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Algumas reflexões sobre o ambientalismo e duas de suas espécies emblemáticas1
Eliana Santos Junqueira Creado (DCSo- UFES)
Clara Crizio Araújo (bolsista PIBIC/FAPES)
Pedro Lukas Trindade de Freitas (programa PIVIC/UFES)
Resumo:
Algumas espécies da fauna silvestre são emblemáticas para o ambientalismo, e constituem nós górdios de inúmeras relações sociais, desde as mais ligadas a contextos empíricos mais “localizados” quanto a fóruns de discussão mais “globais”. Discurtir-se-ão duas dessas espécies emblemáticas seguindo algumas das agências tecnocientíficas atuantes nas situações consideradas, a saber: (1) o caso das tartarugas marinhas no Espírito Santo, enfocando as relações travadas entre técnicos governamentais não-governamentais e pesquisadores, de um lado, e entre si, e entre esses agentes e os referidos animais - a partir de análises sobre entrevistas semi-estruturadas e textos produzidos por cientistas e técnicos; (2) e, mais especificamente, a produção tecnocientífica de um grupo de pesquisadores da Universidade de Pretória, muito ativos na África do Sul, do ponto de vista de sua produção científica e de sua participação em debates em torno da política e das normas voltadas para o manejo dos elefantes sul africanos - a partir da análise de artigos científicos e de outros materiais publicados por estes pesquisadores visando o público mais amplo. A conservação da biodiversidade (alguns de seus dilemas) e o papel dessas espécies como “bandeira” para algumas posições ambientalistas, bem como as fronteiras entre o humano e o inumano e entre a ciência e a política servirão como norteadores do entendimento em conjunto das duas situações.
Palavras-chave: conflitos socioambientais; tecnociência; animais
Introdução
Algumas espécies da fauna silvestre são emblemáticas para o ambientalismo, e
constituem nós górdios de relações e agenciamentos, e, assim, redes sociotécnicas que
ligam local e global (LATOUR, 2000). Algumas das tramas dessas redes referem-se ao
tema da conservação da biodiversidade (e seus dilemas) e ao papel dessas espécies
como “bandeira” para algumas posições ambientalistas, e, de um modo mais amplo,
dizem respeito também a debates a respeito das fronteiras entre o humano e o inumano e
entre a ciência e a política (LATOUR, 2000; HARAWAY, 2003; VIVEIROS DE
CASTRO, 2002). Essas serão as principais tramas a serem seguidas nesta comunicação,
embora seja preciso ressaltar muito brevemente, por ora, que há outras tramas ligadas à
1 Trabalho apresentado na 28ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 02 e 05 de julho de 2012, em São Paulo, SP, Brasil.
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questão, que também se conecta a debates, imagens, valores, discursos e essências
ligados ao bem estar e aos direitos dos animais - sobretudo no que diz respeito ao caso
dos elefantes africanos, em especial na África do Sul, onde a população da espécie vive
em espaços confinados, relativamente pequenos e há um manejo intensivo dos mesmos,
e que, por vezes, envolve o abate seletivo de indivíduos da espécie.
Uma situação um pouco diferente é a que diz respeito às tartarugas marinhas no
Espírito Santo, no Brasil, cujas tramas ligam-se mais especificamente ao tema da
conservação da biodiversidade, na modalidade in situ, e, em alguma medida, a críticas
decorrentes da posição ambientalista categorizada como socioambientalismo no Brasil,
que problematizam os efeitos de práticas, discursos, leis e políticas ambientais sobre os
povos e comunidades locais, vários dos quais categorizados como populações
tradicionais; o que representa um indício sobre como o tema dos direitos e do bem estar
animal, neste caso de espécies consideradas silvestres no Brasil, é secundário em
relação à questão dos “problemas” “sociais”.
Os conceitos de arena e de conflito são igualmente utilizados na análise
(LATOUR, 2000 [1994] e 2004; FERREIRA, em vários textos; HANNIGAN, 1995).
Sendo que a arena é vista como um momento, uma situação social específica
envolvendo alguns dos agentes participantes das redes sociotécnicas que estão sendo
seguidas, mas que vão muito além das arenas, extrapolando-as. Mesmo assim a noção
de arena, que pode ser mais ou menos local, mais ou menos global, é útil para entender
diferenças entre os contextos nacionais no que diz respeito aos momentos e aos
processos de consolidação institucional (ou de sua falta) da preocupação com a fauna
silvestre, enquanto “problema” ambiental específico, no sentido dado por Hannigan
(1995)2.
Apesar da noção de arena remeter aqui à dimensão mais institucional e decisória,
reconhece-se que suas consequências e conexões abarcam muitos outros seres viventes
humanos e não-humanos, não necessariamente presentes e/ou representados nessas
arenas.
Em função de uma limitação de escopo, de recorte analítico, e de recursos
escassos, as atividades de pesquisa concentram-se em parte dos agentes que compõem
tais redes sociotécnicas, mais imediatamente ligados a iniciativas governamentais e 2 Importante lembrar que há diferenças entre a abordagem de Latour (1994) e de Hannigan (1995), dado que o primeiro critica abordagens mais construcionistas, sendo que Hannigan é identificado com esta postura.
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“quase” governamentais, configurando um uso mais “aplicado” da ciência, e aqueles
com maiores vínculos com o meio acadêmico, mas que possuem alguma relação com os
primeiros, com atuação direta ou indireta nessas arenas ou nas redes nas quais elas se
inserem. É preciso igualmente ressaltar a existência de trânsito entre tais agenciamentos,
tanto no que diz respeito à troca de informações, categorias, símbolos e significados,
quanto no que tange a trajetórias individuais e profissionais, ou seja, não são posições
estanques ao longo tempo, muito pelo contrário: o fluxo entre ambas pode acontecer,
inclusive dentro de uma trajetória individual específica, mesmo que esta possibilidade
não ocorra na mesma escala de outras formas de intercâmbio mais fluídas, como de
informações, influências, idéias, significados, documentos, imagens, etc.
A respeito das consequências e conexões que vão além das arenas decisórias e
dos agenciamentos mais institucionais enfocados, tem-se como exemplos as conexões
que são estabelecidas com aqueles que residem em maior proximidade com os animais
considerados silvestres pelo discurso ambientalista, conexões que trazem relações
assimétricas muitas vezes, o que exige reconhecer a possibilidade da imposição de
modos de se relacionar com os referidos animais silvestres e de categorizá-los, por
exemplo, com atributos mais ou menos humanos, bem como com valores associados a
uma perspectiva ambientalista hegemônica (“conservacionista”), para a qual tais
animais constituem emblemas. A saber: (1) comunidades de pescadores no Espírito
Santo, junto aos quais o Projeto TAMAR atua; (2) fazendeiros e moradores vizinhos a
parques nacionais e outras formas de áreas protegidas na África do Sul, onde existem
elefantes confinados que, por vezes, escapam das barreiras que os limitam e são vistos
com temor e/ou como fonte de recursos e/ou segundo outras concepções de natureza e
cultura; e (3) comunidades rurais em Moçambique interessadas no abate de animais (no
caso, elefantes), vários dos quais tidos sob a categoria de animais “problemáticos”3, por
atacarem (real ou potencialmente) seres humanos ou roçados (“machambas”) e/ou vistos
como fontes de recursos para alimentação e fins outros.
