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Em parceria com a Professora Helena Abascal, publicamos os relatórios das pesquisas realizados por alunos da fau-Mackenzie, bolsistas PIBIC e PIVIC. O Projeto ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA difunde trabalhos e os modos de produção científica no Mackenzie, visando fortalecer a cultura da pesquisa acadêmica. Assim é justo parabenizar os professores e colegas envolvidos e permitir que mais alunos vejam o que já se produziu e as muitas portas que ainda estão adiante no mundo da ciência, para os alunos da Arquitetura - mostrando que ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA.TRANSCRIPT
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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ANÁLISE DE CORTIÇOS NA METRÓPOLE CONTEMPORÂNEA – O CASO DA MOOCA
Elaine Karina Araújo do Nascimento (IC) e Denise Antonucci (Orientadora)
Apoio: PIVIC Mackenzie
Resumo
A habitação para a cidade de São Paulo historicamente constitui-se um problema. Principalmente para a população de baixa renda, que se viu obrigada a recorrer aos cortiços, favelas e autoconstruções, modalidades precárias que colocam em risco a vida desses moradores e que produzem mudanças significativas sobre o ambiente das cidades. A pesquisa buscou avaliar os processos da conformação do território urbano contemporâneo através de análises sobre a história da habitação na cidade de São Paulo e, sobretudo sobre os cortiços, sendo que estes foram uma das maneiras encontradas pela população de baixa renda permanecer no centro da cidade, próximo ao local de trabalho, cercado de infraestrutura, ainda que a habitação seja muito precária. Para aferição entre os elementos teóricos e conceituais, foi eleita uma área de estudo como objeto empírico; a região da Mooca. Esta região possui uma quantidade expressiva de cortiços e abrigou diversas indústrias principalmente na orla ferroviária, que ao longo de tempo foram se retirando para outras regiões, resultando enormes vazios urbanos; grandes áreas ociosas que perderam sua identidade enquanto parte da vida da cidade. Procurou-se entender através de análises textuais e exploratórias, as relações entre os cortiços e o habitar, sugerindo um olhar mais atento para o desenho urbano e, sobretudo mais atenção com o direito que todos os cidadãos possuem de habitar uma cidade socialmente mais justa.
Palavra-chave: habitação, cortiços, espaço urbano.
Abstract
The housing for the city of São Paulo historically constitutes a problem. Especially for the low-income population, who was obliged to have recourse to the doss, slums and self-contruction, modalities precarious that pose a risk to life of these inhabitants and that produce significant changes on the environment of the towns. The study sought to evaluate the processes of the conformation of the territory contemporary urban through analysis of the history of housing in the city of São Paulo, and above all on the doss, being that this is a way found by low-income population remain at the center of the city, next to the work place, surrounded by infrastructure, even if the housing is very precarious. For benchmarking between the theoretical elements and conceptual, was elected an area of study as empirical object; the region of Mooca. This region has a significant number of slums and hosted various industries mainly on the edge rail, which in the course of time were retreating from other regions, resulting huge empty urban; large idle areas that have lost their identity as part of the life of the city. We sought to understand through analyzes of textual and exploratory, relations between the tenement and the dwell, suggesting to look more closely to the urban design and, above all, more attention with the right that all citizens have to live in a city more socially just.
Key-words: housing, slums, urban space.
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
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Introdução
A falta de habitação digna ainda é um problema nos dias de hoje na cidade de São Paulo,
muitas famílias de baixa renda padecem por falta de melhores condições de habitabilidade,
somado a isso, está o fato de que grande parte da população pobre foi expulsa para as
bordas da cidade, afastadas da infraestrutura urbana que está concentrada principalmente
no quadrante sudoeste, longe também do emprego que em boa parte está localizado no
centro e no referido setor sudoeste, gerando uma cidade desigual.
A falta de preocupação com a dinâmica do tecido urbano propicia um ambiente favorável
para o surgimento de novos cortiços, pois, parte das famílias pobres prefere morar
amontoadas em cortiços a morar quilômetros de distância do centro da cidade e dos seus
empregos.
Foi analisado o histórico dos cortiços ao logo do processo de urbanização da cidade, com
recorte bairro da Mooca. Primeiramente a área de estudo era o entroncamento entre os
bairros Ipiranga, Vila Prudente e Mooca. Ao longo da pesquisa vimos que seria necessário
um recorte onde o bairro da Mooca que se destacou por ter maior número de casos e pela
parceria com HABI, para intervenções nos cortiços.
A escolha desta área para estudo de caso foi feita a partir, de análises no território e de
observações da grande concentração de cortiços em uma área dotada de ótima
infraestrutura urbana e com grande potencial construtivo proveniente dos grandes vazios
gerados por parte do êxodo industrial, principalmente ao longo da orla ferroviária fenômeno
que acomete diversas cidades no mundo.
Em relação aos cortiços e aos vazios urbanos gerados pela saída das indústrias da cidade,
no contexto contemporâneo, como tratar o problema da habitação em relação à
configuração da cidade, como promover uma cidade melhor sob o ponto de vista da
igualdade social? Como se inserem no contexto das transformações do território urbano?
Quais seus significados urbanos – e, portanto sociais? Quais as possibilidades de
apropriação desses vazios por habitação?
Ao logo desta pesquisa foram analisados: o papel do poder público como resposta ao
planejamento urbano mais eficiente e como garantidor de condições dignas para habitação
e acesso aos mais diversos equipamentos e benfeitorias públicas. Aproveitamento de áreas
ociosas próximas ao centro que disponham de boa infraestrutura com potencial para
implantação de habitação destinada a população de baixa renda diminuindo a desigualdade
sócio-espacial.
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1. A crise da habitação na cidade de São Paulo
Dos 10,5 milhões de habitantes de São Paulo (IBGE CENSO, 2000) cerca de 1,2 milhões
moram em favelas, 1,6 milhões em casas auto-construídas em loteamentos ilegais (PMSP/
RESOLO, 2002) e 600 mil pessoas se espremem em cortiços.
