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377 Hist. Educ. (Online) Porto Alegre v. 21 n. 51 Jan./abr., 2017 p. 377-396 ESCOLARIZAÇÃO E TERRITORIALIDADE NA CIDADE REPUBLICANA: BELO HORIZONTE (1897-1912) DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2236-3459/66340 Maria Cristina Soares Gouvea Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Karina Nicácio Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Resumo O artigo tem como tema as relações entre demandas sociais e políticas estatais de instrução no decorrer da Primeira República. Tendo como cenário a cidade de Belo Horizonte, materialização do projeto republicano de ordenamento urbano, busca-se analisar o acesso à instrução das distintas populações, a partir de sua ocupação do território. Referenciado no diálogo entre história, geografia e urbanismo, focaliza-se a dinâmica entre o investimento em escolarização da população habitante das colônias agrícolas, preponderantemente de imigrantes, e as ações estatais no período entre sua criação, em 1897, e incorporação à zona suburbana em 1912. Verifica-se que a política segregacionista característica da planificação da cidade, em que a ocupação territorial foi definida de acordo com a condição social e étnico-racial das populações, impôs condições desiguais de acesso à escola. Por outro, dada a dinâmica de apropriação dos territórios pelas distintas populações, a mobilização dos habitantes das colônias pela instrução pública fez com que o Estado, ainda que de forma precária, destinasse recursos à escolarização desses grupos sociais. Palavras-chave: escola, cidade, territorialização, imigração. SCHOOLING AND TERRITORIALISATION ON THE REPUBLIC CITY: BELO HORIZONTE (1897-1912) Abstract The article focuses on the relationship between schooling demands and state policies during the First Republic. Set in the city of Belo Horizonte, materialization of the republican project of urban planning, it seeks to analyse the access to education of the different populations, considering their occupation of the territory. Using as analytical reference the dialogue between history, geography and urban planning, it focuses on the dynamic between the demands for schooling from the immigrant population inhabitant of agricultural colonies and state actions in the period between its

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Hist. Educ. (Online) Porto Alegre v. 21 n. 51 Jan./abr., 2017 p. 377-396

ESCOLARIZAÇÃO E TERRITORIALIDADE NA CIDADE REPUBLICANA: BELO HORIZONTE (1897-1912)

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2236-3459/66340

Maria Cristina Soares Gouvea

Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

Karina Nicácio

Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

Resumo O artigo tem como tema as relações entre demandas sociais e políticas estatais de instrução no decorrer da Primeira República. Tendo como cenário a cidade de Belo Horizonte, materialização do projeto republicano de ordenamento urbano, busca-se analisar o acesso à instrução das distintas populações, a partir de sua ocupação do território. Referenciado no diálogo entre história, geografia e urbanismo, focaliza-se a dinâmica entre o investimento em escolarização da população habitante das colônias agrícolas, preponderantemente de imigrantes, e as ações estatais no período entre sua criação, em 1897, e incorporação à zona suburbana em 1912. Verifica-se que a política segregacionista característica da planificação da cidade, em que a ocupação territorial foi definida de acordo com a condição social e étnico-racial das populações, impôs condições desiguais de acesso à escola. Por outro, dada a dinâmica de apropriação dos territórios pelas distintas populações, a mobilização dos habitantes das colônias pela instrução pública fez com que o Estado, ainda que de forma precária, destinasse recursos à escolarização desses grupos sociais. Palavras-chave: escola, cidade, territorialização, imigração.

SCHOOLING AND TERRITORIALISATION ON THE REPUBLIC CITY: BELO HORIZONTE (1897-1912)

Abstract The article focuses on the relationship between schooling demands and state policies during the First Republic. Set in the city of Belo Horizonte, materialization of the republican project of urban planning, it seeks to analyse the access to education of the different populations, considering their occupation of the territory. Using as analytical reference the dialogue between history, geography and urban planning, it focuses on the dynamic between the demands for schooling from the immigrant population inhabitant of agricultural colonies and state actions in the period between its

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creation in 1897 and incorporation to the suburban area in 1912. The segregationist policy of territorial occupation, defined according to the social and ethnic-racial condition of the city's population imposed conditions of unequal access to school. Even them, it is possible to identify investment and mobilization from the inhabitants of the colonies in their instruction Key-words: schooling, city, territorialization, immigration.

ESCUELA Y TERRITORIALIZACCIÓN EN LA CUIDAD REPUBLICANA: BELO HORIZONTE (1897-1912)

Resumen El artículo se centra en la relación entre las necesidades sociales y la educación de las políticas del Estado durante la Primera República. Situado en la ciudad de Belo Horizonte, la materialización del proyecto republicano de la planificación urbana, el artículo busca analizar el acceso a la educación de las diferentes poblaciones, desde su ocupación del territorio. Se hace referencia en el diálogo entre la historia, la geografía y la planificación urbana, se centra en la dinámica entre la inversión en la educación de la población local de las colonias agrícolas, principalmente inmigrantes, y las acciones del Estado en el período comprendido entre su creación en 1897, y la incorporación a la zona suburbana 1912. Parece que la característica política segregacionista de la planificación de la ciudad, donde se definió la ocupación territorial de acuerdo con la situación social y étnico-racial de las poblaciones, impuso condiciones desiguales de acceso a la escuela. Por otro lado, dada la dinámica de apropiación de territorios por diferentes poblaciones, la movilización de los habitantes de las colonias por la educación pública ha hecho que lo Estado, aunque precariamente, ha asignado recursos a la educación de estos grupos sociales. Palabras-clave: escuela, territorializaccion, ciudad, imigraccion.

ÉCOLE ET TERRITOIRE ET LA VILLE REPUBLICAIN:

BELO HORIZONTE (1906-1912)

Résumé L'article se concentre sur la relation entre les besoins sociaux et l'éducation des politiques de l'Etat au cours de la Première République. Situé dans la ville de Belo Horizonte, la matérialisation du projet républicain de la planification urbaine, il cherche à analyser l'accès à l'éducation des différentes populations, de leur occupation du territoire. Référencé dans le dialogue entre l'histoire, la géographie et la planification urbaine, il se concentre sur la dynamique entre l'investissement dans l'éducation de la population locale des colonies agricoles, principalement les immigrants et les actions de l'Etat dans la période entre sa création en 1897, et l'incorporation dans la zone suburbaine 1912. il semble que la caractéristique de la politique ségrégationniste de la planification de la ville, où l'occupation territoriale a été définie en fonction de la situation sociale et ethno-raciale des populations, a imposé des conditions inégales d'accès à l'école. D'autre part, étant donné la dynamique d'appropriation de territoires par différentes populations, la mobilisation des habitants des colonies par l'éducation du public a fait l'État, bien que précaire, les ressources destinées à l'éducation de ces groupes sociaux. Mots-clé: école, territoire, ville, immigrants.

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Introdução instauração do regime republicano no Brasil implicou numa radicalização de

estratégias de governo das populações e ordenamento social que emergiram

ao final do Império, diante de uma sociedade de homens livres. Por um lado,

com o fim do regime escravocrata, a lei atribuía a todos a condição de sujeitos. Por outro,

as condições de exercício da cidadania mostravam-se restritas, entendidas não como

direito, mas como conquista do indivíduo, diante de alguns atributos, como do direito de

voto, acessível apenas à população masculina letrada, segundo a lei Saraiva de 1881.

