ensino dos mÚltiplos com nÚmeros naturais … · apÊndice d – multiplicação com números...
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JAQUELINE BRIETZKE
ENSINO DOS MÚLTIPLOS COM NÚMEROS NATURAIS UTILIZANDOMATERIAIS CONCRETOS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
VISUAL NO ENSINO REGULAR
CANOAS, 2007.
JAQUELINE BRIETZKE
ENSINO DOS MÚLTIPLOS COM NÚMEROS NATURAIS UTILIZANDOMATERIAIS CONCRETOS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
VISUAL NO ENSINO REGULAR
Trabalho de conclusão de curso apresentado para abanca examinadora do curso de Licenciatura emMatemática do Centro Universitário La Salle -Unilasalle, como exigência parcial para obtenção dograu de Licenciado em Matemática, sob orientaçãoda Prof.ª Ms. Sandra Pacheco Renz.
CANOAS, 2007.
TERMO DE APROVAÇÃO
JAQUELINE BRIETZKE
ENSINO DOS MÚLTIPLOS COM NÚMEROS NATURAIS UTILIZANDOMATERIAIS CONCRETOS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
VISUAL NO ENSINO REGULAR
Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau deLicenciado em Matemática do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, pela
avaliadora:
_____________________________________________________________PROF.ª MS. SANDRA PACHECO RENZ
Unilasalle
Canoas, 12 de Dezembro de 2007
Dedico este trabalho primeiramente ao meu grande amor,
Marcos Alexandre Rossoni Foppa,
pelos momentos que deixamos de estar juntos
para que eu me dedicasse intensamente aos meus estudos.
Agradeço a Deus por mais uma etapa realizada
e por me fazer acreditar em uma educação
que respeite a diversidade humana.
Em especial aos meus pais, José Henrique e Jussara,
que me apoiaram e colaboraram para esta minha realização.
Aos meus amigos que compartilharam
das minhas angustias e alegrias.
As escolas onde realizei meus estágios,
com carinho ao amigo e prof. José Carlos Zambelli.
Aos professores que me auxiliaram com toda a experiência,
em especial a minha orientadora Sandra Pacheco Renz.
RESUMO
Este trabalho tem como tema o ensino dos múltiplos com números naturais para aconstrução da tabuada. A relevância deste assunto consiste nas dificuldadesapresentadas por alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio em resolvercálculos com a operação da multiplicação. A problemática que norteou este estudofoi de como orientar os mesmos, juntamente com alunos com deficiência visual,inclusos no ensino regular, no desenvolvimento do algoritmo da multiplicação. Emmeio a esta questão, tem-se como objetivo desenvolver uma atividade que contribuapara o ensino do aluno com deficiência visual utilizando o material dourado e osorobã. O presente estudo desenvolveu-se em duas fases. A primeira compõe-se deuma análise documental realizada em literatura atual e a segunda apresenta umainvestigação em sala de aula, realizada na Escola Municipal Ceará, com duas alunascom deficiência visual, cuja metodologia utilizada foi a Engenharia Didática. Com aaplicação das atividades, constatou-se que as alunas desenvolveram um trabalhoautônomo, compreenderam a construção da tabuada e sentiram-se motivadasquanto ao uso do material dourado e do sorobã. Assim, desenvolver atividades quecolaborem para o ensino e aprendizagem do aluno com deficiência visual é umatarefa desafiadora e ao mesmo tempo gratificante.Palavras-chaves: Deficiência Visual; Ensino do Algoritmo da Multiplicação; MaterialConcreto.
ABSTRACT
This work focus on the teaching of multiples with natural numbers for a multiplicationtable construction. The importance of this subject consists in the difficulties presentedby students from the primary and high schools in solving calculus with themultiplication operation. The problematic factor which guided this study was on howto orient them, taking also, students who have visual deficiency and are enclosed intothe regular teaching in the algorithm development of the multiplication. Within thisquestion, the aim is to develop an activity which might contribute for the visualdeficiency student teaching making use of the golden material and the soroba. Thecurrent study was developed in two phases. The first one is composed by the literaryreview and the second one presents an investigation in the classroom. It took placeat Escola Municipal Ceará, taking two female students with visual deficiency whosemethodology used was the Didactic Engineering. It was verified that the studentsdeveloped an autonomous work when the activities were applied. They understoodthe multiplication table construction and felt motivated when using the goldenmaterial and the soroba. Thus, developing activities which contribute for the students’teaching and learning - those who present visual deficiency - is a challenging taskand at the same time it’s grateful.Key-words: Visual Deficiency; Multiplication Algorithm Teaching; Concrete Material.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 7
2 INCLUSÃO DO EDUCANDO COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS
ESPECIAIS............................................................................................................... 10
2.1 Inclusão do aluno com deficiência visual no ensino regular....................... 11
3 APRENDIZAGEM DOS MÚLTIPLOS COM NÚMEROS NATURAIS -
CONSTRUINDO A TABUADA................................................................................. 14
3.1 Sorobã............................................................................................................... 14
3.2 Material Dourado.............................................................................................. 16
4 ATIVIDADE DESENVOLVIDA COM AS ALUNAS CEGAS................................. 18
4.1 Preparação das seqüências didáticas............................................................ 18
4.2 Desenvolvimento das seqüências didáticas.................................................. 19
4.3 Situação didática proposta as alunas............................................................ 19
4.3.1 Etapa I da atividade......................................................................................... 19
4.3.2 Etapa II da atividade........................................................................................ 25
4.3.3 Etapa III da atividade....................................................................................... 29
4.3.4 Etapa IV da atividade....................................................................................... 31
5 VALIDAÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS..................................................... 34
6 CONCLUSÃO........................................................................................................ 36
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 38
APÊNDICE A – Terminologia correta sobre deficiência........................................... 40
APÊNDICE B – Orientações quanto ao uso do sorobã............................................ 41
APÊNDICE C – Breve histórico e utilização do sistema braile................................. 42
APÊNDICE D – Multiplicação com números inteiros registrados no sorobã............ 44
1 INTRODUÇÃO
Com a presença crescente na rede regular de ensino, de crianças e jovens
com necessidades educacionais especiais, fato que deve contribuir para uma melhor
qualidade de vida destes educandos, a escola passa a ser a base para a formação
de uma sociedade inclusiva, pois é o primeiro passo para o convívio com a
diferença. Diante desta concepção, os professores devem estar atentos aos
métodos de ensino utilizados, já que os mesmos necessitam proporcionar
oportunidades iguais de compreensão a todos os alunos amenizando algum tipo de
discriminação.
