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0 pensamento como ultrapassamento da representação clássica
Enquanto a diferença está submetida às exigências da representação, ela não é pensada em si mesma...
GILLES DELEUZE
Segundo Deleuze, escrever é sempre um ato inacabado, algo em vias de se fazer, um processo, um puro devir.1 Isso vale, sobretudo, para a literatura, onde o escritor m etam orfoseia-se de muitas maneiras, num constante e imperceptível m ovim ento de alma. Mas vale tam bém , num outro sentido, para a filosofia. Afinal, quem escreve term ina por gerar um fluxo que não se completa naquele que lê, mas, ao contrário disso, está sempre à espera de um a nova conexão, de um novo olhar que lhe perm ita continuar em movimento. É assim que um escrito, seja ele de ficção ou de filosofia, é algo que não se fecha em si mesmo, mas precisa sempre de um a força externa para manter-se “vivo”.
Também o pensam ento — na obra deleuziana — deve ser entendido como um processo, como algo que não pode ser paralisado, um m ovim ento que tende ao infinito, que anseia por ele. É assim que pensar se transform a num a aventura arriscada. Afinal, alçando os seus m aiores vôos, o pensam ento experim enta o fascinante perigo da quebra dos limites. É quando ele se perm ite pensar a diferença em si mesma — o grande inimigo da razão clássica.
É claro que sabemos que m uitos filósofos não com partilham essa idéia. Mas é no próprio Deleuze que buscam os a sua razão de ser, pois ele — mais do que qualquer outro — procurou diferenciar o pensamento do puro ato recognitivo.2 É sobre esta questão, especificamente, que versa o capítulo I: o que é a representação e por que ela nos im pede de pensar a diferença (princípio constitutivo da Natureza)?3 O que distingue, afinal,
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o pensam ento da razão? E por que Deleuze considera que a diferença, em si mesma, só pode ser objeto do pensam ento?4
Sem dúvida, não entenderem os bem as idéias de Deleuze se não com preenderm os o lugar que o conceito de diferença ocupa em sua obra. Não só o conceito de diferença, mas tam bém aquele que, não sendo dado de imediato, lhe é totalm ente correlato: o conceito de repetição. Afinal, é na repetição que a diferença se faz autenticam ente presente, em bora isso nos soe enigmático, um a vez que as idéias de repetição e de mesmo sempre nos pareceram indissociáveis. De qualquer forma, só falaremos disso mais adiante, quando tratarm os das noções de generalidade e de singularidade.
Por ora, querem os assinalar que o grande objetivo de D eleuze é “libertar” a diferença das antigas malhas da representação — que tende a transform á-la em um puro conceito do entendim ento, um a form a vazia, sem qualquer vínculo com as suas múltiplas manifestações. Na verdade, a diferença — subm etida às regras da identidade e da sem elhança — torna-se passível de ser “estabelecida” porque obedece aos critérios rígidos do raciocínio lógico e representativo. Mas é aqui precisam ente que, segundo Deleuze, a diferença perde realmente a sua natureza anárquica e subversiva.
É por isso que a questão que nos parece fundam ental em sua filosofia é a seguinte: a representação clássica não pode dar conta da diferença sem com isso m odificar a sua natureza rebelde. Isso quer dizer que a diferença só pode ser objeto de um a representação, seja ela “orgânica ou orgiástica”,5 se for m utilada em sua “essência” m ais profunda. A diferença, de fato, torna-se pensável, mas som ente e tão-som ente enquanto se apresenta subm issa aos liames m ediadores da representação, ou seja, à quádrupla sujeição da representação: a identidade no conceito, a oposição no predicado, a analogia no juízo e a semelhança na percepção.6
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Fora desse quadro, a diferença perde-se no infinito. “Torna- se grande ou pequena demais para ser pensada e mesmo para existir.” O que significa dizer que a diferença, na sua realidade mais profunda e desagregadora, é reduzida ao próprio não-ser, ao próprio caos — lugar onde todas as determinações se desvanecem. Segundo Deleuze, um a vez subm etida às exigências da representação, a diferença torna-se prisioneira do reino da generalidade — que desconhece tudo aquilo que não participa das suas duas grandes ordens: a ordem da semelhança entre os sujeitos e a da equivalência entre os term os.7 Isso quer dizer, exatamente, que como ruptura, como descontinuidade, a diferença não pode ser representada sem se to rnar um a inim iga do pensam ento, isto é, o elemento perturbador de um a ordem “previam ente” estabelecida.
É claro que existe um a form a de “razão-m oral” que determ ina que só deve ser levado em consideração aquilo que está com preendido em um m odelo específico, prefigurado. Essa é um a m aneira de exclusão prem editada daquilo que a razão não pode apreender — dada a sua estrutura absolutam ente lógica.8 De um m odo geral, a própria filosofia se estabeleceu sobre essa im agem dogm ática. Afinal, som ente um a “im agem m oral do pensam ento” justifica a difícil relação que os filósofos sempre tiveram com as idéias de m udança e de devir — idéias essas que colocam em jogo a própria noção de identidade plena.9
Na verdade, foi a serviço dos ideais m orais que a razão se constituiu como um a instância seletiva e como suprem a juíza de valores, desqualificando e destituindo de qualquer relevância para o pensam ento tudo aquilo que não se enquadrava em um modelo específico. Segundo Deleuze, quando Platão condenava os sim ulacros, ele estava prim eiram ente condenando todo e qualquer estado de diferença livre, de distribuição n ô m ade — tudo aquilo que recusava, por sua existência, a noção de um modelo prévio. O simulacro contesta tanto a existência do original quanto da cópia. Ele é a instância que compreende,
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em si, um a diferença. É isso que o to rna tão indesejável para o espírito.10
É assim que, como austera juíza de valores, a razão condena tudo aquilo que lhe pareça um tanto ou quanto descentrado, desregrado. É por este motivo que a diferença, em sua form a pura, escapa completamente a sua com preensão e, sobretudo, se constitui em um a ameaça ao perfeito equilíbrio da razão. Submeter sum ariam ente a diferença aos princípios da identidade e da sem elhança (na representação) é selecionar aquilo que nela deverá ou não ser reconhecido pela razão. Daí a necessidade de to rnar o entendim ento um verdadeiro legislador e o pensam ento, um simples processo de recognição.11
Dito de o u tra forma: o pensam ento é apenas “re-conhe- cim ento” quando está subm etido e regulado pelos princípios da representação. Sua atividade mais fecunda está paralisada, sua natureza está reprim ida: o seu poder de criar, de pensar e de produzir sua própria diferença. Nesse ponto, Deleuze e Nietzsche estão em perfeita sintonia: o pensam ento não é, estritam ente falando, algo “natu ra l”, algo que se exerce espontaneam ente; ele é um a “segunda natureza”, um puro refinam ento da razão. O seu poder de liberar ou mesmo de produzir a diferença está diretam ente ligado ao rom pim ento com a representação clássica. Além disso, só parece ser legítim o falar em “poder de criação”, em “atividade plástica do pensam ento” quando este assume toda a sua potência:
Pensar, como atividade, é sempre um segundo poder do pensamento, não o exercício natural de uma faculdade, mas um extraordinário acontecimento no próprio pensamento, para o próprio pensamento.12Assumir toda a potência do pensam ento significa, prim eira
mente, rom per com um determ inado estado de coisas. Significa poder pensar a diferença em seu estado puro. Significa, enfim, atingir a máxima força criadora — capaz de produzir algo
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de original num m undo que persegue, como ideal, a igualdade e a semelhança (vide o senso com um ). Que fique claro, no entanto, que a originalidade de um pensam ento não está ligada ao fato de ele produzir neologismos ou conceitos extravagantes. A originalidade está associada a um ponto de vista novo, a um novo olhar para todas as coisas, a um a percepção extrem am ente aguçada. A originalidade de um pensador, para nós, deve ser m edida pela qualidade e intensidade de seus afetos13 e pela força de conexão entre as suas idéias.
