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ESPAÇO SOCIALISTA Publicação Revolucionária Marxista de Debates Ano VIII - N° 26 julho/agosto de 2008 Contribuição: R$ 1,00 NEM LULA, NEM CHÁVEZ DIANTE DO CHAVISMO, CONSTRUIR UMA ALTERNATIVA SOCIALISTA MULHERES: UMA REPRESENTAÇÃO DISTORCIDA DA REALIDADE BANCÁRIOS/SP: UM PRIMEIRO BALANÇO DAS ELEIÇÕES ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS E O MOVIMENTO GOVERNO LULA E OS ATAQUES AOS TRABALHADORES CONSTRUIR UMA ALTERNATIVA SOCIALISTA

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ESPAÇOSOCIALISTA Publicação Revolucionária Marxista de DebatesAno VIII - N° 26 julho/agosto de 2008

Contribuição: R$ 1,00

NEM LULA, NEMCHÁVEZ

DIANTE DOCHAVISMO,CONSTRUIR

UMAALTERNATIVASOCIALISTA

MULHERES:UMA

REPRESENTAÇÃODISTORCIDA DA

REALIDADE

BANCÁRIOS/SP:UM PRIMEIRO

BALANÇO DASELEIÇÕES

ORGANIZAÇÕESPOLÍTICAS E O

MOVIMENTO

GOVERNOLULA E OS

ATAQUES AOSTRABALHADORES

CONSTRUIR UMAALTERNATIVASOCIALISTA

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O “FIM DO SOCIALISMOREAL” E A OFENSIVA

NEOLIBERALA América Latina tem experimentado

nas últimas décadas toda uma sucessãode alternativas políticas que não puderamminorar a miséria de seu povo, diminuiras desigualdades, a exploração, asopressões ou sustar a devastação do seuterritório. Após o fim das ditadurasmilitares, marca do período mais duroda “guerra fria” no continente,ascenderam ao poder correntes e partidos“democráticos” burgueses que serevezaram nos governos sem conseguirresolver os graves problemas econômicosdecorrentes da atual etapa histórica decrise estrutural do capital.

Os problemas se agravaram a partirda década de 90, quando a queda doregime da URSS e dos Estados do lesteeuropeu e a restauração do capitalismo emtodo o território do chamado “socialismoreal” propiciaram à burguesia mundial aoportunidade de uma ofensiva política eideológica contra o socialismo, organizadaa partir da idéia de “fim da História” e deinevitabilidade da “globalização” capitalista.O continente foi então depredado pelasprivatizações, desnacionalizações,desindustrialização, explosão da dívidapública, retirada de direitos trabalhistas,corte de gastos sociais do Estado, saquede recursos naturais estratégicos, etc, emnome de um ideal de “eficiência” e“competitividade” que só fez aumentar amiséria e a precariedade das condições devida da população. A esquerda não soubereagir a esse projeto, pois permaneceu (eem boa medida ainda permanece) incapazde explicar o fenômeno da queda do“socialismo real” e de oferecer umaalternativa socialista às massastrabalhadoras diante do avanço da“globalização” capitalista e suas políticasneoliberais.

AS MASSAS EM LUTABUSCAM ALTERNATIVASEntretanto, apesar da esterilidade da

esquerda organizada, as massas não

DIANTE DO CHAVISMO, IMPULSIONARUMA ALTERNATIVA SOCIALISTA

deixaram de lutar contra os ataques daburguesia. Fenômenos como o“caracazo” em 1989 na Venezuela, e arevolta indígena zapatista de Chiapas em1994 no México, foram precursores deum ascenso das massas do continente.Esse ascenso se tornava mais poderosoà medida em que avançava a década de2000, a ponto de derrubar governos naArgentina em 2001, na Bolívia em 2003e 2005, e no Equador em 2000 e 2005.

Além das revoltas de massas,verificou-se também uma guinadaeleitoral no continente, com a eleição degovernos ditos “de esquerda” no Brasil,na própria Argentina, no Chile, noUruguai, na Nicarágua e maisrecentemente no Paraguai, sinalizandouma completa rejeição das políticasneoliberais e um claro desejo de mudançapor parte da população.

Evidentemente, nenhum dessesgovernos “moderados” rompeu com oimperialismo. Todos renegaram suaorigem e retórica “progressista” emantiveram o compromisso com aspolíticas neoliberais, frustrando asesperanças de mudanças. Diante dacapitulação aberta dessa “esquerda”,cresceu desproporcionalmente adimensão dos governos ditos “radicais”surgidos das lutas mais agudas naVenezuela, na Bolívia e no Equador. Ocaso da Venezuela merece atençãoespecial, pois o governo de Chávez temse colocado ostensivamente comoliderança de todo esse processo,chegando a falar em “socialismo do séculoXXI”. Sua influência e seu modelo sãoreproduzidos por outras correntes egovernantes, às vezes até passo-a-passo(reforma constitucional, nacionalizaçõesparciais, retórica anti-imperialista,assistencialismo, etc.).

Existe, pois, uma clara distinção entreas duas alas dessa “esquerda” governantelatino-americana – uma mais abertamenteneoliberal e pró-imperialista (cujo melhorexemplo é Lula), e uma maisaparentemente “radical” (como Chávez).Em comum, porém, essas duas alas têm

como característica central o fato de nãoromperem definitivamente com a ordemcapitalista. São expressões distorcidas doascenso das lutas no continente e daausência de uma alternativa socialista demassas. O “chavismo” é um fenômenode grande peso na atualidade, e suainfluência precisa ser corretamentecompreendida à luz desse quadrohistórico e político mais amplo. Por umlado, ele expressa o desejo de mudançadas massas e, por outro, a sua confusãoideológica e falta de clareza quanto ànatureza das mudanças necessárias.

A REVOLUÇÃOBOLIVARIANA DE CHÁVEZ

Do ponto de vista marxista, são osprocessos sociais que explicam aimportância dos indivíduos e não ocontrário. Hugo Chávez é o resultado deuma estrutura mais “democrática” dasForças Armadas na Venezuela, queadmite o acesso de membros da pequena-burguesia e mesmo da classetrabalhadora à condição de oficiais. Foicomo oficial das Forças Armadas queChávez ganhou notoriedade nacional,liderando uma tentativa de golpefracassada em 1993, ainda um eco dainstabilidade que se seguiu ao caracazo.

Eleito presidente em 1998, Chávezdesenvolveu toda uma mitologia política,resgatando ícones do passado (o libertadorBolívar, virtualmente desconhecido noBrasil) e do presente (Fidel Castro, dequem passou a ser aliado) para lhe darsustentação e projetando como horizonteuma “revolução bolivariana”, que sedesdobrou mais recentemente em“socialismo do século XXI”. A falta declareza ideológica desse projeto, ou seja, atentativa de omitir o caráter de classe dosinteresses que representa, permite aChávez deslocar-se com relativa liberdade,com discursos de esquerda e práticascompatíveis com os interesses burgueses.

Concretamente, Chávez deslocou aburguesia venezuelana, rentista eparasitária, do controle da PDVSA, aestatal venezuelana do petróleo. A

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Venezuela é uma das maiores produtorasmundiais de petróleo, fonte de energia ematéria-prima básica da economiamundial, cujo preço aumentougradativamente ao longo da década e vematé hoje quebrando sucessivos recordesna sua cotação.

A partir do aumento dos preços dopetróleo e do conseqüente aumento daarrecadação estatal via PDVSA, Chávezpôde desenvolver uma série deprogramas sociais, em especial os quelevaram atendimento médico (médicoscubanos enviados por Fidel em troca depetróleo barato) e alfabetização para ossetores mais pobres da população. Aburguesia venezuelana, privada docontrole sobre os recursos cada vez maisfartos advindos do petróleo, passou a lutarde todas as formas para derrubar Chávez.A população pobre, por sua vez, passoua apoiar maciçamente o presidente.