Quando o processo de ensino e aprendizagem a ser desenvolvido é com
alunos com deficiência visual, torna-se necessário o uso de recursos didáticos
apropriados, uma vez que estes educandos carecem estar em contato direto com
que está sendo ensinado, visto que, é através da exploração tátil que estes alunos
fazem as abstrações e absorvem a maior parte das informações.
Devido a isso, o ensino da Matemática focado em alunos com deficiência visual
não aparenta ser uma tarefa fácil, pois para muito dos conceitos estudados
necessita-se traçar um paralelo entre a visualização e o resultado concreto dos
cálculos.
Assim, o presente trabalho pauta-se num conteúdo básico da Matemática, o
ensino dos múltiplos com números naturais em torno da construção da tabuada.
O interesse pelo estudo deste conteúdo matemático surgiu após a realização
dos estágios desenvolvidos no decorrer do curso de Licenciatura em Matemática,
onde alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio de diferentes escolas
apresentaram dificuldades em desenvolver cálculos utilizando o algoritmo da
multiplicação.
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Observando estas limitações na aprendizagem dos alunos ocorreu o
questionamento: “Como seria desenvolver o ensino dos múltiplos com números
naturais visando a construção da tabuada por alunos com deficiência visual inclusos
no ensino regular?”.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 71-73) apresentam
algumas formas para o desenvolvimento da multiplicação, mas trataremos neste
trabalho especificamente do ensino dos múltiplos através da adição de parcelas
iguais, por meio do uso de recursos didáticos adequados às necessidades dos
alunos com deficiência visual, servindo-se de materiais concretos como o material
dourado e o sorobã.
Objetiva-se assim, desenvolver uma atividade que contribua para o processo
de ensino dos alunos com deficiência visual inclusos na rede regular de ensino,
auxiliando na construção e entendimento da tabuada de modo lógico com uso do
material dourado e do sorobã como recurso didático concreto.
Metodologicamente o presente trabalho consta de duas etapas. A primeira de
uma análise documental realizada em literatura atual e a segunda de uma
investigação em sala de aula fundamentada nos princípios da Engenharia Didática.
A Engenharia Didática caracteriza-se “como um esquema experimental
baseado sobre realizações didáticas em sala de aula, isto é, sobre a concepção,
realização, observavação e análise de seqüências de ensino.” (ARTIGUE, 1988, p.
285). Compreende em seu processo experimental quatro fases: análises
preliminares, concepção e análise a priori das situações didáticas, experimentação e
por último a análise a posteriori e validação. Conforme Machado (2000, p. 201)
segue um breve desenvolvimento das fases da Engenharia Didática.
As análises preliminares referem-se ao quadro teórico que se pretende
trabalhar e aos conhecimentos didáticos já adquiridos sobre o assunto em questão.
São tratados nesta fase e neste trabalho o estudo da inclusão do educando com
deficiência visual no ensino regular e o processo de aprendizagem dos múltiplos a
este educando, dando subsídios ao desenvolvimento da próxima fase.
A atividade desenvolvida com alunos com deficiência visual enquadra-se nas
duas fases seguintes. A fase da concepção e análise a priori, consiste na
preparação das seqüências didáticas, trata-se do processo de construção e
elaboração do material e da atividade. Na experimentação, fase onde é a execução
dos processos desenvolvidos na primeira fase, realiza-se o contato direto do
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pesquisador/observador com o grupo de alunos da investigação. Nela se indica os
objetivos e condições de realização da pesquisa aos alunos que participarão da
experimentação, a aplicação dos instrumentos de pesquisa e os registro das
observações. Pode-se utilizar aqui, complementando esta fase com a próxima, diário
de campo, questionários, entrevistas individuais ou em pequenos grupos com os
professores e/ou alunos em questão.
Já na fase final que é a análise a posteriori e validação, apóia-se sobre todos
os dados colhidos durante a experimentação. É realizada a confrontação entre as
análises a priori e a posteriori onde se validam ou se excluem as hipóteses indicadas
no início.
A seguir daremos início a análise documental, que busca analisar o processo
de inclusão de alunos com necessidades especiais.
2 INCLUSÃO DO EDUCANDO COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS
ESPECIAIS
A busca de uma sociedade igualitária que tenha como objetivo principal a
valorização da diversidade, onde todo ser humano possa gozar de seus direitos e
deveres, sem exceção, é o que torna a inclusão tão presente no nosso dia-a-dia.
Uma sociedade inclusiva é aquela que quer eliminar os que são excluídos por
questões de cor, de idade, de condições econômicas e sociais, de origem, de
conformação física ou mental, ou seja, por algum tipo de preconceito. Assim a
escola deve ser o espaço onde se inicia o processo de inclusão, pois se trata, pode-
se dizer, do primeiro ambiente em que a criança convive com pessoas distintas do
seu laço familiar. É na escola que ocorre a convivência com a diferença, por isso a
importância da mesma no processo de inclusão.
Conforme Gessinger (2006, p. 3) as práticas escolares inclusivas enriquecem o
processo de ensino e aprendizagem, pois são estruturadas a partir das
necessidades educacionais especiais dos alunos, beneficiando a todos,
independente de ter ou não estas necessidades.
Quando existem programas adequados, a inclusão funciona para todos osalunos com e sem deficiência, em termos de atitudes positivas, mutuamentedesenvolvidas, de ganhos nas habilidades acadêmicas e sociais e depreparação para a vida na comunidade. (STAINBACK, 1999, p. 22)
Um dos documentos que contribui para evolução da educação inclusiva é a
Declaração de Salamanca, realizada na Espanha em 1994 com a representação de
88 governos e 25 organizações internacionais que reafirmaram o compromisso de
educação para todos os alunos com necessidades educacionais especiais. Este
documento destaca que a inclusão não é somente uma questão de acesso a
educação, mas de qualidade.