Nos exemplos mencionados, há medidas e ações no sentido de tentar influenciar
e/ou mudar os modos dos que lidam mais estreita e cotidianamente com as espécies
enfocadas, visando reduzir os abates, que, por sua vez, estão previstos legalmente ou
não, são intencionais ou não, tentando convencer os que estão nas pontas mais 3 A denominação de animal problemático da fauna silvestre, chamada de bravia em Moçambique, é utilizada por próprios agentes do Estado envolvidos com a gestão ambiental e em documentos oficiais que versam sobre o tema.
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localizadas desses redes, em alguma medida, e com implicações em termos de restrições
(legais ou práticas), de que tal redução contribuiria para a conservação e/ou preservação
da espécie. Muitas vezes, posições preservacionistas e/ou conservacionistas
argumentam ainda que isso beneficiaria a humanidade como um todo, ponderada em
escala global, e/ou até mesmo os próprios povos, populações e/ou comunidades locais
que compartilham o uso de territórios utilizados com esses exemplares da fauna tida
como silvestre, e/ou suas circunvizinhanças (termo usado por WEST at al., 2006),
situadas muitas das vezes no interior ou no entorno das chamadas áreas protegidas.
Os argumentos que defendem os benefícios potenciais em âmbito local,
geralmente, trabalham com o viés de que a mediação da relação com tais animais seja
feita através de algum modo de mitigação ou compensação, financeira inclusive, por
conta da redução de abates e/ou da maior tolerância a danos causados (potencial ou de
fato) por algumas dessas espécies emblemáticas a moradores de áreas mais rurais, por
exemplo. No caso de Moçambique, agentes abordados na pesquisa citaram que danos às
“machambas” (roçados) causados por elefantes, mas também e, muitas vezes, por outros
animais silvestres menos temidos e menos acusados disso em meios de comunicação,
podem resultar em maiores riscos à segurança alimentar de comunidades rurais.
Por outro lado, é preciso lembrar que a atuação em defesa dessas espécies, por
parte de posições ambientalistas, dá-se também em uma dimensão menos local, como
uma forma de “virtualismo” a exemplo do que West e colaboradores (2006) disseram
sobre os efeitos de áreas protegidas, que trariam em si concepções prévias sobre a
dicotomia natureza e cultura e comporiam uma “cosmologia do natural” (p. 255-256).
Opiniões semelhantes sobre as áreas protegidas como seres e artefatos
impregnados de concepções prévias sobre a grande divisão entre natureza e
sociedade/cultura são encontradas em vários outros autores, de diversas correntes e
filiações teóricas, que versam sobre o tema da biodiversidade e das áreas protegidas no
Brasil (DIEGUES, 1994; BARRETTO FILHO, 2001) e no mundo (WEST &
BRECHIN, 1991; RAMUTSINDELA, 2004). Em suas linhas gerais, esse argumento
mais amplo pode ser estendido à questão da preocupação com a manutenção e/ou
conservação e/ou preservação da fauna silvestre; guardadas as respectivas
particularidades temáticas e as nuances por espécies, e os contextos empíricos
específicos de análise.
Trabalha-se nessa pesquisa, então, com a questão das espécies emblemáticas, ou,
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em termos dos nativos ligados à tecnociência, “espécies bandeira” (flagship) ou
“símbolo”, definidas como as que se constituem enquanto símbolos e/ou que receberam
enfoques principais de campanhas conservacionistas (SIMBERLOF, 1998, p. 248-250).
Importante ressaltar que outras categorias e denominações são utilizadas no que diz
respeito ao enfoque da preservação e/ou conservação centrado em animais silvestres. A
partir de Simberlof (1998), que trata desse tipo de modelo de conservação,
diferenciando-o do modelo ecossistêmico - na verdade predominante desde a década de
1990 junto ao conservacionismo internacional -, identificou-se outras categorias
“nativas” utilizadas por agentes da tecnociência: (1) espécies indicadoras de
biodiversidade: capazes de apontar a saúde do sistema e servir como base para
identificar tendências populacionais de outras espécies da mesma comunidade; (2)
espécies guarda-chuva: as que requereriam amplos territórios e, portanto, espera-se
que a sua proteção garanta a sobrevivência de outras espécies que compartilham tais
territórios; (3) espécies ameaçadas de extinção; (4) e, por fim, espécies-chave: com
grande impacto sobre as outras espécies, muito acima do esperado diante de sua
biomassa e abundância (ver também MCGRATH, 1997). Sobre as espécies-chave,
Simberlof (1998) afirma que não são necessariamente as de topo de cadeia alimentar e
que a sua definição depende de estudos minuciosos sobre as espécies e as interações
entre elas, ou seja, do contexto no qual elas se encontram, sem poderem ser definidas a
priori (SIMBERLOF, 1998, p. 254-255; síntese também apontada em CREADO, 2010).
A partir de pesquisa empírica identificou-se também a denominação de espécie
sentinela, atribuída às tartarugas-marinhas, e, que segundo uma entrevistada, ligada ao
TAMAR, refere-se ao uso da espécie como indicador da saúde do ecossistema
(entrevista em 23/01/2003).
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Após as considerações e observações gerais acima, apresentar-se-ão alguns
detalhes e análises dos agenciamentos e das arenas decisórias mais institucionalizadas
consideradas até o momento: (1) as tartarugas marinhas no Espírito Santo, Brasil, com
enfoque especial no Projeto Tamar/Fundação Tamar/ICMBio; (2) os elefantes africanos,
neste caso a partir da produção de um grupo de pesquisadores da Universidade de
Pretória, ligados ao CERU (Conservation Ecology Research Unity)4.
4 Grupo de pesquisa de grande importância na África do Sul, ligado à Universidade de Pretoria e liderado pelo professor Rudi van Aarde.
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Não houve a pretensão de uma exaustiva apresentação e comparação das situações e
arenas em análise; antes, trata-se de uma tentativa de entendimento em conjunto de
ambas, em suas linhas gerais e diante das atividades realizadas até o momento na
pesquisa. Todavia, alguns contrapontos já podem ser tecidos entre os dois casos.