Mas, com certeza, ainda não fomos suficientemente claros na exposição do que Deleuze cham a de “representação clássica” e de “atividade recognitiva”. Daí por que fica ainda bastante com plicado estabelecer um a distinção mais precisa entre razão e pensamento (levando-se em conta, é claro, que o conceito de representação está diretam ente ligado a um a form a específica de funcionam ento da razão). Passemos, então, à exposição do que Deleuze cham a de “imagem m oral do pensam ento” ou, mais precisamente, de “razão clássica”.
A razão clássica como imagem dogmática do pensamento
Na verdade, um a imagem m oral ou ortodoxa do pensam ento parece ter sido erigida desde o alvorecer da filosofia ou, mais precisamente, a partir de Sócrates e de Platão. Segundo Deleuze, podem os reconhecer essa imagem dogm ática partindo de três teses básicas:14
1. O pensam ento se exerce “naturalm ente”, com o unidade de todas as outras faculdades, consideradas seus modos. Tem um a boa natureza e um a boa vontade. Goza de um a natureza reta que tende para a verdade, considerada um universal abstrato. A verdade absoluta é buscada e amada pelo pensador, sujeito de “boa vontade” e de princípios indiscutíveis. É pelo “bem ” que o filósofo dedica sua existência ao suprem o ato do pensamento.
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2. Existiriam forças avessas ou estranhas ao pensam ento, que acabariam por im pedir o seu perfeito e natural funcionamento. Essas forças, advindas do corpo, das paixões ou de qualquer interesse sensível, desviam o pensam ento de seu objeto específico, fazendo-o tom ar o falso pelo verdadeiro. O erro é, dessa form a, visto com o o efeito dessas forças que atuam sobre o pensam ento, restando ao filósofo o exercício de um a prática ascética de “insen- sibilização”, de mortificação do corpo.
3. Necessitamos de um m étodo que nos leve a pensar verdadeiram ente, que nos dirija retam ente ao conhecim ento pleno da verdade.15 Só um m étodo rigoroso pode con- ju rar definitivam ente o “erro”. Somente por meio desse m étodo experim entarem os a certeza de que, independentem ente de m om ento e lugar, somos capazes de penetrar no dom ínio do que “vale em todos os tem pos e em todos os lugares”.
Esses são os chamados “pressupostos básicos” ou “postulados implícitos”, que conferem à filosofia ares de inocência. Supõe-se, afinal, que todo filósofo deve saber exatamente o que significa “pensar”.16 Na verdade, essa imagem do pensam ento— representada aqui por essas três teses — reflete claramente o ideal m oral da razão e da p rópria filosofia com o “ciência” do pensam ento.17 Isso porque som ente um a filosofia im pregnada de valores m orais adm ite a possibilidade de um a retidão do pensam ento ou a idéia de um “Bem” como seu fundam ento. Somente um a orientação dessa natureza pode prom over a busca ascética da verdade, em sua form a abstrata e absoluta: “Segundo esta imagem, o pensam ento está em afinidade com o verdadeiro, possui form alm ente o verdadeiro e quer m aterialm ente o verdadeiro. E é sobre esta imagem que cada um sabe, que se presum e que cada um saiba o que significa pensar”.18
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A questão dos pressupostos implícitos envolve, segundo Deleuze, o problem a do começo em filosofia.19 Por onde deve um filósofo começar? Deveria ter ele idéias preconcebidas, verdades inquestionáveis — qualquer tipo de orientação que o dire- cionasse? Mas como diferenciar a filosofia do senso com um , se ela parte de verdades preestabelecidas? Esta é a razão pela qual os filósofos preocupam -se em afirmar a sua total isenção e im parcialidade (no que tange à verdade), quando, no fundo, eles já partem de pressupostos implícitos (aquilo que “todo m undo sabe”). É assim que Descartes pensa ter chegado a idéias totalm ente novas quando, de antem ão, já delineava o seu próprio percurso, partindo dessas três teses básicas. Aliás, não é nada difícil reconhecer, em Descartes, esses postulados: seja na idéia do filósofo com o um sujeito de boa vontade, que persegue a verdade (entendida como um universal abstrato), seja na defesa que ele faz da necessidade de um m étodo preciso que im peça o pensador de desviar-se de seu cam inho reto (o que pode acontecer, “dada a natureza perversa e apaixonada do hom em ”, diriam alguns).
Mas, com o afirma o próprio Deleuze, “ (...) eis que surgem gritos isolados e apaixonados. Como não seriam isolados, visto negarem o que ‘todo m undo sabe (...)’?”.2° Com o não seriam apaixonados, se negam aquilo que “jamais poderia ser negado”? Quem são esses senhores malevolentes, sujeitos de m á vontade que não reconhecem que o pensam ento está em afinidade com a verdade? Nietzsche é, certam ente, um desses sujeitos. E ele próprio já havia apontado esse ideal m oral de um a m aneira surpreendente e reveladora. Segundo Nietzsche, a verdade parece ser
(...) um a criatura bonachona e amiga das comodidades, que dá sem cessar a todos os poderes estabelecidos a segurança de que jamais causará a alguém o menor embaraço pois, afinal de contas, ela é apenas ciência pura.21
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Não foi sem um grande pesar que Nietzsche acusou a filosofia de estabelecer-se tam bém com o um saber puro, como um saber teórico dissociado de um a prática efetiva. E Deleuze, de m odo algum, distancia-se dele quando defende a idéia de que o discurso é já um a prática.22 Diríam os mesmo que é sobre o p róprio discurso da filosofia que a crítica nietzschiana incide, um discurso avesso e mesmo inimigo dos grandes movimentos da existência. Não se tra ta da defesa de um a postura política ou de engajam entos sociais por parte do filósofo. Esse tipo de compreensão banaliza tanto a filosofia de Nietzsche quanto a de Deleuze. Trata-se da defesa de um discurso que fortaleça a existência e de um a vida que fortaleça o discurso. Afinal, em am bos, o pensam ento deve efetuar-se com o um a verdadeira “m áquina de guerra”, sendo capaz de produzir um a existência singular, um “m odo de existir” ético e estético23 para lá das p ráticas sociais vigentes. Em outras palavras, são m odos de vida inspirando maneiras de pensar e m odos de pensar inspirando maneiras de viver.24 Sem essa “unidade”, o filósofo produz um a espécie de “vida dupla”: um saber bem articulado e organizado, mas um a vida fraca e despotencializada.
