquisa estratégica (milhões)
Total (R$ milhões)
1998/1999 (R$ mil)
598.432 (5%)
- - 349.177 (3%)
11.951.589 (92%)
12,9
1999/2000 (R$ milhões)
4.64 (16%)
2.32 (8%)
2.90 (10%)
1.45 (5%)
17.89 (61%) 29.0
2000/2001 (R$ milhões)
11.256 (14%)
4.02 (5%)
5.628 (7%)
8.04 (10%)
51.456 (64%)
80.4
Fonte: Procel, 2001; Jannuzzi & Gomes, 2001.
Valor médio do dólar (1998 = R$ 1,10; 1999 = R$ 1,80; 2000 = R$ 1,90).
d. A descentralização das atividades da ANEEL, que ocorre por meio da criação das
agências estaduais de regulação, configura uma nova perspectiva de trabalho com o
PROCEL. A primeira experiência nesse sentido deu-se com a Comissão de Serviços
Públicos de Energia- CSPE do Estado de São Paulo161.
5 ª fase: PROCEL pós-crise de 2001
Como citado, o PROCEL sofreu uma desaceleração das suas atividades face ao
processo de reforma e de privatização do setor elétrico, acarretada pela reestruturação
organizacional, reformulação, perda de equipe e principalmente pela mudança na sua
161Desde 1998, a ANEEL vem celebrando convênios com as agências reguladoras estaduais para
descentralização de algumas de suas atividades, como atendimento ao consumidor, fiscalização dos serviços de fornecimento de energia elétrica e apoio à regulação do setor em cada estado As 13 agências reguladoras com as quais a ANEEL mantém convênio, até 2002, são dos estados de São Paulo, do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso, do Mato Grosso o Sul, de Goiás, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará, Pará e do Amazonas ([email protected], últimas notícias 7 a 12/10/2002).
193
coordenação. Entretanto, a crise de energia ocorrida em 2001, fez com que esse quadro se
revertesse, transformando o PROCEL em um Programa prioritário para o Governo e para a
sociedade.
Desde o ano de 2001 o PROCEL veio não só retomar as suas atividades anteriores,
quanto inserir novas, que serão mencionadas abaixo. Aliada à crise de energia, os recursos
provenientes do Banco Mundial e do Global Environment Facility (GEF), foram de
fundamental importância para a reabilitação das ações do Programa. A ELETROBRÁS
assinou, em 05 de dezembro de 2000, contratos de empréstimo com o Banco Mundial no
valor de US$ 43,4 milhões162 e de doação, com o GEF, no valor de US$ 15 milhões, para
desenvolver o Projeto de Eficiência Energética para o Brasil, no âmbito do Programa
Nacional de Conservação de Energia Elétrica. Com este projeto, cujo objetivo é criar
condições para o estabelecimento de um mercado de eficiência energética auto-sustentável e
autônomo, esperava-se obter uma economia anual de energia elétrica de, aproximadamente,
1% do consumo do País, e evitar a emissão de 17 milhões de toneladas de carbono
(www.procel.gov.br) até 2010. Os quadros 22 e 23 a seguir, apresentam os programas e
atividades relacionadas ao montante do empréstimo do BIRD e da doação do GEF.
Quadro 22 - Utilização de recursos do BIRD
Programas Atividades
Disseminação da Infor- mação e Marketing
Implementação de um Centro de Referência em Eficiência Energética.
Fundo de Financia-mento
Implementação de um Fundo de Financiamento para projetos de Energia Elétrica e Empresas de Serviço de Conservação de Energia Elétrica-ESCOs.
Avaliação do Mercado Avaliação da penetração de equipamentos eficientes no mercado, da energia economizada, da redução da demanda e do CO2 evitado.
Etiquetagem & Selo Intensificação de programas de testes, certificação e etiquetagem de equipamentos e eletrodomésticos.
Fonte: PROCEL, 2002.
Para as atividades de suporte e de capacitação, foram destinados US$ 11,7 milhões
do GEF. O programa foi definido com vistas a reforçar a capacitação dos agentes presentes
162 Estes US$ 43,4 milhões seriam repassados pela Eletrobrás às concessionárias de energia elétrica
para o desenvolvimento e implementação de projetos-piloto de eficiência energética.
194
no mercado de eficiência energética, incluindo agências/secretarias públicas de energia,
reguladores, consumidores, ESCOs, centros de pesquisas, universidades, profissionais e
outros. As atividades de suporte serão implementadas pela ELETROBRÁS/PROCEL com o
apoio de universidades, Centros de Pesquisa, Associação das Empresas de Serviço de
Conservação de Energia, ONGs e consultoras.
Quadro 23 - Utilização de Recursos do GEF
Programa Atividades
Educação Atuação nos ensinos fundamental, médio, médio-técnico e superior.
Treinamento Treinamento para agências/secretarias públicas de energia, consumi-
dores, ESCOs, centros de pesquisas, profissionais e outros.
Apoio às Agências de Energia Federais e Estaduais
Treinamento para reguladores sobre incentivos de regulação para pro-
jetos de Energia Elétrica.
Gerenciamento do Projeto
Apoio à Unidade de Gerenciamento do Projeto (UGP).
Fonte: PROCEL, 2002. 5.2.2 Outras Linhas de financiamento para projetos eficientes
Além dos recursos provenientes do BIRD e do GEF mencionados acima, e do
percentual da renda líquida das concessionárias que por Lei são utilizados para projetos de
eficiência energética, a Eletrobrás dispõe de linhas de crédito específicas para projetos
realizados pelas concessionárias. Para esses projetos são utilizados recursos da Reserva
Global de Reversão (RGR), fundo do Governo Federal, e constituído com recursos das
próprias concessionárias, proporcionais aos investimentos das mesmas em instalações e
serviços.
Este fundo destina-se a investimentos nos sistemas de energia elétrica, sendo uma
parte destinada a projetos de eficientização energética. De 1994 a 1998, foram
contemplados 89 projetos, no montante de R$ 291,785 milhões163.
163 A Eletrobrás, observando o disposto no art. 13 da Lei no 9.427, de 26 de dezembro de 1996,
destinará os recursos da RGR aos fins estipulados neste artigo, inclusive à concessão de financiamento, mediante projetos específicos de investimento: (Redação dada pela Lei nº 10.438, de 26.4.2002)
I - às concessionárias, permissionárias e cooperativas de eletrificação rural, para expansão dos serviços de distribuição de energia elétrica especialmente em áreas urbanas e rurais de baixa renda e para o programa de combate ao desperdício de energia elétrica; (Inciso incluído pela Lei nº 10.438, de 26.4.2002)
195
Para projetos realizados por consumidores finais (industriais, comerciais e
residenciais de grande porte) podem ser obtidos financiamentos por intermédio de
instituições de crédito oficiais do Governo164 e financiadores internacionais (BNDES, CEF,
Banco do Brasil, FINEP, BIRD, BID, USAID, GTZ, União Européia); e por meio das
Empresas de Serviços de Conservação de Energia – ESCOs que realizam os investimentos
necessários, remunerando-se com base nas economias obtidas nos projetos.
5.3 PROGRAMAS IMPLEMENTADOS PELO PROCEL E PARCERIAS
A maioria dos programas/projetos que vêm sendo implementados pelo PROCEL a
partir da terceira fase analisada, ou seja, desde 1995 (mesmo que tenham sido interrompidos
em algum momento) foram desenvolvidos tendo como referência experiências que
obtiveram êxito em outros países e que foram, de certa forma, adaptadas para a realidade
nacional. A maior parte das iniciativas apontadas abaixo é proveniente, em algum aspecto,
de programas de eficiência energética dos EUA, da Inglaterra, ou do Canadá ou da França,
que foram analisadas no capítulo 4.
Este é o caso, por exemplo, do Programa de etiquetagem165 que baseia-se em
programa dos EUA desenvolvido pela Environment Protection Agency – EPA (Energy Star
- citado no capítulo anterior). O Programa indica o nível de consumo e de eficiência de
energia dos produtos (influencia a decisão dos compradores e incentiva os fabricantes a
produzirem produtos mais eficientes); e criou um selo verde que indica níveis ótimos de
eficiência energética.
No Brasil, o programa de etiquetagem conta com a participação voluntária dos
fabricantes de equipamentos para refrigeradores, freezers e ar-condicionados. Assim, nem
todos os fabricantes seguem o programa de etiquetagem, colocando selos de eficiência
energética em seus produtos, e o consumidor, embora já preste mais atenção ao selo de
II - para instalações de produção a partir de fontes eólica, solar, biomassa e pequenas centrais
hidrelétricas, assim como termelétrica associada a pequenas centrais hidrelétricas e conclusão de obras já iniciadas de geração termonuclear, limitado, neste último caso, a 10% (dez por cento) dos recursos disponíveis; (Inciso incluído pela Lei nº 10.438, de 26.4.2002)
V - para o desenvolvimento e implantação de programas e projetos destinados ao combate ao desperdício e uso eficiente da energia elétrica, de acordo com as políticas e diretrizes estabelecidas para o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica – Procel. (Inciso incluído pela Lei nº 10.438, de 26.4.2002)
164 Com a assinatura do Decreto no. 1040 de 11/01/94, os agentes financeiros oficiais passam a
incluir em suas linhas prioritárias de crédito, projetos destinados a conservação de energia.
196
eficiência, ainda pode optar por um produto ineficiente, enquanto nos países
industrializados os distribuidores atendem a padrões mínimos de eficiência em todos os
produtos.
A Lei de Eficiência Energética prevê que além dos programas de etiquetagem, assim
como já ocorre nos países industrializados, o Brasil venha estabelecer padrões mínimos de
eficiência energética. Segundo (Geller et al, 1998 e COPPE, 1998), os padrões de eficiência
podem proporcionar de 20 a 30% de economia média de energia para novos refrigeradores,
congeladores, condicionadores de ar e produtos para iluminação.
A avaliação do potencial de conservação de energia em empresas, prédios do setor
industrial e comercial (sistemas de iluminação mais eficiente, substituição de motores
superdimensionados, melhoria nos sistemas de transmissão dos mesmos, uso mais racional
e melhor manutenção das redes internas de distribuição de eletricidade, manutenção dos
sistemas de ar condicionado) é realizado por meio de diagnósticos energéticos.
Algumas outras ações do Procel e parcerias166 dizem respeito à pesquisa e
desenvolvimento tecnológico visando a possibilitar a entrada no mercado de equipamentos
de uso final mais eficientes; redução de perdas no setor elétrico167, por meio de revisão
nos critérios de operação e planejamento em usinas, subestações, linhas de transmissão e
redes de distribuição, utilizando conceitos de conservação de energia; ações de Marketing,
tais como o Selo Procel de Eficiência Energética e o Prêmio Nacional de Combate ao
Desperdício de Energia; gestão da ponta no sentido de diminuir a demanda de energia
elétrica nos horários de pico; o programa “PROCEL nas Escolas”168 que tem como
objetivo capacitar professores de níveis fundamental e médio das redes pública e privada do
País, buscando atuar, assim como nos países estudados, como um programa de educação e
treinamento a favor da eficiência energética. No box 2, é relatada a experiência do PROCEL
com as atividades de educação.
Seria importante uma vinculação maior com as escolas de nível fundamental para
introduzir as crianças à cultura do não desperdício.
165 Parcerias com INMETRO, CEPEL, universidades e associações de fabricantes. 166 CEPEL, EFEI, IPT, Associação Brasileira da indústria de iluminação-ABILUX, entre outras. 167 Desenvolvido pelas concessionárias
197
Cabe ressaltar que o Procel nas Escolas vincula o tema energia ao meio ambiente,
caracterizando a importância da junção destes dois temas, buscando que a educação priorize
a diminuição do desperdício de energia/meio ambiente169.
O PROCEL instituiu, em 1993, por decreto presidencial o Prêmio Nacional de
Conservação e Uso Racional de Energia. O prêmio é concedido, anualmente, a várias
categorias como transportes, setor energético, imprensa, micro e pequenas empresas,
edificações e indústrias. (www.eletrobras.gov.br)
O PROCEL atua ainda como órgão de suporte técnico da ANEEL, quanto a análise,
aprovação e cumprimento dos planos de conservação de energia estabelecidos pelos
contratos de concessão das empresas, para implementação de medidas voltadas ao
incremento na oferta e no uso de energia elétrica que contemplem 1% da renda anual das
concessionárias.
168 Parceria com o MEC/MME, comunidades, administrações municipais/estaduais, concessionárias
de energia; escolas de nível fundamental, médio e superior) 169 Nesse sentido o PROCEL rege um programa de educação ambiental, para o qual utiliza a
metodologia "A Natureza da Paisagem - Energia", e disponibiliza às escolas material didático/pedagógico apropriado composto por cinco livros, um folheto, um álbum seriado, um jogo educativo e uma fita de vídeo abordando: Energia-fontes e Formas; A História da Energia no Brasil; A História da Energia no Mundo; A Energia e o Meio Ambiente e Como Combater o Desperdício de Energia.
Box 2 - Programa de Educação do Procel
Até o ano de 2001, foram capacitados/conscientizados 2 milhões de alunos, resultando em uma
economia de energia elétrica de 578.862 MWh (cada aluno economizou 84 KWh por ano).
Nas escolas de nível médio foi introduzida pelo PROCEL a disciplina "Meio Ambiente e o
Desperdício de Energia" (com carga horária de 40 horas) para alunos das áreas de eletrotécnica
, eletrônica, mecânica e civil. A disciplina relaciona o desperdício de energia elétrica às
questões ambientais e conta com material didático de apoio, em forma de livro-texto.
Nas instituições de ensino superior, o PROCEL visa disseminar a disciplina "Conservação e Uso
Eficiente de Energia II" entre os cursos de graduação em Engenharia Elétrica, Mecânica e de
Produção (até o ano de 2000, já haviam sido treinados cerca de 830 alunos de engenharia) e
desenvolver a disciplina "Conservação e Uso Eficiente de Energia I" para cursos de outras áreas
(com carga horária de 60 horas). As instituições EFEI, UFRJ, UnB, USP, UFSC, UFES, UFPE e
UFMG já contam com estas disciplinas e o PROCEL pretende expandir para as demais instituições
de nível superior do País.
198
5.3.1 Atividades setoriais do PROCEL
Setor residencial
O setor residencial consome aproximadamente, 28% do consumo de energia elétrica
do país. O PROCEL estima que neste setor haja um desperdício de cerca de 10% da energia
fornecida.
O Programa Residencial do Procel visa promover o combate ao desperdício de
energia no setor residencial, com a utilização de lâmpadas e eletrodomésticos eficientes
(prioriza iluminação, aquecimento de água e refrigeração e medidas de redução da demanda
nos horários de ponta), além de estimular uma mudança de hábitos por parte dos
consumidores.
No setor residencial, o uso de equipamentos mais eficientes poderia reduzir o uso de
energia em aproximadamente 30% (Almeida, Shaeffer & La Rovere, apud Geller, 2003).
O Programa Residencial atua em conjunto com o programa de etiquetagem para que
o Selo Procel tenha respaldo junto ao consumidor, incentivando a venda de produtos
eficientes.
Foram eleitas quatro áreas de atuação junto ao público residencial, como maior
capacidade de economia de consumo de energia elétrica: refrigeração, iluminação,
aquecimento solar e projetos com comunidades de baixa renda.
- Refrigeração (parceria com fabricantes e varejistas)
A refrigeração responde por aproximadamente 1/3 do consumo do setor de energia
elétrica, num mercado que chega a movimentar 4 milhões de unidades vendidas por
ano (refrigeradores, freezers e ar-condicionados). O PROCEL visa conscientizar a
população sobre a vantagem de trocar estes equipamentos por outros mais eficientes
o que trará uma razoável economia de energia, uma vez que estes trabalham
ininterruptamente (especialmente os dois primeiros).
199
- Iluminação (parceria com concessionárias, fabricantes e varejistas)
A iluminação responde por cerca de 1/4 do consumo no setor residencial. O combate
ao desperdício de energia na iluminação consiste no emprego de sistemas eficientes,
tanto em projetos novos quanto em substituição a sistemas convencionais
ineficientes. Envolve o uso adequado de lâmpadas, luminárias e reatores
apropriados. Desta forma, as ações na área de iluminação incentivam a troca de
lâmpadas incandescentes por fluorescentes compactas.
- Aquecimento Solar
O aquecimento de água contribui com 1/4 do consumo de energia elétrica do setor
residencial (17,5 milhões de aquecedores elétricos de passagem no país). O Procel
vem incentivando a utilização de aquecedores solares170 como uma das alternativas
para a redução da demanda no horário de ponta.
- Projeto de Ações Integradas em Comunidades de Baixa Renda
O Procel – juntamente com algumas concessionárias - está desenvolvendo projetos
pilotos experimentais em comunidades de baixa renda. Estes visam contribuir para a
redução das perdas e da inadimplência das contas de energia elétrica nessas
comunidades.
Prédios públicos
O Programa Nacional de Eficientização de Prédios Públicos - PNEPP tem
como meta reduzir o desperdício de energia elétrica nos prédios públicos das três
esferas de governo, promovendo a otimização dos gastos de energia nestes prédios,
principalmente pelo uso da iluminação e refrigeração eficientes e pela orientação aos
funcionários quanto ao uso racional dos recursos.
170 O Brasil possui uma área instalada de 2 milhões m² de coletores solares, e um mercado que vem
se expandindo: cerca de 200 mil m² de coletores solares são instalados por ano.
200
No ano de 2000, o consumo de energia elétrica do Poder Público foi de 12
TWh/ano o equivalente a aproximadamente 4% do total consumido no País no
mesmo período. Os resultados obtidos em projetos-piloto implantados pelo
PROCEL mostraram que apenas com a adoção de medidas técnicas e gerenciais de
baixo custo, a redução de consumo e de demanda atinge 15 a 20%, em média. Isto
significa, em termos de energia conservada, uma economia da ordem de 1.680
GWh/ano.
Setor industrial (parcerias entre indústrias, federações estaduais de indústrias e associações
industriais e concessionárias)
O setor industrial é responsável pelo consumo de cerca de 43% de energia
elétrica no País. O Programa dá suporte aos diversos segmentos industriais na
melhoria do desempenho energético de suas instalações.