As tartarugas marinhas, via o Projeto TAMAR
Entender as interconexões entre as representações políticas e científicas das
tartarugas marinhas exige pensar sobre a mediação feita na relação entre tais animais e
outros agentes a partir do Centro Tartarugas Marinhas (TAMAR), responsável pelo
Projeto Tartarugas Marinhas (Projeto TAMAR), e que se vincula ao Instituto Chico
Mendes de Biodiversidade (ICMBio), órgão do Ministério do Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis.
Os funcionários, estagiários e técnicos do TAMAR são grandes mediadores das
relações estabelecidas entre tartarugas marinhas no Espírito Santo (e não só neste
estado) e diversos agentes, governamentais, não-governamentais, e “quase”
governamentais, e, ainda, os que interagem diretamente com os animais, como no caso
de pescadores e pesquisadores com vínculos mais acadêmicos, de um lado, e outros
agentes cujas relações com a espécie é mediada pelo TAMAR, grosso modo, através de
textos e imagens, em um modo mais virtual.
Na presente comunicação, retomar-se-á um pouco da perspectiva daqueles
envolvidos mais diretamente com o TAMAR, mais propriamente ligados à base do
TAMAR da vila de Regência, em Linhares/Espírito Santo, onde também há a Reserva
Biológica de Comboios, voltada para a proteção de áreas de desova de tartarugas
marinhas. Foram entrevistados até o momento três de seus técnicos e realizou-se
pesquisa junto a fontes secundárias, entre 2011 e 2012.
Subsidiariamente, ter-se-ão em mente mais duas entrevistas semi-estruturadas,
a de um doutorando em zoologia, a estudar variações na dieta da tartaruga verde
(Chelonia mydas), na costa brasileira, e de uma docente que trabalha com genética de
tartarugas marinhas, ambos vinculados à Universidade Federal do Espírito Santo.
Ressalta-se que os dois pesquisadores possuíam vínculos colaborativos com o Projeto
TAMAR/Fundação TAMAR/ICMBio, visando a realização de suas pesquisas e ainda o
compartilhamento parcial de conhecimento e/ou informações com esses profissionais.
Lembrando que o ICMBio possui um sistema informatizado, o SISBio que controla a
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realização/trâmite de pesquisas que, nas palavras de uma das entrevistadas, “envolva[m]
coleta de amostra biológica”, bem como sejam realizadas “em unidades de conservação
federais e cavernas”5 (entrevista de 23/01/2012).
O Projeto TAMAR possui um formato institucional híbrido, pois parte de seus
funcionários idealizaram, criaram e consolidaram a Fundação Centro Brasileiro de
Proteção e Pesquisa das Tartarugas Marinhas (Fundação Pró-Tamar), que apóia suas
ações através da busca de suporte financeiro complementar ao governamental
(SUASSUNA, 2005). Segundo o site do Centro TAMAR, primeiramente, veio o Projeto
de mesmo nome, na década de 1980, depois, a Fundação Pró-Tamar, em 1988, e, por
último, o Centro, ligado ao então IBAMA, em 1990 – mesmo ano de criação da
Confecção Pró-Tamar, sediada na Vila de Regência, em Linhares, Espírito Santo6.
A missão do Centro TAMAR permite vislumbrar a interconexão do uso da
tartaruga marinha como espécie “bandeira” e “guarda-chuva” e o discurso e as
iniciativas de compensação/mitigação/benefício social7 – tendência do
conservacionismo internacional, já presente na Convenção da Diversidade Biológica
(1992) e em documentos gerados pelos Congressos Mundiais de Parques, onde a
preocupação com efeitos negativos de parques sobre grupos locais e étnicos passou a ser
progressivamente incorporada entre sua 1ª. e 4ª. versão (entre 1962 e 1992) (BRITO,
2000, p. 24-34; ver também recuperação histórica da tendência em CREADO, 2006).
Conforme trecho de sua página eletrônica, a missão do TAMAR seria:
“(...) O TAMAR surgiu com o objetivo de proteger as tartarugas marinhas. Com o tempo, porém, percebeu-se que os trabalhos não poderiam ficar restritos às tartarugas, pois uma das chaves para o sucesso desta missão seria o apoio ao desenvolvimento das comunidades costeiras, de forma a oferecer alternativas econômicas que amenizassem a questão social, reduzindo assim a pressão humana sobre as tartarugas marinhas. As atividades são organizadas a partir de três linhas de ação: Conservação e Pesquisa Aplicada, Educação Ambiental e Desenvolvimento Local Sustentável, onde a principal ferramenta é a criatividade. Desde o início, tem sido necessário desenvolver técnicas pioneiras de conservação e desenvolvimento comunitário, adequadas às realidades de cada uma das regiões trabalhadas. As atividades estão concentradas em 21 bases, distribuídas em mais de 1100 km de costa. Assim, sob o abrigo da proteção das tartarugas, promove-se também a conservação dos ecossistemas marinho e costeiro e o desenvolvimento sustentável das comunidades próximas às bases - estratégia de conservação conhecida como “espécie-bandeira” ou “espécie-guarda-chuva”. (...).”8 [grifos da autora] (C. B., entrevista de 23/01/2012)
5 Fonte: site do SISBio: http://www.icmbio.gov.br/sisbio/ (acesso em 16/05/2012). 6 Fonte das datas: http://www4.icmbio.gov.br/tamar/index.php?id_menu=121 (acesso em 09/05/2012). 7 Embora com nuances e especificidades, isso também se encontra em posicionamentos sobre os elefantes africanos, na África Austral, sendo que, no caso da África do Sul, a discussão possui grandes diferenças, dentre elas, as que se ligam ao fato de que a megafauna encontra-se, em sua maior parte, confinada em áreas protegidas. 8 Hyperlink específico: http://www4.icmbio.gov.br/tamar/index.php?id_menu=151 (acesso em 09/05/2012).
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Uma das entrevistas foi muito interessante no sentido de recuperar os anos
iniciais do projeto no Espírito Santo, no começo de 1980, retratados como tempos de
falta de infraestrutura material e financeira, onde “...a gente foi construindo da praia
mesmo, de baixo pra cima...”, “...monitorando as áreas de desova, a gente focou
realmente nas principais áreas de reprodução que fo[ram] Regência, Praia do Forte, na
Bahia, e Pirambu, em Sergipe...”. Estas teriam sido as primeiras três bases do TAMAR,
em âmbito nacional. Esses primeiros tempos de TAMAR - associados aos rumos futuros
de dois dos entrevistados, ainda jovens à época, e que além de permanecerem no projeto
até hoje, ajudaram em sua construção e ali se casaram e constituíram família – são
contrastados aos tempos atuais, em que o TAMAR, quando comparado com outros
projetos de centros especializados voltados para a conservação/proteção de espécies
específicas da fauna brasileira, é tido como um caso de sucesso9.