Desde 1998, Chávez e seuspartidários venceram sucessivamentetodas as votações que disputaram (issoaté o referendo constitucional de 2007,sobre o qual falaremos adiante), fossemeleições presidenciais, locais,constitucionais, plebiscitos, referendos,etc. Em resposta, a burguesiavenezuelana e o imperialismoestadunidense tentaram um golpe deEstado em 2002 e afastaram Chávez dopoder por três dias. A massiva reaçãopopular (mais de um milhão de pessoascercaram o palácio presidencial exigindoseu presidente de volta) e o controle deChávez sobre parte do exércitoderrotaram o golpe. Logo em seguida, em2003, houve o “lockout”, a grevepatronal, também derrotada pela

economias nacionais, medidas como aestatização total do petróleo são inviáveis,sem que se faça uma revolução de fato, enão apenas retórica.

Para fazer essa revolução, Chávez teriaque admitir o controle da classe operáriasobre a economia e a política. Entretanto,seus passos caminham na direçãocontrária. O chavismo se caracteriza pelacentralização organizativa e pela hipóstaseda liderança personalista do presidente.Não se admite divergências internas ouquestionamento à liderança. Toda aesquerda foi forçada a se fundir no PartidoSocialista Unificado da Venezuela (PSUV)e os que se recusaram passaram a seracusados de colaboradores da burguesia.O PSUV ocupa a maioria dos cargos nasesferas nacional e local. Constituíram-seinclusive milícias paramilitares, sob opretexto da necessidade de se defender daburguesia e do imperialismo, mas que naverdade podem ser usadas contra ospróprios trabalhadores. O movimentosindical também foi forçado a se adequarao chavismo. As mobilizações e grevesforam reprimidas; dirigentesindependentes, como Orlando Chirino,foram demitidos; e os metalúrgicos daSidor precisaram lutar duramente contraa burguesia e a repressão do governochavista para obter a nacionalização daempresa.

O REFERENDO DE 2007Foi nesse quadro de crescente

centralização do chavismo e de asfixia dasorganizações independentes dostrabalhadores, que se realizou o referendoconstitucional de dezembro de 2007,quando Chávez tentou aumentar aindamais os poderes institucionais dapresidência, acenando com mais algumaspequenas concessões para seduzir asmassas. Entretanto, a continuidade docapitalismo, a ausência de mudançasestruturais, a permanência da miséria e dadesigualdade, o avanço da experiência dostrabalhadores mais organizados (Chávezgoverna desde 1998) produziram pelaprimeira vez uma ruptura das massas como chavismo. Setores importantes da classetrabalhadora se abstiveram na votação eas propostas de mudança constitucionalforam derrotadas.

Muitas correntes da esquerda, no afãde se posicionar contra Chávez, acabaramaderindo a mobilizações orquestradas efinanciadas pela burguesia venezuelanae pelo imperialismo, em especial nos

mobilização dos trabalhadores, que entãodavam apoio irrestrito ao presidente.Derrotando as tentativas de golpe,boicotes, campanhas da mídia, etc., evencendo sucessivas eleições, Chávezassumiu um controle cada vez maiorsobre o Estado venezuelano.

OS LIMITES DE CLASSE DOCHAVISMO

Apesar de todo o apoio que lhe deraos trabalhadores e os pobres, de toda aretórica sobre “socialismo do séculoXXI”, da postura aparentemente anti-imperialista “para inglês ver”, etc, Cháveznem sequer iniciou qualquer movimentoreal em direção a uma transição socialistade fato, e isso não está no horizonte doseu projeto: a Venezuela permanece umpaís capitalista, onde se mantém apropriedade privada dos meios deprodução, a extração de mais-valia, adesigualdade social, o aparato repressivodo Estado burguês, etc. A Venezuelasegue vendendo petróleo aos EstadosUnidos e segue pagando a dívida externa.Quando o golpe de 2002 foi derrotado,Chávez não reprimiu os golpistas. Nolockout de 2003, os trabalhadoresassumiram o controle da produção emvários setores, mas Chávez fez com queeste controle voltasse às mãos daburguesia e da burocracia da PDVSA. Aoinvés da ruptura, o chavismo tenta a todocusto a conciliação com a burguesia.

Parte da burguesia venezuelana,percebendo que não poderia vencerChávez, juntou-se a ele. Empresários“bolivarianos” ingressaram no partidochavista e passaram a ocupar cargospúblicos. Redes de negócios corruptosforam formadas entre o Estado e essessetores burgueses chavistas. A todomomento, Chávez chama os empresários,inclusive as corporações estrangeiras, acolaborar com a “revolução”. Cada vezque o chavismo opta por fazer concessõesà burguesia, enfraquece as perspectivas deum avanço nas conquistas dostrabalhadores.

A revolução bolivariana não é classista,portanto não é socialista. Seu horizonte éo do velho nacionalismo burguês sul-americano, de figuras como Vargas, Perón,Cardenas, e outros, reeditado emcircunstâncias históricas muito maisrestritivas. Suas medidas não são nemsequer reformistas, pois limitam-se aoassistencialismo. Num quadro de controlecada vez maior do capital global sobre as

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meios estudantis. Em nome danecessidade de se opor ao chavismo,ultrapassaram a barreira de classe, o queé também inadmissível. A luta contra ochavismo não pode significar a defesa daspolíticas da burguesia.

Em função dessa tentativa decentralização, algumas correntes deesquerda caracterizam o chavismo comototalitário, dando mostras do maiscompleto ecletismo e confusão teórica.O totalitarismo é um conceito dopensamento político burguês, portantodesprovido de qualquer valor científico.Sua definição mais acabada está na obrada filósofa liberal Hanna Arendt (“Asorigens do totalitarismo”). De acordocom essa vertente do pensamentoburguês, os regimes políticos seclassificam num espectro que vai do maisautoritário (totalitário) ao mais liberal

(democracia burguesa). Ora, na realidade,os regimes políticos se definem pelo seuconteúdo de classe e não pelos seusmecanismos de funcionamento. Osregimes de Hitler e de Stalin eram ambosditatoriais, mas sua natureza de classe eracompletamente diferente. O stalinismo seerigiu sobre a usurpação do poderoperário, portanto o seu autoritarismo eradecorrência de uma degeneração maisfundamental: a traição de uma revolução.Não era, portanto, “totalitário”, e simburocrático. A democracia burguesa, porsua vez, é uma ditadura de classe tantoquanto o fascismo, diferindo apenasquanto à forma de que se utiliza paracontrolar os trabalhadores.

Chávez permanece dentro dos limitesda democracia burguesa, seu métodoconsiste em aparelhar e dirigir ostrabalhadores organizados e cooptar as

massas com o assistencialismo. Suaintenção é assumir um controle burocráticocada vez maior sobre a classe trabalhadorae administrar os conflitos de classe embenefício da burguesia e da camarilhaburocrática dos seus partidários.

Os socialistas devem defender aorganização independente da classetrabalhadora, a autonomia de seusorganismos de luta e um programa dereivindicações com medidas socialistas.Devemos dialogar com os trabalhadoresque tem o chavismo como referência nosentido de mostrar os limites das medidaschavistas e a necessidade de ultrapassá-las para atingir o socialismo.

A América Latina precisa avançaragora para a única alternativa política queresta, a única que ainda não foi colocadaem prática: o socialismo.

LULA: UM GOVERNO BURGUÊS CLÁSSICOA partir da década de 90 a burguesia

desencadeou uma ofensiva de âmbitomundial com o objetivo de impor aostrabalhadores um conjunto de reformasque redundaram em retirada de direitoshistóricos, como alteração da idade deaposentadoria, revogação de direitostrabalhistas, privatizações com milharesde demissões, etc. O objetivo deslocar ocapital, antes inserido nesses setores doEstado, para o pagamento aosespeculadores através das dívidas externae interna. A retirada de direitos dostrabalhadores do setor privado, por suavez, tinha como pretexto a necessidadede reduzir os custos da força de trabalhoe criar melhores condições para a disputano mercado mundial.

O método usado para viabilizar essasreformas foi a reestruturação do Estadopara que passasse a ter funções mínimas(adequando-se ao conceito neoliberal de“Estado mínimo”), o que foi feito atravésde reformas constitucionais e medidaslegislativas. No plano político, foram feitasconcessões a setores da burocracia estatal,como o judiciário, e também construídoum arco de alianças que envolveu váriossetores da burguesia - industrial,comercial e financeira – além dedirigentes da pequena burguesia, daburocracia sindical e dos partidos

reformistas. Tais alianças foramfundamentais para levar adiante todos osataques. Assim foram realizadas asprivatizações, as reformas previdenciária,tributária e universitária e outras tantasmudanças legislativas que retiraramdireitos dos trabalhadores. Dentre essas,uma das mais importantes foi osupersimples, considerado como a portade entrada da reforma trabalhista.

