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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE
ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA
Em cooperação com
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
SUELEN CAVALHEIRO TEIXEIRA
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS SURTOS DE DOENÇAS DE
TRANSMISSÃO HÍDRICAS E ALIMENTARES (DTHA) NO
MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ/RS ENTRE 2008 E 2018
Porto Alegre
2020
SUELEN CAVALHEIRO TEIXEIRA
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS SURTOS DE DOENÇAS DE
TRANSMISSÃO HÍDRICAS E ALIMENTARES (DTHA) NO
MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ/RS ENTRE 2008 E 2018
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como requisito parcial para
obtenção do título de Especialista em Saúde
Pública, do Curso de pós graduação Lato
sensu em Especialização em Saúde Pública,
da Escola de Saúde Pública em cooperação
com a Universidade Estadual do Rio
Grande do Sul.
Orientadora: Me. Carine Garcia Daniel
Porto Alegre
2020
Teixeira, Suelen Cavalheiro
Perfil epidemiológico dos surtos de Doenças de Transmissão
Hídricas e Alimentares (DTHA) no município de Gravataí/RS entre 2008
e 2018 / Suelen Cavalheiro Teixeira. Porto Alegre, 2020.
29 f.
Trabalho de conclusão de curso (Especialização em Saúde Pública)--
Escola de Saúde Pública em cooperação com a Universidade Estadual do
Rio Grande do Sul, 2020.
Orientadora: M.ª Carine Garcia Daniel.
1. Monitoramento Epidemiológico. 2. Perfil de Saúde. 3. Surtos de
Doenças. I. Título. II. Daniel, Carine Garcia. (orientadora)
SUELEN CAVALHEIRO TEIXEIRA
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS SURTOS DE DOENÇAS DE TRANSMISSÃO
HÍDRICAS E ALIMENTARES (DTHA) NO MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ/RS
ENTRE 2008 E 2018
Trabalho de conclusão de curso apresentado como
requisito parcial para obtenção do título de
Especialista em Saúde Pública, pela Escola de Saúde
Pública em cooperação com a Universidade Estadual
do Rio Grande do Sul.
Aprovado em:
Porto Alegre, ..... de .......................... de 2020.
BANCA EXAMINADORA:
Assinatura:_____________________________________________________________
Nome:_________________________________________________________________
Instituição:_____________________________________________________________
Assinatura:_____________________________________________________________
Nome:_________________________________________________________________
Instituição:_____________________________________________________________
Assinatura:_____________________________________________________________
Nome:_________________________________________________________________
Instituição:_____________________________________________________________
RESUMO
É considerado surto de Doença de Transmissão Hídricas e Alimentares (DTHA) quando
duas ou mais pessoas apresentam sinais e sintomas semelhantes após ingerirem
alimentos e/ou água da mesma origem. A prevenção das DTHA baseia-se no consumo
de água e alimentos seguros. O objetivo deste trabalho foi descrever o perfil dos surtos
de DTHA no município de Gravataí/RS. A metodologia utilizada foi descritiva
exploratória, com abordagem quantitativa por meio da análise dos casos investigados. A
coleta de dados e informações foi realizada por meio dos dados locais contidos no
SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação). Foram investigados, entre
os anos de 2008 e 2018, 13 notificações de surtos de DTHA no município. Destes, seis
(6) (46%) foram ocasionados por meio de bactérias, um (1) (8%) foi por cucurbitacina
(composto bioquímico produzido por algumas plantas para sua defesa) e seis (6) (46%)
não foram possíveis de serem identificados. Dentre os agentes etiológicos identificados
como bactérias, um (1) (8%) foi Bacillus cereus, três (3) (23%) foram Clostridium
perfringens e dois (2) (15%) foram Staphylococcus aureus. Foi verificado que os
alimentos mais envolvidos foram os de origem animal e produtos de panificação (80%).
Entre os fatores causais, os mais encontrados foram a conservação inadequada e/ou
deficiente dos alimentos (69%) e a manipulação e/ou preparação inadequada (54%).
No que diz respeito aos locais de preparo e ingestão dos alimentos envolvidos,
verificou-se que os comércios de alimentos e as residências, respectivamente, foram os
lugares mais reincidentes. Entre as faixas etárias e os sexos atingidos, os mais
frequentes foram entre 20 e 49 anos (40%) e os homens (60%), respectivamente. Os
sinais e sintomas mais frequentes foram náuseas (60%) e diarreia (59%). Esse estudo
aponta para a necessidade de a estruturar orientações educativas mais direcionadas pela
Vigilância em Saúde para evitar novos casos de DTHA.
Palavras-chave: Monitoramento Epidemiológico. Perfil de Saúde. Surtos de Doenças.
Epidemiological Profile of Outbreaks of Water and Food Transmission
Diseases (DTHA) in the Municipality of Gravataí / RS between 2008 and 2018
ABSTRACT
It is considered an outbreak of Water and Food Transmission Disease (DTHA) when
two or more people show similar signs and symptoms after eating food and / or water
from the same source. The prevention of DTHA is based on the consumption of water
and safe food. The objective of this work was to describe the profile of DTHA
outbreaks in the city of Gravataí / RS. The methodology used was exploratory
descriptive, with a quantitative approach through the analysis of the investigated cases.
