escondida floral cintilante covent - clipquick€¦ · licome-que. juntos, desvendam um enigma que...
TRANSCRIPT
Escondida na Floral Street,no coração do cintilante CoventGarden de Londres, fica a Loja Tintin.Além dos 24 álbuns de BD, desde No Pais dos
Sovietes a Alfa- Arte, lá encontra souvcnirs paratodos os tipos de fãs, desde miúdos (o Milu em
peluche a partir de cerca de € 1 0) até aos
fanáticos de Hergé (uma figura do submarinotubarão de O Tesouro de Rackham, o Terrível,cerca de £ 264). O facto de não existir uma lojaoficial de Batman, do Supcr-Homcm ou sequeruma megastore de Crespúsculo diz muito sobre a
popularidade e a riqueza do universo de Hergé.A Tintin Shop é uma Meca para os tintinófilosbritânicos, incluindo Jamie Bell, cliente
frequente já muito antes de ficar com o papel
principal na adaptação de Steven Spielberg e
Peter Jackson.
A paixão de Bell pelo herói de popa nasceu
da versão animada franco-canadiana e cresceu
durante visitas frequentes à biblioteca da
escola de Northfield para devorar álbuns.
Depois de conseguir o papel, Bell voltou à loja
para comprar (diz ele) um "belo" modelo de
resina da sua nova personagem e, ao pagar,viveu o seguinte diálogo:
Empregado da Tintin Shop: Vão fazer
um filme dele.
Bell: A sério? Nào me diga!
Empregado da Tintin Shop: Sim, é do
Spielberg. Vamos lá ver se não estraga tudo.
Sentado
em frente à Empire,Steven Spielberg não tem arde um homem que "estragoutudo". Estamos no final dejulhode 201 1 , e faltam menos de 1 2 semanas
para a estreia de As Aventuras de Tintin:O Segredo do Licorne. Spielberg, impecavelmentevestido com um blusão azul-escuro, camisa
azul-claro e jeans, e o seu gémeo Dupont Peter
Jaekson, de camisa caqui e calções de bolsos
laterais, estão a falar de Tintin no Méridien
Etoille, o tipo de hotel de luxo parisiense
que passa gemidos de baleia nos elevadores
e faz passar um armadilho empalhado por arte.
Não podiam estar mais longe da despretensiosa
simplicidade da ligne daire de Hergé. Agora a
conversa centra-se em transpor o espírito de
Tintin para o ecrã.
"Para nós, foi fundamental não lhe imprimirmuitas das nossas visões", diz Jackson
(que está a produzir). "Não queríamos incluircoisas que achávamos terem piada mas que nào
se encaixavam no mundo dele. Queríamos tentarcanalizar-nos a nós próprios através das suas
sensibilidades cómicas, o seu espíritode aventura e queda para a sátira."
"Toda a gente adotou a voz de Hergée sobretudo tentou não usar humor
contemporâneo", concorda Spielberg
(que, claro, é o realizador). "Não há humorbanal no Tintin. Quisemos manter o humor
respeitante à época de Hergé, que está mais
próximo das trapalhadas dos filmes mudos
do que das 'farpas' verbais e da sátira verbal."
No entanto, os cineastas tiveram uma
ajudinha no facto de que muito no universo de
Tintin está impregnado da admiração de Hergé
pelos filmes de Hollywood - precisamente o tipode filmes que Spielberg e Jackson cresceram
a ver. Em Tintin na América o jovem repórteranda a baloiçar em arranha-céus à Ia Harold
Lloyd em O Homem Mosca. A Ilha Negradescreve um confronto com um enorme gorila
que imita claramente King Kong. Tintinno mesmo enquadramento que King Kong- o jovem Jackson deve ter ficado superexcitado.
"Não me apercebi disso quando tinha oito
anos, mas depois de voltar a ler os livros de
Tintin posso garantir que ele adorava muitos
dos filmes de Hollywood das décadas de 1920.
1930 e 1940", diz Jackson. "Consigo ver
adoração por Busler Keaton e Charlie Chaplinna comédia física. As influências de Hcrgécoincidem claramente com as referências queo Slcven c eu lambem adoramos. Para nós, não
foi difícil reconhecer isso e tentar adaptar Tintin
de uma forma fiel àquilo que o influenciou."
Uma das influéncias-chave é o /r/m noir.
