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ESCRAVIDÃO NO BRASIL Prof. Victor Creti Bruzadelli

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ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Prof. Victor Creti Bruzadelli

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A escravidão

Escravidão como uma forma tradicional de trabalho;

Teorizada na Grécia por Aristóteles:

Escravo como base da política;

A questão da alma do escravo;

Companhia de Jesus:

“Ajustamento doutrinário pró-escravista”:

◼ Necessidade de o senhor se confessar;

◼ Escravizados deveriam ser catequisados e introduzidos nos sacramentos católicos.

“Por natureza, na maior parte dos casos,

há o que comanda e o que é comandado.

O homem livre comanda o escravo da

mesma forma que o macho à fêmea [...].

E, todavia, as partes da alma existem de

maneira diferente: o escravo está

totalmente privado da parte deliberativa;

o sexo feminino a possui, mas sem a

possibilidade de decisão [...].

Estabelecemos que o escravo é útil para

as necessidades da vida. Fica, portanto,

claro que ele não tem a necessidade

senão de pequena parcela de virtude. O

suficiente apenas para não ficar inferior à

sua tarefa, por desregramento ou

negligência.”

(ARISTÓTELES. Política)

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A escravidão

Dificuldades em escravizar o indígena:

Presente nos anos iniciais da colonização;

Questão cultural: nas sociedades indígenas as mulheres trabalham nas lavouras;

Restrições legais e oposição a escravidão indígena por parte dos religiosos;

Fugas, recusa ao trabalho e constantes guerras entre os nativos.

“Um sistema muito curioso eraimposto aos índios das missões: duranteum semestre, serviam nas própriasaldeias e no outro atendiam àsnecessidades dos moradores. O salárioera predeterminado e todos, de 15 acinquenta anos, deviam prestar essetrabalho. Sem nenhuma responsabilidade– e sem nenhum custo inicial – cadapatrão procurava extrair do índio omáximo – não respeitando os limites dehorário nem para carga de trabalho.Assim, além de deslocado do seuambiente e sujeito a doenças comuns aoeuropeu, mas arrasadoras para si, oíndio via-se submetido a condições devida terríveis”

(PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil)

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A escravidão

Dificuldades em escravizar o indígena:

Baixa resistência a doenças e baixa densidade demográfica;

Epidemias (1562-63) obrigaram a substituição definitiva da mão de obra;

Obs.: apesar da adoção da escravidão africana, indígenas continuaram a ser escravizados.

Índios soldados da província de Curitiba

escoltando prisioneiros nativos, de Jean-

Baptiste Debret (1834)

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A escravidão

Origens da escravidão africana:

Atividade ancestral nas sociedades africanas;

Escravidão de africanos pelos portugueses desde 1441;

Intensificada a partir de 1570;

Africanos adaptados tanto ao trabalho nos moldes portugueses.

“Por volta de 1550,Portugal contava com cerca de32 mil mouros e negros cativos,de permeio com 1,12 milhão dehabitantes. Pouco em númerosabsolutos. Bastante em númerosrelativos. Concentraçõesimportante de escravos negrose mulatos existiam em Lisboa,Évora e no Algarve, áreas emque atingiam 10% dapopulação, representando asmaiores porcentagens dogênero observadas na Europa”

(ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes)

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A escravidão

Origens da escravidão

africana:

A questão da alma e da

salvação;

A lucratividade do tráfico

negreiro:

"Os filhos de Noé que saíram daarca eram Sem, Cam e Jafet. Cam era opai de Canaã. Estes eram os três filhos deNoé. É por eles que foi povoada toda aterra. Noé, que era agricultor, plantou umavinha. Tendo bebido vinho, embriagou-se, eapareceu nu no meio de sua tenda. Cam, opai de Canaã, vendo a nudez de seu pai,saiu e foi contá-lo aos seus irmãos. Mas,Sem e Jafet, tomando uma capa, puseram-na sobre os seus ombros e foram cobrir anudez de seu pai, andando de costas; enão viram a nudez de seu pai, pois quetinham os seus rostos voltados. QuandoNoé despertou de sua embriaguez, soube oque lhe tinha feito o seu filho mais novo.“Maldito seja Canaã, disse ele; que ele sejao último dos escravos de seus irmãos!” Eacrescentou : “Bendito seja o Senhor Deusde Sem, e Canaã seja seu escravo!"

(Gênesis, 9:18-26)

“Paradoxalmente, é a partir do

tráfico negreiro que se pode entender a

escravidão africana colonial, e não o

contrário”(NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do

Antigo sistema colonial)

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A escravidão

O navio negreiro

Heinrich Heine

O sobrecarga Mynheer van KoekCalcula no seu camaroteAs rendas prováveis da carga,Lucro e perda em cada lote.

"Borracha, pimenta, marfimE ouro em pó... Resumindo, eu digo:Mercadoria não me falta,Mas negro é o melhor artigo.

Seiscentas peças barganhei

– Que pechincha! – no Senegal;A carne é rija, os músculos de aço,Boa liga do melhor metal.

Em troca dei só aguardente,Contas, latão – um peso morto!Eu ganho oitocentos por centoSe a metade chegar ao porto.

