espiritualidade e arte de envelhecer deus...

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Periodicidade trimestral - 0,50 Director: Manuel Santos José Nº42 Abril / Junho 2012 Hoje em dia há muita literatura com uma grande variedade de conselhos para saber envelhecer. As orientações pren- dem-se com as mais variadas áreas: saúde em geral, alimentação, descanso, mas também exercício para uma vida activa e não sedentária, ocupação dos tempos livres, etc. E também, muito frequente- mente, conselhos sobre espiritualidade. Quer dizer, livro que se preze, não dei- xa de lado este pormenor e considera mesmo a espiritualidade como fonte de tranquilidade. Aptidões e competências, em qualquer destas áreas, contudo, não se adquirem apenas nas etapas finais da vida, há que investir nelas, desde muito cedo. É toda uma relação com a vida, tecida por exercícios de discernimento que nos vão dando arte de viver. Hoje a espiritualidade é descoberta como dimensão profunda do humano, ne- cessária para atingir a plena capacidade, de que cada um é portador e também como espaço de paz, no meio dos conflitos e desolações da vida em sociedade. Pese embora as várias experiências que provam que as pessoas com uma forte espiritualidade são mais saudáveis e vivem mais anos saudáveis, vale a pena referir que, nestas experiências, não há qualquer opinião valorativa sobre que tipo de espiritualidade. Contudo, para um cristão, este as- sunto reveste-se de uma grande im- portância porque não serve qualquer espiritualidade…. É que a espiritualidade cristã é baseada numa acção real, pessoal e comunitária do Espírito de Deus e na permissão que cada um de nós Lhe dá, para liderar a nossa vida. Ora isto começa exactamente com o baptismo, na nossa tradição, normalmente assumido primeiro pelos nossos pais e padrinhos, no seio da comunidade. Mas, depois, tem de ser pessoalmente assumido, para frutificar, em vez de mirrar. E nunca é tarde para fazer do batismo recebido uma redescoberta maravilhosa. Espiritualidade e arte de envelhecer Deus habita-te no mais íntimo de ti mesmo. Caro leitor Este número procura chamar a atenção dos leitores, para a di- mensão profunda do ser humano – a espiritualidade – que se cons- trói na relação com Deus e que, para o cristão, começa com o seu batismo. Reflecte no assunto, valoriza e aprofunda realidade tão funda- mental e maravilhosa. Deixa-te encontrar pelo Senhor Jesus, inicia e reforça assim uma vida de inti- midade divina. Consulta as activi- dades na última página e decide-te a participar. O que é, afinal, ser batizado? Fui batizado quando? Onde? Por quem? Quem foram os meus garantes (padrinhos) perante a comunidade (Igreja) de que eu iria ter uma iniciação e educação na Fé que, antecipa- damente, recebi, a fim de a fazer minha? E que fiz eu para valorizar esse enorme dom recebido, há tanto tempo? Será que, ao menos, conheço o Senhor Jesus no qual fui batizado? Quando nos decidimos a redescobrir Jesus ficamos espantados, porque deteta- mos que afinal, Ele estava há muito tempo à nossa espera! Nos dias de hoje, em que a espirituali- dade é tão badalada e não apenas na arte de envelhecer, como acima refiro, mas para qualquer etapa cronológica da vida, há inclusive clubes, associações, núcleos que ensinam técnicas de meditação, como forma de atingir tranquilidade e paz, etc, (a internet está recheada de opções) e os cristãos não valorizam e até esquecem que são portadores de uma espirituali- dade batismal! Bem razão tinha Jeremias que em nome de Deus grita ao Povo de Israel: “Pasmai, ó céus, acerca disto! Porque o meu povo cometeu um duplo crime: abandonou-me a mim, nascente de águas vivas, e construiu cisternas rotas, que não podem reter as águas!” (Jr 2,12- 13). Céus, é como estar á beira da fonte e nem sequer se dar conta disso e, assim, morrer de sede! Como afirma o Papa Bento XVI (Zenit, 8/03/2012): ”Instituindo o batismo, Deus manifestou a sua vontade de habitar no próprio coração do homem, como íntima e sagrada «tenda do encontro onde pode dialogar com Ele”. Valorizemos, pela redescoberta, a nossa espiritualidade ba- tismal e continuemos ou iniciemos, hoje mesmo, a nossa relação com o Senhor, tecida de fidelidade e de ternura, rezando sem preconceitos e sem medo! Filomena Calão

