entrevista com josé carlos libâneo _ nogueira david _ pensar a prática

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09/02/2015 ENTREVISTA COM JOSÉ CARLOS LIBÂNEO | Nogueira David | Pensar a Prática http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/view/8/2613# 1/8 SISTEMA ELETRÔNICO DE EDITORAÇÃO DE REVISTAS/OPEN JOURNAL SYSTEMS Ajuda do sistema/Journal Help USUÁRIO/USER Login Senha Lembrar usuário Acesso IDIOMA/LANGUAGE Português (Brasil) FERRAMENTAS DE ARTIGOS Imprimir artigo Como citar este documento Política de Avaliação Enviar artigo via email (Restrito a usuários cadastrados) Email ao autor (Restrito a usuários cadastrados) CONTEÚDO DA REVISTA Pesquisa/Search Todos Pesquisar Procurar/Browse Por Edição/By Issue Por Autor/By Author Por Título/By Title Outras revistas/Other journals TAMANHO DE FONTE INFORMAÇÕES Para Leitores/For Readers Para Autores/For Authors Para Bibliotecários/For Librarians CAPA SOBRE ACESSO CADASTRO PESQUISA/SEARCH ATUAL ANTERIORES NOTÍCIAS RESUMOS DE TESE Capa > v. 1 (1998) > Nogueira David ENTREVISTA JOSÉ CARLOS LIBÂNEO PERSPECTIVAS DE UMA PEDAGOGIA EMANCIPADORA FACE ÀS TRANSFORMAÇÕES DO MUNDO CONTEMPORÂNEO* A revista Pensar a Prática tem o privilégio de começar este seu primeiro número entrevistando o Dr. José Carlos Libâneo, um dos maiores pensadores brasileiros que tem dedicado todo o seu tempo a refletir sobre a formação de professores, na defesa intransigente da consolidação de uma escola pública de qualidade em nosso País. Suas reflexões sobre didática e prática de ensino e sobre a própria perspectiva críticosocial dos conteúdos escolares certamente o colocam entre os mais importantes teóricos progressistas da educação nos últimos tempos. A sua preocupação com a prática pedagógica pode ser confirmada pela sua dissertação de mestrado em filosofia da Educação, em 1984 na PUC/SP. Nesta mesma Universidade, em 1990, ele defende sua tese de Doutoramento, que versa sobre os fundamentos teóricos e práticos do trabalho docente. Suas obras mais conhecidas são a Democratização da Escola Pública A pedagogia críticosocial dos conteúdos (1984) e Didática (1990). Libâneo é bastante conhecido em nosso meio educacional pelas profundas contribuições teóricas que vêm produzindo na área, articulando a reflexão crítica sobre a natureza históricosocial dos conteúdos de ensino e a própria didática de transmissão destes conhecimentos na perspectiva de uma metodologia que objetive – de forma competente – a emancipação históricocrítica dos alunos no processo de ensino e aprendizagem no interior da escolarização. Para se ter uma idéia da atualidade de seus conhecimentos e de seus compromissos com o projeto político pedagógico da escola e com uma nova perspectiva para a educação brasileira em tempos de globalização, convidamos os nossos leitores a esta pequena incursão nas suas idéias e reflexões, gentilmente expostas por Libâneo na entrevista concedida à nossa Revista. PP:Professor Libâneo, num momento em que se fala muito em crise de paradigmas científicos, morais, éticos e na própria crise da educação, que papel a escola deve desempenhar no mundo contemporâneo? Libâneo: Meu ponto de vista é o de que o mundo contemporâneo pede uma participação ainda maior da escola. Se valorizávamos a escola num momento em que tínhamos mais certezas em relação aos seus objetivos pedagógicos e políticos, especialmente na luta contra as desigualdades e a marginalização social, hoje ela aumenta de importância. O mundo de hoje passa por transformações profundas nas esferas da economia, da política, da cultura, da ciência. Do lado econômico conjugamse os avanços científicos e tecnológicos na microeletrônica, bioenergia, informática e meios de comunicação, com a globalização da economia que é, na verdade, a mundialização do capitalismo. Essa associação entre ciência e técnica acabaram por propiciar mudanças drásticas nos processos de produção e transformações nas condições de vida e de trabalho em todos os setores da atividade humana.* * Essas mudanças mexem diretamente com a escola. Mudanças na produção afetam a organização do trabalho e o perfil de trabalhador. Com as transformações técnicas (informatização, sistemas de comunicação, maior automação), modificamse as profissões, reduzse o trabalho manual, aumentase a necessidade de trabalhadores com mais conhecimento e melhor preparo técnico, de um trabalhador com mais cultura, mais polivalente, mais flexível. É evidente que tudo isso implica em valorizar a educação geral, propiciar novas habilidades cognitivas e competências sociais e pessoais. É esse tipo de escola que o capitalismo está precisando, uma escola com objetivos mais compatíveis com os interesses do mercado. No meu entender, os trabalhadores também precisam de novas bases para o ensino, inclusive levando em conta essas mudanças de que estou falando, mas de um ensino orientado por uma pedagogia da emancipação. Eu penso que os educadores de esquerda, os educadores socialistas, precisam investir nisso que estou chamando de uma pedagogia emancipadora, que leve em conta as transformações do mundo contemporâneo. Mesmo porque elas não são apenas econômicas, elas são também culturais, éticas, filosóficas. Por exemplo, qualquer professor mais atento às coisas sabe que os avanços na informática e nos meios de comunicação mexem direto com seu trabalho, os próprios alunos levam o seu cotidiano, a rua, a cidade, a televisão, os problemas para a classe. A vida contemporânea afeta as práticas de convivência humana, as pessoas estão mais isoladas e mais egoístas, há muito mais violência, as crianças estão mais impacientes e mais dispersivas na sala de aula. Outra coisa: hoje estamos cercados de informação via meios de comunicação, por causa dela compramos certas coisas e não outras, ligamos determinado programa de televisão, compramos certas marcas de tênis, de roupa, apoiamos o candidato que tem mensagens mais convincentes sejam elas verdadeiras ou não. Ela desperta nas pessoas necessidades e desejos que muitas vezes nem podem ser satisfeitos e isso pode gerar revolta, frustração. Estou dizendo essas coisas para insistir nessa idéia de que a informação é uma força poderosa