Se chegarem trezentos negrosAo porto do Rio Janeiro,Pagará cem ducados por peçaA casa Gonzales Perreiro."

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A escravidão

“O fato é que se consumou em plena cultura moderna aexplicação do escravismo como resultado de uma culpaexemplarmente punida pelo patriarca salvo do dilúvio paraperpetuar a espécie humana. A referência à sina de Camcirculou reiteradamente nos séculos XVI, XVII e XVIII, quando ateologia católica ou protestante se viu confrontada pelageneralização do trabalho forçado nas economias coloniais. Ovelho mito serviu então ao novo pensamento mercantil, quealegava justificar o tráfico negreiro, e ao discurso salvacionista,que via na escravidão um meio de catequizar populações antesentregues ao fetichismo ou ao domínio do Islão. Mercadores eideólogos religiosos do sistema conceberam o pecado de Cam ea sua punição como o evento fundador de uma situaçãoimutável”

(BOSI, Alfredo. Dialética da colonização)

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A escravidão

Grande diversidade étnica:

Motivada pelos traficantes;

Angolanos:

◼ Sul da África (Congo, Angola e Moçambique);

Guinéus:

◼ Costa da Mina ou “Grande Guiné”: Daomé, Nigéria e Guiné;

África Oriental:

◼ Moçambique e Madagascar;

◼ Número menor;

Principais portos de entrada: Salvador, Rio de Janeiro, Recife e São Luís.

Tipos negros, de Johann Moritz

Rugendas (1835)

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A escravidão

O tráfico negreiro:

Transporte legal de escravizados entre a África e o Brasil;

Forma de adaptar o africano a sua nova condição;

Organizado por particulares, com permissão da coroa;

Batizados e “marcados” ao embarcar;

O horror da travessia:

◼ Navios abarrotados;

◼ Doenças e alimentação deficitária;

◼ Altíssima taxa de mortalidade;

Alta lucratividade.

“Calmarias ou correntes adversaspodiam prolongar a travessia atécinco ou mesmo seis meses, tornandomais dantesca as cenas de homens,mulheres e crianças espremidos unscontra os outros, vomitando edefecando frequentemente em seuslugares, numa atmosfera de horrorque o calor e o mau cheiro seencarregavam de extremar.Cronistas registram que naviosnegreiros eram pressentidos nosportos pelo odor que os antecipavae que persistia mesmo quando jáestavam livres de sua carga. É claroque, num ambiente desses,grassavam doenças, fazendo comque o fundo do mar fosse o pontofinal da viagem de muitos”

(PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil)

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A escravidão

O Navio Negreiro (1868)

Castro Alves

‘Stamos em pleno mar

Era um sonho dantesco... o tombadilho,Que das luzernas avermelha o brilho,Em sangue a se banhar.Tinir de ferros... estalar do açoite...Legiões de homens negros como a noite,Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetasMagras crianças, cujas bocas pretasRega o sangue das mães:Outras, moças... mas nuas, espantadas,No turbilhão de espectros arrastadas,Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...E da ronda fantástica a serpenteFaz doudas espirais...Se o velho arqueja... se no chão resvala,Ouvem-se gritos... o chicote estala.E voam mais e mais...

Presa dos elos de uma só cadeia,A multidão faminta cambaleiaE chora e dança ali!Um de raiva delira, outro enlouquece...Outro, que de martírios embrutece,Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobraE após, fitando o céu que se desdobraTão puro sobre o mar,Diz do fumo entre os densos nevoeiros:"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...E da ronda fantástica a serpenteFaz doudas espirais!Qual num sonho dantesco as sombras voam...Gritos, ais, maldições, preces ressoam!E ri-se Satanaz!...

Senhor Deus dos desgraçados!Dizei-me vós, Senhor Deus!Se é loucura... se é verdadeTanto horror perante os céus..

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A escravidão

Navio negreiro, de Johan Moritz Rugendas (1821)

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A escravidão

Desembarque de escravos negros vindos d’África, de Johan Moritz Rugendas (1821)

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A escravidão

10000

40000

100000

100000

185000

175000

153700

139000

146300

166100

185100

169400

164600

161300

160900

233700

241400

327700

431400

334300

378400

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

350000

400000

450000

500000

Africanos desembarcados em portos brasileiros

Total de Africanos retirados

da África: 8.330.000

Total de Africanos desembarcados

no Brasil: 4.003.300

Total de Africanos mortos

na travessia: 4.326.700

Fonte: PINSKY, Jaime. A escravidão

no Brasil

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A escravidão

Quanto Vale ou É por Quilo?, de Sérgio Bianchi (2005)

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A escravidão

Espaço médio por

escravizado no transporte

1801-10 1811-20 1821-30 1831-40 1841-50

Porto do Recife 58.000 83.000 13.000 41.000 64.000

Porto de Salvador 75.000 71.000 71.000 32.000 66.000

Porto do Rio de Janeiro 108.000 174.000 296.000 260.000 300.000

0

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

300.000

350.000

Desembarque de escravos nos portos brasileiros

Porto do Recife Porto de Salvador Porto do Rio de Janeiro

40 cm

99

cm

Fonte: Atlas Istoé Brasil 500 anos

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Cotidiano do escravizado no Brasil

Criação de um “Sistema Escravista;

Ser escravizado no Engenho:

Aprisionados em senzalas (cômodo coletivo mal iluminado e ventilado);

Alimentação: mandioca, feijão, milho, pão e cachaça;

16 horas de trabalho ao dia;

Em feriados religiosos recebiam uma remuneração irrisória;

Enorme desgaste físico e mental: 10 anos de “vida útil”.