Se a República não inaugurou uma concepção restritiva de cidadania, a partir do

regime instauram-se novos dispositivos de governo das distintas populações,

principalmente tendo em vista sua identidade nacional e étnico-racial. Tais políticas

tomam, não apenas como cenário, mas como espaço de intervenção a cidade. Busca-se

atuar na ocupação dos espaços urbanos de forma a garantir que a circulação e moradia

fossem definidas por critérios de segmentação e hierarquização.

O acesso à instrução no período configura-se neste cenário complexo de ampliação

e, ao mesmo tempo, de restrição de direitos (Carvalho, 2008). Especialmente nos

territórios urbanos a demanda por instrução pelas populações conjuga-se à reinvindicação

por outros direitos sociais, relacionados ao espaço que ocupam e seu trânsito pela

cidade. Condições de mobilidade, habitação, acesso à saúde e instrução se integram na

demanda por melhores condições de vida e são objeto de políticas governamentais, quer

de atendimento, quer de negação1. Tais demandas envolvem uma dimensão espacial e,

no caso da escola, sua localização ou ausência expressa as relações entre Estado e

populações no acesso à instrução.

Pretende-se explorar a dimensão espacial do processo de escolarização nos

primeiros anos do período republicano. Para tal, tomamos como objeto de investigação a

cidade de Belo Horizonte, materialização do modelo urbano de intervenção republicana.

Se em artigo anterior (Gouvea et al, 2016) contemplamos as relações entre os modelos

de organização da escola - grupos escolares e escolas isoladas - e sua localização na

cidade, iremos focalizar um grupo social específico: a população das colônias agrícolas

da cidade, preponderantemente imigrantes, investigando a demanda por escolas e seu

atendimento pelo poder público2.

Tendo como fontes relatórios de inspetores, mensagens de presidente do Estado,

relatórios de gestão municipal, mapas de matrícula e frequência, jornais da época, cartas

e abaixo assinados, mapas cartográficos, além do recurso à historiografia da cidade e sua

educação3, buscamos apreender a escolarização em uma das Colônias Agrícolas de Belo

Horizonte no período entre 1898, data da criação das mesmas, e 1912, quando estas são

extintas e incorporadas à zona suburbana da cidade.

Assim, incialmente, se estabelece os referenciais analíticos, ancorados no diálogo

com os campos da história, geografia e urbanismo. Posteriormente iremos contempla-los

no estudo da constituição de Belo Horizonte e sua ocupação, focalizando as colônias

1 Sobre lutas sociais do período vide, entre outros, o dossiê Gomes (2009).

2 Ambos trabalhos resultam da pesquisa Escolas isoladas e reunidas: demandas sociais e produção da precarização (Belo Horizonte 1906- 1927), que contou com apoio do Cnpq (2012-2016).

3 Especialmente importantes, tanto pelas fontes, quanto pelas análises, foram os excelentes trabalhos de tese de Aguiar (2006) e Rodrigues (2009).

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agrícolas. Por fim, será abordada a relação demanda e oferta de instrução à população de

uma das colônias - Afonso Pena - no que se pretende um estudo de caso da relação entre

instrução, população e território4.

Territorialização e planejamento urbano

No estudo das relações entre espaço e ocupação humana a geografia política busca

estabelecer distinções entre espaço, entendido como meio físico e território, referente à

sua ocupação, e transformação por grupos populacionais5 (Sack, 1996). Tal processo de

apropriação do território é definido como territorialidade ou “o esforço de um grupo social

para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente

biofísico, convertendo-o assim em seu território” (Litle, 2002, p. 3).

Castro (2006) destaca o embate entre os diferentes atores sociais pela

territorialidade por “um conjunto de práticas e suas experiências materiais e simbólicas

capazes de gerarem a apropriação e permanência de um dado território por um

determinado agente social, o Estado, os diferentes grupos sociais e as empresas” (p.

251). O autor relaciona esta dimensão de apropriação do território à construção de

identidades sociais ao longo de um processo histórico. Sack (1996) ressalta também que

a análise da territorialização envolve necessariamente contemplar as relações entre as

dimensões física e histórica.

Numa perspectiva histórica o estudo dos espaços no diálogo com a geografia marca

especialmente a produção dos Annales. O livro de Lucian Febvre La terre et le evolution

humaine (1922) teria profundo impacto na escrita da seminal obra de Fernand Braudel

(1949) O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo em que o autor assenta o estudo

histórico da região nas relações entre o meio físico, volume 1, sua apropriação por

sociedades, volume 2, e indivíduos, volume 3, no que define como um tempo geográfico,

um tempo social e um tempo individual (Braudel, 2005).

Se Braudel (2005) tomou como objeto o estudo da história de ocupação de uma

região geográfica, a produção posterior concentrou-se nas investigações sobre as

cidades. Estas foram marcadas, inicialmente, por uma apreensão unívoca do termo,

superada na produção posterior que cada vez mais busca contemplar como, em

condições sociais e econômicas distintas, as configurações urbanas se singularizam

(Barros, 2006)6.

Na escrita da história das cidades destacam-se as investigações sobre as radicais

transformações ocorridas nas metrópoles européias a partir da Revolução Industrial, no

que se define por revolução urbana, marcada pelo deslocamento do rural para o urbano

como espaço dominante de ocupação, especialmente na Inglaterra (Sennet, 2008).

Afirma-se uma relação entre industrialização e urbanização que se tornou referência para

apreensão de emergência das metrópoles que estudos posteriores demonstraram não ser

passível de generalização (Bresciani, 2002).

4 É importante destacar as interlocuções com as pesquisadoras Alessandra Schueller e Irma Rizzini, que vêm contemplando questões semelhantes nos estudos sobre o Rio de Janeiro.

5 Geógrafos com Milton Santos (1996) utilizam diferentemente os conceitos. Para o autor a apropriação do território, entendido como meio físico, pela população cria o espaço.

6 Jacques Le Goff, em Por amor às cidades (1998), constrói uma análise que põe em diálogo aspectos das cidades medievais e contemporâneas, destacando permanências e deslocamentos.

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Atravessam as investigações históricas eixos analíticos como privado, público, rural,

urbano, ocupação e mobilidade que vêm sendo tratados de maneira cada vez menos

dicotômica7. Os estudos se voltam para a apreensão dos significados históricos da

experiência urbana, conferindo destaque às identidades sociais dos sujeitos deste

processo.

Nos últimos anos, segundo Kingston (2010), ocorreu uma redescoberta pela história

do estudo dos espaços e lugares, o que define como transformação nas investigações

sobre o tema: spatial turn. O uso do termo redescoberta visa a resgatar a longa tradição

de investigações, ao mesmo tempo em que marca a diferença na produção

contemporânea, calcada no recurso a novas tecnologias que permitem visualizar a

dinâmica histórica da ocupação dos espaços8 .