Sobre a criação da Fundação Pró-TAMAR, uma entrevistada detalhou:
“... E quem... recebia os nossos recursos era a FBCN, que foi a primeira ONG de conservação da natureza... Foi a Fundação Brasileira de Conservação da Natureza, com sede no Rio [de Janeiro]. E aí... isso claro tem um percentual que ela cobra, uma parte do recurso ficava pra própria administração e aí foi que a gente resolveu criar uma fundação pra gente mesmo administrar a captação de recursos e administrar esses recursos... Isso foi em 88 [que] a gente criou a Fundação Pró-TAMAR. A Fundação Pró-TAMAR veio até antes da criação do Centro TAMAR, então, foi uma unidade específica dentro do órgão, na época, que era IBD[F]... Bom, já era IBAMA, o Centro ficava dentro do IBAMA, eu acho que foi em 90, a criação do Centro TAMAR. E, bom, aí a gente teve essa... a gente teve esse objetivo de, entendeu, não ficar dependente tanto das oscilações de governo. Porque governo é assim, chega, exatamente, quando a gente tá no pico de trabalho, fecha todos os recursos, né, em dezembro. E quando vai ser aprovado o próximo orçamento vai ser em abril, maio, no mínimo março. E aí é realmente quando a gente, que a gente tá na praia mesmo protegendo as desovas, os filhotes, assim... Então a gente resolveu criar essa fundação, realmente, além de captar recursos, a gente também não depender tanto de patrocínio. Ter um setor de auto-sustentação, né, então aí nasceu essa idéia das camisetas, das coisas do TAMAR, que não tem nenhum programa que tem isso tão forte, né...” (C. B., entrevista de 23/01/2012)
Antes das confecções do TAMAR, a funcionária contou que a produção de
camisetas, para arrecadação de dinheiro, era feita pelos próprios integrantes do
TAMAR, “...na cozinha, lá da reserva [Rebio Comboios]...”.
Segue trecho onde o contraponto entre as condições econômico-financeiras do
passado e do presente aparece:
“...a gente tinha tanta vontade de fazer as coisas, que a gente corria risco, mesmo de fazer dívida, pra depois arrumar o dinheiro pra pagar... Então, no posto de gasolina lá em Linhares, era uma conta
9 Recentemente, porém, os meios de comunicação acusaram o TAMAR de envolvimento em fraudes fiscais.
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exorbitante... Quando ia pagar, devia 60 mil... Entendeu? A gente... não queria parar o trabalho, daí depois quando tinha o recurso a gente ia ver como pagar... Sempre foi assim, hoje não... Hoje, a gente trabalha em cima de um orçamento, tudo é diferente... Mas as coisas aconteceram porque a gente correu riscos... Hoje tem uma gerência mesmo, uma gerência de lojas... Nós temos duas confecções... No começo foi muito assim: quando a gente criou essa confecção lá em Regência foi pensando em gerar emprego pra comunidade, ser mais uma alternativa de trabalho... E, depois, se pensou... Aí viu que realmente era lucrativo, que tinha uma parte dos recursos que podia voltar também pro programa de conservação... Mas hoje tem uma gerência das lojas, tem uma gerência das confecções, que são duas, uma aqui, outra em Sergipe... Hoje está tudo setorizado, pra ficar cada um focado em determinada área... (C. B., entrevista de 23/01/2012)”
A respeito da relação com os pescadores, apesar do reconhecimento de que os
impactos das ações destes sobre a espécie terem diminuído ao longo dos trinta anos de
atuação do projeto, sobretudo no que diz respeito à redução no consumo de carne, os
funcionários do ICMBio acreditam que a pesca seja ainda muito impactante, até mais do
que outros “problemas” ambientais, como a ingestão de resíduos sólidos ou a incidência
da fibropapilomatose – aliás, o trabalho de pesquisa do doutorando entrevistado aborda
a ingestão de resíduos sólidos por tartarugas marinhas, e e a tese de doutorado de uma
das entrevistadas do TAMAR, defendida em 2007, na Universidade de São Paulo
(campus ESALQ), abordou a incidência da fibropapilomatose em toda a costa brasileira,
usando dados acumulados no banco de dados do TAMAR.
No entanto, ao falar dos impactos da pesca, a mesma pesquisadora/funcionária
do TAMAR apontou que outros impactos são, de fato, difíceis de avaliar, como, por
exemplo, o que permite refletir (de um ponto de vista mais distanciado, através desta
pesquisa, e não do ponto de vista de ações de manejo e conservação) sobre se a pesca é
tão ou mais impactante do que outros fatores ou se se trata de uma maior facilidade na
avaliação de seus efeitos e/ou, ainda, da possibilidade de agir sobre eles, como através
da atuação junto às comunidades de pescadores. Segue fragmento da entrevista a
respeito:
“...EC: Eu queria perguntar assim... Que você me desse uma visão geral dos problemas ambientais que afetam as tartarugas no Espírito Santo... Tem algumas coisas sobre petróleo e gás... CB: São tantos... (risos)... EC: É, eu fui anotando: a poluição, a pesca... Mas a pesca parece que não é tanto o problema mais... CB: Não, é um problema, é o principal... EC: Ainda? CB: É, é... Mesmo porque é assim... EC: A questão da poluição me pareceu mais... CB: É que a gente não tem como pesquisar muito, entendeu? Bem, os bichos são migratórios, por exemplo, mesmo ali na Arcelor, a gente tem uma certa prevalência, sei lá, teve ano que teve 24% de bicho doente [com fibropapilomatose], teve ano trinta, teve ano que teve quarenta... Mas os bichos não ficam ali, né. Então quando exatamente você [vai] saber que o bicho ficou doente, você fazer uma associação direta, né? A gente sabe que a doença está associada a áreas mais impactadas,
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existem estudos... aqui mesmo na costa brasileira a gente tem a doença na costa inteira, e a gente não tem [a doença] em Atol das Rocas e Fernando de Noronha e é uma área de ilhas mais oceânicas, ou seja, áreas mais limpas, né, e a gente tem na costa inteira... Estudos na Flórida também, no Golfo do México tem uma prevalência maior e na Costa Atlântica menor, na Indonésia também tem outros estudos demonstrando isso que em áreas mais densamente ocupadas, povoadas, a prevalência da doença é maior, então tem uma correlação aí com ambientes mais impactados... Tem essa questão do lixo, de ingestão de resíduos sólidos, é um problema... São toneladas de lixo, principalmente plástico, despejado diariamente, a gente não precisa estudar pra ver, vai em qualquer praia, em qualquer canto você vê... E... mas isso a maioria dos bichos que a gente tem encalhados são por morte aguda mesmo, ou seja, uma morte rápida: você vê que o bicho está numa boa condição corpórea e morre por asfixia, por ficar preso numa rede de pesca... Você tem muita rede, muita, em toda a costa, muita pesca artesanal... Ainda é o principal problema sim, isso no mundo, não só no Brasil....”10 (C.B., entrevista de 23/01/2012)
Segundo relato do outro funcionário entrevistado, a própria forma de pescar e os
seus apetrechos teriam mudado, através da disseminação do uso das redes de espera e
espinhéis, tendo perdido um pouco o seu caráter artesanal (J. T., entrevistado em
31/01/2012).