Enquanto a população do município cresceu 0,7% ao ano entre 1990 e 2000 a população
moradora de favelas cresceu 5% e a densidade das favelas e loteamentos ilegais vem
aumentando radicalmente. As moradias se expandem sem projeto, atingindo usualmente
quatro, cinco lajes, que pode ocasionar até mesmo problemas de saúde uma vez que faltam
areação e insolação adequadas contribuem para possíveis males a saúde. Segundo Piccini:
“A falta crônica de habitações econômicas para a faixa mais carente da população e as condições precárias da moradia coletiva de aluguel sempre foram dois aspectos do mesmo problema. Particularmente, os moradores de cortiços, no espectro dos moradores de baixa renda, enfrentam uma das situações mais criticas do ponto de vista físico espacial e socioeconômico dentro da atual conjuntura habitacional.” (Piccini, 1999).
As habitações coletivas de aluguel, que em 1870 já existiam em grande número, se
transformaram em boa alternativa para os que aqui chegavam; e os hotéis e pensões se
multiplicaram para atender a esse enorme contingente de trabalhadores. Ao mesmo tempo,
por pressões do “mercado crescente”, os proprietários foram deixando de lado as
preocupações básicas com questões de higiene, conforto, ventilação e iluminação com
padrões mínimos.
Dividiam a habitação em um número cada vez maior de quartos, com um único banheiro
disponível, e o resultado era a precariedade cada vez maior, submetendo as famílias
moradoras a condições de grande insalubridade.
A década de 1940 é, portanto, crucial no que se refere à ação do Estado no setor
habitacional, quando ocorreram as principais intervenções do governo federal –
congelamento dos aluguéis, tornou esse mercado pouco atraente para que os investidores
privados, transferindo para o Estado e para os próprios trabalhadores os encargos da
produção das moradias, produção em massa dos IAPs e a criação da Fundação Casa
Popular. Surgem as habitações ilegais e excluídas do âmbito capitalista, como favelas e
autoconstrução em loteamentos clandestinos, em áreas afastadas do centro desprovidas de
infraestrutura o que transformou a dinâmica de urbanização da cidade.
Em 1970, 54% dos domicílios de São Paulo eram próprios, enquanto apenas 38% eram
ocupados por inquilinos (...), portanto, a maioria da população paulistana conseguiu tornar-
se proprietária graças ao padrão periférico (...) e o imenso sacrifício que exigiu das famílias
de baixa renda (Bonduki, 2008). Bonduki (2008) ainda relata:
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“Se para os mais ricos a própria pode ser importante por aspectos simbólicos e subjetivos (...) status social e cultural da família, para os pobres, além desses elementos, a opção pela casa própria torna-se refúgio seguro para as incertezas do mercado de trabalho e as condições de vida urbana reservam”.
Com o passar dos anos, as casas de aluguel ou pensões familiares ou cortiços, continuaram
a existir e a ampliaram suas funções como uma das modalidades disponíveis para as
famílias de baixa renda, (...). No final dos anos 2000, estimava-se um número de 1.648
imóveis nessa condição, no centro da cidade de São Paulo (López, França, Costa, 2010).
2. Segregação social
Houve na cidade de São Paulo houve um grande deslocamento do exercício da centralidade
para o quadrante sudoeste, no entanto esse fato não foi suficiente para esvaziar o centro
histórico, mas sim determinou uma nova configuração dinâmica que contou com novos
agentes e novos focos para a região, suas atividades formais e informais denotam uma
vitalidade econômica proveniente em grande parte do setor terciário:
“(...) o centro de São Paulo passou por algumas mudanças. Com o crescimento da cidade e a formação de novos pólos comerciais, as famílias mais abastadas dos bairros centrais mudaram-se para outras regiões, como Pinheiros, Itaim Bibi, Brooklin. Alguns bairros, como Santa Efigênia, Brás e Bom Retiro, ganharam ruas estritamente comerciais, sem perder, entretanto, seus imóveis residenciais” (López, França e Costa, 2010).
Segundo Frúgoli (apud Kowarik, 2009): “O percurso da primazia urbana foi do centro para a
Paulista nos anos 1960-1970, e para a Faria Lima, Berrini e Marginal do rio Pinheiros em
tempos mais recentes” (Frúgoli, 2000 em Kowarik, 2009).
2.1. Problema desde a passagem do século XIX ao XX
O aumento das taxas de habitantes por prédios aumentou passando de 6,27 em 1886 para
11,07 em 1900 como indica tabela a baixo e a piora das condições urbanas aumentou os
riscos de saúde, pois a falta de habitação de aluguel baixo propiciou a concentração de
pobres.
Expansão predial na cidade de São Paulo (1886-1900) Fonte: BONDUKI (1998).
O problema da habitação popular no final do século XIX é concomitante aos primeiros
indícios de segregação espacial. Se a expansão da cidade e a concentração de
trabalhadores ocasionaram inúmeros problemas, a segregação social do espaço impedia
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que os diferentes estratos sociais sofressem da mesma maneira os efeitos da crise urbana,
garantindo à elite áreas de uso exclusivo, livres da deterioração, além de uma apropriação
diferenciada dos investimentos públicos. Conforme relata Bonduki (1998) o problema da
habitação da população de baixa renda já no final do XIX quase não teve registros históricos
enquanto muitos foram os relatos sobre as habitações das classes mais abastadas.
É apenas nos registros de documentos das intervenções sanitaristas que surge alguns
comentários de como seriam as habitações mais pobres da cidade, expressando uma visão
elitista, higienista e preconceituosa em relação aos trabalhadores, enquanto as descrições
sobre as habitações ricas possuem vários relatos.
