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ARGUMENTOS, Ano 3, N°. 5 - 2011 148 A Revista de Filosofia Entre o ímpeto criativo e ação política: como pensar a educação a partir de Hannah Arendt e Nietzsche? Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFRN. Bárbara Romeika Rodrigues Marques * RESUMO Hannah Arendt e Nietzsche oferecem diagnósticos do presente: ela aponta a condição apolí- tica a que se encontram os humanos – quando da sobreposição das relações de produção e consumo ao primeiro plano; ele identifica na incultura moderna o engessamento do ímpeto criativo – tão caro à espécie humana. Ambos apontam a crise na Cultura e com ela a configu- ração da Educação em tempos sombrios. É com Hannah Arendt e Nietzsche que percebemos o risco que se submete o mundo moderno ao imperar em seu cerne o homem reprodutor de um saber estéril, técnico e que perdeu há muito a capacidade de agir junto à condição de pertencer ao mundo. Este texto acolhe o esforço reflexivo dos dois pensadores e propõe uma direção que evidencie a necessidade de pensar a Educação como essencial na formação de um novo homem. Palavras-chave: Educação; Criação; Ação; Arendt; Nietzsche. ABSTRACT Hannah Arendt and Nietzsche offer a Picture of the present: she draws the attention to the non-political condition which live the human beings - when the overlap of the relations of production and consumption to the forefront, he identifies in uncultured modern the crystal- lization of creative impetus - so important to the human species. Both address the crisis in the culture and with it the setting of Education in dark times. It is with Hannah Arendt and Nietzsche that we notice the risk that undergoes the modern world to reign in his heart the man as a breeder of an empty and technical knowledge, in which they lost in the long run, the ability to act as of belonging to the world. This text welcomes the thoughtful efforts of the two thinkers and proposes a direction which shows the necessity of thinking about education as essential in the formation of a new man. Key words: Education; Creation; Action; Arendt; Nietzsche.

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  • Argumentos, Ano 3, N. 5 - 2011 148

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    ista

    de

    Filo

    sofia

    Entre o mpeto criativo e ao poltica: como pensar a educao a partir de Hannah Arendt e Nietzsche?

    Programa de Ps-graduao em Filosofia da UFRN.

    Brbara Romeika Rodrigues Marques*

    REsumo

    Hannah Arendt e Nietzsche oferecem diagnsticos do presente: ela aponta a condio apol-tica a que se encontram os humanos quando da sobreposio das relaes de produo e consumo ao primeiro plano; ele identifica na incultura moderna o engessamento do mpeto criativo to caro espcie humana. Ambos apontam a crise na Cultura e com ela a configu-rao da Educao em tempos sombrios. com Hannah Arendt e Nietzsche que percebemos o risco que se submete o mundo moderno ao imperar em seu cerne o homem reprodutor de um saber estril, tcnico e que perdeu h muito a capacidade de agir junto condio de pertencer ao mundo. Este texto acolhe o esforo reflexivo dos dois pensadores e prope uma direo que evidencie a necessidade de pensar a Educao como essencial na formao de um novo homem.

    Palavras-chave: Educao; Criao; Ao; Arendt; Nietzsche.

    AbstRAct

    Hannah Arendt and Nietzsche offer a Picture of the present: she draws the attention to the non-political condition which live the human beings - when the overlap of the relations of production and consumption to the forefront, he identifies in uncultured modern the crystal-lization of creative impetus - so important to the human species. Both address the crisis in the culture and with it the setting of Education in dark times. It is with Hannah Arendt and Nietzsche that we notice the risk that undergoes the modern world to reign in his heart the man as a breeder of an empty and technical knowledge, in which they lost in the long run, the ability to act as of belonging to the world. This text welcomes the thoughtful efforts of the two thinkers and proposes a direction which shows the necessity of thinking about education as essential in the formation of a new man.

    Key words: Education; Creation; Action; Arendt; Nietzsche.