A primeira metade de Tintin é essencialmente
uma história de mistério impulsionada por vários
MacGufííns- três modelos idênticos do veleiro
Licome - que. juntos, desvendam um enigma querevela a localização do tesouro escondido do
infame pirata Rackham, o Terrível (Daniel
Craig). Para ajudar a ampliar a sensação de
intriga e temor, Spielberg usou todas as figurasde estilo noir clássicas, desde ruas varridas
por chuva até sombras a trepar pelas paredes.
"Dá uma melhor sensação de mistério à
aventura", explica. "Os filmes de Indiana Jones
têm um bocadinho disso. Achei que este filmenão podia ser todo iluminado pela câmara- simplesmente não podíamos iluminá-lo
de frente. Até Hergé, na sua arte, tentou sugerirofiim noir. Ele pintava as cenas à noite, quasecomo a excelente (biografia de dia para noite
que Freddie Young fez para Doutor Jivago.'A memória que Spielberg tem de filmes
c capaz de evocar momentos, olhares entre
personagens, pedaços de enredo e ângulosde câmara de toda a história do cinema
num nanossegundo. É um instrumento útil
na sua caixa de ferramentas de realização
para comunicar uma ideia ou descrever
um sentimento. 80m... As vezes.
"Para ser sincero, a maior parte das vezes
eu dizia: 'Não faço ideia do que estás a falar.',ri Bell. 'Os filmes anteriores a 1986 vão ser um
problema.' Eu sei algumas coisas sobre outros
tipos de filmes, mas ele conhece realmente filmes.
Ao pé dele sou um novato."
Emvários aspetos, Tintin
representa uma misturados heróis spielbergianos.Claro que há um quê doandar a saltar pelo mundo
e da temeridade de Indiana Jones. Mas também
algo da energia de John Anderton (RelatórioMinoritário), da tenacidade de Cari Hanratty(Apanha-me Se Puderes), da curiosidade juvenilde David Swinton [A. I. Inteligência Artificial),da qualidade de rapaz de nenhures de Elliott
Taylor (E. T.) e Jim Graham (Império do Sol),
c dos suores de Matt Hooper ( Tubarão) imbuído
no espírito do jovem aventureiro. Mas. embora
Spielberg "conheça realmente filmes", pareceestar menos familiarizado com as suas obras.
"Você provavelmente conhece os heróis
dos meus filmes melhor que eu", sorri. "Nãocostumo ver os meus filmes depois de os fazer.
Só vi E. T. pela primeira vez em 12 anos porqueo meu neto de quase quatro anos queria vê-10.
Pode ser assustador para um miúdo de quatroanos, por isso, sentei-me com ele e não parei de
falar, para ele não ter medo: 'O E.T. não morre.
Ele está a ficar muito pálido, mas sabes umacoisa? Ele vai abrir os olhos, a hi7 vai voltar ao
coração dele e ele vai viver.' Vi o filme e achei
que era bastante bom. Eu rmnca olho para trás.
por isso, é difícil para mim prever o que é queTinlin tem de semelhante a outras aventuras quefiz. Só acho que é uma história consistente."
A "história consistente"
de As Aventuras de Tinlin é a fusão
de três álbuns de Hergé: U Segredodo ÍJeorne, de 1 943. O Tesouro de
Rackham, o Terrível, de 1944, e partede O Caranguejo das Tenazes de Ouro,
de 1 94 1 , para mcl vir o momento em queo rapaz repórter conhece o desbragado
Capitão Haddock (Andy Serkis), criando assim
a relação-pivot da sua vida. Há sequências de
ação enormes - o IMDb tem palavras-chave
como lutas de espadas, quedas de hidroaviões,
cenas de pugilato, perseguição de mota com ))
bazuca -, mas para Spielberg e Jackson, Tintin
é tão buddv movie como correria desenfreada.
"Aventura nãoé só açào durante 90 minutos",diz Spielberg. '"É desvendar segredos, descobrir a
verdade sobre as pessoas com quem te relacionas.
Tens de dar ao público pequenas surpresas queabrem uma janela para uma grande revelação.