As investigações históricas sobre as cidades ancoram-se no diálogo, não tanto com

a geografia, mas com autores dos campos do urbanismo e sociologia urbana9. Um tema

que se destaca é a investigação sobre emergência e transformação de espaços urbanos,

definidos não por crescimento natural, mas por sua planificação. Bresciani (2002) indica

que já no século 18 as cidades ideais, ou projetos de cidades idealizadas, ocupavam o

imaginário europeu, informando a criação de San Petersburgo, modelo histórico de

intervenção e domínio da natureza.

Já ao longo do século 19 os planos das cidades imaginadas voltam-se para a

solução dos problemas sociais existentes. O crescimento desordenado das grandes

metrópoles, como Londres e Paris, com os problemas de salubridade, habitação, violência

e mobilidade consequentes, levaram à elaboração de reformas urbanas. Informadas por

saberes técnico-científicos, destacadamente no diálogo entre a engenharia e o

sanitarismo, a planificação iria dar origem à ciência do urbanismo no século 20.

As reformas urbanas do período configuraram-se como uma das principais

estratégias de intervenção não apenas no espaço, mas nas populações que os

ocupavam. Tal fenômeno teve início com a paradigmática intervenção desenvolvida pelo

barão Haussman em Paris, a qual serviu de modelo para outras ações ao redor do

mundo, como São Petersburgo e Nova Iorque. Os princípios urbanísticos que regiam tal

reforma eram o alargamento e retificação de ruas, o saneamento de bairros insalubres e

iniciativas de embelezamento fundadas numa estética neoclássica laica.

No Brasil a reforma Pereira Passos (1903-1906) no Rio de Janeiro, bem como os

projetos de expansão urbana de Santos (1896-1910), Vitória (1896), Recife (1910-1914),

Porto Alegre (1913), Parayba do Norte, atual João Pessoa (1913)10 partilhavam do

mesmo paradigma. Uma perspectiva mais radical de intervenção urbana configurou-se na

criação de cidades planejadas como La Plata, na Argentina, Washington nos EUA e Belo

Horizonte no Brasil11.

7 Para uma historiografia das cidades vide o verbete Urbano em Burguiere (1993); assim como Raminelli (2007).

8 Vide The spatial history project desenvolvido pela Universidade de Stanford, que contempla o estudo da ocupação do Rio de Janeiro: http://web.stanford.edu/group/spatialhistory/cgi-bin/site/index.php.

9 Destacam-se, entre outros, MUMFORD, Lewis. A cidade na história. São Paulo: Martins Fontes, 1991; CHOAY; Francoise. O urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 2000; WEBER, Max. O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

10 Vide Nascimento; Krajewski e Britto (2013).

11 Para uma análise comparativa da criação de Belo Horizonte e la Plata ver Arruda (2011).

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Embora tais reformas tivessem elementos comuns herdeiros da proposta parisiense,

as dinâmicas nacionais e locais de governo das populações e gestão do território

evidentemente imprimiram distinções características.

Trazendo para o contexto de análise, a cidade de Belo Horizonte constitui objeto

privilegiado. Sua criação constitui, tanto expressão de intervenções urbanas que

circulavam internacionalmente, quanto o momento histórico do país. Assim é que a

construção da cidade afirma-se como materialização do modelo republicano vitorioso,

caracterizado pela aplicação de uma racionalidade positivista na organização do espaço,

aliada a uma perspectiva segregacionista do governo das populações.

Belo Horizonte: planificação urbana e ocupação territorial

Belo Horizonte, nova capital do Estado de Minas Gerais, planejada e inaugurada no

alvorecer da República (1897), espelhava em seu traçado arquitetônico a perspectiva de

ordenação social das elites dirigentes.

A capital foi planejada12 em três espaços distintos, desenhados como círculos

concêntricos, cuja ocupação populacional seria definida por critérios sociais. A área

central, no interior do perímetro da Av. Contorno, que delimitaria o espaço urbano, foi

destinada às elites e extratos médios do funcionalismo público, com acesso às

edificações e serviços fornecidos pelo Estado, identificados com os padrões de uma

metrópole moderna. A área suburbana, para além dos limites desta avenida, seria

destinada às camadas populares, sendo caracterizada pela ausência de tais

equipamentos e pela construção precária de ruas e moradias, deixadas à cargo da

população. Por fim, a zona rural seria constituída por fazendas que já existiam na

proximidade do arraial.

É interessante observar como o rural e urbano constituíam não domínios distintos,

mas inseridos dentro do mesmo espaço no planejamento da cidade. O modelo buscava

integrar as funções de produção, circulação e consumo numa totalidade maior, superando

as divisões geográficas tradicionais entre campo e cidade, sob o signo do progresso e

civilização.

Para Paula e Monte-Mor (2004) os princípios que regeram a planificação da capital

mineira foram salubridade, comodidade e estetização. Avila (2008) também destaca

como, coerente com a perspectiva republicana de recurso à linguagem iconográfica na

construção de um projeto de Nação, investiu-se na criação de prédios, monumentos e

espaços que esteticamente constituíssem expressões de um modelo laico de cidade, em

ruptura com a tradição colonial de Ouro Preto, antiga capital.

Porém, tal investimento concentrou-se na zona urbana. Ainda que compreendidas

como integradas à cidade, as zonas suburbanas e rural não foram alvos de construção

dos mesmos equipamentos, nem dadas condições de transporte que permitissem o

acesso às edificações da área central.

Para Alicia Pena (1997, p. 109 apud Vago, 2002), “a zona suburbana foi, na prática,

constituindo uma não cidade, sendo ocupada pela população pobre, sendo a porção mais

populosa da cidade, encontrando-se em desalinho, tortuosa, estreita, baixa e deselegante

- enquanto a outra, modelar, era como o bulevar parisiense aos olhos dos pobres”.

12

A planta da cidade foi elaborada antes da definição de seu local de construção.

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Tal visão tem sido criticada mais recentemente13. Para Aguiar (2006) a região

suburbana não constituía uma não-cidade, mas integrava-se ao projeto mais amplo da

metrópole, traduzindo em sua espacialidade, o modelo de ocupação preconizado pelas

elites dirigentes, que responsabilizava as classes populares por prover condições próprias

de moradia, com suporte limitado do Estado14.

Como comenta Marins (1998, p. 136), “esse modelo de convívio urbano,

trespassado pelos procedimentos de especialização espacial e segregação social, esteve

pulsando no cerne dos procedimentos de controle da habitação e vizinhança

implementados nas capitais brasileiras do advento da República”.

Para além da política de intervenção urbana característica do período, a construção

da capital respondia também a demandas regionais de uma nova ordenação política. Se o

caráter federativo do novo regime conferia aos Estados, e às suas elites dirigentes, poder

significativo, este ganharia efetividade pela coesão das mesmas.

Minas Gerais, historicamente caracterizada pela desagregação da classe política e

regionalidade, via-se confrontada pelo novo quadro. A construção da capital tinha em

vista conferir unidade e coesão às forças políticas, de forma a superar as disputas

regionais. Neste sentido, a construção da nova capital possibilitaria forjar um novo polo

político, econômico e intelectual, superando as disputas regionais.

