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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO E DOUTOURADO
ELISÃO TRUIBUTÁRIA: LIMITES EM FACE DA TEORIA DO ABUSO DE
DIREITO
TEREZA CRISTINA TARRAGÔ SOUZA RODRIGUES
Dissertação final apresentada à Faculdade de Direito
do Recife, sob orientação do Prof. Dr. RAIMUNDO
JULIANO FEITOSA, como exigência parcial para
obtenção do grau de Mestre em Direito.
RECIFE 2003
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AVALIAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA
ELISÃO TRIBUTÁRIA: LIMITES EM FACE DA TEORIA DO ABUSO DE
DIREITO
Tereza Cristina Tarrago Rodrigues
A Banca Examinadora composta pelos professores
abaixo, sob a presidência do primeiro, considera adequada a
obtenção do título de mestre em Direito.
Professor Dr. Gustavo Ferreira Santos.............................................
Julgamento:.....................................................................................
Professora Dra. Mary Elbe Gomes Queiros.....................................
Julgamento:......................................................................................
Professor Zélio Furtadon da Silva....................................................
Julgamento:......................................................................................
Orientador: Professor Dr. Raimundo Juliano do Rego Feitosa
3
À Faculdade de Direito do Recife,
Casa de Tobias Barreto.
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“É urgente “civilizar as teorias” , ou seja torná-las abertas, complexas, autocríticas, aptas a auto-reformar-se e a dialogar umas com as outras sem dogmatismos ou doutrinarismos”. EDGAR MORIN (A Inteligência da Complexidade, São Paulo: Peiropolis, 2000, p. 175)
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RESUMO
A elisão tributária é examinada no plano do seu exercício, para o fim de contextualizá-la em relação aos princípios informadores da tributação e em relação à figura do abuso de direito que se esboça afinada com sua época e fundamentada em um solidarismo que aparentemente rompe com a rigidez do individualismo.Observa-se que a interpretação dos princípios informadores da tributação sujeita-se a postulados que não podem conduzir ao absurdo de uma interpretação isolada e de forma absoluta, desconsiderando as intersecções que possui com os demais dispositivos constitucionais. Assim, percebe-se que o direito de o contribuinte se auto-organizar da maneira fiscalmente menos onerosa não é absoluto e que deve ser examinado, no plano do seu exercício, para o fim de detectar a eventual existência de um abuso de direito. Na esteira do pensamento pós-positivista, dominante nos dias atuais, e a partir de contribuições do direito comparado, o presente trabalho, superando dogmas formalistas, como o da tipicidade fechada, elege os valores da justiça e da segurança jurídica, e dos princípios da legalidade e da capacidade contributiva como paradigmas axiológicos, caros à interpretação da lei tributária. Constitui verdadeiro corolário desse sistema valorativo, a exigência de combate à evasão e à elisão de tributos no Brasil, por meio da atividade hermenêutica e da introdução de regras antielisivas, fundamentadas na aplicação, no Direito Tributário, da teoria do abuso de direito. Outrossim, analisa-se a cláusula geral antielisiva, introduzida pela Lei Complementar nº 104/2001, nos quadrantes da dogmática constitucional tributária. O estudo identifica, enfim, a abertura da interpretação a valores e princípios, e o combate à elisão abusiva, como necessidades indeclináveis para a realização da Justiça Fiscal.
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ABSTRACT It’s known that the Law deals with legal obligations that are subject to in our social coexistence as citizens. However, contemporary moral philosophi also alleges that we are subject to moral obligations. But, contrary to Law, which obligates us under the penalty of external santion, it’s usually Said that in ethics we are subject to internal sanctions, because morals only como into play in private and intimate matters. To understand the similarities and differences between morality and the Law is fundamental to all those interested in issues involving Bioethcs and BioLaw. In this article, the author intends to analyze the concepts of duty and moral obligation, as wel as that of legal obligation. It’s a criticism of both the thesis of the autonomy of Law in respect to morals, as well as to the thesis that moral obligations are derived exclusively through self-legislation. But, contrary to Law, which obligates us under the penalty of external sanction, it’s usually said that in ethics we are subject to internal sanctions, because morals only como into play in private and inimate matters.
Rodrigues, Tereza Cristina Tarragô. Elisão Tributária: Limites em face da Teoria do Abuso de
Direito/Tereza Cristina Tarrago Rodrigues. – Agosto de 2003. 158 p.
1. Direito Tributário – Brasil 2. Elisão Fiscal 3. Limites 4. Teoria do Abuso de Direito Orientador: Prof. Dr. Raimundo Juliano do Rêgo Feitosa.
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO, 8
1. Os valores da justiça e da segurança jurídica como máximas norteadoras da
interpretação e aplicação da legislação tributária: os princípios da legalidade e da
capacidade contributiva, 12
1.1.Considerações iniciais: a interpretação jurídica e os princípios da legalidade e
capacidade contributiva, 12
1.2. Segurança jurídica, legalidade tributária e teoria dos tipos, 20
1.2.1. Legalidade tributária e os conceitos indeterminados, 33
1.2.2 . A legalidade tributária e as cláusulas gerais, 39
1.2.3. A tipicidade fechada como causa da crise axiológica no direito
tributário brasileiro, 42
1.3. O princípio da capacidade contributiva: breve histórico, 44
1.3.1 Fundamento, conteúdo e extensão do princípio da capacidade
contributiva, 54
1.3.2 Conflitos da capacidade contributiva com outros interesses almejados
pela tributação, 68
1.3.3 A capacidade contributiva como princípio interpretativo/integrativo do
direito tributário, 74
2. Elisão tributária: a inserção de normas antielisivas no direito brasileiro, 77
2.1Considerações iniciais: recorte conceitual distintivo da elisão em relação a
outras figuras de evitação fiscal, 77
2.2 O combate à elisão e as normas antielisivas, 80
2.3 As normas antielisivas no direito comparado, 81
2.4. As normas antielisivas no Brasil, 85
2.4.1 A norma geral antielisiva do parágrafo único do art. 116 do CTN, 86
2.4.2. As normas antielisivas específicas, 91
2.5. O abuso de direito no direito tributário, 95
2.5.1 Distinção entre abuso de direito e simulação, 96
2.5.2 Abuso de direito e licitude, 98
7
7
3. A autonomia privada e o abuso de direito, 94
3.1. Considerações iniciais: as transformações no direito privado, 94
3.2. Autonomia privada: seu recorte conceitual, 99
3.3. O Estado social de direito e os limites traçados à autonomia privada, 102
3.4. A teoria do abuso de direito como limite à autonomia privada, 105
3.5. A teoria do abuso de direito no ordenamento jurídico brasileiro, 108
4. Elisão tributária: novos quadrantes impostos pela teoria do abuso de direito, 113
4.1. Considerações iniciais: o dever de contribuir e as práticas elisivas no direito
tributário, 113
4.2. A elisão abusiva, 114
4.2.1. Requisitos da elisão abusiva, 118
4.2.2. Modalidades de elisão abusiva, 120
CONCLUSÕES, 129
BIBLIOGRAFIA, 139
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INTRODUÇÃO
A elisão tributária é tema que, sem dúvida nenhuma, acende as paixões dos que
atuam no campo do direito Tributário; seja porque uns (contribuintes), se sentem
ameaçados por qualquer visão ou teoria que admita a menor possibilidade que seja de o
Fisco desconsiderar as operações que realizam; seja porque, outros (do lado do fisco),
ficam indignados com operações meramente formais, que em nada alteram a substância
empresarial, funcional, de mercado ou econômica da atividade dos contribuintes, mas
que redundam numa relevante redução na arrecadação. Como pano de fundo, a
crescente intensificação das atividades econômicas, financeiras e comerciais, nacionais
e internacionais ocorridas nas últimas décadas e que têm servido como fértil terreno
para o surgimento de planos e artifícios voltados para a obtenção lícita ou ilícita de
vantagens econômicas tributárias.
No desiderato de reduzir o impacto de tais práticas, os vários Estados vêm
desenvolvendo suas legislações internas, no sentido de estabelecer uma linha divisória
entre as operações abusivas, cuja finalidade seja exclusivamente desviar-se da
imposição tributária, e aquelas que representam uma lícita atividade negocial, urdida
dentro dos limites da autonomia privada e, portanto da liberdade de que todo
contribuinte dispõe de organizar seus negócios de forma mais econômica.
O que se pretende com este trabalho dissertativo é a verificação da possibilidade
de aplicação da teoria do abuso de direito como instrumento para aferição da eficácia da
conduta elisiva, cumprindo ressaltar, no entanto, que o discurso dissertativo cuida
apenas do ato abusivo do contribuinte e não do abuso de poder da administração
tributária consistente no desvio de uma finalidade imposta pela lei.1
Nessa perspectiva, afigura-se inevitável o confronto dos valores da segurança
jurídica e da justiça que norteiam a interpretação e aplicação da lei tributária, com a
1 Segundo Luigi FERRI, no âmbito do direito público que manda perseguir o interesse público e que todo ato é dirigido a uma finalidade moral e de justiça, não se conhece a figura do abuso de direito, mas sim a do desvio e excesso de poder a qual constitui um desvio da finalidade imposta pela lei. (La Autonomia Privada. Editorial Comares, S.L. Granada: 2001, p. 338)
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autonomia privada - hoje “funcionalizada”, impregnada de um sentido social e limitada
pela teoria do abuso do direito-, na coleta de subsídios metódicos para uma ótima
interpretação e aplicação jurídica das normas antielisivas, tendo em vista a coexistência
equilibrada dos princípios constitucionais e a busca permanente da harmonia.2
À vista do índice de matérias, o estudo se inicia pelo exame, ainda que
brevíssimo, sobre a interpretação da lei tributária e influência das idéias vinculadas à
jurisprudência dos valores, à teoria da unidade da ordem jurídica e à virada Kantiana,
que trouxeram de volta ao panorama jurídico o valor da justiça, tão olvidada, seja pelo
positivismo normativista, seja pelos de índole sociológica, histórica ou econômica.
Procede-se a uma breve análise da problemática da interpretação nos dias atuais,
no Estado de Risco, surgido da falência do Welfare State, em que o fenômeno da
globalização é explicado não só a partir do fatalismo inocente daqueles que preconizam
o fim da história, mas principalmente pelo resgate dos valores éticos do Direito,
vinculados à Justiça. Tais idéias, desenvolvidas pela jurisprudência dos valores,
ganham força com a virada kantiana, fomentada por Rawls.
Com a abertura do Direito Tributário à idéia de justiça, o equilíbrio entre os
princípios da legalidade e da capacidade contributiva foi resgatado, estabelecendo,
assim, uma interpretação deste ramo do direito que, longe de apresentar peculiaridades
em relação aos outros ramos (como ocorre com as teorias da tipicidade fechada ou da
interpretação econômica do fato gerador), prestigia a igualdade, com a adoção de
fórmulas para coibir as práticas abusivas tendentes a burlar a obrigação de pagar
tributos e de mecanismos que vão além das normas com intenção meramente
arrecadatórias.
Prosseguindo, no mesmo capítulo 1, o princípio da legalidade e o valor da
segurança jurídica são revelados em sua atual dimensão, delineada no Estado
Democrático e Social de Direito, e liberta de uma feição normativista e individualista,
característica do Estado Liberal. Em conseqüência, são superadas as premissas de uma
legalidade à brasileira, baseadas em idéias como as da tipicidade fechada, da estrita
2 Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação C. Gulbenkian, 1997, p. 677
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legalidade e da reserva absoluta de lei, abrindo a possibilidade da ponderação destas
com o valor da justiça e com o princípio da capacidade contributiva.
Ainda, nesse capítulo, o estudo mostra em que medida o princípio da capacidade
contributiva serve como subsídio para a resolução da problemática da hermenêutica no
Direito Tributário, como viés econômico de uma interpretação teleológica, livre das
influências causalistas dos juristas ligados à teoria da interpretação econômica do fato
gerador, sem contudo cair no vazio daqueles que enxergam o princípio como mera
norma programática. Assim, a capacidade contributiva é revelada como princípio
interpretativo, que, no entanto, não deriva de uma metodologia peculiar ao Direito
Tributário, mas aparece como elemento finalístico da norma tributária, a partir da
utilização do aspecto teleológico da hermenêutica, extraído das possibilidades
oferecidas pela interpretação no âmbito da teoria geral do Direito.
No capítulo 2, busca-se um recorte conceitual distintivo da elisão em relação a
outras figuras que lidam com a utilização das normas para conseguir uma tributação
minorada, ao tempo em que se analisa o contexto de integração nacional às novas
necessidades em razão do ingente processo de globalização experimentado pelas
economias contemporâneas, e, bem assim, de que forma este processo perspectiva a
formulação de alterações na legislação tributária nacional na busca de fechamento do
sistema, através das normas antielisivas. A questão é, ainda, analisada em face do
direito comparado, bem como as medidas que o legislador brasileiro tem levado a efeito
nos últimos anos para o combate da elisão abusiva, com especial atenção à cláusula
geral antielisiva, introduzida pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001.
Através do capítulo 3, trilha-se o percurso das transformações ocorridas no
direito privado que desemboca na constatação de que não há direitos “absolutos” e
ilimitados, como pretensamente o individualismo colocou, ao pensar o homem como ser
isolado, não inserido na sociedade. Nessa ordem de idéias, visualiza-se a configuração
do abuso de direito em meio a tais transformações, impondo limites à autonomia
privada, e, bem assim o seu tratamento no ordenamento jurídico brasileiro, na
perspectiva da Constituição Federal/88 que traça novas diretrizes para o pensamento
jurídico, trazendo, como conseqüência prática, a constatação de que a atividade
interpretativa deverá, para além do juízo de ilicitude, verificar se a atividade econômica
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privada atende concretamente aos valores constitucionais, só merecendo tutela jurídica
quando a resposta for positiva.
Com a contextualização do direito tributário e a subordinação do pensamento
aos ditames da Justiça, o trabalho evidencia, no capítulo 4, como o abuso de do direito,
tem se revelado, afinado com os tempos de correm, no sentido impor justos limites à
autonomia privada e conseqüentemente às práticas elisivas. Trata-se de um “limite
axiológico”, que se traduz no processo de funcionalização dos institutos privados,
alcançando não apenas o contrato, mas a própria autonomia privada. Nesse quadro, é
enfocada a aplicação da teoria do abuso de direito na seara tributária, no combate à
elisão fiscal desarrazoada
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1. Os valores da justiça e da segurança jurídica como máximas
norteadoras da interpretação e aplicação do direito tributário: os princípios da
legalidade e da capacidade contributiva
Sumário: 1.1. Considerações iniciais: interpretação jurídica e os
princípios da legalidade e capacidade contributiva 1.2. Segurança
jurídica, legalidade tributária e teoria dos tipos 1.2.1. A legalidade
tributária e os conceitos indeterminados 1.2.2. A legalidade tributária e
as cláusulas gerais 1.2.3. A tipicidade fechada como causa da crise
axiológica do direito tributário 1.3 O princípio da capacidade
contributiva e a interpretação 1.3.1. Breve histórico da capacidade
contributiva 1.3.2. Fundamento, conteúdo e extensão do princípio da
capacidade contributiva 1.3.3.Conflitos da capacidade contributiva com
outros interesses almejados pela tributação 1.3.4. A capacidade
contributiva como princípio interpretativo/integrativo do direito
tributário
1.1. Considerações iniciais: a interpretação jurídica e os princípios
da legalidade e capacidade contributiva
A interpretação da lei tributária seguiu historicamente uma movimento
em que se alternava uma posição apriorística, ora em relação à proteção do direito do
Fisco, ora em relação ao do contribuinte. Em alguns momentos, adotava-se a concepção
do in dubio contra fiscum; em outros, o posicionamento diametralmente oposto. Uma
outra tendência histórica, foi a fixação de normas que vedavam a interpretação,
fortalecendo o poder do monarca em determinar o Direito.3 Provendo o poder real de
Deus, a vontade do soberano, como reflexo da vontade divina, não poderia ser objeto de
interpretação pelos súditos.
3 Sobre a evolução das normas que vedavam a interpretação, vide TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 3 e segs.
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O pensamento jurídico moderno nos dois últimos séculos é marcado
pelas opções por métodos de interpretação que, se não se aliam claramente às posições
favoráveis ou contrárias ao Fisco, tendem a assumir, de força disfarçada ou não, tais
posturas. A par disso, durante o predomínio da jurisprudência dos conceitos, optou-se
claramente pelo método sistemático, tendo como pano de fundo uma sociedade
individualista que caracterizou o Século XIX.
Como reação ao formalismo da jurisprudência dos conceitos e em
consonância com o desenvolvimento das idéias socialistas inspiradoras do Estado
Social, a jurisprudência dos interesses aderiu ao método teleológico, que no direito
tributário acabou por desaguar na teoria da interpretação econômica do fato gerador e
em todos os excessos que a sua apropriação pelo nacional-socialismo revelou ao mundo
jurídico.
A derrocada do Estado do Bem Estar Social (Welfare State), com o
surgimento do Estado de Risco, marcou historicamente a ascensão da jurisprudência dos
valores, alimentada, pouco depois, pela virada kantiana, com o resgate do valor da
justiça que andava esquecido nas discussões jurídicas desde o Iluminismo.
A partir da força do pensamento neokantiano alemão do início do século
XX, filósofos como Rudolf Stammler, Wilhelm Windelband, Heinrich Rickert, e Gustav
Radbruch, criaram a jurisprudência dos valores4 que, na segunda metade do século, é
desenvolvida no campo do Direito por Karl Larenz.
Após o ocaso da jurisprudência dos interesses e da teoria da interpretação
econômica do fato gerador, por volta de 1955, e de uma breve retomada formalista, até
1965, os tribunais alemães passam a ser influenciados pelas idéias expostas por Karl
Larenz, em Metodologia da Ciência do Direito, disseminando a jurisprudência dos
valores por todo o pensamento jurídico ocidental.
4 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação, Uma Contribuição ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 114.
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A jurisprudência dos valores rompeu com o positivismo - tanto o de
origem normativista da jurisprudência dos conceitos, quanto o de cunho sociológico da
jurisprudência dos interesses - reaproximando a idéia de Direito e Moral, a partir do
resgate da idéia de justiça, tendência que, mais tarde, na década de 70, foi intensificada,
por um viés neokantiano, na obra de John Rawls.
A partir do afastamento dos positivismos e da superação do corte entre a
moral e o direito, a jurisprudência dos valores, não podendo destes prescindir para a
resolução dos casos concretos, fez ressurgir o relacionamento entre a ética e o direito,
criando o ambiente propício à virada kantiana, e ao resgate das Teorias dos Direitos
Fundamentais e da Justiça.5
A virada kantiana e o resgate do valor da justiça - que andava tão
esquecido após dois séculos de positivismo (formalista e sociológico) - tiveram como
marco a obra de John Rawls: Uma Teoria da Justiça, em 1971.
Seguindo uma visão contratualista na esteira de Hobbes e Rousseau, John
Rawls desenvolveu a sua teoria da justiça a partir de um acordo entre todos os membros
da sociedade em igualdade de condições. Tal acordo seria obtido a partir de uma
posição inicial, hipotética, abstraída de qualquer contexto histórico determinado, em que
as pessoas racionais interessadas na promoção de seus interesses, sem conhecer sua
posição na sociedade, optariam pela adoção da justiça como equidade.6
Seria o véu da ignorância a respeito das características individuais de
cada um, a garantia de que todos os cidadãos, na posição inicial, optariam racionalmente
pelos princípios da justiça. Sem que cada um conhecesse sua posição social, nível
cultural, idade, sexo, profissão e todos os demais dados pessoais, haveria unanimidade
na escolha dos princípios da justiça a serem aplicados nas situações concretas.
5TORRES, Ricardo Lobo. “Ética e Justiça Tributária”. In: SCHOUERI, Luiz Eduardo/ZILVETI, Fernando Aurélio (Coordenadores). Direito Tributário. Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 173-196, p. 998, p. 179. 6 RAWS, Jonh. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 128
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Rawls desenvolveu sua idéia de justiça - que denomina justiça como
eqüidade - a partir de dois princípios: o da liberdade e o da diferença.7
O primeiro princípio garante o valor da liberdade. Assegura a todos os
indivíduos, em condições de igualdade, as liberdades, como a livre manifestação, o
direito de votar e ser votado; enfim, os todos os direitos individuais. Dentre os direitos
a serem preservados pelo princípio da liberdade, se encontra também, por estar
vinculado ao próprio direito à vida, o mínimo social, capaz de garantir a sobrevivência
digna de todos.
No entanto, o princípio da liberdade não se contenta com as liberdades
formais. É preciso garantir a efetividade dos direitos por ele preconizados, o que
somente se torna possível com a aplicação do segundo princípio.
Este segundo princípio, vinculado à idéia de igualdade, estabelece
pressuposto para legitimar as diferenças sociais e econômicas, e se desdobra, por sua
vez, em dois subprincípios.
O primeiro subprincípio é o da igualdade eqüitativa de oportunidades,
que assegura que o acesso às posições sociais de destaque esteja aberto a todos os
indivíduos. E para garantir que os menos favorecidos tenham acesso às posições
privilegiadas é preciso, segundo Rawls, garantir, a toda população, acesso à educação e
à cultura.
O outro subprincípio é o princípio da diferença, segundo o qual, as
distinções entre as pessoas só se justificam se trazem benefícios para toda a sociedade,
especialmente para os menos favorecidos. Para Rawls, as desigualdades econômicas e
sociais entre os indivíduos não só são inevitáveis, como também podem trazer
benefícios para a parcela social menos favorecida. Os regimes do socialismo real nos
mostraram que a igualdade absoluta leva à estagnação e ao desestímulo, se todos são 7 Assim Rawls concebeu os dois princípios: “Primeiro: cada pessoa deve ter direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.
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igualmente aquinhoados independentemente de seus esforços. O maior esforço de um,
que é estimulado pela possibilidade de maiores lucros, pode levar à melhoria de todos
os outros, que embora recebendo menos que o primeiro, conhecerão um benefício em
relação à situação anterior. Somente distinções baseadas em tal princípio são
justificadas no âmbito da justiça como equidade.
Segundo Rawls, as liberdades garantidas pelo primeiro princípio não
podem ser sacrificadas em nome da efetividade do princípio da igualdade eqüitativa de
oportunidades e da diferença, como sustentavam os utilitaristas.
As idéias de Rawls causaram grande impacto no pensamento jurídico e
resgataram o valor da justiça, abrindo caminho para a discussão de uma justiça tributária
baseada em valores e princípios, e não numa visão arrecadatória como a da escola da
interpretação funcional ou econômica.
O cenário histórico para o desenvolvimento das idéias concebidas pela
jurisprudência dos valores foi o de um mundo que saía do ocaso dos regimes socialistas
e da falência do Welfare State, numa era globalizada, caracterizada por um Estado de
Risco, que sendo incapaz de garantir todas as prestações sociais intrínsecas ao Estado
Social, constitui campo para o florescimento do princípio da subsidiariedade, pelo qual
a atuação estatal só se justifica em atividades que não podem ser desempenhadas pela
sociedade, e em que a atuação desta só é justificada quando o próprio indivíduo não
puder atuar. 8
Se na jurisprudência dos conceitos o legislador era o único intérprete,
posição ocupada pelo juiz na jurisprudência dos interesses, na era da jurisprudência dos
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis para todos.” (Op. Cit., p. 64). 8 Posição ilustrativa do Estado subsidiário nos é dada por Tipke que parte da premissa de que o Estado não possui dinheiro originariamente, mas o retira parcimoniosamente dos cidadãos, de acordo com uma regra de justiça. O autor alemão defende que: “O Estado é o intermediário entre o cidadão e o contribuinte (Gerbeden Bürger) e o cidadão beneficiário (nehmenden Bürger). Se o cidadão pudesse exigir diretamente do seu concidadão as prestações sociais e as subvenções, talvez se lhe tornasse evidente que não se deve exigir mais de estranhos (contribuintes) do que de seus parentes próximos – antes pelo contrário.” (In “Über richtiges Steurrechts” . Steuer und Wirtschaft 65 (3): 281, 1988, apud TORRES, Ricardo Lobo (“Legalidade Tributária e Riscos Sociais”. Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro 53, 2000, p. 185).
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valores, adota-se a pluralidade de intérpretes, envolvendo todos os agentes do processo,
desde o legislador, passando pelo juiz, pelos doutrinadores, empresários, contadores,
entidades representativas de classe e todos os cidadãos interessados.9
Influenciada por esta evolução, a questão da autonomia dos conceitos de
Direito Tributário em relação aos institutos do Direito Civil fica então superada pela
Teoria da Unidade da Ordem Jurídica. Segundo Klaus Tipke,10 a unidade da ordem
jurídica significa a existência de uma ordem racional, baseada em critérios de justiça, e
que constitua uma unidade.
A propósito, há, atualmente, uma necessária mudança de paradigma na
metodologia do conhecimento no sentido de uma retomada da reflexão com vistas a
derrubar as compartimentações em razão de uma consciência da complexidade.11
Em decorrência, impõe-se uma análise dos princípios constitucionais que
regem a tributação, de forma interligada, para percepção e estudo do seu tecido de
relações. Por outro lado, urge contextualizar, o direito tributário buscando o equilíbrio
entre os seus princípios e os do Direito Civil. Só dessa forma se poderá aferir a
receptividade das normas antielisivas, pela dogmática constitucional tributária, capazes
de deter o abuso de direito.
9 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 13. 10 Segundo TIPKE a unidade se dá:“quando os princípios da justiça são seguidos à risca. Daí surge um direito homogêneo, consistente e harmônico, livre de contradições axiológicas. A incoerência leva a infrações ao princípio da igualdade. A observância da igualdade é, outrossim, uma característica essencial da justiça. Somente quando uma ordem jurídica é baseada em um único princípio fundamental, é que surge a unidade ideal da ordem jurídica. (...) O direito tributário não precisa estar orientado por princípios do direito civil ou por princípios de outros ramos do direito público; ele deve observar os princípios de outras ordens jurídicas parciais suficientemente, apenas, para impedir que ocorram contradições axiológicas na ordem jurídica total. Nenhum princípio tem validade absoluta. Em caso de colisão ou concorrência de princípios de ordens jurídicas parciais, então terá preferência aquele que tiver o maior peso jurídico.” (“Sobre a Unidade da Ordem Jurídica Tributária”. In: SCHOUERI, Luiz Eduardo/ZILVETI, Fernando Aurélio (Coordenadores). Direito Tributário. Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, p. 60-70, 1998, p. 60). 11 Sobre a questão, reflete Edgar MORIN: “Existe uma inadequação cada vez maior, profunda e grave entre os nossos conhecimentos disjuntos, partidos, compartimentados entre disciplinas, e, de outra parte, realidades ou problemas cada vez maias polidisciplinares, transfersais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários, enfim. Nessa situação tornam-se invisíveis os conjuntos complexos, as inter-relações e retroações entre as partes e o todo, as entidades multidimensionais, os problemas essenciais.”, ( A inteligência da Complexidade de Edgar MORIN e Jean-Louis LE MOIGNE. Tradução Nurimar Maia. São Paulo: Peirópolis, 2000, p. 10
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Nessa perspectiva, a doutrina mais moderna, na esteira de Dworkin12 e
Alexy,13 entende que o gênero normas jurídicas divide-se em princípios e regras. Os
princípios são normas de grau de abstração elevada que, segundo Larenz, se traduzem
em pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente e possível. São, em si
mesmos, insuscetíveis de aplicação, pois carecem das regras para serem concretizados.
No entanto podem transformar-se em regras.14
Os princípios são comandos de otimização, que se traduzem em
enunciados genéricos posicionados na faixa intermediária, no que tange à abstração,
entre os valores e as regras. Os primeiros, idéias abstratas, dotadas de grande placidez e
amplitude, mas que guardam, porém, um baixo grau de concretitude. Embora não
contidos necessariamente nos textos legais, os valores informam todo o ordenamento
jurídico, como a justiça, a segurança jurídica, a liberdade e a igualdade. As regras, ao
contrário, revelam um alto grau de concretitude, atribuindo direitos e deveres, se
subordinando aos valores e princípios. Segundo Canotilho, as últimas contêm fixações
normativas definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras
contraditórias. 15
Situando-se entre os valores e as regras, os princípios, como já exposto,
vão variar, em grau de abstração, entre estes dois pólos. Prevê a Constituição princípios
extremamente abstratos, como a isonomia, onde o constituinte traz para o Texto Maior o
próprio valor da igualdade, com toda a sua carga abstrata, demandando uma
concretização e integração pela regra. De outro lado, temos princípios, como o da
12 DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriouly. Cambridge: Havard University Press, 1980, p. 24. 13 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução de Ernesto Garzon Valdés: Centro de Estudos Constitucionales, 1993, p.86 14 LARENZ, Karl. Derecho Justo – Fundamentos de Ética Jurídica. Tradução de Luis Díez-Picazo. Madrid: Civitas, 1985, p. 32. 15 Sobre a distinção de princípio e regra, diz J.J. CANOTILHO: “As diferenças qualitativas traduzir-se-ão, fundamentalmente, nos seguintes aspectos. Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion);” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2.ed. Coimbra: Almedida, 1998, p. 1035.
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anterioridade, que se revela verdadeira regra inspirada no princípio da segurança
jurídica.16
Ao contrário das regras, que convivem de forma antinômica, e por isso
adotam, quanto à sua aplicabilidade, a lógica do all-or-nothing, os princípios,
constituindo exigências de otimização, são ponderáveis, permitindo o balanceamento de
valores e interesses.
Com efeito, constituindo-se a segurança jurídica e a justiça os valores
supremos do ordenamento jurídico tributário, o tributo justo passa a ser aquele que
cumpre os princípios da capacidade contributiva e da legalidade. Não havendo
hierarquia entre os dois princípios, eventuais tensões entre eles são resolvidas pela
ponderação. A ponderação de princípios, segundo Daniel Sarmento,17 se dá em duas
etapas: na primeira o intérprete que se depara com uma possível colisão de princípios
verifica, a partir dos limites imanentes, a existência da real contradição entre eles. Se
esta foi constatada passa-se à segunda fase, onde o intérprete irá verificar o princípio de
maior peso, que irá prevalecer sobre o outro. Tratando-se de princípios que na escala de
valores apresentada pela Constituição apresentam o mesmo peso genérico, restará ao
intérprete verificar o peso específico que a legalidade e a capacidade contributiva
possuem no caso concreto.
Na passagem do Estado Liberal para o Estado Democrático e Social de
Direito, o valor da segurança jurídica passou a ser efetivado não apenas pela legalidade
numa acepção individualista, mas, a partir da sua reaproximação com o valor da justiça,
vinculou-se com os interesses da sociedade. 18
16 Nesse sentido SARMENTO, Daniel na obra A Ponderação de Interesses na Constituição Federal (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 51), onde o autor sustenta ser o princípio da anterioridade, previsto no art. 150, III, b, da Constituição de 1988, uma verdadeira regra, e não um princípio 17 Ibidem, p.102. 18 Para PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique: “La aproximación entre seguridad y justicia se produce ahora a partir de una concreción de ambos valores. El primero deja de identificarse con la mera noción de legalidad o de positividad del Derecho, para conectarse inmediatamente com aquellos bienes jurídicos básicos cuyo “aseguramiento” se estima social y políticamente necessario. La justicia pierde su dimensión ideal y abstracta para incorporar las exigencias igualitarias y democratizadoras que informan su contenido em el Estado social de Derecho.” (La Seguridad Jurídica. 2.ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1994, p. 72).
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Mediante a aproximação da segurança jurídica com a justiça, a
ponderação entre esses dois valores promove a convivência pacífica entre os princípios
deles decorrentes, em especial, o da legalidade e o da capacidade contributiva.19 Em
conseqüência, será revelada uma norma tributária que será interpretada de acordo com a
manifestação de riqueza do contribuinte, a partir de uma atividade valorativa, e não
meramente cognitiva, do aplicador do direito, não tendo cabimento soluções formalistas
como as que limitam o fenômeno jurídico aos conceitos fechados.
1.2. Segurança jurídica, princípio da legalidade tributária e a teoria
dos tipos
Tradicionalmente o valor da segurança jurídica na tributação é associado ao
princípio da legalidade. A evolução histórica do princípio da legalidade tributária
acompanha a própria história da tributação moderna.20 Na Antigüidade, a principal fonte
da receita pública era a pilhagem e o saque dos povos vencidos, caracterizando a fase
denominada por Aliomar Baleeiro, de parasitária.21 A despeito de sua importância
secundária dentro desse contexto histórico, os tributos já eram conhecidos dos povos
antigos do Oriente, do Egito, da Grécia e de Roma, muitas vezes pagos in natura, por
meio de uma percentagem da produção agrícola, mineral ou animal. Ressalte-se que
referências sobre impostos foram encontradas em Tabletes de barro, datados de 4000 a.C
encontrados na Mesopotâmia.22 Há registros históricos de tributação, no período clássico,
sobre a importação, sobre o consumo, sobre as terras, as heranças, as vendas e as pessoas,
incluindo o gérmen do imposto de renda, experimentado na Grécia: a eisfora.23
19 TORRES, Ricardo Lobo. “Legalidade Tributária e Riscos Sociais”, cit., p. 179. 20 A respeito da evolução histórica da tributação, incluindo detalhado estudo sobre os impostos na Grécia, na Macedônia, em Roma, entre os visigodos, nas Idades Média, Moderna e Contemporânea, e a disciplina nos regimes totalitários fascista, nazista e soviético, vide SAINZ DE BUJANDA (Hacienda Y Derecho, v. 1, Capítulo VI, Organizacion Politica y Derecho Financiero. Madrid: Institutos de Estudios Politicos, 1955). 21 Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 116. 22 ADANS, Charles e RABUSHKA, Alvin. For Good and Evil: The Impact of Taxes on the Course of Civilization. Madison Books, 1999, p. 136. 23 BALEEIRO. Uma Introdução ..., cit. , p. 255.
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Tais impostos tinham o cunho de receitas extraordinárias, exigidas para
fazer frente às despesas que as cidades-estado helênicas, e depois o Império Romano,
despendiam nos seus conflitos bélicos.24
No início da Idade Média, a receita pública teve o caráter
predominantemente dominial, com o recebimento de receitas pela exploração do
patrimônio do príncipe, que se confundia com o do Estado. Com o desenvolvimento do
feudalismo, o tributo teve sua importância elevada, na feição de direitos regalianos
exigidos pelo senhor feudal dos seus vassalos, cobrados por meio da capitação, ou seja, da
divisão de determinada quantia pelos habitantes do feudo.
Por sua vez, a nobreza feudal também pagava tributo ao rei para a defesa
do território do reino e manutenção das despesas deste. Nessa fase histórica, assim como
na Antiguidade, não há que se falar em princípios que limitassem o poder de tributar,25
dado o caráter eventual e secundário deste. A tributação, até a crise do feudalismo, se
traduzia num ato voluntário do senhor feudal, de subsídio às despesas do reino, inerente
ao pacto feudal.
A preocupação com a limitação do poder do rei de impor tributos surge
somente na Inglaterra, a partir do Século XI, em face do fortalecimento do monarca e da
exigência, cada vez mais rotineira de tributos para a manutenção das despesas
permanentes do Estado. Diante desse quadro, os senhores feudais ingleses se insurgiram
24 FANTOZZI, Augusto. Diritto Tributario, Torino, Utet, 1991, p. 70, apud DERZI, Misabel Abreu Machado, nota de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 50. 25 UCKMAR , Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Tradução: Marco Aurélio Greco, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 11, onde o autor registra interessante caso de autorização prévia para cobrança de tributos, quando, em 1192 foram realizadas assembléias e reuniões, na Inglaterra, para discutir a cobrança de tributos para o pagamento de cem mil libras esterlinas para o resgate de Ricardo I, aprisionado pelo Duque da Áustria, o que acabou sendo autorizado pelos contribuintes. Assinala o autor que, embora fosse um direito consuetudinário exigir tributos dos vassalos para o resgate do senhor feudal, em tal oportunidade a soma exigida foi tão pesada que não prescindiu da autorização.
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contra a imposição de tributos mais pesados, exigindo, em determinados casos, a
autorização da cobrança pelos seus representantes.26
O marco histórico da primeira declaração de direitos contra a tributação
arbitrária exigida pelo monarca foi a Magna Charta, em 1215, ocasião em que os barões
feudais ingleses impuseram ao Rei João Sem Terra, a exigência de aprovação pelo
Commune Consilium Regis para haver a cobrança de tributos, exceto quando estes fossem
destinados ao pagamento do resgate do rei, caso este caísse cativo em suas guerras; para
armar seu filho primogênito como cavaleiro e para pagar o dote de casamento de sua filha
mais velha, mas desde que cobrados em medida razoável (art. XII, da Magna Charta). As
exceções se justificavam por já estar sedimentado pelo costume o pagamento de tributos
em tais casos.27 A Magna Charta , a despeito de constituir um marco na evolução do
constitucionalismo, representa uma manifestação do corporativismo medieval, inserida
num ambiente histórico de reação ao fortalecimento do monarca em decorrência da
decadência do feudalismo.
