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ENTRELAÇANDO SIGNIFICADOS ENTRE TEXTOS E CONTEXTOS DO PROGRAMA UM
COMPUTADOR POR ALUNO – UCA EM SÃO JOÃO DA PONTA (PA) Tânia Elizette Pereira 1
Alcides Fernando Gussi 2
RESUMO Este artigo pesquisou a implementação do projeto UCA no município de São João da Ponta – SJP/PA. O trabalho insere-se na análise de políticas educacionais nas duas últimas décadas no país, que se voltaram sobre a necessidade de trazer para a escola as novas tecnologias digitais e diminuir a exclusão digital, além de modificar as práticas escolares diante de novos papeis que a tecnologia assume na sociedade contemporânea. Os resultados da pesquisa indicaram que o UCA não impregnou nas escolas beneficiadas e nem modificou a estrutura física destas, em contrapartida, foi potencialmente absorvido pela comunidade da sede de SJP. Palavras Chaves: Projeto UCA Total; Sociedade da Informação; Inclusão sócio-digital, Pesquisa etnográfica; São João da Ponta. ABSTRATC This article investigated the implementation of the UCA project in the municipality of São João da Ponta - SJP / PA. The work is part of the analysis of educational policies in the last two decades in the country, which focused on the need to bring new digital technologies to school and reduce digital exclusion. The results of the research indicated that the UCA did not permeate the schools benefited and did not modify the physical structure of these, but was potentially absorbed by the community of the headquarters of SJP. Keywords: New trends in learning with digital technology: 1:1 learning; Computer Uses in Education; Social Issues; Ethnographic research.
1 Estudante Pós. E-mail: [email protected] 2 Doutor. Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected]
1. INTRODUÇÃO
Este artigo é oriundo de minha dissertação de mestrado intitulada “Percorrendo
caminhos da inclusão digital: o Projeto um Computador por Aluno – UCA em São João da
Ponta (PA)”, que procurou compreender a implementação do projeto UCA no município de
São João da Ponta - SJP no estado do Pará, no contexto das políticas públicas
contemporâneas de inclusão digital na educação básica. Contextualmente, o artigo insere-
se na análise de políticas educacionais nas duas últimas décadas no país, que se voltaram
sobre a necessidade de trazer para a escola as novas tecnologias digitais e diminuir a
exclusão digital com o intuito, em última instância, de modificar as práticas escolares diante
de novos papeis que a tecnologia assume na sociedade contemporânea.
O programa UCA, em sua fase de projeto piloto, desenvolve-se em vários
estados brasileiros e, em alguns estados, fez-se a seleção de um município para fazer parte
do projeto UCA Total, em que todas as escolas da localidade receberam um laptop,
distribuídos para todos os alunos e professores. O estado do Pará foi um dos contemplados,
com 10 (dez) municípios participantes do piloto do projeto UCA, sendo 09 com a seleção de
apenas uma escola participante do projeto e 01 município com o projeto UCA Total onde
todas as escolas, tanto estaduais quanto municipais, foram contempladas com um laptop
para cada professor e aluno. As ações do projeto iniciaram no segundo semestre de 2010.
O projeto UCA possui entre seus objetivos diminuir a exclusão digital das
populações favorecidas. Nesse sentido, distribuir os laptops aos alunos em São João da
Ponta e possibilitar o acesso à internet já seriam fatores suficientes para analisar a inclusão
digital do projeto, sobretudo analisar as implicações sócio-digitais3 do UCA em SJP, objetivo
deste artigo.
Para tal análise devemos considerar, além do uso do computar e acesso a
internet, (SILVEIRA, 2001; NERI, 2003) outros fatores, como aprendizagem para uso do
computador e da internet de modo socialmente válido, na perspectiva de inclusão sócio-
digital (WARSCHAUER, 2006; BECKER, 2009; CYSNE, 2007; DEMO, 2005; SORJ, 2003).
