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Estatuto e expressividade da fotografiajornalística: um ensaio
Jorge Pedro Sousa∗
ÍndiceIntrodução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 A fotografia na imprensa: um cenário . . . . . . . . . . . . 42 O fotojornalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 A encerrar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Introdução
AFotografia, produto da Revolução Industrial, inundou de imagensas sociedades contemporâneas. A sua história é uma história de
transformações revolucionárias que geraram continuamente novos usospara as fotografias, incluindo o fotojornalismo (Sousa, 2004).
A intenção de relatar os factos “como eles sucederam” esteve portrás das primeiras fotografias de notícias. Estas cumpriram a duplafinalidade de fixar os acontecimentos para a posteridade e de mostrar aquem não estava lá como esses acontecimentos tinham decorrido (Sou-sa, 2004, p. 25). Uma intenção testemunhal presidiu, portanto, à emer-gência de um primeiro fotojornalismo sem fotojornalistas.
∗Universidade Fernando Pessoa e Centro de Investigação Media & [email protected].
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Todavia, o propósito de documentar os acontecimentos da actua-lidade com verdade desse fotojornalismo pioneiro logo foi subvertidopela coloração artificial de algumas das primeiras fotografias de acon-tecimentos, paradoxalmente com o objectivo de as tornar mais realistas.Imediatamente a seguir, Roger Fenton, primeiro indivíduo pago parafazer uma foto-reportagem – ou seja, o primeiro fotojornalista profis-sional de sempre, também ficou na história por realizar uma coberturaselectiva e, por vezes, encenada de um conflito – a Guerra da Crimeia.A primeira foto-reportagem realizada por um fotojornalista profissionaltornou-se, assim, o primeiro exemplo de uma foto-reportagem disso-nante da realidade global que pretendia mostrar.
De facto, enviado para a Crimeia, em 1855, para cobrir a guerraque opunha uma coligação franco-britânica aos otomanos, Fenton rece-beu instruções para não mostrar a face cruel da guerra. Fotografou oconflito com um enfoque positivo. As suas imagens não mostram mor-tos (melhor dizendo, uma só, censurada, mostra mortos inimigos alin-hados), mas apenas jovens garbosos nos seus uniformes. Numa únicaimagem, um ferido sorridente é carinhosamente socorrido; noutra, balasde canhão juncam o campo de batalha, sendo a única que sugere, semmostrar, que a violência esteve presente durante o conflito.
Fig. 1 – Coloração artificial de fotografias de notícias – prática comum demanipulação destinada a emprestar realismo às imagens.
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Figs. 2 e 3 – Roger Fenton, 1855, Crimeia. Fotografias que não mostram aface cruel da guerra.
Assim sendo, pode dizer-se que o fotojornalismo, desde que surgiu,ofereceu à contemporaneidade uma vasta gama de fotografias-problemaque chamam a atenção para o estatuto da imagem fotojornalística e daprópria actividade. Equacionar esse estatuto ganha particular dimen-são devido à enorme profusão de fotos que são quotidianamente usadascom fins jornalísticos. O objectivo desta reflexão é, assim, o de con-tribuir para problematizar o estatuto da imagem fotojornalística e dofotojornalismo enquanto actividade profissional.
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1 A fotografia na imprensa: um cenário
O fotojornalismo é uma faceta do jornalismo que se joga, sobretudo,nos jornais e revistas e nos meios on-line. Por vezes, a televisão tam-bém pode recorrer a fotografias jornalísticas, quando não possui ima-gens animadas dos acontecimentos, mas o fotojornalismo é, sobretudo,um produto da imprensa e para a imprensa, em papel e no ciberespaço.
De qualquer modo, o sentido de especificidade informativa do fo-tojornalismo parece estar a perder-se. Por um lado, a tendência geralpara a mistura de informação, entretenimento e persuasão tem abastar-dado e banalizado o jornalismo em geral e o jornalismo com imagensem particular. Por outro lado, num mundo que endeusa o indivíduo ea aparência, a cedência dos fotojornalistas aos critérios fotogénicos deoutros tipos de fotografia, nomeadamente da fotografia publicitária, ea proliferação da fotografia de pessoas marcada pelo esteticismo mas-caram as verdadeiras funções do fotojornalismo. Um jornalismo semfronteiras nem limites é um jornalismo descaracterizado que só forçada-mente pode ser encarado como verdadeiro jornalismo, capaz de pro-videnciar informação útil e significante aos cidadãos e de lhes permitirconstruir conhecimentos relevantes sobre a realidade.