A ênfase da atuação do TAMAR dá-se na conservação in situ das tartarugas
marinhas, até por conta do habitat que ocupam, segundo uma das entrevistadas (C.B.,
entrevistada em 23/01/2012). Destarte, apesar da ênfase na espécie, o objetivo seria a
proteção do ecossistema, através de unidades de conservação, como a própria Rebio
Comboios. Há, todavia, 21 exemplares mantidos em tanques, nos centros de visitantes
do TAMAR, objetivando a educação ambiental, sendo que “...no estado a gente protege
22 mil filhotes por ano”. Nas palavras dela,
“...mesmo fora do Brasil com tartaruga marinha não se faz [conservação ex situ ou criação em cativeiro]... E todo mundo pergunta isso: “mas esses bichinhos vão morrer, de cada mil um bichinho sobrevive, por que que vocês não criam pra ficar mais fortinho pra soltar?”. Imagina: você vai ter um problema sanitário, tem que ter muito espaço, você pode estar mudando, afetando o ciclo de vida, no momento em que ela vai mesmo pro no mar, que é que ocorre o imprinting, que é a impressão da praia em que ela nasceu, então você pode estar afetando esse ciclo, né, de vida dela... Isso a gente não faz, né... Na nossa conservação, a gente faz manejo, mas não conservação ex situ...”
Do ponto de vista das técnicas de pesquisa utilizadas, o TAMAR possui um
banco de dados, preenchido em âmbito nacional, com dados de ocorrência e de
marcações (via uso de anilhas, através das quais se identifica as áreas de nascimento dos
animais, sendo que o acesso privilegiado aqui é às fêmeas) de tartarugas nas áreas de
10 Outros problemas citados: grandes empreendimentos e poluição luminosa. Sendo que a mortandade no Espírito Santo seria maior de tartarugas verdes (Chelonia mydas), por frequentarem áreas mais próximas à costa. Para ela, já a fase do ciclo de vida que envolve a desova estaria mais protegida por conta da criação de unidades de conservação, como a Rebio Comboios.
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desova. Mas pode-se afirmar que o comportamento e as condições de vida da espécie
fora dessas áreas e as suas rotas migratórias ainda são pouco conhecidas. A presente
pesquisa não conseguiu identificar, até o momento, se isso se deve mais ou menos a
condições técnicas ou a condições financeiras. Observa-se que uma situação muito
distinta se dá quanto à atuação do CERU em suas pesquisas sobre os elefantes, animais
terrestres. Mas há no caso do TAMAR (bem como no do CERU) uma tendência ao
aumento da individualização de alguns exemplares de tartarugas, já presente no uso das
anilhas, mas mais potencializado por técnicas de rastreamento e monitoramento por
sensoriamento remoto. Segue pequeno trecho de entrevista sobre as primeiras
experiências do TAMAR com essas novas tecnologias: “... Assim, em um ano, dois
anos, [a gente fez] o que a gente tentava há 25 anos e não conseguia... [...]” (C.B.,
entrevistada em 23/01/2012).
Os elefantes africanos, via CERU11
Analisar-se-á um pouco da atuação de um grupo de pesquisadores da
Universidade de Pretória, ligados ao CERU (Conservation Ecology Research Unity)12 e
que trabalham com os elefantes africanos. O grupo, liderado pelo professor Rudi van
Aarde, é muito ativo na África do Sul, do ponto de vista de sua produção científica e de
sua participação em debates em torno da política e das normas voltadas para o manejo
dos elefantes.
O acesso à sua produção deu-se principalmente a partir da análise de artigos
científicos e de outros materiais publicados por estes pesquisadores visando o público
mais amplo. Um desses materiais é composto por uma brochura e um CD com artigos
científicos, que, segundo o próprio van Aarde, representa a produção de mais de uma
década de seu grupo (comunicação oral, 02/02/2010). A brochura denomina-se
Elephants: Facts & Fables (s.d.) e contém texto e fotografias de autoria dele. O CD, por
seu turno, contém 45 arquivos, na sua maioria, de artigos publicados em periódicos
científicos. Muitos dos quais serão comentados a seguir.
11 Uma parte da análise feita aqui consta em Creado (2010). 12 O CERU é um grupo de pesquisa de grande importância na África do Sul, ligado Universidade de Pretoria.
12
Houve um primeiro contato direto com esses agentes, durante uma pequena
estadia em campo (em projeto de pesquisa anterior que foi cancelado13), onde se
dialogou com ou abordou mais intensamente três pesquisadores ligados ao CERU: o
próprio Van Aarde, que recomendou a consulta à brochura supra citada; outro
profissional então vinculado ao SANParks, órgão gestor de parques nacionais, na África
do Sul; e um terceiro que era um doutorando da Universidade de Pretória e, ao mesmo
tempo, professor da Universidade Eduardo Mondlane, contatado em Maputo,
Moçambique - e não na África do Sul como os demais.
Do ponto de vista das arenas decisórias nas quais se insere o elefante africano,
importante lembrar que a espécie possui diferentes estatutos de conservação conforme
os países considerados. Por exemplo: encontra-se no apêndice II da CITES, no que diz
respeito à África do Sul14, e no apêndice I em Moçambique. O apêndice I inclui
espécies ameaçadas de extinção que podem ser afetadas pela comercialização, e esta
deve ser regulamentada de modo restrito e autorizada somente em circunstâncias
especiais; o apêndice II inclui: (1) espécies que não estão necessariamente ameaçadas de
extinção no momento, mas cuja extinção é um risco se não houver controle para evitar
usos incompatíveis com a sua sobrevivência e (2) espécies que devem estar sujeitas à
regulação para garantir o controle efetivo do seu comércio (artigo II da CITES,
parágrafos 1 e 2)15.
