este trabalho é escrito ao abrigo do antigo acordo
TRANSCRIPT
João António Meireles Tenreiro Patrocínio
Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação
Especialização em Estudos dos Media e Jornalismo
Agosto, 2021
Liberdade de Expressão e Discurso de Ódio nas
Abordagens Europeia e Norte-americana:
Contributos para uma Reflexão na Era Digital
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Mestre em Ciências da Comunicação – Estudos dos Media e Jornalismo, realizada sob a
orientação científica de Marisa Torres da Silva.
Este trabalho é escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
“Brinde a nós,
Brinde aos avós,
Que se houver céu
Não estão lá sós.
Brinde a vós
E já sem voz
Brinde a quem
Aí vier”
- Virgem Suta
Liberdade de Expressão e Discurso de Ódio nas Abordagens Europeia e Norte-
americana: Contributos para uma Reflexão na Era Digital
João António Meireles Tenreiro Patrocínio
Resumo
A era digital permitiu encurtar as distâncias na interacção entre pessoas, na
aquisição de conhecimento e na partilha de informação. No que toca à liberdade de
expressão, as plataformas online permitem-nos de forma quase instantânea partilhar
opiniões e comunicar além-fronteiras. No entanto, dadas as suas características, a internet
é também um local ideal para acolher comportamentos agressivos, ódio e conteúdos
ilegais. A proliferação do discurso de ódio é um dos grandes combates para os agentes da
liberdade de expressão e da comunicação, que se esforçam na criação de mecanismos de
moderação e regulação do espaço digital.
Para reflectir sobre esta problemática, é importante conhecer a história da
liberdade de expressão até aos tempos que correm, os seus dilemas, analisar as
características específicas da comunicação digital, e observar as abordagens regulatórias
das principais democracias liberais, comparando-as, tendo em conta o panorama
internacional, europeu e norte-americano no que releva à protecção dos direitos humanos.
Desta forma, procura-se reflectir sobre os horizontes da regulação, os seus limites, e a
cooperação entre países e instituições na resposta ao fenómeno do discurso de ódio.
PALAVRAS-CHAVE: Liberdade de expressão; Discurso de ódio; Regulação; Internet;
Redes sociais
Freedom of Expression and Hate Speech on the European and North american
Approaches: Contributions to a Reflection in the Digital Age
João António Meireles Tenreiro Patrocínio
Abstract
The digital age has made it possible to shorten the distances in the human’s
interaction, in the acquisition of knowledge and the sharing of information. When it
comes to freedom of expression, or, in this case, specifically to the freedom of speech,
online platforms allow us to share opinions and communicate across borders almost
instantly. However, given its characteristics, the internet is also an ideal place to host
aggressive behavior, hatred, and illegal content. The proliferation of hate speech is one
of the great struggles for the agents of freedom of speech and communication, who strive
to create mechanisms for moderation and regulation of the digital space.
In order to reflect on this issue, it is important to know the history of freedom of
expression until the present times, its dilemmas, analyze the specific characteristics of
digital communication, and observe the regulatory approaches of the main liberal
democracies, and comparing them taking into account the international, European, and
North American panorama regarding the protection of human rights. In this way, it seeks
to reflect on the horizons of regulation, its limits, and the needed cooperation between
countries and institutions in response to the phenomenon of hate speech.
KEYWORDS: Freedom of Speech; Hate Speech; Regulation; Internet; Social Media
Índice
Introdução ....................................................................................................................... 1
1. Liberdade de Expressão - Conceito e Enquadramento ......................................... 3
1.1. Breves Referências da História da Liberdade de Expressão ................................ 3
1.2. Enquadramento Legal ........................................................................................... 5
1.2.1. Internacional ......................................................................................................... 6
1.2.2. Europa .............................................................................................................. 7
1.2.2.1.Portugal ............................................................................................................ 10
1.2.3. Estados Unidos ................................................................................................... 12
1.3. Liberdade de Expressão na Era Digital .............................................................. 14
2. A Liberdade de Expressão e a Possibilidade de Limites: O caso Particular do
Discurso de Ódio ............................................................................................................ 17
2.1. Dilemas da Liberdade de Expressão ................................................................... 17
2.2. Discurso de Ódio: Conceptualização e Conflito de Direitos .............................. 20
2.2.1. Conceito de Discurso de Ódio ............................................................................ 20
2.2.2. Características do Discurso de Ódio no Ambiente Online ................................. 23
2.2.3. Tipos de Regulação do Discurso de Ódio .......................................................... 27
2.3. Enquadramento Regulatório Europeu Contra o Discurso de Ódio Online ......... 29
2.4. Abordagem dos EUA ao Discurso de Ódio Online ............................................ 31
3. Discurso de Ódio e Regulação - Jurisprudência nas Diferentes Abordagens..... 33
3.1. Jurisprudência no Panorama Internacional ......................................................... 33
3.2. Jurisprudência na Abordagem Europeia ............................................................. 34
3.2.1. Portugal ............................................................................................................ 38
3.3. Jurisprudência na Abordagem Norte-americana ................................................ 39
3.4. Análise ............................................................................................................ 41
4. Discurso de Ódio, Liberdade de Expressão e Era Digital - Um Olhar Analítico
Actual ................................................................................................................. 45
Conclusões ............................................................................................................ 52
Referências ............................................................................................................ 54
LISTA DE ABREVIATURAS
CDA - Communications Decency Act
CDFUE - Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
CEDH - Convenção Europeia dos Direitos Humanos
CERD - Comité para a Eliminação da Discriminação Racial
CICDR - Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial
DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos
EUA – Estados Unidos da América
ICERD - Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial
PIDCP - Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
TEDH - Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
TJUE - Tribunal de Justiça da União Europeia
UE – União Europeia
1
Introdução
A liberdade de expressão é um dos mais importantes e consagrados princípios que
servem de base à fundação e estabilidade das sociedades democráticas, estando vinculada
à liberdade humana, à liberdade de pensamento ou à liberdade de imprensa.
No que toca à salvaguarda desta liberdade, alguns fenómenos, como a proliferação
do discurso de ódio, levam-nos a pensar que a este princípio terão de se aliar outros
factores como a responsabilidade e a tolerância, principalmente na era digital.
Com esta investigação, pretende-se confrontar as abordagens europeia e norte-
americana, que entendemos serem os principais sistemas das sociedades democráticas
actuais, apurar o modo como se desenvolveram os conceitos de liberdade de expressão e
discurso de ódio até aos dias de hoje e quais os desafios que surgem no mundo digital,
em particular nas redes sociais, tendo em conta o actual crescimento de movimentos
extremistas disseminadores de ódio que atentam à própria estabilidade das democracias
liberais.
Como evoluiu a liberdade de expressão até aos dias de hoje? Qual o conceito de
discurso de ódio? Quais as diferenças entre as abordagens europeia e norte-americana?
De que forma podemos contribuir para discussão destes fenómenos na era digital? São as
perguntas de partida desta pesquisa, às quais, para lhes responder, mobilizamos uma
estratégia metodológica de revisão de literatura, análise documental, legislativa e de
jurisprudência, que nos permita contribuir da melhor maneira para a reflexão final sobre
o tema.
Para isso, no Capítulo I realizaremos uma compilação de breves referências
históricas sobre o princípio da liberdade de expressão que, no nosso entender, está de mão
dada com a própria história das sociedades democráticas. Além disso, faz-se uma revisão
sobre os enquadramentos legais internacionais, europeus e norte-americanos, também
com uma menção à legislação portuguesa, sobre a liberdade de expressão e os direitos
humanos, assim como uma primeira referência ao contexto da liberdade de expressão na
era digital.
No Capítulo II, observaremos os dilemas da liberdade de expressão, em particular
o caso do discurso de ódio e os esforços para a sua definição, assim como as
2
características do ambiente online e as abordagens regulatórias europeias e norte-
americanas contra o discurso de ódio online.
No Capítulo III abordaremos a jurisprudência dos principais ordenamentos
jurídicos, que consideramos relevantes e que mostram a forma prática de aplicação das
abordagens em estudo, e discorremos sobre qual entendemos ser o sistema que, perante
os enquadramentos regulatórios e os casos analisados, melhor protecção confere.
Por fim, no Capítulo IV faremos uma análise geral sobre as abordagens, ainda
com base nos casos abordados no capítulo anterior, assim como reflectiremos sobre a
liberdade de expressão nos tempos actuais, com foco nos dilemas e paradoxos da
liberdade, no conflito de direitos, no discurso de ódio e em alguns conceitos como a noção
de “censura” na era digital.
Desta forma, nesta investigação, pretende-se fazer uma análise do panorama
teórico legislativo das abordagens, e a forma como são aplicadas na prática as normas
relacionadas com a liberdade de expressão e discurso de ódio, a sua ponderação com
outros direitos igualmente protegidos, e tentar percepcionar de que forma é que os
mecanismos de regulação precisam de ser melhorados com vista a garantir a protecção
dos direitos e das garantias processuais dos indivíduos.
3
1. Liberdade de Expressão - Conceito e Enquadramento
1.1. Breves Referências da História da Liberdade de Expressão
Os debates sobre a liberdade de expressão e a liberdade de um cidadão utilizar a
voz ou a escrita contra o fundamentalismo e a ortodoxia instalada são bastante antigas,
sendo o julgamento do filósofo grego Sócrates um dos conflitos mais conhecidos (Racolța
& Verteș-Olteanu, 2019, p. 8). Acusado pelo poeta Meleto, “perante os cidadãos de
Atenas, de ter desrespeitado os deuses da cidade e corrompido a juventude”, reforçou no
seu último dia a “importância de existirem visões diferentes” e do seu debate (Fernandes,
2011, pp. 18, 19).
Importa notar neste famoso caso a “aparente contradição” entre uma decisão
democrática e “a liberdade de cada um expressar as suas opiniões”, uma vez que a
condenação de Sócrates foi decidida por voto popular (Fernandes, 2011, p. 19). Um
debate que, segundo o autor, levaria Platão a identificar o conceito de aristocracia e “o
governo do número” e a condenar a democracia ao “regime da liberdade desenfreada”; e
que levaria mais recentemente ao argumento contrário de Fareed Zakaria que aliava o
“falhanço de algumas transições democráticas” à maior preocupação com o “ritual
democrático do voto do que com a criação de uma cultura de liberdade e de instituições
capazes de limitar o poder executivo e garantir um Estado de direito” (como citado por
Fernandes, 2011, pp. 19, 20).