2.2. Configuração sócio-espacial da cidade de São Paulo
Em Piccini vemos o que trouxe a degradação dos grandes centros urbanos. Embora o
número de novos cortiços tenha diminuído este é um problema enfrentado por grandes
centros urbanos pela precariedade das habitações. Para analisar o histórico dos cortiços é
necessário entendermos a trajetória da habitação em São Paulo. Segundo Cano (apud
Bonduki, 1998):
“Embora sempre tivessem existido habitações precárias na cidade de São Paulo, elas só passaram a ser considerado um problema pelas autoridades em meados dos anos de 1880, quando começaram a florescer as atividades urbanas associadas ao complexo cafeeiro” (Cano 1979 em Bonduki 1998).
A partir da década de 1880 as relações da produção cafeeira empregaram uma nova
dinâmica para os municípios do Estado de São Paulo, sobretudo a cidade de São Paulo. “As
mudanças ocorridas nas relações de produção nas fazendas de café, com a adoção de mão
de obra assalariada, ocorreram a partir de 1886 com achegada em massa de imigrantes
(Bonduki, 1998). Entraram em São Paulo entre 1886 e 1900, cerca de 900 mil estrangeiros.
A partir da nova estrutura que se firmava na cidade de São Paulo ocorreu a diversificação
da economia e consolidação de Bancos, no entanto, com o início do encilhamento; nos anos
1990 a indústria teve seu primeiro surto de crescimento ainda que limitado entre 1885 e
1890 (Simonsen, 1973 e Kovarick ,1980 em Bonduki, 1980). Em 1886, “instalou-se a
Hospedaria dos Imigrantes, que fez da capital o centro distribuidor de trabalhadores para o
Estado” (Bonduki, 1998).
Na capital fica estabelecido não apenas o fluxo dos trabalhadores do porto de Santos para o
interior do estado produtor de café, mas já nesse período no final da década de 1880
percebeu-se que muitos imigrantes permaneceram na capital, sendo assim, a capital
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paulista passou a ser o centro regional na medida em que as relações capitalistas de
produção eram resolvidas no capital. Segundo Meyer e Grostein (2010):
“Com essas dinâmicas de fluxos, por causa da economia São Paulo sofreu drásticos aumentos populacionais. Em 1886, São Paulo era uma vila com 47.697 habitantes. Em 1900, ou seja, apenas 14 depois, somava 239.820 e, em 1920, esse número mais que duplicou, passando para 579.033 moradores. Em 1930, o município alcançou seu primeiro milhão de habitantes e, em 1950, duplicou sua população, alcançando 2.198.00, vivendo em uma área urbanizada de aproximadamente 420 quilômetros quadrados” (Meyer e Grostein, 2010)
Tabela de indicativo de crescimento populacional na cidade de São Paulo Fonte: BONDUKI (1998)
Com esse surto populacional, devido, sobretudo ao estabelecimento da indústria na década
de 1890 ocorreu um grande aumento na demanda por habitação, como muitos vinham à
São Paulo em busca de trabalho na indústria, precisava de abrigo a baixo custo e nas
proximidades do emprego.
3. Escolha da área de estudo
Observou-se que o bairro da Mooca possuía características mais expressivas para estudo,
pois havia nesse bairro uma incidência maior de cortiços e também estava desenvolvendo
um trabalho intenso junto à secretária de habitação SEHAB com relação a intervenções em
cortiços. Logo a seguir dois mapas de localização da região da Mooca:
a)
Configuração da Mooca 1972 – Fonte: GEGRAN b) Configuração da Mooca 2010 – Fonte: Google Earth
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São Paulo tem passado por um dos fenômenos mais comuns em grandes metrópoles
industriais, a saída da indústria para novos pólos, atraídos por condições econômicas mais
favoráveis dando lugar ao setor terciário ou setor de serviços. Com essa nova dinâmica da
cidade, as áreas que outrora serviram para abrigar as indústrias passaram a ser áreas de
grandes vazios dentro das cidades e que muitas vezes passam pelo processo de abandono
e conseqüente degradação.
No entanto, essas áreas são muito privilegiadas, pois estão localizadas próximas a
importantes vias de conexão, usadas até então para escoar com rapidez e eficiência a
produção. Essa estrutura pré-existente torna essa região bastante interessante para o
adensamento habitacional, pois há áreas ociosas com a saída da indústria. Existe uma
discussão como agir nessas regiões, porém já é possível observar quais são os novos usos
das antigas regiões industriais em São Paulo, como mostra o mapa a seguir:
Mapa da transformação de uso das áreas industriais para novas atividades Fonte: MEYER e GROSTEIN, 2010. 1- Zona Sul: (Santo Amaro, marginal Pinheiros e Jurubatuba) - Tendência de crescimento de galpões
comerciais e escritórios de eventos nos galpões da Marginal Pinheiros. 2- Vila Olímpia: Plena concentração de escritórios de tecnologia na região mais próxima à marginal
Pinheiros e no Itaim. Nas demais áreas, tendências de instalação de residenciais de alto padrão. 3- Barra Funda, Lapa, Vila Leopoldina: Tendência, ainda em fase inicial de concentração de escritórios
(alto padrão) na Barra Funda. Na Vila Leopoldina, comércio e residenciais devem substituir os galpões. 4- Avenida do Estado, Belém, Mooca e Tatuapé: Tendência de transformação de galpões em áreas
residenciais de todos os padrões, sobretudo do Brás à Mooca. 5- ABC – Tamanduateí: Indústrias ainda ativas, com alguma tendência de saída para outras regiões do
Estado e do país.
3.1. A Mooca no contexto da cidade de São Paulo
É preciso analisar a configuração da cidade de São Paulo para entendermos como funciona
a dinâmica da valorização territorial, para situar melhor o espaço analisado dentro do
contexto histórico.