The collection of data and information was carried out using local data contained in
SINAN (Notifiable Diseases Information System). Between 2008 and 2018, 13
notifications of DTHA outbreaks in the municipality were investigated. Of these, six (6)
(46%) were caused by bacteria, one (1) (8%) was caused by cucurbitacin (biochemical
compound produced by some plants for their defense) and six (6) (46%) were not
possible to be identified. Among the etiologic agents identified as bacteria, one (1) (8%)
was Bacillus cereus, three (3) (23%) were Clostridium perfringens and two (2) (15%)
were Staphylococcus aureus. It was found that the foods most involved were those of
animal origin and bakery products (80%). Among the causal factors, the most found
were inadequate and / or deficient food conservation (69%) and inadequate handling
and / or preparation (54%). With regard to the places of preparation and ingestion of the
food involved, it was found that food stores and homes, respectively, were the most
recurrent places. Among the age groups and sexes affected, the most frequent were
between 20 and 49 years old (40%) and men (60%), respectively. The most frequent
signs and symptoms were nausea (60%) and diarrhea (59%). This study points to the
need to structure educational guidelines more directed by Health Surveillance to avoid
new cases of DTHA.
Keywords: Epidemiological Monitoring. Health Profile. Disease Outbreaks.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Quantidade de notificações/ano de surtos de DTHA, Gravataí/RS, 2008-2018
........................................................................................................................................ 15
Figura 2 - Micro-organismos e/ou toxina envolvidos em surtos de DTHA, Gravataí/ RS,
2008-2018 ....................................................................................................................... 16
Tabela 1 - Alimentos ingeridos e agentes etiológicos encontrados ................................ 17
Figura 3: Locais de preparo e ingestão dos alimentos envolvidos em surtos de DTHA,
Gravataí/RS, 2008-2018. ................................................................................................ 19
Figura 4 - Sinais e sintomas relatados nas notificações de surtos de DTHA, Gravataí/
RS, 2008-2018 ................................................................................................................ 21
Tabela 2 - Fatores causais no preparo de alimentos nas DTHA ..................................... 21
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAAE – Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
CDC – Centers for Disease Control and Prevention
CEASA – Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa
CEVS – Centro Estadual de Vigilância em Saúde
CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
DTHA – Doenças de Transmissão Hídricas e Alimentares
ESP/RS – Escola de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul
EUA – Estados Unidos da América
FEPPS – Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde
LACEN – Laboratório Central de Saúde Pública
MS – Ministério da Saúde
GM – Gabinete do Ministro
FDA – Food and Drug Administration
OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde
RDC – Resolução da Diretoria Colegiada
RIMSA – Reunião Interamericana de Saúde Ambiental de Nível Ministerial
RS – Rio Grande do Sul
SC – Santa Catarina
SES/RS – Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul
SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação
UF – Unidade Federativa
VE - DTA – Vigilância Epidemiológica de Doenças Transmitidas por Alimentos
VIAM – Vigilância Ambiental em Saúde
VIEMSA – Vigilância em Saúde
VIEP – Vigilância Epidemiológica
VISA – Vigilância Sanitária
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8
1.1 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................... 12
2 DESENVOLVIMENTO ............................................................................................ 14
2.1 MATERIAIS E MÉTODOS ..................................................................................... 14
2.2. RESULTADOS E DISCUSSÕES ........................................................................... 15
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 23
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 24
APÊNDICE A ............................................................................................................... 27
8
1 INTRODUÇÃO
As Doenças de Transmissão Hídricas e Alimentares (DTHA) são um grande
problema para a saúde pública mundial. É considerado surto de DTHA quando duas ou
mais pessoas apresentam sinais e sintomas semelhantes após ingerirem alimentos e/ou
água da mesma origem. Todavia, nos casos de alta gravidade apenas um caso já é
considerado surto, como Botulismo e Cólera. Estas doenças podem ser fatais,
especialmente em crianças, idosos, gestantes e imunodeprimidos (BRASIL, 2017).
As DTHA são transmitidas pela ingestão de água e/ou alimentos contaminados
por meio de vírus, parasitos, bactérias e suas toxinas, substâncias tóxicas (tais como
metais pesados), entre outros agentes. Ou seja, podem ser causadas por agentes
biológicos, químicos ou físicos. Existem mais de 250 tipos de DTHA e os sintomas
mais comuns são náuseas, vômitos, diarreias (podendo ter sangue e/ou muco), dores
abdominais, cefaleia, febre, prostração, dores musculares, alteração da visão, entre
outros sintomas, dependendo do agente causador (BRASIL, 2017; RIO GRANDE DO
SUL, 2017; AMSON et al., 2006).
Muitas vezes, em adultos sadios, os sintomas podem ser mais brandos, durar
poucos dias e não deixar sequelas. Todavia, para imunodeprimidos, crianças, gestantes
e/ou idosos, esses sintomas podem ser mais agressivos e até letais. Por essa razão, é
importante monitorar o estado de hidratação, a duração dos sinais e/ou sintomas e
procurar o serviço de saúde para tratamento adequado (BRASIL, 2017; RIO GRANDE
DO SUL, 2017).
Conforme dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) - Centro
de vigilância de doenças dos Estados Unidos - anualmente 48 milhões de americanos
ficam doentes, 128 mil são hospitalizadas e 3.000 chegam a óbito devido às DTHA
(CDC, 2018).
A prevenção das DTHA baseia-se no consumo de água e alimentos que atendam
aos padrões de qualidade da legislação vigente, higiene pessoal/alimentar e condições
adequadas de saneamento, ou seja, alimentos e água seguros para consumo (BRASIL,
2017).
Desde 1993, os registros das notificações de agravos e doenças são realizados no
Sistema de Informação em Saúde (SINAN), software regulamentado em 1998, cujas
versões são constantemente atualizadas e aprimoradas de acordo com as características
das doenças. As secretarias estaduais e municipais de saúde têm a competência em
comunicar, consolidar e analisar sistematicamente as informações referentes às
9
atividades de investigação epidemiológica de surtos de DTHA, sendo o Ministério da
Saúde responsável em consolidar e analisar as notificações. As Unidades Federadas
(UF) são responsáveis pela publicação do perfil epidemiológico das doenças e agravos
de seu território (BRASIL, 2017).