A construção da nova capital respondia também a um plano mais ambicioso que

aliava a mudança do local de exercício do poder político e sede administrativa do Estado,

fazendo frente a demandas de modernização econômica. A busca de superação das

desigualdades regionais e do desequilíbrio sócio-político, concentrado nas zonas da Mata

e do sul em função da atividade cafeicultora, teve como estratégia a modernização

industrial e agrícola. Neste sentido, a Cidade de Minas, denominação inicial de Belo

Horizonte, deveria conjugar atividades industriais e agrícolas, diversificando e

modernizando a economia. Para tal, foram dados subsídios aos interessados na

implantação de indústrias, ou oficinas, como eram chamadas. Definiu-se, logo

posteriormente à planta inicial da cidade, destinar a zona rural à criação de colônias

voltadas para modernização e diversificação de atividades agrícolas, as quais seriam

habitadas por imigrantes.

Em seus primeiros anos a cidade funcionou mais restritamente como centro

administrativo, custando a assumir uma vocação industrial e nunca chegando a

estabelecer-se como espaço de modernização agrícola. Em seus 10 primeiros anos a

cidade pouco se desenvolveu em termos econômicos, sendo dependente dos subsídios

13

Belo Horizonte apresenta uma longa tradição de estudos historiográficos. Vide, além dos citados no texto, BARRETO; Abilio. Memória histórica e descritiva de Belo Horizonte. Belo Horizonte, Rex, 1936; MOURÂO, Paulo Krueger. História de Belo Horizonte de 1897 a 1930. Belo Horizonte: Autor, 1970; LE VEN, Michel Marie. As classes sociais e o poder político na formação espacial de Belo Horizonte (1893-1914). Belo Horizonte: UFMG, 1977. 278f. Dissertação (mestrado em Ciências Políticas). Universidade Federal de Minas Gerais. JULIÃO, Leticia. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna (1891-1920). Belo Horizonte: UFMG, 1992. 245f. Dissertação (mestrado em Ciências Políticas). DULCI, Otavio (org). Belo Horizonte: poder, política e movimentos sociais. Belo Horizonte: C/Arte, 1996; DUTRA, Eliane (org.). BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/Arte, 1996.

14 Segundo Veiga (2002) os recursos para construção de casas populares foram inferiores aos destinados às comemorações da inauguração da capital.

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do Estado (Aguiar, 2006). Foi a partir das décadas de 1910 e, principalmente de 1920,

que a cidade experimentou um aumento populacional significativo, incrementando o setor

de serviços e indústria, quando crescia a taxas de 10% ao ano (Aguiar, 2006).

O plano inicial privilegiava na área central a oferta de equipamentos, serviços e

lazer, como o Parque Municipal, praças, secretarias de Estado, cemitério, igrejas,

hospitais e escolas. Já a área suburbana apresentava características diferenciadas, com

lotes mais amplos e ausência de serviços públicos. Tinha-se como previsão um

movimento de ocupação do centro para a periferia, em que a cidade, por ação do

progresso e da ocupação do território, estenderia os equipamentos às regiões periféricas.

Porém, os condicionantes econômicos impuseram uma ocupação territorial

diferenciada. Enquanto o preço dos terrenos teve alta especulação na zona urbana, na

suburbana e rural a existência de áreas maiores e mais baratas levou a uma maior

ocupação pela população15. Tal processo foi de certa forma fomentado pelo governo local,

ao permitir a divisão dos lotes nas zonas suburbanas, possibilitando a construção de vilas,

o que não ocorreu na zona urbana. Segundo o censo de 1912 a população da cidade

estava assim distribuída: urbana 12.033 (32%), suburbana 14.842, rural 11.947 (ambas

78%), totalizando 38.822 (Recenseamento de 1912).

Ou seja, diversamente do que foi planejado por ocasião da construção da cidade,

sua territorialidade definiu-se num movimento da periferia para o centro. No fim dos anos

1920 Belo Horizonte apresentava-se como uma cidade curiosamente vazia no centro e

adensada na sua primeira periferia e assim permaneceu até os anos 1970 (Aguiar, 2006).

No dizer de dois arquitetos na década de 1930, “a Capital não se tornou densa, de

início, como acontece às grandes cidades. [...] Enquanto as ruas do centro da cidade, em

sua maior parte, apresentam casas de vastos quintais, há nos bairros um formigamento

de construções tendentes a, cada vez mais, ampliar a área da cidade” ( apud Borsagli,

2011, p. 17).

Esta territorialização configurou-se como problema, não apenas pela não efetivação

do plano inicial, mas também pelas demandas provocadas. Segundo Pádua e Monte-mor

(2004), as solicitações das populações situadas fora do perímetro da região urbana

concentraram-se, a partir da década de 1910, em serviços como transporte, saneamento

e energia. A arrecadação municipal mostrava-se insuficiente e optou-se, a partir de 1914,

pela transferência destes serviços à iniciativa privada, com privatização dos serviços de

bonde e energia. Ou seja, o investimento estatal na criação de uma infra-estrutura urbana

restringiu-se, em termos gerais, à região central16.

Observa-se que, em decorrência da precariedade do orçamento municipal,

determinada pela perda da arrecadação, aumento populacional muito além do previsto ,

queda do preço do café, a cidade teve que diminuir o ritmo de investimento na sua

15

“Os prédios da zona urbana, além de apresentarem um valor absoluto médio cerca de três vezes superior (tanto para venda quanto para locação), ainda eram relativamente mais caros se estabelecermos um índice entre o valor dos aluguéis de cada área e o valor de compra dos imóveis [...]. Sabe-se que a ocupação da zona urbana de Belo Horizonte, obedeceu a uma série de normas rígidas de cunho segregacionista, o que explica o alto preço dos aluguéis encontrado. Aqueles que tinham condições de se instalar na zona urbana eram forçados a desembolsar maiores quantias pelo privilégio, em vista do alto custo das construções. A alternativa seria habitar fora do perímetro da Avenida do Contorno, mesmo se sujeitando à precariedade de infraestrutura” (Gough, 1994, p. 52).

16 Esta transferência não significou uma melhoria dos serviços, ao contrário, as reivindicações por melhores condições de moradia e transporte eram frequentes nos jornais da época e registros memorialísticos.

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consolidação. Acresce-se a estas questões a falta de autonomia política do município que

até 1947 esteve submetido aos governos do Estado, que indicavam os prefeitos. Ou seja,

a cidade teve que adequar-se aos interesses políticos das oligarquias estaduais (Dulci,

1996). Todas estas condições impuseram uma precarização na oferta de infra-estrutura, o

que impactou especialmente os moradores das regiões periféricas à área central,

destacadamente trabalhadores nacionais e imigrantes.

Imigrantes e território

Se não estava prevista no plano original da cidade, a criação das colônias agrícolas

respondia às estratégias de modernização agrícola do Estado e não se restringia à nova

capital, onde foi denominada zona colonial. Também Juiz de Fora e São João del Rei

tiveram criadas colônias agrícolas situadas nas fronteiras do espaço urbano.

Tal política não era específica do Estado, pois colônias agrícolas foram

massivamente implantadas também no Sul do país. Porém, estas em sua maioria

ocupavam as regiões rurais distantes das cidades, tendo sido ali amplamente vitoriosa a

estratégia de desenvolvimento de atividades agrícolas por imigrantes que diversificaram e

modernizaram a produção naqueles Estados (Rodrigues, 2009).