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  • 09/02/2015 ENTREVISTACOMJOSCARLOSLIBNEO|NogueiraDavid|PensaraPrtica

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    Capa>v.1(1998)>NogueiraDavid

    ENTREVISTA

    JOS CARLOS LIBNEO

    PERSPECTIVAS DE UMA PEDAGOGIA EMANCIPADORA FACE STRANSFORMAES DO MUNDO CONTEMPORNEO*

    A revista Pensar a Prtica tem o privilgio de comear este seu primeiro nmero entrevistando oDr. Jos Carlos Libneo, um dos maiores pensadores brasileiros que tem dedicado todo o seutempo a refletir sobre a formao de professores, na defesa intransigente da consolidao deuma escola pblica de qualidade em nosso Pas. Suas reflexes sobre didtica e prtica de ensinoe sobre a prpria perspectiva crticosocial dos contedos escolares certamente o colocam entreos mais importantes tericos progressistas da educao nos ltimos tempos. A sua preocupaocom a prtica pedaggica pode ser confirmada pela sua dissertao de mestrado em filosofia daEducao, em 1984 na PUC/SP. Nesta mesma Universidade, em 1990, ele defende sua tese deDoutoramento, que versa sobre os fundamentos tericos e prticos do trabalho docente. Suasobras mais conhecidas so a Democratizao da Escola Pblica A pedagogia crticosocial doscontedos (1984) e Didtica (1990). Libneo bastante conhecido em nosso meio educacional pelasprofundas contribuies tericas que vm produzindo na rea, articulando a reflexo crticasobre a natureza histricosocial dos contedos de ensino e a prpria didtica de transmissodestes conhecimentos na perspectiva de uma metodologia que objetive de forma competente a emancipao histricocrtica dos alunos no processo de ensino e aprendizagem no interior daescolarizao. Para se ter uma idia da atualidade de seus conhecimentos e de seuscompromissos com o projeto poltico pedaggico da escola e com uma nova perspectiva para aeducao brasileira em tempos de globalizao, convidamos os nossos leitores a esta pequenaincurso nas suas idias e reflexes, gentilmente expostas por Libneo na entrevista concedida nossa Revista.

    PP:Professor Libneo, num momento em que se fala muito em crise de paradigmas cientficos, morais,ticos e na prpria crise da educao, que papel a escola deve desempenhar no mundo contemporneo?Libneo: Meu ponto de vista o de que o mundo contemporneo pede uma participao aindamaior da escola. Se valorizvamos a escola num momento em que tnhamos mais certezas emrelao aos seus objetivos pedaggicos e polticos, especialmente na luta contra as desigualdadese a marginalizao social, hoje ela aumenta de importncia. O mundo de hoje passa portransformaes profundas nas esferas da economia, da poltica, da cultura, da cincia. Do ladoeconmico conjugamse os avanos cientficos e tecnolgicos na microeletrnica, bioenergia,informtica e meios de comunicao, com a globalizao da economia que , na verdade, amundializao do capitalismo. Essa associao entre cincia e tcnica acabaram por propiciarmudanas drsticas nos processos de produo e transformaes nas condies de vida e detrabalho em todos os setores da atividade humana.**

    Essas mudanas mexem diretamente com a escola. Mudanas na produo afetam a organizaodo trabalho e o perfil de trabalhador. Com as transformaes tcnicas (informatizao, sistemasde comunicao, maior automao), modificamse as profisses, reduzse o trabalho manual,aumentase a necessidade de trabalhadores com mais conhecimento e melhor preparo tcnico,de um trabalhador com mais cultura, mais polivalente, mais flexvel. evidente que tudo issoimplica em valorizar a educao geral, propiciar novas habilidades cognitivas e competnciassociais e pessoais. esse tipo de escola que o capitalismo est precisando, uma escola comobjetivos mais compatveis com os interesses do mercado. No meu entender, os trabalhadorestambm precisam de novas bases para o ensino, inclusive levando em conta essas mudanas deque estou falando, mas de um ensino orientado por uma pedagogia da emancipao.Eu penso que os educadores de esquerda, os educadores socialistas, precisam investir nisso queestou chamando de uma pedagogia emancipadora, que leve em conta as transformaes domundo contemporneo. Mesmo porque elas no so apenas econmicas, elas so tambmculturais, ticas, filosficas. Por exemplo, qualquer professor mais atento s coisas sabe que osavanos na informtica e nos meios de comunicao mexem direto com seu trabalho, os prpriosalunos levam o seu cotidiano, a rua, a cidade, a televiso, os problemas para a classe. A vidacontempornea afeta as prticas de convivncia humana, as pessoas esto mais isoladas e maisegostas, h muito mais violncia, as crianas esto mais impacientes e mais dispersivas na salade aula. Outra coisa: hoje estamos cercados de informao via meios de comunicao, por causadela compramos certas coisas e no outras, ligamos determinado programa de televiso,compramos certas marcas de tnis, de roupa, apoiamos o candidato que tem mensagens maisconvincentes sejam elas verdadeiras ou no. Ela desperta nas pessoas necessidades e desejos quemuitas vezes nem podem ser satisfeitos e isso pode gerar revolta, frustrao.Estou dizendo essas coisas para insistir nessa idia de que a informao uma fora poderosa

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  • 09/02/2015 ENTREVISTACOMJOSCARLOSLIBNEO|NogueiraDavid|PensaraPrtica

    http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/view/8/2613# 2/8

    que nos domina e domina especialmente a grande maioria das pessoas que est afastada doconhecimento. Porque informao e conhecimento no so a mesma coisa. O conhecimento oque possibilita a liberdade intelectual e poltica para as pessoas darem significado informao,isto , julgla criticamente e tomar decises mais livres e mais acertadas.Outra coisa importante que a globalizao e as transformaes tcnicocientficas foram ospases mais pobres ou menos ricos a adequarem suas polticas econmica, educacional, de sadeetc. aos interesses do capitalismo mundializado. Ora, esses interesses esto voltados para o lucro,para a competividade. A competitividade s pode seguir a lgica do mercado, que poucointeressa em considerar o desemprego, o aumento da pobreza, a degradao da qualidade devida, a degradao dos servios pblicos. Alm disso, h problemas globais que atingem todosos pases como a devastao ambiental, o desequilbrio ecolgico, o esgotamento dos recursosnaturais, os problemas atmosfricos.O que isso tem a ver com a educao? Tem tudo a ver. Privar os grupos sociais pobres ouempobrecidos da educao, da sade, dos benefcios sociais ampliar ainda mais o contingentede excludos. Por isso, h que se perguntar em que grau, efetivamente, os pases ricos e osorganismos financeiros internacionais, de fato, interessamse por uma formao geral econtinuada para todos. Podese dizer, quando muito, que a centralidade da educao, enquantoinstncia de sistemas organizados de produo de conhecimento e informao, valorizadaexclusivamente em funo da reorganizao dos processos produtivos e da competitividadeeconmica. Quem estiver fora disso, adeus. Alis, alguns consultores de grandes empresasinternacionais tambm esto assustados com o fato de a internacionalizao do capital estarprovocando maior concentrao da riqueza, mais privilgios, mais excluso social.

