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ESCOLA COMO ESPAÇO EDUCADOR SUSTENTÁVEL- UMA
ESCOLHA CHAMADA CENTRO EDUCACIONAL CORA CORALINA
SILVA, Márcia Pereira1 - UNIVALI-SC
Grupo de Trabalho – Educação e Meio Ambiente
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo Este relato de experiência objetiva apresentar uma escola que vem há 12 anos percorrendo um caminho diferente dos propostos pela maioria das escolas. Uma utopia possível para uma educação do futuro. Um olhar que percebe a comunidade escolar com uma incubadora de transformação, como ponte para novos horizontes. Neste relato destacamos o dia-a-dia do Centro Educacional Cora Coralina, uma escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental localizada em São José-SC, que partilha dos princípios de Maria Montessori e Paulo Freire como possibilidade de se constituir a cada escolha num espaço onde todos partilham, dialogam e constroem juntos. Esta narrativa trás uma escola onde o socioambiental é percebido com componente permanente do Projeto Político Pedagógico, do currículo e da gestão no sentido proposto por Maria Montessori, que é através da educação cósmica e da educação dos sentidos que nos percebemos participantes do todo, presentes nas pesquisas. Todo gesto, som, silêncio quer expressar uma palavra não dita. Palavras chave: Educação. Montessori. Socioambiental. Educando. Escolha
Introdução
Era uma vez...
Era uma vez!... Assim começa sempre uma bela história, mas seu desenrolar e seu
encantamento vem crescendo com a leitura, com o conhecimento. Assim é a vida, assim é
educar, assim é a tessitura do movimento vital da educação. O final, se é que existe um, é
tecido no projeto- processo, no fazer, na ação, enfim, a somatória de cada ato tece a história
da vida.
1 Pedagoga, Pós Graduada em Psicopedagogia pelo IBPEX e Parapsicóloga Clinica pela UNIVALI em convênio com IPAPPI- Florianópolis. Professora de Filosofia e Coordenadora Pedagógica do Centro Educacional Cora
Coralina.
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Tudo começa apenas de uma ideia, de um pensamento solitário, que vislumbra o
inesperado escondido no esperado, no obvio. Para tecer ideias vamos juntando saberes,
dialogando, evoluindo.
Então vamos descobrindo pontes, tecendo redes, ideais, ressiginificando valores que
constituem nossa escola. No início era uma casa, apenas uma casa, numa rua, num bairro,
numa cidade chamada São José, até que um olhar visualiza ali o inicio de um sonho, nasce
assim o Centro Educacional Cora Coralina.
Mas para continuar nossa historia vamos localiza-la num tempo, num espaço, num
contexto histórico que a constituí e influência.
Nossa escola localiza-se na cidade de São José em Santa Catarina. São José uma das
mais antigas cidades de Santa Catarina. Foi iniciada por 180 casais de Açorianos no dia 19 de
março de 1750. No centro da cidade encontramos características arquitetônicas seculares com
ares de interior que se contrasta com a modernidade dos bairros Kobrasol e Campinas os mais
movimentados de São José, onde se concentram um terço da população e inúmeras empresas
comerciais e de prestação de serviço. O Centro Educacional Cora Coralina localiza-se no
bairro de Campinas, na Av. Cruz e Souza.
O Projeto-processo do Centro educacional Cora Coralina se inicia em 2001 na
comunidade do bairro Kobrasol atendendo apenas a Educação Infantil e, em 2005 expande
suas atividades para o bairro Campinas e inicia o Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano),
implanto em 2010 o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) .
Para localizar adequadamente destacamos o perfil dos bairros Kobrasol e Campinas.
São bairros com grande concentração de comércios e residências com alguns desafio
consideráveis de infraestrutura.
Quando projetados estes bairros (loteamentos) previam apenas residências e prédios
até três andares e atualmente apresenta construções de até 19 andares, algumas situadas em
áreas de aterro, o que modificou não somente a paisagem, mas a infraestrutura, acarretando
problemas como: mobilidade precária, alagamentos de ruas, questões sociais conflitantes
(moradores de rua, drogas, roubos).
Este contexto desafia a escola como pertencente a esta comunidade, posto desta forma,
como pertencentes, podemos considerar a relevância de estudar o Centro Educacional Cora
Coralina por sua estruturação comunitária que se propõe resgatando assim possibilidades de
evolução para uma sociedade sustentável para além da porta da escola.