Data dessa época, o surgimento dos princípios do consentimento e da
temporariedade,28 germens dos princípios da legalidade e da anualidade. A necessidade
de consentimento do próprio contribuinte para que seja legítima a tributação constitui
conseqüência direta da perda do caráter excepcional dos tributos e do agigantamento das
despesas estatais. Se durante o auge do período feudal as contribuições eram voluntárias,
com o absolutismo, o consentimento surge como contra-ponto ao caráter impositivo dos
tributos, se revelando pela prévia aprovação pelos representantes da aristocracia feudal, o
que posteriormente se universalizou para os demais estratos sociais.
A temporariedade se notabilizava pelo aspecto limitado no tempo dessa
autorização, que precisava renovar-se regularmente e que se coadunava perfeitamente
com o caráter temporário dos tributos. O artigo XIV da Magna Charta preconizava que a
afixação de tributo, afora os casos previstos no art. XII, onde se dispensava a autorização,
deveria ser objeto de convocação do Concilium pelo rei, com antecedência de 40 dias.
26 UCKMAR, Op. Cit., p. 13 27 UCKMAR, Op. Cit., p. 13. 28 NOVELLI, Flávio Bauer. “O princípio da anualidade tributária” Revista Forense 267: 75-94, p. 77.
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Portanto, até o fim do Estado Patrimonial, os tributos não eram
responsáveis pelo custeio das despesas ordinárias do Estado. Daí ser necessária a
autorização para a sua cobrança por período certo de tempo. Sendo os tributos
temporários, a idéia de autorização pelo Parlamento (legalidade) se confundia com a
aprovação temporária (anualidade), pois à época não havia a dicotomia posteriormente
verificada entre a lei instituidora do tributo e a lei de orçamento, que inexistia, como hoje
conhecemos, até as revoluções liberais dos séculos XVII e XVII.29
Somente na Idade Moderna, quando os tributos deixaram de ser
responsáveis apenas por despesas extraordinárias, passando a ser a principal fonte de
receita do Estado, é que podemos conceber a tributação como hoje a conhecemos, ou seja,
destinada a custear genericamente as despesas públicas. 30
Com o advento do Estado Fiscal, feição financeira do Estado Democrático,
e a partir do desenvolvimento do capitalismo, as despesas públicas passam a ser
financiadas por tributos (ingressos derivados), especialmente por impostos, além de
empréstimos públicos, em substituição à exploração do patrimônio do príncipe, que
caracterizava o Estado Patrimonialista, provido por ingressos originários.31
Após a consolidação do Estado Fiscal, os tributos passaram, então, a ser
cobrados de forma permanente, ocorrendo o fortalecimento do princípio da legalidade
tributária, como princípio da reserva de lei, que, a partir do final do século XVIII e ao
longo de todo o século XIX, ganhou caráter universal, na esteira da Revolução Francesa e
da Independência Norte-americana . É de se destacar que a consagração da legalidade
como princípio supremo se deu num ambiente de afirmação da burguesia revolucionária
contra a opressão dos monarcas do antigo regime. Assim, inevitável sua configuração
como um princípio de viés nitidamente individualista.
29 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, vol. V. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 3. 30 Para TORRES: “é inútil procurar o tributo antes do Estado Moderno, eis que surge ele com a paulatina substituição da relação de vassalagem do feudalismo pelos vínculos do Estado Patrimonial, com as incipientes formas de receita fiscal protegidas pelas primeiras declarações de direitos.” (A Idéia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1991, p. 2). 31 TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade..., cit., p. 97.
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Modernamente, no Estado Democrático e Social de Direito, os Governos
são exercidos por representantes diretos do povo, tal como ocorre com o Parlamento.
Porém, como vimos, foi no contexto histórico em que se produziram as aspirações
iluministas que se fortaleceu a idéia de que só os representantes do povo, reunidos no
Parlamento, poderiam criar obrigações, e de que o Poder Executivo seria um mero
executor das políticas por eles definidas.32
Contudo, nesse novo contexto, que ora se mostra dominante, o princípio da
legalidade passou a ter um viés plural, conforme Pérez Royo, como meio de garantir a
democracia no procedimento de imposição das normas de repartição tributária, bem como
a igualdade de tratamento entre os cidadãos e a unidade do sistema jurídico.33
Assim, a segurança jurídica mais não se coaduna com um regime legal que
dê proteção máxima para que um indivíduo (contribuinte) deixe de dar cumprimento a
uma norma, em detrimento dos outros indivíduos, a partir de sua menor ou maior astúcia
na manipulação das formas jurídicas, pois a legalidade tributária se traduz, hoje, como
assinala Tipke,34 na segurança diante da arbitrariedade da falta de regras, uma vez que a
segurança jurídica é a segurança da regra. A certeza na aplicação da norma tributária para
todos os seus destinatários é que garante a aplicabilidade e império da lei.
A despeito da aceitação cada vez maior que essas idéias obtém em todo o
mundo, no Brasil, a segurança jurídica ainda padece de uma coloração individualista,
contemporânea do iluminismo, o que de certa forma pode ser explicado pelo grande
desenvolvimento do direito tributário pátrio no período da ditadura militar (1964-1985).
De certa forma, a luta contra o arbítrio cria um ambiente político propício ao
fortalecimento da legalidade. Dentro desse contexto se explica o aferramento à legalidade
como única forma de defesa contra o arbítrio dos generais-presidentes, mas que com
redemocratização do país, soa sem sentido e em dissintonia com as tendências verificadas
em todo o mundo.35
32ARAGÃO, Alexandre Santos de. “Princípio da Legalidade e Poder Regulamentar no Estado Contemporâneo”, Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro 53, 2000, p. 42. 33 PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho Financiero y Tributario – Parte General. 10.ed. Madrid, 2000, p. 42. 34 “Rechtsetzung durch Steuererichte und Steuervewaltungsbehörden?” Steuer und Writschaft 58 (3): 194, 1981, apud TORRES, Ricardo Lobo (Legalidade Tributária e Riscos Sociais, cit., p. 179). 35 DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente – Proporcionalidade, Tipicidade Aberta e Afetação de Receita. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 92.
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De fato, em nosso país, a interpretação da lei tributária vive um momento
de isolamento cultural. Ainda estamos acorrentados a um positivismo de índole
formalista que não encontra mais paralelo alhures. É que a nossa doutrina, animada com a
tese da tipicidade fechada, abraça a segurança jurídica como único valor a ser tutelado,
fazendo da justiça, da igualdade e da capacidade contributiva, meras figuras retóricas,
quando não, objeto de críticas mordazes.36
A adoção da segurança jurídica como princípio absoluto do Direito
Tributário, mediante a íntima convicção de esse ramo possuiria características
peculiares que sequer seriam encontradas no Direito Penal, reflete, como bem destaca
José Marcos Domingues de Oliveira37, uma posição ideológica de privilegiar a liberdade
vinculada ao patrimônio em detrimento da liberdade vinculada à pessoa.
Ilustrativa da postura, até hoje muito formalista, da doutrina brasileira é a
posição de Alberto Xavier com sua teoria da tipicidade fechada. 38
Segundo o festejado autor, o princípio da tipicidade tem como corolário:
a) o princípio da seleção, segundo o qual a lei tributária deve
selecionar os fatos que revelem capacidade contributiva, sendo impossível a
tributação com base num conceito geral ou cláusula geral de tributo;
b) o princípio do numerus clausus, que determina que os
tributos devem estar taxativamente previstos na lei, não havendo espaço
para a analogia na imposição tributária, em face da regra nullum tributum
sine lege;
36 Como a de Alfredo Augusto Becker, que considerou que os textos constitucionais, ao consagrarem o princípio da capacidade contributiva, constitucionalizaram o equívoco (Teoria Geral do Direito Tributário, p. 442). 37 Direito Tributário e MeioAmbiente: Proporcionalidade, Tipicidade Aberta e Afetação de Receita, p. 114. 38 Para XAVIER: “A tipicidade do Direito Tributário é, pois, segundo certa terminologia, uma tipicidade fechada: contém em si todos os elementos para a valoração dos fatos e produção dos efeitos, sem carecer de qualquer recurso a elementos a ela estranhos e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou acresça à contida no tipo legal. (...) Como já se viu, uma reserva absoluta de lei impõe que a lei contenha não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério de decisão que, desta sorte, se obtém por mera dedução da norma, limitando-se o órgão de aplicação do direito a nela subsumir o fato tributário.” (Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade na Tributação., p. 92.)
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c) o princípio do exclusivismo, que obriga o tipo tributário a
abrigar uma descrição completa dos elementos necessários à tributação,
capaz de conter uma valoração definitiva da realidade, sem carecer ou
tolerar qualquer outro elemento valorativo estranho a ela; e
d) o princípio da determinação, pelo qual o conteúdo da
decisão deve ser rigorosamente previsto na lei, limitando-se o órgão
aplicador à mera subsunção do fato ao tipo tributário, uma vez que todos os
elementos componentes deste são minuciosamente descritos pela norma,
que não pode conter conceitos indeterminados.
Para a definição de tipo fechado, Alberto Xavier, segundo indicado na
própria obra citada,39 partiu de uma classificação adotada por Karl Larenz na obra
Metodologia da Ciência do Direito, de tipo aberto e fechado, sendo este último
caracterizado por elevado grau conceitual.
No entanto, conforme relatado por Misabel de Abreu Machado Derzi40,
Karl Larenz abandonou a tese da possibilidade do tipo fechado a partir da terceira
edição de sua obra, datada de 1975. De fato, segundo o posicionamento adotado pelo
citado autor alemão nas últimas edições de sua obra clássica, a estrutura tipológica é
sempre aberta, ao contrário do conceito abstrato, que em situações ideais, apresenta-se
fechado.41
Por sua vez, Misabel de Abreu Machado Derzi, reconhecendo a
inexistência de uma estrutura tipológica fechada,42 parte de outro pressuposto teórico
para entronizar o valor da segurança jurídica no direito tributário. Segundo a referida
autora, no direito tributário, assim como no direito penal, em razão da necessidade
39 Os Princípios da Legalidade ..., cit., p. 92, nota de rodapé n. 16. 40Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 61. 41 LARENZ, Metodologia ..., cit., p. 646. Larenz, citando Strache, deixa evidente o caráter aberto do tipo: “Os usos do tráfego, os usos comerciais e a “moral social”, enquanto tais, têm para os juristas o significado de stardards, quer dizer, de “pautas normais de comportamento social correto, aceites na realidade social”. Tais stardards não são, como acertadamente observa STRACHE, regras configuradas conceitualmente, às quais se possa efetuar simplesmente a subsunção por via do procedimento silogístico, mas pautas “móveis”, que têm que ser inferidas da conduta reconhecida como “típica” e que têm que ser permanentemente concretizadas, ao aplicá-las ao caso a julgar.” (Ibidem, p. 660 e 661). 42Direito Tributário, Direito Penal ..., cit., p. 61.
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exacerbada de segurança jurídica na aplicação da lei, prevalecem os conceitos
classificatórios sobre a estrutura tipológica.43
Contudo, a abstração dos conceitos afasta a possibilidade de sua
utilização para a qualificação do fato gerador da obrigação tributária, que como
descrição de uma conduta do contribuinte, é necessariamente estruturado de forma
tipológica, como reconhece o próprio Karl Larenz ao elencar os tipos jurídico-fiscais, ao
lado dos tipos jurídico-penais, entre as espécies tipológicas.44
A própria segurança jurídica restaria arranhada se os fatos geradores
tributários fossem veiculados por estruturas conceituais, uma vez que os tipos, como
manifestações da realidade social e econômica, são bem mais concretos do que
aquelas,45 sendo portanto mais adequados a descrever o fato-signo manifestador de
capacidade contributiva.
Partindo ainda da distinção que Larenz oferece entre conceito abstrato e
tipo, não é difícil perceber as dificuldades teóricas por que passa a teoria da tipicidade
fechada, ao defender a subsunção do fato imponível à hipótese de incidência. Sendo a
norma tipológica aberta à realidade social e econômica, não ocorre a subsunção,
fenômeno peculiar ao conceito. Mas a coordenação do fato ao tipo. Segundo Larenz o
ideal em um sistema jurídico seria a subsunção de todos os casos jurídicos a conceitos
legais. Sendo esse ideal inatingível, não tendo sido alcançado sequer no auge da
jurisprudência dos conceitos, surge a necessidade de, na maioria dos casos, o legislador
lançar mão de tipos, que muitas vezes revelam uma pauta de valores que carecem de
preenchimento. Afinal, são eles capazes, ao contrário dos conceitos abstratos, de
coordenar a conduta humana em toda a sua riqueza e mutabilidade.46
43Ibidem., p. 113. 44 Metodologia ..., cit., p. 656. 45 No sentido do texto LARENZ, Metodologia ..., cit., p. 656, citando Karl Engisch em defesa de sua posição. 46 De acordo com LARENZ; “O que o jurista freqüentemente designa, de modo logicamente inadequado, como “subsunção”, revela-se em grande parte como apreciação com base em experiências sociais ou numa pauta valorativa carecida de preenchimento, como a coordenação a um tipo ou como a interpretação da conduta humana, particularmente do sentido juridicamente determinante das declarações de vontade. A parte da subsunção lógica na aplicação da lei é muito menor do que a metodologia tradicional supôs e a maioria dos juristas crê. É impossível repartir a multiplicidade dos processos da vida significativos sob pontos de vista de valoração jurídicos num sistema tão minuciosamente pensado de compartimentos estanques e imutáveis, por forma a que bastasse destacá-los para encontrar um a um em cada um desses
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Como se vê, portanto, a subsunção de um fato imponível a um tipo
tributário inexiste como fenômeno representativo de uma atividade desprovida de
apreciação valorativa da realidade.47 O que ocorre por ocasião da incidência tributária é
a coordenação de um fato jurídico praticado pelo contribuinte a um tipo legal, que
como tal, ao ser aplicado, carece sempre, ou quase sempre, de uma apreciação
axiológica, em maior ou menor grau, por parte do aplicador da lei. É a definição da
hipótese de incidência pelo legislador que vai definir a maior ou menor abertura do tipo.
No entanto, sempre restará ao intérprete um espaço de adequação da norma à realidade.
Assim, o fato gerador da obrigação tributária se manifesta,
indubitavelmente pela descrição de uma conduta humana, descrição tipológica, que por
natureza sempre é aberta. Como salienta Karl Engisch, os tipos se abrem à aplicação
teleológica do direito.48 Desta forma, não existe tipicidade fechada no direito tributário,
nem em qualquer outro ramo do direito, sendo admissível, de acordo com a definição de
fato gerador adotada pela Constituição Federal, a utilização de conceitos
indeterminados.
A constante comparação estabelecida por parte da doutrina - de que,
aliás, a citada obra de Misabel de Abreu Machado Derzi é o mais eloqüente dos
exemplos - entre o tipo penal e o tipo tributário se baseia na subordinação da instituição
de tributos, crimes e penas ao princípio da reserva de lei. No entanto, há mais
dissonâncias do que identidades entre os dois ramos do Direito.
compartimentos. Isso é impossível, por um lado, porque os fenômenos da vida não apresentam fronteiras tão rígidas como as exige o sistema conceitual, mas formas de transição, formas mistas e variantes numa feição sempre nova. É impossível ainda, porque a vida produz constantemente novas configurações, que não estão previstas num sistema acabado. É também impossível, por último, porque o legislador, como várias vezes sublinhamos, se serve necessariamente de uma linguagem que só raramente alcança o grau de precisão exigível para uma definição conceitual. Não pode portanto causar espanto que o ideal de um sistema abstrato, fechado em si e isento de lacunas, construído com base em conceitos abstratos, nem mesmo no apogeu da “Jurisprudência dos conceitos” tenha sido plenamente realizado.” (Ibidem, p. 644 e 645). 47 Em sentido contrário ENGISCH, Karl (Introdução ao Pensamento Jurídico, p. 259), que entende ser possível a utilização da expressão subsunção para designar aquilo que Larenz designa como coordenação do fato ao tipo. Observe-se que a divergência é muito mais de nomenclatura, não constituindo a posição de Engisch uma oposição real às conclusões de Larenz. 48 ENGISCH, Karl. Op. Cit., p. 257.
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A distinção entre as funções das normas tributária e penal constitui o
principal ponto de distinção a inviabilizar a equiparação dos critérios de interpretação
estabelecidos em cada um dos referidos ramos. A norma penal tem a função retributiva,
visando a evitar a prática do ato típico antijurídico.49 Portanto é uma norma odiosa
punitiva.
Já a lei tributária - abstraindo-se a radicalidade de parte da doutrina que a
considera como norma de rejeição social,50 posição superada em quase todo o mundo -51
tem como função identificar a manifestação de riqueza, suscetível de ser objeto da
tributação, sem nunca perder de vista a quantificação do quinhão que cada contribuinte
deve arcar no custeio das despesas públicas.
Assim, se um fato praticado por um agente - ainda que pareça repulsivo
e antijurídico à sociedade - não é considerado descrito na norma penal, a atipicidade não
ensejará conseqüências punitivas para quem quer que seja.
No Direito Tributário ocorre fenômeno distinto. Se as despesas públicas
são custeadas por exações instituídas conforme a capacidade contributiva dos mais
variados segmentos de contribuintes, a caracterização da atipicidade de determinada
conduta que revela o mesmo signo de riqueza identificado pelo legislador acabará por
gerar conseqüências nocivas aos demais segmentos da sociedade.
Se a absolvição de um acusado não leva qualquer outro cidadão à cadeia,
o não pagamento de tributo por alguém que revela capacidade contributiva, vai gerar,
mais cedo ou mais tarde, a necessidade do Estado negar prestações positivas a outro
cidadão, ou, o que é mais freqüente, a imposição tributária a quem não revela
capacidade contributiva.52
49 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – A Nova Parte Geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 2. 50 Considerando a norma tributária como norma de rejeição social MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema Tributário na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 12. 51 JARACH, Dino. Finanzas Públicas y Derecho Tributário. 3. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1996, p. 298. 52 No Brasil, o fenômeno é por demais conhecido, com a criação de tributos que a despeito de não se adequarem ao princípio da capacidade contributiva, são prestigiados pelo legislador pela menor suscetibilidade à elisão fiscal.
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A consagração da teoria da tipicidade fechada na doutrina brasileira
representou o triunfo de uma peculiar opção, fora do contexto histórico mundial e sem
paralelo em outros ramos do direito pátrio, da segurança jurídica como valor absoluto e
insuscetível de ponderação com qualquer outro. 53
A adoção do princípio da legalidade tributária pela nossa Constituição
Federal - que longe de representar uma peculiaridade nacional, como parecem sustentar
alguns, brota como fruto da evolução da ciência do direito em todo o globo - 54 não é
desprestigiada pela superação das teorias ligadas ao positivismo formalista que
recomendam a vinculação absoluta do aplicador do direito à norma.
Na verdade, a maior prova de que essa tão propalada legalidade
tributária absoluta não deriva da Constituição brasileira é o exame dos textos
constitucionais dos países que adotam outros paradigmas na interpretação da lei
tributária. Tais constituições, a exemplo da nossa, também consagram o princípio da
reserva legal. Nos EUA, o art. 1º, Seção VIII da Constituição de 1787, atribui ao
Congresso Nacional a criação de tributos. Na Alemanha, o artigo 105 da Constituição
de 1949 garante que os impostos serão objeto da competência legislativa exclusiva da
Federação ou dos Landers (Estados). Na Constituição Espanhola de 1978, embora o
artigo 31.3 admita a possibilidade de instituição de prestações patrimoniais ou pessoais
na forma da lei, o art. 133.1, dispõe que a potestade de estabelecer tributos é exercida
mediante lei. Por sua vez, a Constituição Francesa de 1958, em seu artigo 34,
cumprindo o compromisso firmado pelo povo francês desde a Declaração dos Direitos
do Homem de 1789, garante que a lei deva fixar os impostos, taxas e as modalidades de
sua cobrança. Na Argentina, a Constituição de 1994, em seu art. 4º, determina que
53 Observe-se que os próprios seguidores da doutrina formalista reconhecem o caráter peculiar dessa opção no panorama do direito comparado. Por todos, vide COELHO, Sacha Calmon Navarro (O Controle da Constitucionalidade das Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988. Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 335) e MARTINS, Ives Gandra da Silva (Direitos Fundamentais do Contribuinte, extraído da obra coletiva coordenada pelo citado autor, Direito Fundamentais do Contribuinte. Pesquisas Tributárias - Nova Série – nº 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 77 e 79) que justifica a necessidade do contribuinte brasileiro ter maior proteção do que é conferido em outros países, em virtude da ganância do Estado brasileiro, e do subdesenvolvimento das instituições nacionais, despreparadas para a utilização de mecanismos de combate à elisão adotados alhures, numa apreciação que obviamente extrapola os limites da ciência do direito. 54 Vide UCKMAR, Vitor (Op. Cit., p. 24), onde o autor revela que o princípio da legalidade tributária é adotado em todos as constituições vigentes, exceto, à época, na da ex-URSS, e reproduz, inclusive, o dispositivo constitucional de diversos países.
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todas as contribuições ingressas no Tesouro serão impostas pelo Congresso Nacional.
No Uruguai, a Constituição de 1966, em seu artigo 10, também subordina a criação de
tributos à lei. A exceção fica por conta da Itália, que por prever um dispositivo
genérico para todas as prestações pessoais e patrimoniais, adota, no artigo 23 da
Constituição de 1947, o princípio da legalidade em sentido amplo, a partir da cláusula
em virtude do disposto em lei. Mas nem por conta dessa previsão constitucional, a
doutrina italiana admite a criação de tributos por outro instrumento que não a lei, e nem
a delegação à autoridade administrativa da fixação dos elementos da obrigação
tributária.55
O que diferencia a Constituição Brasileira de 1988 dos textos
constitucionais supracitados é uma minuciosa repartição de competências entre os entes
federativos, o que só indiretamente é pertinente à matéria da legalidade. Na verdade, o
tema da competência se prende muito mais à delimitação da capacidade contributiva
visualizada pelo legislador constituinte, e que serve de limite à ação do legislador
ordinário, do que à forma, mais ou menos casuística ou detalhada que este último vai
utilizar para a definição do fato gerador. Buscar na repartição constitucional das
competências tributárias o arcabouço constitucional para uma tipicidade fechada é
extrair da Constituição uma sistemática que não só nela não é prevista, como contraria
todos os princípios por ela consagrados.
Como se vê, a Constituição brasileira, no que tange a consagração do
princípio da legalidade tributária, não apresenta qualquer peculiaridade em relação ao
direito comparado. O que há de diferente em nosso país, é uma criação doutrinária sem
lastro constitucional e em desacordo com os valores e princípios mais caros ao nosso
ordenamento. Como bem observado por Ricardo Lodo Torres,56 a utilização das
expressões tipicidade “fechada”, legalidade “estrita”, e reserva “absoluta” de lei, não
derivam da nossa Constituição, mas de construção de nossa doutrina, embalada por
razões mais ideológicas que científicas. 55 Pela necessidade de lei definindo todos os elementos da obrigação tributária mesmo em face do art. 23 da Constituição Italiana, vide GIANNINI, A. D. (Instituzioni di Dirito Tributário, p. 12), PUGLIESE, Mario (Instituciones de Derecho Financiero. Mexico: Fondo de Cultura Economica, 1939, p. 116) e MICHELI, Gian Antonio (Op. Cit., p. 19).
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A possibilidade do aplicador da lei expedir atos administrativos
normativos para interpretar e detalhar a lei, a partir de uma valoração objetiva, não se
traduz em aceitação do regulamento autônomo no Direito Tributário, o que contrariaria
o princípio da reserva de lei. O regulamento sempre precisará se basear em uma
habilitação legal mais ou menos precisa57 e respeitar o conteúdo mínimo e essencial
reservado à lei.58
No Estado Democrático e Social de Direito, superada a dicotomia entre a
vontade do monarca e a do povo representado pelo parlamento, e estabelecida a
necessidade de harmonização e interdependência entre os poderes, o regulamento passa
ser um instrumento essencial para a definição dos aspectos técnicos das regras jurídicas,
com a adequação à realidade de alguns conceitos indeterminados de origem científica
ou tecnológica, que nem sempre podem ser precisados pela dinâmica do Parlamento.
Deste modo, é compatível com a feição atual do princípio da legalidade, que os aspectos
técnicos da norma sejam definidos em regulamento, ficando o Poder Legislativo com a
definição das grandes diretrizes políticas nacionais, fenômeno que não se revela
estranho ao Direito Tributário.59
Em conseqüência desse entendimento, se revela bastante equivocada a
posição do Superior Tribunal de Justiça, espelhada no verbete nº 160 de sua súmula, que
prevê que só a lei poderá elevar o valor venal do imóvel para fins de definição da base
de cálculo do IPTU, acima dos índices oficiais de correção monetária. Ora, tanto o
CTN, quanto o legislador municipal já definiram a base de cálculo do IPTU: o valor
venal, que se traduz em valor de mercado. A definição do valor de mercado de cada
imóvel é função essencialmente administrativa, no desempenho na atividade lançadora.
Não cabe ao parlamento municipal deliberar sobre o valor dos imóveis em cada região.
É o ato administrativo, a partir da realidade do mercado, que irá valorar o valor venal, (a 56“Direitos Fundamentais do Contribuinte”. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito Fundamentais do Contribuinte. Pesquisas Tributárias - Nova Série – nº 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 167-186, 2000, p. 185. 57 FERRERO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financero Español, Vol. I. 21.ed. Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 53. 58 CALVO ORTEGA, Rafael. Curso de Derecho Financero I – Derecho Tributario (Parte General) . 4.ed. Madrid: Civitas, 2000, p. 100.
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base de cálculo legal), no caso concreto, sendo a planta de valores um mecanismo
interno facilitador da atividade lançadora, que, nesse caso, deve se dar de ofício, nos
termos do art. 149, I, do CTN.
Por outro lado, é imperioso reconhecer, como bem salienta Valdés
Costa,60 a dificuldade do legislador para o combate à fuga de impostos, notadamente a
partir de definições legais muito detalhadas. Assim, o regulamento aparece como
importante instrumento de combate à evasão fiscal, desde que expedido dentro dos
limites do tipo legal e respeitada a capacidade contributiva, ao concretizar e detalhar as
situações abstratas previstas pelo legislador. Isso se dá, por exemplo, quando o
regulamento identifica casos de incidência e não incidência, a partir da definição do fato
gerador pela lei.
1.2.1. A legalidade tributária e os conceitos indeterminados
Após a demonstração de que o princípio da legalidade tributária não
constitui uma peculiaridade brasileira, e nem apresenta um conteúdo particular em
nosso direito, é imperiosa a análise da possibilidade, em face dele, da legislação
tributária utilizar-se, na definição do fato gerador da obrigação tributária, de conceitos
jurídicos indeterminados.
Segundo Karl Engisch, a consagração constitucional do princípio da
legalidade não está a exigir a limitação do fenômeno jurídico à subsunção, mas à
valoração autônoma pelo aplicador, determinada pelo próprio legislador. A atribuição
pelo legislador de uma valoração pelo intérprete vai se dar pelo afrouxamento do
vínculo que prende o aplicador à lei, por meio da utilização de fenômenos como os
conceitos indeterminados, os conceitos discricionários e as cláusulas gerais. 61
59 GONZÁLEZ, Eusébio/LEJEUNE, Ernesto. Derecho Tributário I. 2. ed. Salamanca: Plaza Universitaria, 2000, p. 47 60 Instituciones de Derecho Tributário. Buenos Aires: Depalma, 1996, p. 127. 61 Para ENGISCH: “O princípio da legalidade da atividade jurisdicional e administrativa, em si, permanece intocado. Conhecemos já o art. 20, al. 13, da nossa Constituição, que vincula à lei o poder executivo e a jurisdição. As leis, porém, são hoje, em todos os domínios jurídicos, elaboradas por tal
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Os conceitos jurídicos, como bem assinala Engisch, são
predominantemente indeterminados, sendo os absolutamente determinados muito raros
no Direito. Destes, temos, por exemplo os conceitos numéricos, tais como, 50 km,
prazo de 24 horas, 100 marcos...62
A confusão entre as três categorias normativas leva o formalismo
positivista a identificar qualquer forma de valoração pelo aplicador do direito com a
discricionariedade violadora do princípio da legalidade tributária.
Para García de Enterría, os conceitos determinados delimitam o âmbito
de realidade a que se referem, de forma inequívoca e precisa. É o que ocorre quando o
legislador utiliza-se de um numeral para quantificar a medida de determinada situação.
Exemplifica Garcia de Enterría com a fixação de idade ou do prazo para a prática de
determinados atos. O contrário se dá com os conceitos indeterminados, situação em que
a lei se refere a uma esfera de realidade cujos limites não aparecem bem precisados em
seu enunciado. Estamos nos referindo a expressões como incapacidade permanente,
boa fé, e improbidade. Nos conceitos indeterminados não há exatidão quanto a uma
quantificação ou determinação rigorosa; neles estão presentes conceitos de experiência
ou de valor. Porém, não obstante a imprecisão conceitual, a indeterminação termina no
momento da aplicação. 63
Convém não olvidar que conceito indeterminado distingue-se
substancialmente do conceito discricionário. Neste último, o legislador atribui ao forma que os juízes e os funcionários da administração não descobrem e fundamentam as suas decisões tão-somente através da subsunção a conceitos jurídicos fixos, a conceitos cujo conteúdo seja explicitado com segurança através da interpretação, mas antes são chamados a valorar autonomamente e, por vezes, a decidir e agir de um modo semelhante ao do legislador.” (Op. Cit., p. 207). 62 Ibidem., p. 208. 63 De acordo com GARCÍA DE ENTERRÍA: “La Ley utiliza conceptos de experiencia (incapacidad para el ejercicio de sus funciones, premeditación, fuerza irresistible) o de valor (buena fe, estándar de conducta del buen padre de familia, justo precio), porque las realidades referidas no admiten otro tipo de determinación más precisa. Pero al estar refiéndos a suspuestos concretos y no a vaguedades imprecisas o contradictorias, es claro que la aplicación de tales conceptos o la calificación de circusntancias concretas no admite más que una solución: o se da o no se da el concepto; o hay buena fe o no la hay; o el precio es justo o no lo es; o se ha faltado a la probidad o no se ha faltado. Tertium no datatur. Esto es lo esencial del concepto jurídico indeterminado: la indeterminación del enunciado no se traduce en una indeterminación de las aplicaciones del miesmo, las cuales sólo permiten una “unidad de solución justa”
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aplicador da norma a possibilidade de escolher entre os vários caminhos a seguir, a
partir de uma valoração subjetiva, de acordo com suas convicções pessoais. A
discricionariedade confere à autoridade administrativa o poder de determinar, de acordo
com o seu próprio modo de pensar, o fim de sua atuação. Quando a lei estabelece o
conceito de interesse público ou de bem comum, o seu alcance será determinado por
aquilo que a autoridade considerar como sendo de interesse público ou concernente ao
bem comum.64
Por sua vez, nos conceitos indeterminados, a lei não abre espaço para
uma escolha subjetiva do aplicador, muito embora careçam eles sempre de um
preenchimento valorativo. Não que exista uma única solução legal,65 mas nos conceitos
indeterminados há, como explica Engisch, uma valoração objetiva, a partir das
concepções dominantes no corpo social.66
A vinculação do conceito indeterminado à lei é garantida pelo caráter
objetivo da valoração, a que alude Engisch. No entanto, há, se comparado ao conceito
determinado, uma redução do grau de vinculação do aplicador à literalidade da lei,
autorizada pelo próprio legislador que, ao utilizar-se da indeterminação conceitual,
atribui ao intérprete o exame a respeito do chamado halo do conceito, representado por
uma zona intermediária entre uma região de certeza sobre a existência do conceito
(núcleo do conceito), e outra sobre a sua inexistência.67 Por halo conceitual se entende
uma certa margem de apreciação por parte da administração, onde esta, a partir de uma
valoração objetiva, vai interpretar a norma de acordo com as concepções morais
dominantes na sociedade, que não se confundem com a moral pessoal do juiz. 68
en cada caso, a la que se llega mediante una atividad de cognición, objetivable por tanto, y no de volición.” (Curso de Derecho Administrativo, vol. I. 10. ed. Madrid: Civitas, 2000, p. 457). 64 LAUN, Rudolf. Apud ENGISCH (Op. Cit., p.216). 65 No sentido do texto, recusando a possibilidade de uma única solução legal, vide ANDRADE, José Vieira de (O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos. Coimbra: Almedina, 1992, p. 367). Contra: GARCÍA DE ENTERRÍA (Op. Cit., p. 460), defendendo a inexistência de uma pluralidade de soluções justas em cada caso. 66 Para ENGISCH: “a valoração que aqui se faz, desde que não se verifique a atribuição de um “poder discricionário”, não precisa de ser uma valoração eminentemente pessoal do órgão aplicador do direito. Os conceitos “normativos” podem antes significar que o órgão aplicador do direito deve procurar e determinar as valorações preexistentes num setor social “dirigente” “relevante”. Nesta medida, falaremos de valorações objetivas.” (Ibidem, p. 236). 67 GARCÍA DE ENTERRÍA, Op. Cit., p. 460. 68 Como explica ENGISCH: “Saber se o dedo indicador é um “membro importante do corpo”, se os combates de boxe e as lesões corporais que neles se aceitam são compatíveis com os “bons costumes”, se
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São conceitos jurídicos indeterminados, carecedores de uma valoração
objetiva, utilizados amplamente pelo Código Penal brasileiro. É o caso de mulher
honesta utilizado pelos artigos 215 e 216. Obviamente que o conceito de mulher
honesta em 1940, quando o código foi promulgado, não define mais a situação
tipificada pela lei. O exemplo citado mostra que o tipo penal sofre alterações com a
mudança dos costumes sociais, sem a necessidade de alteração legislativa.69
A estrutura tipológica adotada no direito penal e no direito tributário,
embora avessa à discricionariedade, não é incompatível como os conceitos
indeterminados. Bem ao contrário. Como bem destacado por Engisch, os tipos
constituem subespécies dos conceitos indeterminados, apresentando toda a fluidez que
caracterizam estes.70
um curador “violou gravemente as suas obrigações de curadoria”, se uma representação gráfica (George Grosz: Cristo na máscara de gás) é “blasfema” (§ 166 do Código Penal, fórmula anterior) ou pelo menos “injuriosa” para a Igreja cristã (§ 166 do Código Penal, nova fórmula), se um casamento “fracassou”, tudo isso são questões que a lei não quer ver respondidas através de uma valoração eminentemente pessoal do juiz. A lei aqui é antes de opinião de que há concepções morais dominantes pelas quais o juiz se deve deixar orientar. “Decisivas são as circunstâncias do caso concreto tendo em conta as concepções dos correspondentes setores populacionais” (SCHÖNKE-SCHRÖDER). Os “correspondentes setores populacionais podem sem dúvida ser sempre aqueles setores da população cujo juízo é aceito como válido por cada ordem estadual e jurídica. Se o próprio juiz se situa dentro destes setores, ele também pode, evidentemente, consultar o seu sentimento ético. Mas, ainda neste caso, haverá de ter o seu cuidado de averiguar se porventura se não encontra bastante isolado na sua concepção. Se o juiz se sabe inteiramente fora daquele setor populacional que, por força do Direito, representa o padrão ou critério (se ele é, por exemplo, inteiramente indiferente do ponto de vista religioso ou se os prazeres da multidão apaixonada pelo desporto são para ele horrores plebeus), não é este seu ponto de vista eminentemente pessoal que interessa, mas, antes, aquilo que “as pessoas” pensam e sentem nos setores em questão.” (Op. Cit., p. 237). 69 É o que Engisch chama de conceitos normativos apoiados em valores mutáveis de setores populacionais em mudança: “O problema da lei moral objetivamente válida é um problema filosófico-moral demasiadamente delicado para que o abordemos aqui de modo canhestro. É bastante que, em certas questões, exista uma tradição moral firme e tão segura que o Direito a pode tomar por base com o sentido de uma “lei moral objetiva”. “Mas, quer o preenchimento dos conceitos objetivos-normativos “carecidos de um preenchimento valorativo”, que há pouco referimos, se possa apoiar numa tradição moral inteiramente firme, quer se tenha de orientar pelos juízos de valor mutáveis de “setores populacionais em mudança” – a função desses conceitos normativos em boa parte é justamente permanecerem abertos às mudanças das valorações - , a “valoração” que o conceito normativo exige aqui é, num caso como no outro, uma questão de conhecimento. O órgão aplicador do Direito tem de averiguar quais são as concepções éticas efetivamente vigentes. A sua própria valoração do caso é tão-somente um elo na série de muitas valorações igualmente legítimas com as quais ele tem de confrontar e segundo as quais ele, sendo caso disso, a deverá corrigir. A valoração própria (pessoal) é, portanto, apenas parte integrante do material do conhecimento, e não o último critério de conhecimento.(Ibidem, p. 239). 70 Ibidem, p. 258.