A partir da década de 1870, se iniciou na cidade de São Paulo um grande crescimento
populacional. Podemos constatar tal fato em Villaça (1998): “entre 1870 e 1900, o
crescimento da cidade foi violento. A onda de especulação imobiliária que se abateu sobre a
capital paulista atingiu as proporções de uma corrida, fazendo com que inúmeras chácaras
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rurais das vizinhanças da cidade fossem loteadas”. E em Bonduki: (...) surgiram os primeiros
indícios de segregação com a com a “diversificação das funções e o aparecimento, ao lado
do velho centro, de bairros operários e de bairros residenciais finos” (Matos, 1958 em
Bonduki, 1998).
A leste, além da transposição da ferrovia, era preciso superar a várzea do Tamanduateí,
alagável, o que não atraía a população de alta renda, ao contrário da zona oeste que
necessitava apenas transpor o vale do córrego do Anhangabaú, vale mais estreito do que do
Tamanduateí e sem várzea alagável e após vencer esse obstáculo tinha uma seqüência de
morros que levavam ao platô da Santa Efigênia e depois às colinas da Vila Buarque que
com paisagem mais agradável e com títulos de terras muito mais caros foi tornando-se local
para a instalação da população mais abastada. Definia-se, assim, a divisão da cidade em
“lado de cá” e “lado de lá” dos trilhos (Villaça, 1998). Enquanto a oeste da ferrovia classes
mais ricas se afirmavam, a leste a indústria se instalava, concentrando-se principalmente na
orla ferroviária.
Segundo historiadores, a origem da palavra Mooca provém do vocábulo que é oriundo do
Tupi Guarani e possui duas versões, MOO-KA (ares amenos, secos, sadios) e MOO-OCA
(fazer casa), expressões usadas pelos índios da Tribo Guarani para denominar os primeiros
habitantes brancos, que erguiam suas casas de barro1.
O desenvolvimento urbano da Mooca está associado à história econômica de São Paulo e
às rápidas transformações que nas décadas finais do século XIX e a primeira metade do
século XX, fizeram da capital paulistana uma grande metrópole industrial. Fator importante
para a evolução da Zona Leste foi a instalação de duas ferrovias: em 1868 a São Paulo
Railway (Estrada de ferro Santos Jundiaí), assim conhecida como a Inglesa, ligando São
Paulo ao porto de Santos. Em 1875, a Estrada de Ferro do Norte (o trecho paulista da
estrada de ferro Central do Brasil), ligando São Paulo ao Rio de Janeiro.
Essas indústrias utilizavam a mão-de-obra imigrante que aportava em Santos e era trazida
para a Casa da Imigração (hoje Museu dos Imigrantes). Os operários e suas famílias se
instalavam nas proximidades de seus empregos e impulsionavam o comércio local.
Após a primeira guerra mundial, a industrialização de São Paulo ganhou novo impulso,
acarretando a ampliação do parque industrial desta região. Esta região que então era
considerada periférica na época da sua formação já estava densamente povoada na década
de 1960. Carta (2009) faz referência aos bairros do Brás e da Mooca: “Eram periferia e se
tornaram apêndice do centro” (Carta, 2009).
1 http://www.prefeitura.sp.gov.br acessado em 07/07/2010
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3.2. Configuração da Mooca como importante pólo habitacional
Importantes mudanças ocorreram na Mooca entre 1910 e 1930 que definiram a
configuração atual do bairro, que ainda mantém traçado das vias e o desenho do
parcelamento do solo daquela época.
Meyer e Grostein (2010) destacam que um dos traços mais marcante do período foi a
edificação de casas populares diversas, geralmente construídas em série, que compuseram
com os cortiços o rol de ofertas habitacionais destinadas à população de baixa renda.
Mapa da transformação de uso das áreas industriais para novas atividades Fonte: MEYER e GROSTEIN (2010)
O Plano Diretor da cidade de São Paulo define que a ZEIS – 3 (Zona Especial de Interesse
Social) são áreas com predominância de terrenos ou edificações subutilizadas, dotadas de
infraestrutura, serviços urbanos e ofertas de empregos, ou que estejam recebendo
investimentos desta natureza, onde haja interesse público expresso por meio dos planos
regionais ou de lei específica, em promover ou ampliar o uso da Habitação de Interesse
Social ou do Mercado Popular, e em melhor as condições habitacionais da população
moradora.
No conjunto da cidade, o PDE (Plano de Desenvolvimento Estratégico) delimitou 144
perímetros de ZEIS 3, correspondendo 6 milhões de m², equivalente a 0,39% do território do
município considerando-se os ajustes feitos em 2004 (Meyer e Grostein, 2010).
Este é o caso da Sub-Sé e Sub-Mooca que concentram a maior parte das ZEIS – 3 da
cidade, porque essas regiões apresentam com maior intensidade as condições necessárias
para serem consideradas ZEIS – 3, ou seja, possuem áreas subutilizadas em regiões de
boa infraestrutura.
As zonas assim demarcadas totalizam uma superfície de 427 hectares, o que corresponde a
7% do total de 6 140 hectares. Só na Mooca são 206 hectares com 26 perímetros de ZEIS
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demarcadas. É preciso considerar que as ZEIS – 3 foram mapeadas pelos órgãos técnicos
municipais a partir de recortes feitas no território que extrapolam as localizações precisas de
cortiços existentes, englobando vários quadros para a classificação destas áreas, sendo a
presença dos cortiços um dos indicadores para identificação destas áreas.
Estabelecer controle sobre o uso do solo permite que a cidade se estabeleça de forma
adequada. O poder público passou a compreender que havia um grande paradoxo entre o
adensamento das periferias onde não havia infraestrutura e que, portanto demandariam
gastos gigantescos ao governo e as áreas centrais e proximidades que estavam passando
pelo processo de esvaziamento, provenientes das retiradas das indústrias, mesmo havendo
nessas regiões boa infraestrutura implantada.