No Brasil, a ampliação do processo de inclusão dos alunos com necessidades
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educacionais especiais ocorreu em 1996 com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação - LDB - n.º 9.394/96 - 20/12/1996, que reserva o capítulo V à Educação
Especial. Assim, como na Declaração de Salamanca, na LDB a educação especial é
entendida como uma modalidade de ensino, recomendada somente nos casos cujas
necessidades educacionais ou sociais derivem de comprometimentos graves de
saúde, não sendo satisfeitas em turmas de ensino regular.
Posteriormente, em 2001, o documento mais importante para a inclusão foi o
Decreto 3.956, de outubro de 2001, originário da Convenção Interamericana para
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de
Deficiência, celebrada na Guatemala em 1999. Neste documento fica claro que toda
e qualquer diferença não pode se fundamentar na deficiência.
Concernente a estas concepções de educação inclusiva, será estudado os
procedimentos referentes ao processo de inclusão do aluno com deficiência visual.
2.1 Inclusão do aluno com deficiência visual no ensino regular
Segundo Simão (2004, p. 41), o interesse pela educação de pessoas com
deficiência visual teve início no Brasil com o Instituto dos Meninos Cegos, localizado
no Estado do Rio de Janeiro, atualmente denominado Instituto Benjamin Constant -
IBC.
Segundo informações do próprio IBC, sua criação se deu através do Decreto
Imperial n.º 1.428, de 12 de setembro de 1854, assinado por D. Pedro II, sob
influência de José Álvares de Azevedo, jovem, cego, brasileiro, que estudou na
França, no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris e quando retornou ao Brasil se
tornou o primeiro professor cego.
Com a evolução das práticas inclusivas, para o ensino e aprendizagem do
aluno com deficiência visual, a escola ou a instituição especializada, deve fornecer,
instruções sobre orientação e mobilidade e informações sobre as atividades diárias.
Além disso, a escola deve buscar oferecer materiais didáticos adequados e também,
quando possível, softwares específicos e sintetizadores de voz para utilizar em
computadores. (GUIMARÃES, 2003, p.45).
Referente aos professores, Baumel (apud BRANDÃO, 2006, p. 15) salienta a
importância do trabalho do professor titular e do professor especializado em ensino
especial, ambos devem atuar em paralelo visando uma educação com mais
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qualidade, que incentive a integração entre os alunos incluídos com os demais
alunos da sala de aula.
Salientamos também, que cabe aos docentes, ter cuidado quanto à
nomenclatura utilizada para identificar os alunos com necessidades educacionais
especiais aos quais se quer referir sem estigmatizá-los. Para o aluno que não
enxerga os termos corretos, segundo Sassaki (2002, p. 6-9) são: cego, pessoa cega
e pessoa com deficiência visual. Veja no APÊNDICE A outros termos que são
citados no transcorrer desta pesquisa.
As diretrizes para este trabalho em conjunto, encontram-se no Programa de
Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental (BRASIL, 2001b, p.42)
cujas recomendações são indispensáveis para a ação do professor titular junto aos
alunos cegos ou os de baixa visão, integrados nas classes regulares. Alguns itens
são descritos a seguir:
a) procurar obter todas as informações sobre como os alunos comdeficiência visual percebe o meio, elabora suas percepções, pensa eage;
b) tomar a seu cargo a tarefa de ensinar, acompanhar e verificar aaprendizagem, deixando ao professor especializado as tarefas quedependem de conhecimento específico ou do uso de recursos especiais;
c) recorrer ao professor especializado sempre que necessitar deorientações especificas que norteiem seu trabalho em classe;
d) verbalizar, na medida do possível, situações que dependemexclusivamente do uso da visão;
e) procurar não isentar o aluno com deficiência visual da execução dastarefas escolares;
f) fazer as verificações de aprendizagem do aluno com deficiência visualno mesmo momento em que se realiza com os demais alunos;
g) utilizar, quando possível, materiais que atendam tanto o aluno cegoquanto aos alunos com visão normal;
h) propiciar oportunidades para que o aluno vivencie certas situações queinteressem ao desenvolvimento da matéria.
Já ao professor especializado cabe:
a) não tomar a seu cargo a tarefa de ministrar aulas de Matemática aoaluno deficiente, limitando-se a executar, quando necessário, trabalhocomplementar ao do professor da turma;
b) conhecer os símbolos matemáticos em Braille e seu emprego,orientando-se em manual próprio;
c) conhecer a técnica de cálculos no sorobã;d) colaborar na seleção, adaptação ou elaboração de material didático.
Desta forma, observa-se que a escola junto com a sociedade deve ser capaz
de atender às necessidades de seus alunos, quando for preciso, apresentando
soluções compatíveis com as necessidades educacionais de cada estudante.
De acordo com o Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino
Fundamental (BRASIL, 2001b, p. 24), para dar início às aulas em classes com
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alunos com deficiência visual, primeiramente o professor deverá obter informações
básicas com o professor especializado, verificando se o aluno dispõe de material
transcrito no sistema braile e de recursos pedagógicos adequados.
Em específico para o ensino da Matemática, verificar o nível de conhecimento
de estudos matemáticos e se o aluno realiza cálculo mental, sendo este último uma
das habilidades para a formação do aluno.
Neste trabalho, o ensino da Matemática irá direcionar-se ao estudo dos
múltiplos com números naturais atendendo as necessidades dos alunos cegos, que
será a análise realizada no capítulo seguinte.
3 APRENDIZAGEM DOS MÚLTIPLOS COM NÚMEROS NATURAIS –
CONSTRUINDO A TABUADA
Desenvolver o ensino dos múltiplos com números naturais é uma tarefa
desafiadora principalmente quando se trabalha com educandos cegos, pois neste
caso, o ensino verbal, além de não desenvolver o raciocínio, impede a apropriação
do conhecimento.
Pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, a multiplicação pode ser abordada
através da adição de parcelas iguais, mas advertem que “[...] essa abordagem não é
suficiente para que os alunos compreendam e resolvam outras situações
relacionadas à multiplicação, mas apenas aquelas que são essencialmente
situações aditivas.” (BRASIL, 1997, p. 71-74).
Diante desta concepção, torna-se imprescindível, para o entendimento da
multiplicação, situações-problemas envolvendo a comparação, proporção, forma
retangular e combinatória.
Entretanto, ressaltamos que a operação da multiplicação, neste trabalho, não
está sendo relacionada ao estudo de situações-problemas, mas sim a construção da
tabuada através do entendimento do algoritmo, sem que haja o uso da
memorização.