“Os escravos são as mãos e os pés dosenhor de engenho, porque sem eles no Brasil nãoé possível fazer, conservar e aumentar a fazenda,nem ter engenho corrente. E do modo como se hácom eles, depende tê-los bons ou maus para oserviço. Por isso, é necessário comprar cada anoalgumas peças e reparti-las pelos partidos, roças,serrarias e barcas. E porque comumente são denações diversas, e uns mais boçais que outros e deforças muito diferentes, se há de fazer arepartição com reparo e escolha, e não às cegas.No Brasil, costumam dizer que para o escravosão necessários PPP, a saber, pau, pão e pano. E,posto que comecem mal, principiando pelocastigo que é o pau, contudo, prouvera a Deusque tão abundante fosse o comer e o vestir comomuitas vezes é o castigo, dado por qualquercausa pouco provada, ou levantada; e cominstrumentos de muito rigor, ainda quando oscrimes são certos, de que se não usa nem com osbrutos animais”

(ANTONIL, A. J. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas)

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Cotidiano do escravizado no Brasil

“Com frequência aos 30

anos estava fisicamente

liquidado, ou, pelo menos,

desqualificado para o terrível

trabalho do canavial ou do

engenho. [...] A partir daí, o amo

tratava de se livrar daquela boca

inútil. Crônicas históricas falam

de amos que mandavam matar o

escravo improdutivo, mas o

expediente mais comum consistia

em alforriá-lo”

(FREITAS, Décio. Palmares: a guerra dos

escravos)

Vendidos no porto,

como “animais”;

Tipos de trabalho:

Negro no eito;

Escravo doméstico;

Escravo de ganho.

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Cotidiano do escravizado no Brasil

Classificados como boçais, ladinos e crioulos;

Possibilidade, ainda que rara, de alforria;

Presentes em quase todos os espaços coloniais;

Obs.: a grande quantidade e a longa duração da escravidão na história do Brasil foi uma das responsáveis por moldar a cultura e o pensamento brasileiros.

“Consequentemente, o cleroprofessa no Brasil a doutrinadifundida pela bula Romanuspontifex (1455). Tolerava-se aescravidão na medida em que elafacilitava a catequese. Arrancadosdas brenhas do paganismo, osnegros teriam suas almas noambiente cristão da Metrópole e dosentraves ultramarinos. Cumpriaainda adaptar a doutrina pontifíciaao cenário colonial americano, ondea escravidão, diferentemente doquadro reinante na Metrópole,assumia cada vez mais um cunhosistêmico”

(ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes)

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Cotidiano do escravizado no Brasil

“Os escravos distinguiam-se em boçais – como eram os recém-chegadosda África – e ladinos, os já aculturados e que entendiam o português. Ambos osgrupos de estrangeiros opunham-se aos crioulos, aqueles nascidos no Brasil. Haviadistinções entre as nações africanas e, dada a miscigenação, a cor mais clara dapele era também fator de diferenciação. Aos crioulos e mulatos reservavam-setarefas domésticas, artesanais e de supervisão. Aos africanos, dava-se o trabalhomais árduo. Em contrapartida, muitos recebiam em usufruto parcelas de terra ondepodiam cultivar, nos fins de semana e feriados, produtos agrícolas mais tarderevendidos. Tal comércio, por pequeno que fosse, permitiu a alguns comprar aprópria liberdade. [...] A liberdade também podia ser obtida graças às alforriasde pia concedidas em dias de batismo, ou, formalizadas no testamento do senhor.As tensões entre os grupos de homens de cor não eram pequenas. Não poucasvezes, os crioulos e mulatos antagonizavam com os negros africanos, a ponto depedir a seus senhores que estes lhes passassem as piores tarefas. Em 1789, porexemplo, os escravos do senhor de engenho baiano Manuel da Silva Ferreiraexigiam-lhe, durante um levante: ‘Para seu sustento, tenha lancha de pescarias equando quiser comer mariscos, mande seus pretos Minas”

(DEL PRIORE, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil)

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A violência

Violência moderada pelo “sentimento de propriedade”;

Ausência de um “Código Negro”: violência institucionalizada pelas leis;

Punições aplicadas, geralmente, por feitores ou no “calabouço”;

Diversos castigos físicos.

“Há meio século, osescravos fugiam com frequência.Eram muitos, e nem todos gostavamda escravidão. Sucediaocasionalmente apanharempancada, e nem todos gostavam deapanhar pancada. Grande parteera apenas repreendida; haviaalguém de casa que servia depadrinho, e o mesmo dono não eramau; além disso, o sentimento dapropriedade moderava a ação,porque dinheiro também dói. Afuga repetia-se, entretanto”

(ASSIS, Machado de. Pai contra mãe)

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A violência

Quanto Vale ou É por Quilo?, de Sérgio Bianchi (2005)

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A resistência

Resistências culturais:

Capoeira;

Sincretismo religioso;

Magias;

Banzo;

Abortos e suicídios;

Fugas;

Quilombos;

Revoltas;

Assassinatos de senhores.