Alguns planos como o PDDI (Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado) de 1971 que
procurou intervir no processo de organização da cidade, mas só conseguiu aumentar ainda
mais a desigualdade sócio espacial, promoveram a supervalorização fundiária gerada pela
escassez de terra edificável, segregação de usos e sobrecarga na infraestrutura e no
sistema viário existente da ilegalidade nos processos de expansão urbana.
Entre 1985 e 1991 foram elaborados mais dois planos diretores durante os governos
municipais de Mário Covas e Luiza Erundina respectivamente, ambos visavam a questão da
habitação no centro da cidade, estes não foram aprovados pela Câmara Municipal.
O plano de 1991 foi muito importante, pois a partir deste foram desenvolvidos estudos
aprofundados baseados na Nova Constituição Federal de 1988, com relação à questão da
habitação no centro. Surgiram termos tal como “zona adensável”, importante para a
compreensão de uma cidade bem planejada.
Em 2001 foi promulgado o Estatuto da Cidade que prevê o desenvolvimento urbano
baseado no princípio da função social da propriedade, contudo, até o momento não ocorreu
a produção de habitação de interesse social no centro que se configurasse como uma
alternativa efetiva de moradia popular, pelo contrário o que se vê é um cenário inverso, onde
as periferias continuam inchando sobretudo em APPs (Áreas de Preservação Permanente),
longe do centro no qual há grande concentração de empregos, gerando longos
deslocamentos ocasionando o caos viário enfrentado por São Paulo.
Nesse contexto os cortiços na Mooca correspondem a um anseio histórico da população de
baixa renda em morar no centro e suas proximidades, ainda que esta condição corresponda
péssimas instalações.
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4. Breve histórico sobre cortiços
A habitação coletiva de aluguel “cortiço” é um tipo de moradia destinada a uma grande fatia
da população de baixa renda desde o século XIX e que tem marcado, desde então, a
urbanização tanto do centro quanto, mais recentemente, da periferia da cidade de São
Paulo, sendo, até hoje, um problema sem solução imediata (Piccini, 1999).
Há várias definições para cortiço, em Piccini (1999) foram citadas as seguintes expressões:
“casa de cômodo”, “cabeça de porco”, “estância”, “zungu”, “pensão”, “hotel”, “hospedaria”,
“vila”, “quintal”, “estalagem” e “fileira de quartos ao longo do corredor”. No Dicionário Aurélio
foi dada a seguinte definição: “caixa cilíndrica de cortiça, na qual as abelhas se criam e
fabricam o mel e a cera”.
Em “O Cortiço” livro de 1890 escrito por Aluísio de Azevedo, é possível encontrar trechos
sugerindo como começaria um cortiço no Bairro do Botafogo na cidade do Rio de Janeiro:
“(...) duas ou três braças aos fundos da casa: parte esta que, conforme os seus cálculos valeria ouro, uma vez realizado o grande projeto o grande projeto (...) que ultimamente o trazia preocupado a criação de uma enorme estalagem monstro, destinada a matar toda aquela miuçalha do cortiços que se alastravam por Botafogo. (...) as casinhas do cortiço, à proporção que se atamancavam, enchiam-se logo sem mesmo dar tempo a que as tinas se secassem. Havia grande avidez em alugá-las; aquele era o melhor ponto do bairro para a gente do trabalho. Os empregados da pedreira todos preferiam morar lá, porque ficavam a dois passos da obrigação.”
A origem dessa modalidade de habitação em São Paulo está ligada aos primórdios da
industrialização que se inicia nas ultimas décadas do século XIX, não se constituindo,
portanto, fenômeno recente.
“(...) sua expansão se deu em decorrência do grande fluxo de imigrantes que consistiam em mão de obra barata. Além disso, o custo de da mercadoria habitação transcendia em muito seu preço de mercado; a terra urbana transformava-se em mercadoria a gerar enormes lucros e a construção ou aluguel de casas passava a ser encarada pelos proprietários de imóveis como expectativa de lucros ou ganho” (São Paulo, 1985).
No entanto era necessário manter próximo ao trabalho os funcionários das fábricas e
garantir que as unidades familiares também se mantivessem próximas o que garantiria a
reprodução da força de trabalho, sendo assim o cortiço era solução mais difundida.
Surgiram também as vilas operárias, que ofereciam melhores condições de habitabilidade,
alojavam menor número de trabalhadores em proporção aos habitantes de cortiços e
geralmente eram acessíveis apenas à mão de obra especializada (São Paulo, 1985).
Não podendo pagar o aluguel de uma casa uni familiar e isolada, o operário de menor
renda, o trabalhador informal e o desempregado encontrava no cortiço e na casa de
cômodos o alojamento compatível com seus parcos rendimentos. O cortiço mais comum em
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São Paulo era uma enfiada de cômodos dispostos ao longo de um corredor ou pátio, no qual
se situava a área de lavagem e secagem de roupas e o banheiro de uso comum. (Bonduki,
1998)
Na classe pobre, especialmente na classe operária, o aluguel da casa absorve uma boa
parte dos limitados ganhos do chefe de família. “A exiguidade do salário, comum às grandes
indústrias (...) põe o operário entre as portas de um angustioso problema: ou comer pouco e
mal, ou morar num cortiço. Em nove dos dez, ele opta pela segunda solução. Obedece ao
estômago” (Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, 1916 apud Bonduki,1998)
4.1. Cortiços na cidade de São Paulo
É por volta de 1870 que surgem os primeiros núcleos de cortiços nos bairros centrais da
elite paulistana, como Sé, Santa Efigênia, Bela Vista, e nos bairros especificamente
operários, Brás e Mooca. Em 1900, com o crescimento dos cortiços foi criada a Policia
Sanitária para fiscalização dos “ninhos de tuberculoses”.