Trata-se de reformas estruturais quevisam garantir para longo prazo o novopadrão de acumulação e exploraçãoimplementado no Brasil. Entendê-las comoestruturais significa também entender queessas reformas não são desse ou daquelegoverno, mas sim uma política de Estado.No caso do Brasil, tal política foi aplicadaprimeiro por FHC e depois por Lula. Amanutenção desse projeto tornou-se umaexigência da burguesia para apoiarqualquer candidato. Ambos os governos(PSDB e PT), obedeceram fielmente oimperialismo e aplicaram a fundo asreceitas neoliberais. Portanto, o governoLula não é nada mais do que umacontinuidade do governo tucano que seinstalou por 8 anos em Brasília.

A NATUREZA SOCIAL DOGOVERNO LULA/PT

O I Congresso da Conlutas tem tudo

para ser o grande evento da luta dostrabalhadores desde o início do governoLula. O natureza e o significado dessegoverno é uma das mais importantesdiscussões a serem feitas nesse congresso,porque trará lições históricas (a respeitodos mecanismos da democracia burguesapara cooptar militantes de esquerda parao aparato estatal) sobre como enfrentaras ilusões que amplos setores da classeainda nutrem em Lula e no PT, aomesmo tempo em que irá descortinartarefas imediatas na luta pelos nossosdireitos.

Lula está realizando um governo quesem dúvida trouxe muita confusão eilusão para os trabalhadores. Juntamentecom a desorientação ideológica, vieramtambém muitas das medidas mais anti-operárias dos últimos anos. Caracterizarcorretamente o governo é importanteporque isso se reflete na política que aorganização vai propor. Se trata-se de umgoverno de esquerda que toma medidasprogressistas, deve-se propor uma políticaem que as exigências têm mais peso. Sepor outro lado esse governo desenvolveum permanente ataque aos direitos dostrabalhadores, a política de denúncia deveter maior peso. Esses são só dois exemplosdo que pode ocorrer por conta de uma

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caracterização equivocada. Ou seja, nãoé uma questão de menor importância,mas que tem implicações práticas. Nosegundo turno da eleição de 2002, porexemplo, o PSTU, que defende acaracterização de que o governo do PTé de frente popular, chamou ostrabalhadores a votarem em Lula, com adesculpa de que os trabalhadores queriamderrotar os tucanos. O PSTU capituloue cedeu às falsas ilusões dostrabalhadores, defendendo o votonaquele que atacaria os direitos dostrabalhadores. Nós do Espaço Socialista,ao contrário, pelo fato de caracterizarmosque o governo Lula – assim como Serra– prosseguiria na aplicação dos planosneoliberais de FHC, defendemos efizemos campanha pelo voto nulo, comoforma de disputar a consciência dostrabalhadores e de os alertar para o fatode que não se poderia confiar emnenhum dos candidatos. Mostramos que,de conteúdo, Lula e Serra eram iguais.Passados mais de 5 anos daquelas eleições,qual o balanço que os companheiros doPSTU fazem dessa política?

A caracterização de que Lula é umgoverno burguês clássico e neoliberal nãoé comum na esquerda revolucionária,pois a maioria das organizações defendeque o governo Lula é um governo deFrente Popular. Muitos justificam essacaracterização com base em que (jornalopinião socialista nº 139): 1) é umgoverno chefiado por partido operárioque se apóia no movimento socialorganizado e conta com apoio dosprincipais dirigentes sindicais do país (epor isso obteve êxito nos ataques aosdireitos dos trabalhadores); 2)Não érepresentante direto da burguesia; 3)surgecomo vitória – distorcida – das massas;4) a burguesia não o vê com confiança.

Claro que a chegada de Lula àpresidência é um fato importante nahistória política do país, mas isso não podenos levar a secundarizar as transformaçõespolíticas e ideológicas que ocorreram comLula e o PT. Não encará-las é cair em umerro metodológico sério, limitando oprocesso de análise às aparências. Ao nossomodo de ver é isso que ocorre com ossetores que caracterizam o governo Lulacomo de frente popular.

O PT foi o partido que serviu dereferência para a geração de lutadores quederrotou a ditadura militar. De um partidoque defendia nas eleições de 1982 a palavrade ordem “por um Brasil socialista”, o PT

chega ao processo eleitoral de 2002 comoprotagonista de uma frente eleitoral amplaque reunia sindicalistas (e alguns iludidossetores de esquerda) e burgueses e, comojá dissemos, com um programa capitalista.O atual programa do PT, sob o qual Lulafoi eleito, é em essência um programaburguês que não contém nem sequer asdemandas mínimas dos trabalhadores. Umpartido que tem um programa burguês éum partido burguês. Um partido com umprograma anti-operário é um partidoburguês. Um partido que defende ocapitalismo, com qualquer roupagem, éum partido burguês. Então nos pareceequivocado caracterizar o PT como umpartido de esquerda ou operário.

O apoio que a burocracia sindicalempresta ao governo Lula não é suficientepara mudar o seu caráter de classe, poiso fazem tanto pelo fato de seremreformistas como pelo acesso a diversoscargos no aparato estatal. Para ficar emalguns pequenos exemplos: Meneguelli eJoão Felício (ex-presidentes da CUT) eGuiba (ex-presidente do sindicato dosmetalúrgicos) ocupam cargos com gordossalários no governo federal. Tivemos nahistória outros governos que contavamcom o apoio e participação de dirigentessindicais no governo. Um caso maisrecente é o do governo Collor, que tinhacomo ministro um dirigente da ForçaSindical.

A democracia burguesa é um regimede dominação de classe, mas isso nãosignifica que todos que estão no governosejam burgueses (donos diretos dos meiosde produção), aliás isso é raro. Aburguesia tem a seu serviço váriospolíticos que, como funcionários, exercem

mandatos e funções para garantir adominação contra os trabalhadores.

Todo processo eleitoral sob ademocracia burguesa tem como basesemear ilusões, inclusive a de que ogovernante representa os interesses geraisdo povo, mas sabemos que o discurso éo oposto da prática, pois o que vai definirseu caráter de classe são as medidasadotadas e é assim que devemos analisarquais interesses Lula representa. Ora, aaliança eleitoral, a composição dogoverno, as medidas anti-operárias, oapoio que tem nos diversos setores daburguesia não pode deixar nenhumadúvida: ele representa sim a burguesia ede maneira muito direta. Outra coisa é oseu discurso.

Todos os serviços que Lula e o PTprestaram à burguesia tornam o presidenteum homem de extrema confiança daburguesia, pois como ele mesmo costumadizer: “nunca na história desse país osempresários se deram tão bem...”.

GOVERNO LULA: MAIS DE 5ANOS DE GOVERNO

NEOLIBERALEssas considerações são fundamentais

para compreender o papel de Lula etambém para a caracterização dosignificado de seu governo. A eleição deLula ocorreu em um momento em que apolítica neoliberal vivia um crescentedesgaste não só no Brasil, mas noconjunto da América Latina. Essedesgaste resultou inclusive em processosmais radicalizados, como foi o caso daArgentina em 2001, quando no períodode poucos meses caíram 5 presidentes.