Há, na verdade, uma crescente indiferenciação no espaço do imagé-tico, decorrente da partilha de identificadores entre diversas formas defotografia. A fotografia jornalística, por exemplo, tenta repetir, com fre-quência, os critérios estéticos da fotografia publicitária, principalmentenos retratos. Produzem-se fotos enfáticas, coloridas, limpas, claras,bem iluminadas, formais, das quais os retratados saem favorecidos nasua aparência.
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Fig. 4 – Mugshot de Paris Hilton: o fotojornalismo, em especial no retrato,vai buscar à publicidade e mesmo à fotografia utilitária modelos de expressão.
Fig. 5 – Capa da revista Sábado, de Portugal. A ilustração fotográficaintensifica o obscurecimento das fronteiras do fotojornalismo.
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Fig. 6 – Fotografia de estúdio de António Pedro Ferreira, publicada na revistaÚnica, do jornal português Expresso, ilustrando uma matéria sobre jogadoras
de futebol feminino. A fotografia tem intenção jornalística, mas emula afotografia de moda e a fotografia publicitária, diluindo as fronteiras do
fotojornalismo.
Paradoxalmente, alguma fotografia publicitária tem, nos temas e nasformas, cultivado formas de expressão do fotojornalismo mais clás-sico, recorrendo ao preto-e-branco e a toda uma panóplia de recursosde mimetização da instantaneidade própria do fotojornalismo, como acaptura de imagens que valem pelo que mostram e não pela estética nempelo enquadramento. Provam-no, por exemplo, as imagens do fotógrafoOliviero Toscanini para as campanhas publicitárias da Benetton. Assim,cada vez menos se consegue identificar a que paradigma pertence umadeterminada fotografia, devido ao intercâmbio estético, estilístico e ex-pressivo entre as várias tipologias de expressão fotográfica.
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Fig. 7 – Oliviero Toscanini mimetiza o paradigma fotojornalístico nascampanhas publicitárias da Benetton.
A permeabilidade entre os diferentes géneros e formatos fotográfi-cos, agudizada e crescentemente facultada pela digitalização, gera tam-bém o recurso às técnicas de persuasão imagética próprias da publici-dade e da propaganda por parte da fotografia jornalística. A estereoti-pização de sujeitos (Sousa, 2006) ou o abandono da função referencialque deve presidir à fotografia jornalística nas imagens digitalmente ma-nipuladas (Sousa, 2004a; 2004b), por exemplo, transferem para o ter-reno do virtual o que deveria estar no terreno do real.
Fig. 8 – Esta imagem é iconográfica, referencial e “verdadeira”, mas tambémredutora e estereotipada e, neste sentido, “virtual”. Nela, a mulher
muçulmana é reduzida às suas vestes.
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Fig. 9, 10 e 11 – Em Março de 2003, o fotojornalista Brian Walski, do LosAngeles Times, usou duas fotos para fabricar virtualmente a primeira imagem.
Foi demitido, pois os valores jornalísticos implicam o compromissoreferencial do jornalista com a realidade.
Não é que as imagens virtuais não possam ser usadas em fotojorna-lismo. Podem. Mas desde que sirvam melhor o propósito informativo eo leitor seja avisado que está perante um cenário fictício (Sousa, 2004a;2004b). É possível que na imprensa coexistam vários tipos de imagem,em equilíbrio, desde que as suas finalidades não se confundam.