Surge este entendimento porque, segundo Fernandes (2011, p. 20), Fareed Zakaria
notou que “a execução de Sócrates foi democrática, mas não liberal”, e segue assim a
ideia de Benjamin Constant (como citado por Fernandes, 2011, p. 20) que defendia que a
liberdade dos gregos era vista como “a participação directa na feitura das leis através de
uma assembleia de cidadãos”, o que de facto se diferencia do entendimento da liberdade
como a relação dos indivíduos com o Estado, que assegura “os direitos modernos como
a liberdade de expressão, os direitos políticos e o direito a um julgamento justo e
independente”, que não estariam assegurados na democracia grega (Fernandes, 2011, p.
20).
Sócrates expressaria a ideia de que a nenhum homem deveria ser permitido
impedir a expressão de outro homem sobre os seus pensamentos e convicções políticas
4
ou religiosas, independentemente de existir no primeiro uma posição de autoridade sobre
o último (Racolța & Verteș-Olteanu, 2019, p. 9). Uma ideia que seria desenvolvida por
George Orwell, como uma forma de liberdade (liberty) individual, que na sua visão da
liberdade de expressão resultaria na ideia de que “se liberdade significa alguma coisa,
significa o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir” (como citado por
Racolța & Verteș-Olteanu, 2019, p. 9).
À luz de Fernandes (2011) também em Roma não se encontra a origem das
liberdades tal como as conhecemos hoje, uma vez que, mais que “o amor pela liberdade”,
se herdaram de Roma as origens das “instituições políticas republicanas em que existem
vários ramos de governo” e em que os cargos são limitados temporalmente (pp. 20, 21).
Apesar de a palavra “liberdade” (“liberty”) ter origem no termo latim “libertas”, “este
referia-se a uma deusa” que “distinguia os homens livres dos escravos”, estabelecendo o
estatuto de homem livre na consagração do seu “direito a ser tratado pela lei de forma
igual a todos os restantes homens livres” (Fernandes, 2011, pp. 20, 21), o que não poderá
ser entendido como uma liberdade moderna igual para todos.
Essa liberdade moderna seria consagrada na Inglaterra do século XVII, quando
John Milton publica a sua obra Areopagítica, o seu discurso sobre a liberdade de
expressão, que, para Fernandes (2011) culminava o caminho para que “depois dos legados
grego e romano, a liberdade se transformasse num valor e numa exigência universais
naquilo a que se convencionou chamar «o Ocidente»” (p. 21).
John Milton, na sua obra Areopagítica, de 1644, abordaria a vigilância e
autorização prévia de impressão de livros, panfletos e jornais, que seria decretada a uma
Ordem pelos Lordes e Comuns, e, apesar de não negar que seria “do maior interesse para
a Igreja e para a Comunidade exercer uma vigilância sobre a conduta dos livros, tal como
dos homens, e consequentemente, restringi-los, encarcerá-los e puni-los com a maior
severidade se forem malfeitores”, avisaria que na verdade, “os livros não são coisas
absolutamente mortas, encerrando em si uma vida em potência que os torna tão activos
quanto o espírito que os produziu” e “conservam o mais puro extracto e eficácia do
intelecto vivo que os gerou” (Milton, 2009, p. 27). Argumentaria John Milton, no mesmo
discurso, que, se “não se usar de cautela, matar um bom livro é quase o mesmo que matar
uma pessoa” e que “quem destrói um bom livro mata a própria razão” algo que no seu
entender, alargado a todas as obras impressas, constituiria “um autêntico massacre”
(Milton, 2009, p. 28).
5
John Milton arguiria também que “o simples acto de proibir algo em nome da
verdade e da doutrina enfraquecia esses mesmos valores, pois levava a que se pudesse
duvidar da sua força” (como citado por Fernandes, 2011, p. 24). E quanto a um dos
argumentos utilizados a favor da censura, de que os indivíduos não se deveriam “expôr
desnecessariamente a tentações, nem empregar o tempo em coisas vãs”, Milton, na
Areopagítica, retorquia que bastaria responder que “os livros não constituem tentações
ou fatuidades para todos os homens, mas antes ingredientes para preparar remédios fortes
que a vida humana não pode dispensar” e que aqueles que “não têm a arte de distinguir e
trabalhar estes minerais activos, bem podem ser exortados a evitar o seu contacto, mas
nunca será possível impedi-los pela força” (Milton, 2009, p. 53), o que fortalecia o seu
entendimento de que aquele sistema de censura não levaria ao fim para o qual foi
idealizado. Para Fernandes (2011), a Areopagítica “ocupa um lugar simbólico na história
da luta pela liberdade de expressão” (p.24) que abriu caminho para a revogação do
Licensing Act “que impunha a censura prévia” (p. 24). Para esta derrogação serviria como
base a elaboração por John Locke de um estudo em que defendia que “a censura prévia
prejudicava as publicações britânicas, em comparação com as holandesas, que na época
beneficiavam de um estatuto mais livre” (Fernandes, 2011, p. 24).
O direito à liberdade de expressão iria mais tarde integrar a Bill of Rights em
Inglaterra em 1689; a Declaração dos Direitos do Homem em 1798, após a Revolução
Francesa; a Bill of Rights dos Estados Unidos em 1791; e mais recentemente a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em 1948, pelas Nações Unidas (Racolța & Verteș-
Olteanu, 2019, p. 9). Esta última surgiria no pós Segunda Guerra Mundial, quando as
actuais democracias liberais sentiram a necessidade de protecção de vários princípios,
incluindo o da liberdade de expressão, adoptando então, pelas Nações Unidas, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948; pelo Conselho da Europa, a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, em 1950; e depois disso, com os próprios
países a assumirem democracias constitucionais, na qual protegem os direitos básicos dos
indivíduos (Brison, 2013, p. 3).
1.2. Enquadramento Legal
Uma vez discorrida brevemente a história sobre a liberdade de expressão, importa
desenvolver a forma como este princípio foi acolhido e protegido na legislação
6
internacional, comunitária, e norte-americana, de modo a perceber a base que suporta as
diferentes abordagens, e qual sua relação com outros princípios fundamentais dos direitos
humanos.
1.2.1. Internacional
Declaração Universal dos Direitos Humanos e Pacto Internacional sobre os Direitos Civis
e Políticos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos representa uma pedra angular das
liberdades civis (Racolța & Verteș-Olteanu, 2019, p. 9). Surgiu em 1948, quando as
Nações Unidas entenderam necessário estabelecer uma fronteira entre os direitos naturais
das pessoas e os poderes estatais (Kiska, 2012, p. 116). Desta forma, a DUDH não faculta
direitos directamente aos estados, mas serve de garante dos direitos humanos, através de
“esforços democráticos, relacionais e retóricos”, e não de acções de censura dos estados
(Kiska, 2012, pp. 116, 117).
O artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos expressa quanto à
liberdade de expressão:
“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica
o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e
difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio
de expressão.” (Declaração Universal dos Direitos Humanos).
Este artigo terá que ser também, para o que releva à nossa pesquisa, pesado com
o artigo 1º, que constitui um princípio da igualdade onde “Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”; e o artigo 7º, do princípio da não
discriminação, onde se afirma que “todos têm direito a protecção igual contra qualquer
discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
discriminação” (Declaração Universal dos Direitos Humanos). Esta articulação leva a
grandes debates, nomeadamente quanto à tolerância que as sociedades democráticas
devem ter relativamente a, por exemplo, propaganda fascista (Kiska, 2012, p. 117).
Este documento, apesar de não ser vinculativo, influenciou as abordagens
legislativas à protecção dos direitos humanos, e levou mais tarde à criação do vinculativo
e muito referido Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), que confere
uma ponderação mais robusta do direito à liberdade de expressão (artigo 19º do PIDCP),
7
com a proibição da defesa do incitamento à “discriminação, hostilidade e violência”
(artigo 20º do PIDCP) (Gagliardone et al., 2015, p. 18). Para se demonstrar que no PIDCP
não se entende o direito à liberdade de expressão como absoluto, está expresso no
parágrafo 3 do artigo 19º que esse direito “implicará deveres e responsabilidades
especiais”, e será sujeito a restrições, expressamente previstas na lei, e que sejam
necessárias para “assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas” e
“proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas” (PIDCP). De forma
geral, estas restrições terão que ser vistas como uma excepção e usadas ao mínimo
necessário para garantir a salvaguarda dos demais direitos e princípios protegidos pelo
PIDCP (Gagliardone et al., 2015, p. 20). Quanto à diferença entre as excepções do
parágrafo 3 do artigo 19º e as excepções previstas no artigo 20º, esta residirá entre a
interferência opcional com base na lei e mínima necessária ao propósito pretendido; e a
proibição expressa por lei da defesa do incitamento à “discriminação, hostilidade ou
violência” (Gagliardone et al., 2015, p. 20).
Ainda relativamente às Nações Unidas, importa realçar a Convenção Internacional
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD), cujas
diferenças em relação ao PIDCP assentam sobre o ICERD apenas limitar o discurso de
ódio a discurso que se refira a raça ou etnia; impor aos estados-membros obrigações que
criminalizem ideias racistas que não sejam necessariamente incitamento à discriminação,
hostilidade e violência; e definir a intenção de forma alargada, ao punir a mera
disseminação de mensagens de ódio, assim como o incitamento à discriminação racial ou
violência, uma vez que o PIDCP requere que se prove a intenção e não apenas a expressão
isolada, antes de se proibir a ofensa, à luz do parágrafo 2 do artigo 20º (Gagliardone et
al., 2015, p. 21).
1.2.2. Europa
Convenção Europeia dos Direitos Humanos
A liberdade de expressão é consagrada no artigo 10º da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos (CEDH), conferindo assim a “liberdade de opinião e a liberdade de
receber ou transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer
autoridades públicas e sem consideração de fronteiras” (CEDH).
8
É também um princípio protegido legalmente em quase todos os países europeus,
ainda que com algumas considerações diferentes (Casarosa & Moraru, 2019, p. 11).