A metodologia adotada pelo PROCEL baseia-se em Projetos-Demonstração,
nos quais um número limitado de indústrias é transformado em modelos de
eficiência energética. Para tal são realizados diagnósticos energéticos e programas
de eficientização em plantas industriais; tarifas diferenciadas para redução do
consumo na hora de pico; financiamento de estudos de processos industriais mais
eficientes; ações de conservação de energia voltadas à eficientização das instalações
dos sistemas de abastecimento de água e de tratamento de esgoto; entre outros.
O Programa inclui, ainda, atividades nas áreas de treinamento técnico e
gerencial com o suporte do Centro de Pesquisas Elétricas da Eletrobrás (CEPEL) e
em parceria com a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a fim de capacitar
profissionais nas indústrias, nos agentes financeiros e nas empresas de consultoria.
Setor comercial (parceria com associações de classe, hotéis, shopping centers,
supermercados, bancos, grandes prédios de escritórios, associações comerciais estaduais e
concessionárias de energia)
Em 2000, o Brasil consumiu 306.747 bilhões de kWh de energia elétrica. O
setor comercial foi responsável pelo consumo de 15% deste total, ou seja, cerca de
45,3 bilhões de kWh. De toda a energia consumida no setor comercial, desperdiça–
201
se aproximadamente 14%, o que equivale a 6,3 bilhões de kWh. Isto representa um
desperdício de cerca de 2% de energia elétrica no Brasil.
O PROCEL atua no setor comercial por meio de projetos de melhoria da
eficiência energética e do desenvolvimento de um sistema de informações de forma
a permitir a divulgação e multiplicação das experiências bem sucedidas. Assim, nos
Projetos de Demonstração – a exemplo do que vem sendo realizado no setor
industrial - umas poucas empresas comerciais são transformadas em modelos de
eficiência energética nos seus respectivos segmentos, e são amplamente divulgados
para possibilitar a implementação em outros empreendimentos. O Programa também
inclui atividades nas áreas de treinamento Técnico e Gerencial, objetivando
capacitar profissionais nas empresas comerciais, nos agentes financeiros e nas
empresas de consultoria.
Programa de Iluminação pública – Reluz (MME, ANEEL, concessionárias e prefeituras
municipais)
O Programa Reluz, criado em junho de 2000, promove o desenvolvimento de
sistemas eficientes de iluminação pública, diminuindo os gastos públicos dos
municípios por meio da redução do consumo de energia elétrica e criando cultura de
combate ao desperdício de energia elétrica.
O Programa tem como meta tornar eficientes 9,5 milhões de pontos de
iluminação pública até 2010, equivalente a quase 77% do número de pontos
instalados (14,5 milhões) e instalar 3 milhões de novos pontos. Até o final do ano de
2002, já haviam sido instalados ou eficientizados cerca de 3 milhões de pontos e
investidos R$ 763 milhões (a meta era aplicar R$ 1 bilhão). O Programa obteve, até
essa data, uma economia de 1080 GWh por ano de energia elétrica (a previsão
inicial era de 2400 GWH ano). Essa redução de cerca de 30 a 40% no consumo de
energia representa, em média, uma economia da despesa pública dos municípios da
ordem de R$ 270 milhões por ano (Saraiva, 2003).
202
Edificações
O PROCEL vem, ainda, desenvolvendo novas metodologias, técnicas,
tecnologias e normas para inclusão da eficiência energética nos projetos de novas
edificações.
Atividades em Hospitais
As atividades no setor hospitalares se dão por meio da implementação de medidas
de eficiência energética em cinco hospitais, cursos e treinamentos de eficientização na área
da saúde, convênio com a Confederação Nacional da Saúde para eficientização de onze
hospitais.
Quase toda a metodologia de atuação do PROCEL, no que se refere às atividades
setoriais, vem sendo baseada no programa inglês denominado "Best Practices Programme".
Este programa implementa medidas de eficientização energética em uma unidade típica
(projeto-piloto ou projeto-demonstrativo), com o objetivo de empregá-las como referência
para unidades similares. São utilizadas como ferramentas de disseminação, produtos de
informação e estratégias de marketing, tais como Guias Técnicos (Technical Guides),
Estudos de Caso (Case Studies), entre outros.
5.3.2 PROCEL e gestão ambiental
Os programas realizados pelo PROCEL atuam, em sua maioria, como programas de
gestão ambiental, na medida em que estes visam a economia de energia e ao mesmo tempo
administram ações de eficiência energética para minimizar os impactos ambientais da
produção e do uso da energia. Assim, a gestão ambiental ocorre quando a eficiência
energética propicia uma menor necessidade de intervenção no meio ambiente, ao evitar a
construção de novas usinas, ou propiciar a diminuição da poluição ambiental, a redução da
emissão de gases de efeito estufa, ou, incentivar, por exemplo, o uso de tecnologias mais
eficientes, que resultam em menor dano ambiental.
Podem ser apontadas algumas áreas em que o PROCEL atua diretamente em gestão
ambiental:
- Desenvolvimento de pesquisas sobre o impacto das ações de conservação de
energia para a preservação dos recursos naturais;
203
- Desenvolvimento de tecnologias mais eficientes e menos ambientalmente
impactantes;
- Criação de base de dados, incorporando aspectos como os impactos sociais e
ambientais dos programas;
- Conscientização sobre as medidas de eficiência energética e a melhoria do meio
ambiente;
- Integração de medidas de combate ao desperdício com programas de gestão
ambiental das empresas, entre outras.
- Integração de disciplinas eficiência energética e meio ambiente nas escolas.
Além dessas medidas, podemos destacar a atuação integrada de eficiência energética
e meio ambiente no âmbito do PROCEL para evitar as emissões de CO2. Estima-se uma
economia de 98Mt de CO2 em 2020. O quadro 24 abaixo mostra as emissões evitadas de
CO2 a partir da intervenção do PROCEL, no período de 1990 a 2000 e cenários para 2005 a
2020 (La Rovere & Americano, 2002).
Quadro 24 - Emissões evitadas pelo PROCEL, 1990-2020
Ano TWh/ano Milhões ton. CO2 G C G+C % E AE E+AE %
1990 223 0.16 223 0.07 9.6 0.04 9.6 0.41 1997 308 5.8 314 1.8 17 1.2 18 6.6 1998 308 8.0 316 2.5 14 4.1 18 23 1999 346 10 356 2.9 19 5.6 25 23 2000 376 13 389 3.3 28 5.4 33 16 2005 470 29 499 5.9 39 11 50 22 2010 567 62 628 9.8 67 31 98 32 2015 696 130 826 16 115 63 178 35 2020 855 191 1047 18 183 98 280 35 Total 1990/ 2020
12980 1694
14675 12 1739 830 2565 32
Fonte: La Rovere & Americano, 2002. G = geração de energia C = conservação de energia efetuada pelo PROCEL G+C = geração de energia sem a participação do PROCEL (situação hipotética) E = emissões provenientes da geração de energia AE = emissões evitadas pelo PROCEL E+AE = emissões da geração de energia sem a atuação do PROCEL (situação hipotética) % = percentual de conservação de energia
204
Note-se que o percentual de emissões evitadas pelo Procel é sempre crescente,
tanto no primeiro período analisado quanto nas previsões até o ano de 2020.
5.3.3 GESTÃO ENERGÉTICA ESTADUAL E MUNICIPAL
Os principais programas estaduais de conservação de energia foram desenvolvidos
nos estados de São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Ceará, Rio de
Janeiro, Distrito Federal e Pernambuco.
Destacam-se, nos estados, as ações de eficientização em prédios públicos,
como por exemplo, na Bahia (Centro Administrativo da Bahia), São Paulo (Palácio dos
Bandeirantes), Rio de Janeiro (Fórum, UERJ, Palácio Universitário, Casa do Estudante,
Teatro Municipal, Centro Administrativo São Sebastião, IPLAN, Arquivo Nacional),
Pernambuco (Centro Administrativo do Recife, SUDENE).
Alguns estados, como a Bahia, Ceará e São Paulo foram precursores na implantação
de medidas legais de eficientização de energia. A Bahia, por exemplo, foi o primeiro estado
a instituir um Decreto Estadual no. 7.657, de 13 de agosto de 1999, que dispõe sobre o uso
eficiente de energia elétrica no âmbito da Administração Direta e Indireta do Poder
Executivo.
Durante o período anterior ao processo de reestruturação e privatização do setor
elétrico brasileiro, as concessionárias de energia atuavam como extensão das políticas
energéticas das secretarias estaduais de energia. Com a privatização, os projetos de
eficiência energética passaram a ser implementados a partir de critérios de seleção baseados
em comprovada rentabilidade, no curto e médio prazos, dos investimentos.
Em nível municipal, o PROCEL, em conjunto com o Instituto Brasileiro de
Administração Municipal – IBAM, vem desenvolvendo, um programa de gestão de
eficiência energética, visando balizar o uso da energia elétrica nos centros consumidores
locais, reduzindo o desperdício e promovendo o uso racional da energia na iluminação
pública, nos prédios públicos, saneamento, nas residências e comércio.
A gestão energética municipal vem sendo apoiada pelo programa ALURE da
Comissão Européia, que trata de questões relacionadas ao desenvolvimento econômico e
social na América Latina. Um dos braços desse programa é o projeto BRACEL-
“Cooperação Euro-Brasileira no Combate ao Desperdício de Energia - que trata
especificamente de eficiência energética”.
205
Entre as ações que vêm sendo desenvolvidas no âmbito deste projeto destaca-se a
Rede de Cidades Eficientes em Energia Elétrica (RCE)171, criada nos moldes da Rede
Energie-Cités européia. O objetivo é integrar os municípios brasileiros em um sistema de
comunicação permanente visando a troca de experiências e competências na área de
projetos de eficiência energética.
A Rede Cidades Eficientes em Energia Elétrica objetiva ainda, a troca de
informações sobre o desenvolvimento de projetos de eficiência energética com outros países
contribuindo, assim, para criar e fortalecer a competência municipal na gestão da energia,
integrando essa esfera de poder no combate ao desperdício de energia elétrica.
Nesse sentido, os municípios integrados à Rede Cidades Eficientes têm como
benefícios:
- A redução das despesas municipais, a partir da introdução do conceito de gestão de
energia elétrica no município;
- A possibilidade de troca de tecnologias e experiências com outros municípios, no
Brasil e no exterior;
- A troca de informações acerca da manutenção eficiente de sistemas elétricos;
modalidades de financiamentos para projetos; possibilidades de redução do
consumo de energia nos sistemas subordinados a administração municipal, etc.
- O aumento da capacidade de negociação do município com a concessionária de
energia elétrica;
- A possibilidade de divulgação das experiências realizadas nos municípios;
- Ter um papel ativo na preservação do meio ambiente.
Outras duas ações que vêm sendo desenvolvidas, complementarmente, no âmbito da
Gestão Municipal são:
- Implantação do Sistema de Informação Energética - SIEM (sistema computacional
de informações energéticas municipais), pela empresas distribuidoras;
- Desenvolvimento de um Plano Diretor de Gestão Energética, contendo as ações
necessárias para a redução do desperdício de energia;
171 A Rede Cidades Eficientes em Energia Elétrica foi lançada em outubro de 1998, pelo Instituto
Brasileiro de Administração Municiapl – IBAM, com apoio da Eletrobrás/PROCEL.
206
Essas ações municipais propiciam benefícios locais, como a economia de energia,
preservação do meio ambiente, entre aspectos positivos para a população, para o setor
elétrico e para o País, pois descentraliza as ações no âmbito da energia, criando
possibilidade de intercâmbio de experiências entre os municípios e inventários energéticos
municipais.
Segundo Sachs (1993), mesmo utilizando os sistemas de informação mais
sofisticados, o Estado centralizado é incapaz de enfrentar a diversidade do potencial e das
necessidades locais. As políticas públicas que estimulam e apoiam as iniciativas locais
devem ter um papel muito importante no pacote de políticas de desenvolvimento
sustentável.
As ações no âmbito municipal são, entretanto, ainda recentes. Os instrumentos
acima mencionados estão sendo testados, mas já podem ser observados alguns resultados
que demonstram a importância da Rede, tais como a diminuição do desperdício, a
racionalização do consumo de energia elétrica, a maximização do custo benefício, entre
outros aspectos172. No início de 2000, alguns municípios já contavam com o Plano
Municipal de Gestão Energética (para o período de 3 anos)173.
No início de 2003 já haviam 550 municípios associados, em todos os estados e
regiões. Além disso, inserem-se na RCE, sete associados e 30 colaboradores, entre
empresas, associações municipais e órgãos de governo federal e estadual (www.ibam.
org.br; Procel, 2003).
Em geral, podemos ressaltar que a descentralização das ações em eficiência
energética tem sido positiva, uma vez que o município tem maior possibilidade de controle
do diagnóstico, das ações implementadas e de observação e análise dos resultados. O maior
ou menor grau de sucesso de um projeto municipal depende, em grande parte, da maior ou
menor aceitação das autoridades locais, associado ao envolvimento das concessionárias
locais174, uma vez que a participação destas é fundamental para a elaboração do diagnóstico
energético municipal.
172 A maior economia apresentada pela maioria dos municípios foi com a eficientização da
iluminação pública . 173 Os primeiros planos cobrem o período de 2001 a 2004. 174 A metodologia implementada prevê que as concessionárias locais implantem o Sistema de
Informação Energética Municipal – SIEM, elaborado pelo PROCEL, inserindo os dados de consumo energético do município.Realiza-se então um diagnóstico energético para então partir-se para a elaboração do Plano de Gestão Energética Municipal.
207
Um estímulo à eficientização dos municípios é o Prêmio Cidades Eficientes,
instituído em 2002, com as seguintes categorias: gestão energética, prédios públicos,
iluminação pública, sistemas de saneamento, educação e legislação.
A interação com outros programas de gestão, tais como gestão do território e gestão
de recursos hídricos, faz com a eficiência energética seja mais um componente para a
inserção do conceito de desenvolvimento sustentável nas atividades dos municípios.
É interessante notar, também, a vinculação de outros atores sociais (que não
prefeituras, concessionárias, empresas privadas, entre outros) no processo de inserção da
gestão energética municipal, especialmente vinculados ao desenvolvimento sustentável.
Quanto a esse aspecto, ressalta-se o papel das ONGs e de grupos organizados interessados
no assunto.
A implantação da gestão energética municipal, em municípios do Médio Paraíba foi,
por exemplo, resultado de um convênio entre o PROCEL e a Fundação Brasileira para o
Desenvolvimento Sustentável, que já vinha desenvolvendo projetos naquela região. Quando
a gestão nesses municípios foi finalizada, a Fundação passou a atuar, a partir de 2002, em
outros municípios no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo (Mundim, A., 2002).
5.4 O PAPEL DA AGÊNCIA REGULADORA E DO MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA/MME NA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
Enquanto o setor elétrico era caracterizado por sua verticalidade, ou seja, na medida
em que a geração, a transmissão e a distribuição eram executadas por empresas públicas
vinculadas à Eletrobrás, a eficiência energética era tratada dentro do próprio setor estatal.
Como as concessionárias de energia elétrica faziam parte dos governos estaduais, a
eficiência energética era um programa de governo para ser aplicado por empresas
governamentais. Nesse sentido, os programas implementados pelo PROCEL eram
direcionados às concessionárias para que fossem implementados em nível estadual.
Com a reforma do setor elétrico e a privatização das empresas, foram introduzidas
outras questões e atores no contexto do setor elétrico. A eficiência energética precisou,
então, ser regulamentada pelo órgão regulador, a Agência Nacional de Energia Elétrica -
ANEEL, para que pudesse ser efetivamente levada adiante pelas empresas a partir de então
privatizadas.
No que se refere às ações de eficiência energética, a ANEEL tem por competência
incentivar o combate ao desperdício de energia, no que diz respeito a todas as formas de
208
produção, transmissão, distribuição, comercialização e uso da energia elétrica. A atuação da
ANEEL tem sido, principalmente, de apoiar as ações do PROCEL, bem como coordenar os
projetos que vêm sendo implementados com recursos das empresas de energia (1% do lucro
líquido das empresas).
Esses projetos de eficiência energética (de acordo com a Resolução ANEEL nº
242/98, transformada na Lei nº 9991/2000, já citadas), representam a primeira
regulamentação neste sentido. Entretanto, a implementação desta Lei por parte das
concessionárias deu-se lentamente, em função da inexperiência dos técnicos das empresas
concessionárias em elaborar um projeto de acordo com o Manual elaborado pela
ANEEL/PROCEL e a pouca seriedade destas, quanto à cobrança efetiva da Agência, no que
se refere ao prazo e elaboração dos projetos (VillaVerde, 2000).
A partir da crise de energia ocorrida em 2001, a eficiência energética, como já foi
explicitado, passa a ter prioridade nas ações do Governo e o PROCEL retoma suas ações a
contento. Por outro lado, nasce um outro fórum de política de eficiência energética, de
forma embrionária, na ANEEL. Posteriormente, a Câmara de Gestão da Crise de Energia
(CGE), cria, em 10 de julho de 2001, o Comitê Técnico para Eficientização do Uso da
Energia, que passa a assessorar a CGE no que se refere aos assuntos de eficiência
energética. Esse Comitê é extinto ao final do Governo Fernando Henrique Cardoso (em
dezembro de 2002), juntamente com a CGE, que se transformou na Câmara de Gestão do
Setor Energético (CGSE), de caráter permanente. Este se subordina ao Comitê Nacional de
Política Energética (CNPE). A participação do Comitê Técnico de Eficiência Energética na
Câmara de Gestão da Crise foi um dos fatores fundamentais para o crescimento das ações
de eficiência energética.