Grosso modo, na África do Sul, a maioria dos elefantes encontra-se em espaços
confinados, alguns dos quais contam com formas mais intensivas de manejo, que podem
incluir alguma maneira de controle populacional, o monitoramento e a construção de
poços de água para os animais. Pode-se retomar também uma expressão de Latour
(2000) e dizer que, na África do Sul, encontra-se uma “comunidade de
experimentadores” (cientistas), envolvidos com a conservação, a preservação e o
manejo dos elefantes, relativamente extensa e estável, muitos dos quais com origem na
própria África do Sul ou em outros países do continente africano, para além de
pesquisadores originários de outras partes do mundo, ali atuantes, alguns dos quais
13 Até o momento, o contato face a face não foi retomado por cota da falta de recursos para pesquisa de campo internacional. 14 O monitoramento da população dos elefantes africanos existe desde 1976. Em 1989, a espécie foi colocada no anexo I da CITES, a mudança para o anexo II foi feita em 2000 (SANParks, 2008). Outra fonte: http://www.sanparks.org/parks/kruger/elephants/about/distribution.php, acesso em 08/11/07. 15 Fonte: http://www.cites.org/eng/disc/text.shtml; http://www.cites.org/eng/disc/text.shtml#texttop (data do último acesso: 05/09/2008).
13
estabelecem parcerias com os primeiros ao longo de suas carreiras e atividades.
Inclusive, a maioria dos pesquisadores de origem africâner abordados queixava-se da
presença de pesquisadores europeus e norte-americanos no país, por curtos períodos de
tempo - e, no início de nossos contatos, não desejavam ser entrevistados pela
pesquisadora que coordena esse projeto, em uma clara identificação dela com
experiências prévias com esses outros pesquisadores.
O elefante africano demanda atenção especial em nós górdios estabelecidos, na
África do Sul, entre políticas públicas, ciência e demandas outras, mais ou menos
associados com direitos sociais, mais ou menos associadas com direitos ambientais e/ou
animais. Algumas das categorias utilizadas para denominar o animal são: animais
sencientes, inteligentes e/ou autoconscientes, com estrutura social organizada; espécies
chave, bandeira ou guarda-chuva; engenheiros ecológicos; embaixadores da
conservação; “motoristas do ecossistema” (ecossystem drivers); dentre outras16.
Em 2008, foi publicado o documento Norms and Standards for the Management
of Elephants in South Africa, pelo Departament of Environmental Affairs and Tourism
(DEAT), válido para parques privados, provinciais e nacionais (SANParks, 2008). Ele
resultou de debates realizados pelo South African Parks (SANParks) e pelo DEAT entre
1995 e 2008 (SANParks, 2008) (CREADO, 2010).
Os debates começaram em 1996, durante a elaboração de uma política de
manejo para os elefantes do Kruger National Park (KNP), onde, entre 1967 a 1994,
realizou-se o controle populacional de elefantes através de sacrifício anual seletivo e
transferência de exemplares (WHYTE et al., 1998)17.
Os encontros envolveram cientistas do próprio SANParks, cientistas externos e
outros interessados18. A abordagem de manejo fez algumas opções, como: (1) enfocar o
ecossistema e não uma única espécie – “mesmo uma espécie chave como os elefantes”
(p. 14); (2) considerar as populações da wildlife como algo dinâmico; (3) intervir nas
populações dos elefantes, reconhecendo que a espécie causou severos impactos em
algumas áreas do parque (p. 14). Outro ponto foi o manejo adaptativo estratégico (p.
14). Apesar de finalizado em 1999, o plano não foi colocado em prática, “devido a
sensibilidades acerca da prática de abate seletivo (culling)” (p. 18).
16 Vide, por exemplo, a crítica de van Aarde a algumas dessas denominações em Facts & Fables, s.d. p. 16. 17 Fonte: http://www.sanparks.org/parks/kruger/elephants/about/distribution.php, acesso em 08/11/07. 18Salvo citação em contrário a fonte utilizada para esse histórico é SANParks, 2008.
14
Por essa razão, entre 2004 e 2005, os debates sobre o tema foram ampliados,
com um maior número de stakeholders. E, em 2004, intensificou-se a participação dos
cientistas, com a elaboração de uma avaliação (The Luiperdskloof Scientific Assessment)
“[d]o conhecimento atual” sobre a espécie e “[d]as conseqüências de iniciativas do
manejo dos elefantes” (p.19). No encontro dos cientistas, em março de 2005,
reconheceu-se a necessidade de se considerar o manejo de elefantes dentro das
preocupações com a biodiversidade.
Em 2005, o relatório do SANParks ao Minister of Environmental Affairs and
Tourism recomendou: (1) o manejo das populações de elefantes, com o objetivo de
evitar a perda de biodiversidade; (2) o controle populacional, quando necessário; (3) a
prática de abate seletivo como opção de manejo, ao lado de outras, como translocação,
contracepção e corredores de migração; (4) o reaproveitamento, pelas comunidades
locais, de produtos animais derivados de abates (p. 22).
Em finais de 2005, uma nova rodada de discussões foi iniciada pelo Minister of
Environmental Affairs and Tourism, com agentes nacionais e internacionais.
Novamente, destacou-se a falta de uma posição consensual entre cientistas a respeito da
necessidade de intervenção. Formou-se um grupo de experts, chamado de Science
Round Table, ao longo de 2006, com alguns dos agentes que participaram do encontro
de Luiperdskloof, para traçar pontos de consenso cientificamente embasados19. Em
linhas gerais, prevaleceu a abordagem ecossistêmica, e outros pontos acordados foram:
(1) o reconhecimento da importância dos elefantes na biodiversidade sul africana, em si
mesmos, e como agentes de mudanças ecossistêmicas; (2) sendo assim os seus impactos
precisariam ser geridos, (3) sobretudo os das populações que vivem confinadas; (4) as
decisões de manejo deveriam considerar valores sociais, ambientais, econômicos e
políticos; (5) bem como obedecer a situações específicas e os objetivos de usos da terra
estabelecidos na área ocupada pelos elefantes; (6) o manejo exigiria o desenvolvimento
de mais pesquisa e estratégia adaptativa ajudaria nesse sentido (p. 25).
Finalmente, as normas e os padrões de manejo, publicadas em 2008,
estabeleceram que, quando necessário, as populações de elefantes selvagens deveriam
ter o seu tamanho, composição e taxa de crescimento controlados via: (1) contracepção;
(2) manipulação espacial, como alterações na disponibilidade de água ou comida, uso
19 The Assessment of Elephant Management in South Africa está disponível em www.elephantassessment.co.za (SCHOLES & MENNELL, 2008).
15
controlado do fogo, uso de cercas, criação de corredores para movimentação dos
animais, expansão espacial; (3) translocação; (4) abate seletivo. Sobre o manejo em
áreas determinadas, estipulou-se: (1) manejo espacial, via alterações na disponibilidade
de água e alimentos, uso controlado do fogo e de cercas; (2) criação de corredores entre
diferentes áreas ou expansão de áreas; (3) translocação (SANParks, 2008, p. 27).
Outras considerações apareceram no documento final, como a necessidade de se
ter em conta a estrutura social das populações, a necessidade de medidas para evitar o
stress e a perturbação, o uso de medidas letais somente quando necessárias e efetuadas
com cuidado, e a promoção do uso sustentável dos produtos derivados do abate
(SANParks, 2008, p. 28).