À luz de Racolța e Verteș-Olteanu (2019, p. 10), e com base nas limitações
expostas no número 2 do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o
exercício das liberdades consagradas nesta Convenção não se alheiam aos deveres e
responsabilidades e às condições e restrições previstas pelas leis e necessárias à
manutenção dos interesses de uma sociedade democrática. É através desta mentalidade
de preservação do conceito de dignidade humana que a Convenção Europeia dos Direitos
Humanos limita a liberdade de expressão, à luz das excepções presentes no mesmo artigo,
quando esta invade a “segurança nacional, a segurança pública, a saúde, os direitos e a
reputação dos outros indivíduos” (Racolța & Verteș-Olteanu, 2019, p. 10).
Graças à fértil jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
(TEDH), esta protecção da liberdade de expressão está em constante evolução (Casarosa
& Moraru, 2019, p. 9).
Como explicam Casarosa e Moraru (2019, p. 10), para perceber se uma limitação
a este princípio está legitimada, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos realiza um
teste com requisitos que implicam que a “interferência esteja prevista na lei”, que tenha
em vista um dos propósitos previstos no artigo 10º da CEDH, e ainda que “seja necessária
numa sociedade democrática”. A interferência terá de ser proporcional e adequada à
prossecução do objectivo pretendido, e será ainda verificado se existem “medidas menos
intrusivas” (Casarosa & Moraru, 2019, p. 10). A este nível, é difícil verificar-se uma certa
consistência quanto à proporcionalidade, o que “poderá levar a soluções diferentes
conforme o contexto” do caso (Casarosa & Moraru, 2019, p. 10). Esse problema de
consistência levou ao desenvolvimento, pelo TEDH, do conceito de “margem de
apreciação”, que prevê a adequação do princípio da liberdade de expressão à própria
diferença entre os Estados signatários da Convenção, o que “confirma a existência de um
espaço de balanço da actividade e da reserva legislativa e judicial na apreciação da
liberdade de expressão” (Casarosa & Moraru, 2019, p. 10).
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
O princípio da liberdade de expressão está reconhecido pela Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia, e é legalmente mandatório dentro das instituições e
9
agências da União, assim como na aplicação de leis da União nos Estados-Membros
(Casarosa & Moraru, 2019, p. 8). O artigo 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia tem uma formulação semelhante à do artigo 10º da Convenção Europeia
dos Direitos Humanos e não tem explícita nenhuma restrição ao direito à liberdade de
expressão (Casarosa & Moraru, 2019, p. 8):
“Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a
liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias,
sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração
de fronteiras.” (artigo 11º, nº1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia).
As limitações na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estão
expressas mais à frente, no artigo 52º. À luz deste artigo, que se aplica a todos os direitos
fundamentais previstos na Carta, qualquer limitação à liberdade de expressão deve
cumprir os requisitos de : a) ter um objectivo legítimo de acordo com o interesse geral da
União; b) ser necessário para a prossecução do objectivo; e ainda c) ser proporcional a
esse objectivo (Casarosa & Moraru, 2019, p. 12).
E, tal como na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, denota-se na Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, e remetendo-nos ao direito à liberdade
de expressão, este princípio não é absoluto, mas também não é facilmente descartável,
sendo essencial medir o cumprimento dos pressupostos que confiram a proporcionalidade
necessária que permita a sua ponderação em situações de conflito de princípios. Como
explicam Casarosa e Moraru (2019, pp. 12, 13), não existe uma consistência na
jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), sendo avaliada a
proporcionalidade em termos de simetria entre meios e fins, tendo em conta a “margem
de apreciação” dos Estados Membros.
Importa abordar a questão da simultaneidade de jurisdição entre o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem e o Tribunal de Justiça da União Europeia, uma vez que
pode suscitar dúvidas sobre a aplicação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e
da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Gomes de Sousa, 2021, p. 14).
A União Europeia subscreveu a CEDH, resolvendo as questões institucionais através do
artigo 6º, nº 2 do Tratado da União Europeia, onde expressa essa adesão (Gomes de Sousa,
10
2021, p. 15). No entanto, face à diferente legislação e à diversidade de jurisdição, uma
vez que o TEDH inclui os países do Conselho da Europa e, portanto, países fora da União
Europeia, importa perceber que a CDFUE apenas se aplicará, numa primeira fase, quando
as acções ilegais partem das instituições da UE, e depois, quando as acções partem dos
Estados-Membros na aplicação dos regulamentos europeus (Gomes de Sousa, 2021, p.
16). Assim, podemos concluir que, a CDFUE e o TJUE aplicam-se a actos de organismos
da UE e a actos dos Estados-Membros na aplicação do direito da União; enquanto a
CEDH e o TEDH constituirão “o patamar mínimo de direitos para todos os restantes
casos”, ainda que a CDFUE possa conferir uma protecção mais ampla (Gomes de Sousa,
2021, p. 17) . Este factor resulta na parca jurisprudência do TJUE sobre estes temas, que
será complementada com a do TEDH, uma vez que, como percebemos, a competência do
TJUE diz respeito à interpretação dos tratados.
1.2.2.1. Portugal
Em Portugal, a liberdade de expressão e informação estão protegidas no artigo 37º
da Constituição da República Portuguesa, que expressa:
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela
palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de se
informar, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer
tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficarão submetidas ao
regime de punição da lei geral, sendo a sua apreciação da competência dos
tribunais judiciais.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de
igualdade e eficácia, o direito de resposta”
Como refere Santos Silva (2007, pp. 15, 16), a regulação justifica-se para afirmar
a existência da liberdade de expressão e informação e pressupõe evitar condicionalismos
ou qualquer forma de censura; para assegurar a articulação entre liberdade de expressão
e informação com os restantes direitos, liberdades e garantias; para garantir a liberdade
de imprensa; e ainda para promover o “direito de acesso dos cidadãos aos media”.
11
Mas avisa o autor que a liberdade de expressão e informação e a liberdade de
imprensa não são direitos absolutos, devendo “articular-se com os outros direitos
pessoais”. Nesses direitos pessoais que limitam a liberdade de expressão, encontramos os
direitos de personalidade que estão também salvaguardados no artigo 26º da Constituição
da República Portuguesa (direito ao desenvolvimento da personalidade, bom nome,
reputação, imagem) (Santos Silva, 2007, p. 16).
Então, não sendo direitos absolutos, precisarão de ser ponderados com outros
princípios igualmente consagrados. Na Constituição da República Portuguesa expressa-
se no artigo 13º o Princípio da Igualdade, que refere:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua,
território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução,
situação económica ou condição social.
Remetendo-nos ao direito penal português, temos no artigo 240º do Código Penal
Português a criminalização do discurso de ódio, sendo proibida a promoção de ódio,
violência, difamação, injúria, ou ameaças, como base na raça, cor, origem étnica ou
nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou
deficiência física ou psíquica. Para Belchior da Silva (2016, p. 209), o artigo 240º
expressa dois tipos de crimes, uma vez que no nº1 se indica o crime de “fundação,
constituição ou participação em organização destinada a discriminar”, assim como a
participação nas actividades dessa organização. O segundo tipo de crime estará disposto
no nº 2 do artigo 240º relativamente a actos discriminatórios, praticados com vista à
violência, difamação, injúria, ameaça de terceiros, com base em características raciais,
religiosas, sexuais, deficiências de uma pessoa ou grupo de pessoas (Belchior da Silva,
2016, p. 209).
É relevante também a menção que o projecto eMORE (n.d., p. 45) faz à Resolução
da Assembleia da República n.º 91/2009, que aprovou o Protocolo Adicional à
Convenção sobre o Cibercrime Relativo à Incriminação de Actos de Natureza Racista e
Xenófoba Praticados através de Sistemas Informáticos; assim como à Lei n.º 18/2004,
que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/43/CE, do Conselho, de
29 de Junho que “aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem
12
distinção de origem racial ou étnica, e tem por objectivo estabelecer um quadro jurídico
para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica”; e à
assinatura de Portugal da Recomendação CM/Rec(2010)5 do Comité de Ministros aos
Estados-Membros sobre medidas para o combate à discriminação em razão da orientação
sexual ou da identidade de género.
1.2.3. Estados Unidos
Daniel Sarmento (2006, p. 5) percorre no seu estudo o enquadramento do conceito
de liberdade de expressão nos Estados Unidos, surgindo na Primeira Emenda da
Constituição norte-americana em 1791, mas ficando apenas consolidado e protegido por
aquele ordenamento jurídico após a 1ª Guerra Mundial. Actualmente poder-se-á entender,
tal como refere o autor, que o direito à liberdade de expressão é “o mais valorizado direito
fundamental no âmbito da jurisprudência constitucional norte-americana”, muito
alavancado pelo “enfraquecimento na garantia de outros direitos” como “a privacidade,
honra e também igualdade”, algo que terá levado à protecção constitucional de
manifestações de ódio (Sarmento, 2006, p. 5).
Como traduz Sarmento (2006, p. 5), denota-se a forma “aparentemente absoluta”
com que se redigiu a Primeira Emenda, onde se expressa: “o Congresso não pode editar
nenhuma lei ... limitando (abridging) a liberdade de expressão ou da imprensa”
(Sarmento, 2006, p. 5).
Para Torres da Silva (2019, p. 33), é na Primeira Emenda que se determina a
“tradição do discurso livre”, na sua vertente “democrática liberal e individualizada”, na
qual “o discurso não é visto como uma acção”. Remetendo para a visão de um “mercado
livre de ideias”, a autora indica que, tal como referem Titley, Keen & Földi (2014, p.14)
este conceito é visto, na tradição norte-americana, como “o mais eficaz antídoto para o
discurso de ódio” (Torres da Silva, 2019, p. 33). Este “mercado livre de ideias” conjuga-
se com uma visão norte-americana comum, de que a solução para os efeitos do discurso
negativo é “mais discurso”, na esperança de que os erros, contradições e males deste tipo
de discurso levem a uma discussão sobre os temas, que crie um ricochete que o condene
à percepção pública de opiniões injustas e descartáveis (Downing, 1999, p. 176). Aliado
a isto, podemos referir o entendimento de John Stuart Mill de que as restrições à liberdade
de expressão iriam minar a busca pela verdade (como citado por Brison, 2013, p. 6). À
13
luz de Brison (2013, p. 6), alguns autores discutiriam que, para utilizar esta visão de Stuart
Mill para tolerar o discurso negativo, teríamos de partir do princípio de que as pessoas se
movem todas pela busca da verdade de forma racional, quando na realidade se podem
mover por muitas outras coisas para além da verdade, nem sempre racional ou
conscientemente.
