entrevista- jose celso martinez correa

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Veja a íntegra da entrevista com José Celso Martinez Corrêa GABRIELA MELLÃO DE SÃO PAULO A batalha de 30 anos entre José Celso Martinez Corrêa e Silvio Santos em torno do terreno ao lado do Teatro Oficina, onde o empresário queria erguer um shopping, nunca esteve tão perto do fim. Eduardo Velucci, diretor da Susan, construtora do Grupo Silvio Santos, está interessado em trocar o terreno que circunda o Teatro Oficina por outro do mesmo valor na cidade de São Paulo. "Esta alternativa é a mais viável que apareceu até hoje. Temos que buscar a maior rentabilidade possível para este terreno, que para nós é um negócio", fala Velucci. A solução surgiu no mês passado, em uma reunião entre Velucci, Ana Rúbia, coordenadora de projetos do Teatro Oficina, e a cenógrafa Carila Matzenbacher. Interessado em viabilizar o escambo que transformará o espaço em um complexo educacional e cultural aberto à rua, com praças e jardins, o Ministério da Cultura (MinC) pediu à Caixa Econômica Federal avaliação do terreno. O valor ficou em R$ 33 milhões. Lenise Pinheiro/Folhapress Retrato do diretor de teatro Zé Celso, que luta com Silvio pelo terreno ao lado do Teatro Oficina O vislumbre da paz entre Zé Celso e Silvio Santos faz o Teatro Oficina deparar-se com uma nova fase artística. Se a negociação der certo, ao conceber seu teatro-estádio, o

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Page 1: Entrevista- Jose Celso Martinez Correa

Veja a íntegra da entrevista com José Celso Martinez Corrêa GABRIELA MELLÃODE SÃO PAULO

A batalha de 30 anos entre José Celso Martinez Corrêa e Silvio Santos em torno do terreno ao lado do Teatro Oficina, onde o empresário queria erguer um shopping, nunca esteve tão perto do fim.

Eduardo Velucci, diretor da Susan, construtora do Grupo Silvio Santos, está interessado em trocar o terreno que circunda o Teatro Oficina por outro do mesmo valor na cidade de São Paulo.

"Esta alternativa é a mais viável que apareceu até hoje. Temos que buscar a maior rentabilidade possível para este terreno, que para nós é um negócio", fala Velucci.

A solução surgiu no mês passado, em uma reunião entre Velucci, Ana Rúbia, coordenadora de projetos do Teatro Oficina, e a cenógrafa Carila Matzenbacher.

Interessado em viabilizar o escambo que transformará o espaço em um complexo educacional e cultural aberto à rua, com praças e jardins, o Ministério da Cultura (MinC) pediu à Caixa Econômica Federal avaliação do terreno. O valor ficou em R$ 33 milhões.

Lenise Pinheiro/Folhapress

Retrato do diretor de teatro Zé Celso, que luta com Silvio pelo terreno ao lado do Teatro Oficina

O vislumbre da paz entre Zé Celso e Silvio Santos faz o Teatro Oficina deparar-se com uma nova fase artística. Se a negociação der certo, ao conceber seu teatro-estádio, o diretor cria uma nova maneira de desenvolver e apresentar seu trabalho.

A intenção é fazer a arte atingir uma plateia massiva. "Quer ver o teatro da cidade, como na Grécia, com público de futebol", anuncia.

Zé Celso recebeu a Folha para uma longa conversa sobre sua visão de teatro e mundo. Confira alguns trechos a seguir.

*

ANHANGABAÚ DA FELIZ CIDADEQuem vai usufruir do Anhangabaú da Feliz Cidade? Tenho 74 anos. Estou passando a bola já. O projeto significa uma tomada de força da revitalização da espécie humana sobre a especulação financeira. O Bexiga é o chacra de São Paulo e está degradado, cheio de craqueiro, de ladrãozinho. Não vamos fazer um teatro de bairro. A gente quer

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fazer um espaço cosmopolita. Vamos fazer estúdio, biblioteca, universidade antropófaga, creche. A educação começa no ventre da mãe.

MUDANÇASEstamos vivendo um momento mundial de rejeição a esse tipo de coisa que se pretendia construir aqui, que era um shopping e um centro executivo. A infraestrutura não é a macroeconomia, é vida, corpo, natureza, terra. Boa parte da humanidade passou a acreditar nisso. Essa percepção cria uma ambiente favorável para a imersão do nosso projeto. Esta percepção só não é recente na nossa trajetória. Ela já explodiu em 67, com nossa montagem de "O Rei da Vela" e logo em seguida com "Roda Viva". A tropicália retomou Oswald, que tinha retomado os indígenas. Até então a cultura começava em Anchieta.

REVOLUÇÃO DA VIDAEm 68, o mundo se paganizou. Deixou de ser messiânico, de ter crença nas ideologias, nas religiões, e começou a sentir muito a terra, o corpo, essa coisa toda. Depois houve uma contrarrevolução. Mas essa contrarrevolução não destruiu a revolução da vida. Não tem coisa mais natural do que a transformação. Quem não se transformar dança. Tenho 53 anos de teatro, sou prova palpável de que as coisas se transformam. Como eu ia imaginar que Silvio Santos estaria trocando terreno?