As classificações são, portanto, necessárias para clarificar os con-teúdos fotográficos que coexistem na imprensa. As derivações estéti-cas, as imagens virtuais e mesmo as provocações artísticas que cer-
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tos fotojornalistas-autores dão às imagens fotográficas tornam prementeessa necessidade. O leitor tem de poder situar cada imagem que recebeatravés dos meios jornalísticos e identificar e destrinçar entre o que émanifestação artística, persuasão, mera ilustração e informação. Obvia-mente, isto pressupõe que o leitor necessite de possuir conhecimentos ecompetências que lhe permitam reconhecer o código da imagem, lendo-a tendo em conta o contexto apropriado. Além disso, uma verdadeiraimplicação do leitor na descodificação da imagem fotográfica impõeque esta seja acompanhada de elementos referenciais que permitam asua leitura clara. Uma legenda capaz de ancorar o sentido da foto, aautoria, a fonte, informação sobre a hipotética submissão da imagema alterações digitais são, neste campo, dados que devem ser facultadosao receptor, pois o contexto comunicativo referencial é relevante para aobtenção de informação.
A fotografia é, de facto, um sistema expressivo complexo, podendofuncionar como índice, ícone ou símbolo. A célebre foto de Capa damorte de um soldado republicano durante a Guerra Civil de Espanha,cuja autenticidade ainda hoje se discute, indicia as condições da suaprodução e autoria, referencia o acontecimento e tornou-se símbolo damorte na guerra.
Fig. 12 – Esta célebre foto de Robert Capa indicia as condições da suaprodução, é um ícone do momento da morte de um soldado republicanodurante a guerra civil de Espanha e é um símbolo da morte na guerra. Afotografia jornalística pode ser índice, ícone e símbolo, simultaneamente.
De qualquer modo, a função referencial, icónica, da imagem é aque-
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la que mais deve perseguir-se no fotojornalismo, já que este busca, antesde mais, prover o leitor de informação, mas a fotografia jornalísticapode, efectivamente, cumprir uma multiplicidade de funções para alémda informativa, incluindo o desfrute estético ou o entretenimento. Elaabarca, ainda, diferentes registos. A intenção, por exemplo, pode cen-trar-se na linguagem instantânea da fotografia de acontecimentos ou,pelo contrário, numa lógica documental, em que o momento se desva-loriza em função da riqueza na significação. Ao nível expressivo, tam-bém a imagem fotográfica admite múltiplos registos, no enquadramen-to, na composição, nos aspectos cromáticos, na transmissão da ideiade movimento ou no grau com que o motivo é enfatizado através docontrolo da profundidade de campo.
Perante este cenário, o que distingue o fotojornalismo?
2 O fotojornalismo
O acto de classificar permite a adopção de uma postura desperta e críticae combate o caos cognitivo. Classificar, categorizar, é próprio do serhumano, pois economiza esforço no acto de descodificação das men-sagens.
O esclarecimento do que é o fotojornalismo implica a sua catego-rização e é um imperativo que decorre da análise crítica da actividade.Ora, sendo ela um actividade complexa que gera um produto multi-facetado e, também ele, complexo – a fotografia jornalística, qualquerclarificação e classificação do que é o fotojornalismo terá de implicarfactores como a finalidade e o uso, a prática, o produto e o contextocomunicativo.
Uma primeira dificuldade que se levanta na hora de classificar o fo-tojornalismo é a incrível diversidade de imagens que se reivindicam oupodem reivindicar como sendo fotojornalísticas. Fotografias de acon-tecimentos, como a fotografia de Capa anteriormente referida, são, cer-tamente, fotojornalísticas. Mas também fotografias documentais comoa “mãe migrante”, de Dorothea Lange, podem reivindicar-se do campodo fotojornalismo; ou ainda fotografias extraordinariamente estéticas eimpressivas, como a célebre foto de Henri Cartier-Bresson de um jovem
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parisiense de expressão malandra e orgulhosa, carregando garrafas devinho; e ainda as imagens de moda, de culinária, etc. Em acréscimo,muitos fotógrafos reivindicam-se do campo do fotojornalismo, apesarde não convergirem e muito menos coincidirem na expressão, na inten-cionalidade, na prática e no produto e até no contexto comunicativo emque as suas imagens são difundidas.