Uma das importantes conseqüências da crise foi o fato de a sociedade
brasileira ter acordado para a importância da conservação de energia
elétrica e para a racionalização de seu consumo. Aprovou-se uma lei sobre
a Política Nacional para a Conservação e Uso Racional de Energia e as
mudanças nos hábitos de consumo podem ser notadas pela redução maior
do que a esperada do consumo de energia pós-crise e pelos lançamentos de
novos produtos energeticamente eficientes. Além disso, muitas empresas
iniciaram programas de uso alternativo de energia que só tendem a
ampliar-se no futuro (Parente, P, 2003, p.56).
209
O Comitê Técnico para Eficientização do Uso da Energia, criado com o objetivo de
propor medidas para a conservação e racionalização do uso de energia elétrica, apresentou
uma proposta consolidada na forma de um programa de medidas e ações denominado Plano
Energia Brasil – Eficiência Energética175, cuja proposta foi estruturada em quatro eixos
básicos visando estabelecer um mercado sustentável de eficiência energética no Brasil
(Assumpção, 2002) que serviria de subsídios para a elaboração de uma política de eficiência
energética.
Ao longo do tempo, espera-se que a expansão de mecanismos orientados
ao mercado e o financiamento privado para serviços de eficiência
energética reduzam a dependência externa para tais serviços (…) a
sustentabilidade deste mercado requer que haja uma demanda e uma oferta
de produtos e serviços energéticos eficientes, permitindo a concorrência
com os produtos convencionais (ANEEL/USAID, 2000).
5.5. PLANO ENERGIA BRASIL – EFICIÊNCIA ENERGÉTICA – PRINCIPAIS AÇÕES (CGE, 2001).
O Plano incluía quatro linhas básicas de atuação: Legislação, Ambiente de negócios,
Plano de Comunicação e Projetos Específicos.
a. Legislação: voltada para o estabelecimento de índices mínimos de eficiência
energética para máquinas e equipamentos; contratação de serviços de eficiência energética
pelo setor público e direcionamento de recursos financeiros para a eficiência energética.
Para tal foi instituído um Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência
energética - CGIEE, que ao final do ano de 2002 havia identificado, entre outros, os
seguintes estudos a serem elaborados: Levantar a experiência internacional sobre Programas
de Etiquetagem e Indicadores de Desempenho Energético de máquinas e aparelhos
consumidores de energia; avaliar e definir as metodologias a serem utilizadas para o
estabelecimento dos níveis de eficiência energética; avaliar os laboratórios existentes e
necessidades futuras; elaborar estudos de mercado para as principais máquinas e
175 Este Plano foi elaborado pela Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia (Comitê
Técnico para a eficientização do uso da energia) e contou com a elaboração do PROCEL/ELETROBRÁS e do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica – CEPEL.
210
equipamentos consumidores de energia; identificar as inovações tecnológicas que possam
resultar da implementação da lei; estimar a economia de energia que pode ser obtida;
identificar parcerias institucionais; identificar fontes de recursos financeiros, incentivos
fiscais e tributários. (MME, 2002).
Cabe ressaltar que no Brasil - da mesma forma como ocorreu com a política
ambiental - no âmbito da eficiência energética as ações, comparativamente aos países
desenvolvidos, começaram a ocorrer dez anos mais tarde, mediante o lançamento do
PROCEL. Em termos legais, em eficiência energética esse hiato amplia-se para cerca de
vinte anos, uma vez que a legislação brasileira só foi aprovada no Congresso Nacional em
2001.
A legislação que obriga a utilização de índices mínimos de eficiência energética
citada acima está sendo elaborada desde a regulamentação da Lei de Eficiência Energética,
em dezembro de 2001. Essa regulamentação vem sendo discutida por técnicos do setor, e
excetuando a regulamentação de motores de alto rendimento, não houve avanços até o final
do ano de 2002. Os selos de eficiência energética, embora tenham sido instituídos no País
na década de 1990, ainda não tem obrigatoriedade no uso, o que faz com que apenas
algumas marcas e modelos selecionados possuam o selo. O uso limitado do selo de
eficiência energética acarreta uma situação em que o consumidor tem inúmeros modelos de
eletrodomésticos mais baratos e que, embora menos eficientes, acaba sendo um fator
definitivo quando da aquisição do produto.
A demora na implementação dos índices mínimos de eficiência energética se dá,
principalmente, pelas pressões dos fabricantes de produtos ineficientes que não querem sair
do mercado, assim como pelo alto custo de implementação dos programas (índices
mínimos), especialmente para edificações.
No sentido de viabilizar a contratação de serviços de eficiência energética para o
setor público, o Comitê propôs uma legislação específica que introduz uma modalidade de
contrato de desempenho para órgãos públicos, dispensando-os de ter dotação e provisão
orçamentária, previsto na Lei nº 8666/93. Desta forma, o trabalho de eficientização
realizado pelas ESCOs nos prédios públicos poderia ser baseados nos contratos de
desempenho176 sem ir contra a legislação vigente.
176 Considera-se contrato de desempenho (“performance contract”) o instrumento que permite a
contratação de serviços com fornecimento de materiais e equipamentos, em que tais serviços são custeados pela empresa contratada e a remuneração desta é obtida com base nos resultados gerados (economia de energia).
211
Cabe ressaltar que o Decreto nº 3330, de 6 de janeiro de 2000, que dispunha sobre a
redução do consumo de energia elétrica em prédios públicos da Administração Pública
Federal foi revogado, face as dificuldades encontradas pelo setor público para contratar
serviços de eficiência energética. Tal Decreto dizia que o consumo de energia elétrica para
fins de refrigeração, iluminação e arquitetura ambiental, deveria ser reduzido em 20%,
tomando como base a média do consumo de 1998, até o final do ano de 2002.
Durante a crise de energia de 2001, por exemplo, os órgãos públicos viabilizaram
um menor consumo de energia elétrica de forma precária, por meio da diminuição da
jornada de trabalho diária, face à impossibilidade de se contratar empresas que realizassem
serviços de eficiência energética sem licitação pública. Mesmo que fosse permitido pela Lei
vigente, o processo licitatório demandaria um tempo maior do que a urgência da crise
permitia.
b. Ambiente de negócios: criação de mecanismos para reduzir os riscos técnicos e
financeiros das ações de eficiência energética.
Para viabilizar um mercado de eficiência energética no Brasil, faz-se necessária a
superação de algumas barreiras, tais como a baixa prioridade do empresariado com respeito
à eficiência energética; insegurança do mercado, ausência de linhas de crédito que atendam
as especificidades da eficiência energética, dificuldades das ESCOs em obter
financiamentos, em oferecer garantias e inexistência de aval técnico para os projetos de
eficiência energética.177.
O fortalecimento das Empresas de Serviços de Conservação de Energia - ESCOs -
que realizam investimentos em projetos de eficiência energética e são remuneradas com a
economia de energia obtida nos mesmos – podem vir a superar tais barreiras, segundo o
Plano de Energia Brasil.
Como abordado no capítulo anterior, as experiências internacionais mostram que as
ESCOs são atores bastante atuantes nas ações de eficiência energética, identificando lacunas
onde pode haver melhoria do desempenho energético e desperdício de energia, por meio da
realização de diagnósticos energéticos. As ESCOs atuam também intermediando projetos de
eficientização do uso de energia e, ao mesmo tempo, como agentes financeiros e de
177Estas barreiras referem-se exclusivamente ao desenvolvimento do mercado das ESCO´s. De uma
forma geral, existem outras barreiras como a falta de informação do consumidor, a ainda limitada oferta de produtos eficientes no mercado; ao preço do produto eficiente ser mais elevado do que os convencionais, entre outros.
212
marketing da eficiência energética, assumindo, ainda, a responsabilidade técnica em todas
as fases do projeto. Tal responsabilidade passa inclusive, pela questão ambiental.
As ESCOS são empresas especializadas que executam as medidas de
eficiência energética, atuando diretamente na obtenção de resultados
práticos voltados à economia de energia nas indústrias, edifícios e para os
consumidores em geral. Na realização dos projetos, as ESCOs utilizam o
conhecimento e as mais eficientes tecnologias, para alcançar os resultados
técnicos e econômicos necessários à viabilização dos mesmos. Ao atingir
os resultados previstos em cada projeto, as ESCOS contribuem
diretamente com melhorias ambientais, seja por meio de impactos
indiretos na estrutura de produção e transmissão de energia, ou com
impactos diretos com a substituição de equipamentos energeticamente
ineficientes e ao mesmo tempo prejudiciais ao meio ambiente, como
lâmpadas fluorescentes com alto teor de mercúrio, “chillers” com gases
refrigerantes prejudiciais à camada de ozônio ou isolantes térmicos feitos
de asbestos ou outro material inadequado à saúde humana.”(Reis, 2003,
entrevista)”.
Um estudo dos 1400 projetos de empresas de serviços energéticos
implementados nos últimos 20 anos mostra que quase três quartos de todos
os projetos foram em escolas, hospitais e instalações prediais
governamentais que não dispõem de capital e aptidão técnica para
implementar projetos por conta própria. O custo típico desses projetos de
eficiência energética é de US$ 500 mil a US$ 2 milhões, e a economia de
energia é normalmente de 25 a 45%. O mercado total das ESCOs, nos
EUA faturou cerca de US$ 2 bilhões, no ano de 2000, e vem crescendo em
cerca de 15% anualmente (Osborn et alli, 2002 apud, Geller, 2003).
A sugestão do Plano Energia Brasil – Eficiência Energética visando superar a falta
de financiamentos para atender os projetos de eficiência energética (taxas de juros e prazos
213
de amortização compatíveis) é a criação de um aval técnico e financeiro, que seja aceito
como garantia pelo agente financeiro178.
O aval técnico seria vinculado à certificação das ESCOs, efetivado por meio da
concessão de um Selo de Eficiência Energética pelo PROCEL e à qualificação técnica dos
projetos, vinculado a um sistema de avaliação envolvendo critérios como: estudo de
viabilidade e avaliação econômico/financeira, protocolos de medição e verificação, entre
outros (CGE, 2001).
c. Plano de comunicação: O Plano de Comunicação, de acordo com o Plano Brasil
de Eficiência Energética visa - além de consolidar hábitos adquiridos quando da crise de
2001 - estimular hábitos permanentes de redução de consumo, sem renúncia ao conforto. A
motivação para a redução do consumo de energia poderia se dar, por exemplo, com a
criação de incentivos para baratear os equipamentos eficientes.
d. Projetos específicos: aquecedores solares, sistemas motrizes eficientes e prédios
públicos.
Esses projetos foram escolhidos pelo seu alto potencial de economizar energia
elétrica, de acordo com experiências internacionais e diagnósticos nacionais. A energia
conservada com a implementação de projetos específicos foi estimada em 4.200 GWh/ano,
o que representa 1,3% do consumo de energia atual e proporciona uma redução da expansão
energética do país de 10% em 2002 e 10% no ano de 2003.
- Motores de alto rendimento no setor industrial
A meta em 2001 era viabilizar a introdução no mercado de 900.000 motores
de alto rendimento em 2 anos, obtendo uma economia de energia de 600 GWh no
final do período. O custo da energia conservada, segundo estimativa do MME é de
30,78 R$/MWh.
178 Esse aval minimizaria o risco do agente financeiro, que é o fator principal da falta de
financiamento para projetos em eficiência energética.
214
- Otimização de sistemas motrizes existentes no setor industrial
A meta desse projeto é minimizar as perdas em sistemas motrizes já
instalados no setor industrial. A previsão de economia de energia com a
implementação deste projeto é, segundo o MME, de 2 TWh/ano, sendo 500
GWh/ano no primeiro ano e 2000 GWh/ano no segundo ano. O custo da energia
conservada é de 73,91 R$/MWh.
- Promoção de ações nos prédios públicos
O projeto tem como meta a eficientização de prédios públicos e execução de
25 unidades de demonstração, em dois anos. O potencial de economia de consumo
de energia elétrica dos prédios públicos é da ordem de 20%, equivalente a uma
economia anual de 2TWh/ano. Este projeto visa atingir a economia de 1 TWH/ano,
o que significaria reduzir as despesas públicas em R$ 160 milhões/ano.
Até o final do ano de 2002, quando foi extinto, o Comitê de Eficiência
Energética só havia criado a regulamentação para o desenvolvimento de sistemas de
motores de alto rendimento179 no setor industrial, além de constituir um comitê para
a regulamentação da eficientização de edificações. Para o ano de 2003, estavam
previstas as regulamentações para índices mínimos de eficiência energética em
refrigeradores, ar condicionado e iluminação. O Comitê de Eficiência Energética
como citado acima, foi desfeito no final do Governo Fernando Henrique (dez de
2002). Entretanto, o MME continua com a incumbência de implementar a
regulamentação da Lei de Eficiência Energética e a Política Nacional de Eficiência
Energética180, em parceria com o Procel, Conpet, Cepel, Abradee, Eletrobrás, e
outros.
No ano de 2003, o MME, por meio da Diretoria de Eficiência Energética
busca estabelecer uma política pública de eficiência energética, que possibilite dar
continuidade ao trabalho, independente das pessoas, cargos e mudanças políticas181.
Além disso, o MME tem trabalhado para o estabelecimento de políticas conjuntas
179 Decreto nº4508 de 11/12/2002 que define os níveis mínimos de eficiência energética de motores
elétricos trifásicos para comercialização e uso no Brasil. 180 Lei nº 10295 de 17/10/2001
215
com outros Ministérios e órgãos, tais como o Ministério do Meio Ambiente,
Ministério das Cidades, que vêm atuando no sentido de vincular a eficiência
energética com a eficiência da água; troca de chuveiros elétricos por aquecedores
solares (os chuveiros elétricos consomem 22% da energia elétrica do setor
residencial); construções de habitações de baixa renda com coletores solares, entre
outros. Com o Ministério de Indústria e Comércio, por exemplo, há uma tentativa de
inserir a eficiência energética na política industrial. Um exemplo seria que o BNDES
passasse a atrelar os seus financiamentos a indústrias eficientes ou em vias de se
eficientizarem.
5.6 A ATUAÇÃO DO MMA NAS AÇÕES DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
Como já foi dito, a interação entre o meio ambiente e a eficiência energética no
Brasil tem sido pequena. A partir da crise de energia elétrica ocorrida em 2001, o MMA
passa a prestar atenção às questões energéticas e em especial à eficiência energética.
Entretanto, apenas em 2003, começa a haver uma interação entre a Diretoria de Eficiência
Energética do MME com a Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos
Humanos, do MMA. No ano de 2003 está sendo criada uma agenda ambiental conjunta
entre o MMA e o MME que deverá incorporar a questão de eficiência energética, embora a
minuta ainda não o faça.
Outras ações têm sido trabalhadas conjuntamente pelo MME e MMA e são direta ou
indiretamente vinculadas à eficiência energética (entrevista com o atual e com a ex-diretora
de Qualidade Ambiental do MMA).
- O apoio do MMA na implementação de um Centro de Economia Energética e
Ambiental – CENERGIA;
- Convênio para estudos de Mudanças Climáticas visando atender a Convenção do
Clima (trabalho conjunto com a COPPE/UFRJ e MCT);
- Eficiência energética no setor público: estabelecimento de padrões de eficiência
energética a serem adotados nas edificações e no setor público de uma forma geral,
buscando integrar a eficiência energética, da água, reciclagem de materiais, etc.
Segundo o MMA, cabe ao Governo iniciar o processo tanto pelo potencial de
conservação de energia que este possui, como pela movimentação que ele pode
acarretar em termos de estimular o mercado trazendo novos atores ao processo de
181 MME.Política Nacional de Eficiência Energética. Minuta
216
eficientização, seja em termos de fabricantes de equipamentos (aumento da oferta)
como consumidores de energia.
- Estabelecimento de uma relação entre o processo produtivo e a utilização de
energias mais limpas. Um exemplo é o estímulo a performance energética da
indústria da construção civil, desde o planejamento às técnicas construtivas, ao uso
de materiais, buscando eficientizar o uso de matérias primas, energia e água.
- O MMA vem, ainda, elaborando uma agenda ambiental conjunta com o Ministério
dos Transportes, onde certamente a questão da eficiência energética deverá estar
inserida.
O estímulo para as parcerias que vêm sendo realizadas, bem como a vinculação das
ações com os Ministérios de Minas e Energia, Transportes, etc, busca modificar a política
ambiental para uma postura proativa, ao invés do que vinha ocorrendo até então, quando o
meio ambiente era associado a medidas de controle, licenciamento ambiental e/ou
fiscalização, sendo visto apenas como um empecilho para a expansão do setor elétrico.
Entretanto, cabe ressaltar que a participação do setor ambiental nas questões de eficiência
energética é ínfima, perante a urgente necessidade desta intervenção nessas ações e
programas.
5.7 A PROPOSTA DE MODELO INSTITUCIONAL DO SETOR ELÉTRICO E A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
Embora os estudos para essa tese finalizassem no final de 2002, como citado na
introdução, a proposta do novo modelo institucional para o setor elétrico, publicado em
julho de 2003 e novamente em dezembro do mesmo ano, mereceram algumas
considerações:
Nesta proposta, não houve sequer menção a políticas de eficiência energética, que ao
menos poderia vir a ser tratado em política pública específica, como é o caso da
universalização. O que parece é que embora o critério de transparência e participação seja
abordado na proposta, isso não ocorreu na primeira etapa e nem mesmo na segunda etapa,
embora as discussões e os especialistas em eficiência energética tenham feito contribuições
nesse sentido.
Ainda sobre o novo modelo, cabe ressaltar que este “tem como objetivo assegurar o
atendimento da demanda de energia elétrica de forma confiável, com racionalidade e
217
sustentabilidade econômica”. Assim, a proposta não incorpora a sustentabilidade ambiental
que é atualmente um requisito básico, em se tratando de políticas públicas de energia.
A proposta sinaliza que a universalização de energia elétrica será tratada em política
pública específica e em programa próprio. O mesmo poderia se dar em relação à política de
eficiência energética. Iniciativas de eficiência energética vinculadas a fontes de energias
renováveis já vem sendo implementadas. O uso de energia solar, por exemplo, vem sendo
utilizado nas comunidades rurais aonde a energia elétrica não chega. Um milhão de pessoas
já foram beneficiadas por meio do rateio do custo de painéis solares entre as comunidades,
substituindo o custo de energias alternativas e poluentes, como baterias de carros,
querosene, velas ou pilhas comuns (Cunha, 2001).