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Page 1: Espiritualidade e arte de envelhecer Deus habita-tefmme.pt/wp-content/uploads/sites/26/2014/07/AV-42.pdfque me encontrou e eu encontrei-O como o Vivente que se pode amar como uma pessoa

Periodicidade trimestral - € 0,50 Director: Manuel Santos José Nº42 Abril / Junho 2012

Hoje em dia há muita literatura com uma grande variedade de conselhos para saber envelhecer. As orientações pren-dem-se com as mais variadas áreas: saúde em geral, alimentação, descanso, mas também exercício para uma vida activa e não sedentária, ocupação dos tempos livres, etc. E também, muito frequente-mente, conselhos sobre espiritualidade. Quer dizer, livro que se preze, não dei-xa de lado este pormenor e considera mesmo a espiritualidade como fonte de tranquilidade. Aptidões e competências, em qualquer destas áreas, contudo, não se adquirem apenas nas etapas finais da vida, há que investir nelas, desde muito cedo. É toda uma relação com a vida, tecida por exercícios de discernimento que nos vão dando arte de viver.

Hoje a espiritualidade é descoberta como dimensão profunda do humano, ne-cessária para atingir a plena capacidade, de que cada um é portador e também como espaço de paz, no meio dos conflitos e desolações da vida em sociedade.

Pese embora as várias experiências que provam que as pessoas com uma forte espiritualidade são mais saudáveis e vivem mais anos saudáveis, vale a pena referir que, nestas experiências, não há qualquer opinião valorativa sobre que tipo de espiritualidade.

Contudo, para um cristão, este as-sunto reveste-se de uma grande im-portância porque não serve qualquer espiritualidade…. É que a espiritualidade cristã é baseada numa acção real, pessoal e comunitária do Espírito de Deus e na permissão que cada um de nós Lhe dá, para liderar a nossa vida. Ora isto começa exactamente com o baptismo, na nossa tradição, normalmente assumido primeiro pelos nossos pais e padrinhos, no seio da comunidade. Mas, depois, tem de ser pessoalmente assumido, para frutificar, em vez de mirrar.

E nunca é tarde para fazer do batismo recebido uma redescoberta maravilhosa.

Espiritualidade e arte de envelhecer Deus habita-te

no mais íntimo de ti mesmo.

Caro leitor

Este número procura chamar a atenção dos leitores, para a di-mensão profunda do ser humano – a espiritualidade – que se cons-trói na relação com Deus e que, para o cristão, começa com o seu batismo.

Reflecte no assunto, valoriza e aprofunda realidade tão funda-mental e maravi lhosa. Deixa-te encontrar pelo Senhor Jesus, inicia e reforça assim uma vida de inti-midade divina. Consulta as activi-dades na última página e decide-te a participar.

O que é, afinal, ser batizado? Fui batizado quando? Onde? Por quem? Quem foram os meus garantes (padrinhos) perante a comunidade (Igreja) de que eu iria ter uma iniciação e educação na Fé que, antecipa-damente, recebi, a fim de a fazer minha? E que fiz eu para valorizar esse enorme dom recebido, há tanto tempo? Será que, ao menos, conheço o Senhor Jesus no qual fui batizado?

Quando nos decidimos a redescobrir Jesus ficamos espantados, porque deteta-mos que afinal, Ele estava há muito tempo à nossa espera!