A pergunta é: como poderia o pensam ento se exercer, em toda a sua potência, sem arrastar consigo a p rópria vida? O pensam ento, como atividade criadora, reinventa a existência e não se submete aos valores preestabelecidos. Ele os recria para si, produzindo um a nova apreciação das coisas e do m undo. Sem dúvida, a filosofia construiu um vasto e poderoso im pério, mas o fez assentado em bases morais, usurpadoras da vida. É assim que ela nega e deprecia o corpo e tudo aquilo que envolve a sua existência — o movimento, o tem po etc. O pensam ento torna-se servo dessa m oral, torna-se enfadonho, puram ente form al e conceituai. Em vez de am eaçador, inventivo e criador, torna-se melancolicamente um “re-conhecedor dos valores vigentes, um espectador distanciado da vida sem forças para produzir novos m odos de existência. Definitivam en
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te, a filosofia ainda se encontra a serviço da moral. E, com o diz Deleuze, “o verdadeiro concebido com o universal abstrato, o pensam ento entendido como ciência pura nunca fizeram mal a ninguém ”.25
Inegavelmente, essa lamentável orientação26 da filosofia levou a um a confusão dos ideais do pensam ento com aqueles defendidos pelo Estado, pela religião e pela m oral vigente. “Sem derrubar os sentimentos estabelecidos” a filosofia fez do pensam ento um puro ato recognitivo — um a faculdade “reconhece- dora” do m undo e dos valores. Im pedindo o exercício de sua natureza criativa e absolutam ente insubordinada, a filosofia fez do pensam ento um “bom m oço”, sempre complacente com as tolices do m undo. Mas, como diz Deleuze, eis que surgem os gritos apaixonados... Ah! Esses sujeitos de m á vontade... Por que querem m udar aquilo que todos aceitam de bom grado e sem qualquer reflexão? Quem lhes dá o direito de levantarem a voz para dizer que não sabem aquilo que “todo m undo sabe”?
O pensam ento como afirmação da diferença, com o afirm ação de nossa própria diferença. E isso que defendem os “filósofos da diferença”, os “pensadores nôm ades” — aqueles que não se enquadram em modelos prévios.27 Fazer do pensam ento um “m odo de existência”, um a “m áquina de guerra nôm ade” cujo m aior desafio é perm anecer livre dos modelos da representação, livre da M oral que to rnou o pensam ento um beato com panheiro dos poderes vigentes. Este é o m aior objetivo de Deleuze (e tam bém era o de Nietzsche): lutar contra toda form a de m oral que invadiu o pensam ento; lutar sobretudo contra as idéias de transcendência e de verdade absoluta.
Mas resta-nos ainda explicar m elhor o que é a representação e quais as suas exigências para to rnar “pensável” um objeto. Falta-nos tam bém elucidar a questão da recognição e m ostrar por que a sua função é apaziguar o espírito — o que em h ipótese alguma com bina com o caráter “vulcânico” do pensam ento (que nem de longe é complacente ou servil).
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Representação e recognição: a prisão do pensamento
Confundir o pensam ento com o puro ato de recognição é algo deplorável — que devemos à própria filosofia e à imagem o rto doxa do pensam ento que ela erigiu.28 Para Deleuze, a filosofia universalizou a ãoxa — quando o seu intuito era eliminá-la.29 O que Deleuze quer dizer com isso? Estaria a filosofia no m esmo nível do senso com um ou, para ele, ela teria se transform ado num a espécie de senso com um “esclarecido”? Nem um a coisa nem outra. Afinal, é bem verdade que, desde o início, a filosofia em preendeu um a luta bastante violenta contra o que ela própria cham ou de “opinião” (a filosofia não deve ser opina- tiva, já pensava Platão). Mas, se refletirmos bem a respeito da doxa, perceberemos um outro elemento além do fato de ela ter sido considerada a antítese do conhecim ento verdadeiro das coisas. E é esse elemento que o pensam ento acabou por tom ar para si, enquanto confrontava-se com ela: a idéia, terrível para o pensamento, do “todo m undo sabe”.
Assim como “o bom senso é a coisa m elhor partilhada no m undo”, ninguém coloca em dúvida coisas consideradas elementares. Daí por que certos pressupostos implícitos continuam presentes em muitas filosofias — até mesmo entre aquelas que tiveram a pretensão de em preender um a verdadeira crítica da razão e do juízo. Pois bem, desse m odo podem os dizer que se por um lado a filosofia produziu idéias m uito pouco acessíveis para a maioria, por outro, ela partiu de alguns postulados com uns a essa mesma maioria. Além disso, é exatamente a fórm ula do “todo m undo sabe” que torna o pensam ento apenas um puro ato recognitivo.
Mas, para Deleuze, a filosofia não é isso. O pensador não é um hom em m elhor habilitado do que os outros: ele é aquele que não reconhece os pressupostos implícitos (que a filosofia erigiu, ao confraternizar-se com os poderes estabelecidos).30 Ele é o hom em de m á vontade, como dissemos anteriorm ente.
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Afinal, “a form a da recognição nunca santificou outra coisa que não o reconhecível e o reconhecido, a form a nunca inspirou outra coisa que não fossem conform idades”.31 Com o poderia o pensam ento (como recognição) “reconhecer” a diferença,32 se é da natureza desta furtar-se a todo tipo de modelo? Como p o deria reconhecê-la se ela perturba a ordem das coisas, se ela rom pe com a generalidade (que tem na semelhança e na equivalência as suas máximas)?
É bem verdade, como afirma Deleuze, que os atos de recognição existem e ocupam grande parte da nossa vida cotidiana.33 Toda vez que olham os um a mesa, sabemos o que ela é. Não precisamos pensar toda vez que repetim os “bom -dia” ou “boa- noite”. Mas querer que o pensam ento não passe de um mero “reconhecim ento” é dar a ele um papel m uito medíocre:
(...) o que é preciso criticar nesta imagem do pensamento é ter fundado seu suposto direito na extrapolação de certos fatos, e fatos particularmente insignificantes, a banalidade cotidiana em pessoa, a Recognição, como se o pensamento não devesse procurar seus modelos em aventuras mais estranhas ou mais comprometedoras.34O que é um pensam ento que não faz mal a ninguém? Esta
parece ser a pergunta mais significativa, já que, como recognição, o pensam ento não ameaça nem a “pequena e segura vida” daquele que “pensa” nem as norm as estabelecidas. Deleuze é, mais um a vez, enfático:
O signo da recognição celebra esponsais monstruosos em que o pensamento “reencontra” o Estado, reencontra a “Igreja” reencontra todos os valores do tempo que ela, su- tilmente, fez com que passassem sob a forma pura de um eterno objeto qualquer, eternamente abençoado.35H á um ponto bastante significativo que Deleuze observa em
Nietzsche. Diz respeito à própria recognição. Nietzsche parece m uito preocupado em frisar a diferença que há entre a “recog-
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nição” e a produção de novos valores. Para ele, em m om ento algum o pensamento tem um a função recognitiva. Não se tra ta de dizer que, em alguma ocasião, os velhos ideais foram n o vos e vigorosos. Os “novos valores” perm anecem sempre novos. Não é um a questão de cronologia, senão ele estaria defendendo que devemos sem pre acom panhar o nosso tem po, que devemos “reconhecer” como nossos os valores vigentes. O “novo”, tanto em Nietzsche quanto em D e le u z e , é aquilo que ativa o pensamento, que o força a “pensar”, que o impele a agir (sendo que a ação do pensam ento é a sua própria criação).