“‘O índio não seacostumava com o cativeiro, seuespírito de liberdade não eracompatível com a escravidão.’ Éassim que muitos manuais deHistória ‘explicam’ o início dotráfico negreiro. Além deincorreta do ponto de vistafactual, a explicação fazentender que, ao contrário doíndio, o negro ‘se acostumavacom o cativeiro, porque suaausência de espírito de liberdadeera compatível com aescravidão’”

(PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil)

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A resistência

“Fugiu ao Cirurgião-mor Francisco de Paula Cavalcanti deAlbuquerque o seu escravo mulato de nome Florentino, de idade de vinte a22 anos, com os seguintes sinais: mulato um pouco escuro, cabelos crespos eruivos nas pontas, os dentes da frente podres, ambas as orelhas foramfuradas dias antes da sua fuga, o que deve apresentar vestígios, caso setenha tapado, tem marcas de surra na bunda, tem uma cicatriz de golpe aolongo do pescoço, e é quebrado de uma das virilhas. Este mulato já andoufugido há tempo, e andava embarcado em uma embarcação do Xalupa deÓbidos com o nome de Antonio Macapá, foi capturado nesta cidade;fugindo segunda vez, andou na Escuna Lua Nova de propriedade de LuísMartins de Alenquer aonde passa como fôrro e sempre com o nome deAntonio Macapá. A pessoa que o capturar e o apresentá-lo nesta cidade aosr. Joaquim Mariano de Lemos, ou na vila de Macapá a seu Senhor, ou ao sr.Procópio Antonio Rola receberá imediatamente 100$000 réis degratificação e protesta-se com todo vigor da Lei contra quem lhe deracouto”

(Jornal “O velho brado do Amazonas” – 23/05/1852)

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A resistência

Quilombo dos Palmares (1628-94):

Características geográficas:

◼ Cerca de 350 km² na Serra da Barriga (AL);

◼ Formado por 11 mocambos (aldeamentos) confederados, sendo o principal o de Macaco;

◼ Chegou a abrigar mais de 20 mil pessoas (Salvador tinha cerca de 15 mil habitantes);

Busca de reconstruir a vida na África;

Grande crescimento durante as invasões holandesas. Capitão do mato, de Johan

Moritz Rugendas (1823)

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A resistência

“Senhor.

Há alguns anos que negros fugidos ao rigor do cativeiro eengenhos desta Capitania formaram povoações numerosas pelo interiorentre os Palmares e matos. Crescendo cada dia em número se adiantamtanto no atrevimento com contínuos roubos e assaltos que afastammoradores desta Capitania vizinhos aos seus mocambos. Este exemplo vaiconvidando os demais a fugirem por se livrar do rigoroso cativeiro quepadecem. Teme-se que cresçam em poder e número [...]

Os rebeldes têm já tendas de ferreiros e outras oficinas com quepodem fazer armas. Este sertão é tão fértil de metais e salitre que tudolhes oferece para sua defesa.

Quererá Deus ajudar-me para que consiga deixar estaCapitania livre desta perturbação, que será para mim o maior prêmio detodos os serviços que a V.A. desejo fazer”

(Carta de Fernão de Souza Coutinho, governador de Pernambuco ao rei Pedro II em 1671)

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A resistência

Quilombo dos Palmares (1628-94):

Estrutura política democrática, com eleição de reis:

◼ Ganga Zumba (1653-78) e Zumbi (1678-94);

Economia para subsistência e comércio de excedentes;

Habitado por negros, índios e camponeses;

Integrado à economia local;

Relatos sobre a presença da escravidão;

Destruído por Domingos Jorge Velho (1694).

Monumento a Zumbi, herói

de Palmares, de João

Figueiras de Lima, no Rio de

Janeiro – RJ (1986)

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Revoltas durante a Regência

Motivações:

Aumento do tráfico negreiro (1830);

Aumento do número de quilombos;

Enorme parcela da população de escravizados;

Conflitos entre as elites;

Independência do Haiti (1804);

Criação de irmandades e confrarias católicas.

Festa de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos

negros, de Johann Moritz Rugendas (1835)

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Revoltas durante a Regência

“No mês de maio, os negros celebram a festa de Nossa Senhora doRosário. É nesta ocasião que têm por costume eleger o Rei do Congo, o queacontece quando aquele que estava revestido dessa dignidade morreu durante oano, quando um motivo qualquer o obrigou a demitir-se, ou ainda, o que ocorre àsvezes, quando foi destronado pelos seus súditos. Permitem aos negros do Congoeleger um rei e uma rainha de sua nação, e essa escolha tanto pode recair numescravo como num negro livre. Este príncipe tem, sobre seus súditos, uma espécie depoder que os brancos ridicularizam e que se manifesta principalmente nas festasreligiosas dos negros como, por exemplo, na de sua padroeira Nossa Senhora doRosário.