VODUDevo muito a esta contenda com Silvio Santos, porque com isso tive um adversário. Aprendi muito com ele. Cada peça que nós fizemos foi um vudu contra ele, um rito antropófago para comer meu adversário. Se a gente ganhar, vamos ter uma transformação artística. A gente caminha para isso. Para esse teatro ligado a uma multidão. Não a multidão do ibope, mas a carnavalesca. Aquela que faz você se perder. Você é mais do que nunca você mesmo quando está dançando e cantando na multidão.

TOMBAMENTONo dia 24, vai fazer um ano que o Teatro Oficina foi tombado como patrimônio artístico-histórico do Brasil. No parecer de Jurema Machado, ela recomenda que o entorno seja comprado e desapropriado para que o projeto AnhangaBaú da Feliz Cidade possa ser realizado. O documento sugere que os governos estadual e municipal de São Paulo se mobilizem para que o projeto seja construído. Dia 24 vai acontecer uma "Noitada", encontro no Teatro Oficina para tornar este fato público. Quero que o Silvio Santos venha.

POLÍTICALogo no início do governo Lula, ele determinou 10% de corte em todos os orçamentos. O ministro da Justiça bateu o pé e o Lula voltou atrás. Os artistas estão dispostos a falar com o ministro da Fazenda, com a Dilma, para despertá-los para a importância que a cultura tem no país nesse momento. A formação cultural do PT é péssima. Acredita que a cultura serve para educar. A cultura não serve a ninguém. Está a serviço da vida. Não existe educação se não tem cultura. Você pode criar um país nazista, educar um rebanho. Cultura é diferente. Está na raiz da vida, está na impermanência das coisas, na necessidade de criação, na dimensão, no senso crítico, no sonho, na utopia.

ANA DE HOLLANDASe Ana de Hollanda sair, vai vir gente com ainda mais dificuldade. Escrevi uma carta

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pessoal à Ana, em que digo que ela está com o poder nas mãos. Em vez de tapar os olhos, deve abrir e ver que os artistas estão explodindo. É só dar as mãos para esses artistas, que ela se reforça como Ministra da Cultura. Ela tem que assumir que é de uma família de artistas, filha do Sergio Buarque de Holanda, que canta, que foi gestora cultural. Ela tem que estar desse lado. Com o crescimento cultural, o Brasil produziu uma força de produção cultural enorme. Isto não pode ser abortado.

EXPLOSÃO CULTURALFicou engatilhada uma explosão cultural no Brasil. Os dois ministérios da Cultura e a própria evolução política e econômica do Brasil propiciaram uma força de criação cultural enorme. O orçamento para a cultura foi cortado. Não podia. Durante o governo Lula, a antropofagia esteve no poder. A continuidade dele estava engatilhada no plano cultural. Ainda está. Os artistas estão prontos. A gente está como os revolucionários árabes. Eu me sinto como em 68, estou com a mesma potência de criação que tive que em 68. O mundo chegou ao auge da decadência do capitalismo. Está em um momento de efervescência extraordinária. Os artistas estão num estado maravilhoso. Não via um público assim desde 1968.

TEATROO teatro tem um poder extraordinário. Foi poderosíssimo nos anos 1960 no Brasil, polarizava toda a movimentação política. Com o AI-5, foi castrado. Logo em seguida veio a televisão, que comprou todos os artistas. Foi o fim de uma geração de atores, com raríssimas exceções, como Raul Cortez. A maioria virou móveis e utensílios, constituiu outra classe, ganhou fortunas vivendo num outro mundo.

NOVELATinha de enfrentar meus tabus. O Oswald de Andrade diz: vá direto ao tabu. Quando me convidaram [para participar da novela "Cordel Encantado", da Globo], estava saindo das "Dionisíacas", estava exausto. Mas tinha que enfrentar esse tabu. De repente me vi no Rio de Janeiro gravando uma cena de um casamento do tipo da Kate [Middleton] e do príncipe William. Tinha que dizer: "Esse casamento não pode continuar". Queria falar: essa novela não pode continuar. A Amora [Mautner], diretora, pedia para eu olhar para a câmera. Queria que eu ficasse dentro do personagem --e eu não cabia nele.

TELEVISÃODescobri que o Projac tem o potencial de uma universidade. E isso tem que estar nas mãos dos brasileiros, tem que estar a serviço da arte. Não pode só estar a serviço da auto-ajuda, da novela de costumes, dessa coisa da Globo. Pode até ter isso, desde que tenha também arte. A RAI italiana bancou Pasolini, Antonioni. A TV Sueca bancou Bergman.

DRAMATeatro não tem mais nada a ver com drama. Por isso sou da "tragicomediaorgia". O drama está ligado à sociedade freudiana, lacaniana, patriarcal, capitalista, familiar, enfim, à sociedade que nós conhecemos. As pessoas vivem para seus problemas menores. Ficam sofrendo para decidir se vão namorar fulano ou ciclano. Isso não é nada diante da vida.