Ressalta-se ainda que a mudança na categoria dos elefantes sul africanos na
CITES, do apêndice I para o II, significou a possibilidade de venda do marfim, cujos
recursos podem ser reinvestidos na proteção da biodiversidade, como na aquisição de
terras para as áreas protegidas (RAMUTSINDELA, 2004, p. 136).
O funcionário do SANParks, pesquisador antes ligado ao CERU20, explicou a
atenção especial dada aos elefantes em função de sua importância pública e
internacional, bem como pelo papel que possuem do ponto de vista ecossistêmico, como
espécies-chave (key drivers of ecosystems)21.
Para além dos elefantes em si mesmos, a nova política de manejo para a espécie,
instaurada pelo SANParks, trouxe consigo a preocupação por uma abordagem de
manejo mais centrada no enfoque ecossistêmico, uma tendência mundial (GEISLER,
2003). Porém, historicamente, o país possui uma abordagem para os parques nacionais
mais voltada às espécies de animais (wildlife) do que à flora e aos habitats, com a
legislação derivada de leis de caça (RAMUTSINDELA, 2004, p. 40-41), um legado
histórico presente em toda a África meridional (RAMUTSINDELA, 2004) e que não
deixa de ter forte influência no presente: uma espécie de animal silvestre, os elefantes, é
pensada em seus efeitos ecossistêmicos, mas ainda sim ocupa o centro das atenções da
política pública aqui tratada.
Além disso, a África do Sul possui também com posições voltadas à defesa do
bem estar e aos direitos dos animais, assim como breeding institutions ou breeding
projects, que realizam a criação de animais silvestres em cativeiro, algumas das quais os 20 Entrevista realizada em Skukuza Camp, no Kruger National Park, em 9 de fevereiro de 2010. 21 Embora ele mesmo tenha reconhecido que outras espécies-chave não receberam a mesma atenção pública e governamental que os elefantes.
16
vendem para projetos de reintrodução na natureza, podendo ainda utilizar os animais
para a exploração do turismo, ao permitir interações mais próximas com eles, como
vivências onde se pode tocar o animal, e/ou vender indivíduos para zoológicos e/ou
fazendas com atividades voltadas à exploração da vida selvagem. Porém, muitos dos
que atuam com a conservação in situ não consideram essas instituições relevantes para a
conservação e a manutenção da biodiversidade22.
A posição de pesquisadores ligados ao CERU e ao SANParks, apresentada tanto
em entrevistas quanto em publicações consultadas, e, atualmente, concentrada no
projeto Megaparks for Metapopulations23, é a de que não há um problema de excesso
no número de elefantes na África do Sul (van AARDE, s.d.; van AARDE e
FERREIRA, 2009) e muito menos na África Austral. Antes, o alegado aumento na
população de elefantes dever-se-ia a estratégias erradas de manejo da espécie e da
paisagem, mais focadas em ações pontuais e restritas, perdendo de vista a existência de
uma metapopulação de elefantes e os seus movimentos migratórios, estando esta
metapopulação distribuída por outros países da África meridional: Malauí, Zâmbia,
Zimbábue, Moçambique, Suazilândia, África do Sul, Botsuana, Namíbia e Angola.
Nessa perspectiva, o problema “seria uma questão de espaço limitado e não de
números” e avaliar se a população sul africana de elefantes é excessiva ou não exigiria
considerar a metapopulação como um todo (van AARDE, s.d., p. 32; van AARDE e
FERREIRA, 2009).
Os profissionais ligados ao CERU, abordados pela pesquisa, evitam usar o termo
conflitos para categorizar as relações seres humanos-elefantes, preferindo o termo
interações, pois acreditam que há um viés político no sentido de culpar excessivamente
os elefantes por impactos ecossistêmicos negativos e possíveis danos a populações
humanas, em termos de vidas e/ou danos socioeconômicos. E, da mesma forma que o
Projeto TAMAR, no Brasil, há uma expectativa de que se possa contornar,
parcialmente, os possíveis problemas de coexistência entre animais silvestres e seres
humanos através de medidas como: um manejo da paisagem feito em escala
internacional, tentando prever o comportamento e as preferências dos elefantes por
22 Conforme se ouviu em pelo menos duas ocasiões, na África do Sul: em entrevista realizada em 09/02/2010, em Skukuza Camp, Kruger National Park, com pesquisador do SANParks; e em entrevista realizada com funcionário do Mpumalanga Tourism & Parks Agency, órgão que cuida de áreas protegidas da província de Mpumalanga, efetuada em 12 de fevereiro de 2010, em Nelspruit. 23 http://www.ceru.up.ac.za/elephant/index.php , data do último acesso: 14/09/2010.
17
áreas de vida, sendo que parte considerável de sua produção científica aborda isso, e,
ainda, a possibilidade de que comunidades locais possam ser (re)compensadas pela
exploração econômica da espécie (Van AARDE & JACKSON, 2006; JACKSON et al.,
2008; BEER & van AARDE, 2008; HARRIS et al., 2008).
A crítica aos abates realizados visando a contenção de expansão populacional
dos elefantes também se reflete, ao longo do tempo, nas próprias técnicas utilizadas nas
pesquisas de cientistas ligados ao CERU. Os artigos mais recentes criticam muito
fortemente o uso de “amostras de animais mortos”, e defendem práticas consideradas
menos invasivas e que contam com um grande aporte tecnológico, como o uso de
colares com GPS (FERREIRA & van AARDE, 2008; JACKSON et al., 2008; BEER &
van AARDE, 2008; HARRIS et al., 2008).
A crítica aos abates, pelo menos do ponto de vista do uso de amostras derivadas
de animais mortos como técnica de pesquisa consolidou-se ao longo do tempo no grupo
de pesquisa, pois artigos mais antigos, compilados no CD que acompanha a brochura
Elephants: Facts & Fables (GREYLING et al., 1998; HODGES et al., 1994 e 1997;
ALLEN et al., 2003), publicados entre o final da década de 1990 e inícios dos anos
2000, realizaram autópsias em elefantes abatidos, como parte de atividades de manejo
no Kruger National Park.