    PP: Voc, ento, continua valorizando a escola, mesmo neste momento de crise da educao. Queprioridades precisam ser atendidas pela escola dentro de uma proposta de educao emancipadora?Libneo: Eu venho propondo quatro objetivos para a escola de hoje. Vou nomelos emseqncia, mas eles formam uma unidade, a realizao de um depende da realizao dos outros.O primeiro deles o de preparar os alunos para o processo produtivo e para a vida numasociedade tecnocientficainformacional. Significa preparar para o trabalho e tambm para asformas alternativas do trabalho. Para isso, preciso investir na formao geral, isto , nodomnio de instrumentos bsicos da cultura e da cincia e das competncias tecnolgicas ehabilidades tcnicas requeridas pelos novos processos sociais e cognitivos. Na prtica, refiromea contedos (conhecimentos, conceitos, habilidades, valores, atitudes) que propiciem uma visode conjunto das coisas, capacidade de tomar decises, de fazer anlises globalizantes deinterpretar informaes, de trabalhar em equipes interdisciplinares etc.Em segundo lugar, proponho o objetivo de proporcionar meios de desenvolvimento decapacidades cognitivas e operativas, ou seja, ajudar os alunos nas competncias do pensarautnomo, crtico e criativo. Este o ponto central do ensino atual, que deve ser considerado emestreita relao com os contedos, pois pela via dos contedos que os alunos desenvolvem acapacidade de aprender, de desenvolver os prprios meios de pensamento, de buscarinformaes.O terceiro objetivo a formao para a cidadania crtica e participativa. As escolas precisam criarespaos de participao dos alunos dentro e fora da sala de aula em que exercitem a cidadaniacrtica. preciso retomar iniciativas de organizao dos alunos dentro da escola, inclusive parauma ao fora da escola, na comunidade. Insisto na idia de uma coisa organizada, orientadapela escola, em que os alunos possam praticar democracia, iniciativa, liderana,responsabilidade.O quarto objetivo a formao tica. urgente que os diretores, coordenadores e professoresentendam que a educao moral uma necessidade premente da escola atual. No estoupregando o moralismo, a doutrinao. Estou falando de uma prtica de gesto, de um projetopedaggico, de um planejamento curricular, que programe o ensino do pensar sobre valores.Minha proposta a formulao intencional, coletiva, de estratgias dirigidas ao ensino dascompetncias do pensar no mbito da educao moral, da tomada de decises. Penso que umbom comeo seria retomar nas escolas uma prtica muito comum: orientadores educacionaistrabalham com grupos de dez/quinze alunos nas chamadas sesses de orientao em grupoonde se debatiam questes morais: relacionamento com os colegas, sexo e namoro, justia,honestidade etc. importante que eu diga que competncias ticas, de valorar, decidir, agir, tema ver radicalmente com a prtica. Voc aprende a ser justo no apenas ouvindo algum dizer oque justia mas praticando justia no cotidiano, em cada momento e lugar. Por isso fundamental o projeto pedaggico, porque ele expressa as intenes da direo e dosprofessores, quer dizer, os propsitos educativos da equipe em relao aos objetivos comuns, organizao da escola, disciplina e tambm aos objetivos e prticas no campo tico: asolidariedade, o respeito s diferenas e diversidade cultural, a justia, a honestidade, apreservao ambiental, a paz, a busca da qualidade da vida.So algumas pistas, muito simples, mas que na minha opinio so pontos mnimos de umprograma assertivo de carter democrtico. Em resumo, eu proponho investir na capacitaoefetiva para empregos reais e na formao do sujeito poltico socialmente responsvel.

    PP: Esses objetivos gerais so suficientes? A escola no est competindo em condies desiguais, porexemplo, com os meios de comunicao e com a informtica?Libneo: verdade, inclusive h muita gente achando que agora, com a informtica e os meios decomunicao, a escola acabou mesmo. Eu at escrevi um artigo cujo ttulo : Profisso,professor ou Adeus professor, adeus professora? Veja bem, uma pergunta, no umaafirmao. Eu defendo ardorosamente a escola e os professores, embora saiba das imensasdificuldades de seu funcionamento em nosso pas. Eu falei, antes, de grandes objetivos, soexpectativas bastante ambiciosas e reconheo que h contradies entre essas expectativas e aprecariedade de condies concretas e de meios colocados. Mas eu quero apostar na superaodessas contradies.