Fig. 13 e 14 – A enorme diversidade de imagens que se podem reivindicarcomo pertencendo ao campo do fotojornalismo torna difícil categorizar a
actividade e o que é uma fotografia jornalística. Estas duas imagens, aprimeira do projecto FSA (Mãe Migrante, de Dorothea Lange) e a segunda deHenri Cartier-Bresson (rue Mouffetard, Paris), exemplificam a complexidade
dessa classificação.
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É neste limbo de ambiguidade que se move, pois, a actividade quese designa por fotojornalismo, na sua ânsia de captar, desvelar ou inter-pretar o mundo ou mesmo de sobre ele acentuar determinados pontosde vista, sempre através de fotos conjugadas com um texto que as devecomplementar e contextualizar, porque a imagem tem vários problemasontológicos: por um lado, a imagem não consegue informar sobre deter-minados assuntos, sendo a palavra necessária para que o sentido geradoseja o pretendido; por outro lado, a fotografia não consegue mostrarconceitos abstractos, como a paz ou a inflação, mas apenas sugeri-los.
Mesmo quando se pensa no fotojornalismo como a actividade o-rientada para a produção de fotografias com valor informativo para aimprensa, repara-se que uma grande parte dos fotojornalistas se regerealmente por esta proposição. Mas outros não. Há quem, entre osfotojornalistas, se situe à margem do sistema de produção midiática,apostando em concepções individuais da produção fotográfica e numafotografia mais criativa, tendo por finalidade, por exemplo, a publicaçãode livros, a manutenção de blogs fotográficos ou a realização de ex-posições.
A própria ambiguidade das origens do fotojornalismo contribui paraexplicar esta tensão. Por um lado, fotógrafos como Kertész e Cartier-Bresson não se coibiram, já nos anos vinte e trinta do século passado,de exporem em galerias e publicarem ao mesmo tempo as suas fotosem revistas tão diferentes como a Vu e a Arts et Métiers Graphique; poroutro lado, esses e outros fotógrafos, como os do projecto fotodocu-mental Farm Security Administration, pretendiam e pretendem publicaras suas fotos na imprensa. Isso evoca, aliás, uma afirmação do directordo Farm Security Administration, Roy Striker (cit. In Gutiéres Espada,1980, p. 97): se a par do valor informativo as fotografias tiverem valorestético, tanto melhor.
Em todo o caso, um observador não correrá riscos se ao contemplaruma fotografia de notícias publicada na imprensa, acompanhada de umtexto que dê suporte informativo à imagem, disser que se trata de foto-jornalismo. Mas. . . e se a observação recair sobre fotos documentaisdo Farm Security Administration ou de um dos projectos fotodocumen-tais de Sebastião Salgado? Tratar-se-á de fotojornalismo? E se, numjornal, olhar para uma fotografia de comida que acompanha uma re-ceita culinária e que tenha sido realizada por um fotojornalista. . . será
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isso fotojornalismo? Ou ainda, se reparar em ilustrações fotográficas,igualmente fabricadas por fotojornalistas para publicação na imprensa.É fotojornalismo?
Fig. 15 – Fotografia do projecto Génesis, de Sebastião Salgado. Serão osprojectos fotodocumentais uma forma de fotojornalismo?
Margarita Ledo Andión (1995, p. 46), por exemplo, admite porcompleto o documental na imprensa. Mais, para ela, a imprensa ficaincompleta se, fogacitada pela velocidade e submetida à hegemonia daactualidade, não admitir o tempo mais lento do fotodocumentalismo,que apela ao contexto, à profundidade e, em suma, à reflexão, e que,frequentemente, é transgressor das convenções fotojornalísticas, invo-cando o conceito (o direito?) de autoria e a responsabilidade corres-pondente. O fotógrafo-autor torna-se responsável pelas fotos que faz epelos pontos de vista que estas possam sugerir. Mas é igualmente ver-dadeiro que um órgão de comunicação social generalista, dirigido aogrande público, se rege por normas, convenções e linhas editoriais sus-ceptíveis de interessarem a muita gente e representa um esforço colec-tivo de produção de informação de interesse geral. Portanto, não podeviver maioritariamente ancorado às idiossincrasias e formas pessoais deexpressão de cada jornalista ou, para o caso, de cada fotojornalista.