A partir de um compromisso público(expresso na “Carta aos brasileiros”) derespeitar os contratos com banqueiros eempreiteiros, de continuar aceitando osditames do FMI, de seguir as reformasque já vinham sendo implementadas porFHC, uma grande quantidade deempresários se deslocaram para apoiar acandidatura de Lula. Naquele momento,tal candidatura representava o caminhomais seguro para a contenção de umpossível ascenso dos trabalhadoresbrasileiros. Essa é a primeira conclusão:Lula não é produto de um processo demobilização dos trabalhadores. Primeiro,porque não existia um ascenso queenvolvesse o conjunto do movimentooperário e social, com greves ou lutas maisradicalizadas que pudessem colocar emxeque a política que estava sendo

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aplicada. A radicalização das massas, comum substancial giro à esquerda, é aprincipal característica dos governos defrente popular. Ora, no Brasil, desde finsda década de 80, não temos um processode mobilização radicalizada. Asmobilizações que deram projeção a Lulajá estavam distantes e não exerciaminfluência sobre o caráter de suacandidatura e de seu governo. Segundo,porque a direção do movimento sindical,diretamente influenciada por Lula, estavacomprometida com o projeto do governoFHC e não impulsionava qualquer lutacontra o modelo neoliberal tucano. Eterceiro, porque a candidatura tambémfoi apoiada e financiada por grandesempresários do país, entre eles váriosdirigentes da arqui-reacionária FIESP.Como conseqüência dessa caracterização,é preciso pois destacar que o governoLula representa uma continuidade doprojeto neoliberal que vem sendoaplicado no país desde a década de 90.

A segunda conclusão diz respeito ànatureza de classe desse governo, sobrea qual afirmamos sem medo de errar: ogoverno Lula/PT é, desde o início, umgoverno burguês clássico e neoliberal.Mesmo que Lula e vários dirigentes desse

governo tenham origem no movimentooperário, isso não altera essacaracterização, pois sua consciência e suaspráticas são burguesas, ou seja,ideologicamente mudaram de classe.Outro elemento importantíssimo é oprograma sob o qual foi eleito: oprograma do PT, desde pelo menos 94(para ser muito otimista), é um programaque, como diz Trotsky, não faz mal aninguém, pois não questiona apropriedade privada e nem a exploraçãocapitalista, chegando, no máximo, adefender a utópica e reacionáriahumanização do capitalismo.

A terceira conclusão é de que Lulatambém faz um governo pró-imperialista,tanto pelo fato de que tem sido umeficiente ajudante de ordens doimperialismo estadunidense por meio dainvasão ao Haiti; como pela defesa dosinteresses do capital imperialista na“mediação” dos conflitos dos governosnacionalistas da América Latina com osEUA. Pode-se citar também o esforço paraevitar que os movimentos nacionalistas emcurso no continente não se radicalizem.

A conseqüência da orientação pró-imperialista do governo é o fato de queLula e o PT, seguindo os tucanos, abriram

mão de qualquer projeto dedesenvolvimento nacional, entregandoaos grandes grupos imperialistas asriquezas nacionais do país, através dacontinuidade das privatizações, dos leilõespara exploração de petróleo, da geraçãode energia elétrica, etc.

OS DESAFIOSEm uma coisa todos na esquerda

temos acordo: o governo Lula é inimigodos trabalhadores e assim deve ser tratado.Temos tarefas gigantescas pela frente paraconvencer os trabalhadores do caráterdesse governo, para construir processosde luta que enfrentem as reformas e apolítica econômica do governo, mas quetambém se coloquem na cena política comum projeto político socialista.

É por isso que, para armar ostrabalhadores, não podemos ter dúvidada natureza de classe do governo Lula edo PT. Dizer que é um governo de frentepopular equivale a semear ilusões de queesse governo tem algum rastro deesquerda ou algum tipo de independênciaem relação à burguesia. Ao contrário, sedizemos que é um governo burguêsclássico, não deixamos margens paradúvida sobre a natureza de classe.

“A liderança tornou-se em si mesma cadavez mais rígida e autônoma, perdendo, na grandemaioria das vezes, contato com as pessoas.Concomitantemente, o impacto da liderança sobreas massas deixou de ser de todo racional,passando a revelar claramente alguns dos traçosautoritários, que sempre estão latentes onde opoder é controlado por uns poucos.”

Theodor Adorno

Um dos aspectos decisivos para quea reorganização da classe trabalhadora orainiciada em torno da Conlutas nãoreproduza os fracassos verificados emmomentos históricos anteriores é o darelação entre as organizações políticas eos organismos de luta do movimento.

Por organizações entendemos aqui ospartidos, os agrupamentos e coletivos

que unificam os indivíduos em torno delinhas teórico-programáticasdeterminadas e que se propõem a umaintervenção global na luta de classes, paraalém de seus aspectos específicos. Pororganismos de luta entendemos asdiversas instituições da classe trabalhadoravoltadas para o enfrentamento dequestões específicas, tais como ossindicatos, grêmios estudantis,associações, movimentos reivindicativos,etc., nos quais os indivíduos se unificamem torno de acordos pontuais eexpressam as mais diversificadasposições a respeito dos temas gerais.

A IMPORTÂNCIA DOMÉTODO

Iniciamos a discussão sobre a relação

entre essas duas esferas a partir daconcepção de que os organismos de lutadevem ser autônomos em relação àsorganizações políticas. Por autonomiaentendemos aqui a prerrogativa dosorganismos de luta tomarem suas decisõesnos seus próprios fóruns internos. Asdiversas organizações políticas semdúvida lutarão para defender suaspropostas nestes fóruns, o que éperfeitamente legítimo e necessário. Osproblemas começam a partir domomento em que as organizaçõespolíticas atropelam os fóruns próprios dedecisão dos organismos de luta, trazendosuas decisões de cima para baixo eimpondo-as à base, sem o devido debate.

A distinção entre os fóruns de decisãodas organizações políticas e dos

ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTO:UM DEBATE QUE PRECISA SER APROFUNDADO

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organismos de luta pode em determinadosmomentos parecer uma meraformalidade, ou até mesmo umempecilho burocrático. Esse parece sero caso da situação em que vivemos, naqual a maior parte dos trabalhadores estávirtualmente paralisada e as poucas lutasem curso se restringem a alguns dossetores organizados. Nessa situação, aformação de ativistas é muito limitada eo movimento é feito quase que totalmentepela vanguarda já organizada.

Por outro lado, como diz o ditado, odiabo mora nos detalhes. As questões demétodo podem parecer abstratas numadeterminada conjuntura histórica, massão de importância crucial nos momentosem que o conjunto da classe se colocaem luta. A adoção de métodosburocráticos e autoritários como práticacorriqueira pode se cristalizar a tal ponto,que um organismo de luta surgido comum projeto de enfrentamento radicalpode se transformar em propriedade deuma camarilha oportunista e, finalmente,em um obstáculo para a luta dostrabalhadores. As questões metodológicasprecisam ser tratadas, pois, com a devidaimportância política.

A RELAÇÃO ENTRE ASORGANIZAÇÕES E OS

INDIVÍDUOSÉ preciso discutir em profundidade osaspectos filosóficos envolvidos naquestão. Nenhuma organização políticaé um todo homogêneo, haja vista que noseu interior se agrupam indivíduos comas mais diferentes histórias de vida. Asdiferenças que existem hoje entre osindivíduos formados na sociedadecapitalista não são propriamentediferenças, mas desigualdades causadaspela origem de classe, pelo acesso desigualaos bens materiais e espirituais, etc.Somente no socialismo, as diferençasentre os indivíduos deixarão de ser frutode uma desigualdade social, e passarão adiferenças propriamente ditas, fundadasno gosto, na formação, na aptidão, notalento individual, etc. Somente umasituação de igualdade social (ou seja,igualdade na responsabilidade perante areprodução material e igualdade noacesso aos produtos do trabalho) poderáproduzir a diferença entre os indivíduoscomo expressão de uma diversidadecriativa do potencial da humanidade ecomo possibilidade de enriquecimentoilimitado dessa humanidade.

A luta pelo socialismo é uma luta paraconstruir a igualdade a partir de umasituação de desigualdade. Os indivíduoschegam a essa luta em condiçõesnecessariamente desiguais. Ou seja, algunstêm maior acúmulo teórico, outros têmmenos, alguns têm maior capacidade deexpressão, outros têm menos, alguns têmmaior intuição política, e assimsucessivamente, em relação aos maisvariados aspectos. Conforme as aptidõesdiferenciadas que demonstram, osindivíduos são aproveitados no interiordas organizações para o desempenho detarefas também diferenciadas: algunsescrevem, outros falam em assembléias,outros dão cursos, outros fazem apenas“trabalho braçal”, panfletagens, etc.