  • 09/02/2015 ENTREVISTACOMJOSCARLOSLIBNEO|NogueiraDavid|PensaraPrtica

    http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/view/8/2613# 3/8

    Minha idia em relao educao escolar continua sendo a de apostar na centralidade doconhecimento, nos contedos em sentido amplo de conceitos, habilidades, valores. Mas pensoque a escola precisa sair de seu isolamento, abrirse para a sociedade global, para a cidade, paraa cultura das crianas, numa articulao mais precisa entre escola e meio social, cultural,profissional, econmico, ecolgico. E ao mesmo tempo que precisa reforar seu papel deformao geral e preparao tecnolgica, privilegiando conhecimentos e habilidades de base,precisa diferenciarse de outras instituies educativas como famlia, meios de comunicao,organizaes culturais ou assistenciais.Tenho falado bastante numa idia que transformar a escola num espao de sntese. A escolaseria o lugar de sntese entre a cultura experienciada que ocorre na famlia, nos grupos devizinhana, na cidade, nos meios de comunicao etc. e a cultura formal, os contedos, o ensino.Hoje as coisas j acontecem mais ou menos assim, ainda de forma meio desconexa. A televiso eoutros meios informativos j entram na sala de aula mesmo com ou sem a participao doprofessor, porque os alunos j trazem uma cultura midiatizada, a meninada pobre, rica,remediada est impregnada das mdias, quer dizer, dos meios de comunicao. Alm dateleviso, a cidade intervm pelas suas instituies cvicas e sociais, as praas, as ruas, apropaganda, o lazer mas tambm pela violncia, pelos problemas sociais. A escola no substituiessa rica prtica educativa proveniente de contextos informais, mas ela deve conectarse comeles. Ver a escola como espao de sntese considerla como lugar onde os alunos aprendem arazo crtica para poderem atribuir significados s mensagens e informaes recebidas de fora,dos meios de comunicao, da cidade. Quero dizer que a escola tem o papel de prover ascondies cognitivas e afetivas para o aluno desenvolver suas prprias capacidades para poderreordenar e reestruturar essa cultura recebida de fora, que uma cultura em mosaico,fragmentada. uma outra maneira de falar em construo e reconstruo de conhecimentos. A professora Vani Kenski, da Unicamp, fala isso de uma maneira muito adequada. Ela dizque as informaes vm de forma global e desconexa, atravs de mltiplos apelos dos meios decomunicao. o caso da televiso, por exemplo. E o que a escola precisa fazer? aproveitaressa riqueza de recursos externos, reorganizar essas informaes, orientar as discusses, ensinaros alunos a estabelecer distncias crticas do que veiculado, prover elementos para uma leituracrtica e ordenada dessas informaes. isto que chamo de funo reestruturante e organizadoradas informaes e aportes culturais recebidos dos meios de comunicao e outras prticaseducativas, fazendo a sntese entre a cultura formal e a cultura experienciada dos alunos.Resumindo, a escola brasileira, especialmente a escola pblica, no poder ainda desfazerse deum papel provedor de informao. Entretanto, aos poucos, pode ir se tornando cada vez maisuma estrutura possibilitadora de atribuio de significados da informao, propiciando aosalunos os meios de buscla, analisla, para daremlhe significado pessoal.Mas se a escola precisa mudar, os professores precisam mudar com ela e esta no uma tarefaapenas dos professores mas dos governos federal e estaduais. Provavelmente o ponto maiscrtico da educao brasileira hoje seja a valorizao da profisso e a poltica de formao deprofessores. Nenhuma melhoria da educao escolar ir acontecer se no tivermos professorescom salrios convidativos, competitivos. Hoje ningum quer ser professor de ensinofundamental e mdio. E os governos ainda acham que ser professor uma misso, umsacerdcio. No adianta absolutamente nada o governo colocar a nfase no ensino bsico,melhorar o livro didtico, dar merenda, divulgar os PCN, se no combinar tudo isso com avalorizao da profisso de professor, salrios, carreira e um programa nacional de formao erequalificao de professores. Precisamos de professores competentes no domnio da matriaque ensina, dos mtodos, dos procedimentos de ensino, da gesto da sala de aula, na capacidadede adquirir meios de pensamento autnomo e crtico, na capacidade de fazer uma leitura crticae contextualizada da realidade. Mas, antes disso, o professor precisa ter uma identidadeprofissional e isso impossvel sem valorizao do emprego de professor.

    PP: Voc acha, ento, que sob o prisma da didtica, no h riscos para a aprendizagem escolar a utilizaoda TV, vdeos e computadores na escola?Libneo: Ao contrrio, vejo imensas vantagens e imensas possibilidades. Mas veja bem, no setrata de uma iluso tecnoinformacional, do tipo achar que computador a grande sada. Li emalgum lugar a declarao de um desses papas da informtica, no o Bill Gates, mas um deles:o que est errado com educao no possvel ser corrigido com a tecnologia. Eu acho essadeclarao supersensata. A meu ver, as novas tecnologias da informao e da comunicaoprecisam urgentemente ser integradas nas escolas, mas sem excluso do professor e de outrasmediaes relacionais e cognitivas no processo de aprendizagem. As novas tecnologias soindispensveis na escola nas mos de um bom professor.

    Nisso eu acho fundamental introduzir nos currculos de formao inicial e na formaocontinuada de professores disciplinas e prticas sobre educao, comunicao e mdias e, ainda,sobre processos comunicacionais na escola e na sala de aula. Os professores precisam vencer aresistncia ao uso das mquinas e equipamentos eletrnicos, aprender sobre os meios decomunicao, desenvolver habilidades para o uso das mdias, mudar sua atitude em relao inovao tecnolgica em geral. As novas tecnologias da informao e da comunicao soportadoras de saberes, informaes, valores, idias, portanto, contribuem para a democratizaoda cultura e da cincia. Elas potencializam o processo comunicacional na sala de aula. Por isso,professores e professoras precisam saber tudo sobre vdeos, como discutir um filme ou umprograma cultural, CDrom, ensino atravs de computador, sobre rdio e televiso, sobre criaoe produo de programas, videoconferncia, teleconferncia etc.A professora Maria de Rezende e Fusari tem uma posio bem clara sobre esse assunto: os meiosde comunicao social, isto , as mdias e multimdias, compem o conjunto das mediaesculturais que caracterizam o ensino. Elas so, portanto, portadoras de idias, emoes, atitudes,habilidades e se transformam em objetivos, contedos, mtodos de ensino. Os meios de

  • 09/02/2015 ENTREVISTACOMJOSCARLOSLIBNEO|NogueiraDavid|PensaraPrtica

    http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/view/8/2613# 4/8

    comunicao aparecem na escola sob trs formas: como contedo escolar presente nas vriasdisciplinas dos currculos, como competncias e atitudes profissionais dos professores (porqueos professores so, tambm, comunicadores) e como meios tecnolgicos da comunicaohumana, visuais, cnicos, verbais, sonoros, audiovisuais.Para resumir minha opinio: ter na escola computador, vdeo, jornal, internet, educao distncia no suficiente. preciso que os professores incorporem esses meios comunicacionaiscomo contedos das aulas, que aprendam a trabalhar atravs deles, aprendam a dominar alinguagem televisual. A professora Mariazinha Fusari diz que os educadores escolares precisamdominar um saber sobre produo social de comunicao cultural e um saber ser comunicadorescolar com mdias e multimdias. Eu sei muito bem que isso no depende s dos professores,depende muito dos rgos do Estado que administram o sistema escolar, mesmo porque hmuitas escolas que precisam de coisas muito mais bsicas do que computador. Mas eu acho queos professores ganharo mais respeito profissional se se convencerem a buscar mais qualificaoprofissional.