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A indeterminação do conceito legal utilizado pelo legislador tributário
não gera a incerteza apregoada pelos positivistas, pois, como assinalou Amílcar de
Araújo Falcão,71 o instituto é utilizado pelo legislador não porque o conceito é
indeterminável, “mas porque, na norma em que está indicado, a determinação integral
do seu conteúdo não foi possível, por isso que para tanto é necessário considerar dados
empíricos, fácticos, técnicos ou científicos de que somente o intérprete e o aplicador, em
cada hipótese concreta, disporão.”
Embora a adoção de conceitos indeterminados seja tabu para a maioria da
doutrina brasileira, não são poucos os autores que defendem a sua possibilidade aqui e
alhures.
Nesse sentido, Valdés Costa72 que - mesmo em face do sistema
constitucional uruguaio onde, assim como nosso, legalidade tributária se confunde com
reserva legal – sustenta a possibilidade da lei tributária utilizar-se de conceitos
indeterminados. Diante do sistema constitucional espanhol, que também consagra o
princípio da legalidade tributária como princípio da reserva legal73, Perez Royo, admite
a utilização de conceitos indeterminados, desde que sejam definidos pela lei os limites e
critérios da fixação tributária.74
Por sua vez, Ferrero Lapatza75 admite que o regulamento aclare,
interprete e precise os elementos da obrigação tributária, desde que a própria lei
instituidora tenha, explícita ou implicitamente, ou a partir de uma definição legal dos
elementos essenciais, mais ou menos precisa, atribuído à autoridade administrativa, a
complementação indispensável a sua aplicação.
Em Portugal, onde também a Constituição adota o princípio da reserva
legal para a instituição de tributos, José Casalta Nabais76 defende a utilização dos
conceitos indeterminados a partir da ponderação do princípio da legalidade, e do seu
corolário, o princípio da determinação, com o princípio da praticidade. A aplicabilidade 71 Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4.ed. Anotada e atualizada por Geraldo Ataliba. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 113. 72 Op. Cit., p. 144. 73 Art. 133.1 da Constituição de 1978. 74Op. Cit., p. 46. 75Curso de Derecho ..., cit., pp. 53 e 54.
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do princípio da praticidade no direito tributário transcende, hoje, às suas origens
economicistas moldadas pelos cameralistas, de busca de uma maior produtividade com
o menor custo. Ganha modernamente o princípio uma dimensão axiológica que se
prende ao princípio da isonomia e ao valor da justiça, na medida em que o legislador
tributário, ciente de que não é onipotente, busca a simplificação, por meio da adoção de
conceitos mais abertos, capazes de captar toda a manifestação de riqueza por ele
considerada relevante, desprezando descrições detalhadas do fato gerador que se
mostram passíveis de ser facilmente elididas, ou cuja fiscalização por demais complexa
e cara, geraria um custo insuportável para a sociedade.77
No Brasil, Amílcar de Araújo Falcão78, Ricardo Lobo Torres79, Marco
Aurélio Greco80 e José Marcos Domingues de Oliveira81 admitem a utilização dos
conceitos indeterminados no direito tributário.
A despeito da resistência da maior parte da doutrina brasileira em aceitar
a utilização dos conceitos indeterminados pela lei de incidência tributária, não raras
vezes o legislador lança mão desse expediente, como é o caso de moléstia profissional,
previsto no art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88, como causa de isenção dos proventos
recebidos pelo contribuinte. Outro exemplo é a expressão despesas necessárias,
utilizadas na legislação do imposto de renda (Lei nº 4.506/64, art. 47), como parcela
dedutível na apuração da base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica.
A legislação aduaneira é um farto manancial de exemplos de conceitos
indeterminados utilizados pelas leis de incidência fiscal. Nesse sentido, o art. 148 do
Regulamento Aduaneiro (aprovado pelo Decreto nº 91.030/85) que, na isenção de
imposto de importação de bem destinado à finalidade específica, apresenta algumas
dessas hipóteses. O dispositivo em questão determina a cessação do benefício quando
os bens deixem de cumprir sua finalidade por tornarem-se obsoletos, sofrerem
76 77 Ibidem, p. 378. 78 Fato Gerador ..., cit., p. 112. 79 Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 98. 80 Planejamento Fiscal ..., cit., p. 70. 81 Direito Tributário e Meio Ambiente ..., cit., p. 99.
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modificação das condições de mercado, ou qualquer outro motivo devidamente
justificado, a critério da autoridade fiscal.
1.2.2. A legalidade tributária e as cláusulas gerais
Ao lado dos conceitos indeterminados, a lei utiliza-se ainda, como
técnica desvinculadora, as chamadas cláusulas gerais, que se traduzem na formulação
da hipótese legal que, dada sua grande generalidade, abrange todo um domínio de casos
subordinados a seu tratamento jurídico. São conceitos multisignificativos, que se
contrapõem a uma elaboração casuística das espécies legais.82 A sua utilização pelo
legislador não significa uma opção por conceitos abstratos, discricionários ou
indeterminados, uma vez que não possuem qualquer estrutura própria, embora quase
sempre resultem em um conceito indeterminado.83
No direito penal brasileiro também é comum a utilização de cláusulas
gerais como a do termo substância entorpecente, utilizado pelos artigos 12 e 16 da Lei
de Entorpecentes (Lei nº 6.368/760).
Sendo amplamente utilizados na definição do tipo penal, seara em que os
interesses em jogo prestigiam mais o valor da segurança jurídica, como vimos, fica
fragilizada a tese da impossibilidade de utilização dos conceitos indeterminados e das
cláusulas gerais no direito tributário. Muitas vezes, tal fragilidade fica escondida por
baixo de uma caricatura que se faz da utilização de cláusulas gerais para a definição de
tributo. É comum encontrar na doutrina84 o desprezo à possibilidade de utilização de
cláusulas gerais, como se a idéia que ora se defende autorizasse a definição de uma
cláusula geral tributária, capaz de abrigar todas as manifestações de capacidade
contributiva. Nem no auge da teoria da interpretação econômica do fato gerador, com
Eno Becker, ou da interpretação funcional, com a Escola de Pavia, chegou-se a se
pensar em tal possibilidade.
82 ENGISCH. Ob. Cit,. pp. 228 e 229. 83 Ibidem, p. 233. 84 Por todos, ver XAVIER, Alberto (Os Princípios da Legalidade ..., cit., p. 85).
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Não se pretende erigir a expressão tributo como uma cláusula geral, mas
permitir que o legislador identifique determinados signos de manifestação de riqueza
considerados reveladores de capacidade contributiva para, a partir de uma definição
bem generalizadora, definir o fato gerador do tributo. A utilização do método casuístico
para a definição do fato gerador do tributo, ou a sua definição carregada de detalhes
irrelevantes no que tange à capacidade contributiva, geram uma possibilidade ilimitada
para a prática da elisão fiscal, sem que seja garantida a segurança jurídica. Afinal,
quanto mais a norma especifica, maior é a sua indeterminação. 85
Assim, afastada a esdrúxula possibilidade de uma única cláusula geral
tributária, é forçoso reconhecer que as cláusulas gerais constituem um importante
instrumento de combate à elisão fiscal, a partir da definição genérica de um fato
gerador, capaz de abarcar toda a manifestação de riqueza eleita pelo legislador como
signo de capacidade contributiva.
Vale mais uma vez trazer a posição de Engisch, desta feita, a respeito da
utilização de cláusula geral como instrumento destinado a evitar as lacunas. Segundo o
referido autor, as cláusulas gerais, em razão de sua generalidade “tornam possível
sujeitar um mais vasto grupo de situações, de modo ilacunar e com possibilidade de
ajustamento, a uma conseqüência jurídica. O casuísmo está sempre exposto ao risco de
apenas fragmentária e provisoriamente dominar a matéria jurídica.”86
Além da definição genérica do fato gerador, as cláusulas gerais são
também utilizadas como instrumento de combate à evasão pela adoção de fatos
geradores supletivos ou suplementares, ao lado do fato gerador típico, como sustentou
Amílcar Falcão.87
85 Como salienta NABAIS, Casalta:“não se pode esquecer que o princípio da determinabilidade não se confunde com um suposto dever de pormenorizar o mais possível ou de otimizar a pormenorização da disciplina dos impostos, uma vez que, quanto mais o legislador tenta pormenorizar, maiores lacunas acaba por originar relativamente aos aspectos que ficam à margem dessa disciplina, aspectos estes que, como facilmente se compreende, variarão na razão inversa daquela pormenorização. Ou seja, as especificações excessivas, porque se enredam na riqueza dos pormenores, perdem o plano de que partiram, acabando, ao invés, por conduzir a maior indeterminação.” (Op. Cit., , p. 377). 86 ENGISCH. Op. Cit.,p. 233.
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Para Ricardo Lobo Torres, a utilização das cláusulas gerais na definição
do fato gerador do tributo, é inevitável diante da ambigüidade da linguagem no direito
tributário, não sendo afastada pelo princípio da tipicidade. 88
Exemplo de utilização de cláusula geral pelo legislador tributário é
revelado na própria definição do fato gerador do imposto de renda pelo artigo 43 do
CTN, que estabelece acréscimo patrimonial como uma cláusula geral a ser detalhada
pelo legislador ordinário. Nesse mesmo sentido, o artigo 3º da Lei nº 7.713/88, que
define como incidência o rendimento bruto da pessoa física.
Outro exemplo de utilização da cláusula geral pela legislação tributária
nos é dado pela lei instituidora da CPMF, a Lei nº 9.311/96, que ao definir o fato
gerador do tributo, utilizou-se de uma combinação entre a cláusula geral e o método
casuístico, gerando o método exemplificativo.89 De fato, o artigo 2º da citada lei, além
de estabelecer o lançamento a crédito, o lançamento a débito, a liquidação ou
pagamento de valores pelas instituições financeiras nas contas dos contribuintes, o que
revela utilização do método casuístico, adota a cláusula geral consagrada na expressão
qualquer movimentação ou transmissão de valores, dotando a enumeração de caráter
exemplificativo e reduzindo drasticamente, senão eliminado, as possibilidades de elisão
fiscal.90
Também constitui uma cláusula geral a expressão valores e títulos
mobiliários utilizada pela legislação do IOF, seja na Constituição, no CTN ou na Lei nº
8.033/90, que carece de integração pelo regulamento, dada a inexistência de previsão
legal definindo o seu conteúdo.
Deste modo, fica evidenciado que os tipos no direito tributário, como em
qualquer ramo do direito, são abertos, e que a maior ou menor abertura do tipo é 87 O Fato Gerador ..., cit., p. 57. 88 Curso de Direito Financeiro ..., cit., p. 98. 89 ENGISCH. Op. Cit.,p. 231. 90 A observação do texto, que se limita a examinar a técnica legislativa utilizada com vistas a evitar a elisão fiscal, não fica invalidada pela crítica contida ao longo desse trabalho, a respeito da eleição pelo legislador da CPMF de um fato gerador que nem sempre observa a capacidade contributiva. Ao contrário, reforça a nossa idéia de que, no injusto sistema tributário brasileiro, muito em função das
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determinada pelo legislador, na definição do fato gerador do tributo, não sendo vedada a
utilização de conceitos indeterminados e cláusulas gerais.
1.2.3. A tipicidade fechada como causa da crise axiológica do direito
tributário
A despeito do que já foi exposto, a maioria da doutrina brasileira ainda
segue as idéias formalistas baseadas na teoria da tipicidade fechada, concebida por
Alberto Xavier.
Note-se que a referida posição, no grau aqui verificado, não encontra
paralelo em outros países. De fato, não há outro país em que a doutrina abrace, com
tanta radicalidade como a nossa o faz, a defesa das idéias vinculadas à segurança
jurídica no direito tributário, em detrimento do valor da justiça e do princípio da
capacidade contributiva.
E justamente pelo fato da doutrina brasileira passar ao largo das
discussões sobre justiça, não sabendo como dar aplicação ao princípio da capacidade
contributiva, a jurisprudência segue a mesma orientação, limitando-se a perceber o
fenômeno jurídico tributário por meio das regras, desconhecendo os valores e
princípios.
Por outro lado, durante as últimas quatro décadas, o legislador tributário
brasileiro resignado com o fortalecimento do positivismo formalista que acaba por
suprimir o princípio da capacidade contributiva da Constituição Federal com a EC nº
18/65, aprofunda uma tendência de adotar como paradigma para a escolha dos fatos
geradores dos tributos, não a manifestação de riqueza, mas a maior ou menor
suscetibilidade da lei tributária ao planejamento fiscal.
questões suscitadas nesse trabalho, o maior mérito das normas tributárias, na visão do legislador, não é revelar capacidade contributiva, mas sua menor suscetibilidade à elisão e evasão fiscal.
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Tal fenômeno faz com que a legislação tributária revele um quadro bem
distante dos comandos constitucionais vinculados à idéia de justiça. Embora a
Constituição de 1988 volte a consagrar expressamente o princípio da capacidade
contributiva, a legislação tributária não dá qualquer efetividade ao princípio que deveria
ser aplicado sempre que possível.
Assim, revela-se uma grave contradição axiológica violadora dos
princípios constitucionais tributários vinculados à justiça e à igualdade, em razão das
leis, que pouco prestigiam os referidos valores, o que origina um dos sistemas
tributários mais iníquos do mundo, onde os assalariados suportam a maior parte da
carga tributária e as grandes empresas pouco contribuem. Estas, utilizando-se do
planejamento fiscal, não raro baseado na elisão abusiva, desbotam o texto constitucional
que elegeu os princípios da isonomia e da capacidade contributiva como principais
veículos da justiça fiscal.91
Alheios ao fenômeno, nossos tribunais e juristas, no afã de defender o
contribuinte da forma mais simples, se apegam aos aspectos formais do direito
tributário, permitindo que passem despercebidas as maiores violações aos direitos
vinculados à justiça.
Por sua vez, o legislador tributário - como que aceitando a lógica
formalista, e verificando a dificuldade fática em se arrecadar tributos dos segmentos de
maior capacidade contributiva, (quase sempre ancorados a planejamentos fiscais
abusivos) – parte para busca de soluções mágicas, capazes de obter recursos
independentemente da capacidade contributiva, elegendo como alvo principal os
91 O fenômeno, que não é uma exclusividade brasileira, foi descrito com grande felicidade por NABAIS, Casalta: “A falta de uma efetiva e eficaz fiscalização de tais declarações efetivamente a que se estabeleçam, entre nós, na prática dois tipos de contribuintes: os que pagam os impostos determinados (com base) na lei, (maxime, os trabalhadores dependentes), e os que pagam os impostos determinados, ao fim e ao cabo, com base no que eles desejam declarar (maxime, os profissionais liberais e as empresas), valendo assim para estes uma autotributação muito especial (já que, por um lado, direta e individualmente exercida e, por outro, concretizada na inteira liberdade na fixação do quanto dos impostos) e que, a nosso ver, suscita a questão de saber se não se está, de algum modo, perante uma manifestação, sui generis, da lei sociológica de G. Gèze (segundo a qual a classe ou as classes detentoras do poder tendem a desonerar-se dos impostos) se e na medida em que estes contribuintes dominem o Parlamento (e o Governo) em termos de constituírem o (verdadeiro) suporte duma ausência de adequada articulação entre a lei fiscal, preocupada com a tributação do rendimento real, e a correspondente fiscalização praticável.” (Op. Cit., p. 391.)
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consumidores, trabalhadores e correntistas, como se dá com a tributação dos bens de
consumo popular pelos impostos indiretos, quase nunca atentos ao mínimo existencial,
com o imposto de renda com retenções exclusivas na fonte, sem qualquer adequação à
renda auferida em todo o ano, com a COFINS e o PIS, que incidem sobre empresas que
apresentam prejuízos e a com CPMF, que adota fato gerador que nem sempre revela
manifestação de riqueza.
A escolha de tais fatos geradores não deixa de ser uma resposta
encontrada pelo legislador às dificuldades na apuração do verdadeiro lucro dos
contribuintes, e que é feita a partir de uma ponderação entre a praticidade administrativa
e a capacidade contributiva, cujo resultado revela grave prejuízo à justiça fiscal.
No entanto, como já se observou, o formalismo positivista, aqui com
algum atraso, vai cedendo lugar a uma visão que concebe o direito tributário de uma
forma mais condizente com o princípio da unidade da ordem jurídica, com a reunião dos
valores da segurança jurídica e da justiça, e a ponderação dos princípios da legalidade e
da capacidade contributiva, abrindo-se a uma interpretação mais vinculada aos valores.
Dentro desse novo contexto, ganham fôlego os questionamentos à teoria da tipicidade
fechada, permitindo ao legislador a adoção de descrições que melhor traduzem a
manifestação de riqueza do contribuinte, sendo possível a adoção de conceitos
indeterminados e cláusulas gerais pela lei definidora do fato gerador, bem como a
introdução em nosso ordenamento de cláusulas antielisivas genéricas e específicas.
1.3. O princípio da capacidade contributiva: breve histórico
A idéia de capacidade contributiva foi desenvolvida a partir das reflexões
sobre a Justiça aplicáveis ao direito tributário. Embora na Antiguidade greco-romana
sejam encontradas importantes discussões sobre o tema da justiça,92 não há estudos sobre
a sua aplicação aos tributos. A ausência de obras sobre o tema não impediu, contudo, que
desde a mais remota antiguidade determinados tributos fossem graduados de acordo com
a riqueza do contribuinte, como ocorria em Atenas, onde Sólon determinou a exigência de
92 Nesse sentido, a obra de Aristóteles (Ética A Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2000) é um marco.
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imposto direto por quatro categorias de contribuintes, de acordo com a fortuna de cada um
delas.93
A aplicação das reflexões sobre justiça aos tributos somente veio se dar na
Idade Média com a publicação de importantes obras como a de Frei Pantaleão Rodrigues
Pacheco e de Santo Tomás de Aquino. Observe-se que na obra de Frei Pantaleão
Rodrigues Pacheco já pode ser encontrado o gérmen do princípio da proporcionalidade:
“O terceiro requisito para a imposição do tributo é a proporção, à qual Suarez chama
forma do tributo, de tal modo que os pobres não sejam obrigados a contribuir com tanto
ou com mais que os ricos, como se deduz das Leis Romanas.”94
Em Santo Tomás de Aquino também já havia a preocupação com a
tributação secundum facultatem ou secundum equalitem proportionis, sendo tidos como
injustos os tributos que não seguissem esse critério.95
No entanto, somente a partir da obra de Adam Smith é que foi possível se
vislumbrar o princípio da capacidade contributiva. Esta foi então concebida como
manifestação do benefício que os contribuintes auferem das atividades estatais: “Os
súditos de todos os Estados devem contribuir para a manutenção do governo, tanto quanto
possível, em proporção das respectivas capacidades, isto é, em proporção do rédito que
respectivamente usufruem sob a proteção do Estado.”96 Extrai-se da obra de Smith o
princípio da proporcionalidade, baseado na premissa de que os benefícios estatais são
gozados pelos cidadãos na proporção de sua riqueza.
Já com Stuart Mill e seu utilitarismo economicista, a capacidade
contributiva é justificada pela teoria do sacrifício igual e pela utilidade marginal do
capital. Segundo ela, a riqueza passa a ser menos útil ao seu titular na medida que
aumenta, o que seria o fundamento da progressividade.97
93 Exemplo extraído de CONTI, José Maurício (Princípios Tributários da Capacidade Contributiva e da Progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p. 37). 94 Tratado da Justa Exacção do Tributo. In: AMZALAK, Moses Bensabat. Frei Pantaleão Rodrigues Pacheco e o seu “Tratado da Justa Exacção do Tributo” . Lisboa: Academia de Ciências, 1957, p. 82. 95 PALAO TABOADA, Carlos. “Isonomia e Capacidade Contributiva”. Revista de Direito Tributário 4: 125-154, p. 126. 96 Riqueza das Nações. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulberkian, 1999, vol. II, p. 485. 97 Princípios de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 290.
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A visão utilitarista de Stuart Mill inspirou os juristas vinculados à
jurisprudência dos interesses a identificar a capacidade contributiva como a causa do
tributo. Dentro dessa visão economicista, a preponderância da Economia sobre o Direito
influenciaria sobremaneira os tributaristas alemães do início do século XX, como Eno
Becker e Albert Hensel, que a partir de uma visão causalista de capacidade contributiva,
criaram a teoria da interpretação econômica do fato gerador, consagrada pelo Código
Tributário Alemão de 1919. Embora baseada teoricamente na justiça e na capacidade
contributiva, a doutrina da consideração econômica do fato gerador, que ignorava a
forma jurídica do ato praticado pelo contribuinte, para atingir os fins econômicos
almejados, acabou - num ambiente político em que o Estado precisava arrecadar cada
vez mais para fazer frente às suas novas obrigações como provedor das necessidades
sociais - por desqualificar o fim almejado pela norma confundindo-o com a necessidade
de angariar mais recursos.
Na verdade, o que se buscava nessa visão utilitarista de justiça, não era a
sua condição enquanto valor jurídico, mas uma forma de arrecadar mais recursos, devido
ao aumento da demanda das prestações estatais, inerentes ao Estado Social.
Com a ascensão do nacional-socialismo na Alemanha, a doutrina da
consideração econômica do fato gerador foi apropriada pelo novo regime, que
introduziu a sua visão do mundo como elemento teleológico a ser seguido pelo
intérprete. Diante de tamanhas contradições com os objetivos que a inspiraram, a teoria
da consideração econômica do fato gerador entrou em declínio, na Alemanha, a partir
de 1955, dando-se a retomada ao formalismo do método sistemático.98
Na Itália, as idéias causalistas influenciaram muitos juristas,
especialmente os da Escola de Pavia, como Benverutto Griziotti, Dino Jarach e Ezio
Vanoni, que desenvolveram a interpretação teleológica por meio da visão funcionalista.
98 BEISSE, Heinrich. O Critério Econômico na Interpretação das Leis Tributárias Segundo a Mais Recente Jurisprudência Alemã. In: Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira, p 13.
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Deve-se a Benvenuto Griziotti, o desenvolvimento da tese da causa do
imposto, a partir na noção de causa utilizada por Ranelletti.99 Segundo Griziotti, a
causa jurídica do imposto se traduziria no fornecimento de serviços e bens capazes de
dar satisfação às necessidades públicas. No entanto, seu seguidor, Dino Jarach,
desenvolveu a tese segundo a qual a causa jurídica do imposto seria, antes de tudo, a
capacidade contributiva.100 Desta forma, em obra posterior, Griziotti101 reviu sua
posição e passou a entender, como Jarach, ser a capacidade contributiva, de fato, a causa
do imposto, embora a considerando como causa específica, ao lado de uma causa geral
(as prestações estatais).
Outro representante da Escola de Pavia, Mario Pugliese,102 também
identificou a causa do imposto na capacidade contributiva. Porém, assim, como
Griziotti, paralelamente a esta (causa específica), contemplou uma causa mais ampla: a
prestação de benefícios estatais.
A radicalização das idéias da Escola de Pavia levou ao afastamento da
legalidade para se buscar a manifestação de riqueza ou a capacidade contributiva,
independentemente da previsão legal. Exemplificativa dessa tendência é a posição de
Ezio Vanoni que admite a cobrança de um tributo em hipóteses não previstas pela lei, a
partir da atividade hermenêutica.103
Porém, foi na própria doutrina italiana que a teoria da causa jurídica do
tributo, como capacidade contributiva, sofreu sua mais dura crítica. A. D. Giannini,104
considerava ser a lei a causa jurídica do imposto. Assim, o imposto seria cobrado pelo
simples fato de estar previsto na lei, a partir do poder de império do Estado, restando à
99 Natura Giuridica dell’imposto, 1898, apud BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, atualizada por Misabel de Abreu Derzi, 1997, p. 714. 100 O Fato Imponível – Teoria Geral do Direito Tributário Substantivo, p. 99-100. 101 Riflessioni di diritto internacionale, politica, economia e finanza, R. Univ. di Pavia, 1937, apud PUGLIESE, Mario, Instituciones de Derecho Financiero, p. 111. 102 Op. Cit., p. 112. 103 Segundo Vanoni: “a extensão da lei tributária a hipóteses não expressamente compreendidas pelo legislador, ou não previstas por ele, quando ocorra segundo as regras jurídicas e lógicas de interpretação que temos mencionado, não pode contrariar em caso algum a disposição do art. 30 da Constituição, porque essa extensão não representa a criação de um novo tributo, mas a realização da norma tributária.” (“Natureza e Interpretação das Leis Tributárias”, p. 189). 104 Il rapporto giuridico dell’imposta, apud PUGLIESE, Mario, Instituciones de Derecho Financiero, p. 111.
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capacidade contributiva a natureza de uma mera causa pré-jurídica. Nesse sentido:
Blumenstein,105 na Suíça; Giuliani Fonrouge,106 na Argentina; Rubens Gomes de
Sousa,107 e Alfredo Augusto Becker,108 no Brasil.
A teoria da capacidade contributiva como causa jurídica do imposto
ganhou adeptos em outras partes do mundo, como Ottmar Buhler,109 na Alemanha, Louis
Trobatas,110 na França, e Aliomar Baleeiro,111 no Brasil. Porém, a aceitação das
doutrinas causalistas baseadas na jurisprudência dos interesses no Brasil, nunca foi
integral. Embora a teoria da consideração econômica do fato gerador tenha tido em
Amílcar Falcão um seguidor, e a tese causalista da capacidade contributiva tenha
encontrado apoio em Aliomar Baleeiro, tais idéias nunca penetraram em nosso país com
a radicalidade verificada nos ordenamentos de seus precursores.
De fato, a teoria da consideração econômica do fato gerador na obra de
Falcão não chegou aos extremos verificados na Alemanha, com o afastamento da
legalidade e a confusão entre as idéias de capacidade contributiva e da busca do
aumento da arrecadação. Segundo Amílcar de Araújo Falcão,112 a interpretação
econômica se daria diante da atipicidade da forma jurídica adotada pelo contribuinte
com a finalidade exclusiva de evitar o fato gerador, a partir da prática de ato com os
mesmos efeitos econômicos daquele descrito pela lei. Na verdade, o pensamento de
Falcão se aproxima muito mais das idéias hoje defendidas pelos juristas pós-positivistas
do que com os seguidores da escola funcionalista, o que denota a modernidade, ainda
nos dias atuais, da obra do autor brasileiro.
Por outro lado, Baleeiro, ao adotar as teorias causalistas, não descurou no
respeito à legalidade tributária como limite à ação do aplicador da lei em busca do
105 System des Steuerrechts, Zurich, 1951, vol. I, p. 8, apud GUIMARÃES, Carlos da Rocha, O Problema da Causa no Direito Tributário, RDA 45/1. 106 Derecho Financiero, , p. 452. 107 Compêndio de Legislação Tributária, p. 99. 108 Teoria Geral do Direito Tributário, p. 93 109 Apud BALEEIRO, Limitações ..., cit., p. 727. 110 L’a applicacione della Teoria della causa nel Diritto Finanziario, apud BALEEIRO, Limitações ..., cit., p. 725. 111 Limitações ..., cit., pp. 740/741. 112 Fato Gerador da Obrigação Tributária, p.71
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princípio da capacidade contributiva - principal equívoco incorrido pelos juristas da
Escola de Pavia.
Durante o período de retomada formalista, o princípio da capacidade
contributiva sobreviveu como mera vedação à arbitrariedade, ou seja, como limite a
distinções que não fossem razoáveis. Não resta dúvida que nessa fase o legislador
passou a ter uma maior liberdade para a definição dos fatos geradores, e o princípio da
capacidade contributiva entrou em crise.113
A redução do princípio da capacidade contributiva a mera vedação à
arbitrariedade degenero-se no Tribunal Constitucional Alemão na simples exigência de
fundamentação. Assim, qualquer justificativa para o afastamento do referido princípio
era aceita, como, por exemplo, a necessidade financeira do Estado, a tradição do direito
tributário alemão, a convicção do legislador e a paciência do contribuinte. Fenômeno
não muito diverso se deu na jurisprudência constitucional espanhola e italiana, onde a
simples finalidade extrafiscal do tributo era motivo suficiente para o afastamento da
capacidade contributiva.114
A inocuidade do princípio da capacidade contributiva perante o Tribunal
Constitucional Alemão levou ao seu descrédito frente à doutrina daquele país. A
posição cética de Kruse constitui o melhor exemplo dessa situação. De acordo com o
citado autor tedesco, não existem critérios objetivos para ordenar a tributação, mas
apenas necessidades financeiras que precisam ser atendidas.115
Mas se o princípio da capacidade contributiva, em sua visão causalista,
entrou em colapso no final da década de 50, na Alemanha, no começo dos anos 60, na
Itália, começaram a surgir novas obras sobre o tema, com uma visão significativamente
diferente da adotada pela escola funcionalista. A mais importante delas é a de Emilio
Giardina116, datada de 1961, onde o autor buscou dar alguma aplicabilidade prática ao
dispositivo do art. 53 da Constituição italiana que consagra o princípio, até então tido 113 HERRERA MOLINA, Pedro M. Capacidad Econômica y Sistema Fiscal – Análisis del ordenamiento español a la luz del Derecho alemán. Barcelona: Marcial Pons, 1998, p. 77. 114 Ibidem, p. 78. 115 Apud HERRERA MOLINA, Op. Cit., p. 78.
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como programático pelos tribunais, a partir do afastamento dos tributos confiscatórios e
aqueles que gravam as rendas mínimas e da graduação progressiva do sistema tributário.
A partir daí, vários autores italianos publicaram obras que buscaram dar uma maior
efetividade ao citado dispositivo constitucional: Manzoni (1965)117, Maffezoni
(1970)118 e Frascesco Moschetti (1973).119 Segundo Moschetti, a capacidade
contributiva não se confunde com qualquer manifestação de riqueza, mas somente na
real força econômica do contribuinte que seja idônea a concorrer às despesas
públicas.120
As décadas de 1980 e 1990 foram palco da reabilitação do princípio da
capacidade contributiva, não só na jurisprudência dos tribunais constitucionais como na
doutrina européia. São juristas como Tipke, Vogel e Lang, na Alemanha; Moschetti,
Tosi e Fantozzi, na Itália; e Calvo Ortega, Ferreiro Lapatza e Falcón y Tella, na
Espanha, que dão ao referido princípio uma nova dimensão, que vai bem além da
vedação ao arbítrio na escolha dos fatos geradores. 121
Nessa nova diretriz, a capacidade contributiva se traduz não só em limite
negativo que exclui os fatos que não revelam manifestação de riqueza, como constitui
critério indispensável para a repartição da carga tributária pelos cidadãos. Essa
reabilitação do princípio, não só superou o ceticismo formalista, como foi bem além do
causalismo economicista, buscando conteúdo no valor da igualdade, e no direito
fundamental de pagar tributo na mesma proporção daquele que possui a mesma riqueza.
Contudo, o princípio não é, como foi considerado na época da
jurisprudência dos interesses, absoluto, devendo ser ponderado com outros interesses
buscados pela a tributação, tais como a extrafiscalidade e a praticidade
administrativa.122 Assim, - e é aqui que os juristas modernos superam o argumento dos
céticos que enxergavam no fenômeno da extrafiscalidade a negação da capacidade 116 Le Basi Teoriche Del Princìpio della Capacità Contributiva. Milano: Giuffrè, 1961, p. 439. 117 MANZONI, Ignazio. Il Princìpio della Capacità Contributiva nell´Ordinamento Costituzionale Italiano. Torino: G. Giappichelli, 1965. 118 MAFFEZONI, Federico. Il Princìpio della Capacità Contributiva nel Diritto Finanziario. Torino: UTET, 1970. 119 MOSCHETTI, Francesco. Il Princìpio della Capacità Contributiva. Padova: Cedam, 1973. 120 Ibidem, p. 238. 121 HERRERA MOLINA. Op. Cit., pp. 73 a 77.
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contributiva como princípio cogente - não basta a alegação de que determinada norma
tributária busca um fim econômico diverso da arrecadação para se driblar o princípio da
capacidade contributiva. É preciso que tais motivos sejam justificados, a luz do
princípio da proporcionalidade.
Vale reprisar que ao contrário do que ocorria na fase áurea das teses
causalistas, a capacidade contributiva, conforme se entende modernamente, busca seu
fundamento em valores como a igualdade, e não mais numa visão economicista,
vinculada à necessidade do Estado angariar recursos para promover as prestações
estatais garantidoras da justiça social.
Nota-se aí uma mudança de paradigma. Não vale mais pesquisar quanto
o Estado vai gastar para se atingir o ideal de justiça social, e qual será o quinhão de cada
cidadão para atingir esse montante, como na era da jurisprudência dos interesses. Ao
contrário, o ideal da Justiça Fiscal, hoje, se realiza na investigação de quanto cada
cidadão pode contribuir com as despesas públicas,123 a luz dos valores e princípios
reatores do Estado Democrático e Social. Portanto as despesas públicas devem se
limitar ao somatório da capacidade contributiva de cada um, sob pena de as prestações
estatais serem realizadas a custa de parcelas indispensáveis à vida digna do homem.
Resta-nos, assim, concluir que a Justiça é um valor que já deve ser concretizado no
momento de se arrecadar o tributo, e não somente mediante prestações públicas,
viabilizadas com os recursos tributários.
Ora, legitimar a tributação onde não há manifestação de riqueza, em
nome das prestações estatais, por mais relevantes que sejam, constitui uma ilusão, pois
mesmo que o Estado preste serviços públicos que venham a suprir as necessidades
básicas do cidadão, o que nem sempre ocorre, o elevado custo da administração estatal
representa uma diminuição do direito do cidadão. Assim, mais vale deixar que o
cidadão tenha recursos para atender suas próprias necessidades básicas, do que tributar
suas parcas rendas a fim de garantir o atendimento dessas pelo Estado.
122 Ibidem. 123 Segundo TIPKE: “O princípio da capacidade contributiva não investiga o que o Estado e comunidades podem fazer pelo cidadão isolado, senão o que o cidadão isolado, com base na sua capacidade contributiva, pode fazer por seu Estado e sua comunidade.” (“Sobre a Unidade da Ordem ...”, cit., p. 64).
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Isso não significa, no entanto, que no Estado Democrático e Social de
Direito não seja imperioso que o Estado tribute a capacidade contributiva de alguns para
atender as necessidades básicas de outros que, com seus próprios recursos, não podem
custeá-las.
Convém lembrar que, modernamente, o princípio da capacidade
contributiva goza de aplicação universal, seja como uma derivação do princípio da
igualdade, previsto em todas as constituições,124 seja por meio de cláusulas
constitucionais que determinam a tributação proporcional ou mesmo de previsões
expressas.125 No plano normativo, o princípio foi implicitamente consagrado na
Constituição revolucionária francesa, de 1791, como decorrência do princípio da
igualdade.126 E desse também se extrai a capacidade contributiva na Constituição
Alemã. Já na Argentina, o princípio também aparece, implicitamente, no artigo 4º da
Constituição de 1994, que prescreve que os tributos serão instituídos eqüitativa e
proporcionalmente. No México, a Constituição de 1917 adotou modelo semelhante, em
seu art. 31, com a determinação de que os mexicanos contribuíssem em medida
proporcional e equânime. Na Espanha , o princípio da capacidade contributiva está
expressamente previsto no art. 31.1 da Constituição; o mesmo se dá no art. 53 da carta
constitucional italiana.127
No Brasil, a Constituição Federal de 1946, em seu artigo 202,128 agasalhava
de modo expresso, o princípio da capacidade contributiva, que no entanto, já integrava
nosso ordenamento, implicitamente, desde a Constituição de 1824 (art. 179, XV).129
Embora ausente nos textos autoritários da Constituição de 1967 e da EC nº 1/69, após ser
124 UCKMAR, Victor, Op. Cit., p. 53. 125 Como salienta Klaus Tipke: “Muitas constituições citam expressamente o princípio da capacidade contributiva como parâmetro. Mas mesmo quando isso não ocorra, o princípio da capacidade contributiva é o único princípio justo no âmbito tributário; é portanto o único parâmetro justo de comparação para a aplicação do princípio da igualdade. Todas as constituições dos estados democráticos reconhecem o princípio da igualdade.” (“Sobre a Unidade ...”, cit., p. 64). 126 PÉREZ ROYO, Fernando. Op. Cit., p. 35. 127 Para uma visão mais ampla da capacidade contributiva na constituição de vários países vide UCKMAR, Victor (Op. Cit., pp. 66/67). 128 Constituição Federal de 1946, art. 202: “Os tributos terão o caráter pessoal sempre que isso fôr possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. 129 Constituição Imperial de 1824, art. 179, XV: “Ninguém será exempto de contribuir para as despezas do Estado em proporção dos seus haveres.”
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suprimido pela EC nº 18/65, podia a capacidade contributiva ser extraída do próprio
princípio da isonomia.130 Hoje, o princípio ressurge no art. 145, § 1º, da Constituição
Federal de 1988.131
1.3.1. Fundamento, conteúdo e extensão da capacidade contributiva
Com a previsão constitucional do princípio da capacidade contributiva na
Carta de 1988, não há mais como justificar o ceticismo kelsiniano da doutrina brasileira
que, diante das dificuldades em definir um conteúdo substantivo para a justiça, agarra-se
à segurança jurídica com se esta fosse o único valor fundamental na ciência do Direito.