Para o desenvolvimento deste estudo, se faz necessário a utilização de
recursos didáticos concretos, desde que sejam adequados para o processo de
ensino e aprendizagem de alunos com deficiência visual inclusos no ensino regular.
Dentre estes recursos didáticos, destaca-se o sorobã e o material dourado que
serão descritos a seguir.
3.1 Sorobã
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O sorobã é um instrumento indispensável para o aluno com deficiência visual
nos estudos matemáticos, por ser um material tátil, portátil e de fácil manejo,
contribui para a independência e integração do educando cego com os demais
colegas. Além disso, é uma ferramenta que pode ser utilizada por todos os alunos da
classe, auxiliando no desenvolvimento dos cálculos. (SOUZA, 2007, p. 3-4)
Segundo Silva (2007, p. 21), o sorobã é originário do ábaco chinês e
inicialmente denominava-se soroban. No Brasil depois de adaptações para o uso
dos cegos, como a inserção de borracha na parte inferior e nos eixos, passou a ser
denominado sorobã.
O sorobã, como podemos verificar na figura 1, é composto por uma moldura
que está dividida em dois retângulos separados por uma régua horizontal, chamada
de régua de numeração. No retângulo mais largo, parte inferior é composta por
quatro contas em cada eixo e no outro mais estreito, parte superior, com apenas
uma conta. Na régua de numeração, de três em três eixos, há um ponto em revelo,
destinado a separar as classes dos números.
Os sorobãs podem apresentar 13, 21 ou 27 eixos, os eixos são hastes verticais
sobre os quais se movimentam as contas, há uma borracha em cada eixo que
impede que as contas se desloquem sem que o operador tenha manipulado. O mais
comum utilizado pelo cego é o de 21 eixos.
Figura 1 – Sorobã de 21 eixosFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
O Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental
(BRASIL, 2001b, p. 31-32) orienta para a utilização do sorobã, quanto à posição do
instrumento, posição do operador, movimento dos dedos e a escrita dos números,
vide APÊNDICE B. As figuras 2, 3 exemplificam alguns números representados no
sorobã.
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Figura 2 – O número 5 representado no sorobã Fonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Verificando a figura 2, na borda direita, no primeiro eixo temos na parte
superior uma conta próxima à régua de numeração, indica-se assim o número 5,
pois as contas superiores têm valor cinco e dependendo do eixo que se localizar
pode representar cinco unidades, cinco dezenas, cinco centenas e assim por diante.
Figura 3 – O número 9 representado no sorobã Fonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Já na figura 3 observa-se, na borda direita, no primeiro eixo, além de uma
conta na parte superior próximo à régua de numeração que indica o número 5,
temos também quatro contas na parte inferior. Como cada conta inferior tem valor
um, indica-se assim o número 9, resultado obtido das cinco unidades superiores
mais quatro unidades inferiores. As contas inferiores dependendo da sua localização
conforme os eixos, também representam uma classe numérica.
É importante ressaltar que o aluno com deficiência visual não deverá ter como
objetivo a rapidez ao trabalhar com o sorobã, mas sim a perfeição dos movimentos,
para alcançar resultados corretos.
3.2 Material dourado
O Material Dourado foi criado por Maria Montessori com o nome de Material de
Contas Douradas, posteriormente foi modificado passando a se chamar Material
Dourado. Trata-se de um material de madeira utilizado para o estudo do sistema de
numeração decimal, a aprendizagem dos algoritmos da adição, subtração,
multiplicação e divisão, além das frações e decimais. Observa-se na figura 4 a
composição deste material.
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Figura 4 – Representação do Material DouradoFonte: Baseado em MOURA, 1999.
O material dourado contribui para o estudo dos múltiplos com números
naturais, pois explora o ato da contagem, sendo esta a idéia central para facilitar a
construção da tabuada, conforme Pinto (2002, p. 13). Além disso, é um recurso
didático possível de ser utilizado por educandos cegos, pois proporciona ao aluno
total independência no manuseio.
Após estas análises passaremos para a segunda fase do trabalho, que
consiste na experiência realizada em sala de aula com duas alunas cegas, cuja
metodologia de investigação utilizada será a Engenharia Didática.
4 ATIVIDADE DESENVOLVIDA COM AS ALUNAS CEGAS
A atividade que será apresentada foi desenvolvida na Escola Municipal Ceará,
localizada na cidade de Canoas/RS. Os encontros foram realizados no turno da
tarde, aproximadamente duas horas por semana, na biblioteca ou na sala dos
professores e tiveram como participantes duas irmãs gêmeas com cegueira
congênita, designadas, neste trabalho como D e F. As participantes estão no 2º ano
do Ensino Fundamental, em turmas diferentes.
4.1 Preparação das seqüências didáticas
A atividade proposta baseou-se em Pinto (2002, p. 13-16), porém foi adaptada
para o aluno com deficiência visual. Busca desenvolver conceitos de unidade,
dezena, centena, unidade de milhar e multiplicação e tem como objetivo:
a) construir noções de multiplicação com números naturais;
b) construir a tabuada do 2 e do 3;
c) desenvolver as habilidades de comparação entre a multiplicação e adição;
d) desenvolver as operações mentais de observação, atenção e raciocínio
lógico-matemático.
Primeiramente organizou-se o material necessário para o desenvolvimento da
mesma, como o material dourado completo, bandejas de plástico ou papelão, sacos
de plástico pequeno, sorobã e reglete com punção. Assim partiu-se para as análises
preliminares da atividade, que através de entrevistas orais com as participantes,
verificou-se o entendimento referente ao sorobã e o material dourado, o
conhecimento já adquirido pelas alunas quanto à multiplicação: de que forma que
aprenderam a operação da multiplicação e com quem (professor titular ou
especializado) e também os conhecimentos básicos do sistema braile.
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Para esta atividade, o sistema braile é indispensável, vide APÊNDICE C.
Seguem no Quadro 1 os números de 0 a 9 e alguns símbolos matemáticos em braile
que utilizamos nesta atividade.
Quadro 1 – Alguns sinais matemáticos e números de 0 a 9 em braile
sinal de adição (+) número 4
sinal de multiplicação (x) número 5
sinal de igual (=) número 6
sinal de número número 7
número 1 número 8
número 2 número 9
número 3 número 0
Fonte: Baseado no Instituto Benjamin Constant - IBC, 2007.