A abordagem norte-americana é, portanto, como refere Tsesis (2009, p. 497), uma
“noção libertária (…) que entra em conflito com a aspiração à igual dignidade”. Além
disso, a abordagem norte-americana é avessa à repressão das ideias, o que apenas serviria
para ocultar os problemas, em vez de os confrontar, colocando-se a hipótese de restrições
à liberdade de expressão apenas em casos de obscenidade, incitação clara à violência,
conspiração, perigo iminente, entre outras (Ribeiro, 2012, p. 19; Gagliardone et al., 2015,
p. 11; Torres da Silva, 2019, p. 33). Como referem Titley, Keen & Földi (2014, p. 16),
nesta visão da liberdade de expressão que diferencia o discurso da acção, uma acção
violenta cometida por um individuo com base num discurso de ódio apenas responsabiliza
esse indivíduo, e não quem “discursou”.
Para auxiliar a entender melhor a ideia geral sobre a liberdade de expressão nos
Estados Unidos, podemos incluir aqui uma frase de um acórdão do Presidente do
Supremo Tribunal dos Estados Unidos (Chief Justice Roberts of the United States
Supreme Court) (2011, como citado por Kiska, 2012, p. 138) em que refere:
“O discurso é poderoso. Pode levar pessoas a agir, levá-las às lágrimas de alegria
ou de tristeza… E não podemos reagir à dor que foi infligida, por via de castigar
o orador. Enquanto Nação, escolhemos um caminho diferente – proteger também
o discurso ofensivo sobre questões públicas para garantir que não abafamos o
debate público.” (tradução livre)
Apesar disso, para Kiska (2012, p. 138), os tribunais americanos têm entendido
que existem de facto expressões capazes de criar sérios danos, e estabelecido categorias
gerais do que pode constituir palavras puníveis e fora da protecção da Primeira Emenda
(difamação, obscenidade e incitamento). Estas categorias, com o passar do tempo e dos
contextos legais, tornar-se-iam mais estritas, sendo agora enumeradas como obscenidade,
difamação, e discurso que represente um perigo claro e actual (Kiska, 2012, p. 139).
Segundo Kiska (2012, p. 139), há que ter em conta três passos quando se está a
analisar uma restrição governamental à luz da Constituição dos Estados Unidos: verificar
14
se o discurso é ou não protegido pela Primeira Emenda; identificar a natureza contextual
em que ocorreu; e avaliar a justificação para a restrição da liberdade de expressão.
1.3. Liberdade de Expressão na Era Digital
É evidente a importância da internet como uma rede “globalizada, descentralizada
e interactiva”, que tem a capacidade de atravessar fronteiras, distâncias e barreiras, assim
como “um meio de comunicação igualitário” pretendido na sua origem como um espaço
libertário despido de regulações governamentais (Banks, 2010, p. 233). No entanto,
denota-se que, como expressa Banks (2010), “o anonimato, o imediatismo e a sua
natureza global” (p.233), agravado com a dificuldade de fiscalização (p. 234), tornaram
a internet “uma ferramenta potente para a promoção do ódio por parte de extremistas” (p.
233), algo que resulta na proliferação de “grupos de ódio e de actividades relacionadas
com o ódio” pelo ciberespaço (p. 233).
“As redes sociais dão a legiões de idiotas o direito de falar quando antes apenas
falariam num bar depois de um copo de vinho, sem prejudicar a comunidade.
Seriam rapidamente silenciados, mas agora têm o mesmo direito de falar que um
vencedor do prémio Nobel. É a invasão dos idiotas” (Umberto Eco, 2015, como
citado por Racolța & Verteș-Olteanu, 2019, p. 7 e em tradução livre).
Para Racolta e Verteș-Olteanu (2019, pp. 7, 8), a expressão “invasão dos idiotas”
parece ter atingido um ponto delicado, envolvendo um sentimento de repulsa quanto à
influência recente das redes sociais nos conflitos entre nações, as “gigantes tecnológicas”
e os cidadãos, que resultam em fenómenos preocupantes como as fake news. Para os
mesmos autores, este debate faz ressurgir um antagonismo tradicional, que John Stuart
Mill expressaria como “a luta entre liberdade (liberty) e autoridade” (2015, como citado
por Racolța & Verteș-Olteanu, 2019, p. 8).
O espaço social virtual que emerge destes avanços tecnológicos permite à
liberdade de expressão atingir o seu esplendor através das suas características de
iminência, interactividade, descentralização, entre outras (Aranda Serna & Iniesta Belda,
2018, p. 5). Mas há diferenças entre o modo como as plataformas ou as pessoas utilizam
este espaço, sendo necessário, quando abordamos este tema, ir a pontos mais estritos de
perceber qual a actividade que está a ser feita, pois é diferente um espaço noticioso de um
espaço dedicado a um serviço de outra espécie (Aranda Serna & Iniesta Belda, 2018, pp.
15
5, 6). À luz de Aranda Serna e Iniesta Belda (2018, pp. 5, 6) entendemos, pois, que num
espaço de disseminação de informação e notícias, o exercício da liberdade de expressão
será diferente daquele que pode existir num website dedicado a vendas.
Como veremos também mais à frente, nos capítulos referentes aos desafios do
discurso de ódio face às características específicas do online, apesar dos esforços, ou da
ideia pré-concebida da regulação e da protecção dos direitos, existem demasiadas
incertezas emergentes dos atributos digitais (Aranda Serna & Iniesta Belda, 2018, p. 6).
Mas de um modo geral, podemos assumir as dificuldades de legislar sobre o
digital, principalmente quanto à responsabilidade do conteúdo, que engloba o emissor,
mas também a plataforma/servidor que acolhe esse conteúdo (Aranda Serna & Iniesta
Belda, 2018, p. 5). Com as características conhecidas da internet, entendemos, como
expressam Aranda Serna e Iniesta Belda (2018, p. 6), que cada caso merece ser analisado
em profundidade e que as plataformas podem não ter capacidade de fácil eliminação de
conteúdo ilegal. Este dilema sobre a responsabilidade pode ser respondido pela
diferenciação estabelecida por Fernández Esteban (1999, como citado por Aranda Serna
& Iniesta Belda, 2018, p. 6) nas categorias de Responsabilidade Total, na qual a
plataforma responde pelo conteúdo; Responsabilidade Condicional na qual a plataforma
responde pelo conteúdo se se confirmar que havia conhecimento e capacidade de bloqueio
ao conteúdo ilegal; e o não estabelecimento de responsabilidade, no qual a plataforma,
apesar de acolher o conteúdo, não seria responsável por ele.
Mas a internet, como um meio global, despido de fronteiras geográficas, levanta
também alguns problemas de jurisdição e de políticas de responsabilização e combate ao
cibercrime. Com a limitação ao alcance das jurisdições, surgem conflitos quanto à
territorialidade para a aplicação das leis contra materiais ofensivos online (Banks, 2011,
p. 5). Este problema é suportado pelas divergências legais sobre a permissão de certos
conteúdos das várias jurisdições, com diferentes contextos históricos, filosóficos e
constitucionais quanto à liberdade de expressão (Banks, 2011, p. 5). De facto, como
vemos neste trabalho, podemos observar estes conflitos com a divergência entre os
conteúdos protegidos pela Primeira Emenda à Constituição dos Estados-Unidos da
América, que terão uma abordagem diferente noutros ordenamentos jurídicos (Banks,
2011, pp. 5, 6). Apesar dos esforços dos governos, organizações e plataformas, na
tentativa de harmonizar a lei aplicável, será um bom exercício de reflexão analisar a
legitimidade de monitorização de um comentário online postado por um cidadão
16
espanhol, contra um cidadão nigeriano, que se encontra num barco chinês, a utilizar uma
rede social norte-americana e que foi reportado por um cidadão australiano.
17
2. A Liberdade de Expressão e a Possibilidade de Limites: O caso
Particular do Discurso de Ódio
2.1. Dilemas da Liberdade de Expressão
O tema da liberdade de expressão conduz a um paradoxo que remete à discussão
da existência de limites ou restrições a este princípio. Além do mais, não só afecta a
comunicação entre indivíduos e o desenvolvimento da personalidade, como releva na
discussão da própria sustentabilidade dos sistemas democráticos.
Um dos principais defensores do princípio da liberdade de expressão, no seu
esplendor, foi o filósofo John Stuart Mill, que defenderia que é do debate de ideias,
correctas ou incorrectas, que surge a verdade (como citado por Sarmento, 2006, p. 29).
Neste ponto, entenderia que a protecção da liberdade de expressão seria a protecção da
verdade, opondo-se à possibilidade de controlo, por parte dos governos, das opiniões mais
polémicas ou impopulares, uma vez que mereciam ser escutadas pelos cidadãos; e viria
também a afirmar que, dadas as falhas intrínsecas ao ser humano, não se conseguiria
provar que uma ideia fosse errada (como citado por Sarmento, 2006, p. 29, 30). No
entanto, analisando os contextos das democracias ocidentais, percebe-se que a sua
pluralidade leva a que a “verdade” não seja uniforme e, além disso, o debate de ideias que
John Stuart Mill defende, exige que cada participante reflicta e se disponha a uma
discussão com respeito, o que Habermas descreveria como uma “situação ideal de
discurso”, utópica em qualquer sociedade, mas politicamente orientadora (como citado
por Sarmento, 2006, p. 31).