O princípio da capacidade contributiva constitui-se em uma decorrência
do princípio da igualdade,132 na medida em que todos devem contribuir para as despesas
públicas, em razão de suas possibilidades econômicas. Assim, de acordo com esta
diretriz, somente são legítimas as distinções que se baseiem na diferença entre as
riquezas que vários contribuintes manifestam.133
De acordo com Moris Lehner,134 superada a fase em que o princípio da
igualdade se limitava a vedar o arbítrio, modernamente o princípio da capacidade
contributiva se traduz em parâmetro constitucional da igualdade.
130 FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador, cit., p. 68. BALEEIRO extraía o princípio do art. 153, § 36, da EC nº 1/69, que prescrevia: “A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota.” (Limitações ..., cit., p. 687). 131 Constituição Federal de 1988, art. 145, § 1º: “Sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” 132 TIPKE, Klaus. “Princípio da Igualdade e a Idéia de Sistema no Direito Tributário”. In: Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, p. 517-527, 1984, p. 517. 133 Não que não sejam possíveis distinções baseadas em outros critérios que não a capacidade contributiva, como se demonstrará ao longo do texto, mas são as distinções baseadas na manifestação de riqueza as que se fundamentam no princípio em estudo. 134 Op. Cit., p. 151.
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Como bem assinala Tipke,135 a igualdade, ao contrário da identidade, é
sempre relativa, pois o que é completamente igual é idêntico. Há que se inquirir em
relação a que as coisas são iguais e, a partir daí, averiguar se as distinções encontradas
justificam, de fato, a atribuição de um tratamento diferenciado pelo legislador tributário.
As distinções que devem ser levadas em consideração pelo legislador tributário são as
que se baseiam numa diferente manifestação de riqueza, salvo se presente outro
fundamento a se ponderar com a capacidade contributiva.
O princípio da igualdade, consagrado na Constituição, não se contenta
com a igualdade formal, mas almeja também sua concepção material. Nesse sentido,
está a capacidade contributiva intrinsecamente vinculada com a solidariedade136 e com
a dignidade da pessoa humana.137
Sendo uma das tarefas do Estado Democrático e Social a garantia da
dignidade da pessoa humana - o que está sempre a exigir prestações estatais positivas - é
necessário angariar recursos daqueles cuja sobrevivência digna não depende das
prestações estatais para, desta forma, de acordo com o princípio da solidariedade,
socorrer os reclames elementares da grande massa que, embora não tenha recursos para
contribuir, necessita das prestações estatais. Nesse sentido, o princípio da capacidade
contributiva se traduz num instrumento da justiça distributiva e da redistribuição de
rendas.138
Segundo Ricardo Lobo Torres, o princípio determina: “que cada um
deve contribuir na proporção de suas rendas e haveres, independentemente de sua
eventual disponibilidade financeira.”139 Para Aliomar Baleeiro, “a capacidade
contributiva do indivíduo significa sua idoneidade econômica para suportar, sem
sacrifício do indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração
qualquer do custo total dos serviços públicos.”140
135 “Princípio da Igualdade ...”, cit., p. 519. 136 HERRERA MOLINA, Op. Cit. ,p. 92. 137 Ibidem, p. 82 138 TORRES, Ricardo Lobo, Curso de Direito Financeiro..., cit., p 88. 139 Ibidem, p. 79. 140 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução ..., cit., p. 259.
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Deste modo, a capacidade contributiva consiste na manifestação
econômica, identificada pelo legislador, como signo presuntivo de riqueza a
fundamentar a tributação. E embora as expressões capacidade econômica e capacidade
contributiva sejam utilizadas como sinônimas, é correta a distinção de Carrera Raya141,
segundo a qual a primeira designa a disponibilidade da riqueza, ou seja, de meios
econômicos, enquanto a última se refere à capacidade econômica eleita pelo legislador
como fato gerador do tributo.
Assim, como não é possível que o legislador identifique a capacidade
contributiva de cada pessoa, ele visualiza situações que a revelam: são os fatos
geradores dos impostos.142 É por esse motivo que a existência de um sistema tributário
melhor atende ao princípio da capacidade contributiva, do que a idéia de imposto único,
desde que, como é óbvio presumir, tal sistema seja concebido à luz de fatos geradores
que se revelem em signos de manifestação de riqueza e que sejam harmônicos entre si, e
não por simplesmente se moldarem a uma arrecadação mais simples.
Dentro da concepção de que o fato gerador se traduz em signo de
manifestação de riqueza é possível vislumbrar-se a acepção objetiva da capacidade
contributiva. E para que esta seja efetivada, o legislador deve escolher como fato gerador
do tributo, um ato que seja revestido de conteúdo econômico. Violada será, portanto,
quando houver tributação de atos que não se revelem em signos presuntivos de riqueza,
como os do uso de barba e bigode, por exemplo.143
141 Manual de Derecho Financiero . Madrid: Tecnos, 1993, vol. I , p. 92 142 Não que os demais tributos também não se subordinem ao princípio da capacidade contributiva, como abaixo se demonstrará. 143 Com toda a propriedade, assinala Dino Jarach:“Todas as situações e todos os fatos aos quais está vinculado o nascimento de uma obrigação impositiva possuem como característica a de apresentar um estado ou um movimento de riqueza; isto se comprova com a análise indutiva do direito positivo e corresponde ao critério financeiro que é próprio do imposto: o Estado exige uma soma de dinheiro em situações que indicam capacidade contributiva. É certo que o Estado por capricho, pelo seu poder de império, poderia exigir impostos com base em qualquer pressuposto de fato, mas o Estado, afortunadamente, não age assim.” (O Fato Imponível ..., cit., p. 95/96). No mesmo sentido, Victor Uckmar: “Ademais, o dimensionamento à capacidade contributiva exclui “graduações da carga tributária que não sejam relacionadas a diferenças na condição econômica dos indivíduos”. Único elemento para diferenciar as cargas tributárias entre várias pessoas é a sua capacidade econômica: portanto, não seria consentido estabelecer que “os loiros devem pagar mais que os morenos” ou que todas as pessoas calvas ou míopes devam, enquanto tais, pagar um tributo” (Op. Cit., ,pp. 69/70).
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Assim, de acordo com o princípio da capacidade contributiva em seu
aspecto objetivo, os fatos geradores de cada imposto têm origem em duas espécies de
riqueza: a renda e o patrimônio. Os demais fatos geradores previstos no sistema
tributário devem constituir desdobramentos desses dois fenômenos econômicos;
constituem eles técnicas diferentes para se atingir o mesmo resultado. Obviamente
quando se reduzem os signos de manifestação de riqueza à renda e ao patrimônio, estas
expressões são utilizadas em sentido bem mais amplo do que lhes são dados pela
legislação que define os impostos sobre patrimônio e renda. Retrata bem essa visão a
lição de Pérez de Ayala. Segundo o Conde de Cedillo, a riqueza é manifestada por meio
de uma visão fotográfica, e portanto estática, pelo patrimônio. No entanto, a riqueza
também pode ser visualizada por uma visão cinematográfica, dinâmica, a exigir uma
delimitação temporal a determinado período. É o que ocorre com a renda.144
Vale ainda ressaltar que, diante do binômio renda/patrimônio, como
signos presuntivos de riqueza, os impostos pessoais devem ter como fato gerador algum
fenômeno que revele a renda disponível para a pessoa física e o lucro para as empresas,
como assinala Tipke.145
Nos impostos reais, a riqueza é revelada pelo patrimônio, estando a
capacidade contributiva, neste caso, também relacionada com a função social da
propriedade,146 num ordenamento que não absolutiza os direitos do proprietário. A
função social da propriedade, atualmente, não é mais encarada como um limite
extrínseco aos direitos do proprietário, mas como verdadeiro fundamento do direito à
propriedade. Nesse sentido, uma de suas funções sociais seria a de contribuir, através
de uma parcela de seus frutos, para o atendimento das despesas públicas. Assim, a
tributação não pode atingir, senão, os rendimentos do patrimônio.147
144 PEREZ DE AYALA, Jose Luis. Derecho Tributario I. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1968, p. 89. 145 Segundo o referido autor: “Todo o cidadão deve pagar impostos em conformidade com o montante de sua renda disponível para o pagamento de impostos; toda empresa deve pagar impostos de acordo com o montante de seu lucro.” ( “Sobre a Unidade ...” , cit., p. 64). 146 HERRERA MOLINA. Op. Cit. , p. 94. 147 TIPKE. “ Sobre a Unidade ...”, cit., p. 63.
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Ainda segundo Tipke,148 não ofende o princípio da igualdade a tributação
dos rendimentos do capital de forma mais onerosa que os rendimentos do trabalho. Ao
contrário, em face do primado constitucional do trabalho, trata-se de uma medida da
mais alta justiça.
Por outro lado, é de acordo com seu aspecto subjetivo, que o princípio se
destina a aferir a capacidade de pagamento de cada um, graduando-a de acordo com o
signo de manifestação de riqueza escolhido pelo legislador, ao definir o fato gerador de
cada tributo.
Como princípio que é, a capacidade contributiva apresenta grande fluidez
em sua definição, constituindo verdadeiro conceito indeterminado, cujo núcleo é
revelado pela riqueza disponível.149 E essa indeterminação constitucional, característica
do halo conceitual, é enfrentada pela regulação de cada imposto, oferecida pelo
legislador, que leva em consideração, não só a definição do fato gerador em seus
aspectos material, temporal, espacial e quantitativo, mas também os subprincípios da
proporcionalidade, da progressividade, da seletividade e da personalização.150 É desta
forma que a riqueza disponível será revelada em atendimento ao aspecto subjetivo do
princípio da capacidade contributiva.
A proporcionalidade consiste na variação da tributação em razão da
diferença da base de cálculo, a partir da aplicação da mesma alíquota. É o padrão clássico
para efetivação da capacidade contributiva concebido por Adam Smith a partir da teoria
do benefício, segundo a qual se presume que as pessoas se beneficiam das prestações
estatais na proporção de suas riquezas.151 Contestada por Stuart Mill, a teoria do
benefício encontrou oposição na teoria do igual sacrifício, que acabou por consagrar o
subprincípio da progressividade como grande instrumento do Welfare State. Juntamente
com este, no entanto, a progressividade começou a perder fôlego, a partir das décadas de
1960 e 1970, quando a teoria do benefício foi retomada James Buchanan.152 Nos dias
148 Ibidem, p. 65. 149 MOLINA. Op. Cit., p. 145. 150 Os quatro subprincípios são elencados por Ricardo Lobo Torres (Curso de Direito Financeiro ..., cit., p. 83). 151 SMITH, Adam. Op. Cit., p. 485. 152 BUCHANAN, James. The Limits of Liberty, p. 98.
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atuais a proporcionalidade é saudada como o melhor índice de capacidade contributiva
por John Rawls153 e Klaus Tipke.154
Por sua vez, a progressividade se concretiza pela elevação da alíquota na
medida em que é aumentada a base de cálculo. Seu fundamento era, originariamente, a
distribuição igualitária do sacrifício social da tributação conforme defendido por Stuart
Mill, como vimos. O economista inglês partia da idéia de que na medida que o capital
aumentava, sua utilidade para o seu possuidor diminuía, sendo legítima sua apropriação
pelo Estado em parcela maior.
Após a retomada da teoria do benefício pelos economistas neoliberais do
final do século XX, a progressividade, hoje, não mais deve ser extraída de uma visão
utilitarista de igual sacrifício, mas como importante instrumento de redistribuição de
rendas no Estado Democrático e Social de Direito.
O próprio Rawls, embora defenda que os tributos com finalidade
arrecadatória incidentes sobre as despesas ou rendas devam ser proporcionais em
sociedades com alto grau de respeito aos princípios da justiça como eqüidade, uma vez
que essa modalidade de tributação é mais adequada ao estímulo da produção, reconhece
também que nos sistemas tributários de países em que haja maior desigualdade social, a
progressividade dos impostos sobre a renda é medida exigida pelos princípios da
liberdade, da igualdade eqüitativa de oportunidades e da diferença.155
Nesse mesmo sentido, Tipke entende, na esteira do Tribunal
Constitucional Alemão, que a progressividade rompe com a igualdade, mas este
rompimento é justificado pelo princípio do Estado Social, que tem por objetivo a
distribuição de riquezas.156
Deste modo, numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais
como a nossa, a progressividade é, em vários impostos, o instrumento mais adequado à
153 RAWLS. Op. Cit., p. 307. 154 TIPKE. “Princípio da Igualdade ...”, cit., p. 527. 155 RAWLS. Op. Cit., p. 308. 156 TIPKE. “Princípio da Igualdade ...”, cit., p. 527.
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aplicação do princípio da capacidade contributiva, baseando-se na justiça social É que a
proporcionalidade, embora seja uma manifestação da capacidade contributiva, uma vez
que não adota um valor fixo na tributação, se traduz num instrumento bastante tímido na
distribuição de rendas. Como bem observa Luciano Amaro,157 a capacidade contributiva
não se esgota na proporcionalidade, uma vez que aquela exige “a justiça da incidência em
cada situação isoladamente considerada e não apenas a justiça relativa entre uma e outra
das duas situações.”
No mesmo sentido, Pedro Herrera Molina, para quem a é progressividade
que confere conteúdo ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que aquela deriva
dos valores da igualdade158 e da solidariedade.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que a
progressividade não é decorrência natural do princípio da capacidade contributiva, que
por sua vez, se realiza pela proporcionalidade, a não ser que o próprio texto constitucional
determine expressamente a utilização de alíquotas progressivas.159
Porém, a posição de condicionar a aplicação da progressividade à expressa
previsão constitucional esvazia mortalmente o princípio da capacidade contributiva, que
encontra, no Estado Democrático Social de Direito, a progressividade como mecanismo
mais eficaz para sua realização, mormente numa sociedade tão desigual quanto a
brasileira.
No entanto, como a tese da necessidade de previsão constitucional expressa
para a aplicação da progressividade foi vitoriosa essa posição no STF, este subprincípio,
como instrumento realizador da capacidade contributiva, se limita ao imposto de renda, e
após a EC nº 29/00, ao IPTU.
157 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 136. 158 Em sentido contrário TIPKE (“Princípio da Igualdade ...”, cit., p. 527). 159 STF, Pleno, RE nº 153.771/MG, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 05/09/97, p. 41.892, em relação ao IPTU; e STF, Pleno, RE nº 234.105/SP. Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 31/03/00, p. 61, em relação ao ITBI.
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Por outro lado, também já entendeu o STF pela impossibilidade de
aplicação de alíquotas progressivas nos impostos reais.160 No entanto, nos parece inexistir
qualquer óbice à progressividade dos impostos reais, uma vez que o patrimônio do
contribuinte é índice de riqueza hábil a ser quantificado na fixação do aspecto subjetivo
do princípio da capacidade contributiva, como se extrai do próprio art. 145, § 1º da
Constituição Federal, e, mais recentemente, da EC nº 29/00, que, dando nova redação ao
art. 156, § 1º do Texto Maior, previu a progressividade no IPTU, vinculada à capacidade
contributiva e calculada em razão do valor venal do imóvel.161
Outro subprincípio que vai dar efetividade ao princípio da capacidade
contributiva é a seletividade, que se materializa pela variação de alíquotas em função da
essencialidade do produto ou da mercadoria, e que representa a modalidade mais
adequada à aplicação do princípio da capacidade contributiva nos impostos indiretos,
como o ICMS e o IPI, pois afere a capacidade econômica do contribuinte de fato, a partir
do grau de indispensabilidade do bem consumido. Dentro dessa lógica, o consumo de
bens populares é gravado com alíquotas menores, como ocorre com os produtos da cesta
básica. Já os bens supérfluos são tributados com base em alíquotas maiores, como se dá
com cigarros, bebidas e perfumes.
Em sendo assim, não é difícil perceber que a aplicação da
proporcionalidade nos impostos incidentes sobre os bens de consumo popular, como
gêneros alimentícios de primeira necessidade, acaba gerando um efeito regressivo, pois
retira das classes menos aquinhoadas, relativamente, mais do que é suportado pelos
abastados,162 não se resguardando o mínimo existencial.
Por sua vez, situação parecida ocorreria na aplicação da progressividade
aos impostos sobre o consumo, uma vez que não suportando o sujeito ativo a carga
tributária, a tributação de acordo com a sua riqueza, teria o condão de transferir para o
160 STF, Pleno, RE nº 153.771/MG, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 05/09/97, p. 41.892. No mesmo sentido Ricardo Lobo Torres (Curso de Direito Financeiro..., cit., p. 82). 161 Já existem importantes vozes que se levantam contra a constitucionalidade do IPTU progressivo previsto na EC nº 29/00. Por todos, Ricardo Lobo Torres (Curso de Direito Financeiro..., cit., p. 83). Embora a discussão do tema não seja objeto desse trabalho, entendemos não ter a referida emenda constitucional, nesse ponto, violado qualquer cláusula pétrea, sendo compatível com o texto constitucional, pelas razões expostas no texto. 162 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução..., cit., p. 211.
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consumidor, contribuinte de fato, um encargo que não seria necessariamente adequado à
sua capacidade contributiva.163
Por fim, o subprincípio da personalização, que segundo a Constituição
Federal, no art. 145, § 1º, deve ser aplicável sempre que possível, determina que o
legislador leve em consideração dados pessoais da vida do contribuinte para mensurar a
tributação, como ocorrem com as deduções de despesas com dependentes, médicas, e de
instrução, no imposto de renda. Como parece óbvio, são nos impostos pessoais que o
princípio da personalização terá aplicabilidade plena. Daí a dicção constitucional do
sempre que possível. Porém, há hoje uma tendência à personalização também dos
impostos reais, quando o legislador leva em consideração dados pessoais do contribuinte,
como ocorre na isenção de IPTU para ex-combatentes e aposentados que percebam até
determinada faixa. Embora tais medidas não importem na transformação do IPTU em
imposto pessoal, vez que suas características principais continuam vinculadas ao bem
imóvel, há dados de personalização que prestigiam o referido princípio constitucional.
Vale ainda advertir que o aspecto subjetivo do princípio da capacidade
contributiva encontra como limites o mínimo existencial e a vedação do confisco, que se
revelam como verdadeiras fronteiras delimitadoras do referido princípio em suas
porções mínimas e máximas. Não se pode tributar abaixo do mínimo existencial, pois
não há riqueza disponível. Não se tributa acima dos limites confiscatórios, onde a seara
da capacidade contributiva exaure-se.
Embora não possua dicção constitucional própria, o mínimo existencial
deriva, segundo Ricardo Lobo Torres,164 da idéia de liberdade, de igualdade e dos
direito humanos, e tem seus contornos definidos pela linha que separa a vida simples do
cidadão humilde da pobreza absoluta que deve ser combatida pelo Estado, não só por
meio de abstenção na tributação, como também por prestações positivas, envolvendo
além dos direitos individuais, os sociais, relativos à saúde, à alimentação, à educação e à
assistência social. Assim, no campo tributário, o mínimo existencial deixa o
163 VALDÉS COSTA. Op. Cit., p. 455. 164 Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, v. III. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 146.
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contribuinte livre de qualquer tributação até o limite em que sejam atendidos os
requisitos mínimos para uma vida humana digna.165
De acordo com Tipke, o mínimo existencial não deve ser fixado em
patamar inferior ao estabelecido como benefício de aposentadoria, pois, em regra, o
cidadão ativo possui mais necessidades vitais que o aposentado.166 Sustenta ainda o
professor emérito da Universidade de Colônia, que o mínimo existencial não se aplica
somente ao imposto de renda, mas a todos os tributos, e que as parcelas que ficarem
isentas do imposto de renda não podem ser tributadas por impostos especiais.167 Por seu
turno, os impostos indiretos também devem respeitar o mínimo existencial, o que é
viabilizado, pelo mecanismo da seletividade, por meio da isenção dos bens de primeira
necessidade.168
No outro extremo, como limite máximo da tributação de acordo com a
capacidade contributiva encontra-se o princípio da vedação ao confisco que deriva do
próprio direito de propriedade.169
No Brasil, a Constituição Federal contém dispositivo expresso vedando a
tributação com efeito confiscatório.170 Confisco é a perda da propriedade em favor do
Estado em razão de um ato ilícito. Por ser vedado pela Constituição,171 não é admitido
que a lei estabeleça a perda da propriedade pela tributação em razão de atos lícitos.
Portanto, é confiscatória a tributação excessiva, que supere a capacidade contributiva.
Embora não exista na legislação, na doutrina ou na jurisprudência um critério objetivo
165 LEHNER, Moris. Op. Cit., p. 151, citando precedente do Tribunal Constitucional Alemão que delineou os contornos do mínimo existencial. 166 TIPKE. “Sobre a Unidade ...”, cit., p. 61. No mesmo sentido, HERRERA MOLINA (Op. Cit., p. 144). 167 TIPKE. “Sobre a Unidade ...”, cit., p .67. 168 HERRERA MOLINA, Op. Cit., p. 144. 169 VOGEL, Klaus. “Tributos Regulatórios e Garantia da Propriedade no Direito Constitucional da República Federal da Alemanha”. In: Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, p. 543-556, 1984, p. 550, onde o autor alemão informa que naquele país, dada a inexistência de dispositivo constitucional expresso que proíba a tributação confiscatória, o excesso tributário é vedado pelo art. 14 da Lei Fundamental, que consagra o direito de propriedade. 170 Artigo 150, IV da Constituição Federal. 171 Exceto nos casos da pena de perdimento de bens importados irregularmente; do confisco das terras onde se produzem substâncias entorpecentes, bem como dos instrumentos e produto da prática criminosa.
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para identificar o confisco - 172 o que permite que, dada a fluidez desse conceito, em
cada caso o aplicador examine se foi superada a capacidade contributiva, o Supremo
Tribunal Federal considerou confiscatória a exigência de contribuição previdenciária
dos servidores públicos federais no percentual de 25%.173 É interessante perceber que
na referida decisão, a Corte Maior considerou, e com razão, o efeito confiscatório diante
da carga tributária como um todo, e não em razão de um único tributo. No entanto, essa
apreciação só é exeqüível diante de tributos que incidam sobre uma mesma base de
cálculo, como o imposto de renda e a contribuição previdenciária do servidor, que
incidem sobre a remuneração do servidor.
Embora a vedação constitucional não se limite aos tributos incidentes
sobre a propriedade,174 nestes ela ganha uma maior dimensão. É tais tributos não
podem ter alíquotas elevadas, sob pena de haver perda da propriedade após alguns
exercícios. Assim, por exemplo, se o IPTU tivesse uma alíquota de 20%, em cinco anos
haveria a perda da propriedade, revelando-se confiscatória esta tributação.
Durante muito tempo a doutrina, aqui e alhures, considerou que a
existência de uma finalidade extrafiscal afastava a alegação de confisco. No entanto,
quando examinarmos a relação da capacidade contributiva com a extrafiscalidade,
veremos que os objetivos sociais, econômicos e políticos buscados pela norma tributária
devem justificar, por meio de um juízo de proporcionalidade, o afastamento da
capacidade contributiva que, como princípio que é, não é dotada de caráter absoluto,
podendo ser ponderada com outros interesses.175 Assim, não basta a simples alegação
de extrafiscalidade para que se afaste o exame do caráter confiscatório da norma.
172 A Suprema Corte argentina fixou o percentual de 33% como limite à tributação sobre uma mesma base de cálculo, conforme noticia BALEEIRO (Limitações Constitucionais..., cit., p. 566); já a Corte Constitucional Federal da Alemanha, como informa TIPKE (“Sobre a Unidade ...”, cit., p. 70) decidiu que o imposto sobre o patrimônio não pode superar a 50 % da renda bruta. 173 STF, Pleno, ADIMC-2010 / DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 12/04/02, p. 51. No caso em questão o Tribunal considerou que a contribuição previdenciária dos servidores públicos federais somada aos outros tributos incidentes sobre a remuneração do servidor, como o imposto de renda, causava o efeito confiscatório. 174 Note-se que o precedente do STF se refere a tributos pessoais. 175 HERRERA MOLINA. Op. Cit., p. 178.
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Quanto à sua eficácia, a capacidade contributiva é princípio cogente,176
obrigando não só o legislador,177 mas também o aplicador da lei, seja por meio da
atividade regulamentar ou jurisdicional. Podemos vislumbrar esta característica quando
o Poder Judiciário afasta a aplicação de uma regra que prevê uma isenção, que propicia
um privilégio odioso;178 ou, no reconhecimento pelo juiz de que, embora o tributo
esteja previsto em lei, determinado segmento de contribuintes não revela capacidade
contributiva para suportá-lo, por ter violado seu mínimo existencial, ou por aquela
situação definida em lei como reveladora de riqueza não produzir esse efeito em relação
ao segmento considerado.
No entanto, tal possibilidade não habilita o juiz, no caso concreto, a
reconhecer a ausência de capacidade contributiva de determinado contribuinte, quando a
lei, em sua acepção genérica, não se revelar violadora do princípio. Se o tributo é
fixado de forma adequada ao signo de manifestação de riqueza, revelado pelo fato
gerador previsto em lei, a exclusão de determinado contribuinte por razões individuais
se traduziria em privilégio odioso.179 O mesmo não ocorre quando a aplicação da
norma se revela inconstitucional para determinado grupo de contribuintes, em sentido
genérico. Neste caso, tal norma não deve ser aplicada a esse grupo, sendo válida em
relação aos seus demais destinatários.
Também não nos parece correto afirmar ser possível a modificação
judicial da alíquota do tributo pela declaração parcial de inconstitucionalidade da lei
tributária, por apenas em parte superar a capacidade contributiva.180 Se a tributação
tornou-se excessiva em razão de um aumento de alíquota, a declaração de
inconstitucionalidade da lei teria o condão de restabelecer a legislação anterior do
176 Está inteiramente superada historicamente a tendência de se considerar a capacidade contributiva um princípio programático, como salienta CARRERA RAYA (Op. Cit., p. 94). 177 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro..., cit., p. 81, e CARRERA RAYA. Op. Cit., p. 91. 178 Sobre o conceito de privilégio odioso, vide TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Vol. III, ..., cit. p. 341. 179 Em sentido contrário José Marcos Domingues de Oliveira (Direito Tributário – Capacidade Contributiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 147), que sustenta a possibilidade de a lei ser considerada constitucional em sentido genérico, mas ser violadora da capacidade contributiva de determinado contribuinte. 180 No sentido contrário ao do texto OLIVEIRA, José Marcos Domingues (Direito Tributário- Capacidade Contributiva ..., cit., p. 155), onde o autor considera ser possível a redução da alíquota pelo magistrado a partir da declaração parcial da constitucionalidade da lei.
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imposto. No entanto, se a fixação desmedida do tributo se der por ocasião de sua
instituição primeira, não restará solução senão a declaração de inconstitucionalidade da
exação. Caso o poder judiciário pudesse reduzir a alíquota do tributo, estaria
estabelecendo regra não prevista pelo poder legislativo, invadindo o espaço de
conformação deste e legislando positivamente.
Quanto à sua extensão, o princípio não se aplica apenas aos impostos,
como podem imaginar os intérpretes mais apressados do art. 145,§ 1º da Constituição
Federal. Se a capacidade contributiva deriva da igualdade, aplica-se mesmo quando não
prevista expressamente na constituição, como é o caso da Alemanha, e do Brasil de
1965 a 1988. Por esse motivo, não se pode afastar sua aplicação em relação aos demais
tributos, que não os impostos, em face da nossa redação constitucional.
Embora a Constituição se refira somente aos impostos, uma vez que
nesta espécie tributária só há a riqueza do contribuinte a se mensurar, o princípio
também é aplicado aos tributos vinculados, como a taxa, conforme já reconheceu o
STF,181 e a contribuição de melhoria, por meio da desoneração dos hipossuficientes.182
É bem verdade que nos impostos, dado o seu caráter de tributo não
vinculado, o princípio tem uma acepção mais ampla. Afinal, não havendo atividade
estatal a se mensurar, o único critério quantitativo a ser levado em conta pelo legislador
é a riqueza do contribuinte.
Mas isso não significa que todos os tributos não se subordinem ao
referido princípio.183 Ao contrário, devem todos eles apresentar como fato gerador um
ato que revele conteúdo econômico. Nas taxas, por exemplo, embora o fato gerador
seja relacionado com uma atividade estatal específica em relação à pessoa do
contribuinte, a capacidade contributiva pode ser reconhecida para a concessão de
isenção para aqueles que, embora beneficiários da atividade estatal, não possuam
riqueza a ser tributada. É o que ocorre no fornecimento gratuito de certidões de óbito e
181 STF, Pleno, RE nº 177.835/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 25/05/01, p 18. 182 TORRES, Ricardo Lobo, Curso de Direito Financeiro ..., cit. , p. 87. 183 CALVO ORTEGA. Op. Cit., p. 85.
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no registro do casamento civil para os comprovadamente pobres (art. 5º, LXXVI, da
Constituição Federal). 184
Por outro lado, o valor a ser exigido em razão da taxa pode também
variar de acordo com a capacidade contributiva, como já foi reconhecido pelo STF no
julgamento supracitado, desde que não seja ferida a referibilidade entre o valor exigido
e a complexidade da atividade estatal. Ou seja, se a maior capacidade contributiva se dá
em decorrência da maior complexidade e onerosidade para a administração da atividade
estatal, é possível a sua consideração, como se deu em relação à taxa da CVM, no
precedente citado, onde as empresas que demandavam maior fiscalização, de acordo
com o critério adotado pelo legislador, eram as empresas de maior patrimônio líquido, o
que não deixa de ser um signo de maior manifestação de riqueza. Segundo ficou
assentado na decisão do STF, é essencial que o critério de distinção escolhido pelo
legislador para mensurar a taxa, além de atender ao princípio da capacidade
contributiva, deve também guardar relação com a atividade estatal.185
Já em relação às contribuições de melhoria, a capacidade contributiva é
medida pela própria valorização imobiliária186. Ademais, pode haver isenção para
aquelas propriedades que, embora tenham sofrido valorização imobiliária, ainda não
revelam capacidade para contribuir.
Quanto às contribuições parafiscais e empréstimos compulsórios, que não
possuam fatos geradores próprios, utilizando-se dos fatos geradores de impostos e taxas,
assim como esses, deverão respeitar a capacidade contributiva, nos termos acima
definidos.187
1.3.2. Conflitos da capacidade contributiva com outros interesses
almejados pela tributação
184 SEIXAS FILHO, Aurélio. Taxa. Doutrina, Prática e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 58. 185 RE nº 177.835, já citado. 186 OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direito Tributário – Capacidade Contributiva, ... cit., p 109. 187 Ibidem, p. 112.
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Durante muito tempo uma visão exclusivista do princípio da capacidade
contributiva, que lhe concebia como uma orientação de caráter absoluto, levou à crise
do princípio diante da ocorrência de alguns fenômenos, como a extrafiscalidade. Os
contornos normalmente fixados pela doutrina para a formulação da capacidade
contributiva, não pareciam suficientes para a explicação do fenômeno da tributação
extrafiscal. Nesse contexto, o princípio em tela reduziu-se a mera proibição do
arbítrio,188 e embora fosse até levado em consideração pelos tribunais, poderia ser
afastado diante de qualquer alegação fundamentada.
No entanto, não é suficiente a simples alusão a um objetivo extrafiscal ou
à praticidade da arrecadação para afastar, como num passe de mágica, a aplicação da
capacidade contributiva. A contradição entre esta e outros valores caros ao Direito é
resolvida mediante a ponderação de interesses e a aplicação do princípio da
razoabilidade.
Tais conflitos, como assinala Pedro Herrera Molina, podem se dar entre
os próprios elementos integrantes da capacidade contributiva, como, por exemplo, a
aplicação de uma progressividade que afete o princípio da renda líquida, o que o
referido autor denomina de conflito interno; ou entre a capacidade contributiva e outros
princípios jurídicos e objetivos almejados pelo legislador, como a extrafiscalidade e a
praticidade administrativa, configurando os denominados conflitos externos.
Os conflitos internos podem aparecer até mesmo entre o distanciamento
da previsão abstrata da norma que concebia determinado critério de distinção como
relevante, do ponto de vista da manifestação de riqueza, e a sua adequação aos fatos
concretos.189 Exemplo desse conflito se dará na legislação do IPTU progressivo, que
venha a determinar uma diferenciação de alíquotas em razão da localização do imóvel
(art. 156, § 1º, da CF , com redação dada pela EC nº 29/00). Se tal diferenciação se
traduzir em uma alíquota majorada para os bairros mais nobres, a aplicação desta
188 HERRERA MOLINA. Op. Cit., p. 77. 189 Ibidem, p. 158.
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alíquota aos imóveis de baixo valor, ainda que localizados nesses bairros,190 revelar-se-á
desastrosa à capacidade contributiva. A solução desse conflito, nesse exemplo, se daria
pelo afastamento da progressividade.
Podem, por vezes, esses conflitos internos ser resolvidos por meio de
uma hierarquização dos elementos internos da capacidade contributiva. Deste modo,
uma progressividade não poderá dar à tributação um caráter confiscatório, do mesmo
modo que a proporcionalidade não pode atingir o mínimo existencial. Em tais exemplos
fica fácil perceber tal hierarquização, pois tanto a vedação ao confisco como também a
imposição de respeito ao mínimo existencial, se traduzem em limites à capacidade
contributiva. No entanto, no mais das vezes, tais facilidades não se apresentam na
prática, devendo o aplicador resolver o impasse pela ponderação entre os elementos em
jogo no caso concreto.
Os conflitos externos ocorrem entre a capacidade contributiva e outros
princípios e normas do nosso sistema constitucional. A justiça e a igualdade,
concretizadas pelo princípio da capacidade contributiva, podem entrar em tensão com o
valor da segurança jurídica e com o princípio da legalidade. A ponderação entre
capacidade contributiva e legalidade, sem que a priori se possa defender a prevalência
de qualquer delas, não dá margem para que o juiz possa tributar o contribuinte apenas
com base na capacidade contributiva, sem que haja previsão legal do tributo. A
capacidade contributiva que será tributada estará prevista na lei, em respeito à segurança
jurídica. Por sua vez, o legislador definirá o fato gerador do tributo de acordo com a
capacidade contributiva, e o aplicador do direito irá interpretar a lei de acordo com o
referido princípio. As cláusulas antielisivas e a adoção de conceitos indeterminados e
de cláusulas gerais na definição de fato geradores de tributos constituem exemplos da
tendência à ponderação entre legalidade e capacidade contributiva, pelo próprio
legislador, com a primeira cedendo espaço à última. Já a vedação ao uso da analogia
para a criação de tributo pelo § 1º do art. 108, do CTN, constitui exemplo de prevalência
da segurança jurídica sobre a capacidade contributiva. 190 Vide o caso das favelas localizadas nos morros da Zona Sul do Município do Rio de Janeiro: se adotado o regime progressivo em razão da localização do imóvel, de acordo com o bairro, teriam os imóveis ali localizados uma alíquota maior do que imóveis bem valorizados da Zona Norte da cidade,
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69
Os conflitos externos também aparecem no fenômeno da
extrafiscalidade, tensão muitas vezes não compreendida pela doutrina. Muitos autores,
ainda hoje, defendem o afastamento da capacidade contributiva em nome do
estabelecimento de uma política extrafiscal nos campos social, econômico, ambiental, e
da saúde por meio da tributação.191 E foi justamente essa tendência que ocasionou o
desprestígio do princípio da capacidade contributiva nos anos 60 e 70. No entanto,
como é quase consenso na moderna doutrina, não se pode afastar a aplicação da
capacidade contributiva diante de um mero objetivo extrafiscal. É preciso, ao contrário,
que o objetivo extrafiscal seja razoável,192 e que prevaleça diante de um juízo de
ponderação de valores entre a igualdade e a capacidade contributiva,193 a fim de que não
sejam criados privilégios odiosos sob o pano da extrafiscalidade.194
Em nosso país, o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de
reconhecer a necessidade do objetivo extrafiscal ser razoável, não transbordando para o
arbítrio, no julgamento onde se discutia a constitucionalidade do critério temporal de
distinção, promovida pelo art. 6º, do Decreto-Lei nº 2.434/88, para a concessão de
isenção do IOF incidente sobre as operações de câmbio vinculadas às importações cujas
guias tivessem sido expedidas até determinada data.195
De fato, a quebra do tratamento igualitário conferido pelo legislador aos
que revelam a mesma capacidade contributiva só pode se dar em função da finalidade
extrafiscal, como observa Ferreiro Lapatza,196 caso estejam presentes os requisitos
mínimos do referido princípio e quando os fins extrafiscais almejados sejam também
amparados pela Constituição.
Ainda há que se observar que os fins extrafiscais almejados, num regime
federativo, devem estar inseridos na competência do ente da Federação para promover
estabelecendo-se uma verdadeira regressividade. Registre-se que, até o momento, o Município do Rio de Janeiro não adotou a progressividade do IPTU na forma da EC nº 29/00. 191 Por todos: CARRERA RAYA. Op. Cit., p. 94. 192 PEREZ ROYO. Op. Cit., p. 37. 193 HERRERA MOLINA. Op. Cit., p . 100. 194 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro ..., cit., p. 86. 195 STF, 1ª Turma, AGRAG nº 142.348-1/MG, rel. Min. Celso de Melo, DJ de 24/03/95, p. 6.807. 196 Curso de Derecho Financiero ..., cit., p. 62.