A estruturação desse sistema de vigilância atende à recomendação da VII
Reunião Interamericana de Saúde Ambiental de Nível Ministerial (RIMSA), da XXXV
Reunião do Conselho Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a
Resolução da 53ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada em 2000, que estabeleceram
como prioridade a inocuidade de alimentos. Essas recomendações internacionais foram
realizadas devido à frequente ocorrência de doenças infecciosas transmitidas por
alimentos que ameaçam a vida de muitas pessoas no Brasil e no mundo. Além disso,
outras questões que impulsionaram essas recomendações, foram a globalização da
indústria alimentar, os atuais deslocamentos da população e a precariedade das
informações disponíveis. Até poucos anos, não se conhecia a real relevância do
problema e casos de surtos de DTHA não eram notificados (BRASIL, 2010).
A Vigilância Epidemiológica (VIEP) investiga e monitora os surtos de DTHA e
outras doenças de notificação compulsória que constam na Portaria de Consolidação
MS-GM nº 04 e nº 05/2017. Anualmente são notificados no SINAN, em média, 700
surtos de DTHA com 13 mil doentes envolvidos (BRASIL, 2017).
Diversos surtos alimentares são consequências do consumo de alimentos
contaminados através da associação de manipulação inadequada, conservação e/ou
distribuição em condições incorretas. Alimentos contaminados por pequenas
quantidades de micro-organismos podem não causar surtos alimentares, porém se forem
conservados em condições que permitam sua multiplicação o risco para a ocorrência de
surtos aumenta significativamente. Entretanto, há exceções como as bactérias Listeria
monocytogenes e E. coli O157:H7, pois mesmo se estas apresentarem doses infectantes
muito baixas para sua contaminação, ou ainda, quando houver a ausência de alguma
etapa de processo que elimine esses micro-organismos pode ocasionar surtos
(OLIVEIRA et al., 2010).
De acordo com Júnior (2008), o Food and Drug Administration (FDA) estima
que 2 a 3% dos casos de toxinfecções alimentares leve a quadros clínicos secundários.
As bactérias Listeria e E. coli O157:H7 podem causar, respectivamente,
meningite/aborto e Síndrome da Uremia Hemolítica em crianças.
10
Segundo Oliveira et al. (2010), os patógenos envolvidos em surtos alimentares
podem ser bactérias, parasitos, vírus e fungos micotoxigênicos. Todavia, há muitos
estudos que apontam as bactérias como as principais causadoras de DTHA, mesmo que
existam outros estudos que apontem os vírus. Porém, estes últimos, são estudos de
menor frequência nos alimentos envolvidos em surtos.
Dados epidemiológicos dos Estados Unidos da América (EUA) e do Brasil
demonstram esses fatos. Nos EUA, entre 1998 e 2002, 55% dos surtos registrados com
etiologia identificada foram causados por bactérias, 33% por vírus e 1% por parasitos,
sendo no total 2.167 surtos registrados. No Brasil, entre os anos 1999 a 2008, as
bactérias foram responsáveis por 84% dos surtos, enquanto os vírus foram encontrados
em 14% do total de casos (OLIVEIRA et al., 2010).
A variedade de causas e as suas associações, a alguns dos fatores citados,
resultam em um número considerável de possibilidades de casos de DTHA (infecções
ou intoxicações) que podem se apresentar de forma crônica ou aguda, com
características de surto e/ou de casos isolados e com formas clínicas diversas.
Entretanto, ainda há estudos limitados referentes aos agentes etiológicos, a forma como
esses contaminam os alimentos e as quantidades mínimas de ingestão para que possam
se tornar um risco. Por isso, vários países da América Latina estão implantando e/ou
implementando sistemas nacionais de vigilância epidemiológica das DTHA (BRASIL,
2010).
Relatos nacionais e internacionais demonstram que a maioria dos casos de
DTHA não são notificados às autoridades sanitárias, pois muitos dos patógenos
alimentares causam sintomas brandos, fazendo com que a vítima não busque auxílio
médico. Em muitos países, os surtos notificados, geralmente, se restringem àqueles que
envolvem um maior número de pessoas ou quando a duração dos sintomas é mais
prolongada (OLIVEIRA et al., 2010).
Segundo Marchi et al. (2011), a notificação tardia e a demora na coleta de
amostras podem acarretar um resultado não conclusivo da investigação referente ao
agente etiológico, de acordo com o observado em dez surtos ocorridos no município de
Chapecó (SC) no período de 1995 a 2007. A não identificação dos agentes etiológicos
dos surtos, assim como a ausência de informações completas nos registros das
investigações, dificultam a análise desses dados e consequentemente prejudicam o
planejamento de ações de prevenção e educação em saúde.
11
A ocorrência de DTHA vem aumentando de modo expressivo em nível mundial,
constituindo um grande problema de saúde pública, tanto no Brasil quanto em outros
países, sendo responsáveis por elevados custos econômicos e sociais. As regiões Norte e
Nordeste do Brasil são as que apresentam as maiores taxas de incidência de casos de
internação hospitalar comparados com outras regiões (BRASIL, 2010; CARMO et al.,
2005).