Em Proust e os signos, Deleuze fala da atividade do pensam ento como algo extraordinário e não como resultado de um “interesse n a tu ra T ^ S -^ N ó s só procuram os a verdade quando estamos determ inados a fazê-lo em função de um a situação concreta, quando sofremos um a espécie de violência que nos leva a essa busca”.37 Isso quer dizer que “pensar” não é um a ten dência natural, mas é efeito de um a força externa que nos violenta, retirando a razão de sua função recognitiva: A verdade não é descoberta por afinidade, nem com boa vontade, ela se trai por signos involuntários”.3® Aprender, segundo Deleuze, diz respeito essencialmente aos signos,39 só que os signos são sem pre múltiplos e divergentes: “O signo pressupõe em si a hetero- geneidade como relação”. Daí por que ousamos dizer que é o caráter diferencial dos signos (a própria diferença que eles in teriorizam ) que descentra a razão e a força a um novo exercício— o exercício do pensamento.
É por esse motivo, revela-nos Deleuze, que Nietzsche riria só de pensar que poderiam chamar de “vontade de potência” as lu tas por prestígio e poder desencadeadas pelo senso comum. Estranha luta de consciências para a conquista do troféu constituído pela Cogitatio natura universalis”,40 ressalta Deleuze. O que querem esses que lutam pelos valores vigentes? E o que querem os filósofos quando fazem do pensam ento apenas um a forma de “legitimar” tais valores?
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Q uem pensa que Nietzsche, ao criticar a idéia de um a verdade absoluta, tinha como objetivo ridicularizar a figura sisuda do pensador e to rnar o pensam ento algo acessível a todos en- gana-se profundam ente. O pensador tornou-se, com Nietzsche, ainda mais severo (ainda que m enos “pesado” e menos “solene”). Mais severo porque o pensam ento não pode deixar-se levar pelas tolices do cotidiano. Não pode ceder às pressões religiosas, m orais ou sociais. De certa form a, o pensam ento continua a ser, para Nietzsche e Deleuze, um a instância seletiva. Só que não se trata de um a seleção à m aneira de Platão. Eles aboliram , definitivamente, a transcendência — o que confere à “seleção dos pretendentes” um outro estatuto. O próprio Deleuze trata desse ponto em Crítica e clínica:
A seleção não recai sobre a pretensão, mas sobre a potência.A potência é modesta, contrariamente à pretensão. Na verdade, só escapam ao platonismo as filosofias da imanência pura: dos estóicos a Spinoza ou Nietzsche.41Acrescentamos, por nossa conta, o nom e de Deleuze a essa
pequena lista de filósofos que conseguiram “escapar” do platonismo.42 Sabemos o quanto isso significa em term os de potência do pensam ento. Afinal, o platonism o — a despeito de ser, inegavelmente, um a das mais fantásticas produções do espírito hum ano — é com o um a espécie de “virose” que, quando menos percebemos, já contraím os de novo. Sem exagero, diríamos que tão grande quanto o projeto de Platão foi o projeto de “reverter” a sua filosofia. M uitos ousaram, mas poucos o conseguiram verdadeiramente.
Pois bem, a recognição está no centro da filosofia platônica. E preciso lem brar que conhecer, para Platão, é “relem brar”, é “reconhecer v 3 “Reverter” o platonism o, portan to , significa rom per tam bém com o m odelo da recognição, que está p resente na sua base. Com o dissemos, o pensam ento só é ativado quando um a força externa tira a razão de sua atividade recog-
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nitiva (que, sem dúvida, pode ser essencial à vida orgânica, mas não ao pleno exercício do pensam ento). A pergunta que agora precisaríamos responder é a seguinte: por que nossa razão tende a ficar no terreno da recognição?
Poderíamos escrever um outro livro sobre esse assunto, para m ostrar a natureza “reativa” da razão — que apenas se preocupa com sua própria sobrevivência, sem arriscar grandes vôos.44 Mas nosso interesse aqui é mais de ordem “mecânica” do que “causai”, isto é, precisamos elucidar como funciona essa razão representativa. Comecemos, então, pela análise da seguinte questão: por que é mais fácil “re-conhecer” do que “criar”?
Para responderm os a essa pergunta, precisamos definir m elhor o que é a representação e quais são os seus critérios e leis. Para tal intento, faz-se necessário explicar, prim eiro, o que Deleuze cham a de generalidade45 e por que o seu reino se opõe ao da repetição. Comecemos, então, pela distinção entre objeto particular e objeto singular (distinção absolutam ente necessária, se queremos realmente com preender a natureza dos objetos — tanto daqueles que estão sob o signo da generalidade quanto daqueles que estão sob o da repetição). Um objeto singular é, estritam ente falando, um objeto único e insubstituível. Neste sentido, todos os seres são singulares. Mas, no que concerne às leis da Natureza, todos os objetos participam de “leis m enores” de organização (como as que regem os gêneros e as espécies). Nesse ponto, cada ser é um objeto particular. O reino das generalidades é aquele que engloba os seres particulares e a nossa conduta com relação a ele é aquela que nos perm ite trocar ou substituir esses seres, tanto quanto os seus termos, já que eles se eqüivalem.
A ciência, de um m odo geral, trabalha com as generalidades. Não se diz que “só há ciência do geral”? Isso significa, portanto, que um a folha pode ser substituída por outra sem grande perda para quem a investiga. Em suma, o que querem os dizer é que o caráter diferencial que distingue um a folha de outra não
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interessa à ciência, mas apenas aquilo que um a folha tem de similar com todas as outras.
É por essa razão que as duas grandes ordens da generalidade são a semelhança entre os sujeitos e a equivalência entre os termos que designam esses objetos particulares. Daí por que Deleuze, citando Pius Servien, distingue duas linguagens possíveis: a linguagem das ciências, onde cada term o pode ser substituído por outro sem qualquer perda de sentido, e a linguagem lírica, onde cada term o é insubstituível, podendo ser apenas repetido.46 Isso porque a linguagem poética — ou mesmo a da arte, em geral — não pertence ao reino da generalidade. Ela é o efeito de um a criação singular, única e insubstituível.