Nos dias de hoje, em que a espirituali-dade é tão badalada e não apenas na arte de envelhecer, como acima refiro, mas para qualquer etapa cronológica da vida, há inclusive clubes, associações, núcleos que ensinam técnicas de meditação, como forma de atingir tranquilidade e paz, etc, (a internet está recheada de opções) e os cristãos não valorizam e até esquecem que são portadores de uma espirituali-dade batismal! Bem razão tinha Jeremias que em nome de Deus grita ao Povo de Israel: “Pasmai, ó céus, acerca disto! Porque o meu povo cometeu um duplo crime: abandonou-me a mim, nascente de águas vivas, e construiu cisternas rotas, que não podem reter as águas!” (Jr 2,12-13). Céus, é como estar á beira da fonte e nem sequer se dar conta disso e, assim, morrer de sede!

Como afirma o Papa Bento XVI (Zenit, 8/03/2012): ”Instituindo o batismo, Deus manifestou a sua vontade de habitar no próprio coração do homem, como íntima e sagrada «tenda do encontro onde pode dialogar com Ele”. Valorizemos, pela redescoberta, a nossa espiritualidade ba-tismal e continuemos ou iniciemos, hoje mesmo, a nossa relação com o Senhor, tecida de fidelidade e de ternura, rezando sem preconceitos e sem medo!

Filomena Calão

Page 2: Espiritualidade e arte de envelhecer Deus habita-tefmme.pt/wp-content/uploads/sites/26/2014/07/AV-42.pdfque me encontrou e eu encontrei-O como o Vivente que se pode amar como uma pessoa

Abril / Junho 2012Página 2

Pinceladas de Vida

Alegrai-vos sempre no SenhorIndigência A alegria é um estado de graça, de grande satisfação, de contentamento, de júbilo que se

manifesta exteriormente! É também o sentimento que advém de um acontecimento feliz. A alegria tem manifestações físicas, como o riso, o gesto fácil, a descontracção, o abraçar, o beijar, o acarinhar… «Coração alegre, corpo contente», dita um provérbio popular.

Uma pessoa alegre é, muitas vezes, extrovertida, simpática, sensível aos olhares e sentires do outro, aquele outro que é o nosso próximo, o nosso par em identidade, o nosso irmão em natureza… Também o cristão deve ser alegre: deve ter uma sensibilidade para a vida, para aquilo que o rodeia, para o que vai pairando no ar à sua volta, não se fechando em si próprio, com as suas coisas muito suas, com os seus assuntos mais que individuais, com os seus mundos e muros que às vezes o separam de fora… Estar triste é quase sempre pensar em si mesmo, já dizia Anatole France. Assim, esta alegria genuína contagiará e interpelará; chamará a Deus, todos os que d’Ele duvidem.

O cristão deve ser genuinamente alegre! Este estado de graça, preencherá o coração e transformá-lo-á num órgão propulsor de esperança, num móbil para a mudança e para a unidade. A bondade do cristão transbordará do seu coração e será conhecida por todos, como dizia São Paulo na carta aos Filipenses (4,4) exortando-os a não se deixarem inquietar, pois assim, a paz de Deus, que ultrapassa toda a inteligência, guardará os pensamentos de cada um, em Cristo Jesus. Que dom maravilhoso, esta alegria ser-nos dada gratuitamente, bastando-nos apenas a certeza de que nos encherá o coração de bênçãos, tornando-o num coração novo e puro. Falar de alegria é falar de um coração cheio, repleto de bênçãos, maravilhado com o dom da vida que é renovado a cada dia, como se nos dissesse que em cada dia temos uma nova oportunidade de louvar, agradecer, dar graças a este Deus maravilhoso que nos criou e deu e dá, todos os dias, este colo de Pai.

Alegrai-vos sempre no Senhor e por nada vos deixeis inquietar!