5.8 O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL NA IMPLEMENTAÇÃO DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
A sociedade precisa estar informada e consciente do custo-benefício do uso da
energia eficiente para fazer suas escolhas e pressão aos governos e/ou tomadores de decisão.
Nos países mais socialmente organizados, a pressão de grupos ambientalistas tem
um papel fundamental na defesa de fontes energéticas renováveis e pouco poluentes na
geração de energia elétrica; no uso de equipamentos de redução de poluição nas usinas
termelétricas; na eliminação de alternativas danosas ao meio ambiente; nos investimentos
substanciais de empresas concessionárias em medidas de conservação de energia; e na
consideração dos custos ambientais, ainda na fase de elaboração do plano de expansão das
empresas, evitando-se a mitigação a posteriori.
Cabe ressaltar que a Lei de Política Nacional de Conservação e Uso Racional de
Energia e o Decreto que a regulamenta, estabelecem a obrigatoriedade de realização de
audiências públicas para a aprovação das regulamentações específicas, o que dá margem à
sociedade de influir naquelas ações que interferem nos itens de seu uso cotidiano.
A ANEEL, de um modo geral, realiza essas audiências públicas para a tomada de
decisões em nível amplo e, especificamente, nas decisões que se referem à eficiência
energética. Os textos das pré-regulamentações que dizem respeito à essas questões são
disponibilizados na internet para receber as sugestões e contribuições que depois serão
homologadas, na medida do possível, pelos representantes legais da ANEEL.
218
A internet configura-se, assim, um meio eficiente de participação no que se refere à
eficiência energética. Entretanto, cabe ressaltar que muitos interessados não têm acesso à
internet dificultando a possibilidade de contribuir para o processo de regulamentação.
Outros atores relevantes no processo de participação das políticas de eficiência
energética são os empresários, industriais, produtores de máquinas e equipamentos, entre
outros, que possuem maior voz ativa no processo, pelo fato de se organizarem melhor e
possuírem maior poder econômico.
No quadro 25 a seguir, foi elaborada uma matriz comparativa das principais
características de cada país estudado, com relação às ações de implementação da eficiência
energética.
Quadro 25 - Matriz comparativa de eficiência energética países estudados França Reino Unido EUA Canadá Brasil
Agências de eficiência energética
ADEME
EST EREE OEE PROCEL (Programa)
Data da criação 1992 1992 - 1998
Agências descentralizadas
Regionais
Estaduais Locais
Estaduais Locais
Estaduais Locais
Estaduais Municipais
Vinculação a órgão ambiental
ADEME EST/ DETR
EERE/EPA OEE/NRCan ___
Legislação 1996 1996 - Energy Conservation Act
1992 - EnergyPolicy Act
1992- EnergyEfficiency Act
2001-Lei de Eficiência Energética
Programa Nacional de Mudanças Climáticas
National Programme Against Climate Change
Government Climate Change Programme
Office of energy efficiency & renewable strategy plan 2000-2010
Gov. of Canada Action Plan on Climate Change
____
Principais programas de eficiência energética egestão ambiental
-redução consumo energético -melhoria da qualidade do ar -gestão ambiental urbana -otimização gestão
-Transport energy -Planet York climate challenge -Future energy -Subsídios p/ energia solar -Community energy -Best Practice
-Industrial Technologies-Freedom car-Building technologies -FEMP -Biomass -Hydrogen, fuel cell & infrastructure technology -Geothermal;
-Auto$mart -Energuide p/ equip., veículos e residências -EII -Energy Star -Fed. Building Initiative -Fleetsmart -Industrial
ResidenciaisComerciais Industriais Prédios púb. Edificações Iluminação Pública (RELUZ) Comunida-des baixa renda Hospitais
219
de resíduos-setor residencial/comercial (5) -setor industrial (8) -transportes (3) programas interdisci-plinares (5 projetos)
Sustainable -Energy in Housing
-Solar energy-Wind & hidropower -distributed energy weatheriz. & intergovern.
E.E. -Motor Vehicle -Natural Energy Database -Natural Gas -R-2000
Etiquetagem Obrigatória Sim Sim Sim Sim Não
Padrões mínimos de Eficiência Energética para equipamentos
Sim Sim Sim Sim Não
Padrões de eficiência p/ edificações
Sim Sim Sim Sim Não
Incentivos econômicos. Sim Sim Sim Sim Não
Programas de educação Sim Sim Sim Sim Sim
Programas voluntários Sim Sim Sim Sim Não
Parcerias Ongs, EmprPrivadas, fa-bricantes de equipamen-tos, ESCO´s
Ongs, Empr. Privadas, fabricantes de equipamentos, ESCO´s
Ongs, Empr. Privadas, fabricantes de equipamentos,ESCO´s
Ongs, Empr. Privadas, fabricantes de equipa- mentos, ESCO´s
Empresas Públicas
Fonte: www.est.gov.uk; www.ademe.fr; www.eere.energy.gov; www.oee.nrcan.gc.ca; www.procel.gov.br
5.9 ASPECTOS NEGATIVOS E POSITIVOS DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA EM NÍVEL FEDERAL
5.9.1 Aspectos negativos:
- O setor público estar sujeito a descontinuidades dos Programas em face às
mudanças político-institucionais.
- A fragilidade das instituições públicas brasileiras, especialmente no âmbito
ambiental, que dificulta a possibilidade (ao menos no curto prazo) do setor adotar
uma postura mais marcante em relação as ações de eficiência energética.
220
- Fator cultural. A conservação de energia, a diminuição do desperdício e a
preservação ambiental não são questões intrínsecas à cultura nacional. O setor
energético não foge à regra, o que dificulta a conscientização da importância dos
programas de eficiência energética em nível institucional, ficando restritos aos
técnicos que vêm trabalhando com a questão (o que, por sua vez dificulta a
conscientização da sociedade). Estes técnicos são, por sua vez, suscetíveis a
mudanças institucionais, políticas, econômicas, entre outras.
- Falta de articulação intersetorial e intra-setorial e especialmente interação com a
área ambiental.
- Falta de conscientização da sociedade no sentido de exigir melhor qualidade nos
serviços, maior eficiência energética, preços competitivos e preservação do meio
ambiente. Não havendo pressão social as respostas institucionais são mais lentas.
- Inexistência de coordenação efetiva entre o PROCEL e o CONPET no sentido de
se estabelecer uma política integrada de eficiência energética que venha ampliar
os esforços atualmente empreendidos isoladamente e assegurar o aproveitamento
do potencial de eficientização existente.
- Inserção de novos atores no setor elétrico, especialmente após a privatização,
processo que demandou uma estratégia de articulação entre o PROCEL e os
novos atores envolvidos, bem como um esforço de regulamentação da questão.
- Mercado privado de bens e serviços de eficiência energética pouco desenvolvido,
necessitando de estímulo, especialmente por parte do setor público.
5.9.2 Aspectos positivos:
- A crise de energia de 2001 trouxe um novo espaço para o PROCEL que vinha
ficando à margem de mudanças políticas e/ou econômicas no país.
- A aprovação da Lei de eficiência energética (10.295/2001) e o decreto que a
regulamenta deram um novo ímpeto para as ações de eficiência energética,
especialmente para o PROCEL.
- Percepção, especialmente de alguns representantes do governo, de tratar a
eficiência energética como questão estrutural e não conjuntural, principalmente
após a crise de energia elétrica de 2001.
221
- Conscientização de parte da sociedade acerca do papel da eficiência energética
para diminuição do desperdício de energia elétrica e de preservação do meio
ambiente, dando um novo estímulo para as ações do PROCEL.
- Incorporação das ações de eficiência energética à política energética nacional.
- Integração das ações do PROCEL às ações do MME e da ANEEL.
- Interação entre os agentes envolvidos na eficiência energética, tais como os
governos federal, estadual e municipal, empresas distribuidoras de energia,
fabricantes de equipamentos, órgãos reguladores e consumidores.
- Aumento de recursos destinados à eficiência energética, especialmente por meio
da Lei 9991/2000 (1% do lucro das empresas para P&D do setor elétrico e
eficiência energética).
• • •
Este capítulo explicitou a experiência nacional de eficiência energética, analisando
suas ações, o programa de Programa de Conservação de Energia (PROCEL) e suas
atividades, especialmente com respeito à gestão ambiental. Analisou o Plano Energia Brasil
de Eficiência Energética, criado após a crise de energia elétrica de 2001, e as ações que já
foram realizadas dentro deste Plano até o final do ano de 2002. O próximo capítulo aborda
os requisitos necessários para a efetivação da eficiência energética no Brasil, especialmente
sua interação com a política ambiental.
222
6. CONDICIONANTES PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA
AMBIENTAL NO BRASIL
Tomando por base o que foi estudado nos capítulos precedentes, apontamos a
seguir, alguns requisitos necessários para a implementação de ações de eficiência
energética em consonância com a política ambiental no Brasil. As condições não se
esgotam nestes itens, mas são aqui apresentados um conjunto mínimo de situações que
deve ser considerado relevante para a efetivação das políticas mencionadas. São estes:
arranjo institucional; governabilidade/Estado forte; legais/normativas; participação social;
educação, conscientização e marketing; instrumentos econômicos; avanços científicos e
tecnológicos; requisitos éticos; acordos internacionais.
6.1 ARRANJO INSTITUCIONAL
A forma institucional mais adequada para a implementação de ações de eficiência
energética, de acordo com o que vimos tanto nas experiências internacionais estudadas,
como em outros países desenvolvidos e não desenvolvidos é a implantação de agências
específicas para assuntos vinculados a eficiência energética e meio ambiente.
A análise da experiência internacional permite inferir que a criação da Agência,
como arranjo institucional, oportuniza uma importante redução na pulverização das ações
que tradicionalmente são empreendidas por distintos organismos.
O contexto brasileiro é diferenciado do daqueles países estudados. Nossas
instituições padecem de fragilidade institucional. O exemplo da criação do IBAMA, em
1989, reunindo 4 agências governamentais, atesta que não basta centralizar – 15 anos
depois, o IBAMA ainda opera como um conglomerado de arranjos internos típicos das
agências originais. Mas isso não diminui a relevância de se pensar na integração das
diferentes ações de eficiência energética num único organismo.
Nos países estudados, por exemplo, as instituições destinadas a tratar
especificamente do assunto em questão têm autonomia política e econômica. Possuem uma
estrutura organizacional e hierárquica que tornam mais factíveis os encaminhamentos e a
efetividade das mesmas. Possuem, credibilidade e legitimidade da sociedade, na medida em
que atendem as necessidades do público.
223
A vinculação a um órgão ambiental, por outro lado, vem garantir a maior interação
do setor na política de eficiência energética.
As mudanças e adaptações institucionais são defendidas por Fiorino (1995),
especialmente verificando três fatores:
O primeiro é a integração de vários programas afins e/ou setores de políticas
públicas, por exemplo: programas de água ou atmosfera e/ou políticas ambientais,
energéticas e agricultura. Essa integração deve se dar pelo fato de que a política pública
não pode ser fragmentada quando se trata de meio ambiente e energia, entre outras
políticas.
O segundo ponto é a necessidade de se tratar de assuntos internacionais. Alguns
problemas energético/ambientais são locais, regionais e globais. Mudanças climáticas
requerem tratamento internacional, em interação com outros órgãos e agências.
O terceiro fator refere-se à relação setor público x setor privado. Essa relação tem
que melhorar, visando uma maior parceria nos projetos ambientais e de eficiência
energética.
O arranjo institucional da eficiência energética e meio ambiente no Brasil deve
ocorrer nos diversos níveis de poder (federal, estadual e local) As experiências
internacionais demonstram que a descentralização estimula o uso da eficiência energética
em nível estadual e local, propiciando a melhoria do meio ambiente. Nos EUA, por
exemplo, as experiências locais e estaduais superam muito em quantidade e qualidade as
experiências federais. No Brasil, a Rede de Cidades Eficientes vem obtendo cada vez mais
adesões, propiciando benefícios econômicos e ambientais a centenas de municípios
brasileiros.
6.2 ESTADO FORTE/GOVERNABILIDADE
O segundo requisito é vinculado ao primeiro. Instituições sólidas só são possíveis
a partir de um Estado forte, que se caracterize por assumir as funções que lhe cabe (servir
a sociedade com qualidade) com eficiência e firmeza.
Embora o Estado possua um papel distinto do que vinha tendo até o início das
privatizações do setor elétrico, quando tinha por tarefa a execução dos serviços referentes
a energia elétrica, ainda possui uma missão fundamental a cumprir. Se antes ele era o
executor agora é o regulador e regulamentador das ações de outros atores sociais que
entram em cena, tais como as empresas privadas e as organizações sociais.
224
Vimos no capítulo 2 que para tornar-se um agente regulador legítimo e com
credibilidade no âmbito das políticas públicas, há que se transformar em um Estado forte
que venha ser um agente de intervenção estratégico especialmente no que se refere às
políticas ambientais e de eficiência energética, objeto de nosso estudo. O Estado deverá
atuar na coordenação do processo de modo a atingir o objetivo final dessas políticas que é
de atender o público adequadamente.
Sachs (2000, p.209) identifica a função regulamentadora do Estado como
prioridade nas políticas públicas, especialmente nas de cunho ambiental e correlatas.
Segundo ele “para funcionar adequadamente, os mercados exigem regras de jogo
estabelecidas com clareza”.
No âmbito da política de eficiência energética, o Estado terá que exercer o poder de
regulador para que esta seja efetivamente implementada e continuada. Como vimos
também anteriormente nesta tese, as empresas privadas não têm interesse em conservar
energia, uma vez que elas visam a maximização de seus lucros no curto prazo com a venda
de energia. Por outro lado, há o interesse das empresas e do mercado na desregulamentação
para que possam atuar livremente. Mas para a sociedade, o mercado deve estar
regulamentado de forma a garantir o interesse público. E a eficiência energética é, sem
dúvida, objeto de interesse da sociedade e do Estado. Na medida em que a
desregulamentação e a desestatização reduzem a atuação do Estado como poder público,
deverão ser estabelecidos mecanismos de fortalecimento e de reformulação na sua forma
de atuação de modo a haver o comprometimento com os interesses sociais.
Um Estado atuante deverá ter por papel regular e regulamentar as ações que, de
alguma forma interfiram no meio ambiente e/ou na vida da sociedade. A implementação
da eficiência energética mexe com valores e comportamentos sociais, o que requer - além
da regulamentação e fiscalização, atividades inerentes ao poder público - a necessidade de
incentivar economicamente aqueles que aderirem aos programas de eficientização, ou
inserir desincentivos econômicos para aqueles que não colaborarem.
Mesmo tendo em vista a estratégia desestatizante adotada em vários paises na duas
últimas décadas do século 20 , a questão ambiental mostrou-se como necessariamente
dependente de uma estrutura governamental voltada para a regulamentação e para a
fiscalização das atividades causadoras de danos ao meio ambiente. Em outras palavras,
ficou evidente que a maré liberal não se aplicaria ao âmbito das políticas ambientais.
Mesmo tendo em vista a estratégia desestatizante adotada em vários paises na duas
últimas décadas do século 20, a questão ambiental mostrou-se como necessariamente
225
dependente de uma estrutura governamental voltada para a regulamentação e para a
fiscalização das atividades causadoras de danos ao meio ambiente. Em outras palavras,
ficou evidente que a maré liberal não se aplicaria ao âmbito das políticas ambientais.
Nas políticas energética e ambiental e em particular de eficiência energética, a
regulação é usualmente implementada quando se reconhece que as falhas do mercado não
permitem que os instrumentos econômicos sozinhos alcancem os objetivos requeridos. Na
política de eficiência energética, as regulações visam impor padrões mínimos de eficiência,
medidas técnicas, comportamentais ou gerenciais, por meio de legislação, ou ainda, fazer
prover informações sistemáticas para os consumidores, por meio, por exemplo, de
diagnósticos energéticos.
Para implementar-se a eficiência energética, assim como se dá com a política
ambiental, o Estado deve passar de uma máquina administrativa grande, para um Estado
forte.
A característica forte é um sinônimo de mudança qualitativa, no sentido de um
Estado legítimo e parceiro da sociedade. Alguns autores, como Sunkel e Castells (1988),
consideram que o fortalecimento do Estado - além da institucionalização da participação
da sociedade no planejamento e nas ações que lhes dizem respeito - possui algumas
condicionantes políticas, sociais, administrativas, entre outras, tais como a transparência
administrativa, a coordenação, a regulação, o acompanhamento e a avaliação.
Um Estado forte, com instituições e representações legítimas, é uma condição
necessária à implementação de uma política de eficiência energética de qualidade.
6.3 LEGAIS/NORMATIVAS
Por mais que haja uma conscientização ampla sobre a importância da eficiência
energética para a sociedade e para o meio ambiente, não há meios de instituí-la,
definitivamente, se não for por meios legais. A força da lei é que vai fazer com que sejam
implementadas as políticas públicas.
Com a desregulamentação do setor elétrico e a privatização das empresas, a
regulamentação se faz ainda mais necessária, pois, como já foi dito anteriormente, as
empresas não possuem interesse em implementar a eficiência energética se não forem
obrigadas, uma vez que seus interesses estão na venda de energia e na maximização de
seus lucros.
226
Todos os países que instituíram políticas de eficiência energética possuem medidas
legais para executá-la. Alguns países possuem leis e normas mais detalhadas, outros se
limitam a ações para a diminuição de gases de efeito estufa, visando o cumprimento do
Protocolo de Kioto. De qualquer forma, todos contam com regulamentação que engloba
leis, decretos, resoluções, etc. Nos países estudados, a legislação de eficiência energética
prevê padrões mínimos de eficiência energética diferenciados, em nível federal e estadual.
Cabe ressaltar que a ação legal deve ser complementada por ações administrativas,
educacionais, de marketing, entre outras.
No Brasil, a Lei de Eficiência Energética (Lei nº 10.295, de 17 de outubro de
2001), dispõe sobre a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia e visa
a alocação eficiente de recursos energéticos e a preservação do meio ambiente (art. 1º).