Não podem os, portan to , confundir a generalidade com a repetição, afirma Deleuze.47 Isso pode gerar sérios problemas, quando se trata de com preender de que maneira a repetição na natureza é possível. Afinal, que sentido há em dizer-se que “só há ciência do geral” e “só há ciência do que se repete”? Como falar em repetição, se a chuva que cai todos os dias, em um a m esma hora, não é nunca a mesma chuva? Como dizer que as gotas de orvalho, caídas no dia de hoje, poderão se repetir amanhã, se cada gota é única e só poderá retornar se transgredir as leis da Natureza? É isso que Deleuze quer m ostrar: quando a ciência fala em repetição, está falando apenas da passagem de um a ordem de generalidade a um a outra ordem de generalidade. Mas a repetição, se ela é possível, é de outra natureza:
Se a repetição existe, ela exprime, ao mesmo tempo, uma singularidade contra o geral, uma universalidade contra o particular, um relevante contra o ordinário, uma instanta- neidade contra a variação, uma eternidade contra a permanência. Sob todos os aspectos, a repetição é a transgressão48A repetição é sempre “transgressora” — um a vez que ela vai
em direção contrária às leis que im pedem qualquer coisa de re- lornar. Na verdade, em vez de fundar a repetição, a lei nos m os
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tra como ela é impossível para os puros sujeitos da lei, ou seja, para os particulares. Mas a repetição é possível para Deleuze, em bora não para o campo das generalidades. Por vezes, supomos realizá-la quando, pela força do hábito, acreditamos estar indo em direção contrária àquela que nos faz m udar o tem po todo. Mas, para Deleuze, a consciência só conhece um a lei m oral para enfrentar a sua trágica condição no tempo: a do dever e do hábito. E, o que é pior, “ela só pode pensar a aplicação da lei moral, restaurando nela própria a imagem e o modelo da lei da natureza”.49 Isso quer dizer que é pela generalidade que repetimos todos os dias as mesmas ações: levantar, tom ar café, trabalhar etc. Nunca repetimos realmente, apenas fazemos de forma semelhante aquilo que já fizemos inúmeras vezes. Também aqui estamos no terreno da recognição e não no da repetição.
Pois bem, só há sentido em falar de repetição daquilo que é absolutam ente singular. E o singular é a diferença pura. Na verdade, Deleuze foi m uitas vezes criticado por ter com preendido que, no eterno retorno (preconizado por Nietzsche), o que retorna verdadeiram ente é a diferença e não o mesmo. Mas, baseando-nos na obra do próprio Nietzsche, parece-nos bastante coerente essa idéia.50 Só à diferença é dado o direito de retornar, a cada novo ciclo, a cada novo instante.
E como o leitor poderia acreditar que Nietzsche implicava no eterno retorno o Todo, o Mesmo, o Idêntico, o Semelhante e o Igual, o -Em e o Eu, ele que foi o maior crítico dessas categorias? Como acreditar que concebeu o eterno retorno como um ciclo, ele que opôs “sua” hipótese a toda hipótese cíclica? Como acreditar que tenha caído na idéia insípida e falsa de uma oposição entre um tempo circular e um tempo linear, um tempo antigo e um tempo moderno?51A princípio, é verdade, este não parece ser o tem a específico
de nossa pesquisa, mas não nos deixemos enganar: rigorosam ente falando, este é um tem a do qual não podem os nos fur
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tar, se querem os com preender o que Deleuze entende por diferença pura. Afinal, no que diz respeito à questão da repetição, insistimos em dizer que, em Deleuze, ela supõe a diferença e não o mesmo, supõe o singular e não o particular:
O encontro das duas noções, diferença e repetição, não pode ser suposto desde o início, mas deve aparecer graças a interferências e cruzamentos entre estas duas linhas concernentes, uma, à essência da repetição, a outra, à idéia de diferença.52De um lado, temos então um a “pseudo-repetição” do que
é geral; de outro, um a repetição do que é singular (que, por essência, seria contranatura).53 Mas, se levarmos em conta a definição de singularidade54 em Deleuze, veremos que a repetição não só é possível como é necessária, em função das próprias leis naturais (que engendram o geral a partir dos elementos singulares). A esta altura, temos que ter um cuidado redobrado para não cairmos em interpretações equivocadas, que podem certam ente com prom eter a nossa pesquisa em torno do sentido que Deleuze atribuiu à noção de diferença. Atentemos, então, para um im portante esclarecimento: singular e individual não são sinônim os. Não são os indivíduos que retornam , mas as singularidades — esses elementos essencialmente virtuais, que precedem a existência dos próprios seres.55 Não apenas precedem, mas são a sua condição de aparecimento, já que se constituem como elementos genealógicos, elementos prim ários e prim eiros. As singularidades retornam , as forças que agenciam tais singularidades tam bém . Mas os indivíduos, estes nunca retornam .56 De fato, esse tipo de repetição revela-se impossível. Sobre as singularidades, Deleuze acrescenta:
As singularidades são os verdadeiros acontecimentos transcendentais (...). Longe de serem individuais ou pessoais, as singularidades presidem à gênese dos indivíduos e das pessoas: elas se repartem em um “potencial” que não comporta
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por si mesmo nem Ego (Moi) individual, nem Eu (Je) pessoal, mas que os produz atualizando-se.57Na verdade, a questão de desligar o singular do individual
tem um a razão de ser m uito própria. Mas prim eiro precisamos cham ar atenção para um outro fato: o de que indivíduo e pessoa tam bém são coisas distintas. Um indivíduo {moi) pode ser qualquer ser vivo, ao passo que a idéia de pessoa (je) pressupõe a de consciência. O campo das singularidades, no entanto, não é nem o lugar do ser soberanam ente individuado (m undo em pírico) nem o “abismo indiferenciado”, o “caos puro” — onde qualquer m ínim a determinação seria impossível. Afinal, mesmo sem possuir o m esm o grau de determ inação do indivíduo, o singular não pode ser com preendido como algo indiferenciado ou indeterm inado. Para Deleuze, o campo das singularidades é algo que se interpõe entre o “fundo negro” e o m undo físico, entre o caos e os corpos. Lugar da superfície dos acontecim entos, lugar do verdadeiro transcendental da natureza.58
É esta singularidade livre, anônima e nômade que percorre tanto os homens, as plantas e os animais independentemente das matérias de sua individuação e das formas de sua personalidade...59É sobre esses elem entos transcendentais que as “forças”
agem, é sobre eles que elas criam e recriam a própria existência. Para Deleuze, Nietzsche foi o prim eiro a explorar esse m undo de singularidades — que, para o filósofo alemão, chama-se dionisíaco ou vontade de potência (e que Deleuze chama de “energia livre e não ligada”).60
Mesmo que ainda não esteja clara a definição de diferença pura, já temos algum a idéia da dificuldade que a representação clássica tem p ara apreendê-la. Afinal, como poderia a representação dar conta de algo tão inusitado, de algo que não guarda um a relação de semelhança com qualquer outra coisa? Como pode a representação, com um único centro, um único fun
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dam ento, julgar o que é díspar? Como pode ela representar o “irrepresentável”, aquilo que não é cognoscível senão quando colocado sob o jugo da semelhança e da identidade? Porque a representação, no sentido clássico, é isto: a “imagem” semelhante de um objeto concreto. Com o dizia o próprio Santo Tomás, representar significa conter a semelhança da coisa a ser conhecida.61