Lenildo Tabosa Pessoa (1969, p. 133) observou que os teóricos dos dilemas
democráticos cada vez mais abordavam o conceito de democracia no desacordo com a
concessão de “absoluta liberdade de acção aos que pretendem substituí-la por
totalitarismo”. A este respeito, Karl Popper (1959, como citado por Tabosa Pessoa 1969,
p. 133), exprimiu a célebre expressão “reclamar, em nome da tolerância, o direito de não
tolerar os intolerantes”. Parece-nos que, numa visão reconhecidamente utópica, numa
sociedade desenvolvida, com o imensurável acesso a informação pedagógica e cívica,
fosse fácil exprimir esse direito, simplesmente porque todo o cidadão teria o
conhecimento necessário para reconhecer comportamentos intolerantes e facilmente
18
descartá-los. Conhecendo essa meta como distante, e afastando-nos de ilusões,
percebemos a necessidade de certas restrições. Não significará, no nosso entender, que
essas restrições seriam imensuráveis, mas sim residiriam num certo equilíbrio adaptável
à época, sob o risco de ultrapassar uma espécie de “limite ao limite” que já não seria
aceitável. Este “direito de não tolerar os intolerantes” teria de ser bastante meticuloso e
igualmente teria de considerar que a proibição de movimentos intolerantes não significa
necessariamente o seu fim, e poderá levar a que esses militantes sucumbam ao anonimato
e a uma clandestinidade profundamente desconhecida. O entendimento de Popper seria
semelhante ao de John Rawls, com a diferença de que este último apenas aceitaria como
legítimas as limitações quando a liberdade da intolerância ameaçasse as próprias
instituições garantes da ordem social (como citado por Sarmento, 2006, p. 29).
Entendimento este que contrasta com a opinião de John Stuart Mill, que afirmaria que
não se deve proibir a publicidade de uma ideia incorrecta, pois estas fortalecem a
discussão e são importantes para chegar à verdade, ainda que abjecta (como citado por
Sarmento, 2006, p. 30).
Quanto ao mesmo aspecto das possibilidades antidemocráticas da própria
democracia quando despida de restrições, também LeRoy Collins (1965, como citado por
Tabosa Pessoa 1969, pp. 133, 134), escrevia, diferenciando as palavras “liberty” e
“freedom”, que “numa sociedade democrática como a nossa, nós, como indivíduos,
estamos em liberdade (at liberty) para realizar muitas coisas que, devido a seus efeitos
injuriosos sobre o restante da sociedade, podem causar a perda de algumas de nossas
maiores liberdades (freedoms).”
Entendemos que a liberdade e a anarquia não são, nem devem ser entendidas como
sinónimos, e a liberdade não poderá ser enquadrada sem o factor responsabilidade. As
restrições inerentes à preservação da democracia, como refere Lenildo Tabosa Pessoa
(1969, p. 134), dizem respeito aos governos e também aos indivíduos: “sem a
autodisciplina dos quais surge um estado de anarquia que torna inevitável o aparecimento
de governos fortes”. Estas restrições não significarão o desaparecer das liberdades, mas
sim a sua preservação, garante e defesa, quando aplicadas tanto quanto necessárias e
criteriosamente, diferenciando-se das restrições existentes em estados totalitários dado
que a finalidade nestes é “sacrificar a liberdade do indivíduo à vontade arbitrária do poder
político” (Tabosa Pessoa, 1969, p. 134). Este autor afirmaria ainda que “o problema está
19
apenas em saber quais sectores da vida democrática podem ser submetidos às repressões
e controles sem perigo para a própria democracia” (Tabosa Pessoa, 1969, p. 134).
Surge nesta matéria a dúvida de perceber se a liberdade de expressão deve sequer
ser limitada. No nosso entender, e como defende Meira (2011, p. 6) este direito não é
absoluto ou ilimitado. Mas os critérios para estas limitações são complexos, dando aso a
interpretações discricionárias dos julgadores (Viana et al., 2017, p. 304). Para Viana,
Maia & Albuquerque (2017, p. 304), os instrumentos internacionais, como convenções,
acordos e pactos, denotam também o carácter não absoluto da própria liberdade de
expressão. Assim, os direitos fundamentais concedidos aos cidadãos devem “proteger a
dignidade da pessoa humana”, sendo também influenciados por “valores comunitários
que lhes definem o conteúdo e impõe limites” (Meira, 2011, p. 9).
Em contraponto, Ronald Dworkin entendia que, como o “Direito e a Moral estão
interligados pelos princípios”, a liberdade de expressão é “um elemento da justiça
democrática” (2006, como citado por Viana et al., 2017, p. 304) e que “o governo não
deve restringir a liberdade, partindo do pressuposto de que a concepção de um cidadão
sobre a forma de vida mais adequada para um grupo é mais nobre ou superior do que de
outro cidadão” (2002, como citado por Viana et al., 2017, p. 304). No nosso entender,
este ponto faria sentido numa sociedade plenamente harmoniosa, o que conhecemos estar
distante da sociedade que conhecemos. E pelo facto de estarmos longe dessa utopia, o
princípio da dignidade da pessoa humana deverá regular estas situações de colisão de
direitos, para que, como refere Meira (2011, p. 9) se impeça que qualquer exercício de
direito seja usado contra o princípio da dignidade humana.
Nesse sentido, para John Rawls, (2008, como citado por Viana et al., 2017, p.
305), a protecção da liberdade contra interferências de terceiros é condição para a pessoa
estar em liberdade e, portanto, uma liberdade fundamental só pode ser limitada quando
essa restrição tem o propósito de preservar a própria liberdade. Uma ideia que se dirige
ao entendimento de Ana Laura Ossola, de que “o direito à liberdade de expressão é alvo
de limitações, tanto para salvaguardar direitos individuais, como sociais, e, no aspecto do
âmbito privado, deve-se respeitar os direitos à honra, intimidade e privacidade” (2012,
como citado por Viana et al. 2017, p. 305).
20
2.2. Discurso de Ódio: Conceptualização e Conflito de Direitos
2.2.1. Conceito de Discurso de Ódio
O discurso de ódio entra na discussão sobre a liberdade de expressão, relacionado
com os direitos das minorias, assim como com os conceitos de dignidade, liberdade e
igualdade (Gagliardone et al., 2015, p. 10). É notório que não tem uma definição
consensual (nem nos direitos humanos internacionais), e sendo um conceito “emotivo”,
os critérios para a sua identificação são muitas vezes contraditórios, e diferem conforme
as legislações locais (Article 19, 2015, p. 9). Muitos têm sido os esforços na procura de
uma definição inamovível, mas estes surgem adaptados à manifestação de novas
situações, e como resposta a problemas discriminatórios demasiado específicos e
localizados (Article 19, 2015, p. 9). Ainda assim, para a organização de direitos humanos
Article 19 (2015, p. 10), as opiniões acerca da definição de discurso de ódio vão variar
conforme o que constitui as características protegidas que identificam um indivíduo ou
grupo alvo; o grau de foco dado ao tom e à expressão; o grau de foco dado ao dano
causado; a prova do nexo de causalidade entre a expressão e o dano; a iminência ou
probabilidade de se causar dano; e a intenção de disseminação pública da expressão.
Continua então o discurso de ódio a ser um termo que se refere a um espectro
amplo de discurso negativo desde o ódio e incitamento ao ódio, passando pelas expressões
abusivas e calúnias, até às formas extremas de preconceito (Mcgonagle, 2013, p. 4). Mas,
para Robert Post (2009, como citado por Mcgonagle, 2013, p. 4, 5) é necessário verificar-
se um certo grau de intensidade antes de uma expressão particular ser qualificada como
discurso de ódio, entendendo que o pré-requisito é a qualificação “extrema”, porque a
intolerância e a antipatia apreendem-se como “emoções humanas que nenhum
ordenamento jurídico pretende abolir”. O debate deve também focar-se em perceber se
todo o discurso de ódio é digno de cair sobre a alçada das regulações governamentais
(George, 2014, p. 1). Os críticos da regulação do discurso de ódio explanam que apesar
da “boa-vontade” dos defensores da regulação, esta pode ser contraproducente e
prejudicial para a democracia (Brown, 2017, p. 420).
De um ponto de vista legal, para Mcgonagle (2013, p. 5), o discurso de ódio varia
também entre expressões não protegidas pelos direitos humanos do direito internacional
(como o incitamento a actos específicos); expressões que podem ou não ser protegidas,
dependendo da análise de variáveis contextuais (como expressões extremamente
21
ofensivas); e expressões que presumivelmente estarão protegidas apesar do seu carácter
moralmente censurável (como estereótipos referentes a minorias). E nesta diferenciação,
refere ainda Mcgonagle, (2013, p. 5) o direito à liberdade de expressão engloba
necessariamente expressões que podem “ofender, chocar ou perturbar” certos grupos da
sociedade, o que não significa (nem poderá significar) um absoluto direito a ofender.
Então, o desafio passará por identificar os limites em que a contestação e a crítica
se transformam num tipo de discurso de ódio, sendo importante diferenciar os tipos de
expressão de discurso de ódio pela sua intenção, intensidade e severidade, singularidade
ou repetição, pelo apoio por parte da autoridade, por ser directo ou indirecto, entre outros,
para perceber o impacto do discurso de ódio nos alvos ou vítimas (Mcgonagle, 2013, p.
5). Por fim, refere Mcgonagle (2013, p. 6), que só quando for feita esta diferenciação
inerente ao termo “discurso de ódio” e a sua significância tiver sido entendida, se pode
começar a analisar significativamente a base lógica da regulação relativa ao discurso de
ódio.
Warner e Hirschberg (2012, p. 19) introduzem o discurso de ódio como “uma
forma de linguagem ofensiva que faz uso de estereótipos para expressar uma ideologia de
ódio”. Mas, para os mesmos autores, existem diversos problemas envolvidos na definição
do que constitui discurso de ódio. Referem Warner e Hirschberg (2012, p. 20) que o
excesso de orgulho de alguém na sua própria etnia ou grupo não constitui discurso de
ódio porque para entrar nessa definição seria necessário depreciar terceiros. Fazem ainda
uma ponderação relativamente a termos depreciativos e epítetos raciais que podem ser
ofensivas em relação a uma etnia ou grupo, mas que podem ser aceitáveis em certos
contextos, dando o exemplo de quando se discute o uso dessas mesmas palavras nessas
situações; ou nos casos de pessoas que fazem parte desse grupo ou etnia as utilizarem (em
certas situações até como mostra de solidariedade) (Warner & Hirschberg, 2012, p. 20).