As situações atrás retratadas, a posição teórica de Margarita Ledo eo seu contraponto evidenciam que existem dificuldades reais em carac-terizar o fotojornalismo e, sobretudo, em encontrar uma definição uni-versalmente válida. De qualquer modo, regra geral, quando se fala defotojornalismo fala-se de fotos de acontecimentos ou problemáticas de
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“interesse jornalístico” (ou seja, que têm suficiente valor noticioso parainteressarem ao grande público), mesmo quando não reguladas peloscritérios dominantes de newsmaking. Quando elas são poderosas, po-dem imergir o leitor na problemática ou no acontecimento fotografica-mente referenciado e comunicam-lhe os aspectos significantes da reali-dade fotografada.
Para ampliar o debate sobre o que é o fotojornalismo, uma outraquestão deve colocar-se. Será necessário ser-se fotojornalista para sefazer fotojornalismo? Terá a actividade de ser forçosamente conotadacom uma actividade profissional, desenvolvida por profissionais? Ora,da mesma forma que um indivíduo que arranja a torneira de casa nãoé forçosamente um canalizador, também o cidadão ou mesmo o “jor-nalista cidadão” que produz ocasionalmente, por vezes com um merotelefone celular, umas fotografias com interesse noticioso não será umfotojornalista. Um fotojornalista não o é apenas por ter um cartão queo identifica enquanto profissional e jornalista e por ser remunerado peloseu trabalho. Um fotojornalista submete-se a leis, códigos, linhas edi-toriais e convenções noticiosas a que o “cidadão repórter” não precisade se submeter ou até, muitas vezes, nem sequer necessita de conhecer.
Fig. 16 – As fotografias do cidadão repórter, como estas dos atentadosterroristas islâmicos no metro de Londres, serão fotojornalismo, ou ofotojornalismo deve ser restrito à ideia de actividade desenvolvida porprofissionais devidamente remunerados e submetidos a leis, códigos e
convenções editoriais?
Retomando uma tese de 1997 (Sousa, 1997), reevocada em 2004
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Estatuto e expressividade da fotografia jornalística: um ensaio 15
(Sousa, 2004a; 2004b), e tendo-se em consideração a complexidade doassunto e a necessidade de abordar a categorização e delimitação con-ceptual do fotojornalismo em função das variáveis anteriormente des-critas – a finalidade, o uso, a prática, o produto e o contexto comunica-tivo, propõe-se uma descrição conceptual do fotojornalismo em duasdimensões:
Fotojornalismo (sentido lato): No sentido lato, pode enten-der-se por fotojornalismo a actividade de realização de fo-tografias informativas, explicativas, interpretativas, docu-mentais ou meramente ilustrativas para a imprensa ou paraoutras plataformas de difusão informativa. Neste sentido,o fotojornalismo caracteriza-se pela finalidade (explicativa,informativa, documental ou ilustrativa) e pelo uso que édado às fotos (consumo de informações, explicações oumesmo opiniões – porque a fotografia também pode sugeriropiniões sobre a realidade). O produto obtido no âmbitodo fotojornalismo, quando este é encarado em sentido lato,pode, ou não, ser diferente do resultado final do processofotojornalístico quando a actividade é encarada em sentidoestrito. O fotodocumentalismo e o jornalismo dos cidadãos(cidadão foto-repórter) podem ser considerados fotojorna-lismo desde que se encare o fenómeno de forma ampla, ouseja, em sentido lato.
Fotojornalismo (sentido estrito): Em sentido estrito, é pos-sível entender por fotojornalismo a actividade profissionalque visa informar, explicar, esclarecer ou mesmo marcarpontos de vista através da fotografia de acontecimentos eda cobertura sistemática de assuntos de interesse jornalís-tico através de órgãos jornalísticos. O interesse jornalístico,no entanto, pode variar de um para outro órgão jornalísticoe não tem necessariamente de estar conectado aos critériosde noticiabilidade dominantes, mas antes aos critérios de-terminados pela audiência específica de cada órgão e pelalinha editorial que o serve e que é aquela que permite a ce-lebração de um contrato implícito entre o receptor e um de-terminado órgão jornalístico – o receptor escolhe os órgãos
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jornalísticos que lhe dão a informação que quer e necessita,tratada da forma que melhor corresponde aos seus gostos eaptidões.