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    Para alm da empreitada de apurar em-bates e disparidades no legado filosfico de Nietzsche e Hannah Arendt, faz-se inteno, nesse texto, acolher a reflexo que ambos lanam a partir de suas experincias contex-tuais. E, com eles, e atravs do diagnstico apresentado, lanar entendimentos acerca das condies do mundo moderno, examinando, tambm, a configurao da Educao nesse nterim, onde lhe ressoam as possibilidades de pensar em como as coisas poderiam ser de outra forma. Todavia, naturalmente, procuran-do a sbria distncia daquele psicologismo de ordem emotiva que no serve como tratamento crtico de problemas educacionais. Afinal, se no com a Filosofia que o processo educativo pode ser pensado, tampouco todo o reconhe-cido esforo das pedagogias tem estrutura para manter-se firme nessa complexa tarefa. Entendendo que a atividade filosfica forne-ceu e fornece s geraes os meios para que pudessem pensar em suas prprias direes e prticas, nem necessrio que se justifique o momento em que se alia reflexo acerca do processo educacional-formativo. Dos fatos lanados, aleatrios no ressurgem antdotos para seus entraves mais abstrusos. Os impe-rativos que o mundo moderno empreende em seus indivduos constituintes dissipam-se com tamanha intensidade que s a reflexo filosfica adicionada, em sentido restrito, s metodologias formativas, pode fornecer um caminho a ser percorrido pelo pensamento dos mais sos. Nietzsche e Hannah Arendt, por exemplo, ao pensarem o mundo, no se esquivaram da ocupao elementar de se ater com os questionamentos vinculados aos valores da Educao, embora no lhe tenham sido esta uma ocupao central.

    Ademais, os hiatos entre o percurso arendtiano e nietzschiano no so poucos, mas tanto um quanto o outro pode ser galga-do para que a Educao possa ser conduzida, se entendemos que atravs dela que pode-mos pensar a formao de um novo homem. possvel vislumbrarmos a fora que insurge da necessidade de proporcionar ao humano os elementos interpretativos ao seu prprio tempo. Para que, ento, com a e a partir da crtica, a liberdade de um pensamento que no se agrega aos imperativos da tcnica e da sntese vigore com aquele entusiasmo que

    Nietzsche fez ecoar com vida prpria. Assim seria com a sugesto da retomada do homem intuitivo, aquele que mais instaura o sentir e o experimentar valores essencialmente hu-manos que, do contrrio, a atividade racional fez anular. Quando os ecos da afirmao do que representa ser humano vem a ressoar na filosofia de Nietzsche, quando a vida em potncia vem se insurgir contra valores sin-tticos das relaes mercadolgicas, com a voz de sua literatura filosfica que o processo educativo pode ser pensado. O que, afinal, teria Nietzsche a pronunciar a geraes que j no experimentam valores estticos origi-nais, quando da deturpao da prpria Arte mantida a servio das trocas comerciais? Em que medida a pressa mercadolgica do saber condicionado mantm encarcerado o homem que j no valida sua fora intuitiva e sua possibilidade de ser-mais? A figurao estilstica nietzschiana instaura, a partir dela mesma, a prpria fluncia e inconstncia que a atividade do pensamento perdeu quando sobreps os blocos conceituais a codifica-o e decodificao dos dados to neces-srios aos imperativos cientficos.

    Figurao que, em Hannah Arendt, por sua vez, aparece com outra roupagem e me-diante a sobriedade de argumentos certeiros: o sentido da poltica nesse palco de impe-rativos mercadolgicos que sua reflexo vai investigar. A ao poltica em um mundo que descarta at mesmo o pensamento crtico adicionada ao amor mundi quando no h interesse no cuidado com as geraes e em nada, alis, que extrapole a relao produo e consumo. Se Nietzsche faz valer o sentir, o expressar e se com Hannah Arendt que con-jugamos o agir e o pensar, o que suas filosofias tm a oferecer ao palco das vivncias huma-nas, se pensados atravs daquela atividade fatigada e que h muito o mundo moderno solapou aos seus interesses? E, afinal, se no a Educao a mediadora ou, antes, o alicerce de onde ressurja a valorao original dos inte-resses humanos, como legar humanidade a responsabilidade pelas geraes futuras?

    com Hannah Arendt

    Detectar a crise , antes, entend-la como momento imprescindvel para se ana-

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    lisar as prticas vigentes e ativar o questio-namento de como as coisas poderiam ser de outra forma. Assim o faz Hannah Arendt, quando fomenta uma reflexo a partir da condio do mundo moderno. seguinte o diagnstico: o mundo moderno solapou os valores clssicos e a liberdade confinou-se demarcaes individuais. A atitude poltica, que sem a liberdade nada significa, mantm-se confinada sombra de interesses deturpa-dos, manipulveis, mercadolgicos.