Paula Ferrinho

Senhor Deus,

guia-me por um carreiro de silêncio e de paz,

um carreiro que me leve a Ti,

até ao interior do mistério.

Preciso apenas dum carreiro

iluminado pela serenidade da Eucaristia.

Quero não me cansar de Te amar,

como Tu jamais paras de me chamar

e procurar.

Apodera-Te, Senhor, do meu coração,

da minha vontade,

e da minha memória.

Como um rio que entra no mar

que deixe de ser eu,

para que Tu em mim

sejas mais e que a todos

todo o meu ser fale de Ti.

Carmelitas Descalços, in Internet

Madalena Delbrêl, mística cristã francesa, assistente social, ensaísta e poetisa; nasceu a 24 de Outubro de 1904 em Mussidan - Dor-dogne, e morreu, a 13 de Outubro de 1964, em Ivry.

Sua família não era praticante, embora ela tenha feito a primeira comunhão com 12 anos de idade. Ela própria dirá mais tarde que essa ocasião foi uma festa social. Na adolescência afastou-se de qualquer incipiente fé. Aos 17 anos escreveu um poema: deus está morto, viva a morte. E afirmava que era preciso ter a coragem de dizer isto e não viver como se Ele vivesse.

Dois choques abanaram as suas certezas: aquele de quem estava noiva decide brusca-mente entrar para os Dominicanos (1923). Um ano depois perde o seu pai.

Começa, por essa altura, a mudar o olhar sobre a vida e as circunstâncias e decide, muito conscientemente, rezar. Inspirou-se em Santa Teresa de Ávila que sugeria pensar silenciosa-mente em Deus cinco minutos, todos os dias. Foi uma experiência que a converteu. Ela dirá mais tarde: Eu decidi rezar […] mas foi Deus que me encontrou e eu encontrei-O como o Vivente que se pode amar como uma pessoa concreta.

Em 1926 já inserida numa paróquia – S Domingos – é auxiliar do pároco na pastoral, sobretudo junto dos mais pobres: sente-se

temporal. Participou em campanhas re-tumbantes para libertar presos políticos; às vezes, foi sozinha até ao fim. Redigiu muitos folhetos, cartazes, colaborou para ajudar os grevistas, os desempregados. Respondia com muita energia às chamadas mais inesperadas. Portanto, conheceu as alegrias, as penas duma vida disponível, aberta a todos os ventos. Ex-perimentou dois riscos extremos: mergulhar na acção, ficar desanimada. Como ser cristão, discípulo de Cristo, indissoluvelmente unido ao seu Pai e aos homens? Como manifestar pela nossa vida o amor vivo e recíproco que une Deus e os homens? A resposta de Madalena, escrita em inumeráveis páginas e notas, nunca varia. É por uma prática fiel da oração.”

Em 1940 as autoridades municipais co-munistas de Ivry são destituídas. Madalena Delbrêl é nomeada delegada técnica, encar-regada da coordenação dos serviços sociais nessa cidade.

Seus escritos manifestam dotes poéticos e, sobretudo, uma profunda vida mística. É considerada por muitos como uma das personalidades espirituais mais importantes do século XX. Publicou mais de uma dezena de obras, todas reflectindo a sua reflexão profunda e muito encarnada do que é ser cristão. A 12 de Maio de 1993, deu entrada o seu processo de beatificação.

impelida a anunciar o Deus que a salvou. Mas, por esta altura, deseja também ter uma carreira literária e entrar num Carmelo.

Em finais desse ano, insere-se no escutis-mo, movimento que ela considera muito bom, como um revigoramento moral e espiritual das gerações vindouras.

No ano seguinte, numa carta a sua mãe, dá-lhe conta de que deseja trabalhar para Ele no mundo, sentindo que é essa a vontade de Deus para ela.

De 1930 a 1932, trabalha com o seu pároco e uma pequena equipa de jovens escuteiros, na evangelização que poderíamos chamar de rua, junto dos mais variados pobres.