Outro modo de definir o discurso de ódio é o de Nockleby (2000, como citado por
Warner & Hirschberg, 2012, p. 19), que remete para “qualquer comunicação que deprecia
uma pessoa ou grupo com base em característica como a raça, etnia, género, orientação
sexual, nacionalidade, religião, entra outras”. Como refere Udoh-Oshin (2017, p. 8), o
discurso de ódio é o discurso que ofende, ameaça ou insulta grupos, baseado em raça, cor,
religião, nacionalidade, orientação sexual, deficiências ou outros traços. Exemplos de
discurso de ódio podem incluir cartoons racistas, símbolos anti-semitas, insultos étnicos
ou outros rótulos depreciativos para grupos, queimar cruzes, piadas politicamente
22
incorrectas e estigmatizantes de determinados grupos sociais, declarações sexistas,
protestos contra pessoas LGBT (Udoh-Oshin, 2017, p. 8).
A organização Article 19 elabora uma distinção em três tipologias de discurso de
ódio, sendo estas o “discurso de ódio que deve ser proibido”; o “discurso de ódio que
pode ser proibido”; e o “discurso de ódio lícito” (Article 19, 2015, p. 18).
Quanto à primeira tipologia, o “discurso de ódio que deve ser proibido”, trata-
se de um discurso de ódio mais severo cujo direito internacional requer aos estados a sua
proibição, com o objectivo de prevenir danos irreversíveis (Article 19, 2015, p. 20). Esta
tipologia, baseada na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio;
no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional; no Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos; e na Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial; engloba a proibição do “incitamento directo e público
ao genocídio”; do “incitamento a outras violações discriminatórias do direito penal
internacional”; assim como de qualquer apoio a “ódio discriminatório que constitua
incitamento à discriminação, hostilidade ou violência” e a condenação de propaganda e
de organizações que baseiem as suas ideias em teorias de superioridade racial ou étnica,
ou que promovam o ódio racial e qualquer tipo de discriminação (Article 19, 2015, pp.
20, 21).
Relativamente à segunda tipologia, o “discurso de ódio que pode ser proibido”,
os direitos humanos internacionais permitem aos estados restringir a liberdade de
expressão em situações excepcionais, desde que estas restrições estejam previstas na lei;
visem atingir um objectivo legítimo; e sejam necessárias numa sociedade democrática
(Article 19, 2015, p. 22). Existem também, como refere a Article 19 (2015, p. 22), tipos
de discurso de ódio com o objectivo de “visar individualmente uma vítima identificável”,
que não são englobados nos direitos humanos internacionais porque o locutor não procura
incitar acções contra indivíduos baseadas numa característica protegida (Article 19, 2015,
p. 22).
A terceira tipologia, o “discurso de ódio lícito”, refere-se a expressões ofensivas
que não alcançam os requisitos na tipologia anterior, e que, apesar de levantaram questões
sobre a intolerância, não cumprem o requisito de gravidade necessário para justificar uma
restrição (Article 19, 2015, p. 22). No entanto, esta licitude não impede os estados de
23
tomar as medidas necessárias contra o discurso de ódio, e garantir a igualdade e a luta
contra a discriminação (Article 19, 2015, p. 22).
2.2.2. Características do Discurso de Ódio no Ambiente Online
O discurso de ódio tem sido prolífero na esfera online, com as próprias
plataformas a reconhecerem que é um mal cada vez mais comum (Gagliardone et al.,
2015, p. 13).
Tendo em conta que existe variedade legal no que releva ao discurso de ódio nas
diferentes jurisdições, as próprias plataformas estando situadas em diferentes jurisdições
poderão ter políticas de comunidade e termos de serviço distintos, mais detalhados ou
rigorosos que outros (Mcgonagle, 2013, p. 30). Mas a implementação destas medidas nem
sempre é feita de forma transparente, e determinar a responsabilidade não é apenas
complicado de uma perspectiva jurídica, como surgem inúmeras complicações
tecnológicas na prática e algumas questões sobre a susceptibilidade das plataformas
serem responsabilizadas pelo conteúdo inapropriado postado pelos utilizadores
(Mcgonagle, 2013, p. 30). Como refere Mcgonagle (2013, p. 31), surgem também
preocupações de académicos e de organizações de direitos civis quanto à formulação de
leis de discurso de ódio de forma ampla e vaga. O problema é bastante complexo, e terão
de se ter em conta algumas especificidades, como por exemplo, o facto de que, apesar de
agressivo, um post que tenha um alcance bastante reduzido não poderá ser tratado da
mesma forma que uma publicação que se torne viral e faça parte de um movimento de
propagação de ódio (Gagliardone et al., 2015, p. 13).
Mas em que é que difere a versão online do problema do discurso de ódio offline?
Podemos identificar como mais complexos os desafios relacionados com as
características de “permanência; itinerância; anonimato; e o carácter interjurisdicional”
(Gagliardone et al., 2015, p. 13), assim como os factores invisibilidade; comunidade;
instantaneidade; e a questão do dano (Brown, 2018).
Quanto à permanência, referimo-nos à característica de longevidade do discurso
de ódio online em várias plataformas (Gagliardone et al., 2015, p. 13). Podemos abordar
o caso do Twitter, cuja arquitectura permite, em simultâneo, que certos tópicos nocivos
ganhem alcance durante mais tempo, mas também que seja mais fácil a sua detecção e
24
consequente discussão, o que difere da arquitectura do Facebook, que permite que várias
discussões continuem em paralelo e fiquem escondidas, criando mais espaços hostis.
(Gagliardone et al., 2015, pp. 13, 14)
Relativamente à itinerância, esta característica refere-se ao facto de que o
conteúdo de ódio pode não ser definitivamente removido, ora por continuar na mesma
plataforma através de outro usuário, ou mesmo por se transpor para outras plataformas,
ou até para espaços com menor regulação (Gagliardone et al., 2015, p. 14).
O anonimato é facilitado através da possibilidade de usuários utilizarem as
plataformas com contas anónimas ou com pseudónimos, o que pode alimentar os
comentários destrutivos sem o receio de se ser descoberto (Gagliardone et al., 2015, p.
14). Como avisa Brown (2018, p. 299), o anonimato tem duas faces, já que por um lado
remove o receio da responsabilidade e confere a ideia de não aplicação das normas; mas,
ao mesmo tempo, gera um ciclo vicioso de ataque e contra-ataque entre vítima e agressor,
que pode levar a que tenham comportamentos idênticos.
Este factor do anonimato é bastante complexo e não é absoluto, já que os
utilizadores podem também ter a percepção de que facilmente as plataformas e as
autoridades podem descobrir a sua identidade no caso de algum comportamento ilegal
(Brown, 2018, p. 299). Brown (2018, p. 299) considera que nem todo o discurso de ódio
é ilegal, e portanto, para o autor, é importante entender porque razão um indivíduo que
apenas quer interagir de forma legal irá escolher o anonimato. Para o autor, uma das
possibilidades é a não ameaça à integridade, já que os interlocutores não estão “face-a-
face”, logo não haverá risco imediato (Brown, 2018, p. 299). No entanto, não existe uma
efectiva ausência de retaliações, já que as vítimas de discurso de ódio podem descobrir
um utilizador com alguma investigação, o que reforça que o anonimato não é uma
característica absoluta (Brown, 2018, p. 299).
Quanto ao carácter interjurisdicional, este suscita questões quanto aos
mecanismos legais de combate ao discurso de ódio, uma vez que se dissemina através de
múltiplos actores, plataformas e mecanismos (Gagliardone et al., 2015, p. 15). Esta
característica pode levantar problemas na protecção das vítimas, dada a dificuldade de
percepção de qual o agente, qual a sua localização, e qual a jurisdição competente a quem
pedir auxílio (Gagliardone et al., 2015, p. 15). Para Carpinelli (2017, p. 92), quanto à
territorialidade, vários ordenamentos jurídicos definem esse critério no local do crime, o
25
que recairia sobre os locais onde se encontram os servidores que armazenam a
informação. No entanto, uma vez que um crime cometido num território pode produzir
resultados noutro, terá que existir cooperação judicial internacional para a resolução do
problema (Carpinelli, 2017, p. 93). Com as diferenças nas abordagens ao discurso de ódio
entre países, como por exemplo, conteúdo legal nos Estados Unidos, mas ilegal noutras
jurisdições, a cooperação internacional pode falhar, o que tem alavancado a aposta na
auto-regulação das empresas responsáveis pela manutenção de servidores em locais sem
restrições ao discurso de ódio (Carpinelli, 2017, p. 93).
O factor invisibilidade poderia ser um notório diferenciador entre o discurso de
ódio offline e o discurso de ódio online, dada a distância entre o orador e a audiência
(Brown, 2018, p. 300). Brown (2018, p. 300) indica que os impactos imediatos das acções
de ódio online não são vistos pelo orador, assim como as reacções de outras pessoas que
possam discordar do que foi dito. Remetendo para Citron (2014, p. 59, como citado por
Brown, 2018, p. 300), não existindo “pistas sociais” como as expressões faciais, as
pessoas não terão algo que as recorde de analisar o seu próprio comportamento. No
entanto, Brown (2018, p. 300) refere que métodos semelhantes já existem
tradicionalmente, através de jornais, panfletos, cartas ou grafitis, que conferem
igualmente distância entre orador e audiência. Da mesma forma, a interacção visual pode
surgir também no online, através de plataformas de videochamada (Brown, 2018, p. 300).
Estas contradições levam a que Brown não identifique o factor invisibilidade como
(assim tão) fundamental na distinção entre os discursos de ódio offline e o online (2018,
p. 301).
Quanto ao factor comunidade, Brown (2018, p. 301) remete para o desejo de
pertença aliado à facilidade com que a internet consegue juntar utilizadores apesar das
barreiras geográficas (como no caso dos membros da diáspora) e do desconhecimento da
existência dos outros. Este factor de união leva a que utilizadores exerçam o seu discurso
de ódio através desses mesmos meios, e tentem fazer crescer os seus membros, o que
poderá atrair novos membros que sintam conforto nas suas opiniões (Brown, 2018, pp.
301, 302). Mas também este factor não é exclusivo do discurso de ódio online já que o
discurso de ódio contra grupos e comunidades pode atingir uma grande massa de
audiência por outras formas que não a internet (Brown, 2018, pp. 302, 303). A diferença
é que a internet “democratizou a comunicação em massa” e permite fazê-lo de forma mais
fácil e barata (Brown, 2018, p. 303). Ainda assim, Brown (2018, p. 303) entende como
26
infundada a ideia de que o discurso de ódio online é menos sofisticado que o offline, uma
vez que um simples insulto não significa só por si a atracção de muitos seguidores, likes,
ou cliques, o que designa a necessidade de uma boa base retórica e linguística para se ser
eficaz.