    Assim, quando o conhecimento alia-se sntese e tcnica, quando o pensar perde sua validade se no agregado aplicabili-dade cientfica, os valores do homem moder-no constituem e comprovam a deturpao do mundo que lhe acolhe. Na movimentao, pode-se avistar a cultura tropeando, s-frega, na prpria inexistncia de um espao para a reflexo. A pressa que se instaura nesse ambiente produtivo, esboa a prpria imagem desse mundo moderno: a necessi-dade de conjugar produo e consumo como imperativos, desvia do homem sua prpria humanidade. A educao, nesse meio, serve efemeridade do tempo que o da tcnica e do compasso. O til demanda todo o espao da apresentao e o sentido de ser do mundo ento sobreposto pelo puro estar-a. O dasein heideggeriano pode ento servir de contorno ao habitante do mundo moderno, para quem o acontecer nesse espao-mundo fato que encerra o prprio sentido. O que quer dizer refletir? O que o pensamento? Ser do mundo perdeu o sentido; o estar no mundo se assegura estritamente na manu-teno da vida biolgica. O ciclo do labor e a repetio de suas variantes geram no tempo, a ausncia de tempo. O homem moderno j no pode empenhar-se com pressupostos que o desviem da direo tracejada e o espa-o de vida que lhe abriga tem a medida que se configurar sinteticamente neste ciclo de produo e consumo. Hannah Arendt assim configura a ausncia de ao poltica para o ser a quem a condio do mundo moderno se instaura.

    No espao amostral de indivduos que no se ajustam a nenhum valor duradouro e antes se prendem aos imperativos do con-forto (da coleo dos produtos e artifcios tecnolgicos) os fatos podem livremente

    transitar entre a indiferena e a barbrie. Para pensar com Hannah Arendt: no h necessi-dade de romper com o ciclo bem arraigado do homem que centraliza sua vida nas relaes de produo e consumo, o animal laborans: o contingente humano cresce a largas esta-tsticas e a manuteno de todas essas novas vidas ocupa o espao-tempo necessrio a sua aplicabilidade contrria. No h porque pen-sar em ser do mundo porque, antes, no h tempo, interesse ou disposio para pensar alm do que fornece o leque comportamental dos indivduos da mesma espcie.

    Refletir, com Hannah Arendt, ento perceber tais condicionantes a que o ser hu-mano est submetido. E, ademais, quando a direo se estende da tentativa de resgatar o amor mundi a necessidade de visualizar o significado da ao em nosso meio, os elementos desse diagnstico configuram-se como a prpria atividade filosfica, se pode-mos entender a filosofia como reflexo sobre e no mundo. Se nada indica prontamente, o caminho de sua reflexo revela a condio a que est submetido o homem, quando ausen-tes a atividade crtica e a ao poltica.

    , pois, com o advento de ter nascido e para validar a habilidade humana de ins-taurar o novo, que a ao plural pode ser ento conectada. A natalidade, artifcio que consolidaria cada nascimento como a habili-dade de instaurar o novo e destinar ao mundo possibilidades humanas distintas daqueles que acompanham to somente a necessida-de de sobrevivncia, ento o modo como a conduo do pensamento arendtiano faz desembocar no amor mundi. Ora, o sentido da ao se instala na sensibilidade desta percepo. E a pluralidade se faz imperativa quando ao seu pano de fundo adiciona-se o cuidado com as geraes futuras.