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aquela política pública, não lhe sendo lícito invadir a esfera de atribuições materiais dos
demais entes. Por isso, é inconstitucional a adoção pelos Estados-membros de alíquotas
diferenciadas para o IPVA em função da origem estrangeira do veículo, uma vez que o
objetivo extrafiscal presente no caso - a proteção à indústria nacional - é matéria da
competência da União.
Outra fonte de conflito externo aparece com as normas de simplificação
da legislação tributária, baseadas no interesse da fiscalização em combater a elisão
fiscal, reduzir os custos da arrecadação e do contribuinte, e simplificar o procedimento
de recolhimento, arrecadação e fiscalização dos tributos.
Não se confundindo, modernamente, a justiça tributária com os interesses
da arrecadação, a legitimidade de tais normas dependerá da proporcionalidade dessas
medidas vista sob o ângulo do princípio da capacidade contributiva. No entanto, pouco
adianta uma definição legal que abstratamente seja fiel à capacidade contributiva
efetiva, mas que no entanto, dada a sua complexidade, seja de difícil controle pela
administração. E diante de tal dificuldade, muitos contribuintes poderão deixar de
recolher seus tributos, o que provocará uma injusta repartição das despesas públicas e
uma violação do princípio da isonomia.
A rigor, sendo o princípio da capacidade contributiva uma decorrência do
valor da igualdade, qualquer norma simplificadora que daquele se afaste em alguns
casos individuais, mas que venha a garantir a prevalência da isonomia (que poderia ser
violada pela facilidade no descumprimento da legislação tributária pelos contribuintes,
ou pelo alto custo para a sociedade na adoção de medidas que impeçam esse
descumprimento), não atenta contra o referido princípio.
É que, como ressalta Pedro Herrera Molina, o próprio princípio da
capacidade contributiva é violado se não há possibilidade de se estabelecer mecanismos
de controle do cumprimento das obrigações tributárias pelos contribuintes menos
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imbuídos do dever de contribuir para as despesas públicas ou quando o alto custo desses
controles é suportado por toda a sociedade.197
No entanto, tais medidas simplificadoras não podem descambar para uma
tributação que, na maioria dos casos, não reflita a capacidade contributiva de cada um
dos contribuintes, e nem impingir a qualquer deles uma carga tributária radicalmente
distinta da que seria devida caso não houvesse a medida simplificadora.198
Há, mais uma vez que se analisar a razoabilidade da medida
simplificadora. Em primeiro lugar, deve-se verificar se a mesma é realmente necessária
para assegurar a manutenção da isonomia tributária no cumprimento das obrigações
pelos contribuintes, ou se a tributação pela capacidade efetiva já não seria suficiente
para atingir esse objetivo.
Quanto à adequação, deve-se perquirir se a medida simplificadora
realmente resulta em vantagens, no que tange à isonomia e à capacidade contributiva, a
partir do cumprimento das obrigações tributárias por todos os contribuintes, em relação
à tributação pela riqueza efetiva, considerando que as dificuldades de controle levariam
a uma grande evasão fiscal.
Por fim, num exame de proporcionalidade em sentido estrito, resta
verificar se na maioria dos casos a capacidade contributiva efetiva é atendida pela
medida de simplificação e se nenhum contribuinte será tributado em valor
significativamente maior do que o determinado pela capacidade efetiva.199
É preciso ainda estabelecer uma relação de custo/benefício, a fim de
evitar que a tributação pela capacidade efetiva se revele tão cara para o Estado, e em
última análise para o conjunto dos contribuintes, que acabe por comprometer uma
197 Defende Pedro Herrera Molina: “Ahora bien, la ineficácia administrativa lleva consigo uma aplicación deficiente del sistema fiscal, y ésta supone necesariamente un reparto desigual de las cargas fiscales en beneficio de aquelloe menos honrados o con menos possibilidades de defraudar. A sensu contrario, la eficacia del control administrativo constituye una condición necessaria (no suficiente) del sistema tributario justo” (Op. Cit., p. 161). 198 Ibidem, p. 162. 199 Ibidem.
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sistemática que pouco irá distinguir-se, em termos quantitativos, do regime
simplificado.
Exemplo de norma simplificadora que entrou em conflito com a
capacidade contributiva efetiva nos é dado pela legislação do ICMS, no caso da
substituição tributária pra frente, quando o preço da mercadoria, praticado na operação
substituída, é inferior à base de cálculo presumida (serviu de parâmetro para o
recolhimento do imposto).
Ora, se a base de cálculo presumida foi maior do que a efetivamente
realizada, seria lógica a necessidade de restituição do indébito. No entanto, o STF,
aderindo ao argumento dos Estados-membros de que a devolução de tal montante
acabaria por comprometer a sistemática da substituição tributária, diante da
impossibilidade do Fisco Estadual calcular, em cada caso, a diferença entre a base de
cálculo presumida e a base de cálculo realizada, consagrou a prevalência das normas de
simplificação, em detrimento da capacidade contributiva efetiva.200 É de se observar
que o Tribunal considerou a necessidade da permanência dessa norma de simplificação
para a manutenção do regime de substituição tributária e a conseqüente promoção de
uma arrecadação mais imune quanto à evasão. Considerou também o Tribunal a
ausência de discrepância entre o valor presumido e o valor efetivo na maioria dos casos,
em face da adoção do regime de substituição tributária em mercados sujeitos a preços,
constituindo a tributação excessiva apenas uma eventualidade.
No entanto, deixou nossa Corte Maior de considerar a possibilidade do
regime estabelecer uma radical discrepância em determinados casos individuais,
comprometedora da própria legitimidade da norma. Por outro lado, o art. 150, § 7º da
Constituição Federal, como ressaltado nos votos vencidos, não autoriza normas
simplificadoras na substituição tributária que se afastem da capacidade contributiva
efetiva. É que o referido dispositivo constitucional, ao determinar ser devida a
restituição imediata e preferencial caso o fato gerador presumido não ocorra,
200 STF, Pleno, ADIN nº 1.851/AL, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 08/05/02, noticiado no Informativo STF nº 271.
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estabeleceu que a presunção é relativa, negando abertura a qualquer norma
simplificadora que evitasse a tributação conforme a riqueza efetivamente auferida.
A rigor, apenas a partir de uma interpretação meramente literal, como a
efetuada pelo Tribunal, se poderia admitir que o fato gerador não ocorrido difere do
fato gerador ocorrido sob uma base de cálculo menor, máxime quando a norma não
dispõe de mecanismos para quantificar o montante dessa diferença entre o valor
presumido e o efetivo, a fim de se dimensionar, a luz do princípio da razoabilidade, os
prejuízos que eventualmente sejam impostos ao contribuinte.
1.3.3. A capacidade contributiva como princípio interpretativo e
integrativo do direito tributário
Observe-se que o princípio da capacidade contributiva não é dirigido
apenas ao legislador, que ao escolher o fato gerador da obrigação tributária deve
considerar um signo presuntivo de riqueza, e ao mensurar a carga tributária por todos os
contribuintes deve levar em consideração os subprincípios que dão efetividade a este
princípio em sua acepção subjetiva.
Ao contrário, o referido princípio é dirigido também ao aplicador da lei,
seja por meio da atividade regulamentar da administração, seja na interpretação do
ordenamento.201 É que a capacidade contributiva, como princípio reator do Direito
Tributário, revela que o objetivo primordial desse ramo é a repartição das despesas
públicas de acordo com a riqueza de cada um.
Traduzindo-se a tributação de acordo com a capacidade contributiva em
um dos objetivos principais, senão o principal, do Direito Tributário, fica evidenciada a
sua estreita ligação com os fins almejados pelas normas tributárias.202
201 Nesse sentido, TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação..., cit., p. 224, e LEHNER, Moris. Op. Cit., p. 152.
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A capacidade contributiva como princípio interpretativo, manifesta-se
pela análise das normas criadoras de tributos a partir do critério econômico,203 tão caro à
revelação da manifestação de riqueza do contribuinte.
No entanto não se deve confundir a consideração do critério econômico,
recomendado pelo princípio da capacidade contributiva, com a teoria causalista da
interpretação econômica do fato gerador, uma vez que aquela não parte, como esta, da
interpretação tributária para os negócios jurídicos previstos no Direito Civil, mas da
constatação de que a metodologia hermenêutica nesse ramo do direito não se distingue
substancialmente da interpretação na teoria geral do Direito.204
Em conseqüência, a utilização do método teleológico não vai afastar a
aplicação aos negócios jurídicos, definidos pelo direito privado, mas buscar o objetivo
da norma que possuindo finalidade arrecadatória, não poderá se afastar da apreciação
sobre a manifestação de riqueza definida pelo fato gerador.
Assim, como assinala Francesco Moschetti205, entre duas diversas
interpretações deverá sobreviver aquela que assegura respeito ao princípio da
capacidade contributiva. Não sendo nenhuma das interpretações possíveis adequadas ao
referido princípio, inevitável será a declaração de inconstitucionalidade da norma.206
Como se vê, o resgate do valor da justiça pelo Direito Tributário,
assegura o equilíbrio entre a capacidade contributiva e a legalidade, com a retomada da
primeira sem as conotações vinculadas à arrecadação da maior quantidade de recursos,
característica do período da jurisprudência dos interesses; há sim, uma subordinação aos
202 Nesse sentido, LEHNER, Moris (Op. Cit., p. 149) e BEISSE, Heinrich. (Op. Cit., p. 7). 203 BEISSE, Heinrich. Op. Cit., p. 7. 204 LEHNER, Moris. Op. Cit., p. 145. 205 MOSCHETTI, Francesco. La Capacità Contributiva. Padova: Cedam, 1993, p. 13. 206 HERRERA MOLINA. Op. Cit., p. 113.
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valores da justiça e da liberdade. Como salienta John Rawls,207 o sistema de tributação
tem o intuito de arrecadar a receita exigida pela justiça, devendo o governo receber os
recursos necessários ao fornecimento de bens públicos para que o princípio da diferença
seja satisfeito.
207 Ob. Cit, p. 307.
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2. Elisão tributária: a inserção de normas antielisivas no direiro
brasileiro
Sumário: 2.1. Considerações iniciais: recorte conceitual distintivo da
elisão em relação a outras figuras de evitação fiscal 2.2. O combate a
elisão e cláusulas antielisivas 2.3. As cláusulas antielisivas no direito
comparado 2.4. As cláusulas antielisivas no Brasil. 2.4.1.A cláusula
antielisiva do parágrafo único do art. 116 do CTN 2.4.2. As cláusulas
antielisivas específicas 2.5. O abuso de direito 2.51. Distinção entre
abuso de direito e simulação 2.5.2 O abuso de direito e licitude
2.1. Considerações iniciais: recorte conceitual distintivo da elisão em
relação a outras figuras de evitação fiscal
Representando o tributo um dispêndio que reduz o patrimônio do
indivíduo, é natural – e este é um fenômeno contemporâneo em relação à cobrança
tributária – que o contribuinte busque mecanismos para reduzir o montante a ser
entregue ao Estado para o financiamento das prestações públicas. É a chamada
economia fiscal que, no entanto, pode ser tolerada pelo sistema ou por ele rechaçada.
O ordenamento jurídico tutela a economia do imposto como uma
manifestação da autonomia da vontade e da liberdade de cada indivíduo organizar e
planejar sua vida financeira, da forma que melhor lhe aprouver. É assim que ocorre na
realização pelo contribuinte de um fato econômico diverso daquele que constituiu o
pressuposto tributável. Esta escolha de outro fato deve ser aceita pelo contribuinte em
todas as suas conseqüências, inclusive as desagradáveis.1
Porém, nos dias que correm, é imperioso reconhecer-se que nenhum
direito possui um caráter absoluto, notadamente no Estado Social, sendo condicionado o
seu exercício ao cumprimento da sua função social. Assim, a auto-organização pode
1 HÖHN, Ernest. “Evasão do Imposto e Tributação segundo os Princípios do Estado de Direito”. In: Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, p.281-301, 1984, p. 287.
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sofrer limitações baseadas na necessidade de cada um contribuir para as despesas
públicas, de acordo com os valores da Justiça, da Igualdade e da Solidariedade.2
Não se pode deixar de perceber que há uma tendência arraigada a um
positivismo normativista, que influencia sobremaneira a doutrina sobre a evasão e a
elisão fiscal no Brasil, no sentido de se tolerar um sistema baseado em práticas elisivas
abusivas, onde a obrigação de pagar tributo pode ser afastada pela astúcia do
contribuinte, sob os aplausos da parcela majoritária de nossos jurisconsultos.
Representativa dessa linha doutrinária, no Brasil, é a obra de A. R.
Sampaio Dória,3 em que o autor diferencia a evasão (ilícita) da elisão (lícita), de acordo
com o momento em que a ação do contribuinte, para evitar a ocorrência do fato gerador,
é realizada. No primeiro caso, o contribuinte pratica o fato gerador mas através de um
expediente ilícito, como o da sonegação, da fraude ou da simulação, desvia-se do
pagamento do tributo.4 No segundo, o contribuinte evita a prática do fato gerador,
realizando, no entanto, um ato econômico dotado dos mesmos efeitos jurídicos daquele,
escapando, assim, à tributação. Para essa corrente, portanto, a atuação do contribuinte,
por meio de ato lícito, se traduziria em elisão admitida pelo ordenamento, tendo como
resultado a economia do imposto.
Assim, para que o Fisco possa desconsiderar a atividade do contribuinte
tendente a afastar ou diminuir o montante a ser recolhido, segundo a corrente dominante
na doutrina brasileira, é indispensável que a Administração apure a prática de um ato
ilícito, na acepção dada pelo Direito civil. Dentro dessa linha de argumentação, então, o
planejamento fiscal somente será afastado se o contribuinte praticar fraude fiscal,
sonegação ou simulação, o que tornaria sem sentido as cláusulas antielisivas,
introduzidas no ordenamento jurídico tributário, uma vez que a dita legislação já imputa
a essas condutas o pagamento do tributo devido.
2 HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão – Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 137. 3 Elisão e Evasão Fiscal. 2. ed. São Paulo: Bushatsky, 1977. 2. ed. São Paulo: Bushatsky, 1977. 4 A radicalização dessa posição leva à conclusão, exposta por XAVIER, Alberto (“A Evasão Fiscal Legítima - O negócio jurídico indireto em Direito Fiscal”. Revista de Direito Público 23: 236-252, p. 242) de que a norma tributária não é passível de fraude.
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Nessa ordem, interessa desde logo colocar a questão de saber se é
possível definir a elisão fiscal como um figura autônoma distinta da evasão ou fraude
fiscal, ou seja, se é possível encontrar na elisão fiscal um objeto autônomo de estudo.
Para tal desiderato, torna-se necessário que um conceito de elisão seja definível e que
se encontre um recorte conceitual distintivo de outras figuras que lidam com a utilização
das normas para conseguir uma tributação minorada.
Atentemos para a definição dada nas conclusões do XIII Simpósio de
Direito Tributário5: “Elidir é evitar, reduzir o montante ou retardar o pagamento de
tributo, por atos ou omissões lícitos do sujeito passivo, anteriores à ocorrência do fato
gerador”.
Com base nesta definição, é possível destacar os seguintes elementos: a)
a existência de “atos ou omissões”; b) lícitos; c) anteriores à ocorrência de fato gerador;
d) com o objetivo de evitar, reduzir ou retardar o pagamento de tributo.
A par disso, afigura-se claro que a doutrina nacional recolhe e trata do
conceito de elisão ou evitação fiscal como conceito autônomo do de fraude ou evasão
fiscais. A distinção entre evasão e elisão estaria no momento em que se pratica o ato ou
a omissão. Se o ato é praticado posteriormente ao fato gerador, estaríamos perante
evasão fiscal6
Imposta realçar que, a despeito da dicção da norma geral antielisiva
intoduzida pelo parágrafo único do art. 116 do CTN7, o ato dissimulatório refere-se
5 Citado por Marco Aurélio Greco, Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária, Dialética, S. Paulo, 1998, pág. 27. 6 Ver Marco Aurélio GRECO, op.cit., p. 27 que cita as conclusões do XII simpósio de direito Tributário escrevendo: “evadir é evitar o pagamento de tributo devido, reduzir-lhe o montante ou postergar o momento em que se torne exigível, por atos ou omissões do sujeito passivo posteriores à ocorrência do fato gerador” 7 “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existente os seus efeitos: (...) Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”
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apenas à hipótese de incidência ou ao fato gerador abstrato, o que caracteriza a elisão, e
jamais caso de simulação que seria evasão.
Segundo Ricardo Lobo TORRES, quando o art. 116, parágrafo único, do
CTN diz que “a administração pode desconsiderar atos ou negócios praticados com a
finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador tributário” está se referindo à
dissimulação do fato gerador abstrato e não à simulação do fato gerador concreto. O ato
ou negócio praticado (fato gerador concreto) não é dissimulado, mas dissimulador da
verdadeira compreensão do fato gerador abstrato, o que, fora de dúvidas, é uma das
características da elisão.8
2.2. O combate à elisão e as normas antielisivas
As normas antielisivas assumiram extraordinária importância no direito
tributário durante a década de 90. O desenvolvimento da metodologia jurídica de
interpretação, com a superação dos positivismos economicistas e conceptualistas, como
visto no capítulo anterior, constituiu uma das principais causas para a nova visão da
necessidade e da possibilidade de insurgência contra planejamentos abusivos.
A partir da década de 1970, pela enorme influência exercida no
pensamento ocidental pelas obras de K. Larenz9 e J. Raws,10 altera-se o paradigma na
teoria geral do direito, na teoria geral da justiça e na teoria dos direitos humanos,
abrindo-se o campo para a reformulação das posições básicas da interpretação do direito
tributário.
A jurisprudência dos valores e a “virada Kantiana”, com a reaproximação
entre ética e direito sob a perspectiva do imperativo categórico, marcam o novo
8 In Anuais do Seminário Internacional sobre Elisão Fiscal. Normas Gerais Antielisivas. Brasília: 2002, p. 401 9 Methodenlehere der Rechtswissenschaft. Berlin Springer-Verlag, 1983. 10 A Theory of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 1980.
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momento histórico da afirmação do Estado Democrático de Direito, que é o Estado da
Sociedade de Riscos.11
Emerge, por outro lado, do princípio da transparência, em íntima conexão
com o processo de globalização. A transparência fiscal, como princípio constitucional
implícito, sinaliza no sentido de que a atividade financeira deve se desenvolver segundo
os ditames da clareza, abertura e simplicidade. Dirige-se não só ao Estado como à
sociedade, além dos organismos financeiros supranacionais e entidades não-
governamentais. Baliza e modula a problemática da elaboração do orçamento e da sua
gestão responsável, da criação de normas antielisivas, da abertura do sigilo bancário e
do combate à corrupção.12
Nesse contexto, as normas antielisivas vão entrando no direito tributário
sob diferentes configurações, a depender do ambiente cultural dos países que as adotam.
2.3 As normas antielisivas no direito comparado
Nas últimas décadas do século XX, diversos países desenvolvidos
introduziram, em seus ordenamentos, em cumprimento ao princípio da transparência
fiscal, normas tendentes a evitar o abuso de direito pelo contribuinte, em sua atividade
de planejamento fiscal. Tais normas - a despeito de suas distinções, muito mais
refletem peculiaridades da evolução da ciência jurídica em cada país, do que
propriamente diferenças substanciais de método - já que se baseiam na teoria do abuso
de direito e espelham as várias espécies pelas quais ele se manifesta.
Na Alemanha, onde desde o Código Tributário de 1919 (art. 10), já se
prescrevia que a obrigação tributária não poderia ser evitada ou diminuída, mediante o
abuso de formas e das possibilidades oferecidas pelo direito civil, a elisão abusiva é
combatida pela teoria do abuso de forma. Segundo a doutrina alemã, na esteira de
11 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. “Legalidade Tributária e Riscos Sociais”. Revista Dialética de Direito Tributário 59:105,2000 12 TORRES, Ricardo Lobo. ( Anais do Seminário... p. 377)
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82
Hensel, o abuso de forma é a manifestação no direito tributário da teoria da fraude à
lei.13 Tal situação não restou alterada pela promulgação do novo código tributário, em
1977, que em seu artigo 42 consagrou a teoria do abuso de forma14. Para Hensel, na
configuração do abuso de forma devem ser observadas as circunstâncias objetivas,
representadas pela anormalidade no exercício do negócio jurídico e pela ausência de
interesse legítimo a ampará-lo, e as subjetivas, vinculadas à vontade de eliminar ou
reduzir o montante devido.15 No entanto, parte da doutrina alemã16 considera tal
cláusula dispensável, uma vez que tal providência, fundada na fraude à lei, não é
peculiaridade do direito tributário, sendo uma decorrência dos próprios princípios gerais
do Direito.
Por sua vez, a Espanha adotou, no combate à elisão abusiva, a teoria da
fraude à lei, no art. 24 da Ley General Tributaria, com redação dada pela Ley 25/95,
que permite a desconsideração de fatos, atos ou negócios jurídicos realizados com o
propósito de evitar o pagamento do tributo, amparando-se no texto de normas
estabelecidas com finalidade diversa, sempre que venham a produzir um resultado
equivalente ao derivado da hipótese de incidência tributária. Recorde-se que a LGT
admite o uso da analogia no combate à fraude da lei fiscal, o que tem gerado certo
inconformismo de uma parcela, ainda que minoritária, da doutrina espanhola.17
Também adota a teoria da fraude à lei, como mecanismo de combate à
elisão abusiva, a Holanda que, através do art. 31 do Código de Impostos, coibiu a fraus
legis.18
Portugal, que não possuía cláusula geral antielisiva, introduziu, por meio
da Lei nº 100, de 1999, um item 2, ao artigo 38 da Lei Geral Tributária, consagrando
igualmente uma norma de combate à fraude à lei.19
13 ROSEMBUJ. Op. Cit., p. 370. 14 “Art. 42 – a lei tributária não pode ser fraudada através do abuso de formas jurídicas. Sempre que ocorrer abuso, a pretensão do imposto surgirá como se para os fenômenos econômicos tivesse sido adotada a forma jurídica adequada” (Código Tributário alemão. Tradução: SCHMDT, Alfred. J. e outros. Rio-São Paulo: Forense, IBDT, 1978, p. 17) 15 Ibidem. 16 Nesse sentido TIPKE e LEHNER (apud TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação ..., cit., p. 151). 17 SAINZ DE BUJANDA. Op. Cit., t. 4, p. 603. 18 ROSEMBUJ. Op. Cit., p.363.
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De outro lado, a França adotou a repressão ao abuso de direito enquanto
gênero, no art. 64 do Livre dês Procedures Fiscales, vedando que sejam opostos à
administração fiscal, atos que dissimulem a verdadeira compreensão de um contrato ou
de uma convenção. Com a desconsideração, cabe ao fisco requalificar os atos,
conforme a previsão contida na hipótese de incidência. A doutrina francesa, seguindo a
orientação fixada pelo Conselho de Estado, a partir de 1981, considera que expressão
dissimulação, utilizada pelo art. 64 da LPF, é bem ampla, abarcando não só os casos de
evasão fiscal, mas também todas as modalidades do abuso de direito.20
A mesma sistemática foi adotada pela Bélgica, onde, em 1993, foi
introduzida cláusula antielisiva genérica, de inspiração francesa, coibindo o abuso de
direito, e desafiando a tradição formalista do Direito Tributário belga.21
A despeito da inexistência de norma antielisiva genérica, a Suíça, por
influência da doutrina de Blumenstein, também aplica a doutrina do abuso de direito.22
Segundo Höhn,23 o Tribunal Federal suíço exige para a configuração da elisão abusiva
que a forma jurídica do ato se mostre inadequada para a operação econômica; que a
escolha do negócio tenha se dado apenas em razão da economia do imposto; e que o
procedimento escolhido represente uma considerável economia da exação.
Na Itália, também não há cláusula antielisiva geral, mas apenas regras
específicas para determinados tributos. Não obstante, a doutrina majoritária defende o
combate à elisão abusiva, a partir da teoria da fraude à lei, extraída do artigo 1344 do
Código Civil italiano, como sustenta Fraco Gallo.24
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, países do sistema da common law, o
combate à elisão abusiva se faz por meio de construção pretoriana da teoria da intenção
negocial. Porém, se os dois sistemas apresentam bastante semelhança, possuem 19 GOMES, Nuno de Sá. Op. Cit., p. 77 20 ROSEMBUJ. Op. Cit., p. 367; e TORRES, Ricardo Lobo. “A Chamada Interpretação Econômica ...”, cit., p. 243, nota 30. 21 ROSEMBUJ. Op. Cit., p. 376. 22 Ibidem, p. 377. 23 Op. Cit., p. 285.
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também suas distinções. No sistema inglês, a partir das posições liberais de Lord
Tomlin, predominava a ampla possibilidade da elisão fiscal lícita (tax avoidance),
punindo-se apenas a ilícita (tax evasion). Houve, no entanto, uma grande virada, na
década de 80, com a prolação de decisões judiciais que, baseadas na doutrina francesa
do abuso do direito, constituíram grande instrumento de luta contra a elisão abusiva.25
Já nos Estados Unidos predomina a teoria do business purpose test, com
o exame, pela administração fiscal, da intenção negocial do contribuinte. Assim, se os
negócios jurídicos carecem de motivação econômica, senão à economia fiscal, pode
haver a requalificação pela Fazenda Pública. No sistema norte-americano privilegia-se,
por um lado, a realidade econômica sobre a fórmula jurídica adotada; por outro,
procura-se respeitar a conservação dos contratos, em cumprimento ao princípio da
legalidade.26
A teoria da intenção negocial foi introduzida por obra do próprio
legislador na Suécia, na Austrália e no Canadá.27 Neste último, houve uma longa
construção jurisprudencial das normas antielisivas, até que se transformassem em texto
legal. Prevalece um certo consenso no sentido de que o teste do propósito (purpose test)
só se aplica aos casos em que ocorre uma “ elisão abusiva” (abusive tax avoidance). As
regras principais aparecem na seção 245 da legislação do imposto de renda (Income Tax
Act). No item 3 define-se a transação alisiva como qualquer transação ou parte de uma
série de transações que possa resultar, direta ou indiretamente, em benefício fiscal, a
menos que a transação possa razoavelmente ser considerada como organizada para
propósitos de boa-fé, inconfundíveis com benefícios fiscais; no item 2 a cláusula geral
antielisiva (general anti-avoidance provision) autoriza que quando a transação seja
elisiva as conseqüências fiscais para a pessoa sejam determinadas razoavelmente no
sentido de denegar os benefícios fiscais resultantes direita ou indiretamente daquela
transação
24 Op. Cit., p. 9. 25 HUCK, Hermes Marcelo. Op. Cit., p. 197. 26 ROSEMBUJ. Op. Cit., p. 385. 27 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação ..., cit., pp. 160 e 161.
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Na Argentina, a elisão abusiva é combatida a partir da interpretação
econômica do fato gerador, admitida pelo artigo 1º, da Lei nº 11.683/32,28 com todo o
tempero que o princípio da legalidade e a superação histórica das idéias causalistas
exigem. O artigo 2º da mesma lei consagra a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica da empresa, traduzindo-se numa verdadeira cláusula antielisiva,
baseada no abuso de direito.29
Todos esses países, cada um por seu meio, e de acordo com sua tradição
jurídica, modificaram suas legislações ou consolidaram o trabalho profícuo da doutrina
a da jurisprudência, no sentido de impedir o abuso de direito na atividade do
contribuinte, tendente a afastar ou reduzir o pagamento do tributo, por meio da prática
de um negócio jurídico que, a despeito de sua aparente não-incidência, reflete a
substância econômica inserida na norma legal como fato tributável, permitindo à
administração fiscal que os atos sejam requalificados e tributados, de acordo com a
previsão legal.
Ao seu turno, o Brasil, em que pese todo o formalismo da sua doutrina
tributária, não restou incólume a essa onda moralizadora, introduzindo, pela Lei
Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, um parágrafo único ao artigo 116 do
CTN, que consagrou uma cláusula geral antielisiva, inspirada na sistemática francesa,
baseada na teoria do abuso de direito.
2.4 As normas antielisivas no Brasil
É bem verdade que o direito brasileiro já conhecia algumas regras para o
combate à elisão no imposto de renda. Assim aconteceu com o art. 51 da Lei 7.450-85:
´Ficam compreendidos na incidência do imposto de renda todos os ganhos e
rendimentos de capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada,
independentemente da natureza, da espécie ou da existência de títulos ou contratos
28 HUCK, Hermes Marcelo. Op. Cit., p. 215. 29 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação ..., cit., p. 17.
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escritos, bastando que decorram de ato ou negócio que pela sua finalidade tenha os
mesmos efeitos do previsto na norma de incidência do imposto de renda. A Lei no.
7.713, de 1988, estabeleceu no art. 3o. , parágrafo 4o. que `a tributação independe da
denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou
nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de
percepção das rendas ou proventos, bastando para a incidência do imposto o benefício
do contribuinte, por qualquer forma e a qualquer título. Estes dispositivos foram
combatidos, veementemente pela doutrina pátria, por entender que, pela generalidade e
abrangência, resvalam para a analogia. 30
Com processo de abertura econômica iniciado no Brasil, profundas
alterações foram implementas na legislação tributária brasileira. O isolamento e o
protecionismo que marginalizavam o país no mercado internacional,
concomitantemente reduzia as possibilidades de se conceberem fórmulas viáveis de
planejamento fiscal internacional. A centralização controladora do câmbio e a atenta
fiscalização dos processos de importação e exportação permitiam uma vigilância fiscal
permanente, atenta a qualquer manobra que fugisse aos padrões tradicionais. A abertura
relativa dos portos ao lado da tímida liberalização do mercado de câmbio, fizeram com
que as operações comerciais e financeiras internacionais ganhassem mais autonomia e,
livres do olhar atento da administração, ensejassem propostas de economia tributária
nem sempre totalmente ortodoxas.
É nesse cenário que, a partir de 1996, com a publicação da Lei no. 9.249,
de 26 de dezembro de 1995, o Brasil deixa de lado o princípio da territorialidade para
abarcar, como a maioria dos países desenvolvidos, o princípio da universalidade da
renda. As razões que levaram o legislador a adotar o princípio da universalidade da
para tributar a renda, vinham registradas na Exposição de Motivos, que acompanhou o
projeto daquela Lei, quando, com clareza cristalina, declarava que a tributação da renda
30 Cfe. Gilberto de Ulhoa Canto (´Elisão e Evasão`Caderno de Pesquisa Tributária13: 98) e Brandão Machado (`Cisão da Sociedade de Capital Estrangeiro e imposto de Renda^. Repertório IOB de Jurisprudência 17: 250,1988). Alberto Xavier entende, todavia, que não constituiria recurso à analogia (Direito Intyernacional Tributário do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.297)
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auferida fora do país era medida tendente a combater a elisão e o planejamento fiscais,
uma vez que o sistema então vigente – baseado na territorialidade da renda – propiciava
que as empresas alocassem lucros a filiais ou subsidiárias situadas em paraísos fiscais.
As novas medidas foram introduzidas na legislação brasileira com o
intuito específico de combater a evasão e a elisão fiscais, eram as chamadas cláusulas
antielisivas específicas. Porém, só em 2001, surgiu uma norma geral antielisiva,
insculpida no parágrafo único do artigo 116 do CTN.
2.4.1. A norma geral antielisiva do parágrafo único do art. 116 do
CTN
Na esteira do contexto internacional de estabelecimento de cláusulas
antielisivas pelas legislações tributárias, a Lei Complementar nº 104/2001 introduziu no
CTN um parágrafo único ao artigo 116.31
Como já vimos, a norma em questão, baseada na cláusula geral francesa,
combate o abuso de direito, em todas as suas modalidades como a fraude à lei, o abuso
de forma, o abuso na intenção negocial e o abuso no uso da personalidade jurídica da
empresa.32
É que a expressão dissimulação engloba também condutas como
encobrir, ocultar, disfarçar ou atenuar os efeitos de algum fato, em fazer parecer real o
que não é - traduzindo-se na expressão verbal do abuso de direito. Possui, portanto, tal
expressão, um sentido bem mais amplo do que o de simulação contido no art. 102 do
Código Civil de 1916.
31 “Art.116. .................................................................................................................................................. Parágrafo Único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” 32 Nesse sentido: TORRES, Ricardo Lobo (“A Chamada Interpretação Econômica...”, p. 243), GRECO, Marco Aurélio (“Constitucionalidade do Parágrafo Único...”, cit., p. 195 ) e João Dácio Rolim (“Considerações sobre a Norma Geral Antielisiva ...”, cit., p. 135).
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Por isso, não assiste razão àqueles que vêem no parágrafo único do artigo
116 do CTN uma inócua cláusula de combate à evasão fiscal, idéia que parte da
confusão entre os conceitos de simulação e dissimulação.33
Contudo, o dispositivo em tela, a despeito de sua recente introdução no
ordenamento, já foi alvo de uma série de críticas da doutrina positivista formalista, que
considera ser inconstitucional a adoção de cláusula antielisiva no Brasil, em razão do
princípio da legalidade.34
No entanto, como já vimos ao longo desse trabalho, os princípios da
legalidade e da tipicidade não são exclusividades da Constituição brasileira. Todos os
países que adotaram as cláusulas antielisivas também consagram a legalidade tributária.
Negar a possibilidade constitucional da adoção de cláusulas antielisivas constitui muito
mais uma simplificação mistificadora do que, propriamente, o resultado de uma
construção científica no Direito Tributário.
Na verdade, a introdução da cláusula antielisiva em nosso ordenamento é
fruto da aplicação do valor da segurança jurídica em conjunto com o da justiça. A
segurança jurídica revela-se pela certeza da aplicabilidade das regras, e efetiva-se pelo
princípio da legalidade, dentro da perspectiva de que a obrigação tributária é ex-lege,
não resultando da vontade das partes. Assim, não é lícito ao contribuinte que pratica o
fato econômico, identificado pelo legislador como indicador de capacidade contributiva,
se livrar do pagamento do tributo por meio do abuso no exercício do seu direito.
33 Em sentido contrário ao do texto, entendendo o dispositivo como uma norma antievasão: TROIANELLI, Gabriel Lacerda “O Parágrafo Único do Artigo 116 do Código Tributário Nacional como Limitador do Poder na Administração”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, P. 87-102, 2001, p. 102. 34 Nesse sentido, entre outros, MARTINS, Ives Gandra da Silva (“Norma Antielisão é Incompatível com o Sistema Constitucional Brasileiro” In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, p. 119-128, 2001, p. 123); MACHADO, Hugo de Brito (“A Norma Antielisão e o Princípio da Legalidade – Análise Crítica do Parágrafo Único do do Art. 116 do CTN”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, p. 105-116, 2001, p. 115); e COELHO, Sacha Calmon Navarro (“Os Limites Atuais do Planejamento Tributário”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, p. 105-116, 2001., p. 304).
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Também não prospera, pelas razões já apresentadas no decorrer deste
estudo, o argumento daqueles que enxergam na cláusula geral brasileira um recurso à
analogia. Vimos que o combate à elisão não se confunde com a analogia, uma vez que,
naquele caso, inocorre a aplicação de uma lei ao fato por ela não previsto, mas sim a
subsunção da própria lei tributária, cuja aplicabilidade ao caso foi ocultada pelo
contribuinte. Ainda que assim não fosse, restou claro que a integração analógica não
constitui uma violação à legalidade tributária, restando proibida somente pelo CTN, e
não pelo texto constitucional. Ora, se a analogia é vedada pela Lei nº 5.172/66, e o
combate à elisão resvalasse para a analogia, a sua previsão pelo próprio Código tem o
condão de derrogar, em relação à matéria, a norma vedatória,35 a exemplo do que se dá
com a Ley General Tributaria da Espanha, como também já tivemos oportunidade de
apreciar.
Indaga-se ainda se a aplicação da cláusula antielisiva é automática ou vai
depender da introdução da lei ordinária, que estabelecerá os procedimentos a serem
observados pela fiscalização. No caso, há que se considerar que, ocorrendo o fato
gerador, que é, no entanto, escamoteado por expedientes abusivos do contribuinte, é
imperiosa a tributação com base no ato dissimulado, independentemente da lei ordinária
prevista no parágrafo único, do art. 116 do CTN, que deverá regular, por meio de
procedimentos a serem adotados, a forma pela qual a autoridade irá afastar a
dissimulação.
Afinal, conforme vimos no estudo do combate à elisão no direito
comparado, a aplicação da teoria do abuso de direito à elisão fiscal não prescinde de um
dispositivo explícito, derivando dos princípios gerais do direito civil, como os da
proibição do abuso e da boa-fé, e dos princípios constitucionais tributários da
legalidade, da igualdade e da capacidade contributiva.