Em 1932 inicia os estudos para Assistente Social que termina em 1936, em Ivry. Aí, desde o início, trabalha com um grupo de intervenção social cristã. Aí, toma contacto com o comu-nismo que promove um ateísmo militante. Ela chamará a Ivry – terra de missão.

Trabalhando lado a lado com os comunistas, com quem mantém relações de trabalho e amizade, ela sente-se impelida a reler, interior-mente, todo o evangelho, e Jesus aparece-lhe como o maior revolucionário ao lado dos pobres, mas não estigmatizando os ricos. As discordâncias de fundo com a filosofia comu-nista são viscerais.

Segundo Jacques Loew: «Madalena nunca se afastou da acção humana, do compromisso

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Ressonâncias

Porquê? Para quê?

Cantinho Orante

É mister aborreceres toda a forma

de possuir […] pondo todo o cui-

dado em coisa mais alta

que é buscar o reino de Deus,

isto é, em não faltar a Deus,

porque o demais, como Sua Majesta-

de disse,

nos será dado por acréscimo, pois

não se há de esquecer de nós

Aquele que cuida dos animais.

Com isto se adquirirá silêncio e paz.

S. João da Cruz, Cautela 2

Converter-se é deixar de viver longe

de Deus. […] A conversão significa uma

profunda mudança de coração sob o

influxo da Palavra de Deus. Essa transfor-

mação interior exprime-se nas obras e,

por conseguinte, na vida inteira do cristão.

[…] Converter-se é deixar de viver na

mentira. Quem se converte afasta-se da

mentira. O pecado é mentira. Por isso, a

conversão requer uma mudança total de

mentalidade, um espírito novo, o Espírito

da Verdade. A conversão é um ‘sim’ à

verdade. D. Orani João Tempesta, O. Cist.,

arcebispo metropolitano do Rio de Janeiro

Ao levantar-se de manhã, lembre-se de

como é precioso este privilégio de viver, de

respirar, de ser feliz. Marco Aurélio

Que os nossos olhos feitos para olhar

as estrelas não morram a olhar para os

sapatos.Tolentino Mendonça

A pior prisão é um coração fechado.João Paulo II

Silêncio, algumas vezes, é calar. Mas é

sempre escutar. Madalena Delbrêl

A Esperança é ouvir a melodia do fu-

turo, a Fé é dançá-la no presenteRuben Alves

A verdade não é algo externo, que

descobrimos com proposições frias e

impessoais, mas algo que experimentamos

no nosso interior, de maneira pessoal.Sören Kierkegaard

Tive sempre grande fascínio e curiosidade intensa em apro-fundar o que anda o ser humano a fazer neste santo planeta e para que foi que o Criador o fez à Sua imagem e semelhança, conforme nos diz a Sagrada Escritura.

Confesso que, ainda hoje, apesar de já ter vivido muitas e variadas situações, continuo fascinada com o ser humano. Interrogo-me o que é que ele poderá ser para o Criador e o porquê.

Na realidade, só encontro uma explicação, como já costumava dizer o Padre Henri Groues, mais conhecido por “Abbé” Pierre: Estamos aqui para “aprender a amar”. Amar, na verdadeira acepção da palavra. Um amor agápico que nos eleve até Deus, nosso Criador, e assim nos irá fazendo caminhar à sua imagem e semelhança. No meu verdadeiro encontro com Cristo, quer na adoração eucarística, ou não, é sempre essa a minha convicção. Não vejo outro motivo para a materialização do Espírito. Só isto pode explicar o grande sofrimento de Jesus, a ponto de ter dado a vida por todos nós. Ele é o Mestre que veio ensinar-nos como

deveríamos proceder para o encontro definitivo com Deus-Pai.Neste ano europeu do “envelhecimento activo e da solidariedade entre gerações” ainda mais me interrogo sobre a pouca evolução

espiritual do género humano. Sei que há vários motivos e condicionalismos; mas tenho sempre a esperança de que, como dizia um grande teólogo do passado século, ou o Homem cresce espiritualmente ou o planeta desandará completamente.