    PP: Tendo em vista o processo de globalizao, o senhor acredita que existe alguma possibilidade concretade a escola pblica criar formas alternativas direcionadas para a formao da identidade cultural brasileira,superando ou mesmo resistindo s determinaes hegemnicas dos pases do primeiro mundo?Libneo: preciso ver a globalizao como uma tendncia real, mas no se pode fazer umraciocnio linear. Ela no ocorre por igual nem no mundo nem no Brasil. Temos aqui umagrande heterogeneidade econmica e social, disparidades regionais acentuadas. H mais de dezanos, em 1986, na IV CBE aqui em Goinia, eu defendia numa conferncia uma escola unitriabaseada no direito de todos de desfrutarem de uma base comum de cultura geral e de formaocientfica, isto , uma educao pblica nacional articulada com as diversidades regionais elocais. Continuo adepto desse ponto de vista e foi isso que me levou a apoiar os ParmetrosCurriculares Nacionais do MEC, inclusive porque colocaram explicitamente os princpios daflexibilidade curricular e da adequao local, de modo que a proposta no tivesse carter decoisa padronizada, algo imposto e uniforme.

    Voc fala da possibilidade de formas alternativas para a formao da identidade cultural. Euacho que elas so importantes, especialmente aquelas mais preocupadas com o mundo culturaldos alunos. uma tendncia forte no meio educacional, especialmente em educadores comformao sociolgica, essa idia de pensar um currculo bem aberto, a partir da anlise domundo cultural que envolve as pessoas da escola, dos saberes daquele grupo de alunos, porque essa cultura que expressa maneiras de agir, de sentir, de falar e ver o mundo. O pessoal dalingstica tem ido tambm por esse caminho.Essas idias, a meu ver, no so novas, apenas ganham hoje outra linguagem e at um tom psmoderno. Na verdade, Paulo Freire falava disso e a pedagogia crticosocial tambm. Mas euainda acho mais importante atacar os problemas prioritrios e atacar com solues abrangentes.Solues localizadas numa escola, num municpio, so pouco eficazes. No estou dizendo queno devamos partir da cultura vivida, do cotidiano. A cultura popular e todo o conjunto deconhecimentos e vivncias scioculturais trazidas pelos alunos formam o quadro de realidadedo qual qualquer aprendizagem parte. Mas essas vivncias locais, culturais precisam ligarse ereferirse ao contexto mais amplo da sociedade, que o mundo atual, cientifico, tecnolgico,planetrio, ecolgico. Vamos partir da realidade cultural da criana, da linguagem enquantoconstrutora de significados. Mas vamos, em seguida, colocar os alunos frente aos problemas edesafios do nosso tempo, vamos criar procedimentos seguros de ajudar os alunos a aprender, aformar conceitos, a desenvolver competncias do pensar. O saber , sim, instrumento de poder emuito mais para os que esto excludos.

    PP: Com a mundializao da economia, o fim do socialismo real, a queda do muro de Berlim, o avano docapitalismo asitico e, segundo alguns crticos, com a morte do marxismo etc. poderamos afirmar que apedagogia de esquerda est morta? Se no, de que pedagogia estamos falando?Libneo: De modo algum. H um certo espanto dos educadores com a fora do neoliberalismo, hum sentimento de que os educadores de esquerda ficaram meio acuados. Eu acho, primeiro, queo sistema escolar reage muito lentamente aos impactos detonados pelas foras sociais tipoglobalizao, sociedade da informao. claro que hoje o batevolta entre escola e sociedade bem mais rpido, mas ainda assim no h uma resposta imediata na escola em relao stransformaes na produo. Ou seja, h lugar para uma contraideologia, para propostasinovadoras, para novas formas de interveno. Penso que os problemas bsicos da escolapblica persistem, piorados. H um desigual desenvolvimento econmico e social do pas, umaprecria base tcnica e material, ausncia de polticas e diretrizes globais para a educaoescolar, precrio funcionamento das escolas, despreparo profissional generalizado doprofessorado, falta de carreira docente, baixos salrios etc. Nessas coisas, o que de fato mudouem relao realidade de uns dez anos atrs?

    Eu quero crer que continua em p uma pedagogia de esquerda. Ela tem hoje vrias faces, vriasmodulaes. H muitos educadores de esquerda buscando sadas. H vrias propostascirculando pelo pas afora. Voc tem, por exemplo, a Escola Plural em Belo Horizonte, a EscolaCandanga em Braslia, temos uma tradio de prticas inovadoras no Paran, em Pernambuco,no Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre, a escola cidad. Tenho certeza, tambm,de que h muitas escolas em Goinia, fazendo coisas timas, construindo o projeto pedaggicoem equipe, lidando criatividade com a comunidade, investindo na qualidade pedaggica dasaulas. Tenho certeza de que isso acontece em muitos lugares do Brasil.Penso que uma pedagogia de esquerda, uma pedagogia crtica, continua tendo como suporte desua teorizao ir raiz das contradies sociais. Os problemas, os dilemas, os desafios decorremde fato de interesses, antagonismos, disparidades presentes na dinmica das relaes sociais. verdade que tais contradies extrapolam muito o terreno das classes sociais, porque temos que