Às onze horas fui à igreja com o capelão e, não demorou muito, vimoschegar uma multidão de negros, ao som dos tambores. Homens e mulheres usavamvestimentas das mais vivas cores que haviam encontrado. Quando se aproximaram,distinguimos o Rei, a Rainha, o Ministro de Estado. Os primeiros usavam coroas depapelão, recobertas de papel dourado... As despesas da cerimônia deviam serpagas pelos negros, por isso haviam colocado na igreja uma pequena mesa à qualestavam sentados o tesoureiro e outros membros da irmandade negra do Rosário,os quais recebiam os donativos dos assistentes dentro de uma espécie de cofre”

(RUGENDAS, Johann Moritz. Viagem pitoresca através do Brasil)

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Revoltas durante a Regência

Revolta de Carrancas, MG (1833):

Causas: Revolta pela péssima condição de vida nas fazendas da Família Junqueira;

Liderança: Ventura Mina, africano nato e de propriedade de um deputado (Gabriel Francisco Junqueira);

Desfecho:

◼ Assassinato de 10 pessoas, fuga e busca de apoio de outros escravizados;

◼ Resistência do deputado: assassinato de Ventura Mina e mais 17 escravizados;

Importância histórica:

◼ Espalhou terror na região levando ao levante de diversos escravizados;

◼ Lei de 10 de junho de 1835: condenava à pena de morte qualquer escravizado rebelde;

◼ Maior número de condenações à morte do século XIX.

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Revoltas durante a Regência

Revolta dos Malês, BA (1835):

Revolta de negros muçulmanos escravizados;

Motivações:

◼ Unidade religiosa entre os revoltosos;

◼ Condições degradantes da população escravizada e mestiça;

◼ Maior liberdade dos escravizados urbanos;

◼ Influência da independência do Haiti (1804).

“A rebelião de 1835aconteceu em meio a um climapolítico social tumultuado, tantona Bahia como no Brasil em geral.Depois da independência em1822, o país enfrentariaproblemas que com frequênciaemergiram durante a formaçãodos estados nacionais da Américalatina: divisão entre classesdirigentes, conflitos entrefederalistas e centralistas, liberaise conservadores, republicanos emonarquistas. Em muitas regiõesdo Brasil essas divergências foramacompanhadas de revoltaspopulares, muitas vezes dirigidascontra o sistema monárquico”

(REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil)

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Revoltas durante a Regência

Revolta dos Malês, BA (1835):

Objetivos:

◼ Abolição da escravidão, sobretudo dos nagô;

◼ Combate ao catolicismo e estabelecimento do islamismo no Brasil (Jihad);

◼ Fim dos castigos físicos;

◼ Alfabetização das crianças negras;

Liderança: Pacífico Licutã, LuisSanim e Manuel Calafate.

17325

4615

18500

14885

10175

População da cidade de Salvador em 1835

Africanos escravizados Africanos forros

Livres brancos Negros brasileiros forros

Brasileiros escravizados

Fonte: REIS, João José.

Rebelião escrava no Brasil

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“A história da resistência escrava noBrasil é normalmente dividida em dois temasparalelos e algo distintos: a fuga e a formaçãode quilombos; e grandes revoltas escravas,geralmente de natureza urbana, especialmenteaquelas que ocorreram na Bahia na primeirametade do século XIX. [...] Na longa históriada resistência contra a escravidão brasileiranão houve, de fato, nada parecido com a sériede revoltas e conspirações que sacudiram acidade de Salvador e a zona agrícolacontígua, o Recôncavo, entre 1807 e 1835.[...] As revoltas escravas baianas foram emgeral organizadas e desenvolvidas em tornodas etnias, mas às vezes a participação e aliderança ultrapassavam essas fronteirasculturais [...] constituíram uma série decampanhas ou batalhas numa longa guerracontra a escravidão, ou como disse um escravo,‘uma guerra dos pretos’”

(SCHWARTZ, Stuart. Cantos e quilombos numa conspiração de escravos haussás)

Revoltas durante a Regência

Revolta dos Malês, BA (1835):

Participação de cerca de 600 pessoas, entre libertos e escravizados;

Apoio de escravizados do Recôncavo baiano;

Fracasso da revolta:

◼ Dificuldades militares (poucas armas, falta de estratégia militar e dificuldades de comunicação);

◼ Revolta delatada (liberta Guilhermina) e rápida reação do Estado;

◼ Prisão dos revoltosos e sentenças extremamente severas.

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Revoltas durante a Regência

Revolta dos Malês, BA

(1835):

Consequências:

◼ Morte de 70 pessoas de

origem africana;

◼ Desenvolvimento do medo do

haitianismo;

◼ Conjunto de leis

“antiafricanas”: controle da

circulação dos escravizados;

◼ Crescimento do cristianismo

entre os negros.

Sentenças Escravizados Libertos Total

Absolvição 28 - 28

Morte 3 1 4

Prisão - 16 16

Galés 6 2 8

Açoite 43 2 45

Deportação - 34 34

Ignorada 49 47 96

Total 129 102 231

Distribuição de sentenças aos Malês

revoltosos em 1835

Fonte: REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil

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Revoltas durante a Regência

Revolta de Manuel Congo, RJ (1838):

Causas: Desejo de criar um quilombo na Baixada Fluminense (em Paty do Alferes);

Liderança: Manuel Congo, africano nato;

Desfecho:

◼ Forte repressão pela Guarda Nacional e Exército, sob ordens de Barão de Caxias;

◼ Pena de morte para Manuel Congo;

Importância histórica: Continuidade de revoltas na região.