Em 1916, a Lei nº 2 333, novo Código de Padrão Municipal, redefine o cortiço como forma
de “habitação múltipla de caráter permanente”, sendo reconhecido esse tipo de moradia. Em
1929, a partir do Código Arthur Saboya, Lei 3 427, exclui o cortiço como forma de habitação
sendo assim, o governo não tem a obrigação de intervir nos cortiços. Os cortiços foram
ignorados pela legislação até anos 1970, quando surge uma nova tentativa de substituí-los
por uma melhor modalidade habitacional através da Lei 8.266/95.
A partir dos anos 80, os cortiços vêm sendo lentamente reconhecidos como um grave
problema habitacional no município de São Paulo, e são assim objeto de novos estudos e
propostas ao longo dos anos. Em 1991 foi instituída a Lei Moura, nº 10 928, muito
importante para definir as leis mínimas de habitabilidade para moradias em cortiços, tenta
reconhecer, admitindo de forma jurídica, a existência desse tipo de moradia. A partir
dessaLei, o poder público passou a intervir de forma mais efetiva nas fiscalizações dos
cortiços. Conforme a Lei Moura os cortiços são:
- uma ou mais edificações construídas em lote urbano;
- subdividida em vários cômodos alugados, subalugados ou cedidos a qualquer título;
- várias funções exercidas no mesmo cômodo;
- acesso e uso comum dos espaços não edificados e instalações sanitárias;
- circulação e infra-estrutura, em geral precários;
- superlotação de pessoas.
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Em entrevista, a Secretaria de Habitação-SEHAB, realizada em 17 de fevereiro de 2010, foi
destacada a seguinte questão: um cortiço não é ilegal desde que esteja de acordo com a Lei
Moura, acrescentando a esta mais dois itens - a presença de extintores e a instalação de
botijões de gás do lado de fora dos quartos, apenas quando há denuncia de violações a
estas normas que o poder público é acionado e pode intervir no cortiço.
Até meados da década de 1920, São Paulo era uma cidade relativamente pouco segregada.
Conforme “Cortiços em São Paulo: Frente e Verso” (1985):
São Paulo no seu conjunto era bastante adensado, e, embora houvesse bairros onde se
concentrava a população trabalhadora (Brás, Mooca, Bom Retiro, Bexiga) e outros onde
residiam grupos ricos (Higienópolis, Campos Elíseos ou Avenida Paulista), era frequente a
proximidade de cortiços e classes abastadas na mesma área. É o caso da Mooca, da área
de Santa Efigênia próxima a Campos Elíseos e a Alameda Santos, próxima à Avenida
Paulista.
“Foi justamente a proximidade dos cortiços a essas áreas que provocou as intervenções do Estado nos cortiços, especialmente através de Códigos Sanitários – legislação que dizia, entre outras coisas, como “limpar a cidade” dos focos de seus males (doença, epidemias, promiscuidade) (...). Parece ter sido essa, portanto, a modalidade de habitação precária que prevaleceu até 1930” (São Paulo, 1985).
Até os anos 30, a concentração de trabalhadores se deu junto aos centros fabris nas
proximidades das vias férreas: inicialmente o Brás, Bexiga e depois, a Mooca, Belenzinho,
Cambuci, Ipiranga e Água Branca:
(...) a vida nos bairros operários girava em torno dos apitos das fábricas nas regiões mais centrais. O bonde como transporte coletivo era um agente estruturador dessa dinâmica da cidade que se torna viável economicamente em regiões adensadas. (São Paulo, 1985)
A partir de (1942) a Lei do Inquilinato foi promulgada e tornou-se fundamental para alterar o
padrão de desenvolvimento da cidade, pois com o congelamento dos aluguéis e por isso a
falta de investimento privada na habitação, fez com que faltasse moradia para todos o que
culminou no processo da habitações auto construídas na periferia, intensificada em meados
de 1960. Logo a cidade passou a se espalhar de tal forma que se fez necessário a
expansão do transporte público predominando a modalidade do ônibus.
Contudo, a moradia de aluguel continuva atendendo, sobretudo os trabalhadores que
queriam morar próximos aos seus trabalhos. O processo de encortiçamento aumentou
devido o crescente desemprego, por conta do grande número de migrantes que vieram a
São Paulo em busca de emprego nas indústrias, levando um grande número de pessoas
que antes podiam pagar por seu aluguel passarem a ter que buscar os cortiços.
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
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Em 1961 estimou-se que 18% da população moravam em cortiços das áreas centrais,
admitiu-se a hipótese de que a população encortiçada tenha crescido no mínimo às mesmas
taxas que a população favelada pelas as mesmas causas. (São Paulo, 1985)
Abaixo duas imagens indicando as incidências de cortiços em na cidade de São Paulo na
década de 2000.
a)Concentração de cortiços na cidade de São Paulo. b)Incidência de cortiços no bairro da Mooca.
Fonte: http://infolocal.prefeitura.sp.gov.br/mapa - 14/03/2011
4.2. Tipologias
Em uma pesquisa realizada pela PMSP, em 1985, que gerou o livro “Cortiços em São Paulo:
Frente e Verso” foram definidos dois tipos arquitetônicos de cortiços:
a) imóveis adaptados, que originalmente eram habitações unifamiliar, multifamiliar ou misto.
Em geral, são edificações com 1, 2 ou 3 pavimentos, eventualmente dotadas de porão,
acrescidas de outras construções no lote.
b) Imóveis concebidos como cortiços, especialmente construídos para fins de locação,
podendo apresentar, no mesmo lote, edificações diferenciadas, que se configuram como
vilas de cômodos horizontais ou verticais.
Na tabela a seguir exemplos de tipologias de cortiços encontrados no bairro da Mooca:
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QUADRO DE IDENTIFICAÇÃO DE IMÓVEIS - CARACTERÍTICAS FÍSICAS
SUBDS.
End. Ref. Bairros
Nº Form.