Como sou pessoa de esperança, tenho fé que a humanidade compreenderá esta sua missão na Terra: Recordo sempre a frase que Nossa Senhora disse a Stª Bernadete, em Lourdes: “Nesta vida, prometo ensinar-te a amar, mas não necessariamente que sejas sempre feliz”.

Penso que o verdadeiro cristianismo, ao qual dou graças a Deus por nele estar envolta, é isso mesmo. Caso não, como podería-mos rezar o Pai Nosso, a tão bela oração que Jesus nos ensinou? Nos meus caminhos de solidão, como teria força para a vencer, se não tivesse a mão carinhosa de Cristo, e a ternura de Sua Mãe, Maria Santíssima?

Isabel Botão

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Abril / Junho 2012Página 4

Propriedade e Editor: Fundação Maria Mãe da Esperança, Rua da Barrada, nº 2; Loureira. • 2495-124 SANTA CATARINA DA SERRA. Telef: 244 745 042 • Director: Manuel Santos José • Redacção e Administração: Rua da Barrada, nº 2; Loureira. • 2495-124 SANTA CATARINA DA SERRA. Tlm. 969 310 272 • Equipa Redactorial: Maria do Carmo Lavrado, Maria Filomena Calão, Maria Isabel Botão • Paginação e selecção de cores: Henrique Lobo • Impressão: Naviorbis, Lda. - Ar tes Gráficas - Mira de Aire • Tiragem: 1100 exemplares • Depósito Legal nº 106355/96. • Anulado regis-to por desp. de 20-08-2010, ao abrigo do art. 12º, nº 1-A, : Dec. Reg. nº 8/99, de 09/06.• E-mail: [email protected] • www.leiria-fatima.pt/fmme

AV - Fale-nos um pouco das suas memórias da infância e adolescência…

PM - São memórias de uma meninice e adolescência normais. Nasci numa família tradicionalmente católica, que me fez dar os primeiros passos na fé. Mas, foi na comunidade cristã que esta ganhou raízes mais profundas. Nela, além da catequese, pertenci a um grupo de adolescentes, com actividades próprias para estas idades. Dele surgiu o primeiro grupo de acólitos (e penso que dos primeiros do Algarve) mas também, mais tarde, 2 padres, uma religiosa, um diácono e muitos outros leigos empenhados no serviço do Evangelho, nas comunidades onde hoje vivem.

AV – Na sua sólida formação teológica e bíblica é especialista no Evangelho de S João. Porquê S João? Fale-nos desta sua especialidade.

PM – Em primeiro lugar porque sendo o evangelho mais tardio, apresenta-nos a pessoa e a missão de Jesus já com uma forte reflexão teológica, que me encanta; depois porque tive a graça de ter como profes-sor o P. Beutler, um dos especialistas em S. João. Regressado a Portugal, comecei a ensinar Escritos Joaninos em Évora, o que me permitiu desenvolver um gosto cada vez mais profundo por aquele Evangelho. Assim, quando surgiu a oportunidade de preparar a tese de doutoramento, a escolha era óbvia!… Escolhi Jo 19,31-37, a contemplação teológica do corpo crucificado e morto de Jesus e do seu significado salvífico.

AV - Como Pároco, e não só, insiste muito na prática da lectio divina. Quer expli-car-nos como se pratica esta forma de oração? E será de fácil acesso à maioria dos cristãos?

PM - Como afirmo num livro de lectio divina que acabou de ser editado, * as ami-zades só crescem e desenvolvem quando se fala, mas, sobretudo, se escuta. Ou seja, quando há diálogo. Só por ele posso dar-me a conhecer e conhecer o outro; partilhar e criar comunhão de vida. E quando este diálogo acontece com Deus, chamamos-lhe oração. Nisto consiste a lectio divina (leitura divina).