Exercia Manoel Congo

O ofício de ferreiro,

Era menos maltratado

Pelo senhor fazendeiro,

Mas, nem por isso, deixou

De levar a sua dor

Às vitimas do cativeiro

Na África livre, e hoje

Entre a senzala e a morte

Manoel Congo sofria

Essa mudança de sorte...

Mais, ainda, em hora dada

Quando era acompanhada

De canga, tronco e chicote

(BRAGA, Medeiros. O Quilombo Manoel Congo, a saga de um guerreiro)

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Revoltas durante a Regência

Consequências:

Repressão

extremamente

violenta;

Crescimento do número

de quilombos;

Pouca produção

historiográfica sobre

essas revoltas.

“A rebelião de 1835praticamente encerrou na Bahia o ciclode revoltas africanas. Não encontramosnotícias posteriores de revoltas, àexceção de uma infundada suspeita deconspiração malê em 1844. Ao queparece, a represália em 1835 cumpriuo objetivo de intimidar rebeldespotenciais. Mas isso não significou aacomodação absoluta dos, africanos. Atradição de rebeldia deixava de seexpressar em ações coletivasespetaculares, mas permaneceriamarcando as relações senhor-escravo, avida cultural e, de um modo geral, ocotidiano dos africanos na Bahia. O fimdas rebeliões não seria o fim daresistência”

(REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil)

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A questão racial no Império

Condições do escravizado no século XIX:

A brecha camponesa:

◼ Proposta interpretativa de Ciro Flamarion Cardoso;

◼ Permissão a escravizados produzirem gêneros alimentícios nos latifúndios

de seus senhores;

◼ Criação de um mercado liderado por “camponeses” escravizados;

As alforrias:

◼ Libertos representavam, no XIX, 42% da população de origem africana;

◼ Mais fácil em ambientes urbanos e entre mulheres, velhos e doentes;

◼ Possibilidade de ser revertida por “ingratidão”.

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A questão racial no Império

Quanto Vale ou É por Quilo?, de Sérgio

Bianchi (2005)

Relações de poder:

Oposição e conflito constante entre senhores e escravizados;

Condição política:

◼ Senhores de escravos, Livres, Libertos ou forros e Escravizados;

Condição social:

◼ Nacionalidade, tempo de permanência no país, entre outros;

Cor:

◼ Brancos, Mulatos e Negros.

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A redenção de Cam, de Modesto Brocos

y Gomes (1895)

A questão racial no Império

“Mitos religiosos e científicos

foram utilizados para ajudar a

justificar essa divisão. Teólogos

afirmaram que os africanos descendiam

de Cam, filho de Noé amaldiçoado por

seu pai, que disse que seus filhos seriam

escravos. Biólogos afirmaram que os

negros eram menos inteligentes que os

brancos e que tinham senso moral

menos desenvolvido. Médicos

afirmaram que os negros viviam na

sujeira e disseminavam doenças – em

outras palavras, eram fonte de

contaminação”(HARARI, Yuval N. Sapiens)

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“O fato é que se consumou em plena cultura moderna aexplicação do escravismo como resultado de uma culpaexemplarmente punida pelo patriarca salvo do dilúvio paraperpetuar a espécie humana. A referência à sina de Camcirculou reiteradamente nos séculos XVI, XVII e XVIII, quando ateologia católica ou protestante se viu confrontada pelageneralização do trabalho forçado nas economias coloniais. Ovelho mito serviu então ao novo pensamento mercantil, quealegava justificar o tráfico negreiro, e ao discurso salvacionista,que via na escravidão um meio de catequizar populações antesentregues ao fetichismo ou ao domínio do Islão. Mercadores eideólogos religiosos do sistema conceberam o pecado de Cam ea sua punição como o evento fundador de uma situaçãoimutável”

(BOSI, Alfredo. Dialética da colonização)

A questão racial no Império

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A questão racial no Império

Eu no programa Enredo Cultural: Artefilia da TV UFG

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A questão racial no Império

Propaganda oficial do Ministério da Educação em 13/06/2019

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O Abolicionismo

Abolição fruto da relação entre diversos grupos:

Elite liberal, ligada ao império:

◼ D. Pedro II e Princesa Isabel: abolição lenta e gradual;

◼ Medo de revolta dos escravizados;

Juventude intelectualizada:

◼ Castro Alves: abolição imediata;

Negros livres ou cativos:

◼ Luis Gama: Abolição imediata e a inclusão social do negro.