Essa Lei já traz embutida uma preocupação com a preservação de recursos naturais e com
a promoção da integração entre as duas áreas, o que em termos legais era inexistente.
Outro fator inédito é que as regulamentações deverão ser antecedidas por
audiências públicas, com divulgação antecipada das propostas, com a possibilidade de
participação de entidades representativas de fabricantes e importadores de máquinas e
aparelhos consumidores de energia, projetistas e consultores de edificações, consumidores,
instituições de ensino e pesquisa e demais entidades interessadas (art. 5º da Lei
10.295/01).
Caberia a complementação da lei no que se refere a penalidades. Estas deverão
estar explícitas para o caso de não haver o cumprimento das ações de eficiência energética.
Por exemplo, se o produtor não parar de fabricar equipamentos ineficientes, colocando-os
no mercado, deverá haver uma penalidade para induzir a extinção desses equipamentos.
Da mesma maneira, aqueles fabricantes que implementarem preços abusivos em seus
equipamentos face à sua eficiência, deverão ser punidos. Para tal, faz-se necessário a
ampliação do processo participativo dos vários atores envolvidos no processo durante a
elaboração das leis.
A legislação é um dos instrumentos mais fortes de implementação da eficiência
energética. Deve ser ressaltado, entretanto, que a força da Lei não é tudo. As relações no
mercado dependem, sobretudo, da construção de entendimento de regras, compromissos e
ações aceitos e exercidos por todos, indistintamente. Isto vai além dos incentivos objetivos
ou subjetivos inerentes às operações no mercado e além dos termos escritos nos contratos.
227
As leis têm um papel relevante, mas não são necessariamente suficientes.
Além das instituições vêm os valores morais aceitos por todos e que
garantem o perfeito e permanente relacionamento entre indivíduos e
instituições (Paiva, 2002).
6.4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL
A participação da sociedade em projetos e programas de meio ambiente já vem
ocorrendo há algumas décadas nos países desenvolvidos e há pelo menos uma década nos
outros países.
Nas questões ambientais, cada vez mais grupos de interesses, organizações não
governamentais, movimentos sociais, entre outros, vêm defendendo o direito de participar
das tomadas de decisão com respeito a quaisquer aspectos de seus interesses.
Por outro lado, vem difundindo-se na sociedade as preocupações com a
transparência na gestão pública, com o combate à corrupção e com a cobrança da
responsabilidade dos agentes públicos.
A “participação social”, seus espaços e instrumentos são conquistas e construção
da sociedade. São as demandas de participação da sociedade organizada a causa de uma
crescente mudança cultural que se opõe aos velhos padrões da política, clientelistas,
elitistas, autoritários e corruptos, gerando uma opinião pública que enfatiza a
representatividade, que exige transparência e respeitabilidade nas ações governamentais.
(Carvalho, 1998).
Alvarez (1992), considera as ONGs como um conjunto de atores e formas de
participação, que se interligam e integram redes. Um “tecido movimentista”, “heterogêneo
e múltiplo”, que têm uma certa permanência e articulação, com períodos de maior ou
menor mobilização.
Essas redes diferem do que se observa nos conselhos, fóruns e plenárias182. São
inúmeras articulações como movimentos sociais, ONGs e diversas outras entidades e
182 Os Fóruns são iniciativas da sociedade civil que se caracterizam pela diversidade dos sujeitos
envolvidos, por sua estrutura leve, descentralizada e pouco formal. Ao contrário dos conselhos, não têm interlocução instituída com o Estado mas convidam seus representantes para receber e encaminhar reivindicações sociais, o que lhes dá maior independência, embora por outro lado, esta distância diminua seu poder frente aos governos
228
instituições como universidades, centros de pesquisa, entidades profissionais, órgãos da
mídia, empresas, militantes e profissionais que atuam individualmente. Essas redes
incorporam sujeitos mais ou menos coletivos e podem ser organizadas de modo mais ou
menos formal, incorporando hoje novas formas de participação ou manifestação cidadã,
que enfatizam a expressão cultural e artística e as tecnologias da comunicação. Elas
estendem-se crescentemente não apenas sobre o terreno da sociedade civil, mas
incorporam também setores de partidos e do Estado (Alvarez & Dagnino, 1995).
No que se refere à eficiência energética, praticamente todas as ações
implementadas intervêm no dia a dia da sociedade. Seja no sistema de transportes, no setor
residencial, comercial e industrial, no uso de eletrodomésticos, equipamentos e máquinas,
nos escritórios, nas construções, enfim em todas as formas de se utilizar a energia.
Nesse sentido, a participação social se faz relevante, pois está inserida no contexto
das políticas, programas e ações, interesses e atores distintos. A sociedade deve ter direito
e o dever de intervir em ações/programas que vão ser direcionadas a elas, para o seu
cotidiano.
Cada processo deverá envolver, desde o início, os atores interessados, que deverão
ser chamados a opinar sobre as mudanças a serem efetuadas, de forma a se obter acordos
que sejam os melhores possíveis para todos os atores envolvidos. Em Paulínia, por
exemplo, a CESP constatou a necessidade de construir uma usina termelétrica de 700 MW
para suprimento da demanda de energia elétrica, cujo investimento alcançava US$ 1
bilhão. A partir do debate com a população, optou-se pela implementação de medidas de
eficiência energética ao invés da construção da usina (Januzzi, 1995).
A sociedade civil vai ter, ainda, um papel preponderante na ponte com o poder
público, assim como com o empresariado.
A institucionalização da participação social nos processos decisórios
deverá passar, primordialmente, pela vontade política de inserir a
participação dos segmentos sociais envolvidos, abrindo um canal bilateral
e permanente de comunicação com a sociedade, desde as etapas iniciais de
planejamento, bem como reconhecendo os representantes legítimos da
sociedade civil. Um dos grandes desafios da institucionalização da
participação seria o de estabelecer uma política global que integre os
interesses sociais contraditórios (Menkes, 1993).
229
Objetivamente, a sociedade deverá estar presente na elaboração e no cumprimento
das legislações, junto à introdução de novas tecnologias, nas políticas de educação e
conscientização, enfim na maioria das ações em prol de uma política de eficiência
energética.
A participação social é um dos requisitos indispensáveis deste capítulo, que
consideramos relevantes para a implantação da eficiência energética como política pública
pelas razões já discutidas acima.
6.5 EDUCAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO E MARKETING
Como já citado no item anterior, para a efetiva participação da sociedade em
fóruns de decisão, faz-se necessário que a população esteja consciente dos custos e
benefícios de uma determinada política. A conscientização deve se dar por meio de
educação nas escolas, de modo a criar-se uma cultura da eficiência energética e de outros
recursos naturais, vinculada a sua finitude e o não desperdício. Os ensinamentos sobre o
meio ambiente e as questões energéticas, entre elas a da eficiência deverá constar na grade
curricular das escolas desde a infância, seguindo durante o ensino fundamental e o ensino
médio.
Outro ponto a ser considerado é a educação para a sociedade em geral. As questões
ambientais e energéticas também devem ser divulgadas à sociedade de uma forma geral,
com vistas a criar uma cultura do não desperdício, da preocupação da conservação da
natureza e dos recursos naturais, etc.
A contrapartida da sociedade no processo educativo é a responsabilização pelas
atitudes tomadas. Na medida em que este é um assunto coletivo, em que cada qual tem
uma responsabilidade, cabe a cada um fazer a sua parte. Assim desde a troca de lâmpada
por uma mais eficiente, a participação nas audiências públicas, a contribuição para o
conteúdo de uma regulamentação, na pressão por uma atuação incisiva do Estado na
regulação, etc, tudo isso faz parte da manifestação pública, da atuação no papel do
cidadão.
A informação está associada à educação e a conscientização. A educação é um
processo que leva o indivíduo a ter um conhecimento maior sobre os assuntos em geral. A
informação é mais pontual. Ela esclarece a sociedade sobre fatos, fatores e dados que
dizem respeito a determinado assunto. Nesse caso, à eficiência energética, a energia e ao
meio ambiente. Sem a informação não há chance da sociedade pensar a respeito de um
230
determinado assunto e tomar atitudes com respeito a essas questões. A transparência das
informações se fazem necessárias para se efetivar a participação da sociedade.
Marketing é a publicidade da informação, de modo a torná-la o mais abrangente
possível. Se a informação não chegar aos usuários, estes não vão ter condições de fazer a
sua escolha no sentido de se ter o compromisso citado acima com a eficiência energética e
com a política ambiental. Esse é o papel do marketing. Chamar a atenção sobre
determinado assunto.
A divulgação do potencial de eficiência energética em todos os setores, e em
paralelo, do potencial de preservação ambiental, são requisitos básicos para se enfatizar e
implementar uma política de eficiência energética aliada à política ambiental.
A divulgação deve ter um cunho amplo para que a população, as empresas,
indústrias etc, possuam informações acerca das vantagens e desvantagens da eficiência
energética, por meio do conhecimento dos programas que já estão sendo e que podem vir a
ser implementados. Isso permitirá a possibilidade de conscientizar os diversos atores sociais
para os benefícios possíveis, contribuindo para as políticas e programas implementados,
bem como estimular a mudança de comportamento, introduzindo novos hábitos de uso
eficiente de energia.
Atualmente os tomadores de decisão da área ambiental, em sua maior parte,
desconhecem as tecnologias, os programas e políticas de eficiência energética bem como a
vinculação desta com a redução de emissões de gases de efeito estufa (Geller, entrevista).
As informações acerca das questões ambientais e de eficiência energética são
transmitidas à sociedade traduzindo-se em um processo educativo. Quando essa
informação/ processo educativo é internalizado pelo indivíduo ou por uma sociedade,
ocorre a conscientização sobre os problemas abordados. A sociedade consciente irá
facilitar a implementação dos programas e políticas de eficiência energética e ambiental.
6.6 INSTRUMENTOS ECONÔMICOS
Amplamente aplicado em vários setores nos países desenvolvidos, os instrumentos
econômicos vêm se mostrando também efetivos nos programas de eficiência energética
em nível mundial. A crise energética que passou o País (em 2001) foi uma demonstração
de que na medida em que os consumidores são afetados economicamente (por meio de
taxações, multas, impostos e/ou aumento de tarifas), a redução do consumo de energia é
imediata.
231
Em se tratando de eficiência energética, os instrumentos econômicos são utilizados
no sentido amplo da definição do termo183, ou seja, instrumentos que induzem, acima de
tudo, uma eficiência econômica, tecnológica e ambiental. Encontram-se nesse caso – além
dos instrumentos econômicos tradicionais como taxação, impostos, incentivos financeiros
e fiscais – os incentivos para quem economiza ou não desperdiça, incentivo a P&D,
informação, contratos de performance, prêmios, entre outros.
O uso de instrumentos econômicos pode ser efetivo para a diminuição das
emissões de gases do efeito estufa, uma vez que limitam a capacidade máxima de emissão
que cada agente poluidor poderá emitir (por meio de padrão de emissões).
A eficácia dos instrumentos econômicos com relação à eficiência energética, está
de certa forma vinculada ao grau de prioridade que cada País estabelece para que esta seja
implementada como política ambiental/energética. Nos países desenvolvidos, as
instituições responsáveis pela coordenação dos serviços de eficiência energética são, em
sua maior parte, governamentais, mas atuam em parcerias com o setor privado e a
sociedade civil.
Essas parcerias vêm fortalecer a consciência da sociedade sobre a importância de
se economizar ou não desperdiçar energia, ainda que esta conscientização seja (re)forçada
pela cobrança de taxas e impostos.
As experiências dos EUA, Canadá, França e Reino Unido apontam um retorno
financeiro significativo proveniente dos instrumentos econômicos utilizados, o que
incentiva a continuidade do uso dos mesmos nos programas de eficiência energética. No
âmbito da União Européia, a Agência Ambiental (EEA) identificou e analisou 16
diferentes eco-taxas em ação na Europa, concluindo que todas apresentavam resultados
positivos e a custos razoáveis.
A exemplo desses países, o Brasil deveria instituir instrumentos econômicos que já
foram considerados efetivos nas experiências internacionais em eficiência energética. Tais
instrumentos poderiam ser implementados paulatinamente, para testar a sua eficácia no
Brasil. Incentivos financeiros e empréstimos do setor público e privado deverão ser mais
direcionados para treinamento, capacitação de técnicos, pesquisa e desenvolvimento de
tecnologias mais limpas e eficientes, para a conscientização/educação/informação do
público no sentido de economizar energia, entre outros.
183 Hahn amplia a gama de instrumentos/incentivos que podem ser denominados como instrumento
econômico. Para ele, é “qualquer instrumento por meio do qual se espera aumentar a eficiência econômica relativa ao status quo”(Hahn, apud Polemis, 1999, p.2).
232
Alguns instrumentos econômicos (assim como legais, administrativos, normativos,
etc) já têm sido implementados tais como incentivos fiscais, incentivos financeiros,
subsídios aos preços da energia, ação das Empresas de Serviços Energéticos
(ESCOs)/Contratos de Desempenho184 e outros estão em vias de implementação (como
alteração do código de obras e/ou incentivos fiscais para equipamentos eficientes). O
empréstimo do BIRD, citado no capítulo 5, irá alavancar, com certeza, novas medidas e
instrumentos que se traduzirão em maior eficiência energética e sua institucionalização
como política energética e ambiental.
6.6.1 Incentivos fiscais, incentivos financeiros e financiamentos
Os incentivos fiscais mais utilizados nos programas de eficiência energética são a
isenção ou diminuição de taxas e impostos para consumidores de produtos eficientes ou o
aumento dessas para produtos ineficientes.
Os incentivos financeiros são recursos econômicos oferecidos por meio de doação
e/ou empréstimos aos usuários de energia para a utilização de equipamentos, instalações,
produtos eficientes, entre outros. Os incentivos financeiros podem ser oferecidos
diretamente pelo Governo e parcerias, ou pela iniciativa privada, visando induzir um
maior consumo de produtos eficientes. Podem, ter, ainda, caráter temporário ou
permanente.
Os financiamentos são, na maioria dos casos, realizados para projetos e/ou
programas de eficiência energética. Os financiamentos também podem ser utilizados para
viabilizar os contratos de performance, onde o retorno do investimento realizado
(normalmente pelas Empresas de Serviços Energéticos - ESCOs) é pago por meio da
economia feita pela eficientização dos sistemas energéticos. Nos países desenvolvidos,
destacam-se programas de incentivos financeiros destinados a viabilização da
eficientização energética por comunidades carentes.
6.6.2 Subsídios ao preço da energia
184 Serão definidos aqui também como incentivos econõmicos os prêmios, certificações, entre
outros, na medida em que estas ações induzem à valorização do produto ou bem.
233
A remoção dos subsídios do preço da energia é um dos instrumentos econômicos
incentivadores da eficiência energética e conseqüentemente da melhoria ambiental. O
BIRD (World Bank, 1993), aponta que os governos de países em desenvolvimento
subsidiaram o consumo de energia em 150 bilhões de dólares anualmente, dos quais 100
bilhões desses subsídios foram destinados ao consumo de energia elétrica. Segundo o
relatório, os consumidores desses países utilizam 20% a mais de energia elétrica do que se
tivesse que pagar o valor real da eletricidade.
No Brasil, durante muitos anos, o setor elétrico manteve a tarifa da energia
subsidiada para os usuários residenciais e industriais, o que não acarretava prejuízos
financeiros significativos para o consumidor que utilizasse energia além do essencial. Entre
1973 e 1988, a tarifa média de eletricidade residencial caiu 55%. No ano de 1989, os
domicílios com consumo abaixo de 300KWh/mês pagaram 50 a 80% a menos do que o
custo real do fornecimento de eletricidade para usuários residenciais. As grandes indústrias
que recebem energia a altas tensões, pagaram cerca de 30% a menos que custo real de
fornecimento de eletricidade em 1989 (Geller, 1994).
O subsídio ao preço da eletricidade reduz o interesse e o custo-benefício dos
projetos de conservação tanto na perspectiva do consumidor, quanto na perspectiva da
concessionária, pois estas financeiramente “prejudicadas” não investem em atividades
“não essenciais” como programas de conservação de energia.
Por outro lado, os subsídios diretos ou indiretos não estimulam a pesquisa e o
desenvolvimento de novas e/ou alternativas tecnológicas. No caso do Brasil, os subsídios
vieram incentivar o desenvolvimento econômico onde as indústrias eletrointensivas
possuíam um papel prioritário185. Com a escassez de energia elétrica ocorrida no período
de 2000/2001, os subsídios deixaram de ser um instrumento econômico viável, cedendo
espaço para uma taxação/penalidade pelo uso excessivo da energia.
6.6.3 Contratos de Performance186 e ESCOs
As Empresas de Serviços Energéticos187 - ESCOs atuam no mercado de eficiência
energética por meio de recursos próprios ou intermediando verbas destinadas para tal
185 O início da década de 1980 foi um período crítico da substituição de derivados de petróleo por
eletricidade. Isso se deu graças a introdução de tarifas especiais subsidiadas (EGTD e ESTS) para indústrias, cujo valor era de 1/5 do preço normal (Menkes, 1993).
186 Performance contracts
234
(proveniente, por exemplo, de bancos privados ou verbas de governo). Esse investimento
se paga na medida em que o empreendedor começa a economizar energia. Uma parte da
economia é utilizada para o pagamento dos serviços da ESCO, outra parte para o
pagamento do financiamento e o restante é o benefício para a empresa. Esses acordos entre
a ESCO e a empresa/indústria é denominado de contrato de desempenho (performance
contracts).
A decisão de se explorar comercialmente as oportunidades de
conservação de energia, através de empresas exclusivamente dedicadas a
esta tarefa, decorre do fato que existe considerável evidência que os
consumidores de energia, deixados simplesmente ao sabor das forças de
mercado, demonstram pouca inclinação para explorar, por iniciativa
própria, a maioria das oportunidades economicamente viáveis de
conservação de energia com que se defrontam no cotidiano. Isso se deve
tanto a falta de informações quanto ao receio de se exporem
demasiadamente a riscos ou ainda as elevadas taxas de juros cobradas
sobre investimentos considerados marginais (Souza Jr., 1996 p.192).