Retiro: Brilhe a vossa luz, diante dos homens 18 a 20 de Maio de 2012Seminário de Leiria

Peregrinação a Santuários Norte e Nordeste de Portugal15 a 17 de Junho de 2012

Jornada de Espiritualidade07 de Julho de 2012Sede da FMME

Retiro aberto: A caminho com Jesus21 a 22 de Julho de 2012Sede da FMME

Para quaisquer informações, contactar 244745042– novo número da FMME – (deixar mensagem gravada) ou 969310272.

Próximas Actividades

A Lectio Divina

Trata-se de rezar escutando o que o Senhor, através da Sua Palavra, me diz, deixando que essa palavra me «leia» e ilumine e, por fim, responder aos desafios que Deus, através dela, me faz. Trata-se, pois, de falar com Deus dialogando, não com palavras apenas, mas com a vida (a de Deus e a minha).

AV - No ano em que se comemoram as bodas de ouro do Concílio Vaticano II, o que se lhe oferece dizer sobre essa efeméride.

PM - Sou de uma geração que nunca vi-veu outra realidade, que não fosse a que o Es-pírito Santo, através do Vaticano II, fez soprar na Igreja. E isto a todos os níveis: teológico, eclesial, litúrgico… Por isso, celebrar estes 50 anos é um desafio de Deus a mergulhar, cada vez mais profundamente, na bênção que foi para toda a Igreja um Concílio que a ajudou a beber de novo nas origens, enriquecidas pelos séculos da vivência teológica e eclesial. Infelizmente, para muitos, o Vaticano II só é conhecido pela renovação litúrgica que permitiu, talvez por ser o seu aspecto mais visível. Mas o Concílio foi e é muito mais… Implicou um aggiornamento na forma não só de conceber o mistério e a vida da Igreja, como na maneira em que esta se deve tornar presente na cidade dos homens.

AV - Em sua opinião como cruzar, na vida real e quotidiana dos cristãos, os méritos do Concílio com o Ano da Fé a que o Papa chama toda a Igreja a viver?

PM - Não há muito tempo, no final de um encontro de jovens, escutava os testemunhos emocionados de vários. Mas, quando chegou ao fim, fiquei com um certo amargo de boca: um budista poderia exactamente ter dito o mesmo!... Onde estava Jesus no meio de todo aquele sentimento? O ano da fé, proposto pelo Santo Padre, mais não é do que uma concretização dessa nova evangelização a que o saudoso Papa João Paulo II, com insistência, nos convidava. Redescobrir a pessoa de Jesus. Concentrarmo-nos no essencial. E aí reside a resposta à sua pergunta: o testemunho, a caridade, a ética, a moral… não são normas, mas consequência de uma fé vivida como

amizade íntima com Deus, que sente os outros como irmãos.

AV - Que mensagem gostaria deixar aos nossos leitores?

PM - Apenas - se me é permitido tal - que se deixem desafiar pela oração da escuta, ou seja, da leitura orante da Palavra. Através da Lectio Divina ou doutros métodos. E faremos a experiência do salmista, que, maravilhado, proclama: «as tuas palavras são luz para os meus caminhos» (Sl 119)

*Os Encontros de Jesus no Evangelho de São João, Paulinas, Fevereiro de 2012

Mário José Rodrigues de Sousa, nascido em Vila Real de Santo António a 21/03/1971 e ordenado

sacerdote em 28/06/1996 é pároco da matriz de Portimão. É também professor de Novo Testamento,

no Instituto Superior de Teologia de Évora e director do Centro de Estudos e Formação de Leigos

do Algarve; Licenciado em Teologia pela UCP; em Ciências Bíblicas, pelo Instituto Bíblico de Roma, e

doutorado em Teologia Bíblica pela Universidade Gregoriana de Roma. Acedeu dar uma entrevista

ao AV, o que muito se agradece.