Embora a introdução da norma no direito brasileiro não seja supérflua,
especialmente numa cultura extremamente formalista, onde a eficácia dos valores e
princípios está condicionada à sua previsão pelo legislador, por meio de regras – e até
35 Nesse sentido: TORRES, Ricardo Lobo (Normas de Interpretação..., cit., p. 244). Também defendendo que as cláusulas antielisivas constituem exceção à vedação ao recurso da analogia LEHNER, Moris (apud TORRES. Ibidem, p. 151).
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muito pelo contrário, uma vez que a administração tributária foi dotada de importante
arcabouço legislativo para coibir o planejamento fiscal abusivo -, é forçoso reconhecer
que o combate a este não depende da regulamentação da lei.36
Registre-se que o dispositivo em tela constitui o típico caso de norma de
eficácia contida, de aplicabilidade imediata e direta, na clássica definição de José
Afonso da Silva,37 também aplicável aos dispositivos de lei complementar.
A função da referida lei ordinária será a de estabelecer um procedimento
para a desconsideração do ato praticado pelo contribuinte e a sua requalificação,
pressupostos para a tributação, conforme a previsão legal contida na hipótese de
incidência.
É conveniente, de lege ferenda, que tal procedimento, a exemplo do
modelo francês, seja efetivado por um órgão colegiado, composto por representantes
dos contribuintes, do fisco e de pessoas de notório saber na área do Direito Tributário,38
a fim de que os interesses do contribuinte sejam resguardados com a ponderação ideal
entre segurança jurídica e capacidade contributiva.
Enquanto a regulamentação não vem, e observe-se que cada entidade
federativa terá competência para fazê-lo em relação a seus próprios tributos, a
desconsideração será promovida pela autoridade lançadora, uma vez que é pelo
procedimento do lançamento que se identifica a ocorrência do fato gerador. Se este se
encontra dissimulado, será por meio do lançamento que se dará a sua revelação.
Quanto ao ônus da prova dos atos abusivos, deve se destacar que não
podem, inicialmente, ser atribuídos ao contribuinte, uma vez que a boa-fé deste deve ser
presumida. Ademais, não é cabível a prova negativa de que não viciou o negócio 36 Em sentido contrário ao do texto GRECO, Marco Aurélio (“Constitucionalidade do Parágrafo Único ...”, cit., p. 202). 37 Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 116. 38 Na França, a desconsideração é efetuada pelo Comitê Consultivo, composto por quatro membros: um Conselheiro de Estado, um Conselheiro da Corte de Cassação, um professor de Direito Financeiro e pelo Diretor Geral de Impostos. O parecer do Comitê, embora não seja vinculante à Administração, vai determinar a quem cabe o ônus da prova. Caso o Comitê opine pela desconsideração, caberá ao
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jurídico com abuso de direito. Assim, o ato da autoridade administrativa lançadora, ou
de outra autoridade ou órgão que a lei venha a atribuir competência para a
desconsideração da prática abusiva, deverá demonstrar, fundamentadamente, o abuso,
garantindo ao contribuinte, em respeito ao contraditório e à ampla defesa, oportunidade
para responder a acusação, seja no âmbito do processo administrativo fiscal, pela
impugnação ao lançamento, seja em sede de procedimento preparatório, a ser definido
pela lei reguladora da cláusula antielisiva genérica. A autoridade julgadora na esfera
administrativa, de acordo com o princípio da verdade material, conhecerá amplamente
da matéria fática em todos os seus aspectos, independentemente de alegação por parte
do contribuinte e das autoridades fiscais, uma vez que sua obrigação não se prende à
discussão materializada nos autos, mas à fixação do montante tributável previsto em
lei.39
Assim, torna-se fácil constatar que a norma antielisiva não viola o
princípio da legalidade, mas visa, antes de qualquer coisa, garantir o império da lei.
2.4.2. As normas antielisivas específicas
Em meio às controvérsias quanto a legitimidade, aplicabilidade e
utilidade das cláusulas gerais antielisivas, o legislador procura fechar as brechas
existentes na legislação de cada tributo, a fim de evitar ou dificultar o planejamento
abusivo. Em princípio, a utilização dessas regras específicas seria a medida mais
adequada no combate à elisão abusiva. No entanto, como observa Tipke,40 fechar todas
as brechas do sistema tributário por regras específicas constitui ideal não alcançável. É
que a criatividade do contribuinte em burlar a letra da lei estaria a superar o mais
inspirado dos legisladores, pois a realidade econômica sempre será mais ágil do que a
evolução do direito positivo. Portanto, são indispensáveis as normas gerais antielisão,
sem prejuízo da desejável previsão de regras especiais.
contribuinte provar que o ato foi regular. No entanto, se o parecer for em sentido diverso, restará ao Fisco demonstrar a ocorrência das práticas abusivas. (ROSEMBUJ. Op. Cit., p. 210). 39 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário – A Função Fiscal. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 46. 40 Die Steuerrechtsordnung, p. 1332, apud TORRES, Ricardo Lobo (Normas de Interpretação ..., cit., p. 175).
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Essas normas, fixadas no âmbito da legislação de cada tributo, são
denominadas cláusulas antielisivas específicas ou especiais, de uso bastante difundido
na Itália e na Bélgica,41 onde na ausência de uma cláusula geral, desempenham um
papel fundamental.
No Brasil, onde, até 2001, não existia norma genérica de combate à
elisão, as cláusulas especiais apareceram inicialmente na legislação do imposto de
renda, por meio do art. 51 da Lei nº 7.450/85 que, enfatizando o princípio da
universalidade do referido imposto, compreendeu em sua incidência todos os ganhos e
rendimentos de capital, qualquer que fosse sua natureza ou denominação, e ainda os
atos e negócios que por sua finalidade tivessem os mesmos efeitos dos previstos nas
normas de incidência do imposto.
Na oportunidade, o dispositivo em questão foi inquinado de
inconstitucional por Gilberto de Ulhôa Canto, que entendeu que o mesmo não
considerou a identidade entre o conteúdo ou natureza econômica dos atos ou negócios,
mas de suas finalidades, derivando para o argumento analógico.42 Já Alberto Xavier,
embora sendo criador e árduo defensor da teoria da tipicidade fechada, considerou que o
dispositivo não representava integração analógica, mas “uma cláusula de caráter
explicativo, didático, clarificador no sentido de que, quando determinado conceito fiscal
é definido pelos resultados econômicos, a forma jurídica adotada pelo contribuinte é
irrelevante.”43
Por sua vez, a Lei nº 7.713/88, sem adentrar na polêmica da identidade de
finalidades entre a norma tributária e o negócio jurídico praticado, mas reforçando mais
uma vez o princípio da universalidade do IR, estabeleceu que a tributação independeria
da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica
ou nacionalidade da fonte, origem dos bens produzidos, bastando o benefício do
contribuinte por qualquer forma ou a qualquer título. Este dispositivo, desde que
interpretado em conjunto com o artigo 43 do CTN, que define como fato gerador do IR
41 Até a introdução da norma geral antielisão em 1993. 42 “Elisão e Evasão”. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.), Elisão e Evasão, Cadernos de Pesquisas Tributárias. Vol. 13, p. 1-111, 1988, p. 98. 43 “Evasão e Elisão Fiscal e o Art. 51 do Pacote”. Revista de Direito Tributário 40: 190-197, p. 197.
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o acréscimo patrimonial, não pode ter sua constitucionalidade atacada, pois sequer
utiliza-se da analogia, procurando apenas esgotar toda a competência constitucional
prevista. Se, ao contrário, for interpretado sem ter como baliza o artigo 43 do CTN,
violará a competência constitucionalmente deferida à União.
Seguindo a trilha tendente a atribuir maior efetividade ao princípio da
universalidade em face da elisão abusiva no IR, a Lei Complementar nº 104, de 10 de
janeiro de 2001, acrescentou os parágrafos 1º e 2º ao artigo 43 do CTN, conferindo
força de lei complementar de normas gerais a dispositivos já previstos na legislação
ordinária.44
De outro lado, a Lei nº 9.430/96, positivou, no Brasil, o princípio do
arm´s length, que regula os preços de transferência de mercadorias e serviços
praticados nas transações entre pessoas vinculadas. O dispositivo legal determina que
tais preços somente podem ser deduzidos na determinação do lucro real até os seus
valores de mercado, apurados por metodologia prevista na lei.
Embora tendo outras implicações econômicas, vinculadas ao controle da
remessa de dividas entre empresas vinculadas, localizadas em diferentes países, o
princípio do arm´s length se traduz em importante instrumento de combate à elisão
abusiva, com a limitação de dedução do lucro real em relação aos preços de bens e
serviços subfaturados ou superfaturados.
No entanto, como princípio que é, o arm´s length deve ser ponderado
com o princípio da capacidade contributiva, a fim de evitar que haja tributação a partir
da fixação irreal dos preços de transferência. Deste modo, a presunção estabelecida
44 “§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. § 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.”
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pela Lei nº 9.430/96 poderá ser contraditada por prova inequívoca, a cargo do
contribuinte.45
No âmbito do Direito Internacional Tributário surge uma peculiar forma
de elisão abusiva, denominada treaty shopping, realizada por meio do manejo das regras
de conexão dos tratados internacionais para evitar a dupla tributação. O treaty shopping
ocorre quando uma empresa que possui negócios no país A, mas é domiciliada no país
B, que não possui qualquer acordo para evitar dupla tributação com aquele país. Então,
essa pessoa jurídica inclui em seus negócios um intermediário, no país C, que possui,
por sua vez, tratado com o país A, com o único intuito de se beneficiar da convenção.46
Deste modo, um acordo internacional celebrado para beneficiar as pessoas físicas e
jurídicas residentes e domiciliadas nos Estados A e C, tem como beneficiário uma
empresa do Estado C, sem que haja qualquer regra de conexão para esta extensão.
Para se prevenir contra as práticas do treaty shopping, os Estados
contratantes têm incluído cláusulas que limitam a aplicação dos tratados à hipótese de a
pessoa residente ser necessariamente o beneficiário efetivo do rendimento, excluídas
pessoas ou entidades que sirvam como meros canais de retransmissão dos recursos, sem
outro objeto real.47 Outra reação contra o treaty shopping é a introdução de cláusulas na
legislação interna de cada país, destinadas a coibir o abuso de convenções fiscais
internacionais, como já foi estabelecido pela Suíça.48
A par disso, é de se concluir que o surgimento de normas antielisivas se
deu principalmente a partir dos anos 90, sob diferentes configurações: proibição de
abuso de forma jurídica, na Alemanha (art. 42 AO77); vedação de fraude à lei, na
Espanha (art. 24 do Código Tributário, alterado em 1995); desconsideração da
personalidade jurídica, na Argentina (art. 2o. da Lei 11.683, 1998); prevalência do
propósito mercantil, nos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Suécia; normas
45 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação ..., cit., p. 178. 46 De acordo com Hermes Marcelo Huck: “Configurar-se-ia, assim , o treaty shopping, quando um contribuinte, não incluído entre os beneficiários de um tratado, estrutura seus negócios, interpondo entre si e a fonte dos rendimentos uma pessoa ou estabelecimento permanente que faz jus àqueles benefícios.” (Op. Cit., p. 248). 47 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 290. 48 Ibidem, p. 292.
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antielusivas na Itália; norma antiabuso, em Portugal (art. 38, no. 2, da Lei Geral
Tributária, de 1999); proibição de dissimulação das somas sujeitas ao imposto, na
França (Code General de Impôts).
O Brasil, como exposto acima, vinha adotando nos últimos anos algumas
normas antielisivas específicas, como as relativas ao imposto de renda (art. 51 da Lei
7.450 de 1985 e art. 3o. , parágrafo 4o., da Lei 7.713 de 1988) e o princípio arm’s length
(Lei 9.430 de 1996).
Verifica-se, pois, que a nova regra do art. 116, parágrafo único, do CTN,
na redação da LC 104 de janeiro de 2001, é autêntica norma antielisiva, que
recepcionou o modelo francês. Nada tem a ver com a norma anti-simulação, que já
existia no direito brasileiro (art. 149, VII, do CTN) e que tem outra estrutura e
fenomenologia. A recente regra antielisiva tem as seguintes características: permite à
autoridade administrativa requalificar os atos ou negócios praticados, que subsistem
para efeitos jurídicos não-tributários; atinge a dissimulaçãodo fato gerador abstrato à
adequação entre a intentio facti ea intentio júris, o que é característica da elisão, na qual
o fingimento se refere à hipótese de incidência e não ao fato concreto, como acontece
na simulação. A nova norma antielisiva opera por contra-analogia ou por redução
teleológica e introduz uma exceção ao art. 108, parágrafo 1o., do CTN, que proíbe a
analogia para criação da obrigação tributária. A regra antielisiva é meramente
declaratória e e por isso só necessita de complementação na via ordinária nos casos em
que o Estado-membro ou Município não possua legislação segura sobre o processo
administrativo tributário; para a União que já o disciplina, a regra é auto-executável.
2.5 O abuso de direito no direito tributário
O abuso de direito é uma realidade jurídica, presente em vários ramos da
ciência jurídica, notadamente no Direito Constitucional, no Direito Administrativo, no
Direito Comercial, no Direito Civil e no Direito Processual Civil. Inserido na
modelização antielisiva do ordenamento tributário e impondo limites às práticas
elisivas, a teoria do abuso de direito, neste âmbito, se traduz no exercício de uma
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atividade que, embora seja formalmente permitida ao agente, está sendo realizada com
base em um fim diverso daquele que a norma jurídica tinha em vista quando a tutelou.49
Dessa forma, no Direito Tributário, a teoria do abuso de direito passa a
incidir a partir do momento em que o contribuinte lança mão de um negócio jurídico,
formalmente lícito, não visando, porém, adequar-se aos efeitos deste, mas tão-somente,
ou fundamentalmente, à economia do imposto.
Observa Ernest Höhn,50 que o abuso de direito não ocorre no âmbito do
Direito Tributário, mas no do próprio Direito Privado, na medida em que o contribuinte,
utilizando-se de um negócio jurídico admitido por lei, não atende às finalidades
almejadas pelo legislador civil, mas outras, que constituem objeto da hipótese de
incidência tributária. É comportamento contrário ao princípio da boa fé obrigacional,
hoje presente no ordenamento jurídico brasileiro. Tal princípio tem provocado uma
ruptura com o legalismo imperante em quase todos os espaços jurídicos codificados,
não se podendo excluir, obviamente, de tal influência, o direito tributário.
2.5.1. Distinção entre abuso de direito e simulação
De outro lado, cumpre destacar que a elisão praticada com abuso de
direito não se confunde com a simulação fiscal. De acordo com o § 1º, do artigo 167,
do Código Civil Brasileiro, há simulação nos negócios jurídicos quando:
. aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas
às quais realmente se conferem ou transmitem;
. contiverem declaração, confissão ou cláusula não verdadeira; 49 SAN TIAGO DANTAS. Programa de Direito Civil – Teoria Geral. 3.ed. Rio Janeiro: Forense, 2001, p. 318. Para Fernando Augusto Cunha de Sá, o abuso de direito traduz-se “num ato ilegítimo, consistindo a sua ilegitimidade precisamente num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjetivo: hão-de ultrapassar os limites que ao mesmo direito são impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou econômico do direito exercido.” (Abuso de Direito. Coimbra: Almedina, 1997, p. 103).
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. os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
A simulação é absoluta, quando não oculta qualquer outro negócio
jurídico; é relativa, quando há um negócio jurídico dissimulado, que as partes procuram
ocultar.
Na simulação, segundo Ferrara, há uma divergência, querida e
deliberadamente produzida, entre a vontade e sua manifestação; um acordo simulatório
entre as partes (ou entre o declarante) e o destinatário da declaração; e o intuito de
enganar a terceiro estranho.51
Há que se distinguir os negócios simulados, que são fictícios, não
queridos, frutos de uma ficção negocial, cujo propósito é a ocultação de uma realidade,
dos negócios praticados com abuso de direito, que são sérios, reais e praticados de tal
forma pelas partes, para obter um resultado idôneo que vise a burlar uma norma
imperativa ou proibitiva. São claramente diferenciados, pois na simulação se cria uma
aparência que oculta a realidade; enquanto no abuso de direito, se materializam
negócios jurídicos desejados pelas partes, reais em seu conteúdo e execução, mas, ainda
que singularmente lícitos, escondem resultados que a lei buscava atingir e que defluem
dos atos efetivamente praticados. 52
Como se vê, o abuso de direito é obtido por meio da dissimulação dos
negócios jurídicos, que é um conceito que abriga não apenas os atos ilícitos - como o
dolo, a fraude e a simulação -, mas todas as condutas, que embora formalmente lícitas,
denotam o exercício abusivo do ato, revelado pelo descompasso entre a sua motivação
econômica, a forma e os efeitos por ele produzidos, com o intuito único, ou
preponderante, de obter uma economia de imposto, em violação à isonomia e à
capacidade contributiva.
50 HOHN, Ernest. “ Evasão do Imposto e Tributação segundo os Princípios do Estado de Direito”. In Brandão Machado (coord) Estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, p. 298. 51 La Simulación de los negocios jurídicos, p. 55, apud ROSEMBUJ (Op. Cit., p. 48).
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2.5.2. Abuso de direito e ilicitude.
Como já se disse, para a caracterização do abuso de direito não é
necessário que o negócio jurídico seja ilícito à luz do Direito Civil. Assim, não é
essencial que tenha sido praticado com dolo, fraude ou simulação, ou que tenha havido
sonegação fiscal. O negócio pode ser perfeitamente válido e eficaz para as partes, mas
não produzirá os efeitos tributários desejados pelo contribuinte, senão os relativos ao
negócio que foi dissimulado. É que o surgimento do fato gerador não depende da
licitude, ou forma ou dos efeitos produzidos pelo ato jurídico, mas da realidade
econômica a ele subjacente.53
Vale, a esse respeito, trazer o magistério de Amílcar Falcão: “ (...) não é
necessário que o ato ou negócio privado em que se consubstancie o fato gerador seja
nulo ou anulável. Pelo contrário, pode tratar-se de um ato perfeitamente válido em
Direito Privado, como é o caso dos negócios indiretos, dos negócios fiduciários e dos
chamados abusos da forma jurídica (Missbrauch von Formen und
Gestaltungsmöglichkeiten dês bürgelichen Rechts): a interpretação com vistas à
realidade econômica, isto é, a cognominada interpretação econômica terá lugar, para
fins tributários.” 54
Assim, é irrelevante, em relação à ocorrência do fato gerador, a discussão
entre os civilistas a respeito dos efeitos do ato abusivo,55 uma vez que a sua nulidade
não é perquirida por ocasião da desconsideração, pela Fazenda Pública, do ato abusivo
praticado com o intuito de afastar o tributo.
52 ROSEMBUJ. Op. Cit., p. 53. 53 CTN, art. 118. 54 FALCÃO. Fato Gerador ..., cit., p. 84/85. 55 Para Fernando Cunha Sá (Op. Cit., p. 626), o ato abusivo produz os mesmos efeitos que o ato ilícito, ou seja, é passível de nulidade. No Brasil, Silvio Rodrigues (Op. Cit., p. 315) considera que o abuso de direito se enquadra no âmbito dos atos ilícitos, posição que restou consagrada no novo Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002, art. 187). Já Caio Mario da Silva Pereira extrema o ato ilícito do abuso de direito (Instituições de Direito Civil. v. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 468).
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De acordo com Nuno de Sá Gomes,56 tais negócios, “apesar de lícitos já
não integram o direito à poupança fiscal pois podem ser corrigidos pela Administração
Fiscal” por meio das cláusulas antielisivas. Na verdade, a Administração tributária tem
a função de cobrar os impostos com igualdade e de conformidade com as leis. Esta
função não responde ao mero interesse do tesouro, senão ao direito que o contribuinte
tem a que os demais também paguem os impostos devidos. Assim, o servidor da
Fazenda Pública atua como fiduciário da comunidade solidária, organizada em um
Estado Fiscal. Um tipo de Estado que tem na subsideariedade da sua própria atuação
(econômico-social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu
sustento, o verdadeiro suporte.57
No que toca às questões doutrinarias, que serão apreciadas no capítulo
seguinte, as quais, no âmbito do direito civil, tentam delinear o abuso do direito em sua
perspectiva autônoma, considerando-o antijurídico por contrariar o Direito, sem se
configurar, no entanto, como uma “atuação ilícita”, tais discussões, penso, não
repercutem, no momento, na recente modelização antielisiva traçada ao direito
tributário, posto que independente do reconhecimento da ilicitude dos atos praticados
pelo contribuinte, sua conseqüência será traduzida na obrigação de pagar o tributo e as
parcelas oriundas da mora (juros e multa de mora), mas não envolve, por si só, a
imputação de sanção por infração formal.58
Portanto, para a caracterização do abuso de direito, como já vimos, não
se leva em consideração apenas a identidade de efeitos entre a hipótese de incidência e a
conduta do contribuinte, como queriam os defensores radicais da teoria causalista da
interpretação econômica do fato gerador. Por outro lado, para configurá-lo, também
não há necessidade, como exigem os formalistas, de que o ato jurídico praticado pelo
56 Op. Cit., p. 78. 57 Segundo José Casalta NABAIS, o “dever de pagar impostos constitui um dever fundamental como qualquer outro, com todas as conseqüências que uma tal qualificação implica” (O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Coleção Teses, Livraria almedina, 1998, p. 186) 58 No sentido do texto, é indiscrepante a posição de tributaristas como ROSEMBUJ (Op. Cit., p. 103), GOMES, Nuno Sá (Op. Cit., p. 78), GALLO, Franco (Op. Cit., p. 14) e AMORÓS RICA (Op. Cit., p. 433), onde este autor noticia que, na Espanha, o Real Decreto nº 1.919/79 veda a aplicação de penalidades em caso de reconhecimento de elisão abusiva. No direito alemão, a conseqüência do reconhecimento da elisão abusiva também se limita ao pagamento do tributo, sem a imposição de sanções; no entanto, na França, o reconhecimento do abuso de direito gera a imposição de multa no valor de 80% do valor do tributo devido, como informa ROSEMBUJ (Op. Cit., p. 364 e 369).
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contribuinte, seja ilícito, vício que atinge o ato no plano da sua validade. Basta que não
haja conexão entre o motivo econômico e os efeitos produzidos pelo ato, e a finalidade
adotada pelo legislador ao tutelar aquela situação jurídica, a partir do seu exercício
abusivo, com vistas à economia fiscal. O fenômeno não é de licitude do ato, mas sim,
de sua eficácia perante o fisco.59
Neste ponto, surge a pertinência de examinar a figura do abuso de direito
no cenário que se compõe pelas transformações que se desenham para o direito privado,
especialmente verificadas em fins do século XIX, o que será implementado no capítulo
seguinte.
59 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal ..., cit., p. 76/78.
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3. A autonomia privada e o abuso de direito
Sumário: 3.1. Considerações iniciais: as transformações no direito privado 3.2.
A autonomia privada: seu recorte conceitual 3.3. O Estado social de direito e
os limites traçados à autonomia privada. 3.4. A teoria do abuso de direito como
limite à autonomia privada 3.5. A teoria do abuso de direito no ordenamento
jurídico brasileiro
3.1. Considerações iniciais: as transformações no direito privado.
O humanismo jurídico elogiado pela filosofia do iluminismo não se
traduziu somente pelos ímpetos legisferantes consecutivos à Revolução Francesa; mas
como o pensamento liberal depositou uma enorme esperança no sistema normativo que
organiza o espaço político do Estado, ele atribuiu o programa, e também o combate, de
realizar a promoção e a salvaguarda dos “ direitos do homem”.
Dessa forma, nos contornos das sociedades modernas, o princípio da
liberdade revela-se como imagem do Direito Privado.1 Concebida como fundamento das
codificações que se desenham durante o século XIX, a liberdade restou consagrada no
topo dos ordenamentos jurídicos. Em um dado momento, ela se mostra como espelho
que reflete a separação entre Estado e a sociedade; em outro, apresenta-se para um
indivíduo ainda atrelado às amarras do medievo, como a fonte e fundamento de todos os
seus direitos. Para concretizá-la, surge no mundo jurídico os instrumentos aptos a
expressar esta liberdade autônoma: o sujeito de direito e o direito subjetivo.
É nesse sujeito de direito que encontramos o homem revestido da
condição de “pessoa”2 para a prática dos mais diversos atos da vida civil. Atos esses,
1 A liberdade nesse contexto era tida “como uma faculdade natural, decorrente da capacidade singular de todos os seres humanos de julgar e decidir a respeito de seus interesses individuais, sem qualquer condicionamento religioso ou social” (GEDIEL, José Antônio Peres. Os transplantes de Órgãos a Invenção moderna do corpo. Curitiba: Moinho do Verbo, 2000. p.13) 2 Segundo Pontes de Miranda, “ Pessoa é quem pode ser sujeito de direito: põe a máscara para entrar no teatro do mundo jurídico e está apto a desempenhar o papel de sujeito de direito” (...) “ Certamente, o ser sujeito do direito a, em concreto, portanto, é diferente de ser pessoa, que é um plano acima, abstrato.”( Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, v. !. p. 161)
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praticados pelo sujeito que atua como personagem de papéis delineados pelo Código
civil.
Todavia, não é suficiente apenas vestir a máscara de persona, é preciso
atuar. Para isso foi concebido um instrumento técnico e ideológico: o direito subjetivo,
ou seja, “poder jurídico” do qual o sujeito de direito aparece como titular, estabelecendo
vínculos jurídicos com outros indivíduos. Este direito revela-se, em um primeiro
momento, como um instrumento técnico porque é por meio dele que o homem pode
participar das mais variadas relações jurídicas delineadas pelas codificações e, em outro,
como um instrumento ideológico, porque mantém viva a idéia de liberdade de cada um
dentro da sociedade, o que implica vantagens econômicas.
A partir da noção de direito subjetivo, ressai que todo indivíduo tem uma
esfera de liberdade. Todavia, o homem não vive isolado, ao contrário do que pretendeu
fazer pensar o individualismo, tomando-o como autônomo e destacado da sociedade.
Em verdade, vive-se em uma coletividade, o que impõe a necessidade de estabelecer
limites à esfera de atuação de cada indivíduo, e isto ocorre até mesmo para permitir que
cada um possa desfrutar de sua liberdade. Assim, embora pareça um tanto
contraditório, a liberdade pressupõe limites, cabendo ao legislador estabelecê-los, em
um primeiro momento. No entanto, não se pode querer prever em normas todas as
situações que podem se apresentar. A partir daí surgem limites não expressos no
Direito, mas presentes pelo seu sentido de justiça. A teoria do Abuso de direito3 emerge
com a finalidade de estabelecer o justo limite à esfera de liberdade de cada indivíduo,
representada pelo direito subjetivo.
Entre os antigos, os conceitos de sujeito de direito e direito subjetivo não
eram conhecidos, pois resultaram de uma elaboração posterior, que teve início na Idade
Média e se consolidou com a Pandectística no século XIX4. No entanto, aquele que se
revestia do status de cidadão, seja na civitas romana, seja na polis grega, era o homem
3 A expressão abuso de direito sofreu críticas diversas, entre elas a de Planiol, que se fundamenta na contrariedade lógica do abuso de direito. Sua doutrina repousa sobre a insuficiência de sua linguagem, ao taxa-lo de uma “logomaquia”, propiciada pela contradição entre “abuso” e “direito” (PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O Abuso de direito e as Relações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 78 4 AMARAL, Francisco. Racionalidade e sistema no direito civil brasileiro. Separata de: Revista O Direito. Rio de Janeiro, a . 126, no. 12, 1994. p. 179.
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livre que somente desempenhava esta liberdade no espaço público. Eis que a idéia de
totalidade encontrada neste espaço era anterior ao próprio indivíduo.
Com a modernidade, contudo, opera-se uma inversão dessa idéia. A
personalidade já não é mais mero status, mas um conceito jurídico que se desenvolve e
se afirma dentro de um espaço privado, no qual está presente o direito subjetivo. Desta
inversão, a sociedade é um somatório de vontades individuais: sujeitos livres e iguais,
que viviam em um estado de natureza, resolvem pactuar a existência da sociedade e do
próprio Estado, como expõem as teorias contratualistas. Isto revela que o indivíduo
antecede o próprio Estado e, conseqüentemente, o direito subjetivo tem supremacia em
relação ao direito objetivo. Prega-se, então, a ausência deste Estado, que só deve intervir
quando absolutamente necessário, a fim de que o indivíduo possa exercer o poder
concedido pelo direito subjetivo como melhor lhe aprouver. Seu exercício é considerado
absoluto, não se lhe conhecem limites, o que possibilitou ter sido constantemente
invocado para justificar as lutas políticas dos séculos XIX e XX.5
Nos dias que correm, o direito subjetivo ainda expressa e mantém viva a
idéia de liberdade, assegurando a realização do individualismo na esfera jurídica, do
liberalismo na esfera política, e, do capitalismo na esfera econômica.6
Nesse contexto, revela-se, em um primeiro momento, a repulsa desse
sistema individualista a qualquer idéia de condenação advinda do abuso do direito, pois
os direitos subjetivos devem ser exercidos como melhor aprouver ao seu titular.
Posteriormente, em um segundo momento, passa a se admitir limites às prerrogativas
individuais, delineadas pela nova teoria, mas dentro de princípios individualistas: “ a
liberdade de um termina onde começa a liberdade do outro”. Portanto, os limites do
direito subjetivo fixam-se nos limites ao direito de outrem.
5 Celso LAFER aduz que o “ direito subjetivo é uma figura jurídica afim com a dos direitos do homem e da personalidade, todos representativos, no seu desenvolvimento teórico, do individualismo”. (A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com pensamento de Hannah Arend. São Paulo: Companmhia das Letras, 1988. p. 121) 6 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. Os fatos jurídicos. A autonomia privada. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 179
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O conceito de direito subjetivo proposto por Windscheid que o definiu
como “ poder da vontade” foi bastante criticada. Com efeito, diante de tal definição,
privam-se todos aqueles que não podem manifestar vontade juridicamente, como, por
exemplo, os absolutamente incapazes.7 Além disso, há direitos cujo exercício é
obrigatório, que não dependem da vontade de seu titular, como seriam muitos do dos
direitos de família e o próprio direito de propriedade vinculado à sua função social.8
Todavia, saliente-se que a concepção desses direitos era praticamente impensável,
dentro do sistema que definiu o direito subjetivo como “poder da vontade”.
Não se pode negar que a teoria da Windescheid é própria de um
liberalismo clássico. Por isso multiplicam-se as reações à sua concepção individualista,
dentre elas, a teoria do interesse de Ihering.9 Nesta, substitui-se o papel preponderante
atribuído à vontade pelo interesse, na estrutura do direito subjetivo. Este passa a
constituir-se de um elemento substancial, que é definido como interesse que a lei julga
digno de proteção e um elemento formal, que é a proteção do direito consubstanciado
pela ação na justiça. O direito objetivo intervém ao conferir uma ação, a fim de realizar
o interesse, donde resulta sua definição esboçada como “ interesse juridicamente
protegido”.
Em face das inúmeras críticas idealizadas, tanto à teoria de Windescheid
como à de Ihering, uma parte da doutrina optou por uma composição eclética.10 As
críticas desses autores fazem-se no sentido de que ambas as teorias revelam-se como
verdades parciais, por isso os elementos da vontade e interesse deveriam ser
combinados na estrutura do direito subjetivo. Enquanto na concepção segundo a qual
esta prerrogativa individual é composta tão-somente pelo interesse, o sujeito é visto
7 Esta crítica pode ser rebatida com a observação de Karl LARENZ, para quem Windscheid entendia que mesmo o incapaz pode ser titular de um direito subjetivo, já que a ordem jurídica “como esta fosse uma real vontade psicológica”.(Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1969. p. 36) 8 AMARAL. Direito civil...p. 184. 9 Tal teoria foi o ponto de partida para a “jurisprudência dos interesses” que considera o Direito como “tutela de interesses”... As leis são “as resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa e ética, que, em cada comunidade jurídica, se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento” ( LARENZ, Karl. Metodologia..., p. 65) 10 Dessa forma, passamos a encontrar na doutrina definições como a de JELINEK: “interesse protegido mediante o reconhecimento do poder da vontade individual”; a de SALEILLES: “ poder posto a serviço de interesse de caráter social e exercido por uma vontade autônoma”; ( Apud GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 108).
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como seu destinatário ou mero centro de interesses, o que seria insuficiente. Do mesmo
modo, não bastaria ser composto apenas pela vontade, pois o sujeito tornar-se-ia o
criador do direito objetivo. Transpondo esta crítica para outros parâmetros, encontramos
a contraposição entre uma concepção positivista, segundo a qual o direito subjetivo é
criação do direito objetivo, e uma concepção jusnaturalista, pela qual aquele preexiste a
este.
Nesse processo de transposição da prevalência entre direito subjetivo e
objetivo, e da inversão deste sobre aquele, proporcionado pela teoria do interesse, os
limites à liberdade expressa pelas prerrogativas individuais acentuam-se; inúmeras
foram as transformações da sociedade, de ordem política e até mesmo econômica que
atingiram o cerne do direito subjetivo, apresentando-se sob a forma de “crise”.11
Para salvar sua noção, compreendida como “poder da vontade”, expressa
de modo arbitrário e absoluto, estruturam-se limites. As primeiras limitações
empreendidas pela lei nasciam com os direitos subjetivos e tinham por meta, estabelecer
a coexistência entre prerrogativas individuais. Era a limitação dos espaços individuais
em relação a outros indivíduos. A atuação do Estado permanecia negativa, pois em
nenhum momento se impõem deveres aos titulares dos direitos, já que visavam garantir
apenas interesses individuais. Assim o direito subjetivo ganhara limites externos, sem
ser modificado em sua essência. E as primeiras manifestações da teoria do abuso do
direito manifestam-se exatamente no teor destas limitações.
A partir da alteração no cenário econômico, que também se reflete no
aspecto político, o Estado assume novos parâmetros. A ordem liberal sucumbe diante de
um modelo intervencionista, provocando uma reviravolta de conceitos na qual o direito
objetivo sobrepõe-se ao subjetivo. Assim, ele passa a conter um elemento funcional, que
é o valor ou interesse, e um elemento estrutural, que é o poder jurídico. Seu
reconhecimento revela novos limites para o direito subjetivo, limites estes que buscam 11 “ Não é de hoje que os juristas falam da crise do Direito e a fazem derivar de uma crise da sociedade de sua época. Mas, para eles, as várias análises dessas crises e das relações entre elas se reduzem, na maior parte das vezes, à constatação de uma ‘perda de valores’ que tradicionalmente sustentavam o edifício jurídico, e à observação da inovação do direito pelos fatos. Eles dão habitualmente a isso o nome de ‘mutação da sociedade’, fórmula que, por sua própria trivialidade, compromete muito pouco quem a utiliza”. (ARNAUD, André-Jean. O direito traído pela filosofia. Porto Alegre: S. Fabris, 1991. p. 171)
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atingir seu aspecto interno, o que se reflete no princípio da função social e no da boa-fé,
que vão delinear um novo caráter para a teoria do abuso do direito, tornando-se evidente
a superação do antigo conceito de direito subjetivo.12
Na atualidade, em lugar do direito subjetivo, fala-se nas chamadas
“situações jurídicas subjetivas” a sinalizar no sentido de que os direitos subjetivos
sucumbiram à tão fadada “crise”.13
A par disso, firma-se a idéia de que não há direitos “absolutos” e
ilimitados, como pretensamente o individualismo colocou, ao tomar o homem como ser
isolado, como se não estivesse inserido na sociedade. As “situações jurídicas subjetivas”
constituem-se em um complexo de direitos, prerrogativas e deveres, que são conferidos
e impostos ao sujeito de direito em função de um critério axiológico,14 no qual não se
tutela apenas o interesse do titular, mas de toda uma coletividade, expressando-se como
a melhor manifestação do solidarismo ou socialismo. Enquanto o direito subjetivo “
nasceu para exprimir um interesse individual e egoísta, a noção de situação subjetiva
complexa, configura a função de solidariedade presente no nível constitucional”15
3.2 Autonomia privada, seu recorte conceitual .
A consagração do princípio da autonomia privada enquanto “ pedra
angular do sistema civilístico”16 encontrou seu fundamento, nas sociedades modernas,
12 “ A reviravolta da noção de direito subjetivo, de senhoria (poder) da vontade a interesse juridicamente protegido e, finalmente, às formulações dogmáticas nas quais resulta intuitiva a sua absorção pelo direito objetivo” (TEPEDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil (Imobiliário, Agrário e Empresarial) São Paulo, n. 65, jul/set. 1993. p. 33) 13 PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso de direito e as relações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 28. 14 Segundo Rosalice Fidalgo PINHEIRO (Op.cit., p. 29), “ a noção de situação subjetiva evidencia mudanças na própria relação jurídica. A obrigação passa a ser vista como um processo; o direito real deixa de ser o poder imediato da pessoa sobre a coisa, para impor deveres ao seu titular; as relações de família deixam de estar a mercê de um titular para serem exercidas em benefício do outro.” 15 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 121. 16 “ É significativo o fato de que a autonomia privada é tida como sendo pedra angular do sistema civilístico inserido em contexto econômico-político próprio. A análise da autonomia privada, cuja expressão é a autonomia da vontade, está diretamente vinculada ao espaço que o universo jurídico reserva aos particulares para disporem sobre seus interesses. Em verdade, a autonomia privada tem um reconhecimento da ordem jurídica, à medida em que a própria lei confere explicitamente o espaço em branco para que os particulares o preencham. Esse reconhecimento decorre da aplicação de um critério de
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em razão do caráter com o qual se afirmou a idéia de liberdade humana. Trata-se da
passagem de uma sociedade feudal para uma sociedade capitalista que, ao promover a
libertação do homem, exigiu que aquela idéia, antes esboçada, o fosse de modo
extremamente amplo, com vistas a adequar a ideologia do modo de produção
capitalista.17
A separação do trabalhador dos meios de produção, característica base
do modo de produção capitalista, transforma aquele mero detentor de força de trabalho,
em mero trabalhador potencial, e os meios de produção em instrumentos parados se não
combinados com aquela força de trabalho. A ligação entre o trabalhador e os meios de
produção só é possível pelo acordo daquele e do proprietário destes. Declarado livre o
trabalhador, isto é, reconhecida a propriedade do trabalhador à sua força de trabalho,
isso impõe que lhe seja reconhecida personalidade jurídica e capacidade negocial, para
que ele possa celebrar o contrato pelo qual aquela ligação se efetiva, agora
necessariamente.