Já no caso mineiro e, especialmente de Belo Horizonte, as colônias constituíram um

empreendimento de curta duração, que nunca respondeu à demanda de modernização

agrícola. Porém, sua ocupação deixou significativas marcas na identidade sócio-cultural

da população da cidade.

A implantação foi resultado do casamento entre as políticas agrária e imigratória. As

colônias agrícolas de Belo Horizonte foram concebidas, tanto na direção da ocupação

territorial, quanto na de produção e oferta de gêneros alimentícios para os moradores da

capital. A mudança significou um remanejamento do território da cidade, trazendo a zona

rural para mais perto da zona urbana e misturando-se à suburbana. No dizer de Aguiar

(2006), “o projeto de planificação do espaço no limite entre o rural e urbano traduzia o

modelo de planejamento em curso. As colônias foram concebidas tanto a partir de uma

exterioridade em relação ao espaço urbano, como de uma integração, conferindo aos

moradores uma funcionalidade social como produtores de gêneros alimentícios” (p. 62).

A política imigratória mineira foi intensa e curta. Em 1890 foi criada a Repartição de

Terras e Colonização, que determinou a arregimentação de imigrantes, especialmente

italianos interessados em emigrar para o Estado de Minas Gerais, tendo como atrativo

seu clima ameno, localização geográfica, condições favoráveis de trabalho e leis de

proteção aos estrangeiros17, itens presentes nas propagandas divulgadas em folhetos

(Borsagli, 2011). O fluxo cresceu rapidamente: foram 200 imigrantes em 1892 e 10.000

em 1894 (Rodrigues, 2009).

17

Questão importante, porque neste período já se faziam presentes denúncias das péssimas condições de trabalho encontradas por imigrantes italianos, especialmente nas fazendas de café, onde substituíam a mão de obra escrava.

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Em termos nacionais Minas Gerais foi o terceiro Estado na recepção de imigrantes

italianos, atrás de São Paulo e Rio Grande do Sul. A política imigratória do Estado

assemelhava-se ao Estado sulista, na medida em que, aos recém-chegados, eram

destinadas pequenas áreas agrícolas, enquanto em São Paulo o trabalho na lavoura do

café em grandes propriedades era o destino18.

O território das colônias caracterizava-se pela precariedade dos equipamentos já

que, a princípio, constituiriam um núcleo rural: esta região já era ocupada por fazendas e

cafuas. A descrição da topografia da cidade presta-se à caracterização da paisagem das

regiões periféricas onde estas estavam situadas, “marcada por uma rede hidrográfica

natural do sítio, pequenos cursos d agua que drenam vales estreitos em meio a uma

topografia variada caracterizada por colinas e terrenos íngremes” (Nascimento; Krajewsi;

Britto, 2013, p. 117).

Para além da atividade agrícola os imigrantes foram envolvidos na construção da

nova capital. O plano arquitetônico referenciado em padrões estéticos Art Noveau

demandava mão de obra especializada. Assim é que praticamente 50% dos operários

envolvidos na construção da capital era constituída por imigrantes, com predomínio de

italianos com experiência em construção civil.

Observa-se que como 13,8% da população de Belo Horizonte fosse composta por

estrangeiros e apenas 4% da população do município residisse nas colônias agrícolas em

1904, grande parte da população imigrante da capital vivia fora das colônias (Aguiar,

2006). Ou seja, a associação entre imigração e construção de colônias agrícolas não se

efetivou completamente.

A primeira colônia, Barreiro, foi criada em 1895, mas não vingou, tendo sido abolida

em 1899. Outras duas colônias foram criadas em 1896 e implantadas em 1898, Carlos

Prates e Córrego da Mata, depois denominada Américo Werneck. As outras três foram

criadas em 1899, sendo nomeadas Afonso Pena, Bias Fortes e Adalberto Ferraz. A

colônia Afonso Pena apresentava uma peculiaridade quanto à sua localização, pois se

situava nos limites da Avenida do Contorno, marcando uma fronteira entre a urbanidade

da região central e a zona rural da colônia.

Inicialmente a política de construção de colônias agrícolas articulava-se à política

imigratória. Os terrenos das colônias deveriam ser doados ou vendidos a baixo preço aos

imigrantes recém-chegados, que desenvolveriam atividades de lavoura. Embora no texto

legal as colônias agrícolas fossem preferencialmente destinadas a tal população, a

nacionalidade mais presente foi a brasileira: em 1903 os nacionais compunham 47,5%

dos habitantes da zona colonial e em 1910 45%. A seguir vinham os italianos: 37,2% em

1903 e 39,4% em 1910.

Os italianos sempre estiveram como o grupo imigrante mais numeroso em Belo

Horizonte. Em 1905 75% dos estrangeiros na cidade eram dessa nacionalidade e em

1920 61%. Portugueses e espanhóis vinham a seguir (Rodrigues, 2009).

A população oscilou significativamente ao longo da existência das colônias. Estas

contavam em 1900 com 1.137 pessoas, entre brasileiros e imigrantes, sobretudo italianos,

população que se reduziu pela metade em 1904 - 625 pessoas -, voltando a crescer e

atingindo a população de 1.162 indivíduos em 1910. Formavam uma parte significativa da

18

Segundo Rodrigues (2009), em regulamento promulgado em 1890, os fazendeiros que dividissem seus latifúndios para formação de colônias receberiam vantagens e subsídios do governo estadual.

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população da cidade, haja vista que em 1900 viviam na capital 13 mil pessoas e 17 mil

em 1905. A porcentagem da população da zona colonial na capital variou, portanto, de

8%, em 1900, a 4%, em 1905 (Rodrigues, 2009).

A oscilação da população das colônias e sua redução na primeira década

republicana relaciona-se à peculariedade do Estado no desenvolvimento de uma política

imigratória. Se o fluxo de estrangeiros para Minas Gerias foi intenso na última década do

século 19, foi mais curto e menos significativo que em outros Estados em função de, entre

outros fatores, sua onerosidade19 e diminuição do preço internacional do café (Botelho,

2007).

Observa-se que se o objetivo de povoamento do território às margens da zona

urbana foi bem sucedido, o mesmo não ocorreu em relação à vocação agrícola. Verifica-

se a presença de trabalhadores residentes das colônias como operários ou prestadores

de serviços aos demais moradores da cidade. Tal fator, aliado à falta de apoio do governo

para desenvolvimento de atividades agrícolas, levou à incorporação das colônias ao

núcleo propriamente urbano da capital na década posterior.

O investimento estatal mostrou-se errático e insuficiente. Mesmo estando previsto

no regulamento de criação das colônias a oferta de equipamentos básicos e infra

estrutura, tal não ocorreu. Os lotes foram comprados pelos imigrantes e não doados,

sendo os mesmos responsáveis pela edificação das ruas e serviços sanitários. Nem

mesmo o registro dos terrenos foi efetivado. Contrastando com o núcleo central que

recebeu dos governos as condições de moradia, não apenas em termos de infraestrutura,

mas de equipamentos, nenhum espaço público foi edificado nas colônias pelo poder

público inicialmente.