“Os conflitos entre essas três correntes definiram o

ritmo da escravatura”(DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma breve história do

Brasil)

“A alternativa para oescravo não era, em princípio, apassagem para um regimeassalariado. Mas a fuga para osquilombos. Lei, trabalho e opressãosão correlatos sob o escravismocolonial. Nos casos de alforria, quese tornam menos raros a partir doapogeu das minas, a alternativapara o escravo passou a ser ou amera vida de subsistência comoposseiro em sítios marginais, ou acondição subalterna de agregadoque subsistiu ainda depois daabolição do cativeiro. De qualquermodo, ser negro livre era sempresinônimo de dependência”

(BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização)

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O Abolicionismo

Movimento abolicionista:

Organizado ao longo da

segunda metade do século XIX,

através de associações e jornais;

Organização de comícios,

palestras e panfletagens;

Expansão entre as classes

médias urbanas;

Como consequência do aumento

das pressões pela abolição, há

um aumento do tráfico ilegal.

“Nesse ambiente, o nó daescravidão acabou sendo desatadobasicamente à margem do circuitodecisório oficial. Na década de 1880,o movimento abolicionista pipocou portodo o país, impulsionado quaseexclusivamente pela sociedade. NoCeará, já em 1884 decretou-se umaabolição. No Rio de Janeiro, figurasimportantes como Joaquim Nabuco,André Rebouças e José do Patrocíniocomandavam a pregação, com o apoionem sempre velado da princesa Isabel.Em São Paulo, Luiz Gama comandou aformação de uma imensa redeabolicionista informal, cuja amplitudepôde ser medida no dia do seu enterro,quando 3 mil pessoas pararam a cidadeem torno do féretro”

(CALDEIRA, Jorge. História da riqueza no Brasil)

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O Abolicionismo

Movimento dos Caifazes:

Liderado por Antônio

Bento de Souza e Castro;

Propostas:

◼ Criar redes de apoio;

◼ Organizar fugas coletivas

e quilombos;

◼ “Roubar” de escravizados;

◼ Organizar a luta armada.

“No fechamento do caixão [de LuizGama em 1882], um dos que juraram continuara luta tinha um perfil aparentemente estranho àcausa: um ex-delegado de polícia perseguidorde cativos, católico tradicional e membro doPartido Conservador. Mas Antônio Bentomostrou-se pouco convencional ao criar umaorganização que chamou de Caifazes. Criouuma rede de pontos de apoio que funcionavamtanto em sacristias como em prostíbulos. Treinougrupos de negros fugidos e ergueu refúgios noscaminhos percorridos por capitães do mato.Promoveu a organização do quilombo doJabaquara, em Santos – os atos preparatóriosincluíram uma declaração municipal de abolição,o que mostra o tamanho do apoio à causa.Armou e venceu uma guerra. Em 1887 oquilombo contava 10 mil habitantes, metade dapopulação da cidade e parte significativa dos150 mil cativos paulistas contados pouco antesdo movimento”

(CALDEIRA, Jorge. História da riqueza no Brasil)

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O Abolicionismo

Protagonismo negro:

Intelectuais negros:

◼ Luís da Gama;

◼ José do Patrocínio;

◼ André Rebouças;

◼ Machado de Assis;

Revoltas constantes:

◼ Revolta de Carrancas (1833);

◼ Revolta dos Malês (1835);

◼ Revolta de Manuel Congo (1838).

“Em 1873, Machadode Assis tornou-se funcionáriodo Ministério da Agricultura; apartir de meados de 1876,passou a chefiar a seção desseministério encarregada deestudar e aplicar da lei da leide emancipação [Lei do ventrelivre]. O romancista formou-see transformou-se ao longo dosanos 1870 em diálogoconstante com a experiência dofuncionário público e docidadão”

(CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis, historiador)

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O Abolicionismo

“Sou filho natural de uma negra, africana livre, da CostaMina (Nagô de Nação) de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou obatismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita,a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como aneve, era muito altiva, insofrida e vingativa. Dava-se ao comércio – eraquitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa comosuspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que nãotiveram efeito. Era dotada de atividade. Em 1837, depois da Revolução dodr. Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro e nunca mais voltou. Procurei-a em 1847, em 1856 e em 1861, na Corte, sem que a pudesse encontrar. Em1862, soube, por uns pretos minas que conheciam-na e que deram-me sinaiscertos, que ela, acompanhada de malungos desordeiros, em uma “casa de darfortuna”, em 1838, fora posta em prisão; e que tanto ela como os seuscompanheiros desapareceram. Era opinião dos meus informantes que esses‘amotinados’ fossem mandados pôr fora pelo governo, que, nesse tempo,tratava rigorosamente os africanos livres, tidos como provocadores. Nadamais pude alcançar a respeito dela”

(Carta de Luís Gama a Lúcio Mendonça – 1880)

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O Abolicionismo

Abolicionistas brancos:

Joaquim Nabuco;

José Bonifácio;

Ângelo Agostini;

Joaquim Manuel de Macedo;

Castro Alves;

Obs.: eram motivados por motivos diversos e não somente “humanitários”.

“Trabalhar no sentidode tornar bem manifesta eclara a torpeza daescravidão, sua influênciamalvada, suas deformidadesmorais e congênitas, seusinstintos ruins, seu horror, seusperigos, sua ação infernal, étambém contribuir paracondená-la e para fazer maissuave e simpática a idéia daemancipação que a aniquila”

(MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas algozes)

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O Abolicionismo

Crônica ilustrada, de

Ângelo Agostini na

Revista Illustrada (1886)

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O Abolicionismo

A abolição legal:

Lenta e gradual, “para evitar

uma guerra civil”;

Lei Feijó (1831):

◼ Proibia o tráfico, multava

traficantes e abolia a escravidão;

◼ “Lei para inglês ver”;

Lei (Bill) Aberdeen (1845):

◼ Lei inglesa que tratava navios

negreiros como piratas.