Entretanto, Benevides e Lovatti (2004) afirmam que a mortalidade e a
morbidade relacionadas às DTHA variam de acordo com alguns determinantes como: o
tipo de alimento ingerido, o micro-organismo contaminante e/ou o estado de saúde do
indivíduo; outro fator relevante é a resistência microbiana. Este é mundialmente um dos
maiores desafios nos serviços de saúde, devido à diminuição de eficácia dos
medicamentos, aumentando o número de internações hospitalares e elevando o custo
dos tratamentos. Por consequência, há aumento das mortalidades relacionadas às
infecções. De acordo com Welker et al. (2010), o impacto econômico negativo causado
por estas doenças alcança níveis preocupantes no Brasil. Os custos com casos de
internação hospitalar, entre os anos de 1999 e 2004, foram de 280 milhões de reais, com
média de 46 milhões de reais por ano.
Vários são os fatores que contribuem para gravidade dessas doenças, entre os
quais destacam-se o aumento das populações; a existência de grupos populacionais
vulneráveis ou mais expostos; o processo de urbanização descontrolado resultando na
necessidade de produção de alimentos em grande escala, entre outros (BRASIL, 2010).
Evidências mostram que a mudança de hábitos alimentares foi causa do aumento
de transmissão das DTHA por intermédio do próprio homem, pois a partir do momento
em que ele passa a ingerir não somente alimentos in natura, e sim, alimentos
manipulados e preparados, muitas vezes de forma inadequada, favoreceu o aumento das
DTHA. Ainda, contribuindo para isto, há maior exposição das populações a alimentos
industrializados, o consumo de alimentos em vias públicas, o aumento no uso de
aditivos e o deficiente controle dos órgãos públicos e privados com relação à qualidade
dos alimentos ofertados às populações (BRASIL, 2010; JÚNIOR, 2008).
Grande parte dos surtos alimentares estão associados à ingestão de alimentos
com aparência, sabor e odor normais, sem alterações organolépticas visíveis, pois
diversos administradores, cozinheiros e/ou ajudantes priorizam o “visual”, ocasionando,
assim, um descaso com a qualidade microbiológica do alimento. Este fato é possível
porque, muitas vezes, a quantidade de patógenos necessários para degradar visualmente
12
os alimentos é baixa comparando-se à quantidade de micro-organismos existentes no
alimento. Assim, aumenta-se a dificuldade da rastreabilidade dos alimentos causadores
de surtos, uma vez que os consumidores afetados dificilmente conseguem identificar
sensorialmente os alimentos fonte da DTHA. Os alimentos com características
organolépticas alteradas dificilmente causam surtos alimentares, uma vez que não são
consumidos devido à sensação repulsiva que causam (FORSYTHE, 2010; JÚNIOR,
2008).
De acordo com Oliveira et al. (2010), outros motivos que fizeram com que
aumentassem os registros de surtos foram a melhoria dos sistemas de Vigilância
Epidemiológica e a melhoria dos métodos de diagnóstico e estrutura laboratorial para
análises. Todavia, de acordo com Amson et al. (2006), o perfil epidemiológico das
DTHA no Brasil ainda é pouco conhecido, pois somente alguns estados e/ou municípios
dispõem de estatísticas e levantamentos reais sobre os agentes etiológicos mais comuns,
alimentos mais frequentemente envolvidos e fatores contribuintes.
Dessa maneira, o objetivo desse estudo foi descrever o perfil epidemiológico dos
surtos de DTHA no município de Gravataí/RS, entre os anos de 2008 e 2018.
1.1 JUSTIFICATIVA
O Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS/SES-RS) e o Ministério da
Saúde monitoram o perfil epidemiológico das DTHA por meio das notificações
compulsórias desde 1999, regulamentadas através das Portarias de Consolidação MS-
GM nº 04 e nº 05/2017 (RIO GRANDE DO SUL, 2017; BRASIL, 2017).
Diante da suspeita de um surto, inicia-se uma investigação de forma integrada na
Vigilância em Saúde (VIEMSA), LACEN (Laboratório Central) e outras instituições de
acordo com a situação. Os setores da VIEMSA envolvidos são a Vigilância
Epidemiológica (VIEP), Vigilância Sanitária (VISA), Vigilância Ambiental (VIAM). A
VIEP realiza entrevistas para coletar informações epidemiológicas e propor medidas de
intervenção, prevenção e controle juntamente com os outros setores. A VISA local
realiza a inspeção sanitária dos estabelecimentos produtores dos alimentos suspeitos,
coleta amostras de água e alimentos para serem analisados no LACEN, descreve o
fluxograma da produção e, se for necessário, utiliza swab para coleta de amostra de
utensílios e superfícies. A VIAM realiza a coleta de água para análise no LACEN.
Todos com a finalidade de interromper a cadeia de transmissão, evitar novos casos,
13
descobrir o alimento responsável e o agente causador (RIO GRANDE DO SUL, 2017;
BRASIL, 2017).
Segundo dados do CEVS (2017), entre os anos de 2008 e 2014, houve 1.374.894
de internações hospitalares no Brasil e 25.202 no Rio Grande do Sul, ambas pelos
motivos de diarreia e gastroenterite. Entre os anos de 2000 e 2014 foram notificados
2.620 surtos, com 31.723 pessoas doentes e 6 óbitos. Dentre os 1737 locais
identificados onde foram produzidos/preparados os alimentos, 804 eram residências
particulares, 378 comércios de alimentos e o restante outros tipos de estabelecimentos
que manipulam alimentos (RIO GRANDE DO SUL, 2017).
De acordo com os dados citados acima e analisando-os, apesar dos esforços nas
instâncias federal, estadual e municipal em manter os sistemas de informação
atualizados, ainda faltam dados e/ou são insuficientes. Há a necessidade de maiores
instruções e/ou atividades educativas à população sobre a importância do cuidado em
adquirir alimentos e/ou água, bem como seu armazenamento.