A ausência do Estado foi registrada mesmo no relatório governamental: “As colônias

vão em grande prosperidade, apesar de terem tido poucos favores do Governo, pois os

colonos construíram as casas às sua custa, e pelas escrituras devem pagar os terrenos

de acordo com as cláusulas estipuladas . O governo tem prestado alguns auxílios com a

extinção de formigas nos lotes coloniais” (Relatório, 1902, p. 52).

Progressivamente as zonas coloniais foram incorporadas à zona suburbana, sendo

os lotes divididos, criando-se vilas que permitissem a ocupação por uma população maior,

que não tinha como arcar com os preços dos lotes da região urbana. Em termos legais as

colônias agrícolas foram extintas e incorporadas à zona suburbana em 1911 e 1912, o

que permitiu o investimento em sua urbanização.

Tal mudança configurou-se no interior de deslocamentos das populações no

movimento de territorialização da cidade, definidos por mobilidade social e política urbana.

Assim é que muitos imigrantes, nem todos de origem popular, deslocaram-se para os

bairros mais centrais ou vieram a ocupar regiões mais valorizadas das áreas ditas

suburbanas. Já os grupos populares ocuparam espaços periféricos configurando regiões

de alta concentração demográfica, em oposição às áreas vazias da região central.

19

A imigração para Minas Gerais foi subsidiada pelo governo, sendo pouco frequente a imigração voluntária (Botelho, 2007).

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Colônias agrícolas e escolarização

O direito à educação primária gratuita nas colônias era previsto pela lei n. 281, de 16

de setembro de 1899, que regulamentava a criação de uma escola mista em cada colônia

agrícola cuja população escolar fosse superior a vinte crianças e com uma frequência

mínima de 15 alunos.

O texto legal considerava a especificidade dos núcleos rurais, com densidade

populacional inferior aos núcleos urbanos, em que era exigida uma população mínima de

30 crianças em idade escolar, embora fosse mantida a exigência de uma frequência

significativa de 75%. O problema da infrequência escolar, já presente na período imperial,

teve continuidade, especialmente entre as classes populares e nos espaços rurais, onde a

necessidade da participação das crianças nas atividades de trabalho se fazia mais

presente, bem como a aquisição da cultura escrita menos significativa. Mas cabe destacar

que, segundo Rodrigues (2009), em Minas Gerais ocorreu um aumento significativo de

30% na frequência nas primeiras décadas republicanas.

Apesar do regimento que criou as colônias prever que “na sede da colônia se

construirá um prédio modesto para uma escola mista, desde que seja oportuno” (Coleção,

1899, art. 12, p. 67), tal não ocorreu nos seis primeiros anos de funcionamento das

colônias agrícolas da capital.

Observa-se que o texto legal mostra-se pouco assertivo na definição da

responsabilidade estatal na oferta de instrução e no atendimento ao direito da população.

O uso do termo modesto revela uma dimensão de contraste com a política de concessão

de grandes espaços nas áreas centrais para construção de escolas privadas, inicialmente

concebidas como responsáveis privilegiados pela oferta da instrução primária (Faria Filho,

2001). Também a observação de que tal edificação não seria obrigatória, mas apenas

oportuna, demonstra o caráter ambíguo da responsabilidade estatal.

A demanda por escola fazia-se presente naquela população. Nos jornais italianos da

capital, dentre as reclamações e reinvindicações, este era o tema mais frequente. Na

verdade pretendia-se uma escola italiana que ensinasse a língua e valores relacionados

àquela nacionalidade (Costa, 2005; Nicácio; Myrha, 2015).

A inexistência de escola pública nos seis primeiros anos de funcionamento das

colônias fez com que esta população arcasse, tanto com a abertura de uma escola na

colônia Carlos Prates, a mais habitada, financiada pelos próprios moradores, quanto

instituísse a Escola Italiana, ambas em 1902. A abertura da escola pública efetivou-se em

1903, após abaixo assinado encaminhado pelos moradores da colônia Carlos Prates ao

secretário do Interior e ao Inspetor de Terras e Colonização, no qual solicitavam a

construção de uma escola de instrução primária gratuita para suas crianças, já que até

então foram os responsáveis pela escolarização de seus filhos (Rodrigues, 2009). Além

desta, foram criadas quatro cadeiras mistas nas demais colônias (decreto n. 1.585, de 14

de março de 1903). Observa-se, portanto, um movimento de maior responsabilização do

Estado pela instrução, em que não apenas a reivindicação foi atendida, como estendida

às demais colônias.

A cidade passou então a contar com 11 escolas privadas, que receberam doação de

terrenos e outros subsídios, oito cadeiras urbanas, quatro do sexo feminino e quatro do

masculino, 5 cadeiras mistas nas colônias e nenhuma na zona suburbana. Tal dado é

interessante e demanda problematização. O atendimento privilegiado de escolas às zonas

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urbanas, ocupadas pelas camadas médias e elites, e zonas coloniais, ainda

significativamente constituída por imigrantes, respondia a uma pressão maior de instrução

por parte desta população, a uma política discricionária, ou a ambas?

A população das colônias apresentava elevados índices de letramento em

comparação com os índices nacionais, que indicam 20% da população como alfabetizada.

Segundo dados oficiais, em 1903, 75% da população das colônias agrícolas sabia ler e

escrever. No ano de 1910 tal índice decresceu para 61,3%. Já o número dos que não

sabiam ler e escrever subiu de 25% em 1903 para 38,7 % em 1910 (Aguiar, 2006). Tais

dados devem ser vistos com cuidado. Com aponta Ferraro (2009), o censo de 1910

revelou-se problemático, em que o cômputo concentrou-se nas áreas urbanas, deixando

de registrarem-se os índices das zonas rurais.

Ainda que com cautela cabe debruçar-se sobre estes índices para melhor

compreender a relação desta população com a cultura escrita. Como apontado

anteriormente a população de brasileiros habitantes das colônias aumentou ao longo do

período. O índice de letramento era significativamente maior entre os imigrantes. Assim é

que o aumento da população nacional fez possivelmente restringir os índices de

letramento.

Outro recorte a ser sublinhado é o geracional. Como era significativa a população de

menos de 12 anos20, muitos adultos provavelmente foram alfabetizados no país de

origem, o que não ocorreu com a geração posterior. Seria este dado indicativo da

insuficiência de espaços de escolarização?

A valorização da instrução pela população imigrante relacionava-se também com a

sua identidade de classe. Os estudos sobre a história dos movimentos operários da

cidade (Dutra, 1988) indicam que as sociedades mutualistas davam destaque à instrução

e educação dos trabalhadores como condição de melhoria nas condições de vida e maior

consciência social. A mais importante, a Sociedade Operária Italiana, criada em 1896,

contribuiu para financiamento da escola italiana criada na colônia Carlos Prates, antes

que fosse implementada a escola pública, valorizando tanto o acesso à instrução, quanto

a preservação da língua e da cultura.

Verifica-se, portanto, um movimento geográfico oposto na ocupação da cidade pela

população e a oferta da instrução, à semelhança de outros serviços públicos. Enquanto,

como apontado acima, a ocupação populacional apresentou um movimento da periferia

para o centro da cidade, a oferta de instrução pública fez-se no sentido inverso21.