A questão que se coloca é a seguinte:em que medida essa divisão de tarefas éuma inevitabilidade prática e em quemedida ela representa uma reprodução daforma hierárquica e da divisão do trabalhotípicas do capitalismo e da sociedade declasses, no interior mesmo dasorganizações socialistas? Na verdade, asduas interpretações estão corretas. De umlado, não se pode forçar os indivíduos adesempenharem tarefas para as quais nãoestão minimamente preparados, por meiode medidas administrativas horizontalistas,em nome da necessidade de impor a ferroe fogo a igualdade no interior daorganização, sob pena de desestruturar otrabalho. De outro lado, porém, tambémnão se pode admitir indefinidamente aseparação entre trabalho intelectual etrabalho braçal, entre teoria e prática, entredireção e base, de modo que se tenhadirigentes “vitalícios” e militantes de base“tarefeiros”.

Se as duas interpretações da questãoestão corretas, o que está incorreto é fazerde conta que o problema não existe edeixar de abordá-lo de maneiraconsciente. A divisão social do trabalhoentre teoria e prática precisa sim sersuperada, mas de uma forma que nãoprejudique a qualidade da teoria e daprática. Qual é essa forma? Como unirteoria e prática? Como praticar a teoria eteorizar a prática? Cada organizaçãopolítica deve encontrar sua forma, docontrário irá cair no burocratismo e nopraticismo desenfreado de um lado, ouno anarquismo irresponsável de outro.

Esse aspecto da construção dasorganizações revolucionárias deve sertratado como uma questão política deprimeira ordem. A defasagem entre a

base e a direção deve ser a menorpossível. A educação marxista dosmilitantes não pode se limitar a umconjunto de palavra de ordens. Aformação de quadros com conhecimentoteórico e prático deve ser umapreocupação permanente da organização.Somente assim se poderá colocar emprática mecanismos de rodízio da direção,revezamento das funções, etc.

A PERSPECTIVA HISTÓRICAA maior parte das organizações de

esquerda que defende o socialismorevolucionário tem como seu exemplo oprocesso da revolução russa. A atuaçãodo partido bolchevique deve ser areferência fundamental para ossocialistas, afinal trata-se do partido queconseguiu tomar o poder e iniciar aprimeira tentativa de transição aosocialismo. O estudo da revolução russaenvolve uma multiplicidade de questões,que evidentemente não podem seresgotados num artigo e numa publicaçãodeste porte. Trazemos este tema à tonapara abordar um dos aspectos da questão:a importância do partido para a revoluçãorussa. A afirmação de que “sem o partidonão teria havido a revolução” não podeser confundida com: “basta construir opartido para que se faça a revolução”.Uma condição necessária não é o mesmoque uma condição suficiente.

A palavra de ordem dos bolcheviquesnão era “todo poder ao partido” e sim“todo poder aos soviets”. Evidentemente,sendo o partido bolchevique o maisconseqüente e estando seus militantesenraizados no setor mais dinâmico davanguarda, era lógico que os bolcheviquesfossem maioria nos soviets. Mesmo assim,a distinção entre a instância do partido ea dos organismos da classe, os soviets,era muito mais do que uma simplesformalidade.

Os bolcheviques jamais imaginarampoder desencadear e conduzir umarevolução sozinhos, sem contar com umaampla vanguarda organizada nos soviets,e até mesmo com os militantes de outrasorganizações. Os soviets somente foramsuprimidos nas circunstâncias extremasda guerra civil, quando o partido se viuforçado a assumir o controle total doEstado. Essa medida, por sua vez, abriuas portas para a degeneração burocráticado partido, por meio da qual o stalinismoassumiu o controle.

O processo riquíssimo e contraditório

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da revolução russa é abstraído por leiturasmecanicistas e reducionistas, que fazemda existência do partido o único fator aser destacado. A partir desse raciocínioparcial, falanges de auto-proclamados“bolcheviques” sindicais e estudantispartem para a conquista de sindicatos,grêmios e outros organismos, como sefosse uma questão de vida ou morte parao sucesso da revolução brasileira emundial o fato da sua organizaçãoassumir o controle de tal organismo. Umavez que cada organização se considera oportador exclusivo da ortodoxiabolchevique, trotskista, marxistarevolucionária, etc, está armado o cenáriopara a disputa sectária e divisionista a quetodos estamos acostumados na esquerda.

Para concluir esse ponto, é precisoressaltar que destacar a importância dossoviets não significa negar a importânciae a necessidade do partido, e que a disputaentre as organizações pela direção dosorganismos é também necessária para ofortalecimento da esquerda, mas desdeque de fato priorize a construção dessesorganismos e o crescimento domovimento no seu conjunto. Não se podeagir nessa disputa como se os finsjustifiquem os meios. Na luta pelosocialismo, os meios precisam sercoerentes com o fim.

O ESPAÇO PARA A DISPUTAIDEOLÓGICA

Os trabalhadores não nascem prontospara a luta socialista, precisam ser ganhospara esse projeto. Os indivíduos seaproximam da luta movidos por questõesimediatas, como a luta por melhoressalários, por educação de qualidade, porterra, moradia, transporte público, entreoutros. Através dos organismos de luta,formados para lidar com essas questõesespecíficas e imediatas, os trabalhadoressuperam a passividade em que o cotidianoda sobrevivência os aprisiona edesenvolvem o enfrentamento contra asconseqüências imediatas do capitalismo.É aí, portanto, que deve realizar-se oprocesso gradativo da sua educaçãopolítica, visando desenvolver acompreensão de que a miséria e aexploração somente serão superadas coma superação de sua causa, ou seja, dopróprio capitalismo. É esse também omomento em que se deve preparar osindivíduos para exercer a administraçãoconsciente de suas vidas na futurasociedade socialista.

Justamente por isso, a maior parte dasorganizações desloca seus militantes paradisputar a consciência dos trabalhadoresreunidos nessas instâncias organizativas deluta imediata. Entretanto, a forma comomuitas organizações políticas atuam acabasendo mais prejudicial do que construtivapara o movimento. É muito comum asorganizações tomarem os organismos deluta como espaço onde devem impor assuas táticas e as suas concepções aqualquer preço. Em vez de promoveremo debate com as demais organizações, comos ativistas independentes e com oconjunto da classe, de modo a fortalecero movimento, acabam criando umadisputa na qual utilizam métodosextremamente questionáveis.

A falsificação das propostas dosadversários, as manobras nos bastidores,a manipulação, a violência retórica (e àsvezes até mesmo física) entre osmilitantes, são vícios perpetuados naesquerda que acabam afastando muitosindivíduos que porventura se aproximamdo movimento. Dissemina-se assim aidéia nefasta de que todos os partidos sãoiguais, de que “nenhum presta”, de queonde existem partidos existem interessesescusos, etc. O anti-partidarismo é umaidéia que apenas facilita o trabalho daburguesia na propagação doconformismo e da paralisia.

Os organismos de luta da classe devemfuncionar como frente única, ou seja,como uma frente de atuação comum, naqual caibam os militantes das diferentesorganizações políticas revolucionárias, os

ativistas independentes, os trabalhadoressem qualquer experiência de luta, osindivíduos com concepções reformistas,os dominados pelo senso comum, osadeptos de todos os partidos e religiões,etc. É no interior desses organismos defrente única que deve se dar o debate entreas diferentes organizações políticas, masde modo que o movimento no seuconjunto seja fortalecido, o que exige umametodologia democrática de atuação, aqual infelizmente é negligenciada por boaparte da esquerda. Resgatar os métodosda democracia operária no interior domovimento é uma das tarefasfundamentais, até mesmo para fazer comque as lutas mínimas avancem e parareconstruir o projeto socialista comoalternativa.

A NECESSIDADE DEFORMAS DEMOCRÁTICAS

DE ORGANIZAÇÃOAs propostas do Espaço Socialista para areorganização do movimento não sãouma novidade inventada por nós. Trata-se simplesmente de resgatar as tradiçõesdo movimento operário tais como erampostas em prática no passado. A práticada democracia operária consiste natomada de decisões pela base, e nocontrole e vigilância sobre os militantesque assumirem funções de direção.