O uso de instrumentos econômicos em eficiência energética tem um enorme
potencial que deverá ser explorado cada vez mais. É bastante mais efetivo se utilizado
juntamente com as ações legais, com a participação social, a educação, o marketing, a
informação, entre outros.
6.7 AVANÇOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS
As novas tecnologias e os avanços científicos são fatores de grande potencial de
contribuição às ações de eficiência energética, na medida em que podem tornar os
produtos mais eficientes, gastando menos energia para a mesma potência.
Os investimentos em avanços científicos e em tecnologias visando a eficiência
energética vêm crescendo e demonstrando resultados promissores em todos os países. O
187 Energy Service Companies –ESCOs. No Brasil, a maioria das ESCOs são intermediadoras/
viabilizadores dos financiamentos realizados por instituições/ bancos e são responsáveis técnicos pelo risco dos contratos de performance. Nos países desenvolvidos, as ESCOs,em sua maioria, fazem o investimento e se remuneram com a economia de energia.
235
Brasil não fica à margem desse processo, uma vez que as empresas de distribuição de
energia são obrigadas por Lei a investirem 1% de seu lucro líquido em programas de P&D
do setor elétrico e em projetos de eficiência energética no uso final, enquanto que as
empresas de transmissão e de geração são obrigadas a investir 1% de suas receitas em
P&D do setor elétrico. Esse valor é de cerca de 30 milhões de dólares ao ano (ciclo
2000/2001) que são aplicados em projetos de eficiência energética, energia renovável,
geração de energia elétrica, meio ambiente e pesquisa estratégica.
Algumas tecnologias vêm trazendo prósperos resultados em termos de eficiência
energética. Entre as tecnologias de interesse, vale destacar, por exemplo, como já foi
citado nessa tese, as utilizadas na geração descentralizada ou geração distribuída, que são
sistemas de pequeno porte, colocados próximos aos centros de consumo, diminuindo a
necessidade de sistemas de transmissão.
Ainda são necessários esforços de pesquisa e desenvolvimento em
muitas dessas tecnologias, que incluem turbinas a gás (especialmente as
chamadas microturbinas), sistemas de co-geração, sistemas de geração
híbridos (como o eólico-gás) e também sistemas de armazenamento de
energia (Jannuzzi, 2003, p.2).
Outras tecnologias passíveis de melhoria da eficiência energética e que necessitam
maiores investimentos são os sistemas combinados de calor, frio, força motriz, juntamente
com sistemas de comunicação e distribuição de energia, o que viria permitir maior
controle e racionalização do consumo de energia em equipamentos.
Dentro de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, as tecnologias
alternativas devem ser objeto de maior atenção e investimentos em pesquisa e
desenvolvimento de forma a virem a ser cada vez mais competitivas, como já vem
ocorrendo com a energia eólica em alguns países como a Alemanha e a Dinamarca.
Outro destaque seria a tecnologia mais eficiente nos setores de uso final, tais como
as dos equipamentos eletrodomésticos, iluminação, motores, etc.
Os investimentos em tecnologias limpas como combustíveis para veículos também
vêm se destacando, especialmente nos países desenvolvidos. Nos EUA, por exemplo, os
veículos movidos a hidrogênio, diesel e híbridos, juntamente com veículos elétricos e
movidos a gás natural, obtêm excelente desempenho na redução de emissões de gases de
efeito estufa e eficiência energética.
236
No âmbito industrial, a inovação tecnológica vem ocorrendo aceleradamente. Por
vezes, as novas tecnologias avançam mais aceleradamente do que a substituição dos
equipamentos e máquinas ineficientes ou a modernização das indústrias. Assim, há um
número cada vez maior de indústrias/empresas que podem ser eficientizadas e ter
melhorias em seu desempenho energético. Nesse setor, os métodos de aumento da
produtividade da energia e do material podem ser divididos, resumidamente, em seis
categorias que vão de encontro ao desenvolvimento sustentável: design, novas tecnologias,
controles, a cultura empresarial, os novos processos e a economia do material (Hawken,
Lovins & Lovins, 1999).
Muitas vezes, a eficiência depende não tanto de uma nova tecnologia quanto de
uma aplicação mais inteligente da tecnologia existente. É o exemplo de válvulas, dutos,
ventiladores, amortecedores, motores, filtros, trocadores de calor, isolantes e outros
sistemas que utilizam energia ou estão relacionadas à sua eficiência.
As tecnologias hoje disponíveis são capazes de economizar duas vezes mais
eletricidade do que era possível há cinco anos, a apenas um terço do custo real. Grande
parte do avanço contínuo em eficiência energética deve-se a tecnologias cada vez
melhores para extrair mais trabalho de cada unidade de energia e recursos.
As tecnologias de informação também possibilitam grandes economias à medida
que vão sendo cada vez mais utilizadas. A informatização da medição e do controle pode
ser distribuída a cada peça do equipamento de fabricação de modo que todas as partes do
processo se autogovernem em qualquer setor industrial.
Por outro lado, a cultura empresarial pode ter um importante papel na eficiência.
Uma empresa que aproveite a vantagem de poderosos instrumentos de medição,
simulação, emulação e exposição gráfica tem como transformar os processos de operação
lineares em cíclicos.
As inovações nos processos de fabricação, por sua vez, ajudam a cortar etapas e a
reduzir materiais e custos. Obtêm melhores resultados com o uso de insumos mais simples
e mais baratos. Praticamente em cada indústria, os processos e os produtos têm sido
aperfeiçoados face ao desenvolvimento de materiais, técnicas e equipamentos altamente
eficientes em recursos.
A eficiência dos materiais é hoje um aliado na redução de consumo energético. A
utilização de materiais mais resistentes e mais bonitos e úteis, bem como a sua reutilização
e a reciclagem podem propiciar a redução dos desperdícios, eliminação das sobras do
237
processo de produção e a melhoria da qualidade de produção. Assim, um passo importante
rumo ao desenvolvimento sustentável é aumentar o valor dos produtos e serviços por
unidade de recursos naturais empregados, elevando a produtividade dos recursos.
O efeito potencial, no sistema industrial, da combinação da eficácia e longevidade
do produto, os projetos e a fabricação com o mínimo de material, a recuperação, a
reutilização, a refabricação e a reciclagem das sobras, assim como a economia de material
face à melhor qualidade, a maior eficiência do produto e do design mais inteligente é
imenso.
Cabe ressaltar que o Brasil conta com poucos estudos sobre o potencial científico e
tecnológico para aumentar a eficiência energética. Segundo o INEE (2001), os estudos
disponíveis encontram-se ou desatualizados, ou sofrem limitações por restrição de escopo,
por serem muito genéricos ou muito teóricos.
6.8 REQUISITOS ÉTICOS
A eficiência energética é uma opção de se utilizar menos recursos ou energia para
realizar o mesmo serviço ou trabalho, a mesma quantidade de iluminação, aquecimento,
transportes, etc. Para que se introduza a eficiência energética é preciso haver escolhas.
Essas escolhas passam pela preservação de recursos naturais, pela utilização de fontes
alternativas de energia, pela diminuição do desperdício, pela busca de alternativas
tecnológicas mais eficientes, entre outras.
Não se pode instituir uma política pública ou privada de eficiência energética sem
uma opção de desenvolvimento sustentável no nível político, econômico e social.
A ética é uma característica intrínseca ao desenvolvimento sustentável, à busca por
um desenvolvimento econômico que alie eficiência e equidade, justiça e responsabilidade.
Já a eficiência energética deve conciliar a alocação de recursos com base nas
decisões individuais e coletivas com os princípios éticos para se atingir maior eficiência e
bem-estar para todos os cidadãos.
Tanto na implementação de ações e políticas de eficiência energética quanto para o
desenvolvimento sustentável, os requisitos éticos se fazem fundamentais para que os
benefícios de fato ocorram para a sociedade como um todo, e que não previlegie interesses
individuais. São questões que abrangem um grande número de atores e interesses sociais,
sendo, portanto, assunto de interesse coletivo.
238
Na realidade a ética é um requisito intrínseco ao bom e saudável funcionamento de
uma sociedade. No que diz respeito à ética vinculada às políticas públicas, por exemplo,
Roberto da Matta defende que ao mencionarmos essas questões não estamos simplesmente
nos referindo a uma relação de eficiência entre uma agência governamental e suas tarefas
junto ao Estado ou a sociedade, mas estamos pondo em cena a atitude que deve guiar o
que se está fazendo.
A ética introduz uma forte e irrevogável dimensão moral no âmbito da
administração pública. Não se trata mais de multiplicar eficiência e
recursos, mas de realizar isso dentro de certos limites e com uma certa
atitude. Se antigamente, os fins justificavam os meios – e os fins da
administração pública brasileira sempre se confundiram com os objetivos
políticos imediatos e práticos de quem governava – agora a equação
entre meios e fins muda de figura, pois os agentes devem estar
conscientes e preparados para levantarem objeções a respeito dessa
equação. Realmente, a ética sugere que nem todas as combinações entre
meios e fins são moralmente coerentes ou aceitáveis. Ser eficiente pode
levar a uma subversão dos meios relativamente aos fins. Ser ético,
porém, conduz a um exame permanente entre meios e fins. (Da Matta,
2001).
Paiva (2003) relaciona os requisitos éticos à boa governabilidade vinculando a
adequação da gestão e dos quadros regulatórios à moral. Acima das leis, regras,
compromissos e ações aceitas e exercidas por todos estão os valores éticos ou morais que
são estabelecidos por meio da confiança e da solidariedade.
Além das instituições vêm os valores morais aceitos por todos e que
garantem um relacionamento mais harmônico e permanente entre
indivíduos e instituições. É a confiança mútua que solidifica as relações e
garante a sua estabilidade (…) A sua ausência compromete os resultados
das decisões individuais e a eficiência da economia. A solidariedade
cuida para que o interesse pessoal não seja independente das relações
sociais, devendo haver um equilíbrio entre interesse pessoal e interesse
público (...) a melhoria da qualidade de vida de uns não pode ocorrer em
detrimento da qualidade de vida dos outros (Paiva, 2003, p.4).
239
Na política de eficiência energética, o Estado e especialmente a agência
regulamentadora possui um papel preponderante. Ela própria deve praticar um padrão
ético e exigir dos participantes do processo uma atitude ética coerente com o que se espera
de um serviço de utilidade pública. Um dos maiores desafios éticos, segundo Alvarenga
(2001) é que os órgãos reguladores/fiscalizadores atuem com força e independência de
toda e qualquer influência política.
6.9 ACORDOS INTERNACIONAIS
Os acordos em nível internacional vêm a ser um dos requisitos primordiais para a
implementação da eficiência energética e de um desenvolvimento sustentável em nível
global.
A grande maioria dos países implementou ações e programas e instituições de
eficiência energética posteriormente à Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento – ECO-92.
Os países em desenvolvimento como o Brasil, a Índia e a China não precisam
atender aos requisitos impostos no Acordo de Mudanças Climáticas e pelo Protocolo de
Kioto, o que desviou, um pouco, a atenção da eficiência energética para cumprimento de
acordos internacionais. A eficiência energética, nesses casos, veio atender
primordialmente às necessidades energéticas (aumento da demanda) e ao fator econômico
(diminuição dos custos da energia), do que uma efetiva preocupação ambiental.
O acordo proposto pelo Brasil na Conferência Internacional de Desenvolvimento
Sustentável - Rio+10, ocorrida em Johannesburgo em 2002 - da matriz energética ser
formada em 10% por fontes renováveis até 2015, (com metas diferenciais por região ou
não), embora não tenha sido acatado, seria uma possibilidade de acordos internacionais
passível de incrementar ações de eficiência energética.
O próprio Protocolo de Kioto foi aceito pela maioria dos países desenvolvidos. A
União Européia e o Japão ratificaram o Protocolo, em meados de 2002, bem como o
Canadá, no final de 2002. Os Estados Unidos não ratificaram o acordo. Até o final de
2003, a Rússia, responsável por 25% das emissões anuais de gás carbônico, não se
mostrava favorável a ratificar o acordo. Até essa mesma data, 120 países haviam ratificado
o documento, mas juntos respondem por apenas 44,2% das emissões de gases do efeito
estufa.
240
Os acordos globais são de grande dificuldade de execução, pois exigem um grande
esforço em nível nacional e global para que haja concordância da maior parte dos países
envolvidos. Existem diferenças de aceitação e de implementação de medidas de eficiência
energética dentro dos próprios países, dificultando sobremaneira, quando se pensa em
níveis internacionais.
De qualquer forma, existem alguns outros requisitos básicos que viriam favorecer a
implantação da eficiência energética em nível global, tais como a cooperação entre países
e os apoios financeiros internacionais.
A cooperação internacional em P&D de novas tecnologias energéticas pode vir a
alavancar recursos e aumentar o ritmo da inovação tecnológica. A cooperação com
políticas, tais como procedimentos de testes, certificação, padrões de eficiência e
incentivos financeiros pode minimizar a diferença entre países e facilitar a reação do setor
privado (Geller, 2003).
Políticas internacionais podem estimular inovações e liderança em tecnologia
energética, em países em desenvolvimento. Essas incluem: P&D voltados para o
suprimento de energia limpa e para a inovação tecnológica de uso final da energia;
desenvolvimento de novas indústrias e introdução de novas tecnologias por meio de joint
ventures internacionais e outros mecanismos de transferência tecnológica; adoção e
aplicação de padrões rígidos de eficiência energética e de proteção ambiental para que a
nova infra-estrutura tenha estado da arte e não seja tecnologicamente ultrapassada;
financiamentos atraentes e assistência ao desenvolvimento de mercado para
empreendedores em tecnologia de energias limpas, incluindo pequenos e
microempresários (Goldemberg, 1998).
No âmbito da União Européia já ocorrem mudanças significativas na transferência
de tecnologias e políticas energéticas desses países e que já vem agregando outros países
que não pertencem à UE.
A Agência Internacional de Energia (IEA)188 executa e coordena uma ampla gama
de atividades para incentivar o aumento mundial de eficiência energética. Nesse sentido, a
IEA dá assessoria sobre a implementação de tecnologias energéticas e incentiva a
cooperação internacional em pesquisa, desenvolvimento e disseminação de tecnologias
energéticas inovadoras. Além disso, a IEA defende um fornecimento e uso da energia mais
sustentável do ponto de vista ambiental (IEA, 2001).
188 A IEA engloba 26 países-membros da Europa, da América do Norte e da região do Pacífico.
241
A transferência tecnológica entre países industrializados e em desenvolvimento,
bem como o incentivo a eficiência energética, se dá, na maioria das vezes, por meio de
investimentos via programas de assistência bilateral, tais como o apoio do GEF para
eficiência energética no Brasil e em outros países em desenvolvimento, tais como China,
Hungria e Tailândia.
O GEF vem aumentando o apoio ao estabelecimento de mercados auto-suficientes
de eficiência energética e à remoção de obstáculos de mercado (Birner e Martinot, apud
Geller, 2003).
O BIRD também vem aumentando os empréstimos para projetos de eficiência
energética de uso final. No período de 1994-98, 7% do orçamento destinado ao setor
energético foram destinados a esses projetos.
Mesmo que sejam cumpridos todos os requisitos para a implementação da
eficiência energética no âmbito do setor energético e ambiental, e por maior que sejam os
esforços realizados por técnicos e interessados na questão, se não houver vontade e
prioridade política por parte do setor público, a eficiência energética dificilmente será
implementada de fato como uma política nem do setor energético nem do setor ambiental.
6.10 PROMOÇÃO DA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NO BRASIL
Para que a eficiência energética seja efetivamente promovida no Brasil, em
conformidade com os condicionantes apontados acima, um conjunto de ações é
recomendado a seguir. Tais ações, foram baseadas nas experiências internacionais –
respeitando as particularidades técnicas, legais, institucionais de tais países - e nacional que
obtiveram êxito para a melhoria da eficiência energética e para a política ambiental.
Procurou-se levar em conta ainda, o potencial, estudos e ações já existentes ou em
andamento, nas universidades, centros de pesquisa e instituições que trabalham com
política de eficiência energética e ambiental no País.
Algumas ações embora sejam importantes e necessárias, se aplicam a qualquer
outro vetor de política pública, como por exemplo, aumento de recursos para P&D,
fortalecimento institucional, capacitação de recursos humanos, participação social no
processo decisório, entre outras. Embora de fundamental importância para a
242
implementação da política de eficiência energética e meio ambiente, optou-se não incluí-
las nesse item, priorizando, assim, aspectos específicos dessas políticas.
No âmbito institucional, recomenda-se a integração, de fato, entre as instituições
que trabalham com eficiência energética com as de meio ambiente, em níveis federal,
estadual e municipal. Os órgãos ambientais se fortalecem ao trabalhar integradamente às
políticas/instituições executoras, como é o caso da energia, transportes, obras, cidades, etc.
Na esfera normativa, é recomendável o estabelecimento de algumas medidas.
A primeira é a criação de índices mínimos de eficiência energética ou de
rendimento de cerca de 70% a 75% para a maioria das fontes de energia, para o setor
residencial, comercial, industrial, edificações/construções, entre outros. Isso possibilita
que a eficiência energética e o meio ambiente consigam ganhos efetivos, ao diminuir a
demanda de energia, os investimentos em usinas e os impactos ambientais negativos
causados por estes empreendimentos.
Também é recomendável o estabelecimento de patamares mais altos de eficiência
energética para máquinas, equipamentos, eletrodomésticos, motores, entre outros, que
possam trazer benefícios para a economia e para o meio ambiente. Os padrões mínimos de
eficiência energética obrigariam os fabricantes a tirar do mercado os equipamentos não
eficientes.
A premiação e o selo de eficácia energética já existentes no Brasil devem ser
ampliados para outros segmentos, abrangendo mais equipamentos e outros setores, tais
como transportes e instalações prediais.