    Assim, com o diagnstico e a partir dele, pensar a educao, atravs do caminho fornecido por Arendt, antes perceber que a necessidade do cuidado com as geraes futuras, no permitindo que os valores trans-mitidos atravs da tradio sejam desviados pelo imprio da valorao mercadolgica do mundo moderno. Se com Hannah Arendt que percebemos a runa de um mundo onde o arsenal do ter se sobrepe ao ser tambm partindo da necessidade de intervir nesse

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    processo que a educao pode ser pensada. , afinal, entendendo que outras questes se lanam alm da inteno elementar de saber por que Joozinho no sabe ler. (ARENDT, 2000, p. 227).

    Vale demarcar: pensar em educao pensar na pertinncia da autoridade e na necessidade que o processo educativo no venha a elimin-la como se faz inteno na juno pedagogia com psicologia moderna. com a autoridade do mestre que os valores da tradio so transmitidos e conservados. Autoridade que, com efeito, difere essencial-mente do autoritarismo, vem a instaurar a pertinncia da reflexo em um mundo cada vez mais bombardeado pela novidade, pela instrumentalizao do saber. Para reativar a percepo de cuidado com o mundo ou, antes, para fazer valer a ideia de cada nasci-mento como pertencente e atuante no cenrio de aes plurais que com Hannah podemos entender o papel da transmisso do saber. Entender e fazer ressurgir a pluralidade en-tre os habitantes e pertencentes ao mundo onde o processo educativo pode fixar suas bases, e ao legado arendtiano que podemos recorrer para que insurja a educao tal qual uma atitude frente o mundo de interaes hu-manas, dado o perigo de que a ao poltica venha a desaparecer do mundo de vez.

    Nesse percurso, a Nietzsche que tambm podemos recorrer quando vigora a necessidade de desviar do humano a con-dio sinttica de reprodutor dos valores do mundo moderno. Distantes da sistematiza-o dos dois pensamentos, tanto Nietzsche quanto Hannah Arendt mediam a reflexo que conduz a um novo homem, se por novo entendemos a renovao abarcada em cada nascimento e as infindveis possibilidades do pensar e do sentir.

    Se com o diagnstico que emerge a fora da ao reversa, a educao uma aliada na tomada de conscincia quer visualizamos de imediato a necessidade da atitude poltica frente ao mundo, quer enten-damos por necessidade primeira o trato com as potencialidades estticas e o afrontamento das pretensas metforas do conhecimento instrumentalizvel. Afinal, quando o conhe-cimento tcnico impe a demarcao de seus interesses e quando ao homem j no

    dado um saber que no se atrele ao ciclo bem enraizado da produo e consumo, educao cabe o esforo para que ela mesma venha a promover a conscincia que promova a atividade elementar de pensar. Sobretu-do sobre a prpria condio do tempo que esse pensamento est inserido e a partir do resgate da condio humana, que tanto em Nietzsche quanto Arendt se faz imperativo.

    com Nietzsche

    Em Nietzsche, tudo fora e mpeto. Quando investiga e critica a condio a que est submetido o mundo moderno, quando ataca a cultura do seu tempo, quando prope um retorno aos valores clssicos, seu pen-samento remete direta ou indiretamente preocupao com a formao de um outro ser humano. Com Zaratrusta, foi buscar nas mon-tanhas a recluso necessria ao pensamento original, mas suas falas no se estabelecem prontas e delimitadas. A voz que faz ecoar dentre um escrito ou outro, deixa entrever os imperativos do esprito livre, solcito da-quela liberdade to cara espcie humana: a condio de ser livre e vivenciar elementos estticos que no se filiem tcnica. E, ento, quando j quase no conseguimos separar o pensamento de sua respectiva aplicabili dade, ora comprometidos com a pressa moderna, ora quase esquecidos da prpria condio humana que a valida, Nietzsche apresenta a atividade de pensar por si e em si. Filosofar com um martelo sua tentativa de derrubar grandes crostas de certezas instauradas e fazer reaparecer aquela fluidez do homem grego que se perdeu quando a metfora foi-se enveredando resoluta.