Há uma diferença qualitativa entrereceber o mandato da base para dirigiruma entidade e dirigi-la à revelia da base.A democracia operária exige critériosmuito superiores aos da democraciaburguesa, na qual a simples eleição dosdirigentes legitima toda e qualquerdecisão. A democracia operária sediferencia pelo envolvimento permanentee substantivo da base na tomada dedecisões – o que é muito diferente dométodo representativo e formal dademocracia burguesa.

Se é verdade que os trabalhadoresnão desenvolvem espontaneamente aconsciência socialista (pelo simp:es fatode estarem ocupados demais lutando parasobreviver) e esta tem que ser trazida defora pelas organizações políticas, comoaprendemos com Lênin, também éverdade que essas organizações somenteserão bem-sucedidas se estiverem ao ladoda classe trabalhadora, lutando ombro aombro com as mesmas alienações,padecendo das mesmas dificuldades,vivendo o mesmo cotidiano. Essemandamento foi esquecido por boa parte

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da esquerda e os resultados foramcatastróficos para o movimento socialista.

Os partidos políticos e organismos deluta, como por exemplo os sindicatos, seadaptaram à realidade do capitalismo edeixaram de ser instrumentos paracombatê-lo. Ex-militantes passaram adisputar os cargos eleitorais no Estadoburguês ou os cargos de direção nosorganismos de luta com o pretexto detrazer melhorias na vida dostrabalhadores, mas a única melhoria queobtiveram foi o seu próprioenriquecimento pessoal. Converteram-seassim em burocratas, ou seja, dirigentesque transformam os instrumentos de lutaem aparatos de poder pessoal eacomodação social, desviando a lutasocialista para o pântano da colaboraçãode classe com a burguesia.

A participação dos socialistas nas

eleições para cargos no Estado burguês ea ocupação de cargos nos organismos defrente única precisa ser controlada pelocritério de fazer avançar a consciênciasocialista. Sem seguir esse critério, apresença de indivíduos e organizações quese proclamam “socialistas” nesses aparatosacaba servindo apenas para perpetuar ailusão de uma convivência possível com aordem capitalista. Enquanto se perpetuaessa ilusão, os burocratas e oportunistassobrevivem como parasitas às custas doconjunto da classe, praticando a conciliaçãocom a burguesia e paralisando osorganismos de luta.

A burocratização precisa ser combatidanão apenas moralmente, pela simplescensura a dirigentes degenerados, maspoliticamente, por meio de medidas como:

- proibição da reeleição indefinida dosdirigentes;

- renovação de pelo menos metadedos órgãos de direção a cada eleição;

- tomada de decisões nos fóruns debase, como as assembléias;

- garantia do direito de que as posiçõesdivergentes sejam apresentadas;

- remuneração dos dirigentes nãosuperior à da média dos trabalhadores;

- transparência na administração dosrecursos financeiros da entidade;

- esforço permanente paradesenvolver a formação teórica e políticados trabalhadores, para que sequalifiquem a exercer criticamente suaopção sobre a linha de atuação dosorganismos.

É preciso travar uma luta políticapermanente para resgatar e consolidaressas medidas organizativas de caráterdemocrático nos organismos domovimento.

Nos dias 16 a 19 de junho ocorreramas eleições para a diretoria do mais ricosindicato da América Latina. A vitória foida chapa da Situação – composta pelaArticulação (principal corrente sindical doPT) e pela FES (que faz parte daIntersindical) –, por uma ampla vantagemfrente à chapa do Movimento Nacionalde Oposição Bancária (MNOB): 72,4%votos contra 27,5%, respectivamente.

Os números podem impressionaraquele que não acompanhou o processoeleitoral. Ao contrário do que se imagina,a burocracia da Situação não fez umacampanha pesada na categoria, limitou-se em se fazer presente na maiorconcentração de bancários da base, queé o Complexo do Bradesco localizado emOsasco, conhecido por Cidade de Deus,com mais de 5 mil votantes. Durante oprocesso de votação em si, a chapa daSituação teve o apoio da administraçãodos bancos, através dos gerentes, queassediaram os bancários para quevotassem na chapa 1. A oposição, muitomais frágil, não conseguiu montar umoperativo capaz de fiscalizar a votação,empregando como mesários pessoas semmuito compromisso, em especial nasurnas que percorriam as microrregiões,onde campearam o assédio e a fraude.Ainda assim, o que justifica a vitória da

Situação? Para nós do Espaço Socialista,há uma combinação de vários fatores.

Em primeiro lugar, a própriaburocratização do sindicato. Ao longo dedécadas de gestão da Articulação, osindicato deixou de ter vida democrática:a participação da base, o interesse e oconhecimento desta sobre o que se passano sindicato só diminuíram ao longo dotempo. Isso se reflete nos números: deuma base de mais de 100 mil bancários,menos da metade são sindicalizados eapenas cerca de 30.500 destes votaramna presente eleição. A burocratizaçãoabriu a brecha para o aparelhamento dosindicato por interesses escusos, como osque se manifestaram no escândalo daBANCOOP (cooperativa de créditohabitacional usada como esquema detransferência de recursos para o PT, àscustas da contribuição de associados quenão receberam os imóveis pelos quaispagaram), cujos dirigentes integraram achapa 1 como “diretores de honra”.

Em segundo lugar, os ataques dosquais a categoria foi vítima no últimoperíodo foram aplicados pela patronalsem qualquer reação por parte daburocracia, o que contribui para adesmoralização. Nos setores específicos,as traições se multiplicam: no caso do

Banespa, foi feito um acordo decongelamento salarial por 5 anos em“troca” da estabilidade quando o bancofoi adquirido pelo Santander, o que nãoimpediu que milhares fossem demitidos.Pode-se citar também o silêncio sepulcraldo sindicato frente ao processo dereestruturação no Banco do Brasil,iniciado em 2007, e que envolve ademissão de milhares de bancários, emespecial os caixas e os trabalhadores dosdepartamentos de suporte nas agências.

A burocratização e a traiçãoproduziram um inevitável refluxo das lutas.A cada campanha salarial, os índices dereivindicação são mais rebaixados e osacordos são fechados sem que hajamobilização de fato. O instrumentosindicato caiu em descrédito perante osbancários e o nível de consciência médioda categoria retrocedeu catastroficamente.Nos bancos privados, esmagadora maioriadentro da base, não há mais qualquerativismo. Isso faz com que o trabalho daoposição esteja limitado aos bancos estatais,ou seja, BB e CEF.

Nessas circunstâncias extremas, osimples fato de que tenha havido umachapa de oposição nas eleições de 2005e 2008 pode ser considerado uma vitória.Entretanto, isso não pode servir comoargumento para que não se discutam as

UM PRIMEIRO BALANÇO DAS ELEIÇÕESBancários/sp

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fragilidades da oposição. Não se podecolocar todo o peso da derrota no poderdo adversário e nas dificuldades da luta,sem discutir minimamente os própriosproblemas. A auto-crítica da oposição éfundamental para retomar a organizaçãodo movimento.

Passando, pois, aos problemas, épreciso começar pela ausência de umprojeto estratégico. A cada momentomuda a proposta política da oposiçãopara a categoria: ora se fala numaassociação nacional de bancários, ora emretomar os sindicatos. Nesse meio tempo,o trabalho estrutural junto à categoria ficaem segundo plano, a oposição“desaparece” enquanto movimento e sóvolta a surgir nas campanhas salariais ounas eleições do sindicato.

Isso não significa que não existemilitância na base e que os integrantesda oposição não estejam travando oenfrentamento cotidiano nos locais detrabalho. Significa que esse enfrentamentose limita a uma resistência dos setoresespecíficos e não converge para um

projeto geral. A oposição trava lutasdefensivas, como foi o caso da reformaestatutária da Caixa de Assistência (desaúde) dos Funcionários do Banco doBrasil (CASSI), mas ainda não éconhecida pelo conjunto dos bancários emuito menos vista com uma alternativaconcreta de direção.

O maior desafio do MNOB é,portanto, o de se estruturar como ummovimento permanente. É preciso haverreuniões periódicas para discutir o dia-a-dia dos bancários e se antecipar aosburocratas e ao governo quanto aosataques à categoria; é preciso estarpresente, por meio de atividadesperiódicas de panfletagem, para disputara consciência dos trabalhadores e realizarum trabalho ideológico de longo prazo.Para tocar esse trabalho, é preciso fazeruma divisão de tarefas, estruturandocomissões de comunicação, de finanças,etc, com balanço e elaboração coletivos.