Foi a partir da implantação do modo de produção capitalista que veio a
tona a necessidade de universalização desses conceitos: todos passam necessariamente a
ser proprietários, ou de bens que lhes permitam subsistir, ou de força de trabalho que
vendam. Por isso todos passam a ser sujeitos jurídicos, todos passam a ter capacidade
negocial.18
exclusão, pois os particulares atuam nos espaços permitidos, isto é, não vedados pela ordem jurídica,” ( Luiz Edson FACHIN, apud Rosalice Fidalgo PINHEIRO, Op. Cit., p. 387) 17 Conforme argumenta Ana PRATRA, a “ justificação ideológica da ruptura com a ideologia feudal e as necessidades de organização da produção em termos capitalistas conduziram, portanto, à formulação de um conceito de liberdade extremamente amplo, porque o seu momento criador é, a um só tempo, um momento negador ( da ordem jurídica existente)-, amplitude que é, simultaneamente, a conseqüência da forma necessária da sua formulação, Istoé, da sua recondução jusnaturalista a um momento pré-jurídico. Dito de outra maneira, porque não havia ainda condições para combater e destruir política e juridicamente a ordem feudal, os instrumentos dessa luta e da vitória nela são situados no domínio filosófico e ideológico, eliminando-se assim a necessidade de justificação do concreto jurídico. A liberdade é um ‘ patrimônio originário do homem que se contrapõe aos poderes do Estado’ e que, no campo do direito privado, não encontra outros limites senão os resultantes da ‘exigência de assegurar a coexistência das várias esferas da liberdade individual, todas igualmente dignas de respeito’ e que não são na realidade limites da autonomia, mas seus aspectos essenciais...” ( A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982. p.79) 18 Argumenta Ana PRATA que tal “necessidade impõe-se contra a realidade anterior, que é a da vinculação do trabalhador à terra e ao senhor feudal: daí que, do ponto de vista filosófico, o ultrapassar dessa situação determine, antes do mais, e sobretudo, o afirmar da liberdade das pessoas, da sua libertação dos vínculos que as prendem à terra e aos senhores.”
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Neste momento o conceito de autonomia privada ganha um conteúdo
autônomo e operativo: e é esse conteúdo que espelha a própria noção de negócio
jurídico. Este deixa de ser visto na perspectiva de um instrumento de troca de bens – na
perspectiva da sua função – para ser acentuado o seu caráter de realização da liberdade
econômica. O negócio é a afirmação da liberdade da pessoa, o negócio é o efeito
jurídico da vontade livre.
Tem, assim, o conceito jurídico de autonomia privada, seu surgimento e
configuração estreitamente vinculados às condições históricas, nomeadamente da
passagem do feudalismo ao capitalismo.
A autonomia privada ou liberdade negocial traduz-se pois no poder
reconhecido pela ordem jurídica ao homem, prévia e necessariamente qualificado como
sujeito jurídico, de juridicizar a sua atividade ( designadamente, a sua atividade
econômica), realizando livremente negócios e determinando os respectivos efeitos.
A par disso, importa frisar, que não se trata de uma realidade conceitual
ampla qualificada de toda atividade livre do homem, isto é, que autonomia privada e
liberdade de ação humana seriam uma única coisa.19
Não representa, assim, “a autonomia privada” toda a liberdade, nem toda
a liberdade privada, nem sequer toda a liberdade jurídica privada, mas apenas um
aspecto desta ultima: a liberdade negocial.”20 Constitui, pois, um mero instrumento
jurídico de atuação ou concretização e tutela ou defesa de interesses privados.
Como qualificativo de uma dada atividade jurídica dos sujeitos privados
– a sua atividade negocial de expressão econômica – o conceito delineia, ao mesmo
tempo, o espaço desta atividade contrapondo-se ao de uma outra, a atividade do Estado,
uma vez que “o campo onde atua a autonomia privada é justamente o dos interesses 19 A autonomia privada não é, ressalte-se, um fenômeno pré-jurídico que o direito se limite a receber como observa Luigi FERRI, “ o problema da autonomia é antes de tudo um problema de limites, e de limites que são sempre o reflexo de normas jurídicas, na falta das quais o mesmo problema não poderia sequer colocar-se, a menos que se queira identificar a autonomia com a liberdade natural ou moral do homem”. (La autonomia privada, tradução espanhola de Luis Sancho Mendizábal. Granada. Editora Comares, S.L., 2001, p. 10)
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privados, e os interesses privados vêm determinados por exclusão: são aqueles
interesses cuja tutela não assume, por si, nem impõe aos outros, o Estado.” 21
Nesse perspectiva, desde logo há a assinalar que, nos quadrantes do
Estado fiscal,22 que tem na subsidiariedade da sua própria ação (econômico-social) e
no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu sustento, o seu verdadeiro
suporte, não se pode opor ao Fisco os atos abusivo calcados na autonomia privada, no
sentido de se eximir do cumprimento de obrigação tributária.
3.3 O Estado social de direito e os limites à autonomia privada
A autonomia privada como poder de criação ou modelação jurídica
reconhecido à vontade privada, é um poder de auto-regulação dos interesses nas
relações entre particulares, que cumpre com a função de “modelação da vida social”.23
Se encontra presente tanto nas relações patrimoniais como extrapatrimoniais, revelando-
se em maior medida para aquelas, por atuar na promoção de circulação dos bens,
revelando outro princípio que nela encontra expressão, a liberdade contratual.
Em todas essas manifestações, o princípio da autonomia privada varia de
intensidade conforme o contexto econômico e político no qual se insere. Ganhando, a
um tempo, maiores limitações, perdendo-as a outro, ele revela-se como um princípio
político,24 o que implica considera-lo uma questão de limites, colocando em jogo o
papel do Estado perante a sociedade25
20 Ana PRATA, op. cit., p.13 21 Luigi FERRI, op.cit. p.10 22 Nos tempos que correm o atual estado, é na generalidade dos países contemporâneos, e mormente nos desenvolvidos, um estado fiscal. No caso do Brasil, uma tal idéia resulta muito claramente da constituição: do seu conjunto, das diversas partes ou subconstituições e, muito especialmente, de alguns preceitos concernentes especificamente à fisionomia fiscal do estado, como são os integrantes da “constituição financeira” e sobretudo os da “ constituição tributária. 23 MOTA PINTO. Teoria geral do direito privado. 3 ed. Atual.. Coimbra: Coimbra, 1994. p. 90 24 Segundo Luiz Edson FACHIN, “ O princípio da autonomia privada é também um princípio político”. (Novo conceito de ato e negócio jurídico. CuritibaÇ Educa; Scientia et Labor, 1988p. 54) 25 Nesse sentido aduz Luigi FERRI: “ o problema da autonomia é antes de tudo um problema de limites, e de limites que são sempre o reflexo de normas jurídicas, na falta das quais o mesmo problema não poderia sequer colocar-se, a menos que se queira identificar a autonomia com a liberdade natural ou moral do homem” (Op. Cit. P. 10).
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É importante frisar que, a despeito de boa parte da doutrina referir-se
indistintamente à expressões autonomia da vontade e autonomia privada, dando-lhes o
mesmo significado, acentua-se a diversidade de concepções que expressam. Com efeito,
tal diferenciação é bem exposta por Francisco AMARAL, quando se refere a uma
conotação “subjetiva e psicológica” revelada pela expressão autonomia da vontade, e de
caráter “objetivo, concreto e real” revelado pela autonomia privada.26
Afirma, o referido autor, que a autonomia da vontade é uma
“manifestação de liberdade individual no campo do direito”, e a autonomia privada, o
“poder de criar, nos limites da lei, normas jurídicas, vale dizer, o poder de alguém de
dar a si próprio um ordenamento jurídico e, objetivamente, o caráter próprio desse
ordenamento, constituído pelo agente, diversa mas complementar, ao ordenamento
estatal”
Não se pode deixar de perceber que o delineamento alcançado pelo
princípio da autonomia da vontade tem estreita vinculação com o tipo de Estado.
Naquele chamado Estado moderno, de índole liberal, este status conferido ao citado
princípio é alcançado pela rigorosa separação entre Estado e sociedade.
Na concepção liberal, a posição do Estado em relação à vida econômica
tem um conteúdo predominantemente negativo: a riqueza e o bem-estar coletivos são
entendidos como o somatório da riqueza e do bem-estar individuais e estes são o
resultado da atividade dos particulares, atividade na qual o Estado se abstém de intervir.
Desse modo, conjugam-se vontade e liberdade, que sob as vestes da
autonomia da vontade, vão propiciar um modelo de “justiça contratual” apregoado pelo
liberalismo. Não cabe ao Estado qualquer interferência nessa justiça contratual, baseada
na livre concorrência.
26 A autonomia da vontade constitui-se no “ princípio de direito privado pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos^, enquanto a autonomia privada refere-se “ao poder que o particular tem de estabelecer as regras jurídicas de seu próprio comportamento” (AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. Os fatos jurídicos. A autonomia privada. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 327)
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É de se observar, entretanto, que a nítida separação entre Estado e
sociedade perde lugar, o que se traduz em uma interferência cada vez maior do público
sobre o privado.27
Assiste-se, a partir de então, ao declínio da autonomia da vontade, por se
conceber uma liberdade contratual ilimitada retirando-se o Estado da origem desta, bem
como dos direitos subjetivos.28 Nesta perspectiva, reivindicam-se limites, o que permitiu
o desenvolvimento da teoria do abuso de direito e do princípio da boa fé, com vistas a
alcançar a justiça contratual. É nesse momento que ocorre a inversão de uma idéia
.fundamental antes colocada como caracterização do princípio da autonomia da
vontade: o direito objetivo revela-se em anterioridade ao direito subjetivo,
possibilitando a intervenção do Estado e, conseqüentemente, a imposição de limites à
liberdade contratual.29
Nesse contexto, toma forma o princípio da autonomia privada, utilizada
como fundamento para a explicação do negócio jurídico, tornando-se este seu principal
instrumento. De sorte que, despidos do dogma da vontade, passa-se a um redesenho da
autonomia privada, enquanto “auto-regulação dos interesses particulares”.30
Por outro lado, vêm à tona as repercussões de uma mudança
metodológica, que já se processavam em fins do século XIX no direito. O fundamento
dos princípios e institutos jurídicos desloca-se da vontade para o interesse, o que resulta
claro das concepções de direito subjetivo contrapostas para o finalismo, significando a
abertura do ordenamento jurídico para os valores31.
27 Sobre a intervenção pública no domínio econômico, Ana PRATA, op.cit., p. 35-58 28 Em conformidade como o que aduz Ferando NORONHA (Op. cit., p. 122) “ O que causou o declínio da théorie de l’ autonomie de la lovonté, como ainda hoje a autonomia privada continua sendo designada na França, foi, por um lado, o esquecer-se a regra elementar segundo a qual a lei, e portanto o Estado, está na origem de todos os nossos direitos subjetivos, aí incluído o de contratar e, por outro lado, o abuso que se fez da liberdade de contratar num contesto sócio-econômico permitindo aos fortes explorar os fracos e, por último, e sobretudo, as necessidades de uma economia planejada”. 29 LOBO, Paulo. Do Contrato no Estado Social. Crise e transformações. Maceió: edufal, 1983. p. 57. 30 GOMES, Orlando. Transformações Gerais do Direito das Obrigações. P. 65-67 31 Segundo Karl Larenz, “a Jurisprudência está na sua essência, mediante a aplicação das valorações legais, nos antípodas de uma valoração autônoma (do juiz). As leis são, de acordo com esta concepção, pelo menos no âmbito do direito privado, instrumentos de regulação de conflitos de interesses previsíveis e típicos entre particulares ou grupos sociais, de tal modo que um interesse tenha de ceder a outro na exata medida em que este possa prevalecer. Esta prevalência consubstancia uma valoração, para a qual o
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Importa frisar, todavia, que ao se acentuar a demissão da vontade da
concepção da autonomia privada ou do negócio jurídico, não se quer com isto desviar o
fato de que para tais institutos não sejam fundamentais a vontade do indivíduo. Mas que
para estas, impõem-se limites, cujo sentido deve ser precisado.32 Há muito vive-se em
uma época na qual se acentuam e se multiplicam as limitações autonomia privada.
Entretanto, referidas limitações, que na atualidade se avultam, sempre existiram, embora
antes se revestissem de um caráter negativo, como próprias de um Estado liberal,
conforme acima já mencionado. Contemporaneamente, mudaram sua qualificação,
tornando-se positivas e próprias de um Estado social de Direito, traduzindo-se na
substituição, cada vez maior, de regras supletivas e disposições, afetas ao direito
obrigacional clássico, por normas cogentes.
Pode-se afirmar que tais limitações erigem-se no sentido de “reação anti-
individualista”, traduzindo-se numa submissão dos interesses individuais aos interesses
coletivos. Trata-se do princípio da função social, que passa a impregnar os principais
institutos do Direito Privado, tais como a propriedade, o contrato, e a família, atingindo
também a autonomia privada..
3.4. A teoria do abuso de direito como limite à autonomia privada
É através do direito subjetivo e no negócio jurídico que a autonomia
privada encontra seus veículos de realização. No entanto, segundo MOTA PINTO, não
é só através destes que ela se revela ou atua, embora seja o negócio jurídico o seu meio
principal de atuação. É também a autonomia privada que se manifesta no poder de livre
exercício dos seus direitos ou de livre gozo dos seus bens pelos particulares – ou seja, é
legislador pode ter determinado pelos mais diversos motivos” (Metodologia da Ciência do Direito.. 3a. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 163-164) 32 Aduz Claus-Wilhelm CANARIS: “Além disso, também são de excluir os limites imanentes de um princípio, pois estes não contrariam, verdadeiramente o princípio, mas apenas tornam claro o seu verdadeiro significado...” ( Pensamento Sistemático e conceito de Sistema na ciência do Direito. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa: 1996, p. 202)
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a autonomia privada que se manifesta na soberania do querer – no império da vontade –
que caracteriza essencialmente o direito subjetivo.33
Essas concepções, como já visto, encontram na sua base a idéia de
liberdade enquanto direito natural, oposto ao Estado, e de uma igualdade, ainda que tão-
somente formal, mas capaz de abstrair as diferenças econômicas e sociais entre os
indivíduos. Com efeito o caráter ilimitado como se desenha a autonomia privada, não
significa que ela se encontre destituída de limites, pois a ordem pública e os bons
costumes são tradicionalmente admitidos como tal. Apenas ocorre que estes últimos
acham-se delineados de modo indeterminado, revelando-se como externos e decorrentes
de uma atuação negativa do Estado. Ditos limites também configuram-se para o direito
subjetivo e o contrato, não tardando a se revelar como insuficientes e, por isso, traçando
o panorama propício à teoria do abuso do direito. 34
Todavia, em vista da concepção de que cada limite que se imprime à
autonomia privada, importaria em limitação da própria liberdade, justificou-se
compreensão restrita delineada para a teoria do abuso de direito. A par disso,
encontramos os critérios subjetivistas, sob a égide dos quais o ato abusivo se traduz na
intenção de prejudicar. Do mesmo modo, alinham-se os critérios objetivos, delineados
por aquilo que se caracteriza como um momento de transição: o fim social do direito,
mas como algo que lhe é exterior. A par disso, o abuso de direito é desenhado com um
caráter acidental, excepcional, que não alcança a essência do direito subjetivo e do
contrato e, conseqüentemente, da própria autonomia privada.35
No entanto as transformações que sobrevieram às sociedades pós-
industrializadas inauguraram uma certa “crise” dos institutos jurídicos que formavam o
quadro do direito civil clássico. Tratava-se de exigir novas limitações à liberdade
individual, em face da insuficiência dos contornos tradicionalmente traçados à autonomia
privada. 33 MOTA PINTO, op. cit., p. 90 34 Para Everardo da Cunha LUNA o o abuso de direito origina-se da relatividade dos direitos subjetivos (Abuso de direito. 1a. edição. Rio de Janeiro: Companhia editora forense, 1959, p. 42 35 Sobre as teorias do abuso de direito, escreve Everardo da Cunha LUNA: “Todas as teorias, que tentam dizer-nos o que vem a ser e significar o abuso de direito, podem ser classificadas em três grupos: 1o.) teorias subjetivas; 2o.) teorias objetivas; 3o. teorias subjetivo-objetivas. Ao primeiro grupo, pertendem as teorias da intenção, da gravidade da culpa e da culpa específica; ao segundo, as teorias do destino
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Acrescente-se que houve, por outro lado, uma invasão de solidarismo no
direito privado que veio intervir na estrutura inabalável do contrato.36
Nessa perspectiva, afloram, passando a compor o primeiro plano da
teoria contratual, princípios que antes eram obscurecidos pela autonomia da vontade.37
Antigas e novas construções teóricas encontraram-se com vistas a alcançar a justiça no
contrato: parte-se da teoria da imprevisão à base do negócio jurídico; a lesão e a causa
são revitalizadas; ganha lugar o fenômeno da culpa in contrahendo e da culpa pos
pactum finitum; e a teoria do abuso do direito reveste-se da forma de “exercício
inadmissível de posições jurídicas”. Esta constitui a mais atual das orientações para o
ato abusivo, sob a égide de critérios objetivos.
Para Orlando GOMES, há uma reconstrução do sistema contratual, no
sentido de “libertar o conceito de contrato da idéia de autonomia privada e admitir que,
além da vontade das partes, outras fontes integram o seu conteúdo.38
Tais reformulações correspondem à reformulação do papel do Estado,
não mais ancorado à perspectiva de sua abstenção nas relações privadas, mas que se
encontra em harmonia com sua atuação interventiva, capaz delinear limites positivos à
autonomia privada. Importa aduzir, por outro lado, que isto não implica nega-la, pois
tanto o art. 1o.39 quanto o artigo 17040 da Constituição Federal concebem a iniciativa
privada, ora como um dos princípios do Estado Democrático de Direito, ora como base
econômico, do fim social do direito e do motivo legítimo, e ao terceiro, todas as teorias ecléticas, isto é, que tentam conciliar as subjetivas com as objetivas.”. (Op. cit. p. 69) 36 “...o dever, instituição de cláusulas contratuais, o princípio da boa fé, os preceitos de ordem pública, os bons costumes, a justiça contratual, as disposições sobre abuso de direito, etc., tudo isso a representar as exigências crescentes de solidariedade e de socialidade’. (AMARAL. Direito..., p. 345). 37 “a crítica aos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual que permitiu que desabrochassem os princípios da boa fé e da justiça contratual – os quais, aliás, nunca deixaram de estar latentes em todos os ordenamentos: apenas eram ofuscados pelo brilho artificial acrescentado ao princípio da (velha) autonomia da vontade” (NORONHA, op. cit., p. 122) 38 Contratos. 20. ed. Rio de Janeiro: forense, 2000. p. 15 39 “ Art. 1o. a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito e tem como fundamentos: (...) IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,” 40 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos exist~encia digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:...”
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da ordem econômica. Todavia ela passa a encontrar-se afeta a controles constitucionais,
de modo a deixar de ser concebida como um valor em si mesmo.
Assim, diante dos princípios da dignidade humana e dos valores sociais
do trabalho, esculpidos pelo art. 1o. e os fins da “existência digna” e da justiça social no
teor do art. 170 da constituição Federal, a autonomia privada se torna funciolalizada a
partir de um sentido social e em abandono ao dogma da vontade.41
Emerge, nesse cenário, o princípio da boa-fé como um novo paradigma
para as relações contratuais, especialmente na esfera das relações de consumo,
delineando-se como limite à autonomia privada. Importa ressaltar que ao se vislumbrar
o seu alcance constitucional, esculpido pelo valor da solidariedade, previsto no art. 3o., I
da Constituição Federal,42 exigível para que se cumpra a função social do contrato, ela
não se configura como mero limite, traduzindo-se, por outro lado, no sentido de
“funcionalizar” a autonomia privada o que implica em conformá-la, ao contrário do
passado, à dignidade da pessoa humana. Trata-se de despratrimonializá-la, ou, ainda,
repersonalizá-la o que implica dizer que nos dias que correm, o modelo do direito
privado não é o da autonomia da vontade como princípio fundamental da organização
das relações sociais.43
3.5. O teoria do abuso de direito no ordenamento jurídico brasileiro
Como se sabe, as codificações oitocentistas estruturaram-se em torno de
duas idéias centrais que se completam: a propriedade e a autonomia da vontade. Com o
código Civil de 1996, já revogado, não foi diferente. Entretanto, não muito tempo
depois de ser posto em vigor, intensas modificações que já se processavam, refletiram 41 Rosalice Fidalgo PINHEIRO. Op. cit., p. 408 42 “Atr. 3o. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir um sociedade livre justa e solidária;” 43 Cuida-se de afirmação esboçada por Eliseu FIGUEIRA: Em resumo já não se pode dizer-se hoje que o modelo do direito privado é o da autonomia da vontade como princípio fundamental da organização da liberdade e igualdade dos sujeitos intervenientes na produção e circulação dos bens; paralelamente, há hoje um outro modelo atravessado por frequentes desvios que não se apresentam como simples restrições,
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no Direito Civil, atingindo aquelas idéias centrais. Segundo Orlando Gomes, era a
“agonia do Código Civil”.44
Com efeito, as desigualdades econômicas que se agudizaram em razão
da aplicação de proposições de caráter geral e abstrato a todos os indivíduos
indistintamente, dando ensejo a desigualdades, não mais jurídicas, porém econômicas,
não mais formais, porém sociais. Diante desse contexto, nasce a exigência de um novo
princípio: “aquele da igualdade não só formal, mas também substancial.”45
Todavia, a instituição desse novo princípio de igualdade, que passou a
ser, doravante, substancial, é um papel que deixou de ser desempenhado pela
codificação. Foram editadas uma série de leis especiais que imprimiram mudanças
“valorativas” aos principais institutos de Direito Privado representados pelo contrato, a
propriedade e a família. Novas leis foram criadas fora do Código Civil brasileiro para
regulação de institutos que antes integravam dito código, criando, assim,
microssistemas, que, por sua vez, passaram a ter “autonomia” própria, impregnados de
novos princípios, contrapostos ao do Código Civil vigente, numa verdadeira
descodificação.46
Os estatutos especiais se formam à margem do Direito codificado, numa
evidente descentralização da regulação das relações privadas a qual aponta no sentido
de uma quebra de unidade do sistema antes proporcionada pelo código Civil. É neste
momento que passa, a Constituição, a desempenhar, no cenário jurídico, o papel de
unificadora do ordenamento jurídico.
Por sua vez, é fato notório que o ideal político da igualdade, positivado,
com maior ou menor detalhamento, na generalidade das constituições do mundo
contemporâneo, foi incorporado pela Constituição brasileira de 1988.47
meros elementos negativos, mas como elementos positivos cuja violação importa a conformação à legalidade.” (Renovação do Direito Privado.Lisboa: Caminho, 1989. p. 143) 44 Cfe. A Agonia do Código Civil. Revista de Direito Comparado Luso-brasileiro. Rio de Janeiro, a. 4, n. 7, jul. 1988, p. 1-9 45 Apud Rosalice Carvalho SANTOS. O Abuso de Direito e as Relações Contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 202, p.289. 46 GOMES. A agonia..., p. 3-4 47 “ art. 3o. constituem objetivos fundamentais da Rep~ublica federativa do Brasil: (...)
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Configura-se, a partir daí, uma nova atuação, norteada pelo princípio da
igualdade plasmado no texto constitucional. Os direitos fundamentais não são mais
visualizados em seu aspecto negativo, com vistas a tão-somente garantir ao indivíduo
uma esfera de atuação protegida contra o Estado, mas em seu aspecto positivo como
“princípios objetivos e ativos”.48
Em razão dessa ordem de idéias foi instituído o novo código Civil, pela
Lei no. 10.406 de 10 de janeiro de 2002, com vistas a colocar-se como diploma básico
da disciplina das relações de natureza privada, adaptando-se às exigências do processo
de mudança social operada no Brasil e desse modo ao Texto Maior.
As modificações que impulsionaram o fenômeno da descodificação do
direito civil, compõem o pano de fundo no qual se encontra consagrada a teoria do
abuso de direito no atual Código Civil. Seu art. 187 refere-se àquela teoria sob o título
“dos atos ilícitos”, dispondo:
“ Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-
fé ou pelos bons costumes”.
Bem se vê, da leitura deste preceito, que foi adotada a concepção
objetivista de abuso de direito, sendo que, segundo Ruy Rosado de AGUIAR JÚNIOR,
tal norma consubstancia-se na “cláusula mais rica” do direito das obrigações, por conter
princípios éticos, como a do abuso do direito, boa-fé, os bons costumes e o fim social,
sob a roupagem de um critério objetivo,49 sendo que tal critério remete ao princípio da
III – erradicar a pobreza a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” “Art. 5o.(inserido no Título relativo aos direitos e garantias fundamentais) Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, á liberdade, á igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: I – homens e mulheres são iguais em direito e obrigações, nos termos desta Constituição: (...)” 48 MARTINS-COSTA. Crise e Modificação da Idéia de Contrato no direito Brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v. 3, p. 127-154, set./dez. 1992 49 O Projeto do código Civil: as obrigações e os contratos. INCIJUR. Joinville, a. 1, n. 9, abr. 2000. p. 4.
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boa-fé, enquanto regra de comportamento que se impõe tanto ao cumprimento de
obrigações, como ao exercício de posições jurídicas.
O ato abusivo, a par disso, revela-se frequentemente como contrariedade
à boa-fé, havendo, ainda, ampliação da concepção de abusividade que ora também se
encontra esboçada pela contrariedade aos bons costumes e ao fim econômico e social do
direito.
Em relação à discussão sobre o que seja bons costumes é importante
frisar que a exemplo do que ocorre na doutrina portuguesa, deve-se afastar a concepção
idealista relacionada aos ditames de ordem filosófica ou religiosa, bem assim afastar-se
da moral subjetiva ou pessoal do juiz, para buscar-se uma “moral objetiva”. Dessa
forma os bons costumes “devem corresponder ao sentido ético imperante na
comunidade social.”50 Nesse sentido, pode-se afirmar, que as normas éticas preenchem
uma função vital visto que “reduzem a imensa complexidade das relações humanas e
ajudam o ser humano a decidir sobre como agir’.51
No tocante à referência ao fim econômico ou social, encontrada no art.
187 do Código Civil, esta que dizer que o exercício do direito encontra-se limitado pelo
seu fim, numa inspiração clara na tese finalista de Josserand.52 Tal referência revela-se
como a tradução do princípio da função social do contrato, contemplado no art. 421 do
mesmo estatuto, enquanto limite à liberdade de contratar: “A liberdade de contratar
será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Segue esses
dispositivos, o art. 42253, que estabelece a probidade e a boa-fé objetiva, conferindo aos
contratos, “estrutura e finalidades sociais”, clarificando-se que a liberdade de contratar
só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, importando os
valores da boa-fé e da probidade.
50 ABREU, José Manuel Coutinho de. Do Abuso de Direito. Coimbra: almedina, 1983. p. 63 51 Aduz João Maurício ADEODATO que tal decisão que neutraliza o conflito (Ética e Retórica para uma Teoria da dogmática Jurídica. São Paulo: 2002, p. 139-140 52 Para explicar o ato abusivo Josserand arquiteta uma teoria de natureza objetiva baseada na finalidade social do direito. Adota um critério finalista social do direito, partindo do princípio de que o abuso de direito se exerce de conformidade com o direito da pessoa e em contrariedade às regras sociais (apud Everardo da Cunha LUNA, op. cit., p. 83)
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Entretanto importa ressaltar que a despeito de um critério de teor
eminentemente objetivo para determinar o ato abusivo, não impediu que o abuso do
direito, tal como no Código Civil anterior, continuasse sendo concebido como ato
ilícito. Nesse ponto a doutrina que se esforça para delineá-lo em sua perspectiva
autônoma, procura esclarecer que embora seja antijurídico por contrariar o Direito, não
se configura em si mesmo como uma “atuação ilícita”.54
À parte de qualquer discussão sobre a falta ou não de correto
enquadramento do abuso de direito perante o novo código civil, impõe-se afirmar tratar-
se do reconhecimento de limites à liberdade contratual estabelecida pelo princípio da
função social e da boa fé, encontrado no contexto do novo Código civil, em consonância
com princípios que já norteavam os microssistemas .
Cabe, no entanto, clarificar que a discussão persistente entre os civilistas,
no tocante à licitude ou ilicitude do ato abusivo, não tem relevo no âmbito do direito
tributário, quando se cuida da desconsideração, pela Fazenda Pública, de ato praticado
pelo contribuinte com o intuito de afastar o tributo, consoante se exporá no capítulo
seguinte.
O que se tem por evidente a mudança metodológica processada em fins
do século XIX no Direito, uma vez que o fundamento dos princípios e institutos
jurídicos desloca-se da vontade para o interesse, o que resta claro das concepções de
direito subjetivo contrapostas para o finalismo, significando a abertura do ordenamento
jurídico para os valores.
53 “Art. 422. Os contraentes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.’ 54 Rosalice Fidalgo PINHEIRO. Op. cit. P.308
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4. Elisão tributária: novos quadrantes impostos pela teoria do abuso
de direito.
Sumário: 4.1. Considerações iniciais: O descumprimento do dever de
contribuir 4.2. A elisão abusiva 4.2.1. Requisitos da elisão abusiva
4.2.2. Modalidades de elisão abusiva 4.3.Distinção entre abuso de
direito e simulação 4.4. Abuso de direito e licitude.
4.1. Considerações iniciais: o descumprimento do dever de contribuir
Diferentemente de alguns outros textos constitucionais, a Constituição
brasileira, assim como a alemã não contemplam os deveres dos contribuintes. A par
disso, a nossa constituição praticamente se limita a estabelecer os direitos dos cidadãos.
De forma contrária, outras constituições estabelecem que todos estão obrigados a pagar
os impostos estabelecidos em lei (Constituições da Rússia de 1993, art. 1993, art. 57; do
Egito de 1971-80, art. 61; do Iraque de 1979, art. 35; da Síria de 1973, art. 41; dos
Emirados Árabes Unidos de 1971, art. 42 entre outras).
No entanto é de se observar que com tais constituições se expressa uma
obviedade, pois as leis são regras que obrigam em caráter geral. Por outro lado o
cumprimento das leis é também um dever moral.
Alguns contribuintes evitam o dever tributário mediante a elisão fiscal.
Não contraria a lei, a atuação de quem não realiza o fato imponível e evita o nascimento
da obrigação tributária. A toda pessoa é dado o direito de organizar sua atividade com
vistas a pagar menos impostos. A questão que se coloca diz respeito aos limites da
conduta elisiva.
Como visto nos capítulos anteriores, modernamente, os direitos não são
absolutos, sendo o seu exercício limitado à sua função social e econômica. A teoria do
abuso de direito impõe limites, não se podendo negá-la diante das novas conquistas da
doutrina, das reiteradas decisões jurisprudenciais e dos claros e insofismáveis textos da
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lei. O abuso de direito é uma realidade jurídica, presente em vários ramos da ciência
jurídica
Dessa forma, a teoria do abuso de direito passa a incidir a partir do
momento em que o contribuinte lança mão de um negócio jurídico, formalmente lícito,
não visando, porém, adequar-se aos efeitos deste, mas tão-somente, ou
fundamentalmente, à economia do imposto.
4.2. A elisão abusiva
A concepção sobre elisão, extremamente individualista, adotada pela
doutrina brasileira constitui uma negação à idéia de Justiça. De fato, ela se traduz em
um instrumento eficaz para a eliminação dos tributos das grandes empresas; não pode,
entretanto, servir como elemento central da idéia de Segurança Jurídica no Direito
Tributário de qualquer país, uma vez que, como assinala Tipke, a “elisão da lei
tributária é a ruptura da igualdade da tributação segundo a capacidade contributiva
através dos meios formais. Por isso o combate à elisão é tarefa da legislação e da
administração.”1
Na verdade, a efetividade do princípio da capacidade contributiva
depende do combate à elisão, pois, como bem observa Pedro Herrara Molina,2 o dever
de contribuir de acordo com a capacidade contributiva é uma conseqüência da
consagração desse direito fundamental.
Em outro giro, sendo as exações tributárias fixadas com aprovação geral
dos representantes do povo, de acordo com a manifestação de riqueza de cada
contribuinte, as tentativas deste no sentido de fugir abusivamente à subsunção do fato
revelador de riqueza à norma tributária, acarretam maior oneração dos cidadãos mais
conscientes do dever de pagar,3 que quase sempre - não por coincidência - são os mais
necessitados. Estes cidadãos não só serão desprovidos das prestações públicas de que
1 Die Steuerrchtsordung, p.1332, apud TORRES (Normas de Interpretação ..., cit., p. 148). 2 Op. Cit., p. 84. 3 ROSIER, Camille. “A Luta Contra a Fraude Fiscal”. Revista de Direito Administrativo 23: 38-55, p. 44.
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necessitam, como ainda deverão suportar em maior medida os custos do aparelho
estatal.
Não serve de argumento em defesa da elisão fiscal abusiva o discurso
cínico de que a injustiça do sistema tributário justificaria o esforço do contribuinte em
não pagar o tributo previsto legalmente. Como assinala Rawls, a injustiça de uma lei
não é, em geral, razão suficiente para a sua desobediência, desde que não sejam
excedidos certos limites de injustiça.4 É representativa dessa postura do contribuinte
que busca fugir às contribuições estatais é a figura do passageiro clandestino citado pelo
referido autor.5
É justamente essa idéia - de que a postura individual de não pagar tributo
é inócua, do ponto de vista efetivação das prestações estatais - que faz com que tal
conduta mereça a complacência de muitos. No entanto, a elisão abusiva traz como
conseqüência perigosa o efeito perverso, vislumbrado por Rawls, de desestimular o
pagamento por aqueles contribuintes que não se oporiam ao tributo, em razão da
incerteza de que todos estejam, de fato, recolhendo suas exações. As pessoas só
admitem pagar se estão certas de que todos também o fazem. Na medida em que o
contribuinte imagina que outros que estão na mesma situação não recolhem suas
exações, lançando mão de expedientes para não serem tributados em suas manifestações
de riqueza, sente-se compelido a reproduzir tal comportamento.
4 RAWLS. Op. Cit., p. 389. 5 “Quando o público é grande e inclui muitos indivíduos, existe a tentação de que cada pessoa tente se eximir de fazer a sua parte. Isso acontece porque, não importa o que um homem faça, sua ação não afetará a quantia produzida de modo significativo. Ele considera a ação coletiva dos outros como um fato estabelecido, de uma maneira ou de outra. Se o bem público é produzido, o prazer de seu desfrute não será diminuído se ele não der sua contribuição. Se não for produzido, a sua ação também não teria alterado a situação de qualquer forma. Um cidadão recebe a mesma proteção contra a invasão estrangeira, independentemente de ele ter ou não pago os seus impostos. Portanto, nesse caso extremo, não se pode esperar que aconteçam mecanismos de troca e acordos voluntários. Decorre que o fornecimento e o financiamento dos bens públicos deve ficar a cargo do Estado, e alguma regra imperativa que exija o pagamento deve ser imposta. Mesmo se todos os cidadãos estivessem dispostos a pagar o que lhes cabe, supõe-se que eles só o fariam se tivessem a certeza de que os outros também pagarão a sua quota. Assim, mesmo depois que os cidadãos concordam em agir coletivamente e não como indivíduos isolados que tomam as ações dos outros como fatos dados, ainda resta a tarefa de garantir a aceitação. O senso de justiça nos leva a promover sistemas justos e a desempenhar neles a nossa parte quando acreditamos que os outros, ou pelo menos um número suficiente deles, farão também a sua. Mas, em circunstâncias normais, uma certeza razoável em relação a isso só pode ser obtida se houver uma regra imperativa efetivamente aplicada. Supondo que o bem público beneficie a todos, e que todos concordam com a sua produção, o uso da coerção é perfeitamente racional do ponto de vista de cada indivíduo. ” (Ibidem, p. 295).