Além disso, a população desconhece a importância da notificação quando há
suspeita de surto, pois a eficácia da investigação depende desta agilidade. A não
realização e/ou demora de uma notificação aos setores competentes traz riscos, por
exemplo, de não se encontrar alimentos para análise, aumentar o número de pessoas
doentes, não se encontrar o agente causador, entre outros riscos.
De acordo com o Ministério da Saúde (2017), a notificação, investigação e
identificação dos surtos de DTHA são importantes para a tomada de decisão e ações
necessárias para os casos ocorridos em todos os municípios do Brasil e, ainda, evitando
que mais pessoas sejam acometidas pela ingestão de alimentos contaminados. A
identificação do agente etiológico causador de surto de DTHA é importante para traçar
o perfil epidemiológico de cada município, bem como direcionar a melhor estratégia
para a prevenção de futuras DTHA. Conforme dados do CEVS (2017),
aproximadamente 40% dos surtos notificados são impossibilitados de serem
investigados por falta de dados e/ou materiais para análise laboratorial.
Conforme exposto, este assunto é de suma relevância para se traçar o perfil
epidemiológico do município de Gravataí/RS, e, se necessário, criar estratégias
diferentes de investigação e monitoramento para melhorar a qualidade das informações
e evitar novos casos de DTHA.
14
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo exploratório, com abordagem quantitativa.
Foram realizadas análises dos casos de DTHA investigados e encerrados, no
município de Gravataí, entre janeiro de 2008 e dezembro de 2018.
A coleta de dados no município foi realizada por meio dos dados provenientes
da Vigilância em Saúde (VIEMSA) e através dos dados contidos no SINAN (Sistema de
Informação de Agravos de Notificação).
O banco de dados do SINAN foi utilizado para extrair as informações. A partir
dos dados contidos no SINAN municipal foram extraídas as seguintes variáveis: número
de notificações; número de hospitalizações; início dos sinais e sintomas após a ingesta
do possível alimento causador do surto; local de ocorrência do surto; fator causal; faixa
etária/sexo das pessoas acometidas; coletas de amostras clínicas e/ou bromatológicas;
agente etiológico e critérios de confirmação. Os dados foram digitados em um
documento confeccionado pela acadêmica e pela orientadora, contendo as variáveis
específicas pertinentes do surto de DTHA (Apêndice A), sem qualquer tipo de
identificação, impossibilitando, assim, qualquer tipo de reconhecimento nominal. Após,
os dados foram digitados em planilha do Microsoft Excel e realizada a análise
descritiva. Os resultados foram apresentados por frequência absoluta, relativa e média.
Para a classificação dos estabelecimentos, foi descrito apenas o local de
ocorrência nas seguintes variáveis: residência; hospital/unidade de saúde; escolas de
educação infantil/ensino fundamental e/ou médio; instituições de longa permanência
para idosos; outras instituições (alojamento/trabalho/tratamento); comércio de
alimentos; indústrias e/ou cozinhas industriais; eventos; casos dispersos no bairro; casos
dispersos pelo município e/ou outros municípios; outros locais (especificado). Desta
forma, não houve identificação direta dos envolvidos nos casos de DTHA.
O Projeto de Pesquisa foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética da
Escola de Saúde Pública/RS sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
(CAAE) nº 16610319.3.0000.5312 e Parecer nº 3.512.636, em 16 de agosto de 2019.
15
2.2. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foram investigados, entre os anos de 2008 e 2018, 13 notificações de surtos de
DTHA no município de Gravataí/RS. Estes, distribuídos de acordo com a Figura 1. Foi
verificado nove casos (9) (69,2%) que ocorreram durante o verão.
Figura 1 – Quantidade de notificações/ano de surtos de DTHA, Gravataí/RS, 2008-2018
Fonte: As autoras (2020).
Percebe-se que em 2017 houve um aumento dos casos notificados. No entanto,
não foi identificado o motivo desse aumento. Apesar dos esforços das vigilâncias em
saúde em sensibilizar a população e estabelecimentos de saúde em notificar
adequadamente diante de qualquer suspeita de DTHA, ainda há subnotificações. Em um
estudo realizado por Dias et al. (2011), eles afirmam que embora haja um crescimento
do número de notificações realizadas no Brasil, a subnotificação e a falta de processos
de investigação mais eficazes contribuem para o elevado número de processos não
conclusivos.
Um dos componentes essenciais na prevenção e controle de surtos de DTHA é a
correta identificação e investigação dos casos suspeitos. A não confirmação etiológica,
muitas vezes é consequência de notificações tardias, ausência/atraso de coletas de
amostras clínicas e/ou alimentos e/ou testes laboratoriais inadequados (WELKER et al.,
2010).
16
Já Neves (2015), argumenta que a maioria dos organismos patogênicos
provocam sintomas leves fazendo com que as vítimas não busquem atendimento médico
e, consequentemente, não realizam a notificação da suspeita de DTHA.
No município de Gravataí, seis casos (6) (46%) foram ocasionados por bactérias.
Dentre os agentes etiológicos identificados, um (1) (8%) foi por Bacillus cereus, três (3)
(23%) foram por Clostridium perfringens, dois (2) (15%) por Staphylococcus aureus.
Nos demais surtos, houve um caso (1) (8%) notificado onde o agente causador do surto
foi a cucurbitacina (composto bioquímico produzido por algumas plantas para sua
defesa), e seis casos (6) (46%) não foram identificados, conforme Figura 2.
Figura 2 - Micro-organismos e/ou toxina envolvidos em surtos de DTHA, Gravataí/ RS, 2008-2018.
Fonte: As autoras (2020).