Esta pesquisa teve o objetivo geral analisar a inclusão digital proporcionada pelo
projeto UCA aos seus participantes no município de São João da Ponta - PA. E, dentre as
várias abordagens de investigação qualitativas, optamos pela etnografia, por entendermos
que esta possibilitaria a “descrição da cultura ou de determinados aspectos dela” (BOGDAN;
3 Tomamos como categoria analítica norteadora do estudo a noção de inclusão sócio-digital, considerando que esta não se limita ao uso e manuseio do artefato tecnológico, possuindo a perspectiva de ir além, na medida em que possibilita ao indivíduo compreender melhor a sua realidade e, a partir deste entendimento, exercer a cidadania, uma abordagem pautada na ideia da inclusão social por meio da inclusão digital.
BIKLEN, 1994, p57). Nesse sentido, a pesquisa de campo de cunho etnográfico, teve o
intuito de realizar uma descrição narrativa do projeto UCA em SJP, considerando o contexto,
a cultura e os significados a ele atribuídos na localidade.
O artigo está divido em três itens: 1. Introdução onde discorro sobre o projeto
UCA e apresento o objetivo geral da pesquisa; 2. Desenvolvimento com o percurso
etnográfico onde apresento os objetivos específicos do estudo além do contexto do
município de SJP, as escolas do projeto UCA, os sujeitos, espaços e dimensões do UCA no
município pesquisado, por fim, apresentamos as três dimensões, deste estudo, para analisar
os processos de inclusão digital em SJP, que são aprendizagens, sociabilidades e
mudanças pelo UCA. E o item 3. Conclusão que entrelaça textos e contextos da inclusão
digital experiênciados pelo projeto UCA Total em SJP que possibilita compreender a
inclusão sócio-digital vivenciada pelo UCA no município.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 O percurso etnográfico da pesquisa sobre o UCA em SJP
O percurso etnográfico em SJP ocorreu no período de agosto de 2012 a maio de
2013. Nesse período foram feitas observações, anotações em diário de campo e registros
fotográficos nas escolas e na localidade e também foram realizadas conversas e entrevistas
com ex-estudantes, estudantes, gestores e famílias nos vários espaços do município.
De forma a analisar a inclusão digital proporcionada pelo projeto UCA aos seus
participantes no município de São João da Ponta, a pesquisa de campo em SJP, que teve
início no mês de agosto de 2012, foi realizada em três fases que são os objetivos
específicos da pesquisa: (i) verificação da existência de infraestrutura física, de conexão de
acesso e a disponibilidade de laptop, na escola e na comunidade de SJP para inclusão
digital dos participantes; (ii) compreensão de como estudantes e famílias (re) significam o
UCA e seus resultados em SJP; e, por fim, (iii) análise acerca da inclusão sócio- digital dos
participantes do projeto em SJP.
Assim, buscou-se informantes por meio das pessoas que ia se conhecendo na
cidade, como a dona da pousada, o dono da lanchonete da praça e sua esposa, pessoas
que ia conhecendo no restaurante da pousada na hora do almoço. Dessa forma, passou-se
os meses de agosto e setembro de 2012 conhecendo a cidade por meio desses novos
informantes, inserindo-nos na comunidade, quando observou-se os estudantes com o UCA4.
4 Todas as observações e conversas com os estudantes e ex-estudantes ocorreram de agosto de 2012 a maio de 2013.
Os primeiros meses (agosto, setembro e dezembro de 2012) foram importantes para
conhecer o contexto, geografia, cultura e infraestrutura da sede de SJP e encontrar
participantes.
No mês de março de 2013, fez-se a saída da sede do município de SJP rumo às
vilas mais longínquas e as mais próximas da sede de SJP de modo a conhecer e mapear
todas as escolas e vilas participantes do projeto. As primeiras observações e conversas com
os estudantes e ex-estudantes com o UCA nos espaços de SJP e também a ida a todas as
escolas do UCA em SJP foram importantes para a escolha da escola onde faríamos a
seleção de estudantes e suas famílias para entrevistas.
Para a pesquisa a escola selecionada foi a Estadual de Ensino Médio Antônia
Rosa, por considerar que nela a maioria dos alunos havia participado do projeto UCA desde
a sua implantação em 2010 e, portanto, tinham tido a experiência de levar o UCA para casa.
No mês de abril, foi aplicado o questionário e em maio de 2013, realizou-se a seleção e
entrevista dos estudantes e famílias. A todos os participantes foi entregue e assinado o
termo de consentimento para pesquisa.