A oposição precisa cumprir o papelorgânico que caberia ao sindicato, de sera representação da categoria, na qual a

base pode comparecer para discutir seusproblemas. O debate não pode ficarrestrito à vanguarda, e sim se estenderaos diferentes setores da categoria e falara sua linguagem. Somente funcionandocomo um fórum de discussãopermanente, autônomo e estruturado, oMNOB pode ser capaz de implementarum projeto de longo prazo para aretomada do sindicato para os bancários.

O exemplo está aí: na subsede daAPEOESP de Santo André, a chapa daOposição Unificada escorraçou aArticulação, elegendo todos os 25conselheiros regionais e todos os 16conselheiros estaduais (ver artigo nestaedição). Essa vitória é o resultado de umtrabalho estrutural junto à base dacategoria, nos moldes do que aquidefendemos para os bancários.

Também não podemos deixar deressaltar o papel lamentável daIntersindical nesse processo, pois entreos bancários e a burocracia sindical, ficoudo lado daqueles que existem para trairos trabalhadores.

Impressiona como a realidade é capazde confirmar a atualidade da afirmaçãomarxista de que as idéias dominantes, emcada época, são as idéias da classedominante. Ao governar a sociedadedividida em classes, a burguesia utiliza,além do aparelho do Estado, os meios decomunicação para apresentar suas idéiascomo sendo as idéias do conjunto dasociedade.

Estes meios de comunicação, que sãoconcessões públicas, utilizam os maisdiversos recursos com a principalfinalidade de esconder a origem dosproblemas para reafirmar e reproduzir aexploração do trabalho alheio.

Tem sido comum nos depararmos commentiras, ridicularizações e caricaturas demau gosto contra a classe trabalhadora,nos noticiários, novelas, programas de“humor” e propagandas televisivas, além,obviamente, de encontrarmos tudo issotambém na mídia escrita.

Quem nunca observou a propagandada Ford (empresa automobilística) emque a professora ensina para animais? Apropaganda da Tigre, em que o encanadoré trapaceiro? E a novela global em quea menina do interior trás as marcas doJeca Tatu, o mais pobre trás os hábitos edeleites da classe média e a empregadadoméstica que anula sua vida pela vidada patroa? Quem não assistiu oprograma que transforma a simplicidadeem ridículo, o convívio em violência ebusca impor o padrão de beleza burguêsutilizando o humor barato,preconceituoso e empobrecedor?

Essas personagens, que servem paranos entreter e desprezam a criaçãoartística, são utilizadas pelos meios decomunicação como uma forma demostrar a classe trabalhadora dividida entretrabalhador e pobre. Têm comofinalidade confundir e desmoralizar paradisseminar e tentar impor uma visão deque não temos identidade de classe e

somos capazes de conviver pacificamentecom os problemas e rir da própria miséria.

E QUANDO O ASSUNTO ÉRESISTÊNCIA OU

MANIFESTAÇÃO DACLASSE TRABALHADORA?

A imprensa burguesa também reagede forma unida. O jornal Folha de São Paulo,a revista Veja, as emissoras de televisão,principalmente a Rede Globo, escondeminformações, manipulam dados e sãoparciais em seus noticiários. Já é habitualcontarmos com suas mentiras em relaçãoaos números de manifestantes ereivindicações dos trabalhadores.

Neste último período, temos comoexemplo a luta dos professores da redeestadual de São Paulo. Desde o início doano, estes meios de comunicação travaramuma campanha para desmoralizar aprofissão docente. Toda semana um artigoou reportagem trata de culpabilizar oprofessor pelos problemas existentes na

UMA REPRESENTAÇÃODISTORCIDA DA REALIDADE

Adneide Andrade e Iraci Lacerda

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Educação. Posicionam-se contra a “faltade formação” do professor, a quantidadede ausências, a nota baixa no examenacional e assim por diante. Escondem oproblema da falta de verbas para asescolas, a falta de condições mínimas detrabalho, o problema da superlotação dassalas de aula, a precariedade da merendaescolar, o resultado da aprovaçãoautomática, etc...

Obviamente sem se sentirrepresentada por esta imprensa, e sabedorados reais problemas enfrentados no dia-a-dia das escolas públicas, a categoriadecretou greve, contrariando as idéias e anecessidade dominante. Mesmo com umaextensa pauta de reivindicações entreguea José Serra/PSDB – liberdade de cátedra,melhores condições de trabalho, gestãodemocrática e autonomia da escola,máximo de 35 alunos por sala, fim daaprovação automática, revogação doDecreto 53037, garantia de emprego eestabilidade, reajuste salarial, etc, etc, etc...– os professores continuam amargandoas mentiras da imprensa que insiste emafirmar apenas a reivindicação salarial.

Quanto aos números, oposicionamento da imprensa não é menoscruel: no último dia 20 de junho, cerca de70.000 mil professores tomaram as ruasapós assembléia realizada na capitalpaulista, mas os números divulgados nãopassaram da metade. As imagensposteriormente editadas escondiam o marde gente que vimos inundar as avenidasPaulista e Consolação. Seria muito esperaralguma preocupação com a Educação dotrabalhador!

As preocupações e os posicionamentosdesta imprensa, que se diz imparcial,caminham lado-a-lado com os interessesde seus e outros grandes proprietários. NaEducação, podemos constatar isso dediversas formas. Um exemplo é a editoraAbril, dona da Revista Veja, e a mesmaque editou e forneceu a R$ 18,95 (valorunitário), no início do ano, para o governo

do Estado, o Guia Atualidades – Vestibular,distribuído gratuitamente para os alunosdo Ensino Médio.

Sem nos apegarmos ao valor bruto,podemos entender como a burguesia podetentar homogeneizar idéias – a partir detemas importantes como o AquecimentoGlobal, Oriente Médio, Fontes de Energia,Falta de Água, etc –, através do aparatodo Estado e de sua imprensa.

E QUANDO O ASSUNTO É AMULHER TRABALHADORA?Os meios de comunicação não deixam

por menos. Querem a qualquer custoimpor-lhe o pensamento, as atitudes e ossentimentos da burguesia. Exigem quesejam bonitas, inteligentes e prendadas. Sãotratadas como importantes reprodutorasde mão-de-obra e, ao mesmo tempo,responsáveis pelas conseqüências causadaspela ausência do lar.

Os meios de comunicação divulgarama aprovação da Lei Maria da Penhacontra a violência doméstica.Apresentaram radiantes a campanha daCNBB contra a legalização do aborto.Dispõem de números importantes paramostrar a inserção da mulher no mercadode trabalho. No entanto, distorcem ouomitem informações para não exigirsoluções quanto ao crescimento daviolência com morte entre as mulheres,quanto ao número de 780 abortos diários(Ministro Saúde, FSP, Junho/2007),quanto ao trabalho precarizado e aescravidão doméstica.

Não discutir a raiz do problema paranão ter que resolver o problema pela raiz:esse é o fundamento dessa práticajornalística. Esta é a democracia burguesaque necessita distorcer a realidade paraimpor a sua ideologia e manter a suaforma de exploração.