De acordo com os dados pesquisados no Sistema Nacional de Vigilância
Epidemiológica das Doenças Transmitidas por Alimentos (VE-DTA), entre os anos de
2000 a 2014, na maior parte dos casos no Brasil (51,34%) o agente etiológico também
não foi identificado. Entre as bactérias identificadas, as mais encontradas foram
Salmonella spp. (18,09%), Staphylococcus aureus, (9,23%), Escherichea coli (6,33%),
Bacillus cereus (3,70%), Clostridium perfringens (2,51%) e Shigella spp. (1,16%)
(MALACRIDA et al., 2017).
17
Resultado semelhante ocorreu no estudo de Marinho et al. (2015), na Região da
Zona da Mata, Sul de Pernambuco, onde foram notificados 12 casos de surtos de DTHA
no período entre 2006 e 2013, sendo que o número de casos onde o agente etiológico
não foi encontrado foi de seis (6) (50%).
Entre os surtos que tiveram seus agentes etiológicos causadores não
identificados, verificamos que houve três motivos encontrados: três (3) (50%) por falta
e/ou divergências nas informações; dois (2) (33%) devido a notificação tardia; e um (1)
(17%) caso notificado foi negado informações, impossibilitando a correta investigação.
Na Tabela 1, foram expostos os alimentos e agentes etiológicos envolvidos. O
agente etiológico não foi identificado em seis (6) casos e o alimento consumido não foi
constatado em três (3) casos.
Tabela 1 - Alimentos ingeridos e agentes etiológicos encontrados em surtos de DTHA, Gravataí/RS, 2008-2018.
Caso Alimento Agente Etiológico
1º caso massa molho branco Bacillus cereus
2º caso carne moída Clostridium perfringens
3º caso pastel com recheio cárneo Clostridium perfringens
4º caso recheios cárneos Clostridium perfringens
5º caso recheios cárneos Não identificado
6º caso recheios cárneos Não identificado
7º caso abobrinha tronco Cucurbitacina
8º caso salgados diversos Não identificado
9º caso salgados diversos Staphylococcus aureus
10º caso frango temperado Staphylococcus aureus
Total = 13
notificações
Não identificados = 3 casos
Fonte: As autoras (2020).
A identificação dos alimentos envolvidos foi baseada em análises
bromatológicas, estatísticas, clínicas e/ou epidemiológicas. Foi verificado que os
alimentos mais envolvidos foram de origem animal e produtos de panificação. Os dois
juntos são responsáveis por 80% dos surtos do município.
No ano de 2010, em estudo no estado de Minas Gerais, estes alimentos também
foram encontrados na maior parte dos surtos investigados. Entretanto, os agentes
etiológicos encontrados foram a Salmonella spp., Clostridium sulfito redutor, Bacillus
cereus e Staphylococcus enterotoxigênicos (DIAS et al., 2011). Diferente do perfil de
18
Gravataí, pois nesta cidade, a Salmonella não foi identificada em nenhum dos surtos
investigados.
Em estudo realizado por Nadvorny et al. (2004), nos surtos alimentares
investigados do estado do Rio Grande do Sul (RS) no ano de 2000, a Salmonella foi o
agente etiológico prevalente em mais de 70% dos casos. Os alimentos preparados com
ovos e carne de frango, juntos foram responsáveis por mais de 80% dos casos naquele
ano. Sendo que, desde o ano de 1993, a Salmonelose tem sido a DTHA mais frequente
no estado do RS.
No estudo de Welker et al. (2010), em análise microbiológica dos surtos de
DTHA ocorridos no RS entre os anos de 2006 e 2007, a Salmonella foi o agente
etiológico mais presente e os produtos cárneos foram os alimentos onde mais foram
encontrados.
Com relação ao único caso de surto não ocasionado por bactérias, de acordo com
Fiori et al. (2013), as cucurbitacinas e outros metabólitos são originados a partir da
oxidação de triterpenoides e tetracíclicos. São encontradas na espécie Cucurbita pepo l.,
da família Cucurbitaceae conhecida como abobrinha, moranga-tronco, abobrinha de
tronco redonda ou abóbora-moranga. Elas agem em diversas partes da planta como
defesa contra os herbívoros e podem resultar em um sabor amargo e tóxico para os
mamíferos, inclusive o homem, podendo causar sensação de ardor na boca por horas ou
até dias. As reações podem ser laxativas, hemolíticas, embriotóxicas e abortivas (FIORI
et al., 2013).
Entre os anos de 2006 e 2008 foram analisadas 28 amostras de abobrinhas desta
espécie coletadas para monitoramento pelas equipes de Vigilância em Saúde do
município de Porto Alegre e do estado do RS junto às Centrais de Abastecimento do
Rio Grande do Sul (CEASA/RS) e supermercados de Porto Alegre. Além disso, foram
coletadas sete (07) amostras de preparações culinárias à base de abobrinha (congeladas),
devido às reclamações de consumidores sobre o sabor amargo ao ingerirem este
produto, ambas encaminhadas ao Laboratório Central de Saúde - Fundação Estadual de
Produção e Pesquisa em Saúde (IPB/LACEN/FEPPS/RS) para análise. Os resultados
foram negativos para as amostras de monitoramento e positivos para as provenientes do
preparo culinário (FIORI et al., 2013).
Nesse estudo, no ano de 2015 houve dois casos de reclamações após a ingestão
de preparações com a abobrinha tronco com sabor amargo, mas somente um dos casos
foi considerado surto alimentar por ter acometido duas pessoas. O outro caso foi
19
registrado no SINAN como intoxicação exógena, pois houve somente uma pessoa
envolvida.