4.2 Desenvolvimento das seqüências didáticas
Na fase da experimentação da seqüência didática, o processo avaliativo deu-se
continuamente, por meio de um diário de campo, foram registradas as observações
voltadas para a motivação, agilidade e atitudes em relação à realização da atividade
proposta. A professora acompanhou fazendo perguntas, argumentando e orientando
as alunas. Estes registros são de extrema importância, pois é o que garante a
proximidade dos resultados com a análise teórica.
4.3 Situação didática proposta as alunas
A atividade proposta às alunas apresentou-se em quatro etapas. Nas etapas I e
II foram desenvolvidas as noções de multiplicação através da adição. Na etapa III foi
utilizada para as operações de observação, atenção e raciocínio lógico-matemático,
base para o desenvolvimento etapa IV, onde se trabalhou o cálculo mental.
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4.3.1 Etapa I da atividade
Foram entregues, a cada aluna, uma bandeja por vez, totalizando ao final dez
bandejas por aluna. A cada bandeja entregue foi solicitado as alunas que
colocassem dois cubos. Cada vez que acrescentavam mais uma bandeja com mais
dois cubos, as alunas eram questionadas da seguinte forma: “Quantas vezes temos
dois cubos?”.
A resposta foi apresentada pelas participantes oralmente e logo após,
registraram no papel com a utilização da reglete e do punção, através da adição de
parcelas iguais o que estavam visualizando. Observa-se nas figuras 5 e 6 as
participantes realizando a etapa I da atividade.
Figura 5 – Aluna D desenvolvendo a etapa IFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Figura 6 – Aluna F desenvolvendo a etapa IFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Seguem nas figuras 7 e 8 as respostas em braile das alunas ao final das dez
bandejas entregues.
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Figura 7 – Respostas da aluna D na operação de adição de parcelas iguaisFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
22
Figura 8 – Respostas da aluna F na operação de adição de parcelas iguaisFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
A cada bandeja entregue as alunas verificaram através do tato a quantidade de
bandejas já existentes, mas para realizarem as anotações solicitaram auxílio à
professora para escrita.
A atividade, neste instante, transcorreu de maneira individual entre as
participantes, de modo que as alunas não trocaram conhecimento referente o
sistema braile.
Observando as respostas das alunas, cabe ressaltar, que o que se encontra
destacado em cada linha, são os erros apresentados na escrita em braile das
participantes, desta forma temos na figura 9 a visualização das respostas corretas
respectivamente.
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Figura 9 – Respostas corretas na operação de adição de parcelas iguaisFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Como o objetivo proposto nesta etapa foi que as alunas encontrassem outra
forma de realizar a adição de parcelas iguais, de modo que não ficasse tão extensa
conforme foi apresentado na figura 9 acima. Foi solicitado que estabelecessem ao
final, uma relação de cada registro realizado com a operação da adição com a
correspondente na multiplicação, como segue nas figuras 10 e 11.
Foi necessário, neste instante, o auxilio do professor na interpretação das
idéias e na formação do conceito de multiplicação, expondo que “x” é o sinal
utilizado para esta operação, que o número dois (quantidade de cubos em cada
badeja) é o número que se repete (multiplicando) e que a quantidade de bandejas é
o número de repetições (multiplicador).
Sugeriu-se que as alunas lessem o que já estava registrado e contassem
quantas vezes tinham o número dois em cada registro da adição.
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Figura 10 – Respostas da aluna D naoperação de multiplicaçãoFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Figura 11 – Respostas da aluna F naoperação de multiplicaçãoFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Observando as respostas das alunas, o que se encontra destacado significam
os erros, que podemos confrontar com as respectivas respostas corretas na figura
12.
25
Figura 12 – Respostas corretas na operação de multiplicaçãoFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Com a etapa I concluída, prosseguimos desenvolvendo a etapa II da atividade,
onde mostramos de outra maneira que a soma de parcelas iguais pode ser
representada com a multiplicação.
4.3.2 Etapa II da atividade
Nesta etapa, o número de bandejas foi fixa o que aumentou foi o número de
cubos em cada bandeja. Ou seja, a quantidade de cubos em cada bandeja é o
número que se repete (multiplicando) e a quantidade de bandejas é o número de
repetições (multiplicador).
Foram entregues a cada aluna duas bandejas. Solicitou-se que colocassem um
cubo de cada vez nas mesmas, respectivamente, até obterem um total de dez cubos
em cada bandeja. Conforme foram colocando os cubos nas bandejas, foi feito o
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questionamento do total de cubos que havia e solicitado que registrassem no papel
com reglete e punção, o que realizaram através da adição fazendo de imediato o
comparativo com a multiplicação. Observa-se nas figuras 13 e 14 as participantes
realizando a etapa II da atividade.
Figura 13 – Aluna D desenvolvendo a etapa IIFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Figura 14 – Aluna F desenvolvendo a etapa IIFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Seguem nas figuras 15 e 16 as respostas das alunas ao final dos dez cubos
em cada bandeja.
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Figura 15 – Respostas da aluna D na operação de adição e multiplicaçãoFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
28
Figura 16 – Respostas da aluna F na operação de adição e multiplicaçãoFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Observando as respostas das alunas, o que temos destacados são os erros
apresentados que podemos comparar com as respectivas respostas corretas na
figura 17.
Ressaltamos que nesta etapa, não houve também troca de conhecimento entre
as participantes referente o sistema braile.
29
Figura 17 – Respostas corretas na operação de adição e multiplicaçãoFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Ressaltamos que para a construção da tabuada do 3, os procedimentos foram
os mesmos nas etapas I e II.
4.3.3 Etapa III da atividade
Depois de desenvolvida o processo de construção da tabuada, partimos para a
representação da multiplicação através da soma de parcelas iguais com o material
dourado. Foi solicitado que as alunas efetuassem a multiplicação com o material
dourado, representando as parcelas e a resposta final de cada operação em
unidade, dezena, centena e unidade de milhar. Nas figuras 18 e 19 consta as alunas
desenvolvendo esta etapa.
30
Figura 18 – Aluna D desenvolvendo a etapa IIIFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Figura 19 – Aluna F desenvolvendo a etapa IIIFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Enfatizou-se, nesta etapa, a troca de dez cubos por uma barra, dez barras por
uma placa e de dez placas por um cubo grande (cubão).