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São José é uma cidade encantadora por ser uma mistura fantástica do histórico e do
moderno, do encontro do mar com o continente, de povos de todas as raças e credos. Em São
José se encontram e convivem diferentes culturas e nações. Esta “inacabada” mistura pode ser
observada em nossos educandos encontramos Paraguaios, Gaúchos, Josefenses, Paranaenses,
louros, morenos, um mosaico de possibilidades de , com nos diz Trein (2012), passarmos a
denúncia, uma vez que os processos sociais se desenvolvem em alguma direção, o que
justifica que, além da denuncia do real existente em nossas sociedades e instituições de
ensino, façamos também o anuncio de utopias que orientem nossas ações, que direcionem
nossa práxis para uma educação de cidadania, uma educação libertadora e emancipatória.
Nossa viagem deseja somar poesia- denúncia do real- anúncio da utopia possível para
sinalizar uma educação que se atente a dimensão ética, de sentimento de pertencimento, de
ação e escolha proposta pela Educação Ambiental para constituição de espaços sustentáveis
que educam e cuidam através da interligação de currículo- gestão-espaço.
Mas porque Cora Coralina?
Porque escolher não requer tempo e sim querer. Para mudar não existe hora marcada,
mas desejo, escolha. Isso fez Cora Coralina, ou melhor, Ana Lins dos Guimarães Peixoto
Bretas, poetisa nascida na Cidade de Goiás em 20 de agosto de 1889, e que se descobriu
poetisa, venceu barreiras, que ousou ir além dos conceitos de sua época.
Inspirada nessa ideia e nesse olhar inicia, em 21 de janeiro de 2001, a caminhada de
uma escola pensada para além do até então conhecido, com propostas diferentes das
convencionais, como na figura 1-, como o desejo de apenas semear e esperar para ver a
colheita de saberes, com base na vivência e no respeito a todos, absolutamente todos os seres
que moram e compartilham esse nosso planeta que os gregos batizaram de Gaia. Inicia com
uma educanda, e aos poucos vai vencendo barreiras, crescendo e se constituindo numa
comunidade de aprendizagem, se constituindo aos poucos em escolha para outro caminho,
para um exercício de educar pensado, contextualizado e intencional.
2- Desenvolvimento - Pensando a viagem.
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Figura 1- imagens do espaço e atividades realizadas na escola Fonte: Acervo da escola, 2013
O Centro Educacional “Cora Coralina” foi assim pensado com a intencionalidade de
propor desafios, estabelecer possibilidades, de fazer conexões e pontes entre o conhecimento
e a prática, a democracia e a justiça social, o respeito a individualidade e a cooperação na
construção de saberes e fazeres necessários a uma educação sempre em processo. Para isso,
partilhamos com o mestre Paulo Freire do mesmo exercício:
O exercício de pensar no tempo, de pensar a técnica, de pensar o conhecimento enquanto se conhece, de pensar o que das coisas, o para que, o como, o em favor de que, de quem, o contra que, o contra quem, são exigências fundamentais de uma educação democrática a altura dos desafios do nosso tempo. (FREIRE, 2000, p. 52)
É necessário inicialmente, partir do significado da palavra “escolha”. Esta palavra
trazida do latim visio: ato de ver e perspicare: olhar para, e colligere: escolher.
O filósofo Mário Cortella,(2011) resume os princípios éticos da vida humana a três
postulados: Eu quero, eu posso, eu devo. Segundo ele, a diferença está em nossas escolhas.
Segundo o filosofo “[...], da liberdade, vêm as três grandes questões éticas que orientam (mas
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também atormentam”., instigam, provocam e desafiam) as nossas escolhas: Quero? Devo?
Posso? (Cortella, 2011, p.10).
O cerne da problemática que pretendemos esta centrada em nossas escolhas. Estas se
empatem continuamente com os princípios éticos do querer, poder, dever. São as escolhas que
definem os horizontes a serem percorridos, as decisões a serem seguidas e, principalmente, é a
escolha que nos faz pertencente a algo, a uma ideia ou a alguém. Não é a obrigatoriedade que
possibilita novas passagens, mas as escolhas de trilhar outros caminhos que nos movem a
iniciativas capazes de mudanças reais, ou nas palavras de Freire, o sonho possível.