“No século XIX, oimpério do Brasil aparece comoa única nação que praticava otráfico negreiro em larga escala.Alvo da pressão britânica, ocomércio de africanos passou aser proscrito por uma rede detratados que a Inglaterra teceuno Atlântico. Na sequência dotratado de 1826, a lei de setede novembro de 1831 proibiu ocomércio de africanos no Brasil.Entretanto 760 mil indivíduosvindos da África foram trazidosentre 1831 e 1856, num circuitode tráfico clandestino”

(ALENCASTRO, Luiz Felipe. Racismo e Cotas)

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O Abolicionismo

A abolição legal:

Lei Euzébio de Queirós (1850):

◼ Proibição do tráfico

internacional de escravizados;

Lei de Terras (1850):

◼ Terras devolutas compradas

junto ao Estado;

Lei Nabuco de Araújo (1854):

◼ Sanções e punições mais severas

contra traficantes ilegais.

“Declara desde quando deve terlugar a competencia dos Auditores demarinha para processar e julgar os réosmencionados no Art. 3.º da lei N.º 581 de 4de Setembro de 1850, e os casos em quedevem ser impostas pelos mesmos Auditoresas penas de tentativa de importação deescravos. [...]

Art. 2º Será punido com as penas detentativa de importação de escravos,processado e julgado pelos ditos Auditores,o Cidadão Brasileiro, aonde quer queresida, e o estrangeiro residente no Brasil,que for dono, capitão ou mestre, piloto oucontra-mestre, ou interessado no negocio dequalquer embarcação, que se occupe notrafico de escravos, continuando, em relaçãoaos que importarem para o Brasil, adisposição da Lei de quatro de Setembro demil oitocentos e cincoenta”

(Trecho da Lei Nabuco de Araújo)

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O Abolicionismo

Quinquênios Local de desembarque

Total Sul da Bahia Bahia Norte da Bahia

1801-1805 117.900 50.100 36.300 31.500

1806-1810 123.500 58.300 39.100 26.100

1811-1815 139.400 78.700 36.400 24.300

1816-1820 188.300 95.700 34.300 58.300

1821-1825 181.200 120.100 23.700 37.400

1826-1830 250.200 176.100 47.900 26.200

1831-1835 93.700 57.800 16.700 19.200

1836-1840 240.600 202.800 15.800 22.000

1841-1845 120.900 90.800 21.100 9.000

1846-1850 257.500 208.900 45.000 3.600

1851-1855 6.100 3.300 1.900 900

Desembarque estimado de africanos escravizados na Bahia

Fonte: IBGE

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O Abolicionismo

A abolição legal:

Lei do Ventre Livre (1871):

◼ Os filhos de escravizados nasciam livres, embora devessem ou pagar uma indenização ou prestar serviços até os 21 anos;

Lei dos Sexagenários (1885):

◼ Alforria de escravizados com mais de sessenta anos, com o pagamento de mais 3 anos de trabalho como indenização;

Lei Áurea (1888):

◼ Abolição da escravidão.

“A Princesa Imperial Regente, emnome de Sua Majestade o Imperador, oSenhor D. Pedro II, faz saber a todos ossúditos do Império que a Assembleia Geraldecretou e ela sancionou a lei seguinte: Art.1.º: É declarada extinta desde a data destalei a escravidão no Brasil. Art. 2.º:Revogam-se as disposições em contrário.Manda, portanto, a todas as autoridades, aquem o conhecimento e execução dareferida Lei pertencer, que a cumpram, efaçam cumprir e guardar tão inteiramentecomo nela se contém”

Data Total de escravos % da população

1817 1 930 000 50,5

1874 1 540 829 15,8

1887 723 419 5,0

Fonte: MATOS, Hebe. Dicionário do Brasil imperial (1822-1889)

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O Abolicionismo

Treze de maio

Caetano Veloso

Dia 13 de maio em Santo AmaroNa Praça do MercadoOs pretos celebravam(Talvez hoje inda o façam)O fim da escravidãoDa escravidãoO fim da escravidão

Tanta pindoba!Lembro do aluáLembro da maniçobaFoguetes no ar

Pra saudar IsabelÔ IsabéPra saudar Isabé

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O Abolicionismo

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O Abolicionismo

1793

1823

1826

1833

1834

1837

1842

1848

1848

1851

1853

1853

1854

1854

1862

1863

1873

1880

1888

1740 1760 1780 1800 1820 1840 1860 1880 1900

Haiti

Chile

Bolívia

Jamaica

Trinidad

Guiana

Paraguai

Guadalupe

Guiana Francesa

Colômbia

Argentina

Equador

Peru

Venezuela

EUA

Suriname

Porto Rico

Cuba

Brasil

Cronologia do fim da escravidão nas Américas

Fonte: Atlas Istoé

Brasil 500 anos