Peterson (1983) identifica o mesmo processo na história da escolarização norte-

americana em que, ao invés de concentrar os recursos nos segmentos mais pobres da

população, estes foram ignorados até o provimento de espaços educativos considerados

adequados às camadas médias. O atendimento às demandas escolares das camadas

20

Segundo Botelho (2007) as crianças de menos de 10 anos constituíam a maioria da população imigrante nos registros da Hospedaria de Imigrantes de Juiz de Fora.

21 Há uma significativa produção sobre a educação em Belo Horizonte no período. Além dos trabalhos de Veiga (2002), Vago (2002), Faria Filho (2000), Rodrigues (2009), destacam-se o dossiê Cidade e educação: BH ano 100. Educação em Revista n. 26, 1997, p. 23-112; NOGUEIRA, Vera Lúcia. A escola primária noturna em Minas Gerais (1891-1924). Belo Horizonte: Mazza, 2012; NOGUEIRA, Priscila. A fim de arrancar da ignorância e do erro pequeninos seres: as caixas escolares em Belo Horizonte (1911-1918). Belo Horizonte: UFMG, 2013. 176f. Dissertação (mestrado em Educação). Universidade Federal de Minas Gerais.

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pobres e racialmente discriminadas no contexto norte-americano foi não apenas posterior,

mas em condições mais precárias de instalação, o que podemos compreender como

semelhante ao caso brasileiro e, especificamente, da capital mineira.

A partir de 1903 houve significativo investimento estatal na construção e

manutenção de escolas nas colônias, como se pode apreender dos relatórios dos

inspetores, que destacam a adequação das instalações e dos materiais didáticos. Os

números das escolas dos núcleos coloniais, se comparados ao conjunto da cidade para o

ano de 1904, demonstram que, dos alunos matriculados nas escolas públicas da capital

no primeiro semestre, 317 matricularam-se nas escolas das colônias, ou seja, 38,4% dos

alunos da capital estavam nas escolas dos núcleos. Tal dado, como observado por

Rodrigues (2009) indica a presença não apenas de crianças das colônias, mas de

moradoras da zona suburbana, dada a ausência de escolas públicas naquela região.

Em 1906 o texto da Reforma João Pinheiro, que instituiu os grupos escolares no

Estado, no que se refere às colônias, repetia o mesmo do regulamento anterior, com uma

pequena modificação no parágrafo 2º do artigo 13, onde afirma-se que “na sede da

colônia se construirá um prédio modesto para uma escola mista”, retirando-se o termo

oportunidade da construção presente no regulamento anterior. Isto indica que, em termos

legais, o Estado assumiu a obrigatoriedade de construção destas edificações.

Uma questão destaca-se. Se a historiografia da cidade aponta no período a

ausência de investimento na infra-estrutura das zonas suburbana e colonial (Paula;

Monte-Mor, 2004), diferentemente dos demais serviços, verifica-se o investimento na

escolarização dos moradores desta região. Um exemplo encontra-se no relatório do

prefeito Benjamim Jacob em 1906, que registra as despesas com serviços públicos e sua

localização. De todas as despesas arroladas apenas a extensão da tubulação para

abastecimento de água à escola pública da colônia Bias Fortes visava as populações

situadas fora da zona urbana (1907, p. 15). No mesmo relatório registra-se a construção

de casas para escolas primárias nas colônias Bias Fortes, Adalberto Ferraz, além do

grupo escolar, escolas singulares e escola infantil na região central da cidade. Verifica-se,

portanto que, ainda que concentrados na região urbana, foram destinados recursos para

escolas públicas nas colônias e, posteriormente, à zona suburbana. Ou seja, ainda que

não privilegiadas na oferta da instrução houve, por parte dos governos municipais, uma

destinação de recursos para instrução pública da população moradora fora da zona

urbana, o que não ocorreu em relação a serviços como transporte - não haviam bondes

que atendiam a estas regiões -, energia elétrica e água - problema constantemente

evocado nos jornais locais.

Ainda assim verifica-se que a localização territorial das colônias dificultava o acesso

e frequência das crianças ali moradoras às escolas. No regulamento de 1899 as escolas

das colônias podiam apresentar índices inferiores de matrícula e frequência, dada sua

caracterização como zona rural. O decreto n. 2.130, de 27 de novembro de 1907, definiu

que “declara urbanas as cadeiras mistas isoladas, situadas nos subúrbios desta capital,

criadas pelo dec. n. 1585 de 15 de março de 1903” (coleção, 1907 apud Rodrigues, 2009,

p. 175). Esta mudança conferiu a mesma identidade às escolas situadas na zona urbana

e colonial da cidade, o que revela uma compreensão da indiferenciação das mesmas,

demandando iguais exigências de matrícula e frequência.

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Esta mudança trouxe alguns impactos indiretos, como se apreende do relatório do

inspetor regional Antonio Gomes, em 18 de outubro de 1911: “Não me canso de levar ao

conhecimento de Vossa Excelência o grave inconveniente do horário matinal que poderá

ser útil nas zonas urbanas, mas não nas colônias rurais. Para elas convergem crianças de

grandes distâncias, que só com muito sacrifício poderão chegar à classe à hora certa”

(s/p).

No caso da colônia Afonso Pena tal dificuldade foi acentuada. Criada em 1899 e

incorporada à zona suburbana em 1912 a Colônia Afonso Pena apresentava baixa

ocupação, na comparação com as demais. Teve inicialmente destacado papel na

produção de alimentos, atividade que foi aos poucos perdendo importância, sem que

viesse a desenvolver atividades industriais como ocorria nas outras colônias (Aguiar,

2006).

Sua população teve significativa flutuação, tendo variado de 268 em 1900,

diminuindo para 87 em 1905, aumentando para 169 em 1910. Predominavam os

brasileiros e, em menor número, italianos. Como nas demais, a ocupação concentrava-se

em núcleos familiares, com significativa presença de menores de 10 anos (Aguiar, 2006,

Rodrigues, 2009).

No que se refere à instrução primária a escola mista criada em 1903 contou com

uma flutuação nos índices de frequência, que iriam decair progressivamente. Mesmo

assim no ano de 1912 a população solicitou à Secretaria do Interior a abertura de uma

nova escola primária em um terreno doado por um morador. Esse pedido foi

acompanhado de uma lista contendo assinaturas de 35 colonos que possuíam 50 filhos

em idade escolar e “que não gozavam do benefício da instrução primária, pelo fato de que

a única escola na colônia localizar-se em uma região distante, que não possuía nenhuma

estrada de acesso” (relatórios de Inspeção Técnica, 1912). Esta breve descrição

corresponde às condições da colônia naquele período, com um terreno irregular, sem

ruas demarcadas e atravessadas por um córrego, possivelmente o abaixo assinado

referia-se ao córrego do Leitão canalizado em 1928, que dificultava a travessia por

crianças pequenas. Ou seja, mesmo havendo escola, esta era inacessível, o que

certamente contribuiu para a baixa frequência e subsidiou o envio do abaixo assinado.