Vivemos num universo cheio de possibilidades de escolha, porém, parecemos
caminhar numa mesma direção sem refletir sobre as escolhas, apenas, caminhamos. Mas será
que não há outros caminhos, outras passagens, outras hospedagens para escolhermos? Afinal,
como dizia outro poeta, Antonio Machado2 “Caminante, no hay camino: se hace camino al
andar”.
Esta é sem duvida uma reflexão profunda e necessária. Será que não podemos ousar
outras escolhas? Tentar passos por outros caminhos? Será que nossa escola, em seu formato
tradicional e tecnicista, que pouco atende as interfaces e interesses da contemporaneidade
educandos não poderia dar outros passos, ousar outras escolhas?
A Educação como ciência e área do conhecimento vem sendo desafiada diariamente a
se reestruturar, a se repensar, a buscar outras possibilidades, a apresentar outras estradas, a
escolher uma formação democrática e participativa, de valorização das diferenças, de um
currículo interligado que atenda as individualidades sem perder a perspectiva do todo, a
promover uma educação que interligue, integre, congregue, socialize. Mas como fazer?
Quando se pensa o “como fazer” busca-se acrescer a palavra escolha a palavra ação, e
então, obtemos uma possibilidade: escolha-ação, ou seja, a mudança só pode acontecer se
acompanhada de ação num constante ir e vir da reflexão – ação – ação – reflexão, novamente
inspirada em Paulo Freire.
Nosso relato de experiência esta centrado numa proposta de escola diferente, porém,
possível, real e relevante que aponta ações práticas de um fazer participativo, sem pretender
esgotá-lo.
2 Antonio Machado poeta espanhol, pertencente ao Modernismo. Nasceu em 26 de julho de 1875, em
Sevilha.trecho de seu poema Caminante no hay camino.
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Ao longo da história da Educação, vários educadores ousaram agir e contestar
paradigmas, transgredir, construir pontes. O que eles tinham ou tem de diferente? Ação e
escolha? São nossas ações e escolhas que podem abrir novas possibilidades de mudança.
E por acreditar nisso é que vivenciamos uma experiência de escola democrática e
participativa.
Por acreditar é que agimos. A escola é possibilidade de mudança quando permite uma
educação para a paz e respeito a todas as formas de vida, quando promove uma educação
integral, favorece a participação e o pertencimento de cada membro de sua comunidade como
responsável pelo equilíbrio do ambiente em que vive, quando, enfim, promove uma educação
para a sustentabilidade em todas as suas dimensões.
Nossa caminhada dialoga e passa pela reflexão do ideário pedagógico que sustenta o
fazer educativo e a prática da democracia na escola, do pertencimento, do compromisso
político com a avaliação do real com apontamentos utópicos possíveis, como sustentam
aqueles que ousaram escolhas diferentes como Maria Montessori, Paulo Freire, José Pacheco,
Cortela, e outros filósofos, educadores e educadoras que compartilham conosco a utopia
concretizável da sociedade sustentável, ética e com participação cidadã.
É uma escola com escolhas diferentes das presentes na educação tecnicista e
tradicional. O Centro Educacional Cora Coralina propõe em sua metodologia a constituição
de dispositivos pedagógicos comunitários como: assembleias trimestrais de direitos e deveres,
estágios, show de talentos, comissões de estágios, atividades de responsabilidade coletiva
(organização do espaço- todos cuidam da limpeza, lavação de louça, preparo da alimentação,
ajuda aos de menor idade nas tarefas diárias das equipes agrupadas3, reuniões diárias da
comunidade, Fichas, GAs), atendimento a idosos.... O centro representa assim um espaço
onde a aprendizagem acontece pautada no real de uma Casa-escola4, num espaço de constante
troca de informação e avaliação diária das atitudes, escolhas e cidadania de cada componente
da comunidade escolar.
3 Agrupadas: Termo utilizado para grupo de educando formado por idades diferentes. Dessa forma, Montessori (2005) enfatiza que o primeiro plano de educação da criança vai do seu nascimento até aproximadamente aos sete anos, e dentro desse plano, estabelece três subdivisões: o primeiro, para os dois iniciais anos de vida, o segundo, de três a cinco anos e o terceiro de seis a sete anos. Na sequencia temos as agrupadas de 6-8anos; 9-11anos; 11-13anos;13-14anos. 4 Casa-escola: termo utilizado por Maria Montessori para descrever sua escola como um espaço adequado para cada período sensível da aprendizagem infantil. Local onde tudo posto para livre exploração das crianças.