No quadro 2 são exemplificados cálculos desenvolvidos pelas alunas,
utilizando a operação de multiplicação.
Quadro 2 – Exemplos de cálculos de multiplicação
Exemplos unidade(s)
de milharcentena(s) dezena(s) unidade(s)
a) 3 x 18 = 54 5 4b) 2 x 23 = 46 4 6c) 3 x 43 = 129 1 2 9d) 2 x 54 = 108 1 0 8e) 3 x 65 = 195 1 9 5f) 2 x 104 = 208 2 0 8g) 3 x 625 = 1.875 1 8 7 5
Fonte: Autoria própria, 2007.
31
Nesta etapa, a cada passo desenvolvido foi solicitado que as alunas
expressassem oralmente o que estavam realizando. Elas discutiam entre si cada
decomposição dos números e das respostas finais.
4.3.4 Etapa IV da atividade
Após os cálculos realizados com o material dourado, os mesmos foram
desenvolvidos no sorobã, para termos exatidão nas respostas e desenvolver o
cálculo mental. As figuras 20 e 21 mostram a realização desta etapa pelas alunas.
Figura 20 – Aluna D desenvolvendo a etapa IVFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Figura 21 – Aluna F desenvolvendo a etapa IVFonte: acervo pessoal da autora, 2007.
Seguem os exemplos que as alunas demonstraram ter mais dificuldade com os
respectivos passos para realizar o cálculo no sorobã, o restante dos exemplos com
os procedimentos vide APÊNDICE D.
a) Exemplo a, onde 3 x 18 = 54 = 5 dezenas + 4 unidades:
− registrar na borda esquerda, o multiplicando, número 18;
32
− registrar no centro o multiplicador, número 3;
− multiplicar 3 com 8 unidades, temos 24 = 2 dezenas + 4 unidades;
− registrar na borda direita, no primeiro eixo 4 unidades;
− registrar na borda direita, no segundo eixo 2 dezenas;
− multiplicar 3 com 1 dezena, temos 30 = 3 dezenas + 0 unidade;
− juntar na borda direita, no primeiro eixo 4 unidades já existentes com 0
unidade, temos 4 unidades;
− juntar na borda direita, no segundo eixo 2 dezenas já existentes com 3
dezenas, temos 5 dezenas;
− conclui-se como resultado o número 54.
b) Exemplo e, onde 3 x 65 = 195 = 1 centena + 9 dezenas + 5 unidades:
− registrar na borda esquerda, o multiplicando, número 65;
− registrar no centro o multiplicador, número 3;
− multiplicar 3 com 5 unidades, temos 15 = 1 dezena + 5 unidades;
− registrar na borda direita, no primeiro eixo 5 unidades;
− registrar na borda direita, no segundo eixo 1 dezena;
− multiplicar 3 com 6 dezenas, temos 180 = 1 centena + 8 dezenas + 0
unidade;
− juntar na borda direita, no primeiro eixo 5 unidades já existentes com 0
unidade, temos 5 unidades;
− juntar na borda direita, no segundo eixo 1 dezena já existente com 8
dezenas, temos 9 dezenas;
− registrar na borda direita, no terceiro eixo 1 centena;
− conclui-se como resultado o número 195.
c) Exemplo g, onde 3 x 625 = 1.875 = 1 unidade de milhar + 8 centenas + 7
dezenas + 5 unidades:
− registrar na borda esquerda, o multiplicando, número 625;
− registrar no centro o multiplicador, número 3;
− multiplicar 3 com 5 unidades, temos 15 = 1 dezena + 5 unidades;
− registrar na borda direita, no primeiro eixo 5 unidades;
− registrar na borda direita, no segundo eixo 1 dezena;
− multiplicar 3 com 2 dezenas, temos 60 = 6 dezenas + 0 unidade;
33
− juntar na borda direita, no primeiro eixo 5 unidades já existentes com 0
unidade, temos 5 unidades;
− juntar na borda direita, no segundo eixo 1 dezena já existente com 6
dezenas, temos 7 dezenas;
− multiplicar 3 com 6 centenas, temos 1800 = 1 unidade de milhar + 8
centenas + 0 dezena + 0 unidade;
− juntar na borda direita, no primeiro eixo 5 unidades já existentes com 0
unidade, temos 5 unidades;
− juntar na borda direita, no segundo eixo 7 dezenas já existentes com 0
dezena, temos 7 dezenas;
− registrar na borda direita, no terceiro eixo 8 centenas;
− registrar na borda direita, no quarto eixo 1 unidade de milhar;
− conclui-se como resultado o número 1.875.
As alunas realizaram esta etapa com o auxilio do professor, que as orientou
nos exemplos a, e e g, devido a dificuldade apresentada na soma de valores já
existentes nos eixos.
Ao término desta etapa concluímos a situação didática proposta as
participantes. Seguimos para a terceira fase do trabalho, que tem por objetivo a
validação dos resultados obtidos.
5 VALIDAÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS
A motivação com que as alunas participaram da realização da atividade, nos
faz refletir quanto a utilização do material concreto como apoio na construção de
conceitos matemáticos por alunos com deficiência visual. O fato de se ter um aluno
cego em uma classe regular, não impede de desenvolver um pensamento de
igualdade no processo de ensino.
As alunas relataram que o primeiro contato que tiveram com o material
dourado, sorobã e o sistema braile foi na Associação dos Deficientes Visuais de
Canoas - ADEVIC e posteriormente na escola. Na ADEVIC, os conteúdos estudados
na escola, são revisados através de aulas de reforço. Discorreram também que
aprenderam a tabuada através da memorização com o professor da ADEVIC e que
em especial este conteúdo matemático foi desenvolvido com diversos materiais
concretos com a professora da escola.
A cada etapa realizada, observou-se que a aluna F não conseguiu manter a
concentração para realizar a atividade proposta, principalmente quando
desenvolvida utilizando a escrita, trocando os pontos na cela braile, mas demonstrou
mais agilidade ao manusear a material dourado e o sorobã. Já a aluna D,
concentrou-se mais na escrita e apresentou dificuldade nos cálculos desenvolvidos
mentalmente.