No que diz respeito aos locais de preparo e ingestão dos alimentos envolvidos,
verificamos que os comércios de alimentos e as residências, respectivamente, foram os
lugares mais reincidentes (FIGURA 3). Os comércios de alimentos foram responsáveis
pelo preparo da maior parte dos alimentos envolvidos nos surtos investigados (61%).
Porém, de acordo com as notificações, as residências das pessoas envolvidas (54%)
foram os locais de consumo dos alimentos implicados. Tal dado demonstra que houve
falhas no processo de preparo dos alimentos e falhas no cuidado durante o transporte
e/ou conservação destes alimentos até o momento do consumo final.
Figura 3: Locais de preparo e ingestão dos alimentos envolvidos em surtos de DTHA, Gravataí/RS, 2008-
2018.
Fonte: As autoras (2020).
Verificou-se resultado semelhante no perfil epidemiológico das DTHA da região
metropolitana do estado do Paraná, onde 27,7% dos locais de preparação dos alimentos
suspeitos eram de restaurantes e 25,5% foram preparados nas residências dos indivíduos
20
doentes. Porém, os principais locais de ingestão dos alimentos contaminados foram nas
residências particulares (36,17%) seguido dos restaurantes em 34,04% dos casos
(ALMEIDA et al., 2013).
Todavia foi encontrado um perfil diferente, com relação a estas variáveis, em
dois estudos realizados sobre surtos de DTHA no RS em 2000 e 2006-2007, onde
constataram que o preparo e consumo dos alimentos implicados em surtos de DTHA
ocorreram nas residências das pessoas envolvidas, estando os comércios de alimentos
em segundo lugar, não ficando identificado se ocorreram nos locais de preparo ou de
consumo. Ambos, concluíram que no RS há a necessidade de maiores orientações para a
população com relação à segurança dos alimentos, as boas práticas no preparo de
alimentos e sobre os riscos que os alimentos contaminados representam para a saúde de
todos, pois um surto de DTHA pode ocorrer, também, em residências particulares
(NADVORNY et al., 2004; WELKER et al., 2010).
Em pesquisa no município de Chapecó (SC), Marchi et al. (2011), no período de
1995 a 2007, identificaram que o alto índice de surtos em domicílios particulares é
devido ao fato da população, em pequenos e médios municípios, ainda fazerem suas
refeições nas residências. Confirmando a necessidade de maiores atividades educativas
com a população sobre as boas práticas no preparo e armazenamento de alimentos.
Nos surtos de DTHA no município de Gravataí/RS, entre os anos de 2008 e
2018, houve 568 pessoas envolvidas e 138 pessoas ficaram doentes. Reitera-se que não
houve óbitos registrados. Entre as faixas etárias atingidas, a mais frequente foi entre 20
e 49 anos (40%) e os homens (60%) foram mais acometidos segundo os registros.
Segundo Almeida et al. (2013), em seu estudo no Paraná entre os anos de 2005 e
2008, quase 50% das pessoas doentes eram da faixa etária entre 20 e 49 anos de idade.
Mas com relação ao sexo, diferentemente do perfil de Gravataí, a maioria era do sexo
feminino (50,5%).
No Brasil, as mulheres predominam entre os indivíduos acometidos em surtos de
DTHA. Tal fato pode ser explicado pela razão delas terem maior preocupação com sua
a saúde e, por consequência, procurar mais vezes o atendimento médico (MALACRIDA
et al., 2017).
Apesar do pequeno número de notificações, verificou-se que três casos se
destacam devido ao grande número de pessoas envolvidas, correspondendo a 89% de
todas as pessoas implicadas nos surtos alimentares notificados. Em duas (2) cozinhas
industriais, localizadas dentro de indústrias do município de Gravataí/RS, houve 440
21
funcionários expostos e uma (1) comunidade terapêutica teve 68 internos expostos.
Ambos com trabalhadores e/ou internos em sua maioria do sexo masculino.
A Figura 4 demonstra os dados coletados com relação aos sinais e sintomas
relatados. Os mencionados com maior frequência foram náuseas (60%), diarreia (59%),
dor e/ou distensão abdominal (38%) e vômito (34%).
Figura 4 - Sinais e sintomas relatados nas notificações de surtos de DTHA, Gravataí/ RS, 2008-2018.
Fonte: As autoras (2020).
A Tabela 2 demonstra os fatores causais no preparo de alimentos dos locais
suspeitos e nas análises epidemiológicas e estatísticas.
Tabela 2 - Fatores causais no preparo de alimentos nas DTHA, Gravataí/RS, 2008-2018.
Fator causal Quantidade encontrada
Matéria-prima imprópria e/ou sem inspeção 3
Conservação inadequada e/ou deficiente 9
Manipulação/ preparação inadequada 7
Resfriamento inadequado e/ou deficiente 6
Higienização deficiente de equipamentos e utensílios 6
Contaminação cruzada 5
Cocção inadequada 1
Ausência de lavatório de lavagem de mãos 4
Toxina natural 1
Não identificado 1
Fonte: As autoras (2020).
22
Diferentemente dos dados já estudados no estado do RS, conforme citado por
Welker et al. (2010), em Gravataí apenas 23% dos casos investigados tiveram como
fator causal a matéria prima imprópria e/ou inadequada. A conservação inadequada e/ou
deficiente dos alimentos foi encontrada em nove (9) casos (69%), seguida pela
manipulação e/ou preparação inadequada em sete (7) casos (54%).