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2.1- Viajando pelo Cora Coralina:
Será indispensável alterar a organização das escolas, interrogar práticas educativas dominantes. É urgente interferir humanamente no íntimo das comunidades humanas, questionar convicções e, fraternalmente, incomodar os acomodados”, José Pacheco. (Entrevista com José Pacheco, concedida a Vitor Casimiro, publicada no site "Educacional"..
Nosso Currículo designa todas as ações que permeiam o espaço de educação, e,
portanto, não é possível pensar num currículo que não considere todos os aspectos históricos e
sociais que formam um povo, que constituem uma sociedade ou um grupo social onde esta
escola se localiza. O Currículo de nossa escola atende aos seguintes dispositivos:
Figura 2- Trabalho pessoal Fonte: Acervo da escola, 2013.
Trabalho pessoal: na figura 2 temos em destaque o momento de escolha individual ou
em grupo cujo objetivo é sentir-se pertencente, apto a escolher e organizar-se.
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Figura 3- imagem do trabalho em grupo- fichas os Guias de Atividades Fonte: Acervo da escola, 2013.
Fichas: Dispositivo pedagógico utilizado para que cada grupo, conforme observa-se
na figura 3, escolha um conteúdo da semana. São 5(cinco) grupos com diferentes assuntos
que são socializados no momento coletivo
Figura 4- Imagem do Grupo de Trabalho durante o momento da linha Fonte: Acervo d escola, 2013
Linha: Na figura 4 observamos o Momento de trabalho coletivo,onde novas
possibilidades é apresentadas.
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Figura 5- Horta Fonte: acervo da escola, 2013.
Cuidado com o ambiente: Todo ambiente escolar pertence a todos. Várias equipes
cuidam diariamente da horta, preparo das saladas na cozinha, cada educando se responsabiliza
pela sua louça, materiais, Guias de atividades. Todo planejamento é discutido em assembleia
trimestral, desde ações para aulas de campo, na figura 7 até possibilidades para aulas de
empreendedorismo, apresentadas na figura 6.
Figura 6- Empreendedorismo Fonte: acervo da escola, 2013.
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Figura 1- aulas de campo - Parque Estadual da serra do Tabuleiro- Aulas de campo Fonte: Acervo da escola, 2013.
3- Considerações finais
A natureza pode ser um signo, mas possui vários significados. No contexto desta polissemia, o mundo é um caleidoscópio que se circunscreve para além do nosso cotidiano. Entretanto, como todo vidro, pode se quebrar, e por isso, necessita de cuidados constantes. (Sato, 2007, p.1)
Relatamos um pouco doo trabalho realizado no Centro Educacional Cora Coralina no
intuito de sinalizar possibilidades, de visualizar caminhos enquanto se caminha, de repensar a
prática e de, sobretudo, sonhar, ousar e escolher outros caminhos. Do ponto de vista
democrático, do qual partilhamos, esta tessitura de mudança é possível e necessária e nela
pautamos a visão de educação que vivemos.
Maria Montessori, em convergência com o pensamento de Paulo Freire refere-se “a
tarefa de ensinar fica mais fácil desde que nós, professores, não tenhamos que escolher
obrigatoriamente o que ensinaremos as crianças, mas coloquemos tudo (informação, material
concreto) diante dela…” (MONTESSORI, 2003 p. 13). Isto significa dizer que as
possibilidades, entendidas como opções de escolha do educando, enriquecem mais que as
atividades engessadas e imobilizadas.
4- REFERENCIAS
CORTELLA, Mario Sergio. A ética e a produção do Conhecimento. São Paulo 2011. Páginas Abertas - Paulus - ano 36 - n° 45.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
Link: http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0043.asp e http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0043b.asp
MONTESSORI, Maria. Para Educar o Potencial Humano. Campinas (SP): Papirus, 2003.
MONTESSORI, M. Da infância à adolescência. Rio de Janeiro: ZTG, 2005.
SATO, Michèle. Caleidoscópio. Direcional Educador, ano 3, 35, ed. Dez 2007, 16-19.
TREIN, Eunice. CIAVATTA. Maria.O percurso teórico e empírico do GT Trabalho e Educação: uma análise para debate. Revista Brasileira de Educação. Set /Out /Nov /Dez 2003 No 24.