O estabelecimento de padrões mínimos de economia de combustível e níveis
máximos de emissão de CO2 por km rodado nas atividades de transportes constitui também
importante instrumento de eficiência energética. Vale assinalar ainda que a restrição ao uso
de transporte individual em favor do transporte coletivo eficiente de passageiros também é
uma forma de eficientizar o setor de transportes.
Medidas legais limitando as perdas de energia nas empresas públicas ou privadas
responsáveis pela distribuição e transmissão de energia elétrica são também recomendadas.
Tal procedimento permitiria reduzir essas perdas (hoje estimadas em 16 a 18%), em cerca
de 4 a 5%, o que já diminuiria a produção de energia em cerca de 17 TWh/ano (segundo
dados do MME, o padrão internacional de perdas é de 6%).
243
Na esfera econômica, um conjunto de medidas pode ser considerado.
A primeira é criar um incentivo para as empresas, calculado a partir do benefício
gerado para a sociedade proveniente dos programas de eficiência energética por elas
implementados (Geller, 2000). A ANEEL deve ser responsável pela avaliação desses
benefícios em cada uma das empresas. A economia gerada pelas medidas de eficiência
energética implementadas pelas empresas diminuiria as contas de energia elétrica pagas
pelos consumidores. Um percentual desse ganho do consumidor poderia ser destinado às
empresas (na forma de um bônus), retroalimentando o processo. Alternativamente, poder-
se-ia criar um Fundo de Benefício Público, a exemplo do que ocorre nos EUA e no Reino
Unido, com recursos recolhidos de todos os consumidores, a serem utilizados,
estritamente, para projetos de eficiência energética e ambientais.
Parte do que é previsto no novo modelo institucional do setor elétrico brasileiro
para financiamento da expansão do setor poderia ser investido em projetos de eficiência
energética. Isso viabiliza reduzir os impactos ambientais negativos tanto pela diminuição
da produção de energia quanto pela eficientização da carga existente.
A criação de incentivos financeiros e fiscais, embora represente instrumento que
vem sendo rejeitado no âmbito das políticas públicas em geral, em função de prevalência
de um pragmatismo econômico de cunho liberal, pode também induzir ações de eficiência
energética. São exemplos: a redução de impostos para veículos mais eficientes; incentivos
fiscais para empresas e indústrias mais eficientes e incentivos financeiros para residências
e edificações mais eficientes; empréstimos e/ou financiamentos de baixo custo para
compra de equipamentos e máquinas mais eficientes; prêmios em dinheiro para soluções e
tecnologias eficientes, entre outros.
Uma das dificuldades apontadas para a implementação da eficiência energética no
uso final é o preço elevado dos equipamentos eficientes. Noventa por cento da iluminação
no setor residencial e 50% do comercial utilizam lâmpadas incandescentes, pois os
usuários não possuem condições financeiras para adquirir lâmpadas eficientes. Os motores
eficientes no Brasil, são, em média, 34% mais caros que os motores convencionais, quando
nos EUA são 15 a 25% mais caros (Soares et alli, apud INEE, 2001). Nesse sentido, é
recomendável a popularização de equipamentos eficientes, por meio da criação de um
fundo público com essa destinação. Os mecanismos para a criação desse podem ser
gerados via acordos com Bancos de Desenvolvimento Regionais, BNDES, Caixa
Econômica, entre outros.
244
Embora não se possa precisar com exatidão quanto é a economia realizada por
meio dos diagnósticos energéticos realizados, podem ser apontados benefícios econômicos,
tais como os resultados da avaliação do programa de diagnósticos energéticos industriais,
na França, realizada pela ADEME em 1997. O investimento público realizado foi de 76
euros por tonelada de energia economizada por ano, durante a vida útil do equipamento
(incluindo os custos administrativos da ADEME). Este valor pode ser comparado aos
custos de energia por tonelada, de 190 euros ao ano (WEC, 2001a, p.90). Sugere-se
incentivar a realização de diagnósticos energéticos subsidiados em 50%, (durante um
período determinado) pelo Governo, bancos, empresas públicas e/ou privadas que
adiantariam os recursos, que retornariam, posteriormente, por meio da energia
economizada.
É sabido que uma das condições para a eficiência energética é que as construções já
sejam feitas levando em consideração tal aspecto. Lovins & Swisher (2003), alertam para o
fato de que os arquitetos e engenheiros são recompensados pelo que eles gastam e não pelo
que economizam. Lamberts (2001) sugere adotar padrões de energia para novos prédios
comerciais por meio de treinamento de construtores, arquitetos, inspetores de obras,
regulamentadores municipais (para códigos de obras). Segundo ele, essa política pode
eliminar 10 a 15% da demanda futura de energia elétrica nos prédios comerciais do setor
público e privado. Para reverter essa cultura da construção civil, é importante criar
incentivos financeiros para estimular projetos demonstrativos para a construções de
prédios e residências com conceitos de eficiência energética (planejamento, utilização de
materiais construtivos adequados, reciclagem de resíduos de materiais da construção,
utilização de equipamentos coletivos nos prédios residenciais, etc).
O papel do Governo é fundamental para a consolidação do mercado de eficiência
energética, na medida em que é um dos principais compradores de equipamentos e
serviços. Ao estipular índices mínimos de eficiência energética nas suas aquisições, o
Governo passa, por um lado a garantir um volume importante de negócios e, por outro
lado, estimula outros atores a utilizarem padrões semelhantes de eficiência energética.
Além da compra de equipamentos eficientes pelo Governo, recomenda-se ampliar o
mercado de eficiência energética por meio de fortalecimento das ESCOs189, da abertura de
189 Uma das principais dificuldades ao crescimento do papel das ESCOs no Brasil, por exemplo, é a
falta de uma política efetiva de incentivo a projetos de eficiência energética, o que inclui instrumentos para o financiamento de médio e longo prazo a esses projetos, por meio de fundos específicos ou regras claras junto aos agentes financeiros atuais. Esse tipo de financiamento é básico para o sucesso e consolidação dos contratos de desempenho. Os financiamentos disponíveis no mercado, com altas taxas de juros, dificultam ou
245
financiamentos para ações de eficiência energética e/ou aquisição de equipamentos e
máquinas mais eficientes.
Outra medida de cunho econômico é o aumento do montante dos recursos
financeiros destinados pelas concessionárias de energia elétrica para projetos de eficiência
energética para um patamar de 2%, sendo 0,5% destinados para projetos ambientais. A
utilização de tais recursos seria avaliada por meio da instituição de um programa de
avaliação da implementação dos recursos acima mencionados, de modo a otimizar a sua
aplicação em prol da sociedade. A integração entre os projetos também deverá ser
considerada.
No âmbito social, a eficiência energética pode ser promovida mediante a
combinação de diferentes estratégias. Uma delas é ampliar os canais de participação da
sociedade, inserindo outros fóruns, tais como uma Câmara Técnica de Eficiência Energética
no CONAMA, ou a inclusão de novos atores na composição do CNPE, tais como
usuários/consumidores, pesquisadores e fabricantes de equipamentos.
Os consumidores de baixa renda consomem equipamentos de segunda mão, ou
quando novos, mais baratos. Isto significa que esta parcela da população é consumidora
mais intensiva em energia por unidade de serviço energético (INEE, 2001). A adoção de
programas de eficiência energética para comunidades de baixa renda, integrados à outros de
gestão ambiental, tais como saneamento ou a eficiência dos recursos hídricos pode ser um
instrumento positivo nesse sentido. Estes programas viriam estabelecer melhoria ambiental,
na eficiência energética e na qualidade de vida da população.
O desafio brasileiro de universalizar a oferta de energia elétrica pode ser objeto de
práticas de eficiência energética. Para tal deverão ser utilizadas fontes alternativas de
energia que propiciem atendimento rápido e barato às comunidades rurais, beneficiando o
meio ambiente e o desenvolvimento local sustentável. Isso viria, além de estimular a
economia local, minimizar a queima de lenha, querosene, etc, que causam impactos
ambientais negativos como a poluição atmosférica.
Tendo em vista o papel determinante de educação na formação de mentalidades e na
mudança de comportamentos, é recomendável intensificar as ações educacionais na área
inviabilizam a implantação de projetos de eficiência energética, pois anulam os resultados técnicos ao tornar o custo financeiro no longo prazo proibitivo frente as expectativas de prazo e taxa interna de retorno.
246
ambiental, com ênfase nas ações de eficiência energética no ensino fundamental e médio.
Na graduação, deveria ser ampliada a quantidade de cursos oferecidos, introduzindo-se a
eficiência energética na grade curricular em áreas que interagem com as ações de meio
ambiente e de eficiência energética, tais como arquitetura, engenharias, agronomia, entre
outras. A educação e a conscientização deverá incorporar práticas de eficiência e redução de
desperdício.
No âmbito da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico, recomenda-se
elaborar estudos quantitativos e qualitativos dos benefícios ambientais e energéticos
provenientes da eficiência energética, visando difundir o potencial dessas ações e da
possível redução de custos financeiros, sociais e ambientais.
De forma análoga, deverá ser estimulado, assim que possível, o desenvolvimento de
tecnologias, por meio de investimentos em C&T, visando a melhoria da eficiência
energética e apoiar o conhecimento de fontes alternativas de energia que minimizem os
impactos ambientais negativos causados pela produção e uso da energia.
É também um atributo relevante de C&T fornecer subsídios ao acompanhamento e
avaliação das ações de eficiência energética implementadas no País. Essa análise deve ser
realizada por equipe técnica especializada pertencente a universidades, institutos de
pesquisa e/ou organizações não governamentais.
A seguir, são apontadas, medidas/ações com maiores possibilidades de serem
implementadas como política de eficiência energética e ambiental no Brasil, face às
restrições econômicas, políticas e legais do País (quadro 26). Cabe ressaltar, entretanto, que
a maior parte das condicionantes explicitadas no capítulo 6 deverão ser aplicadas , quando
possível.
247
Quadro 26 - Matriz indicativa de ações em eficiência energética passíveis de serem implementadas em curto e médio prazo
Identificação de potencial/
Medidas Identificação de obstáculos/
Barreiras Ações
Índices mínimos de eficiência energética para bens de consumo
- Maior Custo de produção de equipamentos eficientes - Falta de mercado para produtos eficientes (baixo poder aquisitivo da população para bens de consumo )
- Exigência de índices mínimos de eficiência energética para todos setores normatizados
Índices mínimos de eficiência energética para máquinas e equipamentos industriais
- Alto custo da substituição dos equipamentos e máquinas - Falta de incentivos financeiros - Falta de conhecimento do potencial de eficiência energética
- Exigência de índices mínimos de eficiência para máquinas e equipamentos industriais normatizados
Premiação e selo de eficiência energética
- Falta de planejamento e organização dos atores dos diversos setores - Falta de definição dos índices mínimos de eficiência energética setoriais
- Ampliação da utilização do selo de eficiência energética para os setores aplicáveis - Aplicação de selos de e.e. para todos os equipamentos - Estímulo ao uso de tecnologias eficientes por meio de incentivos financeiros e fiscais
Padrões máximos de emissões de CO2
- Custo da inovação e aplicação tecnológica - Resistência por parte do mercado de combustíveis tradicionais
- Implementar medidas normativas estabelecendo padrões mínimos de economia de combustível e níveis máximos de emissão de CO2 - Restrição ao uso de transporte individual de passageiros em favor do transporte coletivo eficiente
Redução de perdas na distribuição e transmissão de energia
- Investimentos insuficientes para redução de perdas técnicas e comerciais
- Medidas legais restringindo as perdas de energia a 10%, ainda acima do padrão internacional de 6%.
Estímulos às distribuidoras de energia elétrica que realizam projetos de eficiência energética
- Dificuldade na mensuração dos benefícios gerados pela eficiência energética
- Implementação de um bônus às concessionárias em contrapartida à redução de receita das mesmas.
Criação de incentivos financeiros e fiscais
- Dificuldade nas fontes de obtenção de recursos
- Incentivo fiscal para investimentos em eficiência
248
- Risco elevado para o financiador - Falta de garantias reais das empresas que buscam financiamento - Custo elevado dos recursos
energética - Criação de um fundo de aval para reduzir as dificuldades na captação de financiamento - Menores taxas de juros para projetos de eficiência energética
Realização de diagnósticos energéticos
- Fator cultural (empresas não tem cultura de realizar diagnósticos energéticos) - Falta de marketing sobre o potencial da eficiência energética
- Criação de subsídios para possibilitar às empresas de pequeno e médio porte a contratação de diagnósticos energéticos - Criação de diagnósticos informatizados disponibilizados sem custo pela internet - Estímulo às concessionárias de energia elétrica para incorporarem os diagnósticos energéticos em seu planejamento
Fortalecimento do mercado de eficiência energética
- Econômicas - Dificuldade de se criar projetos concretos de eficiência energética no âmbito governamental - Restrições à implementação de contratos de desempenho na área pública usando a Lei 8666.
- Criação de um fundo de financiamento para projetos de eficiência energética - Compra de equipamentos eficientes por parte do Governo, estimulando outros atores a utilizar padrões semelhantes, propiciando volume de negócios importante para as indústrias. - Aquisição de serviços de eficiência energética, fortalecendo as ESCOs.
Ações educacionais em meio ambiente e eficiência energética
- Fator cultural - Desconexão entre educação ambiental e eficiência energética
- Intensificar as ações de educação em eficiência energética em todos os níveis
P&D - Falta de percepção da importância da eficiência energética - Falta de integração entre as ações de P&D no âmbito acadêmico e privado
- Incentivo a aplicação de tecnologias eficientes já existentes - Desenvolvimento de novas tecnologias (fontes alternativas), com apoio do setor privado. - Estudos quantitativos e qualitativos do potencial de eficiência energética e divulgação do mesmo.
249
CONCLUSÃO
Esta tese mostrou a importância das ações de eficiência energética nos países
estudados e no Brasil. Isso ocorre devido ao máximo aproveitamento da oferta de energia
existente sem necessidade de realizar novos investimentos em usinas; por amenizar os
impactos ambientais negativos locais, regionais e globais causados pela produção,
transporte e uso da energia; e por reduzir o custo da produção e conseqüentemente do uso
final da energia.
Ficou também demonstrado que a eficiência energética pode ser um poderoso
instrumento de política ambiental, a exemplo do que é verificado nos países estudados.
Vem, por um lado, reduzir as perdas ocorridas na distribuição de energia e, por outro lado,
tornar mais eficiente o consumo de energia, permitindo elevar a capacidade instalada sem
construir usinas. Evita-se, assim, ações como o alagamento de terras e o remanejamento de
populações e, em nível global, as emissões de gases de efeito estufa.
Entretanto, vimos que o Brasil ainda não encara a eficiência energética como
instrumento de política ambiental. Enquanto aqui essas ações estão focadas na política
energética, os países desenvolvidos têm como foco a política de meio ambiente. Nesses
países, os efeitos ambientais freqüentemente são o principal motivo das intervenções no
setor energético.
Ao estudarmos a prática das instituições de eficiência energética em nível
internacional ao longo dos anos, nota-se que a preocupação com as questões ambientais
foram se acentuando, prioritariamente, tanto nos seus objetivos quanto nos seus
programas, como os de combustíveis limpos, energias renováveis, diminuição de emissão
de gases de efeito estufa, especialmente CO2, entre outros. Na maioria dos países, os programas de eficiência energética fazem parte de uma
estratégia para tratar das questões energéticas associadas ao aquecimento global190. Vêm,
dessa forma, institucionalizando agências e programas de eficiência energética vinculados
a órgãos ambientais, como EPA nos EUA, ADEME na França e o Future Energy
Solutions, no Reino Unido. Isso se dá, prioritariamente, para cumprimento do acordo de
mudanças climáticas e do Protocolo de Kioto, que fazem parte de políticas ambientais
190 A maioria dos países europeus tem por meta a redução de 8% abaixo dos níveis de emissão de
gases de 1990.
250
globais. Alguns programas de eficiência energética tendem a tornar-se programas
nacionais de mudanças climáticas.
Constatou-se nos estudos de caso internacionais, que a efetivação dos programas
de eficiência energética como instrumento de política energética e ambiental, exige, por
um lado, a atuação do poder público, por meio de incentivos e/ou desincentivos
econômicos e regulamentação e, por outro lado, a participação social.
Tanto as empresas geradoras e distribuidoras de energia são incentivadas a
economizar energia, diminuindo as perdas na distribuição e na transmissão. Da mesma
forma, o consumidor é (des)incentivado a gastar energia, por meio de taxação. Ou ainda é
incentivado, por meio de estímulos financeiros, tais como a disponibilidade de
equipamentos eficientes mais baratos a utilizá-la de forma mais eficiente.
A maioria dos programas de eficiência energética nos países desenvolvidos,
descentralizou suas ações, responsabilizando os governos locais em planejar, impor metas
e estipular orçamentos para a melhoria das ações. Constatou-se, também, dentro das
estratégias de eficiência no setor residencial, uma grande preocupação com a eficiência
energética nas comunidades de baixa renda.
O mercado de eficiência energética amplia-se, gradativamente, em todos os países.
Nos EUA e em outros países, por exemplo, o uso do selo Energy Star, para produtos com
tecnologias eficientes veio crescendo, significativamente, no mercado de equipamentos de
escritórios, de iluminação, de aparelhos eletrodomésticos, sinais de trânsito, aquecimento e
de refrigeração, entre outros.
Além da ampliação do próprio mercado de eficiência energética, o que se verifica é
que se está utilizando, cada vez mais, os padrões de desempenho energético para
edificações (energy performance standard) e estes, por sua vez, são utilizados em
conjunto com os padrões de eficiência energética existentes para materiais e/ou
equipamentos (insolação, janelas, boilers etc).
Outra evolução dos índices de eficiência energética foi a introdução dos
certificados de eficiência para edificações. Estes possuem uma similaridade com os selos
de eficiência energética para equipamentos e eletrodomésticos, porém mais complexos, ou
seja, com maior número de itens para serem avaliados.
A certificação de prédios eficientes, por sua vez, levou à introdução de um outro
padrão de certificação, o dos green building, que associam índices de eficiência
energética a padrões de sustentabilidade ambiental. Tais padrões são relacionados à
utilização de água de forma eficiente; utilização de materiais menos impactantes ao meio
251
ambiente; adaptação de edificações existentes ao invés de construção de novas; otimização
do uso de material evitando o desperdício, entre outros.