Segundo Franco e Landgraf (2004) e Jay (2005), a sobrevivência e multiplicação
dos micro-organismos dependem de fatores extrínsecos e fatores intrínsecos. A
conservação inadequada e/ou deficiente e a manipulação e/ou preparação inadequada
dos alimentos são fatores extrínsecos e estão presentes em surtos alimentares por
Clostridium perfringens, pois são fatores que favorecem a sua multiplicação. Além
disso, esta bactéria também está relacionada a surtos onde os alimentos à base de carnes
bovinas e de aves foram os principais alimentos causadores de intoxicações alimentares.
Visto que, este foi o agente etiológico mais encontrado (23%) e estes alimentos os mais
presentes nos surtos em Gravataí.
Outro fato relevante são as condições encontradas em alguns comércios de
alimentos, onde foi constatado quatro (4) (31%) dos locais com ausência de lavatórios
para higiene das mãos dos manipuladores de alimentos conforme prevê a RDC nº
216/2004 e Portaria Estadual nº 78/2009 (BRASIL, 2004; RIO GRANDE DO SUL,
2009). Tal condição se confirma irregular por apresentar em dois destes casos (50%)
como agente etiológico o Staphylococcus aureus. Nos outros dois, não se pôde constatar
a bactéria causadora das DTHA.
Ainda, o Staphylococcus aureus é uma bactéria que possui como seus principais
reservatórios o homem e os animais, sendo a cavidade nasal, as feridas em mãos e
braços as principais fontes de contaminação (FRANCO; LANDGRAF, 2004). Este fato
reforça a importância da exigência legal de lavatórios exclusivos para higiene das mãos
dos manipuladores de alimentos, diante dos casos de DTHA onde este era ausente.
23
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar dos avanços e equipes de Vigilância em Saúde mais capacitadas e
estruturadas para as investigações, ainda há muitas subnotificações. No município de
Gravataí/RS, verificou-se que entre os anos de 2008 e 2018 houve 13 notificações de
surtos de DTHA, demonstrando que o perfil do município tem característica de
toxinfecção.
A relação entre a VIEMSA e a população, incluindo os proprietários e/ou
responsáveis pelos estabelecimentos comerciais e industriais, deve ir além do caráter
punitivo ligado às atividades de fiscalização, pois ainda as ações punitivas se
sobressaem às educativas. Os casos de surtos alimentares ainda estão presentes em sua
maioria nos domicílios, indicando a necessidade de uma aproximação maior não
somente com estabelecimentos comerciais e industriais, mas também com o público
geral.
A importância de se articular mais atividades de promoção e prevenção em
saúde deve ter como objetivos principais a prevenção de possíveis casos de DTHA.
Além disso, deve-se buscar uma melhor qualidade do atendimento e nas boas práticas
de manipulação/fabricação dos alimentos por parte dos estabelecimentos, assim como
nos domicílios onde há manipulação de alimentos para consumo familiar. Sendo muitas
vezes essa atividade negligenciada de maiores cuidados sanitários.
Outro fato relevante diz respeito a dificuldades encontradas na coleta de dados,
pois havia alguns dados incompletos tanto nas fichas do SINAN quanto nos formulários
físicos de registros internos da VIEMSA. Alguns dos possíveis motivos podem ser: o
deficiente número de servidores para desempenhar todas as demandas diárias; a falta
e/ou divergências nas informações prestadas por parte dos envolvidos; as notificações,
por vezes, são tardias e/ou a sonegação de informações. Todas impossibilitando a
correta investigação e/ou limitando a identificação do perfil epidemiológico da DTHA.
Ademais, apesar da falta de informações nas notificações, conclui-se que houve
crescente evolução positiva na qualidade dos dados coletados, facilitando as análises e
encerramentos dos casos, tornando possível um perfil epidemiológico adequado para
delinear orientações educativas mais eficazes para evitar novos casos, no município
estudado.
24
REFERÊNCIAS
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por alimentos ocorridos no Paraná, Brasil. In: Seminário: Ciências Biológicas e da
Saúde v.34, n.01. Londrina, 2013. p. 97-106. Disponível em:
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25
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Acesso em: 23 mar. 2019.
27
APÊNDICE A
Instrumento para coleta dos dados.
Projeto: “Perfil epidemiológico dos Surtos de Doenças de Transmissão
Hídricas e Alimentares (DTHA) no município de Gravataí/RS entre 2008 e 2018”
1. Agravo/Doença: ______________
2. Data da Notificação:____________
3. Data do 1º caso suspeito:__________
4. Número de casos suspeitos/expostos até a data da Notificação:____________
5. Data da Investigação:___________
6. Local inicial de ocorrência do surto:
a) Residência
b) Hospital/unidade de saúde
c) Escolas de educação infantil/fundamental e/ou médio
d) Instituições de longa permanência para idosos
e) Outras instituições (alojamento/trabalho/tratamento)
f) Comércio de Alimentos
g) Indústrias e/ou cozinhas industriais
h) Eventos
i) Casos dispersos no bairro
j) Casos dispersos pelo município e/ou outros municípios;
k) Outros locais (especificar):________________
7. Veículo de Transmissão Provável:
a) Alimento b) Água c) Outros:________________
8. Número de:
8.1 Total Entrevistados:___________
8.2 Doentes:________
8.3 Não Doentes:______
8.4 Hospitalização: ______
8.5 Óbitos:_______
28
9. Número de doentes por faixa etária e sexo:
Faixa
Etária
SEXO
Masc/ Fem
TOTAL
➢ 1
1 a 4
5 a 9
10 a 19
20 a 49
50 ou +
Ignorada
TOTAL
10. Sinais e Sintomas:
Sinais e Sintomas Nº de Doentes
Náuseas
Vômitos
Diarreia
Cefaleia
Dor Abdominal
Neurológicos
Febre
Outros
Observações: _______________________________________
29