E esse tipo de estilo e estrutura que eu adoro. Este
filme é muito parecido com os que fiz nos anos
1 980. Está mais peno das minhas sensibilidades
de então do que dos filmes que fiz recentemente. 1 '
Muitos dos filmes deste ano parecemdedicados a recriar as sensibilidades de Spielbergnos anos 1980, àtsátAttack The Díock, de Joe
Cornish, coguionista de Tintin; Super 8, apoiado
por Spielberg; até aos arrepios à (a Gremlins
de Não Tenhas Medo do Escuro. Mas noque toca
a misturar imagens indeléveis, comic reliefáe tom
perfeito e açào magistralmente encenada ao serviço
de ura contar de história firme, Spielberg está num
campeonato próprio. Nào admira que Ilergé,antes de morrer, tenha dito que a única pessoa
capaz de fazer um filme de Tintin era Spielberg."Ele fica ali sentado com o dedo na boca
e lembra-se das coisas", diz Jamie Bell do método
de Spielberg. "Houve um dia em que estávamos
sentados num barco a remos - acho que as
imagens saíram na Empire - e o Haddoek pòe-sede pé, a olhar para a garrafa de whisky que tem
na mão e, exorcizando os seus demónios, solta
um poderoso rugido e atira-a. E depois expira; ele
nào acredita que fez aquilo. Volta a sentar-se e continua de garrafa na mão. Isto é tão Spielberg.Condensa tudo o que é visualização, comédia e
caráter num momento. É isso que ele faz."
Paraum realizador que
chorou as primeiraslágrimas a ver A Branca deAeve e os Sele Anões, os
primeiros pesadelos vieramcom Fantasia e o primeiro encontro foi com
Bambi ("Nào chorei. Tinha 1 1 anos. Não era
de homem*'), não nos surpreende que a obra
de Steven Spielberg esteja imbuída de animação.Desde a vinheta do Road Runner em Asfalto
Quente, passando pelas referencias a Pinóquioao longo de Encontro. 1; Imediatos, até à cartade amor à animação que é Quem Tramou RogerRabbit, sempre houve a sensação de que. dentrodo realizador de ação real, um autor de animação
esperava para despertar. Agora, com Tintin,é a sua oportunidade.
'" Eu queria mesmo mudar a dinâmica geral do
meu processo", explica Spielberg. "Esta tecnologiadeu-me a oportunidade de fazer o meu primeirofilme animado e. no entanto, trazer algumasdas ferramentas convencionais do meu processo
analógico para uma experiência digital completa.Foi uma combinação muito interessante de uma
abordagem analógica a um desfecho digital."Esta tecnologia é captura de interpretação,
um híbrido entre ação real e animação que ocorre
num espaço de ensaio cénico. Para Spielberg,é mais animação que ação real - "É 85 por cento
animação e 15 porcento ação real"-, em que os
animadores fazem cinco horas de animação por
frame a partir da performance dos atores.
Ao colaborarem com o rei da pré-visualizaçâoda Wela Jamic Beard ("Em algumas coisas ele
é o Tintin", diz Jackson), Spielberg e Jackson
pré-visualizaram o filme todo enquanto o guiàoera desenvolvido, uns dois ou três anos antes
de o filme entrar no Volume. "Existe uma versão
alternativa de Tintin totalmente animada,com sequências que estão no filme final e outras
que não", diz Jackson.
Por tradição - que. honestamente, é muito
curta, para a captura de interpretação os atores
vestem um body preto cheio de sensores e fazem
cenas em longos takes sem qualquer referência
a uma câmara. O realizador (normalmente,é Robert Zemeckis) depois passa a uma fase de
captura por câmara para encontrar as cenas.
Mas Spielberg faz filmes à sua maneira autodidatadesde os 1 2 anos, por isso tinha ideias próprias.
"Não queria esperar 3 1 dias para pôr umacâmara a dirigir atores", confessa. "Nào sei
trabalhar assim. Por isso, fiz algo que nunca tinhasido feito antes: trouxe a câmara para o Volume e
consegui a minha cena perfeita a cada tentativa."
Sempre que possível, Spiclberg trazia
o mundo físico para o Volume para usar Tintin
numa experiência cinematográfica de ação real.
Para Bell. Milu. o fiel Fox Terrier de Tintin, era
representado por um fantoche c um profissionalde adereços chamado Brad ("Ele devia terrecebido como ator", diz Bell). Quando Tintin e
Haddoek andam à deriva num barco salva-vidas
no meio do oceano, foi usado um cardan paraBell e Serkis sentirem o movimento das ondas.
Mais tarde, quando a dupla está a pilotar um
hidroavião, foi construído um à escala real - mas
cm rede metálica, para os marcadores de capturade informação não ficarem escondidos por uma
superfície sólida. "Havia uma sensação real de
escala no sei, e da filmagem", lembra Serkis.