A seguir, apresento os resultados que emergiram da pesquisa de campo
realizada em SJP.
2.2 O contexto: São João da Ponta
São João da Ponta – SJP é um município localizado na região nordeste do
estado do Pará, com aproximadamente 200 km de extensão, distante cerca de 3 horas da
capital, Belém. Este é um município pobre do estado do Pará com 5.038, sendo que 2.296
habitantes vivem em extrema pobreza. Os habitantes do município estão concentrados em
sua maior parte na área rural e observamos isso nos dados do último censo realizado em
que se verifica um total de 500 endereços urbanos contra 1.652 de endereços rurais, do
total de 2.522 dos endereços do município, segundo dados do IBGE (2009).
O município é uma típica cidade do interior possuindo uma praça principal que é
o ponto de encontro da população. Saneamento básico e asfalto existem apenas na rua
principal, onde ficam os principais órgãos públicos e na pequena região ao entorno da
praça. A economia do município gira em torno principalmente da agricultura familiar. Mesmo
com praticamente metade de sua população, vivendo abaixo da linha da pobreza, durante o
tempo de estadia no município não observamos violência, roubo ou assalto.
2.3 As escolas do Projeto UCA em SJP
Em São João da Ponta, as escolas públicas, municipais e estaduais, conforme
dados da prefeitura de 2013, reúnem em torno de 1.223 alunos e cerca de 80 professores.
São 14 escolas atendidas pelo projeto UCA, 13 municipais e 01 estadual. Deste total, 07
escolas ficam na área urbana, 05 na sede do município. Outras 07 escolas ficam na área
rural.
O município é formado por 10 vilas, dividido entre urbanas e rurais, mais a sede.
Para conhecer os loci do UCA em SJP, realizamos visitas a todas as vilas e escolas do
município no mês de março de 2013, com o objetivo de observar a inclusão digital
proporcionada pelo projeto.
Nessas visitas, observou-se especificamente a infraestrutura física e instalação
lógica e se havia ocorrido adequação do espaço físico das escolas; presença de armários
do programa para guardar os laptops do UCA; presença de carteiras do programa; se a
escola possuía sala de informática; número de salas de aula na escola e biblioteca; se havia
instalação de rede lógica e conexão a internet. Com os gestores, conversamos sobre como
havia sido a implantação do projeto UCA na escola e como estava, nos dias de hoje, o
andamento do programa procurando, entre outras questões, obter informações sobre o uso
do UCA pelos alunos e professores e também sobre a manutenção dos laptops.
E a partir das informações colhidas e anotadas no diário de campo verificou-se
que em nenhuma escola foi realizada a adequação de espaço físico, sendo que apenas
foram colocadas tomadas nas salas de aula. Muitas escolas não receberam carteiras
específicas para o projeto; a escola estadual Antônia Rosa, foi a única que recebeu
armário específico do programa em abril de 2013, mas que não estava funcionando devido à
diferença de voltagem do armário e da rede elétrica da escola.
Todas as escolas visitadas tinham instalação de rede lógica (mesmo as escolas
de Educação Infantil) e das 14 escolas visitadas, 06 possuíam conexão a internet, sendo 05
da zona urbana e apenas 01 da zona rural, nenhuma escola possuía biblioteca e a
manutenção dos laptops UCA deu-se ate 2012. Os gestores também informaram que no
início do projeto todos os alunos a partir da terceira série receberam o UCA.
Na área urbana, as escolas da sede possuem conexão a internet disponibilizada
pelo programa do governo estadual Navega Pará5, no entanto, alguns gestores relataram
problemas quando muitos alunos utilizavam a mesma rede. Além do sinal de internet outro
problema apresentado foi o suporte de energia para uso dos computadores.
Na zona rural, apenas 01 escola possui conexão feita pelo GESAC6, porém, o
sinal era de baixa qualidade, o que dificulta o desenvolvimento de ações de uso da internet
com o laptop UCA pelos professores e alunos em sala de aula.
5 O Navega Pará é um programa de inclusão digital do Governo do Estado do Pará, lançado em 2007, que tem a missão de levar a cidadania digital a populações desfavorecidas e promover a integração territorial (NAVEGA PARÁ, 2012). 6 GESAC - Programa do governo federal de inclusão digital que disponibiliza internet via rádio às regiões mais longínquas.