Na realidade, o term o “representação” é um vocábulo de origem medieval que indica a imagem ou a idéia (ou ambas as coisas) de um objeto de conhecimento qualquer. N um certo sentido, representar é pôr sob os olhos alguma coisa, mas é tam bém to rnar presente ao espírito algo que já esteve presente aos nossos sentidos. Para Leibniz, no entanto, as m ônadas tam bém têm um a “natureza representativa” — já que exprim em naturalm ente todo o universo. Aqui, precisamente, o term o representação está sendo tom ado em um a outra acepção possível: como sinônim o de correspondência.62 Podemos tam bém dizer que, em Descartes, a “idéia”, como quadro ou imagem da coisa, tem um sentido de similitude absoluta.63
Mas foi preciso que se passassem m uitos séculos, desde o aparecim ento do term o “representação”, para que um a crítica profunda de sua natureza colocasse em questão o valor do p ró prio conhecimento representativo. Estamos nos referindo à crítica nietzschiana.64 Segundo Nietzsche, todo conhecim ento é efeito de um a dupla metáfora: na prim eira, transform am os um estímulo nervoso em um a “imagem”; na segunda, a imagem adquirida é m odelada em um “som”.65 Este seria, prim ordialm ente falando, o fundam ento da representação e da linguagem. O problema, no entanto, estaria no fato de tom arm os essas metáforas pelas coisas mesmas e suporm os conhecer o m undo quando não temos dele senão imagens. É neste sentido que a linguagem não diz as coisas, mas é somente um a m etáfora delas. E é tam bém neste sentido que o conhecim ento, em Nietzsche, nada mais é do que a produção de um território à parte — constru
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ção hum ana que tende a igualar o não-igual, excluindo as diferenças individuais e os acontecimentos singulares.66
Apesar das claras diferenças, Bergson parece estar em sintonia com Nietzsche quando afirma que a representação clássica só nos perm ite conhecer as coisas de m odo parcial, e nunca de m aneira absoluta. Em seu O pensamento e o moventei Bergson afirma que o conhecimento representativo é prisioneiro da generalidade e, por esta razão, não nos perm ite conhecer aquilo que um objeto tem “de único e, por conseguinte, de inexprim í
v e l”.67 Em outras palavras, a representação não pode apreender o que há de diferente em cada um de nós, o que há de singular em cada objeto.
À “representação clássica” Bergson opôs o que ele próprio denom inou intuição — essa espécie de “sim patia pela qual nos transportam os para o in terio r de um objeto”,68 coincidindo com ele. Somente a intuição poderia nos fornecer o absoluto de um a coisa, já que sua apreensão é feita “de dentro” e não “de fora” do objeto. Em poucas palavras, existe um a diferença de natureza entre a intuição e o conhecim ento representativo (que é, por essência, relativo). Mas não teria esse mesmo sentido a idéia de “pensam ento” em Deleuze? Não poderíam os tam bém form ular assim a crítica deleuziana à representação clássica, que tende a im pedir-nos de conhecer o que há de verdadeiram ente singular nas coisas — deixando-nos sempre no terreno das generalidades? E o pensam ento não seria essa espécie de “intuição”, que nos perm ite desvelar e pensar as diferenças, as singularidades?
Para Deleuze, o pensam ento (mesmo em sua função recog- nitiva) chega a “estabelecer” a diferença. Só que, para ele, a diferença é o m onstro, é o mal que precisa ser expiado.69 Afinal, a diferença, dada a sua própria natureza, não se enquadra nos modelos engendrados pela razão. Daí por que, para salvá-la da escuridão caótica de seu próprio ser, será necessário torná-la objeto de um a representação orgânica. Para tal in tento, será
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preciso relacioná-la às exigências do conceito em geral. Mas o conceito é o instrum ento, por excelência, da generalidade e, por isso mesm o, abarca sob um m esm o signo todos os objetos que se assemelham, ficando a diferença aí anulada em sua força singular.
Mas, então, de que m aneira a diferença é representada — se isso contraria as próprias leis do que é absolutam ente único? Para começar, a representação designa um a prova seletiva para determ inar quais as diferenças que podem ser inscritas no conceito em geral. N um certo sentido, a “diferença genérica” (ou mais propriam ente, a que se estabelece entre os gêneros últimos do ser) é grande demais, enquanto a “diferença individual” é, ao contrário, pequena demais para ser representada. Daí por que a diferença específica parece ser aquela que “responde a to das as exigências de um conceito harm onioso ou de um a representação orgânica”.70 Afinal, completa Deleuze, “ela é pura, porque formal; intrínseca, pois opera na essência”.71 Este é o prim eiro m om ento da representação: ten tar transform ar a diferença ontológica em diferença conceituai, como form a de torná-la acessível ao pensam ento. É o que Deleuze cham a de “o feliz m om ento grego”: quando a diferença, subordinada aos quatro liames da representação (identidade no conceito, analogia no juízo, oposição no predicado e sem elhança na percepção) torna-se apenas e tão-som ente um predicado na com preensão do conceito.72
Uma terrível confusão, segundo Deleuze, foi feita desde os prim órdios da filosofia: confundiu-se o estabelecimento de um conceito próprio da diferença com a inscrição da diferença no conceito em geral. Mas, quando se inscreve a diferença no conceito em geral, não se tem nenhum a Idéia singular da diferença, perm anecendo-se sempre no elemento já mediatizado pela representação.73 Com isso, a diferença tornou-se pensável; to rnou-se objeto de um a representação sensível, tornou-se algo palpável e visível. Sim, porque som ente aquilo que nos envia
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impressões (ou seja, os corpos) pode ser objeto de um a representação. Daí por que, para com preendê-la, é preciso que ela se apresente materialmente.
Para Deleuze, no entanto, a diferença pura é o objeto, por excelência, do pensamento. Não a essência ou a substância segunda, como queriam respectivamente Platão e Aristóteles. Talvez até sejam, se tom arm os o pensamento, como recognição ou como ciência pura; mas, se o entenderm os como potência criadora (tal como Deleuze o entendia), seu objeto será a própria diferença, na sua mais pura “ontologia”. Tentar pensá-la sob os moldes da representação clássica é deixar escapar, exatam ente, o que ela tem de original e singular, o que ela tem de único e “incom um ”. Seja ela finita ou infinita (a que tenta com preender o Todo), a representação não se desliga do princípio da identidade. Isso quer dizer que a tentativa da representação de apreender e pensar a diferença infinitam ente pequena por meio de um a “razão suficiente” revela-se igualm ente ineficaz.74 É por este motivo que Deleuze afirma que o projeto que Leibniz havia em preendido para pensar a diferença tam bém fracassou. Afinal, ao estabelecer a convergência das séries e a compossibilidade dos m undos, Leibniz tam bém não conseguiu escapar da insi- diosa prisão da razão representativa. Isso porque tam bém aqui a diferença foi estabelecida entre m undos que guardavam, p rimeiramente, um a relação de semelhança entre eles. Afinal, toda m ônada é um a representação do universo inteiro...