Embora a finalidade do fotojornalismo, em sentido estrito,também seja informar, explicar, opinar ou até mesmo for-mar, e o uso que é dado às fotos possa ser o mesmo que nofotojornalismo em sentido lato, o produto fotográfico quenormalmente resulta do fotojornalismo profissional quoti-diano é diferente, já que se centra nas fotografias de notíciase não noutro tipo de imagens. A prática também é diferente,pois é regida pela pauta agendada quotidianamente e pelasconvenções editoriais de cada órgão jornalístico. Diferentetambém poderá ser o contexto comunicativo, já que, emsentido estrito, o fotojornalismo se vincula a plataformasjornalísticas de difusão de conteúdos, ganhando já outrasleituras quando se faz arte através de exposições e foto-livros.
Tendo em conta a distinção acima estabelecida entre fotojornalismoem sentido estrito e fotojornalismo em sentido lato, o fotodocumenta-lismo, que é fotojornalismo em sentido lato, distinguir-se-ia do fotojor-nalismo em sentido estrito – o fotojornalismo quotidiano – pelos seusprocessos, lentos e reflectidos, afastados do ritmo frenético da fabri-cação quotidiana de notícias. Os fotógrafos podem ser os mesmos. Istoé, um fotojornalista de um jornal diário ou de uma agência de notíciaspode converter-se em fotodocumentalista em ocasiões específicas. Masa maneira de trabalhar no fotodocumentalismo e no fotojornalismo quo-tidiano é divergente.
O fotojornalista profissional cuja actividade se centra na fabricaçãoquotidiana de fotografias de notícia raramente sabe as condições exac-tas que encontrará para realizar o seu trabalho, o que deverá fotogra-far e como o poderá fazer. Poder-se-ia abrir uma excepção para asfoto-reportagens e foto-ensaios em profundidade, que podem obedecera um plano. Pelo contrário, o fotodocumentalista assenta a sua pro-dução em projectos fotodocumentais que implicam o estudo tão exaus-tivo quanto possível de um assunto, do seu contexto, das condições quepode encontrar quando quiser fotografá-lo e da maneira de o fotogra-
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Estatuto e expressividade da fotografia jornalística: um ensaio 17
far. O fotodocumentalismo é, assim, mais pensado e pausado do que ofotojornalismo quotidiano. Por isso, tende a providenciar aos leitoresfoto-informação mais profunda e completa e um usufruto estético maisintenso. Sendo o fotodocumentalismo mais livre, as expressões fotodo-cumentais são também mais diversas e complexas do que as do fotojor-nalismo de notícias. Além disso, enquanto a fotografia de notícias tem,geralmente, uma importância momentânea, reportando-se ao horizonteinformativo da actualidade, a produção fotodocumental tem, tendencial-mente, uma validade quase intemporal.
O documentalismo social, forma mais comum de fotodocumenta-lismo, procura abordar com profundidade quer temas estritamente so-ciais quer os acontecimentos, fenómenos e problemas que afectem avida humana. Enquanto o fotojornalista tem por ambição comum mos-trar a quem não estava lá o que aconteceu num determinado momento,tendendo a basear a sua produção na linguagem fotográfica do instante,o documentalista social procura documentar e, por vezes, influenciaras condições sociais e o seu desenvolvimento. Mesmo que parta deum acontecimento circunscrito temporalmente, o documentalista – oudocumentarista – social tende a centrar-se na forma como esse aconte-cimento revela e afecta as condições de vida das pessoas envolvidas.