Caracter de edificação original Características dos acréscimos
Características dos imóveis no estado atual + acréscimos)
Obs. Impamtação do Imóvel no
Lote
DESCRIÇÃO Data
(aprox.)
Área Construída
Pé direito (Pav.)
Área do Lote
Taxa de Ocupação
Descrição
Á.
Con
str.
A. T
otal
Im
óvel
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O
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ção
Índi
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Nº de comodos
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WC
Residência Unifamiliar
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Tot
al
Nº
Áre
a
Nº
Áre
a (1
)
Áre
a (2
)
MO
OC
A
R. Canuto Saraiva,
478 25
edif. 1 pavto. Porão baixo, uso res. Unifamiliar e padrão médio
1940 100 200 3 195 0,51 Edf. de 1 pavto. 41 241 0,72 0,17 5 2 7 3 3 1 141
Rua Conselheiro Benevides,
478
28
Conj. de cômodos enfileirados combinados com unid. Tipo; Q+ C+WC; porão de ventilação (parte dos cômodos); circulação comum;
uso residencial coletivo
1920 185 185 3 267,5 0,70 185 0,70 8 8 2 4 1 56 185
Rua Madre de
Deus,163 37
edif. 2 pavtos com edícula. Acesso independentes por pavto.;
uso residencial multifamiliar; padrão médio
1940 235,5 266,5 4,5 418 0,35 Edficação de 1
pavto. Tipo meia-água
149,5 416 0,71 0,46 8 20 28 4 416
O segundo pavimento não foi entrvistado, portento
não se sabe se atualmente é cortiço ou residencia unifamiliar
Rua da Mooca ,
3320 39
Conjunto de cômodos enfileirados, combinados com
unidade tipo Q+C+WC. Circulação comum; uso residencial coletivo;
+atividades de uso não residencial
1920 216,5 216,5 3 528 0,41 216,5 0,41
9 9 2 2 68 191,5
Rua da Mooca ,
2058 46
Edif. de 2 pavtos Acesso independentes por pavto.; uso res.
+ multifamiliar atividades de uso não res.; padrão médio-alto
1920 424 424 3,5 300 0,70 424 0,70
10 10 2 1 235,5
Fonte: PMSP, Prefeituta Municipal de São Paulo. Cortiços em São Paulo: Frente e Verso; 1985
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
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4.3. Interveções nos cortiços a partir da Lei Moura - 10 928/91 no Distrito da Mooca
Em entrevista2 na SEHAB e na Subprefeitura da Mooca obtive as seguintes informações
com relação às intervenções públicas nos cortiços. Só há ação efetiva dos órgãos públicos
depois de denúncias, geralmente feitas pelos próprios moradores.
Quando há fiscalização (por meio de vistoria feita pela SEHAB ou por agentes da
Subprefeitura) e é constatado que o cortiço está descumprindo os termos impostos pela Lei
Moura o proprietário é notificado e recebe um prazo de 30 dias para sanar as infrações ou
dar nova destinação para o imóvel. Se o proprietário não se pronunciar será multado até que
resolva o problema.
No caso da constatação de risco iminente a integridade física dos moradores dos cortiços a
prefeitura oferece o auxilio mensal denominado bolsa aluguel por um período determinado e
em alguns casos são inseridos em outros programas de habitação realizados pela a CDHU.
Outro problema enfrentado pelos moradores de cortiços é a exploração do preço do aluguel
por metro quadrado que pode ser mais caro do que o metro quadrado de um imóvel
destinado a classe média como comprova a reportagem a seguir:
“(...) Mesmo em condições precárias, os moradores dos cerca de 2 mil imóveis que funcionam como pensões informais e estão espalhados pelos dez distritos das Subprefeituras da Sé e da Mooca, na cidade de São Paulo, pagam o mais alto valor de aluguel por m² da capital paulista. Por cômodos com tamanho médio de 10 m², os habitantes de cortiços pagam em média R$ 28 por m² na Subprefeitura da Sé, na região central, e R$ 21 na Subprefeitura da Mooca, na zona leste. Segundo dados do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), o valor mais alto de aluguel no Município é cobrado na região sul, nos bairros de Jardins, Moema e Morumbi, entre outros, onde o m² de um apartamento de quatro quartos sai por R$ 23” (Manso, 2009).
O Programa de Atuação em Cortiços (PAC) da CDHU, implantado a partir de 2002, oferece
alternativas habitacionais de permanência das famílias na região, a longo prazo prevê a
erradicação dos cortiços, sendo que após indicados para intervenção deverão ser adquiridos
ou desapropriados e devidamente reformados.
A partir dessa pesquisa foram levantados o número de cortiços pela Fundação SEADE em
2001 - 111; pela CDHU, 2004 - 69 e o número de domicílios ocupados – 751, somando total
de 2.096 habitantes. Abaixo segue a proposta de intervenção através do PAC para a Mooca:
2 Entrevistados: Secretária de Habitação / HABI Centro: Arquiteta Juliana/ Subprefeitura da Mooca:
Assintente do Setor de cortiços Arqtº.Eron e Estagiária de Arquitetura Daniela Paz
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Programa de Atuação em Cortiço (PAC) – Mooca
Fonte: Programa de Atuação em Cortiços – CDHU
Como parte desta pesquisa foram analisadas também algumas intervenções realizadas para
a melhoria das moradias em cortiços. Como mostra do que poderia ser feito para promover
um lugar mais adequado para habitação foram encontradas soluções para a promoção de
habitação social próximo às áreas do centro.
O cortiço da Rua Conselheiro Lafaiete e da Rua Itabaiana na Mooca que sofreram
intervenções e os cortiços da Rua Padre Raposo e Rua Serra de Jairé, que estão em
processo de intervenção coordenadas pela Secretaria de Habitação – SEHAB com o
objetivo de requalificar as habitações para que sirvam de forma digna aos moradores que ali
vivem, no entanto, essas intervenções só ocorrem por meio de muita organização dos
movimentos sociais.