Observa-se que esses artigos mais antigos precisam ser melhor analisados pelos
autores, pois, por conta de seu alto grau de dificuldade para alguém com formação em
ciências sociais, foram deixados para um momento posterior. Para, além disso, seu
conteúdo, e principalmente a técnica utilizada nesses estudos, ganhou significância à
medida que os pesquisadores ligados ao CERU passaram a defender mais intensamente
técnicas de pesquisa e abordagens mais ligadas à ecologia de paisagens e a se contrapor
mais aos abates enquanto estratégia de manejo e de pesquisa. Tal posição liga-se
também a mudanças na composição das redes de financiamento dos projetos, pois ao
longo do tempo aumentou o apoio financeiro de organizações como o International
Fund for Animal Welfare (IFAW), conforme mencionado nos artigos. Por exemplo, é o
que se verifica na edição de Elephants: Facts & Fables, de van Aarde, conforme página
que antecede o prefácio da mesma (também redigido por membro do IFAW, no caso
seu Science Advisor, Dr. David Lavigne) e que apresenta a IFAW ao leitor:
“... IFAW has partnered with the Conservation Ecology Research Unit (CERU) of the University of Pretoria (UP) on a research programe aimed at understanding the dynamics of elephant populations in southern Africa. IFAW’s interest in the conservation management of elephants in the region spans
18
more than 15 years. Through dedicated support for research and practical on-the-ground solutions, IFAW aims to promote ethically and scientifically sound policy solutions to conservation management predicaments involving elephants...” (IFAW in van Aarde, 2009., s.p.)
Considerações finais
Do ponto de vista da arena ambiental da qual participam, percebe-se que a
questão da proteção das tartarugas marinhas, no Espírito Santo, Brasil, é parte de uma
arena mais ampla voltada à conservação da biodiversidade, na qual predomina o
paradigma ecossistêmico. Nesse contexto, a questão da conservação “animal” coloca-se
como subalterna no cenário brasileiro à conservação in situ via áreas protegidas; em
maior grau de subordinação ainda, encontra-se a preocupação com o bem estar e os
direitos desses animais. Aqui, o paradigma ecossistêmico liga-se também fortemente a
uma preocupação social, via a busca de alternativas socioeconômicas junto àqueles aos
quais os mediadores da tecnociência tentam agir, no sentido de defender a idéia da
diminuição dos abates dessa espécie da fauna silvestre, como comunidades de
pescadores, por exemplo.
Diferentemente, a conservação e o manejo de elefantes na África do Sul
possuem uma arena decisória própria e bem complexa, que, embora inter-relacionada
com a questão da conservação da biodiversidade, não está totalmente englobada nela.
Nesse sentido, instaurou-se, em 2008, uma nova política nacional de manejo para a
espécie, em função da “necessidade” do controle da superpopulação desses animais,
que, em sua maioria, vive em áreas confinadas, dentro de parques, reservas de caça e
outras áreas naturais protegidas (SANParks, 2008). Sendo que a própria idéia de uma
população excessiva em números é questionada pelos pesquisadores do CERU, embora
incorporada na política nacional de manejo sul africana voltada os elefantes.
O debate em torno do bem estar e do direito de animais é parte relevante da
arena sul africana, senão primordial, o que se deve também à existência de práticas de
manejo intensivo, de cotas de caça (não estabelecida apenas em função do controle
populacional, mas também por conta da exploração da caça desportiva) e de abate de
animais de comportamento tido como “problemático”. Igualmente, os elefantes
possuem um maior número de atributos associados à condição humana, quando
comparados com as tartarugas marinhas. Há outros fatores históricos específicos
também, que envolvem a identificação das áreas protegidas com a ideologia nacionalista
19
africâner, que embasou o sistema do apartheid, e outras particularidades do modelo de
conservação sul africano, onde o número de áreas protegidas privadas é bem maior do
que no Brasil e a transformação de propriedades em espaços destinados à conservação é
vista como meio de garantia da manutenção de terras nas mãos da elite de origem não-
africana (CARRUTHERS, 1989; RAMUTSINDELA, 2004)24.
Isso deve possuir certa correlação com o fato de que as arenas decisórias ali
possuem uma menor preocupação socioambiental em comparação com as brasileiras
ligadas à conservação. Um indício disso foi o estranhamento causado por esta pesquisa,
via uma abordagem das Ciências Sociais – algo que ainda existe no Brasil, mas não na
mesma medida, sendo que em Moçambique o estranhamento não foi tão intenso quanto
na África do Sul.
De modo geral, a arena sul africana voltada para os elefantes é bem complexa e
conta com amplos debates entre diversos agentes, sendo altamente tecnocientífica e
possuindo um amplo histórico de existência que remonta à década de 1940 (SANParks,
2008) – com maior enfoque no manejo intensivo dos elefantes.
A arena sul africana também é muito voltada para a questão da conservação via
iniciativas transfronteiriças, o que aparece também na abordagem, nas análises e nas
posições de pesquisadores ligados ao CERU, através do uso da metáfora de
metapopulação. Embora seja preciso ressaltar que dois dos entrevistados (van Aarde e
Sam Ferreira) viam nas iniciativas atuais de parques e áreas de conservação
transfronteiriças como algo muito mais simplificado do que o seu modelo e do que suas
propostas.
No Brasil, por outro lado, os pesquisadores e técnicos, ligados ou não ao
TAMAR, também possuem esse viés de análise em larga escala, até por conta das
grandes (e misteriosas) migrações das tartarugas marinhas. Entretanto, os problemas
para conhecê-las são maiores, por conta da maior dificuldade de acompanhamento das
trajetórias das mesmas, o que fica muito mais facilitado nos elefantes, por se tratarem de
animais terrestres. O manejo intensivo de tartarugas marinhas, seja para pesquisa, seja
para conservação da espécie, é também mais incipiente quando comparado com o caso
24 Calcula-se que 80% da terras são controladas pelos “brancos”, sendo que 13% das terras do país apresentam alguma forma de exploração privada de animais silvestres (RAMUTSINDELA, 2004, p. 65; ver também CREADO, 2010).
20
dos elefantes africanos. O mesmo se verifica para a conservação ex situ de espécies
silvestres, com menor tradição no Brasil25.
Em ambos os casos, as abordagens tendem a trabalhar com escalas de análise e
pressupostos ecossistêmicos e a individualizar os animais por conta do maior acesso a
tecnologias que permitem isso, como os sistemas e aparelhos de sensoriamento remoto.
Afora isso a abordagem em escala de paisagens também coloca a preocupação em
prever/conhecer as preferências dos animais, o que acaba por reconhecer certo grau de
intencionalidade aos animais, sobretudo, no caso dos elefantes, considerados sociais e
inteligentes; lembrando que as facilidades técnicas (e quiçá de recursos) ainda não são
tão grandes no caso das tartarugas marinhas e dos seus mediadores. Uma reflexão que
tentaremos aprofundar é se teriam essas tecnologias e abordagens influenciado, em
alguma medida, os pesquisadores do CERU a defender a utilização de pesquisas
centradas em elefantes vivos e não com amostras de animais mortos? Visaremos
também aprofundar uma análise, via a consulta aos artigos, sobre as redes de
financiamento dessas pesquisas do CERU.
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