Já em relação à manutenção dos computadores, de acordo com o relato dos
gestores, foi feito, até 2012, por técnico contratado pela prefeitura. De acordo com os
gestores a grande maioria dos professores havia terminado o curso de formação do UCA.
2.4 Sujeitos, espaços e dimensões do UCA em SJP
Nesse momento, apresentamos os sujeitos do UCA, no município de SJP,
encontrados nos diversos espaços. São ex-estudantes, estudantes e famílias 7 . As
conversas com os estudantes e ex-estudantes foram realizadas sempre que encontrava um
aluno usando o UCA e aconteceram em diversos espaços. Os estudantes e ex-estudantes
encontrados nos locais além da escola foram encontrados na praça, próximo à escola, casa
ou em outro espaço como algum comercio, locais de bom acesso a internet. Nesse
contexto, ressaltamos que a internet é vista pelos sujeitos como parte de sua realidade e
seu uso adquire forma de acordo com as aspirações e/ou utilidades do sujeito.
Ao observar os usos do UCA 8 nos espaços públicos, os estudantes e ex-
estudantes encontrados a maioria não havia entregue o UCA para a escola e alguns não
eram da sede, pois vinham de vilas próximas principalmente captar o sinal de internet.
No próximo tópico, discorremos sobre aprendizagens e sociabilidade nos
diversos espaços da sede do município de SJP e as mudanças proporcionadas pelo UCA,
neste contexto, com os participantes da pesquisa. E, no sentido observar processos de
inclusão digital nas experiências pelo UCA Total em SJP, analisamos as informações
coletadas no campo em três dimensões : 1) aprendizagens pelo UCA; 2) sociabilidades em
rede; 3) e as mudanças econômicas, sociais e educacionais propiciadas pelo projeto em
SJP. Sobre elas e os seus resultados, discorremos a seguir:
Dimensão 1: Aprendizagens pelo Laptop do UCA em diferentes espaços.
7 Os sujeitos da pesquisa encontrados nos diversos espaços de SJP foram: o Ex – estudante CN, ex-estudante do ensino médio, morador da zona rural em Vila Açú; o Estudante EN, no qual ele e a família EN participaram da entrevista desta pesquisa, sendo estudante do 3º ensino médio, morador da sede de SJP, e a principal atividade com o computador era para uso em rede social e pesquisa; Ex - estudante JV, ex - estudante ensino médio, morador da zona rural na Vila Monte Alegre, cuja a principal atividade com o computador era para trabalho; o Estudante CS no qual ele e a família CS participaram da entrevista desta pesquisa, sendo estudante do 2º ensino médio, morador da sede de SJP, e a principal atividade com o computador era para uso em rede social e pesquisa; o Estudante NS no qual ele e a família NS participaram da entrevista desta pesquisa, estudante do 3º ensino médio, morador da sede de SJP, e a principal atividade com o computador era para uso em rede social e pesquisa; o Estudante JR no qual ele e a família JR participaram da entrevista desta pesquisa, sendo estudante do 3º ensino médio, morador da sede de SJP, e a principal atividade com o computador era para uso em rede social e pesquisa; e por fim o Estudante DM no qual ele e a família DM participaram da entrevista desta pesquisa, sendo estudante do 1º ensino médio, morador da sede de SJP, e a principal atividade com o computador era para uso em rede social e pesquisa.
1) Aprendizagens pelo UCA
Nessa dimensão, os diferentes tipos de aprendizagens propiciados pelo UCA em
diferentes espaços, como escola - praça – casa, com estudantes e ex- estudantes,
observando como aprenderam, se sozinhos, com o professor ou em grupo. E o que, de
fato, aprendeu.
Sobre as aprendizagens proporcionadas pelo UCA em diferentes espaços
escola, praça e casa no início do programa, antes de tomarem o laptop UCA, e atualmente,
obtivemos o seguinte quadro.