No caso do Mutirão Celso Garcia3 onde os próprios moradores de um cortiço na Avenida
Celso Garcia se mobilizaram para buscar soluções resultou que diversas edificações foram
demolidas resultando em uma área de 5.419,33m² onde foram construídos 182
apartamentos e 1.563,86m² para praça entre os blocos. O projeto foi concebido e construído
pela Superintendência de Habitação Popular – HABI, a regularização do empreendimento
ficou sob responsabilidade da Companhia Metropolitana de Habitação – COHAB-SP.
5. Metodologia desenvolvida
Ao longo desta pesquisa como parte da metodologia proposta foram realizados sistemáticos
fichamentos correspondente às questões abordadas, tais como a crise da habitação na
cidade de São Paulo, a segregação sócio-espacial, as áreas ociosas localizadas próximas
ao centro da cidade dotadas de boa infraetrutura, com potencial de aproveitamento para 3 Parte de uma proposta dos movimentos de cortiços de São Paulo à Prefeitura do Município em Junho de 1989, este projeto piloto foi iniciado em 1991 e encerrado em 1996.
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
18
implantação de novas habitações e como foco principal os cortiços na região da Mooca, o
que permitiu traçar um panorama histórico e social.
Realizadas as pesquisas teóricas que fundamentaram o desenvolvimento do trabalho, foram
realizadas entrevistas na Secretaria de Habitação (SEHAB) e na subprefeitura da Mooca. A
partir destas entrevistas cedidas por técnicos responsáveis pelo setor de cortiços na região
Mooca, foi possível apurar fatos que contribuíram para o esclarecimento e entendimento de
como são realizadas as intervenções em cortiços.
Diversos textos foram lidos e fichados, a partir de então foi possível montar um quadro
histórico com um recote entre 1920 até a decáda de 2000 no qual foi possível relacionar a
história da habitação em São Paulo com a conformação e dinâmica da cidade atual.
6. Resultados obtidos
A princípio o foco principal da pesquisa era identificar e a analisar pontualmente alguns
cortiços que estivessem passando ou já houvesse passado por intervenção do poder
público, ao longo do processo de pesquisa outras relações foram estabelecidas,
relacionando os cortiços a um cenário de importantes transformações urbanas e por tanto
sociais.
As transformações mais contundentes e decisivas para a conformação da cidade
contemporânea aconteceram a partir das mudanças sofridas pela habitação.
A crise da habitação na cidade conformou um espaço urbano, caótico, sugiram as periferias.
As habitações se tornaram cada vez mais precárias, o espraiamento da cidade afetou a
mobilidade pelo tecido urbano e com as incessantes tentativas de equacionar o problema,
novas vias de locomoção são abertas indiscriminadamente tornando o tecido urbano
demasiadamente fragmentado, gerando áreas degradadas com as quais ainda não
sabemos como lidar.
Ao mesmo o dinheiro público é vigorosamente injetado no setor o (quadrante sudoeste)
mais rico da cidade, distante da maioria dos cidadãos que é constituída pela população de
baixa renda e que habita as extremidades da cidade sendo assim o espaço urbano de São
Paulo é desigual, e a segregação sócio-espacial impera.
Avaliando a configuração da cidade é possível perceber que além das áreas degradadas no
centro que se tornaram vazias (sob o ponto de vista formal), surgiram também os vazios das
áreas industriais provenientes do deslocamento de boa parte do setor para outras regiões
economicamente mais interessantes. Foi possível observar que nessas áreas ocorrem as
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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maiores incidências de cortiços, pois esse tipo de habitação abrigou grande parte dos
operários que outrora trabalharam nas indústrias.
Por isso essa pesquisa relacionou a habitação, os cortiços e o espaço urbano de tal forma
que primeiramente fosse possível compreender a habitação como uma condicionante
conformadora dos espaços e das dinâmicas da cidade, e os cortiços como elemento
indicador de que a população ainda que pobre entende que a cidade deve ser partilhada por
todos e que morar próximo ao emprego, próximo ao lazer, próximo a bons equipamentos
públicos é um direito.
Isso não significa que os cortiços têm que ser mantidos precários tais como estão. Pelo
contrário, foi observado que, principalmente na Mooca, foco do estudo, a habitação é uma
das possibilidades do novo uso das áreas que abrigavam as indústrias, podendo servir
como alternativa de moradia digna para a população de baixa renda.
A princípio o foco principal da pesquisa era identificar e a analisar pontualmente alguns
cortiços que estivessem passando ou já houvesse passado por intervenção do poder
público, ao longo do processo de pesquisa outras relações foram estabelecidas,
relacionando os cortiços a um cenário de importantes transformações urbanas e por tanto
sociais.
As transformações mais contundentes e decisivas para a conformação da cidade
contemporânea aconteceram a partir das mudanças sofridas pela habitação.
Ao mesmo tempo em que o dinheiro público é vigorosamente injetado no setor mais rico da
cidade (quadrante sudoeste), distante da maioria dos cidadãos que é constituída pela
população de baixa renda e que habita as extremidades da cidade - sendo assim o espaço
urbano de São Paulo é desigual e a segregação sócio-espacial impera.
7. Conclusão
Ao longo da pesquisa, percebeu-se que a questão dos cortiços faz parte de uma trajetória
inserida no tecido urbano que demonstra como a cidade real pode dar indícios de uma
cidade ideal, ou seja, ainda que muito precárias as condições habitabilidade nos cortiços,
estes fazem parte da dinâmica da cidade como a forma encontrada pela população pobre de
morar no centro, adensando as áreas com infraestrutura existente, próximo ao emprego,
evitando longos deslocamentos, é muito mais interessante do que a criação onerosa em
todos os sentidos das periferias.
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
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Contatos: [email protected] e [email protected]