O fato dos moradores oferecerem o terreno para a escola deveria privilegiar o

atendimento, de acordo com o regulamento: “Para a disseminação de escolas isoladas e

de grupos escolares, serão de preferencia attendidas as localidades que corresponderem

aos intuitos do governo, offerecendo ao Estado predio onde o ensino se possa exercer de

modo conveniente e efficaz” (Minas Gerais, 1906, p. 7). O artigo 6 previa que “na

execução de seu plano de ensino, o governo, para instituição de escolas de qualquer

espécie, grupos escolares etc., dará preferência às localidades que o auxiliarem

eficazmente já por sommas em dinheiro, já por dádivas de predios, terrenos ou materiaes”

(Minas Gerais, 1906, p. 7).

Tal prioridade comprometia o acesso à instrução pelas camadas mais

desfavorecidas, incapazes de contribuir para manutenção dos núcleos escolares. No caso

da colônia Afonso Pena a ação de escrita e encaminhamento do abaixo assinado, bem

como a cessão do terreno por um dos pais interessados, demonstram o investimento da

população na instrução num período em que a valorização dos terrenos na cidade foi

significativa.

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Vigorava então o Regulamento da Instrução de 1911, promulgado pelo presidente

Bueno Brandão, que procedeu a uma ampla revisão dos regulamentos anteriores,

especificando normas para os diferentes graus da instrução. Nele constava o decreto n.

3.191, de 9 de junho de 1.911, que instituía a criação de até duas escolas nas áreas

rurais e de colônias, desde que essa se inserisse no quesito de povoações com um

mínimo de vinte casas habitadas, 50 crianças ou mais em idade escolar.

O pedido da construção de uma nova escola foi negado pelo inspetor regional de

ensino Antônio Gomes Horta, justificando que a região já tinha uma escola mista

funcionando e que a frequência e matrícula no presente ano eram diminutas. A tabela a

seguir confirma a justificativa dada à negação do pedido.

Tabela 1 -

Tabela de matrícula e frequência da Escola da Colônia Agrícola Afonso Pena.

Escola na Colônia Afonso Pena Alunos matriculados Frequência

2° Semestre de 1910 72 22

1° semestre de 1912 48 13, 32, 30

(fevereiro, março, abril) Fonte: Aguiar (2006, p. 92) e relatório de inspeção técnica do ensino, 1910 e 1912, APM.

Já nas demais quatro colônias que contavam com um índice de frequência superior,

tal demanda foi atendida com abertura de uma segunda escola. Verifica-se que, a se

considerar os dados do abaixo-assinado, um número significativo de crianças não foi

contemplado com a instrução pública em razão da localização das moradias.

Fatores significativos para a população como distância da escola e condições de

acesso não eram considerados pela lógica estatal, centrada na relação entre matrícula e

frequência. No caso apresentado tal lógica é confrontada com a experiência social dos

moradores, em que à semelhança de outros locais no Brasil alia-se a baixa frequência à

insuficiência da oferta.

Conclusão

Para entender os processos históricos de acesso à instrução cabe ter em vista não

apenas as distintas identidades sociais das populações atendidas, em sua tensão com o

ideário de universalização da educação primária, mas considerar que tais dinâmicas

inscrevem-se em espaços geográficos. Se o acesso à escola mostra-se distinto nos

núcleos rurais e urbanos, nestes as condições de instrução relacionam-se às posições

das populações na cidade, hierarquicamente definidas.

Pode-se observar que, no decorrer da Primeira República, as populações buscaram

fazer frente às políticas segregacionistas e excludentes, tanto por meio de movimentos

organizados, quanto reivindicando serviços como transporte, melhores condições de

moradia por petições, abaixo assinados e reclamações em jornais.

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No entanto, faz-se pouco presente um olhar para as demandas sociais por instrução

por parte das populações envolvidas, entendidas como atores sociais deste processo22.

Assim é que os grupos sociais tem sua presença na produção historiográfica mais recente

sobre o período preponderantemente apresentados como objeto da ação educacional do

Estado e não como protagonistas do processo de escolarização das novas gerações.

Tal privilegiamento decorre, por um lado, pela significativa presença de fontes nos

arquivos documentais, centradas na ação do Estado, com poucos registros das

demandas sociais e dos embates em torno dos diferentes projetos de instrução em curso.

Por outro, a preponderância do recurso às fontes governamentais, sem uma

problematização das mesmas, tem levado muitas vezes a uma reprodução do discurso do

Estado. Como afirma Demartini (2006),

as teias de significados que acompanharam a implantação da instituição escolar são muito mais complexas, não podemos pensar apenas naquelas explícitas e implícitas no modelo de escola proposto pelo Estado em nome da população. É preciso verificar o outro lado, o lado da demanda, dos sujeitos envolvidos no processo, para aprendê-las e compreendê-las. (p. 93)

Neste sentido o estudo do processo histórico de escolarização no Brasil demanda,

para sua melhor compreensão, a construção de cartografias da instrução, de forma a

apreender a relação entre pertencimento social das distintas populações e ocupação do

território, num país cujas desigualdades inscrevem-se também nos espaços. O acesso à

instrução cabe ser apreendido no interior de lutas por territorialização.

Referências

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ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Coleção leis e decretos do Estado de Minas Gerais. 1847-1952 (CC.02/). 1999

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Relatórios de inspeção técnica do ensino. Belo Horizonte,1910, 1912.

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Relatórios de inspeção técnica do ensino. Belo Horizonte, 1910, 1912.

22

Destacam-se nesta perspectiva, além de citados neste texto, os seguintes trabalhos sobre demanda de educação na Primeira República: SOUZA, Rosa Fátima. O direito a educação: lutas populares pela educação em campinas. Campinas: Unicamp, 1998; FARIA FILHO, Luciano. República, trabalho e educação: a experiência do Instituto João Pinheiro 1909/1934. Bragança Paulista: USF, 2001. SCHUELER, Alessandra; RIZINI, Irma. MARQUES, Josué. Felismina e Libertina vão à escola: notas sobre a escolarização nas freguesias de Santa Rita e Santana (Rio de Janeiro, 1888-1906). Hist. Educ. (Online), v. 19, 2015, p. 145-165. Há também uma significativa produção sobre as demandas e fornecimento de escolas pela população imigrante, dentre os quais DEMARTINI, Zeila. Imigração e educação: discutindo algumas pistas de pesquisa. Pro-Posições (Unicamp), v. 15, n. 3, 2004, p. 215-228; KREUTZ, Lucio. Escolas comunitárias de imigrantes: histórias de coordenação e estruturas de apoio. Revista Brasileira de Educação, v. 31 n. 15, 2000, p. 156-179.

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MARIA CRISTINA SOARES GOUVEA é professora na Faculdade de Educação da UFMG. É pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em História da Educação e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil. Endereço: Rua Grão Pará 981/903 - 30150-341 - Belo Horizonte - MG - Brasil. E-mail: [email protected]. KARINA NICÁCIO é graduada em História pela UFMG, estudante do curso de Mestrado em Educação na UFMG, pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em História da Educação e bolsista de mestrado da Capes. Endereço: Rua Dr. Archimedes Theodoro, 118 - 31652-230 - Belo Horizonte - MG - Brasil. E-mail: [email protected]. Recebido em 20 de julho de 2016. Aceito em 18 de novembro de 2016.