1.1. Aprendizagens na escola.
As primeiras experiências dos estudantes com o UCA se deram, para a grande
maioria na escola, com o professor de informática e na relação com os amigos neste
espaço, como exposto pelo estudante EM: “Lá na escola com os professores de informática,
mas depois um foi ensinando o outro e a gente aprendeu a mexer...”. Outro diz: “no início os
alunos não tinham muita facilidade pra usar o UCA, mas com o tempo foi melhorando”, falou
também que a escola tinha ministrado aulas de informática para os alunos e que ele havia
ensinado muitos colegas a usar o UCA logo no inicio do projeto, e que depois ensinou a
mãe e a esposa. (EX- ESTUDANTE JV).
As aprendizagens neste espaço estavam relacionadas principalmente a
pesquisa escolar. De acordo com os estudantes e também conforme observado na
pesquisa, hoje, o laptop UCA não é mais usado pelos professores na Escola Estadual
Antônia Rosa, justificado por integrantes da gestão escolar por diversos fatores como a
existência de poucos computadores funcionando aliado a falta de manutenção das
máquinas, falta de carregadores e também a alta rotatividade de professores.
1.2. Aprendizagens na Praça
A praça é lembrada como o principal local de acesso à internet no início do
programa, como relatado: “lá na praça ficava cheio de gente, o sinal ficava meio ruim é
verdade, mas era muito legal, a gente ficava até tarde, tinha pai buscando filho e tudo mais,
égua era muito legal ficar lá no computador conversando com o pessoal da escola”
(Estudante EN). A aprendizagem se dava principalmente na relação com o outro onde um
procurava ensinar ao outro o que havia aprendido em outros espaços.
Inicialmente, no espaço da praça, os principais usos do UCA pelos participantes
eram para entrar na internet, principalmente por conta do sinal de internet do Navega Pará
ficar bem na frente. Quando conectados na internet, o uso era variado, sendo pra baixar e
trabalhar em arquivos e principalmente ficar nas redes sociais a exemplo do Facebook,
Twitter e também You Tube. Hoje, poucos vão à praça e quando o fazem é mais para entrar
em rede social e tirar dúvidas sobre a manutenção dos laptops com outros colegas.
De acordo com os estudantes, pode-se dizer que a praça, no início, era um local
de grande aprendizagem e troca de experiências de uso do UCA, onde eles aprendiam em
grupo, servindo também para fazer novos amigos. Foi observado a partir das entrevistas
que a praça era o local de maior interação e trocas de experiências para além de uso
meramente instrumental do UCA.
1.3. Aprendizagens na casa
No início do programa, a casa era um local pouco usado pelos estudantes para
acessar a internet pelo UCA, devido ao sinal se concentrar principalmente nos arredores da
praça na sede SJP. Porém, no meio de 2011, houve uma ampliação do sinal de internet que
cooperou para este espaço se tornar o principal de uso do UCA pelos participantes.
Inicialmente, quem usava o UCA na residência usava para fazer pesquisa escolar e também
para entrar na rede social: “Ah! Eu olhava meu Orkut, Facebook e Twiter e também
pesquisa quando eu queria saber alguma coisa da escola” (ESTUDANTE JR).
Em casa foi o local principal de contato da família com o UCA. Nesse espaço, os
estudantes faziam a transposição dos conhecimentos adquiridos com o UCA, aprendidos
em outros espaços, como escola e praça, a membros da família. Em casa, o aluno
conseguiu difundir os conhecimentos aprendidos na escola e na praça aos pais e familiares,
sendo o principal elemento de inclusão digital da comunidade extraescolar, possibilitando a
“expansão dos espaços” de uso do laptop.
Dimensão 2: A construção de novas sociabilidades na rede
2) Sociabilidades em rede
Em relação às sociabilidades, verificamos com os participantes da pesquisa a
presença de sociabilidades on-line (CASTELLS, 2003), propiciadas pelo UCA e a internet,
que podem emergir do campo de pesquisa, observando também questões como isolamento
social do indivíduo, ruptura da comunicação social e da vida familiar, entre outros pontos,
apresentadas como perigos da internet pelos que a criticam. Observou-se que todos os
estudantes entrevistados participam de alguma rede social. As famílias também
desenvolveram novas sociabilidades. Os entrevistados colocaram que o UCA permitiu fazer
novo amigos, corroborando Castells9.