Assim, ações pontuais de eficiência energética foram se agregando a outras ações
visando a sustentabilidade ambiental, constituindo-se em um universo de ações mais
complexas que beneficiam o meio ambiente e a sociedade.
Cabe ressaltar que entre os quatro países estudados, os programas de eficiência
energética da França (ADEME) são os mais abrangentes, e compreendem uma quantidade
significativa de ações envolvendo questões ambientais que vão muito além de uma
simples estratégia para tratar das questões energéticas associadas ao aquecimento global.
No âmbito dos países estudados verificamos uma série coincidente de
procedimentos e ações de eficiência energética responsáveis pelos resultados positivos.
Tais ações são, principalmente, informação, treinamento, assessoria, incentivos
econômicos, marketing, educação, regulamentação, padrões de eficiência energética,
etiquetagem, diagnósticos energéticos, entre outros.
Outro fato importante é que os programas e ações nos países desenvolvidos são
continuamente acompanhados e avaliados, de modo a checar a eficiência e os resultados
alcançados pelos mesmos. A partir dessas avaliações, são planejadas as próximas metas e
ações dos programas existentes e de inovações necessárias para a melhoria do processo e,
se necessário, introduzidos novos instrumentos legais, administrativos e/ou econômicos.
A França se destaca pelo fato de ter uma matriz energética essencialmente nuclear
e de não ter passado pelo processo de privatização ocorrido nos outros países estudados e
pela interdisciplinaridade de seus programas. Apesar destes serem vinculados à eficiência
energética, abrangem uma gama maior de problemas ambientais, tais como qualidade do
ar, gestão de resíduos sólidos domésticos e industriais, desenvolvimento urbano/qualidade
ambiental, cidades sustentáveis, poluição sonora, entre outros.
Podemos verificar que os programas setoriais do Canadá embora envolvam todos
os setores, tendem a elaborar mais programas relacionados aos transportes, enquanto que
os EUA privilegiam o setor da indústria da construção.
Outro fato interessante que já vem ocorrendo nos países estudados, em especial nos
EUA é a interação entre programas ambientais que tratam de eficiência em vários setores,
como, por exemplo, o Energy Star, EPA´s Water Efficiency Program, Wastewi$e, Industry
of the future, Expansion of recycling technology. Essa é uma tendência crescente e vem
em prol do desenvolvimento sustentável.
252
No Brasil, a eficiência energética ainda não é institucionalizada como um braço da
política de meio ambiente. As ações de conservação de energia se encontram restritas a um
programa dentro do MME/Eletrobrás (PROCEL) e dentro dessas instituições, as ações são
trabalhadas desvinculadamente dos departamentos de meio ambiente.
O setor ambiental, por sua vez, não vem trabalhando as questões ambientais e
energéticas conjuntamente e nem visa implementar, no curto ou médio prazos, uma
política de eficiência energética que tenha como meta maximizar os ganhos ambientais. As
questões ambientais/energéticas ainda se restringem ao licenciamento ambiental de
empreendimentos do setor elétrico.
Alguns indícios de mudanças positivas como a criação de comitês que tratavam de
questões relacionadas a eficiência energética vieram ocorrendo após a crise de energia que
se instalou no Brasil no ano de 2001. Algumas dessas ações, entretanto, foram
descontinuadas ao final de 2002 (mudança de governo), tais como:
• A extinção do Comitê Técnico para Eficientização do Uso da Energia que
assessorou a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (CGE). A
participação da eficiência energética no comitê Gestor da crise foi de
fundamental importância para que o tema deslanchasse dentro das políticas
públicas naquele momento.
• A extinção da Câmara Técnica Permanente de Meio Ambiente e Energia
instituída pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA. No
Governo Lula, foi implantada no CONAMA uma Câmara de Infraestrutura,
que engloba as áreas de energia e mineração. Não houve, até o final de 2003,
trabalho relacionado, especificamente aos temas eficiência energética/meio
ambiente.
Todavia, a crise de energia, trouxe para a sociedade, de uma maneira geral, um
alerta para a necessidade de se conservar energia e tornar o seu uso mais eficiente. Assim,
a conscientização e a participação da sociedade nesse tema cresceu nitidamente, e houve
interação nos fóruns de discussão e outros canais como a internet, disponibilizado, por
exemplo, pela ANEEL e pelo MME.
A crise de energia possibilitou, ainda, a implementação da Lei de Eficiência
Energética, de 2001 e regulamentada no mesmo ano. Se por um lado esta tenha sido um
253
ganho efetivo para a implementação dessa política, por outro lado veio demonstrar que
sem um arcabouço institucional adequado, um Estado forte regulamentando as ações e a
participação da sociedade pressionando por maior eficiência, o processo é moroso. Faltam
recursos humanos, institucionais, financeiros, e empenho político para que se alcance
resultados concretos. A política de eficiência energética ainda depende do envolvimento e
da sensibilidade das pessoas envolvidas com a questão.
No que se refere à política de energia e meio ambiente, os dois ministérios vêm
elaborando (no ano de 2003) uma agenda ambiental conjunta para os setores de energia
elétrica, fontes alternativas, petróleo e gás e atividades de geologia e mineração. Essa
agenda não explicita a eficiência energética como meta. Este poderia ser um primeiro
passo para a vinculação institucional da eficiência energética com a política ambiental.
A eficiência energética poderia ser uma meta mais adequada às condições
“ambientalmente sustentáveis e justas” do que a de “assegurar a expansão da oferta
energética no país”, como foi explicitado no texto da agenda, uma vez que seria mais fácil
eficientizar para não ter que expandir.
No setor privado, a eficiência energética vinculada à questão ambiental pode vir a
ser um fator de competitividade, embora as empresas de energia, não apresentem, até o
final do ano 2003, em sua maioria, programas e ações em energia eficiente suficientes para
marcar essa diferenciação de serviços. Por um lado, não há pressão da sociedade por
serviços mais eficientes. Por outro lado, não há incentivos governamentais/regulatórios
para que empresas passem a investir em eficiência energética.
Analisando os resultados das pesquisas dessa tese, fica patente que o marco
regulatório para o setor elétrico deve contemplar a obrigatoriedade de se incentivar os
ganhos de eficiência energética. Cada empresa deve ser cobrada pela eficientização da
oferta (medidas de redução de perdas ocorridas desde a geração até a transmissão de
energia), tanto quanto os usuários finais devem ser motivados pelas empresas, pelos
fabricantes de equipamentos, pelo setor público, entre outros, a demandarem e utilizarem
menos energia. Para tanto, faz-se necessário, além dos incentivos às empresas e aos
usuários, por meio de regulamentação, um acompanhamento dos investimentos em
eficiência energética e a avaliação do desempenho, por meio de análise dos custos e
benefícios destes, especialmente no que se refere à aplicação dos recursos das empresas
em eficiência energética.
Assim, a inserção de novas variáveis no planejamento do setor elétrico,
especialmente os aspectos ambientais, sociais e de conservação de energia, exige
254
instrumentos regulatórios por parte do Estado, que proporcionem um direcionamento dos
atores envolvidos na execução dos planos, em sua maioria empresas privadas. Por outro
lado, deverá ser feito um acompanhamento rígido, no sentido de verificar se estão sendo
seguidas as premissas e regulamentações econômicas e ambientais previstas. Dentre as
regulamentações cabem penalidades àquelas empresas que não seguirem as normas/leis.
Pode-se afirmar que o êxito obtido nas reestruturações dos setores elétricos em nível
internacional deu-se, em grande parte, face ao posicionamento do regulador do processo e
às regulamentações adequadas.
Embora o Decreto 2335/97191, que rege a atuação da ANEEL, evidencie o estímulo
e participação de ações ambientais voltadas para o benefício da sociedade, bem como a
interação com a Política Nacional de Meio Ambiente, ainda é incipiente a atuação da
ANEEL com relação às questões ambientais. Algumas ações têm sido realizadas, tais
como termos de cooperação técnica assinados com o IBAMA/MMA, prioritariamente para
questões de licenciamento, além do trabalho conjunto com a área de meio ambiente da
Eletrobrás, com o CEPEL.
Há que se assinalar que o modelo de gestão do setor elétrico e energético adotado
pelo Brasil não é perene. Ele está sujeito a mudanças políticas que venham a ocorrer. Estas
mudanças podem gerar a inserção de mais ou menos políticas vinculadas ao meio
ambiente e à eficiência energética.
No caso das experiências internacionais, a regulamentação de eficiência energética
é mais rígida e vinculada às questões ambientais como no caso dos transportes/poluição e
das usinas termelétricas. Neste sentido, nos EUA, as tarifas de energia elétrica incluem um
valor percentual, relacionado às externalidades ambientais da produção de eletricidade.
Na realidade, como o Brasil não tem de cumprir metas para o Protocolo de Kioto, o
fator ambiental não é prioritário para as ações de eficiência energética. A eficiência está
baseada em fatores de segurança/energética e econômico.
No âmbito municipal, a interação da gestão energética, com outros programas de
gestão tais como gestão do território, gestão hídrica, faz com que a eficiência energética
seja mais um componente para a inserção do desenvolvimento sustentável dos municípios.
Essa interação também começa a ocorrer em nível federal com a parceria entre o Procel e
a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades para
implementar projetos de eficiência energética no setor de saneamento em todo o Brasil.
191 inciso XXV do art. 4º
255
Constatamos, assim, que o Brasil apresenta avanços nas ações de eficiência
energética, embora não se possa considerar que estas sejam da mesma magnitude das
instituídas nos outros países considerados. A regulamentação/legislação de eficiência
energética, a exemplo da legislação ambiental, sofreu um atraso de cerca de dez anos em
relação aos outros países, tendo como conseqüência índices mínimos de eficiência
energética bem abaixo dos estipulados nos países analisados; menos diagnósticos
energéticos, treinamentos e assessorias e menos informação e marketing sobre o assunto.
Por outro lado, menos e menores incentivos econômicos fazem com que o interesse e a
demanda sejam em menor escala do que nos países onde ocorrem mais incentivos. O
mercado de bens e serviços de eficiência energética ainda é pouco desenvolvido. Segundo
o INEE (2001), este se encontra 15 a 20 anos atrasado em relação aos EUA e Canadá.
O que se verifica ao fazermos uma análise comparativa entre os outros países
estudados é que no Brasil, os programas estão fortemente atrelados a variáveis políticas e
econômicas do País. A cada novo governo que se inicia, as ações recomeçam, aparentando
o início de um novo programa. Os países estudados têm os programas e instituições mais
consolidadas.
Outra diferença no processo de inserção da eficiência energética que se dá entre os
países estudados e o Brasil são as parcerias existentes do setor público com o privado em
prol de ações eficientes. Isso permite uma alavancagem de recursos financeiros e humanos
muito mais eficaz para os programas e ações implementadas. Por outro lado, a sociedade
civil, nesses países tem uma atuação muito forte, seja por meio das ONGs, seja por meio
de atuação voluntária.
Ainda outro fator importante na diferenciação das ações entre os países e o Brasil é
que essas foram introduzidas no País face às exigências do BIRD e do GEF que só fariam
empréstimos a programas de eficiência energética voltados à sustentabilidade ambiental.
Cabe lembrar que esses outros países têm uma matriz energética baseada na
termeletricidade enquanto que o Brasil possui uma matriz quase que essencialmente
hídrica, o que não exime o País de preocupação com os impactos ambientais negativos
regionais (sociais, biológicos e físicos) e mesmo com os impactos globais, se forem
construídas as usinas térmicas previstas na gestão de Fernando Henrique Cardoso192.
192 Embora a proposta do novo modelo institucional do setor elétrico instituída em julho de 2003
aponte que as usinas térmicas serão utilizadas para complementaridade de energia elétrica, esta política pode ser modificada em função de fatores políticos, econômicos, técnicos e/ou interesses internacionais.
256
De qualquer forma, observa-se que o Brasil institui, lentamente, ações de eficiência
energética à luz das experiências que vêm sendo implementadas, especialmente nos EUA,
Canadá e Reino Unido.
Por fim, constata-se que a implantação efetiva das políticas de eficiência
energética, bem como a ampliação do mercado se justifica em termos quantitativos. O
estudo das experiências internacionais e brasileiras permite que se conclua que mesmo sob
a ótica meramente financeira, os investimentos em eficiência energética são bastante
atrativos. A relação entre investimentos e retornos varia entre 1:2,5 nos EUA e mais de 1:9
no Brasil, de acordo com os dados oficiais do EERE e do PROCEL.
Há que se agregar a tais números – que por si só já justificam a realização de
respectivos programas – também uma outra vertente de análise: a economia ambiental
(segundo estudos da COPPE/UFRJ, os custos ambientais relacionados à empreendimentos
do setor elétrico alcançam 25 a 30% do projeto). Não precisar investir em geração de
energia significa, sem dúvida, economizar impactos ambientais negativos, que se
expressam sob diferentes formas: emissão de CO2 e outros gases poluentes (no caso das
usinas termelétricas), deplecionamento de estoques de recursos naturais (no caso de
petróleo e carvão), remanejamento de populações e áreas alagadas (no caso de usinas
hidrelétricas). Embora os economistas venham aprimorando técnicas que estimam os
custos de impactos de tal natureza, há controvérsias quanto à sua expressão da realidade.
Geralmente são utilizados cálculos microeconômicos, que avaliam, por exemplo, a
redução na conta de energia de cada consumidor. Faz-se necessário a elaboração de
cálculos macroeconômicos, uma vez que a eficiência energética possui benefícios de
ordem econômica, técnica, ambiental, na saúde, etc, que devem ser contabilizados de
forma a agregar os custos de todos esses componentes. Em todo caso, é preciso não perder
de vista que evitar perdas ambientais e sociais é mais um apelo que justifica a já positiva
relação entre benefícios e custos de eficiência energética.
Alguns pontos merecem ser destacados:
• A institucionalização por meio da criação de agências de eficiência energética vem
resultando em maior independência, maior aporte de recursos, a descentralização das
ações em níveis estadual e local, bem como a redução na pulverização das ações que
tradicionalmente são empreendidas por distintas organismos, entre outras.
257
• Os investimentos em eficiência energética nos países estudados trazem retornos de
10 a 25% acima dos recursos investidos; além da economia de energia gerada traz
uma economia para o meio ambiente (menos UHE, menos UTE, menos poluição,
menor emissão de gases de efeito estufa).
• Todos os países estudados vêm implementando programas setoriais de eficiência
energética, e em sua maioria vinculados a programas de mudanças climáticas.
• No âmbito legal, todos os países estudados implementaram legislação específica para
eficiência energética, incluindo legislações em nível estadual e municipal, o permitiu
adaptar as leis às especificidades locais. A regulamentação legal abrange os índices
mínimos de eficiência energética e máximos de consumo, bem como a certificação
por parte de órgãos competentes e etiquetagem.
• A implementação de instrumentos econômicos por meio de criação de incentivos
financeiros e fiscais acarretam maior facilidade de implementação de eficiência
energética com redução de consumo, menor gasto público (energia, meio ambiente,
saúde, etc.). Os instrumentos econômicos favorecem aquelas pessoas/empresas que
ainda não se motivaram para as ações de eficientização, mas que passam a adotarem
por meio de incentivos.
Os programas de eficiência energética vêm de encontro ao desenvolvimento
sustentável ao interagir com programas de eficiência da água, reciclagem, entre outros. Os
prédios energeticamente eficientes entrelaçam-se com medidas que originam cidades
sustentáveis e daí por diante.
* * * * *
A política ambiental e a política energética podem ser conflitantes ou
compatíveis. Pela lógica disciplinar das políticas públicas, cada ministério ou instituição
pública só trabalha e enxerga as suas próprias questões e interesses, e isso gera
disfunção; os ensinamentos de crises e experiências do último quarto de século
permitem vislumbrar casamentos possíveis; para isso é preciso vontade política,
258
competência técnica, mobilização social, economicidade, sustentabilidade das políticas,
entre outras condições.
Enquanto o setor ambiental brasileiro não assumir as ações de eficiência
energética como parte de sua política, estas permanecerão à mercê do setor energético e
do seu permanente conflito entre produzir energia e promover a eficiência energética.
259
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www.mme.gov.br http://nrcan.gc.ca www.oee.nrcan.gc.ca www.oit.doe.gov www.ons.org.br www.petrobras.com.br/ www.procel.gov.br www.thecarbontrust.co.uk www.unfccc.de/media/pr699sb.html Entrevistas realizadas entre os meses agosto e novembro de 2003: Aluisio Campos Machado – Prof. do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ. Célio Bermann – Professor da USP e Assessor Especial de Meio Ambiente da Ministra de Minas e Energia Emilio La Rovere – Professor de Política Ambiental e Planejamento Energético da COPPE/UFRJ; Coordenador do LIMA – Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente. Francisco Ivaldo de Andrade Frota – Presidente da CBEE – Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial – Ex- diretor da ANEEL Geraldo Pimentel – Assessor da Presidência da ONS; ex-diretor do PROCEL. Howard Geller – Diretor do Southwest Energy Efficiency Project (SWEEP), e ex-diretor executivo do American Council for an Energy-Efficient Economy (ACEEE). Izabella Monica Teixeira – Pesquisadora da COPPE/UFRJ; ex-diretora de Qualidade Ambiental do MMA. José Roberto Moreira – Professor do Departamento de Energia da Universidade de São Paulo - USP. Luiz Alberto A. Reis – Diretor Comercial da ESCO Johnson Controles. Marcelo Poppe – Secretário de Desenvolvimento Energético do MME Marina Godoy Assumpção – Diretora de Eficiência Energética do MME
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Miriam Nutti – Departamento de Meio Ambiente da Eletrobrás Renato Mahler – Coordenador do Programa de Conservação de Energia Elétrica – PROCEL - Eletrobrás Roberto Schaeffer – Professor do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ Ruy de Góes Leite de Barros - Diretor de Programa de Energia da Secretaria de Qualidade Ambiental - MMA