    A tentativa original de propor ao pen-samento a crtica ao seu prprio tempo, a valorizao da vida e o experimento de validar o sentir esttico, encontra respaldo tambm em Nietzsche. por essa via que o desenho da cultura no mundo moderno pode ser intermediado e com ela uma investigao acerca do papel da educao.

    Entendendo todos os desvios e con-tratempos que a tarefa impe, pensar com Nietzsche pensar a partir da experincia de sua filosofia, e, descontados as incongrun-cias do intento, sugar-lhe o que se fizer trans-

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    correr a partir dessa impulso de afirmao da vida que foi sua maior arma. O leitor de Nietzsche logo percebe que seu pensamento crtica, acidez e fluncia, simultaneamente. Afinal, em si amostragem do exerccio da criatividade humana, quando ao pensar permitido aquela flexibilidade que o enges-samento racional desviou.

    Assim, talvez a melhor forma de iniciar uma referncia a Nietzsche, esquivados da tarefa biogrfica e da apresentao sucinta, seja mesmo pens-lo poeticamente quando com a poesia nos permitimos um distancia-mento do seu crcere analtico e formal. A poesia que, afinal e nem mais necessrio que se diga, perpassa toda a obra de Niet-zsche, desde seu aforismo mais sbrio, at a crtica menos contundente cerca-se do prprio estilo do fazer potico em um escrito intitulado Da pobreza do riqussimo: Hoje estendo as mos/ s sedues do acaso,/ bastante esperto para guiar, tapear o acaso,/ como uma criana./ Hoje quero ser hospita-leiro/ com o mal-vindo,/ contra o destino mesmo no quero ter espinhos. (Quatro Po-emas; in: NIETZSCHE, 1983, p. 405). O acaso, enfim, elemento a que se alia o sentir, quando ressoa a voz de um Zaratrusta que no vem anunciar o caminho, mas antes caminhos a que todos devem seguir.

    O autocaminho a que sugere o ha-bitante das montanhas sua forma de dire-cionar uma direo alm do bem e do mal e fazer valer, em cada um, a procura pelo melhor de si. Zaratrusta educador no solicita seguidores, no sintetiza a imagem de saber inabalvel, antes sugere a investida contra os mestres tal qual em Wittgenstein est a sugesto de jogar a escada fora depois de ter escalado atravs dela. Pensar a Educao, com Nietzsche, antes percorrer o caminho que traou com sua poesia e seguir uma dire-o que possibilite ao humano desvencilhar-se das amarras que a todo peso o mundo moderno vem instaurar.

    Ao incitar a consolidao do homem intuitivo, ao oferecer sua prpria vida e lite-ratura como experincia, e ao ser, Nietzsche, uma forte voz de combate crtico ao mundo moderno, sua filosofia se agrega ao esforo de pensar, junto com a educao, propostas para a instaurao de um pensamento livre,

    longe de todas aquelas amarras que apre-ende o seu foco em linhas demarcadoras advindas da sobreposio do uso da Razo. com ele que outra cultura pode ser pensada ou que outra relao da razo com o sujeito pode ser empreendida e a partir de ento seus derivantes.

    Dentro do contexto das vivncias con-temporneas, onde claramente se evidencia a educao direcionada ao conhecimento ins-trumentalizvel e direcionado a fins delimita-dos, a filosofia perde sua fora e mantm-se a cargo do que deveria ser-lhe oposio. Os impulsos vitais so afogados pelos ditames da razo e a capacidade criativa que haveria de constituir-se como essencial caracters-tica humana esquecida ou tem sua direo desvirtuada pelos valores morais. quando a crtica de Nietzsche vem a legitimar carncias que tambm so as nossas e que verificamos a cada vez que observamos nosso sistema educacional. Sua conduo filosofia dioni-saca fornece-nos uma fresta perante a ad-quirida inabilidade de expressarmos nossa marca humana demasiada descobertas, sentidos, experimentaes se assim no dispusermos dos meios financeiros para abarc-las atravs do ter.