9 O autor diz que as sociabilidades em rede atuam como possibilitadora de maior interação social, onde os usuários da internet tendem a ter redes sociais maiores que os não usuários, e que a internet parece ter um efeito positivo sobre interação social, apresentando estudos que mostrariam que a internet aumenta a sociabilidade, não excluindo outros tipos de interação.
Nas conversas com as famílias sobre o comportamento dos estudantes no uso
do UCA, a maioria percebeu mudanças principalmente sobre o que eles chamaram de vício
do UCA. Outra questão presente refere-se às facilidades de comunicação que a tecnologia
pode proporcionar. Os efeitos na construção de sociabilidades para os participantes foram à
diminuição das distâncias geográficas, construção de laços na rede, manutenção de laços
on line e of line, além da percepção de novas formas de comunicação além das conhecidas
por eles, como telefone.
Dimensão 3: Mudanças e o UCA
3) Mudanças pelo UCA
Analisamos as mudanças proporcionadas pelo UCA com os estudantes, ex-
estudantes, famílias e gestores, a partir dos aspectos educacionais, sociais e econômicos
do projeto UCA, considerando para tanto os objetivos, finalidades e concepções do
programa (VALENTE, 2011).
As mudanças econômicas foram consideradas, a partir do uso UCA, para
melhorar a renda dos participantes da pesquisa e da comunidade do município. Para as
mudanças sociais, há indícios de transformações na realidade sociocultural da comunidade
de SJP e também mudanças de comportamento, atitudes e valores dos envolvidos. Por fim,
as mudanças educacionais serão consideradas, bem como as expectativas e se houve
modificações, transformações nos espaços e tempos escolares, e na prática escolar dos
professores pelos sujeitos da pesquisa.
3.1 Mudanças Econômicas em SJP
A pesquisa mostrou que, a partir do projeto UCA, alguns participantes
conseguiram desenvolver soluções de problemas no seu trabalho por meio do uso da
tecnologia: “A minha mãe, ela é responsável por uma loja, aí depois que aprendeu a usar o
UCA, eu ensinei também, mas ela fez curso lá na escola assistindo aula comigo, ela
informatizou a loja pra não perder cliente” (ESTUDANTE NS).
Alguns participantes usavam o UCA para trabalhar “O UCA era trabalho, pois era
de lá que sustentava a família produzindo adesivos” (ex-ESTUDANTE JV), este participante
trabalhava com desenhos gráficos de adesivos. Outros veem o UCA como fonte na busca
de trabalho.
3.2 Mudanças Sociais em SJP
O projeto UCA possibilitou aos estudantes e suas famílias novas formas de lidar
com o mundo real e abrir portas para novos sonhos, novas possibilidades, como exposto
pelo estudante JR “Modificou, depois do UCA a gente consegue ficar aqui mas ir em outros
locais, eu tô estudando mas quero ir pra Belém fazer uma universidade, não quero ter a vida
igual a da mamãe...”. Assim, o UCA e a internet possibilitaram aos estudantes o acesso a
informação.
Os participantes relataram que o projeto foi uma ferramenta importante por
proporcionar aos estudantes e toda a comunidade o acesso ao computador, internet e a
informação, facilitando ações como pesquisa escolar, pois no município de SJP não há
biblioteca, permitiu também o acesso a informações da própria comunidade.
Essas novas possibilidades despertaram nos estudantes aspirações e desejos
além de SJP. Nesse sentido, o programa apresentou novas formas de comunicação aos
moradores da sede, abrindo aos estudantes e familiares uma nova dimensão da vida social,
diminuindo distâncias geográficas, possibilitando também outras formas de comunicação
diferente das que eles conheciam.
3.3 Mudanças Educacionais em SJP
No início do programa UCA havia pelos estudantes, pais e gestores a
expectativa pelo novo, às impressões e sensações dos participantes eram no geral de que o
UCA seria uma experiência boa e que traria mudanças na escola com a possibilidade de
aprender mais.