Nota-se que os erros apresentados na escrita em braile não se tratam de saber
a posição correta dos pontos na cela braile, mas sim devido à extensão do que
necessitavam escrever. Fazendo um comparativo entre a etapa I e II, cujo objetivo
em ambas era a construção da tabuada, mas de formas diferentes, observou-se
muito mais erros na etapa I do que na etapa II. Desta maneira torna-se aconselhável
aplicar a etapa I apenas verbalmente, não tornando o processo de aprendizagem tão
extenso e cansativo, procurando despertar mais interesse nas alunas.
35
Outro aspecto que vale salientar é a quantidade de bandejas utilizadas na
etapa I, por se tratar de um material leve, eram muitas vezes movimentadas sem
que a aluna quisesse e devido suas dimensões ocuparam muito espaço ao serem
manuseadas. Recomenda-se, neste caso, a utilização de recipientes menores um
pouco mais pesados ou que possam ficar fixos a algum tipo de base.
Na etapa III, quando as alunas passaram a ter contato com o material dourado
completo, ou seja, cubos, barras, placas e cubo grande, mostraram satisfação ao
manipular o material. Da mesma forma foi com a utilização do sorobã, na etapa IV,
onde demonstraram o que já sabiam, mas apresentaram um pouco de dificuldade,
relatando que não lembravam muito bem como desenvolver a operação da
multiplicação.
Quanto ao uso do material dourado, podemos considerar que houve um ganho
para o desenvolvimento do cálculo mental, pois as dificuldades que as alunas
apresentaram para realizar os cálculos no sorobã buscaram suprimir com o auxílio
do material dourado.
Apesar das dificuldades apresentadas, ambas as alunas, demonstraram
interesse na atividade realizada, buscando obter as respostas corretas quando
erravam.
6 CONCLUSÕES
Com este trabalho constatou-se que o processo de inclusão de alunos com
necessidades especiais ainda está em fase de crescimento, pois muitas são as
dificuldades que passam as escolas, os professores e os próprios alunos. Para dar
continuidade a este crescimento, é de grande importância que o processo de ensino
e aprendizagem se desenvolva em um ambiente que respeite a diversidade humana,
evitando todo e qualquer tipo de discriminação.
Para o ensino dos alunos com deficiência visual, as escolas e os professores
ainda estão se adaptando a esta nova realidade, pois estes educandos necessitam
de instrumentos especiais como a máquina braile, reglete e punção, sorobã e
também diversos outros recursos adequados. Além disso, os alunos também
necessitam do apoio, compreensão e interesse de todo os docentes para
desenvolver suas habilidades e tornar-se um cidadão.
Com relação ao ensino da Matemática para alunos com deficiência visual,
percebeu-se a dificuldade em traçar um paralelo entre o conteúdo e sua visualização
concreta.
Assim, notou-se que explorar recursos didáticos concretos, para o ensino de
alunos cegos, na aprendizagem dos múltiplos com números naturais, identificando o
potencial de utilização dos mesmos no ensino da Matemática é um trabalho
fascinante e promissor.
A utilização do material dourado e do sorobã, como recursos didáticos no
ensino do algoritmo da multiplicação, nos fez concluir que são dois instrumentos que
auxiliam no raciocínio lógico referente ao sistema de numeração através da sua
própria operacionalização. Visto que, o material dourado auxilia na contagem para a
construção da tabuada e no desenvolvimento do cálculo, juntamente com o sorobã.
37
Ao levar este trabalho para a sala de aula, os alunos sentiram-se motivados,
pois possibilitou um trabalho autônomo que auxiliou na compreensão do conteúdo,
aumentando o interesse e a participação dos envolvidos.
A partir desta proposta de trabalho, buscou-se um melhor entendimento dos
múltiplos, de modo que a memorização não fosse necessária. Cabe ressaltar
também, que pode ser utilizada como recurso para outras atividades, pois embora
pareça um desafio, é um caminho novo, rumo a uma educação justa e igualitária
para todos os alunos.
REFERÊNCIAS
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39
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40
APÊNDICE A – Terminologia correta sobre deficiência
Segundo Sassaki,
Os termos são considerados corretos em função de certos valores econceitos vigentes em cada sociedade e época. Assim, eles passam a serincorretos quando esses valores e conceitos vão sendo substituídos poroutros, o que exige o uso de outras palavras. (2002, p. 6-9)
Seguem no quadro 3 alguns termos que se referem às necessidades
educacionais especiais e em específico às pessoas cegas:
Quadro 3 – Terminologia correta
TERMOINCORRETO JUSTIFICATIVA TERMO CORRETO
ceguinho o diminutivo significa que ocego não é uma pessoacompleta
cego, pessoa cega ,pessoa com deficiência
classe normal,escola normal,sala de aula normal
quando todas as escolasforem inclusivas não seránecessário adjetivá-las
classe comum ou regular,escola comum ou regular,sala de aula comum
necessidadeseducativas especiais
educativo é algo que seeduca, então necessidadesnão se educam
necessidadeseducacionais especiais
pessoas ditasnormais
o termo “ditas” contesta anormalidade das pessoas, oque é excessivo
pessoas sem deficiência
portadora dedeficiência
as pessoas não portam adeficiência, elas têm adeficiência
pessoa com deficiência
pessoas portadorasde deficiências -PPD’s
utilizar a sigla somente emcasos necessários
pessoas com deficiência -PcD
sistema inventadopor Braile
quando se refere ao inventor(Louis Braille), utiliza-se onome Braille
sistema inventado porBraille
sistema Braille,texto (escrita,livro,...) em Braille
Braille é utilizado somentequando se refere o LouisBraille. Usas-se braille, com“b” minúsculo e um ou dois “l”,conforme a forma original.
sistema braile ou braille,texto (escrita, livro,...) embraile ou braille
Fonte: Baseado em SASSAKI, 2002.
41
APÊNDICE B – Orientações quanto ao uso do sorobã
Referente à posição do instrumento:
a) o mesmo deve ser colocado sobre a mesa, sem que haja qualquer
inclinação;
b) o retângulo mais largo que é a parte inferior deve estar junto ao operador.
Referente à posição do operador:
a) os antebraços não devem ficar apoiados na mesa, ao contrário atrapalhará a
movimentação das mãos;
b) os dedos utilizados para movimentar as contas devem ser o indicador e o
polegar das duas mãos, sendo o indicador para baixar e levantar as contas
da parte superior e também para baixar as contas da parte inferior, já o
polegar é utilizado somente para levantar as contas da parte inferior.