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    considerar hoje as contradies de etnia, gnero, religio, geraes, assim como a degradaoambiental, a fome, a violncia etc.Mas uma pedagogia de esquerda no pode ficar nas generalidades e nos discursos cheios deboas intenes mas vazios de exerccio prtico. Tambm no pode ficar de costas s mudanasdo mundo contemporneo. Uma pedagogia de esquerda precisa responder: que objetivos econtedos so necessrios para a preparao para o trabalho e para o mundo tecnocientficoinformacional? Como vou ensinar meus alunos as competncias do pensar? Como possomelhorar minhas prticas de comunicao com os alunos? Como utilizar vdeos, jogos, jornais,revistas, computador, para possibilitar acesso mais rpido e eficaz s informaes? Comomelhorar a qualidade cognitiva das experincias de aprendizagem dos meus alunos e coloclosem condies de competitividade com os filhos de famlias social e economicamenteprivilegiadas?Eu penso, ento, que preciso avanar para alm da crtica. H alguns anos, um pedagogonorteamericano, Henry Giroux, disse que, para repensar as alternativas democrticas para umaeducao emancipatria, os educadores precisavam dar um passo alm da linguagem da crtica.Eu acho isso. Temos tido uma frtil produo na nossa rea de crtica ao Estado, aoneoliberalismo temos anlises at bastante assertivas para novos projetos de esquerda. Essaspublicaes acertam no geral, mas tm dificuldades de lidar com o particular. Quero dizer queesses estudos chegam at porta da escola, mas no do conta do que acontece ali dentro. Esta uma tarefa dos pedagogos que, por sua vez, tm sido incapazes de explicitar objetivos,contedos, prticas, como respostas aos desafios colocados pelas novas realidades. Alis, no s a esquerda que vem sofrendo desse mal, isto , de ficar nas grandes anlises ou de trazersolues pela periferia do sistema escolar. A direita tende a uma viso tcnicoadministrativa dereforma, como alis ocorreu com a reforma educacional do regime militar nos anos 70. Isso querdizer nfase na gesto da escola dentro de um modelo de organizao empresarial, na eficciado sistema, na avaliao institucional externa. Sobra o espao para os psiclogos epsicopedagogos entrarem com mil e uma formas de construtivismos e, agora, com a intelignciaemocional.Da minha parte continuo lutando pela centralidade das questes pedaggicas nas escolas e salasde aula, do processo de ensino e aprendizagem e, portanto, da formao de professores.Podemos e devemos criticar o neoliberalismo, as relaes capitalistas de dominao, a luta poruma sociedade justa e igualitria, o respeito aos direitos humanos, vida, ao ambiente etc.Estou de acordo com tudo isso. Mas, em se tratando da escola, se o meu trabalho profissional epoltico na escola, ento ganha prioridade o ensino e aprendizagem, a qualidade dos serviosque a escola presta, a gesto da escola, o projeto pedaggico a servio do ensino.

    PP: Voc parece um tanto contrariado com os rumos do construtivismo. Qual sua opinio a esserespeito? E a teoria da inteligncia emocional tem futuro entre os educadores?Libneo: No sou contra o construtivismo mas contra sua oficializao e sua banalizao. Oconstrutivismo uma concepo psicolgica de desenvolvimento e aprendizagem que acentua aconstruo do conhecimento pelo aluno, a relao ativa entre o aluno e o objeto deconhecimento, a importncia da construo das estruturas cognitivas. uma teoria importante esem dvida muito til aos professores. O problema achar que o construtivismo resolve todosos males pedaggicos da escola. A professora Marilia Miranda, da UFG, tem estudado osexageros e os riscos da adoo do construtivismo no Brasil. Uma de suas crticas principais queuma verso atual do construtivismo transforma uma concepo psicolgica de inteligncia emprincpio educativo, ou seja, estaria de volta o psicologismo em educao.

    A difuso dessa concepo to grande que alguns Estados oficializaram o construtivismo. Emmuitos lugares falase aos professores para jogar fora tudo o que ele sabe e faz, porque agorachegou o construtivismo. Os professores passam a entender que o mtodo agora trabalhar comsucata, que no o professor que ensina, o aluno que constri seu conhecimento, que agorano mais necessrio livro didtico porque o que importa o saber da vida da criana etc. Euno acho isso certo. Sei que h muitos intelectuais srios que tm influenciado os professorescom seus livros e palestras, mas preciso que prestem ateno no que os professores fazem, como que dizem e com o mundo cultural da escola e do professor. Por exemplo, quando se diz que acriana aprende fazendo, que ela que constri seu conhecimento, o professor tem uma boajustificativa para livrarse do peso de seu despreparo terico e profissional. Agora no precisamais preocuparse com contedo, o professor no precisa mais ter autoridade na sala porque oque ele deve fazer s orientar os alunos. Acho que no assim que se faz uma escola e umensino de qualidade.Quanto teoria da inteligncia emocional, uma teoria recente difundida largamente por umautor chamado Daniel Goleman. O ttulo do livro diz assim: Inteligncia emocional: a teoriarevolucionria que define o que ser inteligente. Ele diz que os nossos sentimentos precisam serconsiderados em complementaridade com a nossa inteligncia. Isso no novidade, Piaget jhavia assinalado que afetividade e inteligncia so duas faces da atividade cognitiva, emborauma no se reduza a outra. O problema que eu vejo o modismo e o reducionismo, de achar queagora no precisa muito contedo, nem muita disciplina, o que precisa que as crianas sejamfelizes, que expressem seus sentimentos, que s vale o que d prazer. De repente os professorescomeam a dar explicaes fceis ao insucesso escolar, s dificuldades dos alunos com aaprendizagem, achando que isso est ligado aos sentimentos, s emoes deixando de lado opapel do ensino, dos contedos, da escola. Isso eu no acho certo. PP: O que a poltica neoliberal trouxe de pior para a educao e que contrape, no essencial, ao projetohistrico de uma escola pblica de qualidade social?Libneo: Vou responder sua pergunta de uma forma mais ampla. O projeto neoliberal forma umconjunto homogneo de princpios e diretrizes operacionais que interfere praticamente em todosos pases. Tratase, de fato, de um capitalismo mundia1izado. Os organismos internacionais tipo