O utro projeto que podem os distinguir de Deleuze é o de Hegel, que além de confundir a idéia de “diferença” com a de “contradição” (resultado do mesmo raciocínio que estabelece a diferença apenas entre aqueles que se assem elham), tam bém identifica a conquista do Absoluto com o estabelecimento da Identidade Plena (o que significaria, na verdade, o fim definitivo das diferenças).
Notas
Capítulo i
1 Deleuze, Crítica e clínica, p. 11.2 É claro que um a distinção, ainda mais antiga, entre “pensamento” e
“razão” (presente, de um a certa m aneira, nas obras de Kant, Scho- penhauer, Nietzsche e Bergson) influenciou profundam ente Deleuze— que abordou detalhadam ente esta questão em Diferença e repetição. Trataremos adiante deste ponto e da distinção essencial entre “pensar” e “reconhecer”.
3 No fundo da Natureza encontramos a diferença e não a semelhança e o idêntico. Só por um esforço de caráter lógico tomamos aquilo que é desigual por semelhante. “Nunca um a folha é inteiram ente igual a ou tra”, afirma Nietzsche (sobre este ponto, cf. Nietzsche, Verdade e mentira no sentido extramoral, em Os pensadores).
4 Ao longó deste capítulo faremos um confronto entre o que a razão clássica reconhece como “pensam ento” e o que Deleuze defende como a verdadeira m áquina de guerra nôm ade” — o pensamento que ousa rom per com os modelos estabelecidos e, sobretudo, ousa pensar a diferença.
5 No capítulo dedicado à diferença em si mesma em Diferença e repetição, Deleuze apresenta dois tipos de representação: a representação orgânica, finita, a que “estabelece” a diferença entre os seres sensíveis, e a representação orgiástica, aquela que encontra em si o infinito (a maior e a m enor diferença). A representação orgiástica “descobre em si o tum ulto, a inquietude e a paixão sob a calma aparente ou sob os limites do organizado. Ela reencontra o m onstro” (ibid., p. 85). Mas, tam bém ela é im potente para apreender a diferença em si e tende, mais ainda do que a primeira, a reduzir o seu alcance e importância, designando por diferença pura todo o conjunto de variantes e variáveis, que coloca sob um mesmo “conceito” fixo e impermeável, como todo conceito representativo (ibid., p. 86).
6 Ibid., p. 415-416: “Se há, como foi tão bem m ostrado por Foucault, um m undo clássico da representação, ele se define por estas quatro
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dimensões que o medem e o coordenam. São as quatro raízes do p rin cípio da razão: a identidade do conceito, que se reflete num a ratio cognoscendi; a oposição do predicado, desenvolvida num a ratio fien- di; a analogia do juízo, distribuída num a ratio essendi; a semelhança da percepção, que determina um a ratio agendi. Toda e qualquer outra diferença que não se enraíze assim será desmesurada, incoordenada, inorgânica: grande demais ou pequena demais, não só para ser pensada, mas para ser”.
7 Para maiores detalhes sobre as duas grandes ordens da generalidade, cf. ibid., p. 21-27.
8 Permanecemos fiéis à distinção — corroborada por Deleuze — entre pensamento e razão. Mais exatamente, entre o ato libertador e criador do pensamento e o reconhecimento apaziguador da recognição.
9 No capítulo II, tratarem os da enorm e dificuldade que a filosofia sempre encontrou para pensar e aceitar a existência da “diferença”, quer seja na natureza, quer seja no pensamento.
10 Falaremos da filosofia platônica com mais detalhes no capítulo II.11 Apesar de atribuir-se a Kant o papel pioneiro na verdadeira crítica da
razão e de seu funcionamento, sendo mesmo considerado o primeiro filósofo a rom per com a representação clássica, Deleuze acredita que Kant não só jamais ultrapassou verdadeiramente o conhecimento representativo, como também o reforçou com a sua célebre teoria das faculdades. Segundo Deleuze, somente com Nietzsche um a nova im agem do pensamento teria sido realmente erigida, libertando definitivamente o pensamento dessa tarefa m enor de conhecer e “reconhecer” as coisas. Sobre este ponto específico, cf. Nietzsche e a filosofia, III, 15.
12 NP, p. 89.13 O term o “afeto” está sendo usado aqui e tam bém em outras partes
com um sentido espinosista, ou seja, como sinônim o de “paixão”. Todo corpo, todo existente tem o poder de afetar e de ser afetado por outros corpos ou seres. Um afeto é um a “paixão da alma”, que tanto pode ser alegre (caso aumente a nossa potência de agir, o nosso co- natus) quanto pode ser triste (caso dim inua o nosso poder de ação). Sobre este ponto, cf. o item dedicado a Espinosa no capítulo II.
14 Sobre a imagem moral do pensamento, cf. Deleuze, Nietzsche e a filosofia, p. 85-91, e Diferença e repetição, cap. III.
15 Os dois primeiros itens estão no centro de toda a filosofia ocidental— que é, essencialmente, platônica e aristotélica; mas, nesse terceiro item, Deleuze reconhece a im portância do cartesianismo na formação dessa imagem moral do pensamento.
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16 Sobre o problema dos postulados em filosofia, com a sua fórmula do “todo m undo sabe”, cf. Deleuze, Diferença e repetição, p. 215-217.
17 Estamos usando o termo “ciência” não com o sentido que lhe é atribuído em nossos dias, mas tal como o entendia Aristóteles.
18 Deleuze, Diferença e repetição, p. 219.19 Ibid., p. 215.20 Ibid., p. 217.21 Deleuze, Nietzsche e a filosofia, p. 85-86. Deleuze retirou esse trecho de
Nietzsche do livro Considérations inactuelles III (“Schopenhauer édu- cateur”, #3).
22 Sobre esse ponto, cf. o debate entre Foucault e Deleuze, “Os intelectuais e o poder”, em Deleuze et al., Capitalismo e esquizofrenia, p. 13-27 (o original foi publicado no núm ero 49 da revista UArc, em 1972).
23 Em Conversações, p. 125-126, Deleuze relaciona a idéia de “modos de existência” à de “estilos de vida” de Foucault, mostrando que a preocupação com um a “estética da existência” incluiu sim ultaneam ente um a preocupação de ordem ética. A ética aqui (usada num sentido espinosista) de m aneira alguma confunde-se com a “m oral”. A moral pressupõe o “bem ” e o “mal” em si; a ética supõe relações de forças, o “bom ” e o “mau” para alguém. Quanto à questão de o pensamento efe- tuar-se como um a verdadeira “máquina de guerra”, cf. o capítulo IV.