Referente à escrita dos números se dá com a movimentação das contas junto à
régua:
a) quando todas as contas estiveram afastadas da régua estará escrito zero;
b) as contas do retângulo inferior valem uma unidade da ordem que
corresponde;
c) as contas do retângulo superior valem cinco unidades da ordem que
corresponde.
Segue também algumas observações:
a) a escrita deve ser feita, para qualquer número, a partir da sua ordem mais
elevada;
b) para numerais de dois ou mais algarismos, utiliza-se quantos eixos forem os
algarismos, separando-se as classes utilizando os pontos em relevo na
régua;
c) para representar um número isolado em qualquer parte do sorobã, escreve-
se a unidade à esquerda de um dos pontos em relevo;
d) para leitura, desloca-se suave e precisamente o dedo indicador sobre a
régua, a partir da direita, procurando localizar a ordem mais elevada,
contando os pontos separadores das classes, se for o caso.
42
APÊNDICE C – Breve histórico e utilização do sistema braile
O sistema braile foi criado na França por Louis Braille, é um código universal
de leitura e escrita tátil, utilizado nas mais diversas áreas do conhecimento. É
composto por um conjunto de seis pontos que corresponde a um número de 1 a 6,
dispostos em duas colunas, cada uma com três pontos apresentados em um
retângulo aproximadamente de seis milímetros de altura e três milímetros de largura.
Este conjunto de pontos é denominado “cela braile” e deve ser observada a
disposição dos pontos quanto a escrita e a leitura, conforme se observa na figura 22.
Figura22 – “cela braile”Fonte: acervo pessoal da autora, 2007.
O sistema braile apresenta 63 símbolos, sendo 27 utilizados para o alfabeto, 10
para os sinais de pontuação de uso internacional e os 26 restantes destinados às
necessidades de cada língua e abreviaturas.
A codificação acontece da seguinte maneira:
a) as dez primeiras letras (a – j) são formadas pelas combinações possíveis
dos quatro pontos superiores, ou seja, 1 – 2 – 4 – 5, codificando a 1ª linha,
b) as dez letras seguintes são as combinações anteriores acrescentando o
ponto 3, codificando a 2ª linha;
c) a 3ª linha é formada pelas combinações da 1ª linha acrescidas dos ponto 3 e
6;
d) para os números de 1 – 0, são utilizados os símbolos da 1ª linha precedidos
do sinal de número, formado pelos pontos 3 – 4 – 5 – 6.
A figura 23 exemplifica alguns símbolos do sistema braile.
leitura escrita
43
Figura 23 – Alguns símbolos do sistema braile Fonte: Baseado no Instituto Benjamin Constant - IBC, 2007.
Para a escrita do sistema braile, pode-se utilizar a reglete juntamente com
punção ou a máquina especial de datilografia. A leitura se dá através do toque e
deslize dos dedos indicadores sobre o relevo, onde se identifica cada símbolo do
sistema braile.
44
APÊNDICE D – Multiplicação com números inteiros registrados no sorobã
a) Exemplo b: 2 x 23 = 46 = 4 dezenas + 6 unidades:
− registrar na borda esquerda, o multiplicando, número 23;
− registrar no centro o multiplicador, número 2;
− multiplicar 2 com 3 unidades, temos 6 unidades;
− registrar na borda direita, no primeiro eixo 6 unidades;
− multiplicar 2 com 2 dezenas, temos 40 = 4 dezenas + 0 unidade;
− juntar na borda direita, no primeiro eixo 6 unidades já existentes com 0
unidade, temos 6 unidades;
− registrar na borda direita, no segundo eixo 4 dezenas;
− conclui-se como resultado o número 46.
b) Exemplo c: 3 x 43 = 129 = 1 centena + 2 dezenas + 9 unidades:
− registrar na borda esquerda, o multiplicando, número 43;
− registrar no centro o multiplicador, número 3;
− multiplicar 3 com 3 unidades, temos 9 unidades;
− registrar na borda direita, no primeiro eixo 9 unidades;
− multiplicar 3 com 4 dezenas, temos 120 = 1 centena + 2 dezenas + 0
unidade;
− juntar na borda direita, no primeiro eixo 9 unidades já existentes com 0
unidade, temos 9 unidades;
− registrar na borda direita, no segundo eixo 2 dezenas;
− registrar na borda direita, no terceiro eixo 1 centena;
− conclui-se como resultado o número 129.
c) Exemplo d: 2 x 54 = 108 = 1 centena + 0 dezena + 8 unidades:
− registrar na borda esquerda, o multiplicando, número 54;
− registrar no centro o multiplicador, número 2;
− multiplicar 2 com 4 unidades, temos 8 unidades;
− registrar na borda direita, no primeiro eixo 8 unidades;
− multiplicar 2 com 5 dezenas, temos 100 = 1 centena + 0 dezena + 0
unidade;
− juntar na borda direita, no primeiro eixo 8 unidades já existentes com 0
unidade, temos 8 unidades;
45
− registrar na borda direita, no segundo eixo 0 dezena;
− registrar na borda direita, no terceiro eixo 1 centena;
− conclui-se como resultado o número 108.
d) Exemplo f: 2 x 104 = 208 = 2 centenas + 0 dezena + 8 unidades:
− registrar na borda esquerda, o multiplicando, número 104;
− registrar no centro o multiplicador, número 2;
− multiplicar 2 com 4 unidades, temos 8 unidades;
− registrar na borda direita, no primeiro eixo 8 unidades;
− multiplicar 2 com 0 dezena, temos 0 = 0 dezena + 0 unidade;
− juntar na borda direita, no primeiro eixo 8 unidades já existentes com 0
unidade, temos 8 unidades;
− registrar na borda direita, no segundo eixo 0 dezena;
− multiplicar 2 com 1 centena, temos 200 = 2 centenas + 0 dezena + 0
unidade;
− juntar na borda direita, no primeiro eixo 8 unidades já existentes com 0
unidade, temos 8 unidades;
− juntar na borda direita, no segundo eixo 0 dezena já existentes com 0
dezena, temos 0 dezena;
− registrar na borda direita, no terceiro eixo 2 centenas;
− conclui-se como resultado o número 208.