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O problema se agrava com a reprodução dessa cultura de sonegação por
um número significativo de contribuintes, o que acaba por comprometer as prestações
estatais e empurra o Estado a uma postura desesperada - hoje infelizmente praticada no
Brasil - de procurar a tributação independentemente da existência de capacidade
contributiva. Nesse quadro, a maior virtude da norma tributária não é a sua capacidade
de revelar riqueza, mas a sua maior ou menor suscetibilidade ao planejamento tributário.
Exemplos dessa tendência é claramente verificada no caso da CPMF e da COFINS,
tributos que não levam em consideração o lucro, mas a movimentação de recursos.
Porém, nesse início do século XXI, começa a despertar uma maior
consciência nos meios jurídicos tributários para a importância do tema da Justiça, na
defesa do direito do contribuinte, não apenas sob uma perspectiva individual, como
também - e principalmente - com vistas à criação de um sistema tributário nacional
efetivamente justo.
Reflexo dessa tendência, decorrente do princípio da transparência, é a
adoção, por vários países, de medidas tendentes ao combate da elisão abusiva, seja por
uma interpretação que se abre aos valores, seja pela adoção das cláusulas antielisivas,
pela flexibilização do sigilo bancário e pelo fortalecimento dos direitos dos
contribuintes, como contrapartida às novas armas obtidas pela Administração
Tributária.6
Para configuração de uma atitude abusiva do direito, tem-se: o exercício
de um direito subjetivo, a partir de um dispositivo previsto estritamente no direito
objetivo; o caráter antijurídico desse exercício, revelado pela intenção de causar um
dano ou pela inadequação aos fins almejados pelo legislador; e o dano causado a direito
de terceiro.
Como já anteriormente ressaltado, e de acordo com Díez Picazo, o abuso
de direito representa um limite implícito à autonomia privada, consistente na
inadmissibilidade do exercício desta sempre que o seu resultado não seja amparado pelo
6 TORRES, Ricardo Lobo. O Princípio da Transparência ..., cit., p. 7.
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ordenamento jurídico.7 Ressalte-se que as normas criadas pela autonomia privada têm
um conteúdo próprio, que as normas estatais determinam negativamente, subtraindo do
poder privado autônomo certas “matérias”, certos grupos de relações que o Estado
reserva a sua regulação.8
A elisão fiscal abusiva que em certos momentos desborda para evasão,
desde as últimas décadas do século XX, vem sendo atacada, não só por uma nova
interpretação no Direito Tributário, realizada a partir da valorização dos princípios da
capacidade contributiva e da isonomia, como já examinado,9 mas também pelo trabalho
da doutrina e da jurisprudência, tendo como base a teoria do abuso do direito, que
impinge de antijuridicidade o ato abusivo, pois, contrário a princípios e valores que
norteiam ou devem nortear o sistema jurídico tributário.
Ao seu turno, o legislador impõe limites à elisão através da introdução,
no sistema jurídico tributário, de cláusulas gerais, as quais, saliente-se, não são
incompatíveis com nenhum sistema jurídico, visto que tal sistema não é fechado, mas
antes aberto.10
Essas cláusulas são instituídas por meio de normas genéricas, aplicáveis a
todos os tributos (as chamadas cláusulas gerais antielisivas), ou específicas a
determinados tributos (as cláusulas especiais antielisivas). As cláusulas gerais não
apresentam respostas prontas para os problemas que lhes são apresentados. Elas
dependem de uma construção jurisprudencial, na qual se fará presente a atividade
valorativa do juiz, em conformidade com as circunstâncias que cercam o caso concreto.
É justamente neste ponto, que a cláusula geral recolhe aplausos da doutrina, por permitir
a “abertura e mobilidade do sistema jurídico.”11
7 El Abuso del Derecho, p. 216, apud ROSEMBUJ, Tulio. Op. Cit., p. 40. 8 FERRI, Luigi. La Autonomia Privada . Granada: Editora Comares, S.L. 2001, p. 9 9 Vide capítulo 1 10 Conforme já referido no capítulo 2, p. 11 MARTINS-COSTA. A boa-fé noDireitoPrivado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 355. Para Claus – Wilhelm CANARIS “o Direito positivo é dominado, fundamentalmente, não por um sistema móvel mas antes por um imóvel. No entanto, ele compreende partes móveis.” ( Pensamento Sistemático e... Op. cit., p.282.).
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Não se trata, como destacado por Ricardo Lobo Torres,12 de assumir uma
posição contra ou a favor da elisão, mas sim, procurar estabelecer princípios e normas
antielisivas através das quais se identifique o abuso do direito no âmbito do
planejamento fiscal, a partir de uma metodologia jurídica capaz de ponderar a
Segurança Jurídica com a Justiça.
Assim sendo, o combate à elisão abusiva é fruto da concepção de que o
contribuinte tem ampla liberdade para planejar os seus negócios, na busca da economia
do imposto, desde que não cometa abuso de direito.13
4.2.1. Requisitos da Elisão abusiva
Para a caracterização da elisão abusiva, devem estar presentes,
conjuntamente, os seguintes requisitos:
-prática de um ato jurídico, ou um conjunto deles, cuja forma escolhida não se
adequa à finalidade da norma que o ampara, ou à vontade e aos efeitos dos atos
praticados esperados pelo contribuinte;
- intenção, única ou preponderante, de eliminar ou reduzir o montante de tributo
devido;
- identidade ou semelhança de efeitos econômicos entre o atos praticados e o
fato gerador do tributo;
- proteção, ainda que sob o aspecto formal, do ordenamento jurídico à forma
escolhida pelo contribuinte para elidir o tributo;
12 Normas de Interpretação ..., Op. Cit., p. 145. 13 Segundo Ricardo Lobo Torres: “O pluralismo metodológico, fundado na jurisprudência dos valores, dá outro enfoque ao problema da elisão. Parte da consideração de que o contribuinte tem ampla liberdade para planejar os seus negócios na busca do menor imposto, desde que se mantenha nos limites da possibilidade expressiva da letra da lei, ou seja, que não cometa abuso de direito. Não pode ultrapassar os limites da razoabilidade, aproveitando-se da zona cinzenta e da indeterminação dos conceitos e ofendendo valores como os da justiça e da segurança jurídica, e princípios como o da unidade da ordem
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- forma que represente uma economia fiscal em relação à forma prevista em lei
como hipótese de incidência tributária.
No primeiro requisito, há que se ressaltar a necessidade de harmonia
entre a vontade do contribuinte, o objeto negocial e os efeitos que são próprios ao
negócio jurídico praticado, com a forma jurídica manifestada. Mesmo nos negócios de
forma livre, há que se inquirir se o seu objeto está adequado à relação jurídica que o
contribuinte espera criar, modificar ou extinguir. Analisa-se também se os efeitos por
ele esperados são os normalmente obtidos pela fórmula jurídica utilizada e consagrada
pela lei. Ausente essa harmonia entre a vontade e a lei que tutela o negócio declarado,
este, como sustenta Luís Cabral de Moncada, resta ineficaz.14
O segundo requisito é revelado pela intenção predominante no negócio
jurídico. Se a economia fiscal foi a principal razão para a escolha daquela fórmula, em
detrimento da prevista na hipótese de incidência, é possível a utilização da teoria do
abuso de direito.
Observe-se, porém, que, ao contrário do que defendiam os seguidores das
teorias causalistas da consideração econômica do fato gerador, só há que se falar em
elisão abusiva enquanto a economia do imposto for a motivação determinante da
conduta, e não uma mera conseqüência.15
Em relação ao terceiro requisito, há que se verificar a similitude entre os
efeitos do ato escolhido pelo contribuinte como cobertura e o fato gerador legal. Caso
contrário, não se verifica a manifestação de riqueza escolhida pelo legislador como
signo de manifestação de riqueza, violando-se o princípio da capacidade contributiva.
Neste caso temos a economia fiscal eficaz, e não a elisão abusiva. A similitude é da
jurídica, da interação entre o direito tributário e economia, da capacidade contributiva e da legalidade democrática do Estado Democrático de Direito.” (Ibidem, p. 147). 14 De acordo com o civilista lusitano, a “eficácia se acha fundamentalmente dependente da conformidade ou harmonia entre a vontade na sua manifestação e a lei. É justamente essa conformidade ou harmonia entre vontade e lei que nos deu a noção de ato ou negócio jurídico. Se uma tal conformidade existe, diz-se do ato ou da vontade que eles são juridicamente eficazes e válidos. Se tal conformidade se não dá, diz-se que eles não são válidos ou são ineficazes. A validade e a eficácia de que aqui falamos, não são produto exclusivamente da vontade, nem exclusivamente da lei, mas da colaboração das duas na realização do direito.” (Lições de Direito Civil. 4. ed.. Coimbra: Almedina, 1995, p. 706). 15 ROSEMBUJ. Op. Cit., p. 103.
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essência da elisão abusiva, uma vez que o contribuinte promove uma analogia às
avessas,16 procurando um fato que tenha os mesmos efeitos econômicos, mas que não
seja tributado na mesma proporção, para mascarar a ocorrência do fato gerador.
É essencial também, para a caracterização do abuso de direito - e é nisso
em que consiste o quarto requisito -, que a fórmula utilizada pelo contribuinte para
ocultar a ocorrência do fato gerador seja, se analisada de per si, lícita. Conforme
adverte Túlio Rosembuj,17 citando Cipollina, só há que se falar em elisão fiscal quando
os meios jurídicos implicados na configuração do fato imponível se inserem, de forma
irreprochável, sob a égide do Direito positivo estrito. Caso o contribuinte utilize-se da
simulação, da sonegação ou da fraude na caracterização do suporte fático, não se fala
de elisão, mas de evasão fiscal.
Por último, mas não menos importante, aparece como quinto requisito a
economia fiscal representada pela diferença a maior entre o pagamento do imposto na
forma do fato gerador previsto em lei e o negócio escolhido pelo contribuinte. Sem esse
requisito, não há o dano à Fazenda Pública, pressuposto para a aceitação do abuso de
direito na teoria geral da ciência jurídica.
4.2.2. Modalidades de elisão abusiva
A doutrina tem catalogado vários mecanismos para a efetivação do abuso
de direito, que constituiria um gênero composto por diversas espécies: a fraude à lei, o
abuso de forma, o abuso da personalidade jurídica das empresas e o descompasso entre
a forma jurídica e a intenção econômica.18
16 TORRES, Ricardo Lobo. “A Chamada “Interpretação Econômica do Direito Tributário”, a Lei Complementar nº 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributário”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, p. 235-244, 2001, p. 240. 17 Op. Cit., p. 102. 18 No sentido do texto: TORRES, Ricardo Lobo (Normas de Interpretação ..., cit., p. 149).
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Embora sejam encontradas na doutrina civilista algumas distinções entre
tais figuras, não divergem as mesmas num traço fundamental: em todas elas o titular de
um direito procura exercê-lo em desacordo com os objetivos que fundamentaram a
elaboração da norma, cujo amparo é por ele buscado.
FRAUDE À LEI - De acordo com José Lois Estévez,19 a fraude à lei
consiste em mascarar a flagrante antijuridicidade de um suporte fático tipificado,
modificando habilidosamente os seus vestígios empíricos, para que pareça indiferente
ou permitido pelo Direito. Como sustenta Franco Gallo, a fraude à lei não se dá só em
relação às normas proibitivas, mas também em relação às imperativas condicionadas,
como as normas tributárias.20
Assim, a conceituação de fraude à lei é aplicável ao Direito Tributário,
observando-se apenas que o contribuinte não mascara a sua conduta por ela ser
antijurídica, mas por gerar o pagamento de tributo.
Para Tulio Rosembuj,21 a fraude à lei é um ataque direto ao
ordenamento jurídico em seu conjunto, mediante a execução de um ato (ou de uma
pluralidade deles) que se concretiza ao amparo de uma norma de cobertura, na obtenção
de um resultado proibido pela norma proibitiva ou imperativa, cuja aplicação se
pretende evitar.
São requisitos para que seja caracterizada a fraude à lei: os atos devem
ser realizados ao amparo do texto de uma norma; os atos realizados ao amparo do texto
de uma norma devem perseguir um resultado proibido pelo ordenamento ou contrário a
ele (no caso do Direito Tributário, não há contrariedade ao ordenamento, mas a
conseqüência de pagar tributo); os atos executados em fraude à lei não devem impedir a
devida aplicação da norma que se tentou ocultar.22
19 Fraude Contra Derecho. Madrid: Civitas, 2001, p. 188. 20 “Elisão, Economia de Imposto e Fraude à Lei”. Revista de Direito Tributário, 52: 7-18, p. 10. 21 Op. Cit., p. 38. 22 Ibidem, p. 30.
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Exemplo de fraude à lei tributária ocorre quando o pai, pretendendo doar
um imóvel a seu filho, mas desejando evitar a incidência do imposto sobre doação,
pratica a venda, e “empresta”, a perder de vista, dinheiro para que o jovem adquira o
bem. Nessa operação, o único objetivo é frustrar a incidência do imposto de doação,
geralmente fixado em alíquota superior ao imposto de transmissão onerosa.23 Note-se
que a intenção dos contratantes não foi a venda que, de fato, não ocorreu, vez que o
filho não despendeu qualquer numerário. Assim, poderá a autoridade administrativa
estadual, desconsiderar a compra e venda, e tributar a doação.
ABUSO DE FORMA – Decorre o abuso de forma da previsão contida no
Código Tributário Alemão de 1919, que autorizava a autoridade administrativa a
desconsiderar o abuso no uso das formas jurídicas oriundas do Direito Privado. Nesse
caso, é permitido ao aplicador desenvolver considerações econômicas para a
interpretação da lei tributária e para o enquadramento do caso concreto, com base no
sentido da lei que transborda da sua literalidade.24 Segundo Falcão, para a aplicação da
teoria do abuso de forma, é necessário que o contribuinte utilize-se de uma forma
jurídica atípica em relação ao fato econômico desejado.
Mas, na verdade, não basta apenas que a escolha da forma seja atípica,
como queriam os seguidores das teorias causalistas da consideração econômica do fato
gerador. É preciso que a escolha da forma seja abusiva; ou seja, que não haja motivo
razoável, além da economia fiscal, para a escolha daquela modalidade negocial. Por
outro lado, havendo descompasso nos elementos constitutivos do fato jurídico, pode-se
caracterizar o abuso, mesmo diante de uma formulação típica.
A realização do arrendamento mercantil antes da Lei nº 6.099/74 e da
inclusão do item nº 52 da lista de serviços do ISS, fixada pela LC nº 56/87, constituía
um exemplo de utilização de um contrato atípico que poderia mascarar a realização de
uma compra e venda a prazo, quando o preço do bem fosse quase que inteiramente
diluído nas prestações, restando uma parcela insignificante para que o arrendatário
exercesse sua opção de compra, ao final do contrato. Hoje, com a tipificação do
23 No município do Rio de Janeiro, por exemplo, a alíquota do ITBI é de 2% (Lei Municipal nº 1.364/88), enquanto a alíquota do ITD no Estado do Rio de Janeiro é de 4% (Lei Estadual nº 1.427/89). 24 FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador..., cit., p. 71.
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contrato e de sua tributação pelo ISS, ainda há a possibilidade da elisão abusiva, quando
o leasing for utilizado como cobertura a uma compra e venda, dada a desproporção
entre os valores do “arrendamento”, e o preço residual.
Com o exemplo acima, fica clara a grande proximidade entre as figuras
da fraude à lei e do abuso de forma, que muitas vezes se confundem. Poderiam as duas
situações ser extremadas pelo critério da atipicidade. É que no abuso de forma, na visão
de Falcão, haveria uma atipicidade na forma do negócio escolhido pelo contribuinte. Já
na fraude à lei, havendo, segundo a maioria dos autores,25 a necessidade de uma norma
de cobertura, teríamos um outro negócio jurídico tipificado, a dissimular o negócio
jurídico efetivamente praticado no mundo econômico. No entanto, reconhecemos que
nem a atipicidade é requisito indissociável da teoria do abuso de forma, e nem a
existência de norma de cobertura é essencial à fraude à lei,26 o que torna praticamente
impossível a distinção entre as duas modalidades de abuso de direito, constituindo a
primeira uma subespécie da segunda.27
Recorrendo a alguns casos clássicos de elisão fiscal através de fraude à
lei e do abuso de forma pode-se ver o exemplo de fraude à lei que vem do direito
alemão. Para pagar menos imposto determinada pessoa, ao revés de vender bem,
preferiu fazer contrato de locação, de tal forma que no prazo previsto os aluguéis
chegariam aproximadamente ao mesmo valor da venda, sujeityando-se a imposto
menos; ao adquirente era garantida a preferência para a aquisição do bm por preço
determinado ao fim do contrato. Quer dizer: o ato praticado era lícito, mas se utilizou
para qualificar o negócio uma norma de cobertura que não lhe era adequada. Houve o
desencontro entre a intentio facti e a intentio juris.
25 Por todos, DE LA VEGA (Teoría, Aplicación, y Eficacia en las Normas del Código Civil, p. 232, apud ROSEMBUJ, Op. Cit., p. 41).
26 Pela desnecessidade de uma norma de cobertura na fraude à lei, manifestam-se ESTÉVEZ, José Lois (Op. Cit., p. 189) e RODRIGUES, Silvio (Direito Civil. v.1. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 222). 27 Registre-se que o próprio FALCÃO (Fato Gerador ..., cit., p. 73) considerava ser o abuso de forma uma modalidade de fraude à lei.
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Outro exemplo de elisão, sob a veste de abuso de forma, é o caso da
Grandene que foi objeto de decisão do antigo Tribunal Federal de Recursos.28 Os
sócios da empresa criaram 8 (oito) sociedades de pequeno porte com o objetivo de
manipular o preço das mercadorias aproveitando-se da diferença no regime tributário do
tributo federal.. O tribunal desconsiderou o fracionamento da empresa para efeitos de
pagamento do imposto de renda, embora não tivesse desconstituído os atos jurídicos.
É caso típico de abuso de direito em matéria fiscal que teve como
característica a inoperância ou ineficácia do ato em relação ao Fisco, sem que
implicasse em ilegalidade ou ilicitude da operação.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – A teoria
da desconsideração da personalidade jurídica ou do disregard of legal entily, oriunda
dos países da common law, e utilizada inicialmente no Direito Privado, autoriza o
levantamento do véu da personalidade da empresa a fim de atingir a substância do
negócio jurídico praticado pelos sócios. Estes, protegidos pela ficção legal da
autonomia da personalidade jurídica da empresa, praticam atos abusivos, fraude e o
descumprimento de obrigações contratuais ou legais.
A utilização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica das
empresas no Direito Tributário, já é uma realidade em vários países, especialmente na
Argentina, onde, ao amparo da Lei nº 11.683, a Corte Suprema a vem aplicando.29
No entanto, no Brasil, a utilização da teoria ainda esbarra no excesso de
formalismo representado pela idéia de tipicidade fechada, e na exigência de lei expressa
28 Apelação Cível no. 115.478-RS, Ac da 6ª. Turma do Tribunal Federal de Recuros, de 18.02.87, Rel. Min. Américo Luz, Revista do Tribunal Federal de Recursos 146:217, 1987: “Legitimidade da atuação do Fisco, em face dos elementos constantes dos autos. Constituídas foram, no mesmo dia, de uma só vez, pelas mesmas pessoas físicas, todas sócias da autora, 8 (oito) sociedades com o objetivo de explorar comercialmente, no atacado e no varejo, calçados e outros produtos manufaturados em plástico, no mercado interno e no internacional. Tais sociedades, em decorrência de suas características e pequeno porte, estavam enquadradas no regime tributário de apuração e resultados com base no lucro presumido, quando sua fornecedora única, autora, pagava o tributo de conformidade com o lucro real. Reconhece-se à recorrente, apenas, o direito de compensação do imposto de Renda pago pelas aludidas empresas. Reforma parcial da sentença.” 29 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação ..., cit., p. 154.
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autorizando a desconsideração da pessoa jurídica. A despeito da resistência doutrinária,
a teoria foi consagrada no artigo 135 do CTN, que estabelece a responsabilização
pessoal dos sócios, administradores, dentre outros, nos casos de violação da lei, do
contrato social ou de ação com excesso de poderes. Assim sendo, constitui exemplo da
teoria do disregard of legal entily no Direito Tributário brasileiro a responsabilização
pessoal dos sócios pelos tributos devidos pela sociedade, em caso de sua dissolução
irregular, como já é reconhecido pacificamente pelos nossos tribunais.30
INTENÇÃO NEGOCIAL – Por obra da jurisprudência, em países como
os EUA e a Inglaterra, e do legislador, como ocorre na Suécia, no Canadá e na
Austrália, desenvolveu-se a possibilidade de caracterizar a elisão abusiva quando o
contribuinte, se afastando de seu propósito negocial, busca obter a economia fiscal.
Assim, deve o fisco perquirir o objetivo negocial do ato jurídico apresentado pelo
contribuinte: o business purpose test.
Tal critério, de fato, se mostra bastante útil na análise da vontade do
contribuinte, indispensável à configuração do abuso de direito, não pode, no entanto, ser
o único indício do caráter abusivo da elisão, pois a mera intenção de praticar ato menos
oneroso do ponto de vista tributário, não gera a sua ineficácia perante o Fisco, se não
estão presentes os outros requisitos da conduta abusiva, como a inadequação entre o
negócio jurídico escolhido e a formula jurídica adotada.
Sendo o business purpose test pressuposto das demais figuras, todos os
exemplos acima expostos se prestam a ilustra-lo.
Portanto, como já visto, para a caracterização do abuso de direito não é
necessário que o negócio jurídico seja ilícito à luz do Direito Civil. Assim, não é
essencial que tenha sido praticado com dolo, fraude ou simulação, ou que tenha havido
sonegação fiscal. O negócio pode ser perfeitamente válido e eficaz para as partes, mas
não produzirá os efeitos tributários desejados pelo contribuinte, senão os relativos ao
negócio que foi dissimulado. É que o surgimento do fato gerador não depende da
30 STF, 2ª Turma, RE nº 110.597/RJ, Rel. Min. Célio Borja, DJU de 07/11/86, p. 21.561.
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licitude, ou forma ou dos efeitos produzidos pelo ato jurídico, mas da realidade
econômica a ele subjacente.31
Vale, a esse respeito, trazer o magistério de Amílcar Falcão: “ (...) não é
necessário que o ato ou negócio privado em que se consubstancie o fato gerador seja
nulo ou anulável. Pelo contrário, pode tratar-se de um ato perfeitamente válido em
Direito Privado, como é o caso dos negócios indiretos, dos negócios fiduciários e dos
chamados abusos da forma jurídica (Missbrauch von Formen und
Gestaltungsmöglichkeiten dês bürgelichen Rechts): a interpretação com vistas à
realidade econômica, isto é, a cognominada interpretação econômica terá lugar, para
fins tributários.” 32
Assim, é irrelevante, em relação à ocorrência do fato gerador, a discussão
entre os civilistas a respeito dos efeitos do ato abusivo,33 uma vez que a sua nulidade
não é perquirida por ocasião da desconsideração, pela Fazenda Pública, do ato abusivo
praticado com o intuito de afastar o tributo.
De acordo com Nuno de Sá Gomes,34 tais negócios, “apesar de lícitos já
não integram o direito à poupança fiscal pois podem ser corrigidos pela Administração
Fiscal” por meio das cláusulas antielisivas. Na verdade, a Administração tributária tem
a função de cobrar os impostos com igualdade e de conformidade com as leis. Esta
função não responde ao mero interesse do tesouro, senão ao direito que o contribuinte
tem a que os demais também paguem os impostos devidos. Assim, o servidor da
Fazenda Pública atua como fiduciário da comunidade solidária, organizada em um
Estado Fiscal. Um tipo de Estado que tem na subsideariedade da sua própria atuação
31 CTN, art. 118. 32 FALCÃO. Fato Gerador ..., cit., p. 84/85. 33 Para Fernando Cunha Sá (Op. Cit., p. 626), o ato abusivo produz os mesmos efeitos que o ato ilícito, ou seja, é passível de nulidade. No Brasil, Silvio Rodrigues (Op. Cit., p. 315) considera que o abuso de direito se enquadra no âmbito dos atos ilícitos, posição que restou consagrada no novo Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002, art. 187). Já Caio Mario da Silva Pereira extrema o ato ilícito do abuso de direito (Instituições de Direito Civil. v. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 468). 34 Op. Cit., p. 78.
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(econômico-social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu
sustento, o verdadeiro suporte.35
Cumpre destacar que a utilização da teoria do abuso de direito tem
servido de suporte teórico não só para o combate à elisão abusiva em países, como a
Itália, onde direito positivo não contempla normas gerais antielisivas, mas também
como fundamento para a introdução expressa de cláusulas antiabuso em vários países.
As cláusulas antielisivas, repise-se, se traduzem em dispositivos legais
que auxiliam o aplicador da lei, no combate à elisão praticada com abuso de direito, a
partir da autorização para que seja desconsiderada a forma abusiva adotada pelo
contribuinte, na realização do negócio jurídico, caso esta não corresponda à finalidade
da lei, à vontade manifestada e aos efeitos normalmente verificados, e objetive, única
ou principalmente, a economia do imposto. Tais regras positivas evitam que o
contribuinte, que se insere na realidade econômica do fato imponível, possa, pelo uso de
uma roupagem jurídica diferente daquela definida em lei como hipótese de incidência,
evitar o pagamento do tributo.
A justificação da norma antielisiva, que repousa na própria atividade
abusiva do contribuinte, como leciona Ricardo Lobo Torres, assim se expressa: “A
elisão, como lembra Paul Kierchhof, é sempre uma subsunção malograda (ein
fehlgeschlagener Subsuntionsversuch), donde se segue que o combate ao abuso de
direito, que implica analogia disfarçada por parte do contribuinte terá sempre o aspecto
da contra-analogia. A subsunção malograda e a analogia forçada pelo contribuinte
postulam, em nome da igualdade, a norma geral antielisiva e contra-analógica.”
Portanto, para a caracterização do abuso de direito, como já vimos, não
se leva em consideração apenas a identidade de efeitos entre a hipótese de incidência e a
conduta do contribuinte, como queriam os defensores radicais da teoria causalista da
interpretação econômica do fato gerador. Por outro lado, para configurá-lo, também
não há necessidade, como exigem os formalistas, de que o ato jurídico praticado pelo
35 Segundo José Casalta NABAIS, o “dever de pagar impostos constitui um dever fundamental como qualquer outro, com todas as conseqüências que uma tal qualificação implica” (O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Coleção Teses, Livraria almedina, 1998, p. 186)
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contribuinte, seja ilícito, vício que atinge o ato no plano da sua validade. Basta que não
haja conexão entre o motivo econômico e os efeitos produzidos pelo ato, e a finalidade
adotada pelo legislador ao tutelar aquela situação jurídica, a partir do seu exercício
abusivo, com vistas à economia fiscal. O fenômeno não é de licitude do ato, mas sim,
de sua eficácia perante o fisco.36
Portanto, um novo quadro metodológico se delineia, orientado pelo
“finalismo”. Com perfil “progressivo, ativo-produtivo, prático”37, destacam-se novos
modelos de pensamento jurídico , sob as vestes da Jurisprudência dos interesses e da
Jurisprudência dos Valores ou Valorações. O jurista é chamado a transpor os limites
daquela atuação, antes esboçada, voltando sua atenção para os “interesses” e “valores”,
que os institutos jurídicos possam cumprir.
36 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal ..., cit., p. 76/78. 37 WIACKER. História..., p. 9
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CONCLUSÕES
Ao longo de todo este estudo, procurou-se demonstrar que o ideal de
Justiça Tributária não se limita a uma mera figura de retórica a ilustrar o discurso do
legislador constituinte. Ao contrário, a Justiça é o valor que, ao lado da Segurança
Jurídica, deve alicerçar todo o ordenamento jurídico.
Esse ideal de Justiça vai se realizar, não pela fixação de regras de ouro,
mas por meio da abertura do Direito Tributário aos valores e princípios da Igualdade, da
Capacidade Contributiva e da Generalidade, a partir de uma interpretação, que longe de
se basear em premissas pré-estabelecidas, vai dar efetividade a esse arcabouço
axiológico.
Como fica claro no decorrer do presente trabalho, o ideal de Justiça Fiscal
e a efetividade do princípio da capacidade contributiva não vão se revelar apenas pela
adequada configuração legal do fato gerador da lei tributária, vista no plano abstrato da
norma. Ao contrário, o triunfo de tais idéias passa necessariamente pelo resgate ético da
vida tributária nacional, a partir de um eficaz combate não só à evasão fiscal, mas
principalmente à elisão desarrazoada, praticada por meio do abuso de direito, em suas
mais variadas nuances.
Nessa perspectiva, verifica-se que a liberdade de que deve dispor o
contribuinte, com base na autonomia da vontade e protegido pelos princípios que
informam a tributação, para organizar seus negócios, não é ilimitada haja vista a
“relatividade “ do direito subjetivo, o que resta evidenciado pela teoria do abuso do
direito, permitindo-se inquirir por sua função social e pela realização da justiça fiscal.
As conclusões se baseiam em várias proposições defendidas ao longo
desse trabalho, em especial nas seguintes idéias, abaixo relacionadas.
1) Estão superadas historicamente as idéias, desenvolvidas pela doutrina
formalista, herdeira da jurisprudência dos conceitos, de que a
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Segurança Jurídica constitui um valor absoluto a informar o Direito
Tributário.
2) Por outro lado, estão igualmente superadas as teorias causalistas,
influenciadas pela jurisprudência dos interesses, de afastamento da
legalidade em nome de uma idéia de capacidade contributiva,
vinculada aos interesses arrecadatórios.
3) Predomina, hoje, uma tendência à ponderação da legalidade com a
capacidade contributiva, a partir de uma interpretação mais aberta aos
valores e princípios, como os da Justiça, da Igualdade e da Segurança
Jurídica.
4) A norma tributária pode ser elaborada a partir da utilização de tipos,
que poderão conter conceitos indeterminados e cláusulas gerais, que
não se confundem com os conceitos discricionários, incompatíveis
com o princípio da reserva legal, uma vez que os primeiros se
baseiam na interpretação, calcada em uma valoração objetiva;
enquanto os últimos resvalam para uma decisão baseada em
valoração subjetiva.
5) A radicalidade com que a doutrina tributarista brasileira faz a defesa
da tipicidade fechada e da legalidade como princípios absolutos não
encontra paralelo em outros regimes jurídicos, constituindo uma das
causas da crise axiológica em nosso sistema tributário, onde a Justiça
é mera retórica, e os segmentos menos aquinhoados suportam a maior
parte da carga tributária, sem qualquer consideração a respeito da
capacidade contributiva
6) O princípio da capacidade contributiva, superada a sua visão
causalista, que o confundia com os interesses arrecadatórios do
Estado, constitui uma decorrência da Igualdade, e um mecanismo de
efetivação da Justiça Tributária.
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7) A capacidade contributiva revela-se pela manifestação de riqueza
descrita pelos fatos geradores tributários, e em seu aspecto objetivo,
impede a tributação de fatos que não se constituam em signos
presuntivos de riqueza. Já no seu aspecto subjetivo, visa a distribuir a
carga tributária entre os cidadãos, de forma adequada aos haveres de
cada um.
8) A capacidade contributiva encontra como limite inferior o mínimo
existencial, e como limite máximo, o confisco.
9) A capacidade contributiva não vincula somente o legislador, mas
também ao aplicador da lei, servindo não só como princípio
hermenêutico, mas também como limite ao poder de tributar que
pode ser utilizado pelo Poder Judiciário para afastar a tributação
violadora do seu conteúdo.
10) Os conflitos entre a capacidade contributiva e outros princípios se
resolvem pela ponderação de interesses, a partir de considerações
pertinentes ao caso concreto, sendo certo que as práticas
simplificadoras só prevalecerão sobre a capacidade contributiva
quando se traduzirem em mecanismos que melhor atendam ao
princípio da igualdade, em uma acepção que vá além de sua
formulação abstrata pela norma, considerando as dificuldades de
atingir a generalidade pela tributação de acordo com a capacidade
contributiva efetiva.
11) Em nome do princípio da unidade da ordem jurídica, impõe-se
contextualizar o direito tributário em relação ao sistema,
distinguindo-o, mas não disjuntando-o do todo, pois o conhecimento
parcelado, compartimentado, mecânico, disjuntivo, reducionista
quebra o complexo do sistema jurídico em fraguimentos disjuntos,
fraciona os problemas, separa aquilo que está unido e
unidimensionaliza o multidimensional.
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12) A interpretação da lei tributária no Brasil ainda sofre as
conseqüências da opção, por nossa doutrina, pela tipicidade fechada e
por uma legalidade absoluta, que sufoca o valor da Justiça, numa
concepção reducionista.
13) A globalização, com toda a sua ambivalência e concentração de
riquezas, trouxe a necessidade de adesão ao princípio da
transparência fiscal, que sinaliza no sentido de que a atividade
financeira deve se desenvolver segundo os ditames da clareza,
abertura e simplicidade.
14) O princípio da transparência, para coarctar os riscos fiscais do mundo
globalizado, inspirou, em diversos países, as leis de responsabilidade
fiscal, os códigos de defesa dos contribuintes, as regras de combate à
corrupção, as normas anti-sigilo e, afinal, as normas antielisivas.
15) O combate à elisão vem, em diversos países, sendo levado a efeito
por meio das cláusulas antielisivas, cuja configuração legal, embora
varie de acordo com a tradição jurídica de cada ordenamento, não
apresenta distinções metodológicas significativas.
16) O Brasil, por meio do parágrafo único, do art. 116 do CTN,
introduzido pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001,
adotou o modelo francês, ao eleger uma fórmula ampla de combate
ao abuso de direito, o que é revelado pela utilização da expressão
dissimulação, contida no referido dispositivo pátrio, que engloba as
modalidades de fraude à lei, abuso de forma, desconsideração da
personalidade jurídica e o teste da intenção negocial.
17) Modernamente estão superadas as escolas que tornam absoluta a
vedação à elisão fiscal, bem como a admissão desta como um direito
constitucional do contribuinte, calcado na autonomia privada, sendo
admissíveis as cláusulas antielisivas.
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18) As transformações que sobrevieram às sociedades pós-
industrializadas inauguraram a “crise” dos institutos jurídicos que
compunham o quadro da civilística clássica. Trata-se de exigir novas
limitações à liberdade individual, em face da insuficiência dos
contornos tradicionalmente traçados à autonomia privada.
19) O abuso de direito encontra lugar no cenário que se compõe pelas
transformações que se desenham para o Direito Privado,
especialmente verificadas em fins do século XIX e subsistindo à
época presente
20) A elisão abusiva viola o valor da Justiça, bem como os princípios da
igualdade e da capacidade contributiva, obrigando o Estado a criar
tributos que, independentemente de revelarem capacidade
contributiva, não são passíveis de planejamento fiscal.
21) A elisão fiscal que deve ser afastada é a prática abusiva, baseada na
dissimulação do fato gerador, que não pressupõe necessariamente a
prática de ato ilícito como ocorre na simulação.
22) O combate à elisão abusiva efetiva-se por meio da interpretação
aberta aos valores, da utilização da teoria do abuso de direito e das
cláusulas antielisivas.
23) O abuso de direito ocorre quando o contribuinte lança mão de uma
norma com intenção não adequada à sua finalidade. Os requisitos
para a sua configuração são: a) exercício de um direito previsto em
determinado dispositivo legal; b) caráter antijurídico do exercício; c)
dano causado a direito de terceiro.
24) Ocorre a elisão abusiva quando há: a) desarmonia entre a forma do
ato e a finalidade da lei que o ampara ou entre a vontade e os efeitos
do negócio jurídico; b) intenção elisiva como única ou
preponderante motivação do negócio; c) identidade ou semelhança
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entre os efeitos econômicos do fato gerador e do negócio praticado
pelo contribuinte; d) proteção formal do ordenamento ao ato
praticado; e) economia fiscal.
25) Não obstante o enquadramento do abuso de direito no Código civil,
como ato ilícito, no âmbito de direito tributário, não há,
necessariamente, uma ilicitude, uma vez que a ocorrência do fato
gerador não depende da validade formal do ato jurídico; o que ocorre
é a ineficácia do ato em relação ao fisco.
26) Em atenção às transformações que se delineiam, o abuso de direito
acha-se sob critérios cada vez mais amplos, revestindo-se da forma
de “exercício inadmissível de posições jurídicas”. Esta constitui a
mais atual das orientações para o ato abusivo, sob a égide de critérios
objetivos. Trata-se do reflexo da virada de um “formalismo” para um
“finalismo”, que se esboça tanto para o contrato como para a teoria
do abuso do direito. O Direito, na sua unidade sistêmica, deixa de ser
pensado por conceitos e sob a égide do silogismo, para passar a ser
pensado com o apoio em valores e princípios.
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