Para um realizador que "cresceu" à base
de tubarões mecânicos defeituosos, disenteria
tunisina e furacões havaianos, filmar num só set
- os Giant Studios em Playa Vista, Los Angeles- não muito longe de casa, deve ter sido uma
bênção. Mas para os atores, sem tempo de espera
pela câmara para mudar de roupa nem tempode pausa na rulote para saborear um Kindle,foi como um campo militar.
"Todos os dias apareciam novas versões
do guião", conta Serkis. "A linguagem estava
deliciosamente escrita, mas tão musculada, quasecomo um diálogo de teatro, que era preciso um
período de osmose para a absorver. Nós não
tivemos esse luxo. Estes diálogos enormes já
seriam difíceis o suficiente de fazer atrás de umasecretária, quanto mais a andar de um lado parao outro no Volume. Foi um dos trabalhos mais
exigentes fisicamente que já fiz."Dando corpo ao ágil e peculiar adolescente
de Hergé, o background de Bell na dança poderiater tornado o dinamismo de Tintin mais fácil
de conseguir, mas as condições espartanasdo Volume - "Quando estou a escorregar pela
plataforma, estou a escorregar por um tapeteáspero", diz Bell - acabaram por causar estragos.
"Desalinhei duas vértebras e desloquei umacostela. Precisei de um quiroprático durante
dois dias. Para quem diz, 'Então, fazes a voz
de Tintin'/', vão-se lixar."
Sefizéssemos uma
sondagem em queperguntávamos a cem fãsde cinema qual o problemados filmes de captura de interpretação,
a resposta mais frequente seria sem dúvida
"olhos sem vida" . Esta é uma perceção de
que a equipa de Tintin não poderia estar
mais consciente.
"Se não sentíssemos que tinham sido
atingidos progressos nessa área, não creio que o
tivéssemos feito", aponta a produtora Kathlccn
Kennedy. "Temos de dar um enorme crédito ao
Bob Zemeckis por ter sido o pioneiro, mas
tivemos a sorte de criar a partir do ponto onde o
Jim Cameron parou. Demos um passo gigante.Faz uma grande diferença."
Este pode ser um enorme obstáculo
a ultrapassar para os filmes de capturade interpretação. Ate agora, 201 1 tem sido
um ano de altos e baixos para o meio, desde
o sublime {Planeta dns Macacos: A Origem)até Mães Precisam-se... em Marte. "Parte do
problema é que as pessoas pensam que a capturade interpretação é um género de filme"
,diz Serkis.
"Se falhar, vai ser atirado para um género,
em vez de ser um meio." Se o público aceita
de bom grado esta técnica dentro do contexto
de um filme de ação real, seja Gollum, Kong,Neytiri ou Cacsar, parece que o júri ainda está
na aplicação totalmente animada do meio.
"Ainda não vimos um filme de capturade interpretação animado que tivesse resultado",diz Bell. "Polar Express teria sido um excelente
filme de ação real. Beowulf não precisavade existir. Não quero ver uma interpretaçãodo corpo sexy da Angelina Jolie - quero ver
o corpo sexy da Angelina Jolie. Acho que Tintin
é a mistura perfeita da tecnologia e do material."
Ajuda que a aliança da "tecnologia" com o
"material" aconteça sob os auspícios dos cineastas
certos. Usando o que parece um comando gigantede Xbox e a sua "câmara", Spielberg basicamente
rodou, ele mesmo, o filme e teve controlo totalsobre todos os aspetos da luz e cor. Por isso,
é, em essência, puro Steven Spielberg."A razão para ter Steven Spielberg a realizar
Tintin é que queremos o estilo que o Steven
dá a um filme", diz Kennedy. "Queremosa coreografia, as sequências de ação, o designdos planos. Acho que é isso que vai surpreenderas pessoas quando virem o filme. Vão saber queestão a ver animação, mas a sensação é queé um filme de Steven Spielberg."
"É outra forma de fazer filmes", conclui
Spielberg. "Vai continuar a evoluir e eu penso
que vai ser um meio que vai ficar entre nós.
Não vai mudar tudo. Não vai mudar a formacomo eu faço filmes."
As Aventuras de Tintin: O Segredo do Licorneestrela a 27 de outubro e é analisado a partirda página 32.