escola, democracia e repÚblica: por onde andamos · muita gente lá da horinha que eu vou poder...
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ESCOLA, DEMOCRACIA E REPÚBLICA:
POR ONDE ANDAMOS?
Universidade Federal de Viçosa
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Ciências Sociais
10º Encontro da ABCP – Área Temática: Cultura Política
Autora: PINHEIRO, Daiene Pinto (UFV – Bolsista PIBIC/CNPq) – Orientador: SOUSA, Diogo Tourino de (DCS/UFV)
INTRODUÇÃOA sociedade contemporânea tem, cada vez mais, testemunhado o
surgimento de relações pautadas pela dinâmica do mercado (SANDEL,
2012). Nesse contexto, o indivíduo abandona a discussão sobre
questões públicas, privado de espaços coletivos de convívio e de
formas democráticas de participação. No caso brasileiro, a discussão
sobre a (in)existência de uma cultura política capaz de consolidar a
democracia traduz essa preocupação (MOISÉS, 1995).
Um dos principais obstáculos para a construção dessa cultura política
democrática é a fragmentação da vida coletiva, notadamente a divisão
da sociedade em classes que se manifesta na “territorialização” dos
espaços na cidade (BURGOS, 2005). Trata-se da fragmentação da
cidade em distintos territórios, o que promove acesso desigual aos
direitos e formas assimétricas de inserção na vida coletiva.
Neste cenário, a defesa de uma política do bem comum, capaz de
reforçar o sentimento de comunidade, pode ensejar formas mais justas
de sociedade (SANDEL, 2012; TAYLOR, 2011).
O presente trabalho, parte da pesquisa “Um ideal normativo para a
democracia presente: a escola pública como espaço de convívio
comum” (PIBIC/CNPq/UFV), propõe pensarmos a escola pública
como um espaço de convívio central para o arranjo democrático
presente, ao permitir encontros para além da fragmentação da vida na
cidade. Algo possível em contextos onde a escola não sofreu o impacto
da fragmentação em territórios.
OBJETIVOA partir do entendimento da escola pública como um lugar que
possibilita o convívio comum, capaz de construir laços de civilidade e
solidariedade caros ao aprimoramento da vida democrática, a pesquisa
objetivou:
Analisar o universo moral dos estudantes do ensino médio da
cidade de Viçosa-MG;
Mapear as formas de associativismo e participação política;
Identificar as expectativas com relação ao papel da escola na
formação cívica dos estudantes.
METODOLOGIA
A pesquisa realizou entrevistas qualitativas em uma amostra
intencional (não probabilística) construída a partir de mapeamento
prévio do contexto escolar (GASKELL, 2002). A amostra dividiu os
estudantes de 4 escolas públicas do município de Viçosa-MG em
“engajados” (forte presenças nas atividades da escola, grupos
artísticos, grêmios estudantis, associativismo religioso etc.) e “não
engajados”, segundo a indicação de professores e estagiários das
escolas pesquisadas.
Foram realizadas 19 (dezenove) entrevistas individuais com estudantes
(idades entre 16 e 18 anos) das escolas selecionadas. Tais escolas
foram escolhidas a partir do território que ocupam na cidade (2 escolas
em áreas não estigmatizadas, e 2 escolas em áreas estigmatizadas
como “periféricas”).
DISCUSSÃOAs entrevistas indicam a participação em projetos de formação cívica e
política dos estudantes “engajados”, como o exemplo do Parlamento
Jovem, organizado pela ALMG em parceria com as Câmaras
Municipais.
Contudo, além do papel de promover o acesso à informação e o
desenvolvimento da cultura política dos estudantes, a escola também
surge como formadora de laços de solidariedade e amizade que
contribuem para a construção e afirmação de valores coletivos,
conforme a hipótese de pesquisa aqui avançada. Assim, quase todos os
entrevistados (“engajados” e “não engajados”), acreditam que a escola
é muito mais que uma instituição pedagógica, conforme vemos nos
trechos abaixo:
“Mais importante pra mim na escola... Cara, sei lá, acho que são as
relações de amizade com as pessoas, te incentiva a ir à escola. Se você
tem que ir só pelo, pelo prazer de adquirir conhecimento você não vai.
Você fica com uma puta preguiça, mas ai você pensa: ah não, tem
muita gente lá da horinha que eu vou poder passar um tempinho, vou
lá” (Entrevista 06).
“A escola é, tipo assim, além de aprendizagem eu procuro ver a escola
de outra forma, porque a escola a aprendizagem você vai levando por
conhecimento, mas a escola não é só isso, né?! Tem os amigos da gente
lá e tudo, os professores, tudo vai ficar marcado.” (entrevista 07).
Entretanto, mesmo tendo a capacidade de adentrar o mundo do aluno e
estabelecer formas de associativismo entre pais, estudantes e
funcionários, a escola ainda carrega em sua administração valores
“paternalistas”, que dificultam as relações de confianças, vetando ações
autônomas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBURGOS, M. B. Cidade, territórios e cidadania. Dados, v. 48, n. 1, p.
189-222, 2005.
GASKELL, G. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, M.;
GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um
manual prático. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. p. 64-89.
MOISÉS, J. A. Os brasileiros e a democracia: bases sócio-políticas da
legitimidade democrática. São Paulo: Ática, 1995.
SANDEL, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
TAYLOR, C. A ética da autenticidade. São Paulo: É Realizações,
2011.
CONCLUSÕESA pesquisa percebeu a importância da escola como espaço de convívio
comum, evidenciando, porém, seus desafios internos, por um lado, e
sua inscrição na lógica territorial da cidade, por outro, como obstáculos
para a construção de formas mais democráticas de convívio.