Quanto às mudanças na escola e na prática escolar, por conta do UCA, alguns
estudantes expuseram que a principal mudança na prática escolar foi a troca dos livros
didáticos ou jornais pelo laptop como principal ferramenta para pesquisa escolar. Sobre o
preparo/formação dos professores para usar o UCA, foi relatado por estudantes que no
começo alguns professores não sabiam mexer direito no UCA. Isso pode ter cooperado para
não impregnação do projeto no espaço escolar.
3. CONCLUSÃO
Ao entrelaçar textos e contextos da inclusão digital pelo projeto UCA em SJP, os
resultados do trabalho apontam na direção que apenas a população da sede do município
teve acesso à internet com sinal mais constante e de relativa qualidade e o restante da
população foi alijado das primeiras fases para uma efetiva inclusão digital, que é o acesso
ao computador e internet (WARSCHAUER, 2006).
Pode-se dizer que os objetivos educacionais do UCA foram atingidos em parte,
onde a educação formal não foi potencialmente beneficiada em SJP, porém, a educação
informal foi de certa forma bem sucedida. Nota-se que o uso do UCA pelos participantes,
nos vários espaços além-escola, permitiu o desenvolvimento de outras habilidades indo
além da categoria técnica que seria a destreza no manuseio do computador e do acesso a
internet (LEMOS;COSTA, 2005).
Sobre o UCA e a inclusão digital em SJP, as etapas e os critérios de
implementação do projeto UCA não foram considerados no município de SJP, onde primeiro
ocorreu a entrega dos laptops aos estudantes para, em seguida, se dar a formação os
professores. Some-se a isso, a não adequada infraestrutura física e de conectividade para
receber o projeto em todas as escolas.
Tomando os indicadores de WARSCHAUER (2006), acerca da Inclusão Sócio
Digital – ISD, temos o seguinte situação, as escolas rurais e a grande maioria das vilas
urbanas de SJP não tiveram acesso nem mesmo a inclusão digital baseada no acesso ao
computador e internet. As escolas urbanas e a comunidade da sede foram potencialmente
beneficiadas pelo UCA, onde percebemos indícios de letramento digital pelos participantes
(WARSCHAUER, 2006). Porém, o projeto não impregnou na escola sendo potencialmente
absorvido pela comunidade.
Sobre a inclusão digital construída pelos diversos atores no contexto urbano no
município de SJP, e como estes (re)significam o UCA e seus resultados, pode-se dizer que
a inclusão digital do UCA permite sim a inclusão dos participantes na sociedade da
informação porém, esta é uma inclusão que mantém as desigualdades e que não leva a
pensar a construção da igualdade nessa sociedade (BECKER, 2009), quiçá no contexto de
SJP. Pelo contrário: trata-se de inclusão que, tímida, mantém as mesmas condições de vida
dos beneficiados, porém despertando novos desejos, sonhos e aspirações - nem sempre
realizados - a partir de referências globais advindas da conexão em redes (SORJ, 2003).
No UCA, a questão da portabilidade do computador é um elemento central
pensado de forma a romper com a estrutura da escola tradicional (BRASIL, 2008;2009), mas
esta ruptura estaria relacionada, de acordo com as concepções pedagógicas do projeto, à
questões pedagógicas de ensino e aprendizagem para a flexibilização dos tempos escolares
(BRASIL, 2009), não que a inclusão digital da família não fosse algo esperado com esta
mobilidade. Porém, o que temos em SJP é que, aquilo que era para ser apenas uma
consequência, se tornou um dos principais resultados do projeto UCA no município, qual
seja, a inclusão digital da família dos estudantes beneficiados pelo projeto.
Em síntese, o UCA Total, constitui, em seus próprios termos, um projeto
educacional com objetivos econômicos, sociais e educacionais tendo a escola como lócus
principal de atuação. Em SJP o projeto atingiu seus objetivos econômicos e sociais, mas
não os educacionais dentro do espaço escolar com a perspectiva de melhoria da qualidade
da educação com a imersão de estudantes e professores numa cultura digital. Entretanto,
possibilitou outras aprendizagens nos vários espaços da sede de SJP aos estudantes, ex-
estudantes envolvidos e seus familiares.
Dito isso se pode considerar que, no espaço além-escola, na comunidade da
sede de SJP, há indícios de uma tímida mas presente inclusão sociodigital dos variados
sujeitos envolvidos.
REFERÊNCIAS
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