24 Deleuze, Nietzsche, p. 18.25 NP, p. 85.26 Não há como não supor lamentável a maneira como a filosofia m ora
lizou a existência, julgando e depreciando todos os seus movimentos em função de ideais petrificados e eternos.
27 O capítulo IV versará sobre o “nom adism o” do pensamento e da arte, cujo m aior valor é o de afirmar a diferença em toda a sua potência desintegradora de velhos m undos e criadora de novas formas de existência.
28 O que é deplorável não é exatamente a confusão conceituai (tão com um ) entre eles, mas o fato de o pensamento perder a sua principal atividade: a de criar novas possibilidades de existência.
29 Deleuze, Diferença e repetição, p. 223: “A imagem do pensam ento é apenas a figura sob a qual universaliza-se a doxa, elevando-a ao nível racional. Mas, permanece-se prisioneiro da doxa quando apenas se faz abstração de seu conteúdo empírico, mantendo-se o uso das faculdades que lhe correspondem e que retêm implicitamente o essencial do conteúdo”.
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30 Nesse ponto exato encontram os a verdadeira distinção de natureza entre o que Deleuze chama de “filósofos sedentários” e “filósofos nôm ades”, mas será preciso ainda dispor de mais elementos para que isso se esclareça.
31 Deleuze, Diferença e repetição, p. 223.32 Estamos cientes de que ainda não definimos com precisão o que De
leuze chama de diferença pura (o que será feito de m odo rigoroso no capítulo III).
33 Sobre esse ponto, cf. Deleuze, Diferença e repetição, p. 224: “Pode-se distinguir, à maneira de Bergson, dois tipos de recognição, o da vaca em presença do capim e o do hom em evocando suas lembranças, mas nem o segundo nem o primeiro pode ser um modelo para o que significa pensar”.
34 Ibid.35 Ibid., p. 225.36 Alusão à idéia aristotélica, tratada em sua Metafísica, de que o homem
tende naturalm ente para o “conhecimento”.37 Deleuze, Proust e os signos, p. 15-16.38 Ibid., p. 16.39 Ibid., p. 4.40 Deleuze, Diferença e repetição, p. 226.41 Deleuze, Crítica e clínica, p. 155.42 “Escapar do platonismo” não tem qualquer conotação moral; diz res
peito apenas à possível reversão de um tipo de orientação filosófica que, ao longo da história, excluiu o devir e a multiplicidade como objetos do pensamento.
43 O mais significativo diálogo de Platão sobre esse assunto é o Fédon.44 Há, na obra de Nietzsche, um trecho que consideramos m uito apro
priado para expor a nossa idéia: “É notável que o intelecto seja responsável por esta situação, ele que não foi dado senão para servir precisamente de auxiliar aos seres mais desfavorecidos, mais vulneráveis e mais efêmeros, a fim de mantê-los com vida num espaço de um m inuto” (Nietzsche, Verdade e mentira no sentido extramoral, tradução da autora). É neste sentido que estamos tom ando a razão (ou intelecto): como um a estrutura reativa, comprometida demais com a sobre-
j; vivência mesquinha e pequena dos fracos. Já o pensamento é aquele que perm ite ao hom em experim entar novas e arriscadas aventuras. Só o pensam ento pode substituir os chifres e as mandíbulas mordazes que nos faltam.
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45 A compreensão da idéia de “generalidade” é absolutamente indispensável para entendermos o que significa “representar”. Afinal, tendemos sempre a associar as imagens que temos das coisas pelo grau de semelhança e identidade que elas guardam entre si.
46 Deleuze, Diferença e repetição, p. 22.47 Ibid., p. 21.48 Ibid., p. 24 (o grifo é nosso).49 Ibid., p. 26.50 O enorm e “nojo” que Zaratustra demonstra ter pela idéia de que tudo
indiscriminadamente retorna (“O convalescente”), associado aos “silêncios” e “risos” que ele dá ao longo do texto, sugere que alguma coisa ainda não foi esclarecida. Para Deleuze, “retornar” é a própria essência do devir, só ele verdadeiramente retorna. Foi essa descoberta que fez Zaratustra recuperar a saúde. Voltaremos a este tema nos capítulos II e III.
51 Deleuze, Diferença e repetição, p. 468-469.52 Ibid., p. 61.53 “Contranatura” um a vez que violaria as leis que impedem os seres de
retornarem como indivíduos.54 Sobre essa definição, cf. Deleuze, Lógica do sentido, p. 77-78.55 No capítulo III retornarem os à questão deleuziana das singularidades
como elementos pré-individuais e impessoais.56 Uma outra repetição será possível e diz respeito à arte, mas ainda aqui
trata-se de um a repetição daquilo que é absolutamente singular.57 Deleuze, Lógica do sentido, p. 105. Deleuze não foi o primeiro a apre
sentar um a teoria racionalizada das “singularidades impessoais e pré- individuais”. Gilbert Simondon, antes dele, já havia se proposto fazer um a genealogia tanto do indivíduo vivo como do sujeito do conhecimento, a partir dessas singularidades. Sobre este ponto, cf. Ulndividu et sa genèse physico-biologique, p. 260-264.
58 A compreensão mais profunda dessa afirmação depende diretamente da elucidação do conceito de “diferença pura”, o que será feito no capítulo III.
59 Deleuze, Lógica do sentido, p. 110.60 Ibid.61 Santo Tomás, Quaestiones Disputatae de Veritate, q. a 5.62 Sobre esse ponto, cf. Leibniz, La Monadologie, p. 60-62.63 Descartes, Meditações, III.64 Antes mesmo de Nietzsche, Kant havia se proposto fazer um a verda
deira crítica do conhecimento racional. Não obstante, Kant jamais ul-
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trapassou os limites exigidos para um a tarefa dessa natureza (sobre este ponto, cf. Deleuze, Nietzsche e a filosofia, p. 1-3).
65 Sobre o conhecim ento como efeito de um a dupla m etáfora, cf. Nietzsche, Verdade e mentira no sentido extramoral.
66 Ibid. Para Nietzsche, é a dificuldade de lidar com as diferenças que desencadeia a produção de conceitos gerais e universais — como forma de igualar o desigual (“nunca um a folha é inteiramente igual a outra, mas um único conceito deve abarcar todas elas”).
67 Bergson, La Pensée et le mouvant, p. 181 (tradução da autora).68 Ibid.69 Deleuze, Difierença e repetição, p. 91.70 Ibid., p. 67-68.71 Ibid.72 Ibid., p. 69. Entenderemos melhor o significado dessa afirmação quan
do tivermos definido com m aior aprofundam ento o conceito de “diferença pura”, no capítulo II.
73 Ibid., p. 61.74 Ibid., p. 95-97.