O factor instantaneidade remete para a facilidade e rapidez com que uma
expressão chega a outro lado do mundo após publicada online, contrariamente a todo o
processo que um panfleto, um graffiti, jornais, revistas ou outros meios tradicionais terão
que passar (Brown, 2018, p. 304). Para Brown (2018, p. 304), uma considerável diferença
em relação ao offline, é que a internet permite formas de discurso de ódio espontâneas,
reacções imediatas, sem filtros, sem reflexão, e também más interpretações.
No geral, Brown (2018, p. 306) indica que a natureza do discurso de ódio online
reflecte estes factores de forma combinada, mas que, quando isolados, não conseguem
demonstrar uma notória diferença entre o discurso de ódio online e o offline. Remata
ainda, no seu estudo, que o que afirma não é que o discurso de ódio online é sempre
espontâneo, nem que o offline nunca o é, mas sim que, quando comparados, a internet
“encoraja” formas mais espontâneas de o fazer, suportadas pelas características da
comunicação online (Brown, 2018, p. 306).
Por fim, quanto à questão do dano, Brown (2018, pp. 306, 307) entende-a como
igualmente quantitativa e qualitativa, no sentido em que a distinção entre online e offline
depende da quantidade de discurso de ódio na internet, assim como dos seus efeitos
distintivos, relacionados com climas de ódio ou sofrimento psicológico. No entanto, o
autor afirma como impossível definir de forma estanque a diferença entre o dano causado
online ou offline, até porque não existem suficientes estudos científicos comparativos
(Brown, 2018, p. 307).
Brown (2018, p. 307) sugere também que não se consegue generalizar, porque,
por exemplo, a percepção pode ser a de que ser agredido verbalmente na vida offline é
mais danoso psicologicamente por se tratar de uma agressão “mais pessoal” em que a
identidade estará (à partida) conhecida. No entanto, pode também acontecer que a
identidade online de um indivíduo seja “mais real” por haver mais desinibição (Brown,
2018, p. 307). Outro exemplo apontado por Brown (2018, p. 307) é o caso em que pode
acontecer que as agressões verbais sejam mais frequentes e atinjam uma maior plateia
online, o que poderá levar a danos mais graves. Assim, no “cálculo” da diferença dos
27
efeitos danosos, deverão pesar tanto o factor qualitativo como o quantitativo, ilustrando
como exemplo, a duração do insulto (que será mais longo no online), o que poderá levar
as plataformas a alterarem algumas posições, já que a internet se tornou o lugar predilecto
para o discurso de ódio (Brown, 2018, p. 308).
2.2.3. Tipos de Regulação do Discurso de Ódio
Há vários entendimentos quanto ao modelo mais adequado para regular (e
combater) o discurso de ódio. E independentemente da “indeterminação geográfica” da
internet, há esforços políticos e tecnológicos que os estados procuram para criar fronteiras
virtuais para atingir essa regulação (Banks, 2010, pp. 233, 234). Banks (2010, p. 234)
estipula três tipos de regulação: a unilateral, a multilateral, e a tecnológica.
Quanto à regulação do discurso de ódio de tipo unilateral, diz-nos Banks (2010,
p. 234) que estes esforços para legislar têm sido limitados pelo alcance jurisdicional e
pelo conflito de aplicar a lei de forma extraterritorial. Algo que será entendido pelos
factores de uma certa heterogeneidade sociopolítica não só nas respostas ao problema
(Banks, 2010, p. 234) mas também com a sua definição.
Essas limitações levam-nos então às tentativas de regulação do discurso de ódio
de tipo multilateral, que surgem como um sistema internacional de decisões, que
parecem oferecer um modo mais apropriado de resolver os conflitos entre estados (Banks,
2010, p. 236). Mas a dificuldade surge de igual modo. Como refere Banks (2010, p. 236),
as iniciativas colaborativas (nomeadamente europeias) têm chocado na vontade dos
Estados Unidos da América, o que acaba por resultar num “unilateralismo indirecto” que
causa grande preocupação uma vez que grande parte dos sites de ódio originaram-se lá e
é inevitável que o conteúdo ultrapasse fronteiras. Os Estados Unidos da América, com a
sua Primeira Emenda tornam-se num lugar seguro para todo o conteúdo online, e remover
conteúdo ou eliminar um site na Europa através de mecanismos legais não garante que o
conteúdo tenha sido censurado para todos (Wolf, 2010, citado por Banks, 2010, p. 237).
É esta natureza sem fronteiras da internet que torna um desafio a eliminação de conteúdos
num país, porque o conteúdo poderá voltar a aparecer na internet, quase de forma
instantânea, numa plataforma sediada num qualquer outro país, como os Estados Unidos
da América (Wolf, 2010, citado por Banks, 2010, p. 237).
28
Um tipo de esforço de regulação que à partida seria mais eficiente é o recurso à
tecnologia. E aqui, refere Banks (2010, p. 237), as plataformas de serviços online, através
dos seus códigos de conduta e termos de serviço, podem ter um papel crucial. Seria então
através do consentimento voluntário aos códigos de conduta que se poderia circundar o
conflito com as normas norte-americanas, no que aos websites lá originados diz respeito
dando-se assim a possibilidade às plataformas de controlar o conteúdo se as suas regras
fossem ultrapassadas (Banks, 2010, p. 237). Os maiores obstáculos aqui passam pela falta
desses códigos de conduta ou pelas suas formas fracas, principalmente no que às variadas
plataformas baseadas nos Estados Unidos diz respeito, até porque embora o discurso
difamatório seja proibido, esses códigos não se estendem aos actos que permanecem nas
balizas da protecção da liberdade de expressão da Primeira Emenda (Banks, 2010, p. 237).
E sem haver responsabilização criminal a pairar sobre as plataformas pelo conteúdo dos
seus utilizadores, a vontade para as próprias plataformas se regularem é diminuta (Banks,
2010, p. 237).
Mas, como refere o autor, sem a vontade por parte das plataformas de remover
conteúdos, muito também por força dos custos, os governos têm procurado bloquear
websites extraterritoriais que não cumpram as leis nacionais, através de tecnologia de
localização geográfica (Banks, 2010, p. 237). E quanto à responsabilidade individual dos
utilizadores, em certo grau pode contribuir para a promoção de uma cultura de
intolerância em relação ao ódio, assim como valer-se de um papel de monitorização do
conteúdo e de alerta às autoridades (Banks, 2010, p. 238). Com base em Bailey (2006,
como citado por Banks, 2010, p. 238) os esforços estratégicos que envolvem alianças
entre cidadãos, indústria e governos oferecem uma base sólida para acções
responsabilizadoras contra o discurso de ódio online. Mas, como finaliza o autor, para
esta aliança ser eficaz, todos devem empenhar-se em soluções individuais e colectivas
para o minimizar (Banks, 2010, p. 238).
Brown (2018, p. 310) levanta uma questão importante quanto à responsabilidade
das plataformas online. Diz-nos o autor que quem cria e lucra através da manutenção de
uma plataforma tecnológica que, para além dos seus benefícios, permite e facilita acções
de ódio, deveria também ter a responsabilidade de prevenção dessas acções dependente
também da presença de outros intervenientes causadores de climas de conflito e ódio
(Brown, 2018, p. 310). O ponto de partida apresentado por Brown (2018, p. 310) é o de
que as plataformas terão mais capacidade que os governos no desenvolvimento e
29
implementação de estatutos; códigos de conduta; assim como na formação de equipas de
especialistas. Na sua visão, esta auto-regulação das plataformas permitiria mais rapidez,
sem a necessidade de procurarem ajuda nos juristas ou nos legisladores, já que bastaria
aos moderadores, de forma discricionária, aplicar os códigos de conduta a casos
específicos, sem grandes preocupações legais (Brown, 2018, p. 310). No entanto, e numa
lógica de que a eficiência dos processos não significa uma verdadeira eficácia nos
resultados que se pretendem atingir, entendemos esta visão como dúbia, uma vez que, no
caso do Facebook, os seus algoritmos são criticados por serem demasiado susceptíveis ao
erro; as suas regras serem muitas vezes vagas; e por se dar aso a sanções desproporcionais
(Patel & Hecht-Felella, 2021).
De qualquer forma, plataformas como o Youtube, Facebook ou Twitter adoptaram
códigos de conduta nos quais se refere a não tolerância ao conteúdo de ódio, assim como
se denotam esforços políticos transnacionais de coligação com estas plataformas (Brown,
2018, p. 311). Em 2016, a Comissão Europeia e algumas das maiores plataformas online
criaram um código de conduta contra o discurso de ódio ilegal online (não obrigatório
por lei), com vista não só a clarificar os termos de serviço no que ao combate ao ódio diz
respeito, mas também para pôr em prática novos mecanismos de efectiva análise e
remoção deste tipo de conteúdos no prazo de 24 horas. Para Brown (2018, p. 311), a
aceitação da execução das directrizes deste código de conduta prova que existe habilidade
técnica por parte das plataformas para este combate; que as plataformas aceitam que é sua
função participarem neste combate e é sua responsabilidade tornarem-se mais seguras; e
que existe de facto vontade das plataformas em aliarem-se com parceiros
(governamentais ou não) na criação de novas ferramentas de regulação do discurso de
ódio online.