3 A encerrar
Foi objectivo deste trabalho contribuir para a delimitação conceptual dofotojornalismo e ajudar a compreender o estatuto da imagem fotográ-fica. No que diz respeito ao primeiro objectivo, parece ser pertinenteencarar a actividade em sentido estrito e em sentido lato. Propõe-se que,em sentido estrito, o fotojornalismo possa ser encarado como a activi-dade desenvolvida por profissionais no seio de organizações noticiosasou em regime livre e que é centrada na obtenção de fotografias comvalor noticioso sobre a actualidade relevante e significante, para seremdifundidas por plataformas jornalísticas. Em sentido lato, o fotojorna-lismo pode ser encarado como a actividade de obtenção de fotografiascom valor informativo, ilustrativo ou documental, por profissionais do
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jornalismo ou não, tendo em vista a sua difusão pública através das maisvariadas plataformas, jornalísticas ou não.
Quanto ao estatuto da imagem fotojornalística, pode dizer-se queé mais complexo do que confuso, pois as várias tendências e estilosconviventes na expressão fotojornalística acabam por enriquecer o fo-tojornalismo, ao multiplicarem os pontos de vista através dos quais arealidade significante pode ser abordada. Mesmo quando se fabricauma realidade visual virtual, a imagem obtida pode ter valor infor-mativo ou explicativo acrescentado. O consumidor da fotografia teráé de ser informado sobre o facto de estar perante uma manipulaçãoimagética, sobretudo quando esta não for evidente. Há que considerar,por isso, que, ocasionalmente, o ficcional imaginado pode ter mais po-tencial de geração de conhecimento sobre o real do que as abordagensvisuais icónicas da realidade. É preciso, porém, não esquecer, comodisse Szarcowski (cit. In Gutiérrez Espada, 1980, p. 97), que “podementir-se tanto num sistema documental como em qualquer outro sis-tema.”
Apesar da tentativa de destrinça e clarificação da prática e do pro-duto, o fotojornalismo é e será sempre uma actividade larga e ambígua,já que inclui uma vasta gama de expressões fotográficas desenvolvidas,ou não, por profissionais, o que torna o produto fotojornalístico alta-mente complexo. Contudo, em todos os sentidos, a ambição máxima dofotojornalismo parece continuar a corresponder à mais antiga vocaçãoda fotografia: dar testemunho.
Mais importante ainda, considere-se o fotojornalismo em sentidoestrito ou em sentido lato, os receptores têm direito a esperar do jorna-lismo mensagens informativas que lhes ofereçam referências adequadassobre a realidade significativa, em especial sobre o horizonte de actua-lidade em que estão imersos a cada momento. No jornalismo, essatarefa tem sido mais encomendada às palavras do que às imagens, em-bora quer umas tenham potencialidades que as tornam complementaresem matéria de informação. Estranhamente, talvez se possa afirmar quemuitas vezes quer umas quer outras são mais usadas para realçar bana-lidades do que para gerar conhecimento relevante sobre a realidade. Nofinal desta reflexão, talvez se deva enfatizar, portanto, a necessidade dese usar a fotografia jornalística de uma forma socialmente responsável.
Encontrando parte da sua natureza e da sua razão de ser na capaci-
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dade de congelar momentos e pormenores, a fotografia jornalística per-mite contrariar a vertigem da velocidade e do ritmo frenético comunsnos meios que usam a imagem em movimento – em particular, a tele-visão – em favor de uma atitude mais contemplativa e reflexiva, maisprofunda e até mais crítica, que permita ao receptor informar-se e criarum conhecimento mais amplo da realidade, sem prejuízo do desfruteestético e emotivo. Convivendo bem com o ritmo tendencialmente maisvagaroso do documentarismo, podendo apelar a mais lentidão e profun-didade na análise do real, a fotografia jornalística continua, portanto, ater lugar próprio entre os géneros e formatos da expressão jornalísticae os fotojornalistas continuam a ter lugar no sistema midiático, aindaque este possa solicitar crescentemente competências multimídia aosprofissionais da informação. Um jornalista com competências multimí-dia será sempre um jornalista incompleto se não dominar a expressãofotojornalística e se não possuir uma sólida cultura geral, tanto quantoum fotojornalista que só saiba de fotojornalismo nem sequer de fotojor-nalismo sabe.
Referências bibliográficas
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SOUSA, Jorge Pedro (2004b). Fotojornalismo. Introdução à História,às Técnicas e à Linguagem da Fotografia na Imprensa. Floria-nópolis: Letras Contemporâneas.
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