    Com efeito, o homem cientfico en-contra-se contornado pelas imposies que submete e est submetido em seu tempo. Tem o corpo engessado pela necessidade de direcionar o conhecimento para fins pr-ticos: precisa a todo custo empreender o tempo que lhe cabe de vida atividade de codificar e descodificar a vigente dominao da tcnica. A excelncia com que o conhe-cimento sistemtico se alastra no contexto das relaes sociais dita o formato que deve ter o conhecimento. ento que se confla-gra a crtica nietzschiana educao de seu tempo por sobrepor a tcnica e estorvar a possibilidade humana de vivenciar os valores estticos ou, enfim, todos aqueles valores que se aproximam da experincia do sentir, da Arte ou, enfim, do que constitui os valores originalmente humanos.

    Com Nietzsche, entendemos que o co-nhecimento deve estar conectado ao conjunto das vivncias humanas, e, portanto, dizer que a Razo o aparato superior e com ela o conhecimento cientfico, desvirtuar uma

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    condio demasiada humana. Condio hu-mana: aquela, em suma, que se aproxima do mbito das experincias dos homens, e mantm acesa a chama do fazer criativo. O conhecimento, enfim, no pode ter por ob-jeto entidades ideais autnomas. Quando o homem direciona sua fora subjetiva caa das respostas ltimas, quando empreende com a linguagem a decodificao para o mundo e os conceitos se estabelecem en-fticos, a habilidade humana de instaurar o novo e valer-se da aleatoriedade que o sentir promove perde a direo. Assim, o que h um esquecimento: a linguagem arraigada e seus entroncamentos to bem estabelecidos desviam o que se faz corpreo e instintivo. Quando o esforo do homem est voltado apreenso incondicionada do conceito, ele j no pode legitimar a experincia criativa. O intento da tcnica racionalista, que se impe significativamente aos formatos do mundo moderno, configura o modo como o conhe-cimento deve vigorar em seu meio, fazendo do impulso inventivo recurso dispensvel. O conhecimento, dessa feita, condiciona-se s necessidades prticas das relaes humanas e a sua instrumentalizao se faz imperativa.

    consideraes Finais

    Pensar a Educao pensar na valora-o que esta atividade absorve, no mundo moderno. entender o que media, a quem serve, o que prov. , tambm, entender a lin-guagem dos procedimentos didticos, desti-nando ateno tentativa da pedagogia de promov-la da melhor forma possvel. Mas, sobretudo, percorrer os questionamentos da Educao no esquiv-la de originar o pen-samento crtico acerca dos valores vigentes na sociedade, para que atravs de suas vias a herana da tradio no se perca na ur-gncia mercadolgica. O legado arendtiano instaura suas bases na proposta que a ao no ceda lugar a uma elementar amostra-gem do comportamento humano. A atitude poltica h de ressurgir com a conscincia de sua necessidade para o bom funcionamento social e para o aprimoramento de cada ser que nasce para o mundo. , pois, no cui dado com as geraes que se sucedem que o ho-mem afirma sua condio humana. O senti-

    do de existir se assenta em ser do mundo e pensar a Educao pensar nessa condio elementar atravs de meios, possibilidades, interpretaes. achar o melhor lugar para cada vida que se fixa nesse espao-tempo e validar em cada nascimento a possibilidade de instaurar o novo, a mudana que entenda a si mesma e que tenha no pensamento suas bases mais slidas.

    Quando, sobretudo em nosso tempo, a atividade do pensamento cada vez mais se ausenta dos elementos intuitivos que lhe natural, e quando o potencial da fora huma-na est preso repetio das normas estabe-lecidas na modernidade, e mais se atrela aos ditames da sociedade de consumo, pensar a educao pensar sua aplicabilidade como antdoto a toda caracterstica moderna detec-tada por Nietzsche bem como por Hannah Arendt. O legado conceitual da filosofia do diagnstico j nos fornece elementos sufi-cientes para entendermos as configuraes do mundo moderno. Resta ento que, a partir do e com o aparato crtico, lancemos os germes do pensamento interpretativo nos meios que lhes so oferecidos. Para que, as-sim, o processo de formao humana esteja conectado afirmao da vida, vivncia esttica em sua experimentao e ao jogo demasiado humano de existir.

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