TEATRO EM PRAÇA PÚBLICAMeu teatro se contrapõe a isso pela própria forma de estádio. Quer ver o teatro da

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cidade, como na Grécia, com público de futebol. Tragédia quer dizer canto do bode. É o canto dos bodes econômicos, sociais, amorosos. O teatro canta em praça pública. E isso comove a multidão. Produz a catarse, reforça a percepção do ser humano como ser que tem poder de aceitar ou recusar o destino.

SOCIEDADE DO ESPETÁCULOA vida humana é extremamente vulgarizada. Foi transformada em pessoa jurídica, em commodity. As pessoas estão acomodadas nos papeis que a sociedade do espetáculo nos dá. O Teatro Oficina explode com esse espetáculo.

ANARQUISTA COROADOComo diz Artaud, teatro é lugar de anarquista coroado. Você se coroa e pode fazer o que quiser. É o lugar onde a humanidade percebe sua loucura, sua grandeza, sua dimensão coral também. O teatro tem a pretensão de levantar a espécie humana. Não pode ficar resumido a uma sala de espetáculo em que as pessoas vão assistir como se estivessem na frente de uma tela de televisão. Ou então a teatrinhos de vanguarda. Isso é a decadência do teatro.

PÚBLICOQuando fiz "Roda Viva", os jovens de 68 invadiram o palco e fizeram a peça praticamente sozinhos. Essa geração continha todas as revoluções e foi reprimida. Nessa ocasião o teatro tinha um público imenso. Não era passivo. Não via essas peças que fazem sucesso hoje. As pessoas estavam querendo uma transformação.

DUPLOTem o José Celso Martinez Corrêa, 74 anos, RG tal, CPF tal. Tem esse, mas esse não tem importância nenhuma diante do outro, do duplo. Nós todos temos o duplo, que é aquele que transcende nossa pessoa jurídica, tem contato com a percepção do mundo. O teatro, por incrível que pareça, é o lugar onde você pode sair de todos os personagens, de todas as cascas. E, quando você sai das cascas, entra em contato com uma energia muito maior. Aí que você cria arte.

BUSCAArte não é intelectual. O cérebro precisa estar ligado às outras partes do corpo que são perceptivas. Senão, é uma pobreza. Por isso que meu teatro cada vez mais trabalha com dança, música.

CONTRARREVOLUÇÃOTanta coisa mudou no mundo. A onda libertária está muito forte. Liberdade da mulher, do gay, essas coisas todas eram reprimidas e avançaram, determinando uma contrarrevolução muito forte, que é a dos evangélicos, dos católicos, da homofobia. Esses movimentos fundamentalistas estão ocupando o lugar da cultura. O homem se indaga. E se tem uma resposta mais imediata na religião, prefere. A da cultura é mais complexa.

UNIVERSIDADE ANTROPÓFAGAÉ a escola que estuda tudo que é rejeitado pela universidade, como os tabus. O Bexigão é a semente desse projeto. Será um Bexigão contínuo, para todas as idades. Não tem sentido não ter contato com a infância, com a vida, com a maternidade.

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DROGASSou mais do que a favor da legalização das drogas. Tratam a questão do narcotráfico com estupidez. Não tem nada a ver com droga, a questão é o armamento. A percepção humana é muito maior do que a gente pode imaginar. A droga abre as portas da percepção. Existe indução química para fazer com que o cérebro entre em ação e perceba coisas que estão armazenadas nele.

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1. Almir K Raimundo (215)

(09h32) há 51 minutos

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José Celso, você cai no mesmo erro dos homossexuais e dos favoráveis à legalização das drogas. Querem que todos aceitem estas propostas e, quem for contra, deve ser punido. Isto não se chama liberdade. Chama-se ditadura. Liberdade não é fazer o que eu quero. Liberdade é fazer o que eu quero, respeitando a opinião e a expressão dos outros. Não há contrarrevolução evangélica.Há manifestação das verdades em que acreditam e vivem. Se alguém quer viver a sua liberdade, deve conviver com a dos outros.

2. Almir K Raimundo (215)

(09h42) há 41 minutos

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Considero um erro extremo a liberdade de manifestação sobre drogas. Basta olhar para as cracolândias que existem não apenas em São Paulo mas até mesmo nas menores cidades. Nos noticiários vemos a multidão de dependentes químicos que querem se livrar da dependência e não conseguem. A dependência é crescente. Quando uma droga não satisfezer mais, procuram outra. É incontrolável. Quando não podem comprar a melhor, compram a mais barata (e pior - se é que existe droga menos "pior").

3. Almir K Raimundo (215)

(09h50) há 33 minutos

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Sou apreciador de todas as manifestações culturais: teatro, literatura, música, pintura,etc. Subjetivamente, dentro de cada uma destas esferas, há expressões que não me agradam. Deixo-as de lado e valorizo as que mais me agradam. Mas, tanto ou mais que cultura - até para que possa haver uma liberdade incondicional de expressão - nosso Brasil precisa de EDUCAÇÃO (que também é cultura). Com educação (escola tradicional) de qualidade, as expressões culturais serão melhor valorizadas e apreciadas.

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