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    OCDE, Banco Mundial, que formulam polticas de ajuste e de estabilizao, defendem a idia deque o desenvolvimento econmico, alimentado pelos avanos tcnicocientficos, garante, por sis, o desenvolvimento social. Da que a principal crtica que a esquerda faz ao neoliberalismo sua orientao economicista e tecnocrtica, desconsiderando as implicaes sociais e humanasdo desenvolvimento econmico.Mas acontece que a economia precisa tambm de polticas sociais. No caso da educao, ospases precisam reavaliar as instituies encarregadas de produzir conhecimento e informao.A reforma dos sistemas educativos, com isso, passou a constituirse prioridade. A partir daforam sendo formuladas as estratgias de reforma que, na maioria dos pases, giram em torno dequatro pontos: a gesto educacional, a profissionalizao dos professores, a avaliaoinstitucional e o currculo nacional. Estes quatro pontos esto imbricados: a poltica educacionalrecebe sua unidade pelo currculo, que precisa de professores para ser viabilizado, dentro deuma estrutura adequadamente gerida, com o suporte da avaliao institucional.Veja bem, praticamente todos os pases que fizeram reformas educativas pegaram estes quatropontos. Mas no so, de fato, questes cruciais de qualquer sistema educacional? Muitos de ns,desde o incio dos anos 80, temos lutado por vrios aspectos desses pontos. Por causa disso, asreformas educativas de tipo neoliberal tm confundido um pouco os educadores de esquerda.Ento, quando voc pergunta o que o neoliberalismo trouxe de pior para a educao, minharesposta precisa buscar o que est por detrs desses quatro pontos. Uma coisa bvia, por exemplo, a seguinte contradio. Os pases precisam compatibilizarseu sistema educativo com as exigncias do mercado e da globalizao da economia, mas, aomesmo tempo, a quantidade de investimentos deve ser compatvel com a reorganizao doEstado, dentro dos parmetros do neoliberalismo (reduo das despesas e do dficit pblico,congelamento de salrios etc.). Se voc pega esse raciocnio, fica fcil perceber o que esses quatropontos trazem de negativo. Os sistemas investem no que barato e eficaz, economizando nomais caro (pagar bem os professores, por exemplo). Com isso, a aplicao das reformas no temlevado ao atendimento das condies necessrias efetivao as mudanas educativas. Emvrios pases essa situao tem criado nos professores desconfiana, pessimismo efreqentemente ceticismo.Para no esticar muito o assunto dou dois exemplos. Todos sabemos da importncia daautonomia escolar quando falamos de gesto. Com a autonomia, os professores se envolvem eassumem um papel na construo da escola, fortalecem sua identidade profissional, criamvnculos mais estreitos com a comunidade, participam das decises etc. Mas por detrs daautonomia est a idia de descentralizao. Veja bem, a descentralizao, no sentido defortalecer a equipe de professores, de a escola poder decidir seu rumo, suas prticas, uma coisaboa a gente defende isso. Mas numa viso neoliberal, a descentralizao tem a ver com oenfraquecimento do Estado, porque tem cada vez mais dificuldade de gerir uma imensa redeescolar. Ento aparece o discurso da colaborao da comunidade, da autonomia junto com adiminuio do papel do Estado em bancar o sistema educacional. O que vale dizer que asresponsabilidades do governo e da sociedade civil se eqivalem. Eu j ouvi muitas vezesdiretores de escolas contarem que vo Secretaria da Educao falar de quadras de esporte,substituio de lmpadas etc. e a resposta que agora descentralizou, vocs tm que resolverisso na escola mesmo. claro que isso uma idia enganadora de descentralizao eautonomia. Outro ponto a profissionalizao dos professores. Ningum contra isso, inclusive condio para a reconfigurao da identidade profissional, uma vez que formao, salrio,carreira so ingredientes da valorizao da profisso. Afirmase que a formao geral dequalidade dos alunos depende de uma formao de qualidade dos professores. Mas, na prtica,as polticas de salrios, carreiras e formao so incompatveis com as intenes declaradas,imperando outra lgica, a economicista. Alm disso, h uma tendncia estandartizao daformao e do trabalho do professor (por exemplo, formao de professores na base detreinamento em tcnicas e habilidades, com pouca teoria), exigncia de mais trabalho, pressopara produzirem mais. Nesse caso, o discurso da profissionalizao aparece contra o professor.

    PP: Que importncia o senhor atribui ao projeto pedaggico da escola introduzido pela LDB e quais aspreocupaes que este modelo pode desencadear com objetivos, contedos e mtodos to diferenciados epulverizados em todo o sistema educacional?Libneo: Primeiro que tudo, a idia e a prtica do projeto pedaggico no so novas, muitos dens estimulam, h anos, o trabalho coletivo na escola. Naquele mesmo artigo que eu citeianteriormente, lembro que de 1986, eu escrevia mais ou menos o seguinte: um dos objetivospolticopedaggicos da escola unitria deveria ser a participao coletiva e coordenada dosprofessores e de todos os profissionais da escola. Ento eu acho que o projeto pedaggico umafrente ampla dos educadores de uma escola dando a direo de sentido para atividade escolarem busca de uma pedagogia da emancipao. Ele no um sistema de gesto, plano umacoisa, execuo outra, mas ele d o tom do sistema de gesto e de tomada de decises. Aformulao coletiva do projeto pedaggico tem a ver, portanto, com o valor formativo doambiente de trabalho.

    Eu acho essa idia muito forte. Quero dizer que o local de trabalho e as situaes de trabalho tmum potencial formativo. Os profissionais que trabalham na escola aprendem atravs daorganizao escolar. A organizao escolar tambm aprende, mudando junto com seusprofissionais. Ento, a idiachave esta: os indivduos e os grupos mudam, mudando o prpriocontexto em que trabalham.H riscos? verdade que as propostas neoliberais para a educao falam do projeto pedaggicocomo materializao da autonomia da escola. tambm verdade que em muitos lugares oprojeto pedaggico uma forma de desobrigar o Estado de atender as escolas, deixando aresponsabilidade aos professores, s famlias, comunidade. No outro extremo, ainda, correse orisco de pulverizar objetivos e contedos, medida que se restringe a um currculo local.

  • 09/02/2015 ENTREVISTACOMJOSCARLOSLIBNEO|NogueiraDavid|PensaraPrtica

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    Eu acho que tudo depende de uma concepo de projeto pedaggico bem segura, bem realista,bem sensata. O projeto tem, de fato, um contedo poltico forte seja direita seja esquerda.Autonomia absoluta iluso. Penso que o trabalho coletivo ser bem representado no projetopedaggico se as escolas derem conta de pensar junto e organizadamente: princpios comuns,objetivos comuns, sistema e prticas de gesto negociadas, unidade tericometodolgica dogrupo de professores, sistema explcito e transparente de avaliao do projeto.

    PP: Segundo os PCNs, a avaliao de conhecimentos deve ser aberta, visando sempre a uma aferioqualitativa da aprendizagem dos alunos plenamente articulada com o projeto pedaggico de cada escola, entretanto, o mesmo MEC, ao instituir o processo de controle dos resultados educacionais, estabeleceuma avaliao de natureza eminentemente quantitativa e externa ao processo de cada instituio. Como osenhor analisa tal contradio?Libneo: Eu no chamaria isso de contradio mas de ambigidade. Eu acho que a linha de aodo MEC tem acertos e erros.