Nós, mulheres da classe trabalhadora,ao não aceitarmos a exploração e aodenunciarmos essa prática contra a nossaclasse, precisamos unir nossas vozes parafazer ecoar bandeiras de luta que nosunifiquem e nos permitam viver paraatuar e decidir sobre um outro rumo paraa sociedade:

FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA AMULHER; POR UMA VIDA DIGNA

PARA A NOSSA CLASSE !Apoio psicológico e políticas de

inclusão ou recolocação no mercado detrabalho para as mulheres vítimas deviolência doméstica, além de medidas deassistência social. A nova legislação (Lei

Maria da Penha 11.340/06) avançaquando trata da violência contra a mulhere traz a possibilidade de que todo boletimde ocorrência de violência doméstica setransforme em inquérito policial. Alémde uma condenação penal de até três anosde prisão, o agressor ainda pode terdecretada a separação, condenação emalimentos, perda da guarda dos filhos,além de outras medidas comoafastamento do lar, perda do porte dearmas, determinação de que se mantenhadistanciado da vítima e até o direito de amulher reaver seus bens e cancelarprocurações em nome do agressor. Noentanto, a lei não aponta nada quanto àsituação, existente em muitos casos, dadependência financeira da mulher equanto a um dos principais fatoresassociado a atos de violência doméstica,que é o alcoolismo;

Que o Estado reconheça o alcoolismoe a dependência química como problemasde saúde pública e garanta para a nossaclasse o tratamento pelo SUS e planos desaúde;

Investimento, do Estado, em umacampanha massiva de orientação sexuale contraceptiva e prevenção à AIDS eoutras DST´s nas escolas, bairros, postosde saúde, sindicatos, televisão, rádio, etc;

Distribuição gratuita e sistemática depreservativos masculinos e femininos,pílulas e injeções anticoncepcionais e dodia seguinte nos postos dos SUS e nosplanos de saúde;

Descriminalização e legalização doaborto pela vida da mulher trabalhadora.Obrigatoriedade do atendimento demulheres em processo de aborto pelo SUSe planos de saúde. O aborto não podesignificar um método contraceptivo. Masele é um fato. Ao contrário do que muitosdizem, o aborto bem assistido, é umadefesa da vida da mulher e não faz maismal para o corpo da mulher do que oparto. O atendimento público, comqualidade, é necessário para as mulheresda classe trabalhadora que nãoconseguem pagar uma clínica. A leiexistente hoje prevê prisão de 01 a 03anos para a mulher e para quem o realiza.O suposto pai sequer é mencionado. Paradeixar de ser crime, um dos projetos delei em tramitação no Congresso Nacional(majoritariamente composto por homensda direita) poderá ser aprovado. Elepropõe a permissão da interrupção dagravidez de até 12 semanas em qualquercircunstância, de até 20 semanas em caso

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de estupro e em qualquer tempo noscasos de má-formação do feto ou riscoà saúde da mulher. Prevê também autilização dos SUS e dos planos de saúdepara tais práticas;

Não podemos aceitar a ditadura doparto normal e até do fórceps na redepública, e do parto cesariano nos hospitaisparticulares. A mulher deve ser beminstruída para decidir com segurançasobre o tipo de parto mais adequado aoseu caso específico, e ter boa assistência;

Orientação e diagnósticos precisospara que a mulher decida se realizará ounão a cirurgia para retirada do útero, quetem servido, para muitos médicos, comoinstrumento de esterilização das mulherestrabalhadoras;

A nossa classe deve se mobilizarcontra o descaso aos portadores decâncer. A falta de medicamentos etratamentos adequados está reduzindo otempo de vida dos trabalhadoresportadores de doenças causadas pelo tipode vida imposto pelo capitalismo;

Por um programa específico para asaúde da mulher negra, incluindo no SUSdiagnósticos rápidos e tratamento dedoenças específicas da população negra,como a anemia falciforme e outras.

A mulher deve decidir sobre o seupróprio corpo, em todos os sentidos;

Por uma sexualidade livre dospreconceitos religiosos, machistas, deraça, de orientação sexual e nãosubmetida às imposições do capital.

FIM DA ESCRAVIDÃODOMÉSTICA. POR MAIS

TEMPO LIVRE PARA DOSTRABALHOS DOMÉSTICOS !

Divisão das tarefas domésticas entretodos os membros da casa;

Creches públicas, gratuitas e comqualidade de ensino. Funcionamento 24horas e nos fins-de-semana, inclusive noslocais de trabalho e estudo. Enquanto ascreches não estiverem prontas devemosexigir o Auxílio Babá, em que a pessoaresponsável pela criança de até 12 anosreceba um salário médio para contrataruma pessoa de confiança;

Lavanderias públicas, gratuitas e comqualidade em todos os bairros.

POR EMPREGO: FIM DADEPENDÊNCIA FINANCEIRAQUE HUMILHA E MALTRATA!

Redução da Jornada de trabalho comsalário mínimo do Dieese, sem a dupla

jornada para todas as mães do campo eda cidade que trabalham fora, com cotasproporcionais para as mulheres negras;

Carteira assinada e com todos osdireitos trabalhistas a todas mulheres quetrabalham em situações precárias eterceirizadas. Exemplo: estagiárias,operadoras de telemarketing, empregadasdomésticas, trabalhadoras do campo, etc;

Contra a revista íntima no emprego;Não a discriminação da mulher negra.

Nesse mercado de trabalho injusto eracista, isto é o que vemos o tempo todo.Não podemos aceitar que se torne naturala qualificação da mulher negra apenaspara atividades domésticas, cujas origensadvêm da nossa herança escravista epatriarcal;

Pela diminuição da idade deaposentaria para a mulher que trabalhafora ou dentro de casa. A mulher danossa classe trabalha a vida inteira. Otempo de contribuição não pode ser umimpedimento para a sua aposentadoria.Se a mulher está vivendo mais,certamente está trabalhando mais;

Licença Gestante de 6 meses, tempoideal para a amamentação exclusiva, comredução da jornada após a volta ao trabalho(entrar uma hora mais tarde e sair umahora mais cedo) para complementar como leite materno a alimentação da criançaaté completar dois anos e meio. A mulhertrabalhadora tem o direito de amamentar!Pesquisas científicas comprovam anecessidade da amamentação. Doençasalérgicas, algumas do sistema imunológico,alguns tipos de cânceres, obesidade,diabete e doenças cardiovasculares podemestar associadas à falta de amamentaçãoou à amamentação irregular. O sistemacapitalista exige filhos, mas não querpermitir à mulher trabalhadora apossibilidade de tê-los sem grandesofrimento.

Pela abolição do padrão estéticobulímico e anoréxico, que busca valorizara mulher trabalhadora atribuindo-lhe aauto-estima da mulher burguesa, o quetem contribuído, entre outras coisas, paraa supressão de mulheres gordas ou negrasdo acirrado mercado de trabalho – porexemplo, em shoppings centers –, e queestá sendo considerado um quesitorelevante na admissão de mulheres namaioria dos postos de trabalho.Devemos estar atentas a todoo malabarismo feito pelaimprensa burguesa e jáassumido por alguns sindicatos

de impor o estelionato dermatológico.Que sejam abolidas as formas

subjetivas de contratação em processosseletivos ou concursos públicos, taiscomo: foto, dinâmica de grupo, etc;

Entendemos que somente a lutaunitária de homens e mulheres é capazde mudar toda essa situação e destruir osistema que distorce a realidade, mente eexplora. Somente quando as rádios eemissoras de televisão forem colocadassob controle dos trabalhadores poderãoauxiliar a sociedade a se emancipar daignorância e promover uma elevação donível cultural geral, colocando fim a todaforma de fetichismo, consumismo,racismo, preconceitos e estereótiposcontra a classe trabalhadora e seus gruposmarginalizados como negros, glbt, índiose mulheres.

Neste sentido, é importante que todasas organizações de esquerda queimpulsionarão o plano de lutas para osegundo semestre se comprometam acolocar de fato os seus meios decomunicação a favor da organização, daunidade, das necessidades ereivindicações da classe trabalhadora,inclusive para denunciar as distorções ementiras da imprensa burguesa e paradiscutir os mais diversos assuntos quedividem opinião e são usados de formapreconceituosa contra a própria classe.

Faz-se necessário também que estasorganizações incorporem ao plano delutas e impulsionem uma campanha deesclarecimento e pela legalização doaborto, principal alvo da burguesia contraa vida da mulher trabalhadora neste ano.

Nenhuma greve, mobilização oumanifestação dos trabalhadores podedeixar de ser registrada e acompanhadapor organizações como a Conlutas eIntersindical, que valorizam a unidade naluta da classe trabalhadora. Nenhumataque à classe trabalhadora, da cidadeou do campo, pode deixar de serdenunciado. A solidariedade de classedeve fortalecer essa unidade!

A luta pela reconstrução daconsciência socialista da classetrabalhadora deve ser permanente,intensa e contra todas as formas deexploração!

www.espacosocialista.kit.netemail: [email protected] [email protected]