    PP: Ao analisar os contedos, as metodologias e as diretrizes didticas sugeridas pelos ParmetrosCurriculares Nacionais a serem aplicadas na escola, que avaliao o senhor faz do ponto de vista dadidtica?Libneo: Eu falava que a profissionalizao do professor uma questo prioritria. H umafragilidade muito grande do sistema de formao. Minha impresso que em todo o pas osprofessores vm recebendo uma formao profissional muito precria nas disciplinas que irolecionar e no saber ensinar. A cultura geral do professorado frgil. claro que tudo isso tema ver diretamente com a descaracterizao da profisso, inclusive pelas condies de trabalho,salrio, jornada, carreira. Ento, minha primeira preocupao nem avaliar os contedos e asmetodologias sugeridos pelos PCNs, mas saber se os professores esto preparados para entenderos PCNs e trabalhar com os PCNs. Ento, antes ou junto com a implantao dos PCNs, eu pensoque seria necessrio um plano nacional de requalificao profissional de professores, decisesconvincentes sobre piso salarial de professores, plano de carreira, sistema nacional de formaoinicial e continuada, formas de acompanhamento do processo de implementao, alocao derecursos para aes de formao e requalificao.Agora, em relao didtica, acho essa disciplina indispensvel na formao do docente. Paramim, o domnio da didtica crucial, didtica e prtica de ensino junto. No adianta apenas oprofessor ter conscincia poltica, participar dos sindicatos. O professor precisa dominar eatualizarse nos conceitos, noes, procedimentos ligados matria (ou matrias, no caso doprofessor das sries iniciais) e precisa saber fazer, ter capacidade operatria que saber definirobjetivos de aprendizagem, saber selecionar atividades adequadas s caractersticas da classe,saber variar situaes de aprendizagem, saber avaliar aprendizagens nas vrias disciplinas,saber analisar resultados e determinar causas do fracasso, saber participar de uma reunio, termanejo de classe, saber usar autoridade, saber escutar, saber diagnosticar dificuldades dosalunos. Acho que as faculdades e cursos de licenciatura no esto ensinando essas coisas.Atualmente poucos professores dos futuros professores tm experincia de magistrio comcrianas e jovens e se perdem na hora de trabalhar o saber fazer docente.Ento, me parece que o desafio dos cursos de formao de professores este: colocar na sala deaula professores inteligentes e prticos, isto , capazes de dominar a situao de trabalho comboas solues, com esperteza, com boas estratgias. Ser inteligente voc usar o conhecimentode maneira til pertinente, ter solues, ter idias, ter senso prtico... Mas para isso, precisouma boa formao. Os professores precisam aprender a buscar informao, adquirir ferramentasconceituais para compreender a realidade, ampliar sua cultura geral, aprender a lidarcompetentemente com as prticas de ensinar. So questes da didtica. Isso precisa estarpresente na formao inicial, feita nos cursos de formao, e na formao continuada, feita nasprprias escolas ou partir dos problemas apontados nas escolas.Tambm acho necessrio que os cursos de formao e as escolas planejem estratgias demudana na mentalidade dos professores em relao s formas de trabalho. As transformaesna cincia, na noo de conhecimento e do processo do conhecimento esto afetando muito osmtodos e procedimentos de ensino. Essa mudana de mentalidade precisa comear na prpriaorganizao pedaggica e curricular, nas formas de gesto da escola, na elaborao do projetopedaggico. Os professores mudaro sua maneira de ensinar medida que vivenciarem novasmaneiras de aprender. Por isso acho importante a formao continuada, na prpria escola. Esse um trabalho conjunto da escola, em que o coordenador pedaggico tem um papel crucial. Todasas escolas precisam ter um coordenador pedaggico muito bem formado para poder ajudar osprofessores a pensar sua prtica, a estudar, tendo como objeto de estudo tanto as aes que jrealiza quanto a relao existente entre esse objeto de conhecimento (o ensino) e seus prpriosprocessos de aprendizagem.

    PP: Mesmo no sendo a sua rea especfica, como o senhor vem acompanhando as inovaes e a prpriareflexo da didtica no interior da Educao Fsica Escolar?Libneo: Eu fiquei impressionado com os temas, com as pesquisas, com o grande nmero departicipantes do X Congresso Brasileiro de Cincias do Esporte, realizado em Goinia emoutubro passado. um movimento que se fortaleceu muito nos ltimos anos, alis, sei que hmais tempo em vrios estados os professores de Educao Fsica fazem encontros, seminrios,de modo que essa busca de ressignificao da Educao Fsica no de hoje.

    Tenho convico de que a cultura corporal, a corporeidade so contedos que devem estarintegrados num projeto de formao onilateral do aluno e, conseqentemente, do sujeitocidado contemporneo. Quando leio o que colegas da Educao Fsica escrevem sobre asprticas corporais, sua historicizao, problematizao, produo de conhecimento sobre culturacorporal, fico tentado em fazer um paralelo com a Pedagogia. A Pedagogia essencialmenteteoria e prtica, um pedagogo antes de tudo um prticoterico da ao educativa. Isso quer

  • 09/02/2015 ENTREVISTACOMJOSCARLOSLIBNEO|NogueiraDavid|PensaraPrtica

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    dizer que um pedagogo no pode ser s um terico, ele tambm no pode ser s um prtico.Pareceme que se trata da mesma situao do professor de Educao Fsica. Tudo comea na suaprtica, que a cultura corporal, prtica que tambm o seu contedo. O pouco que aprendicom vocs sobre a cultura corporal no o mero exerccio do corpo e do carter, no s oesporte, a sade do corpo, a motricidade, as brincadeiras, as danas, as lutas, a formao dapersonalidade. Ela tudo isso e mais a problematizao e a historicizao dessas prticascorporais, precisamente para professores e alunos tambm produzirem cultura corporal. nissoque vejo semelhana com a Pedagogia, porque a Educao Fsica, assim como a Pedagogia,opera basicamente no mbito da prtica em que busca juntar a teoria e a prtica, a partir dessamesma prtica. Me perdoem os colegas se ainda no entendi suficientemente essa busca doobjeto do ensino da Educao Fsica.

    NOTAS

    * Entrevista concedida ao Prof. Nivaldo A. N. David, em Goinia, em 16 de dezembro de 1997

    ** Entrevista com Jos Carlos Libneo: Perspectivas de uma Pedagogia Pensar a Prtica 1:121,jan./jun.1998

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