2.3. Enquadramento Regulatório Europeu Contra o Discurso de Ódio
Online
Um dos enquadramentos regulatórios da União Europeia quanto aos conteúdos
online é a Directiva sobre o Comércio Electrónico que estabelece que os intermediários
electrónicos ficam isentos de responsabilidade pelo conteúdo presente na sua plataforma
se, aquando do conhecimento do conteúdo hostil e ilegal, remover diligentemente ou
desactivar o acesso ao conteúdo e se participarem de forma neutra relativamente a esses
30
conteúdos (isto é, que não os tenham criado ou apoiado) (O’Regan, 2018, p. 422). Diz-
nos O’Regan, relativamente à presente directiva, que esta não aprovisiona os estados-
membros do poder de impor obrigações nos intermediários para monitorizarem o seu
conteúdo. Outro enquadramento regulatório relevante é a Decisão-Quadro 2008/913/JAI
do Conselho, de 28 de Novembro de 2008, relativa à luta por via do direito penal contra
certas formas e manifestações de racismo e xenofobia, que afirma que algumas formas de
racismo e xenofobia constituem ofensas criminais no quadro dos estados membros, não
se direccionando apenas para as plataformas online, mas para todas as formas de discurso
que ali se enquadrem (O’Regan, 2018, p. 422). Direccionada às plataformas online, existe
a “Comunicação da Comissão sobre o Combate a conteúdos ilegais em linha”, de
Setembro de 2017, que estabeleceu guias que assegurassem que os intermediários
intensificassem o combate aos conteúdos ilegais (O’Regan, 2018, pp. 422, 423). Já a 1 de
Março de 2018, foi publicada uma Recomendação da Comissão Europeia sobre medidas
de ataque aos conteúdos ilegais online, que, segundo a União Europeia traduziria o
compromisso político da Comunicação numa forma legal não vinculativa (O’Regan,
2018, p. 423). Esta Recomendação propôs que os intermediários online estabelecessem
mecanismos onde os utilizadores pudessem alertar para o conteúdo ilegal para os
intermediários o removerem ou bloquearem com a ressalva de que o indivíduo que o
tivesse publicado fosse informado e lhe fosse dada uma oportunidade de defesa (O’Regan,
2018, p. 423).
Por fim, quanto a este enquadramento, temos o já referido Código de Conduta da
UE sobre Discursos Ilegais de Incitação ao Ódio em Linha, acordado em 2016 por quatro
grandes plataformas online (Facebook, Youtube, Twitter e Microsoft), no qual as
plataformas acordaram analisar pedidos de remoção de conteúdos ilegais ou que
violassem os seus padrões de comunidade, no prazo de 24 horas (O’Regan, 2018, p. 423).
Mais tarde outras plataformas aderiram à implementação do Código de Conduta, sendo
esta implementação avaliada periodicamente para análise da sua eficácia (O’Regan, 2018,
p. 423).
O’Regan (2018, p. 424) afirma, quanto ao modelo de regulação europeu, que, ao
se requerer aos intermediários a remoção do conteúdo que põe em causa os padrões
comunitários das próprias plataformas e do direito europeu, a União Europeia remete a
obrigação directamente aos intermediários e até aos próprios utilizadores, uma vez que é
através de queixa que se inicia a possibilidade de remoção. Acrescenta ainda a autora que,
31
em coerência com a directiva sobre o Comércio Electrónico, não existe uma obrigação
imposta sobre as plataformas para monitorizar o conteúdo, mas sim para darem um
procedimento às queixas e reforçarem os seus padrões (O’Regan, 2018, p. 424).
2.4. Abordagem dos EUA ao Discurso de Ódio Online
Como percebemos, a tradição norte-americana é a da protecção da liberdade de
expressão, incluindo, de modo geral, o discurso de ódio, o que difere da abordagem de
outras ordens jurídicas, e conhecer esta abordagem tem uma relevância enorme,
sobretudo porque as maiores plataformas, de alcance global, estão incorporadas neste país
(O’Regan, 2018, p. 417). Esta prevalência do direito à liberdade de expressão deve-se à
sua protecção constitucional, aplicada a toda a esfera pública, e, quando posta em causa,
poderá levar a caminhos duvidosos em direcção à limitação da liberdade de expressão
(Downing, 1999, p. 176). E, como refere Downing (1999, p. 176), no caso de conflito
com o discurso de ódio, este é tomado como o “mal menor”.
Podemos verificar, como de particular importância nesta matéria, o
Communications Decency Act (CDA), que já em 1996 iria prever na Section 230º que os
fornecedores dos serviços de internet não seriam entendidos como originadores das
informações publicadas por terceiros (O’Regan 2018, p. 417). Seriam então
intermediários e não autores, o que os ausentaria das responsabilidades a que os jornais,
editoras e emissoras estão sujeitos e seria entendida a Section 230º como fundamental na
protecção da liberdade de expressão (O’Regan, 2018, p. 418). Existem duas excepções a
esta ausência de responsabilidade, sendo uma delas uma disposição da secção 202º do
“Digital Copyright Millenium Act” na qual se obriga as plataformas a removerem a
publicação de material que viole direitos de autor (O’Regan, 2018, p. 418). A outra
excepção, mais recente, reside na legislação SESTA (Stop Enabling Sex Traffickers) /
FOSTA (Allow States and Victims to Fight Online Sex Trafficking) e tem o objectivo de
clarificar que a Section 230º não proíbe a actuação das autoridades quanto à intermediação
da internet em matérias de exploração humana. (O’Regan, 2018, p. 418).
Em 2015, um grupo de organizações não governamentais relacionadas com a
promoção da liberdade de expressão decidiu publicar o documento “Manila Principles”
no qual se propõe que os intermediários terão que estar protegidos da responsabilidade
por conteúdo publicado por terceiros, não necessitando sequer de remover ou bloquear
32
conteúdo sem uma ordem judicial, clara e seguindo os trâmites processuais (O’Regan,
2018, p. 419).
É importante e actual notar que, como refere O’Regan (2018, p. 419), e quase
paradoxalmente, as plataformas intermediárias não estão proibidas de regularem o seu
conteúdo como acharem melhor (uma vez que a Constituição e a sua Primeira Emenda
apenas protege o discurso da interferência governamental), o que pode permitir restrições
mais fortes do que o controlo que emana da Primeira Emenda da Constituição. Aliás,
quanto à Section 230º referida atrás, essa imunidade criminal conferida às plataformas
sociais leva a que estas não tenham uma objectiva motivação em abordar os conteúdos
ilegais ou em gastar recursos a fazê-lo (Banks, 2011, p. 12).
33
3. Discurso de Ódio e Regulação - Jurisprudência nas Diferentes
Abordagens
3.1. Jurisprudência no Panorama Internacional
Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas
O Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas entende como compatíveis o
princípio da liberdade de expressão com as limitações dos artigos 19º e 20º do PIDCP, e
tem rejeitado alegações de cidadãos que entendem estar protegidos por este princípio
(PRISM Project, 2015, p. 22). A base para este entendimento do Comité é a de que é
preciso equilibrar a liberdade de expressão com a necessidade de não deixar sem sanção
expressões intencionadas a criar climas de hostilidade, violência ou discriminação contra
minorias (PRISM Project, 2015, p. 22).
Segundo o estudo do PRISM Project (2015, p. 22), podemos analisar o caso
“J.R.T e W.G. Party vs Canada”, de 1983, no qual os aplicantes invocaram o princípio
da liberdade de expressão contra uma decisão das autoridades Canadianas de cortar um
serviço telefónico que difundia conteúdo anti-semita. Alegaram então que as autoridades
Canadianas teriam violado o seu direito à opinião sem interferência e o direito à liberdade
de expressão e de informação e difusão de ideias através de qualquer tipo de media,
protegidos pelo artigo 19º do PIDCP (PRISM Project, 2015, p. 22). Nessa decisão de
cortar o serviço telefónico, serviu de base uma Secção do “Canadian Human Rights Act”
na qual se expressa que é uma prática discriminatória a comunicação telefónica
susceptível de expôr pessoas a ódio, através de circunstâncias discriminatórias proibidas
(nas quais se inclui “raça”, nacionalidade ou origem étnica, cor, religião, idade, sexo,
estado matrimonial, condenação à qual foi dado um perdão e deficiência física”) (PRISM
Project, 2015, pp. 22, 23).
O Tribunal de Direitos Humanos nomeado pela Comissão Canadiana para os
Direitos Humanos entendeu que, apesar de algumas daquelas mensagens serem
consideradas “inócuas”, a maior parte poderia ser susceptível de expôr pessoas ao clima
de ódio, pelo facto de a pessoa ser identificável pela raça ou religião, e ainda, neste caso
pelo nome (PRISM Project, 2015, p. 23). Sendo assim, ordenou o Tribunal que a emissão
de mensagens desse cariz fosse cessada (PRISM Project, 2015, p. 23). No entanto, o
34
aplicante incidiu novamente mais tarde em novas comunicações desse cariz e foi
condenado por desobediência, tendo os seus recursos sido rejeitados, com base nas
proibições do ódio racial e religioso que o Canadá teria que proibir, com base no PIDCP
(PRISM Project, 2015, p. 23).
Continuando pelo relatório do PRISM Project (2015, p. 24) percebemos que o
Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas tem vindo a incorporar na sua
jurisprudência uma atenção às matérias do discurso de ódio quanto à questão das
migrações.
Em 2013, no caso “TBB-Turkish Union in Berlin/Brandenburg”, analisou-se
uma queixa ao Comité para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD), sobre uma
afirmação a uma revista, por parte de Thilo Sarrazin, membro do SPD (Partido Social-
Democrata da Alemanha), na qual nomeou a população turca de “um segmento da
população que vive às custas do Estado e que não deveria ter o direito de viver no
território do Estado” (PRISM Project, 2015, p. 25). Thilo Sarrazin iria ainda proferir
outras afirmações deste cariz, onde acusaria a população turca de “não ter nenhuma
função produtiva a não ser o comércio de frutas e legumes, não tendo capacidade ou
habilidade de se integrar na sociedade alemã” (PRISM Project, 2015, p. 25). O Comité
rejeitaria a posição tomada pela Alemanha que invocaria a necessidade de limitar as
restrições ao discurso de ódio apenas aos casos em que a ordem pública poderia ser
afectada, e observou que este critério da ordem pública, que teria mesmo que ser analisado
para perceber o alcance da disseminação de ideias de ódio, não transpõe adequadamente
para a legislação interna a obrigação prevista no artigo 2º e artigo 4º da Convenção
Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e seria
entendido que a Alemanha teria falhado na protecção contra a discriminação (PRISM
Project, 2015, p. 26)
3.2. Jurisprudência na Abordagem Europeia
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
O entendimento do TEDH sobre a liberdade de expressão tem sido o de que este
princípio é fundamental para as sociedades democráticas, deve ser protegido, e não só
protege informação ou ideias inofensivas, como também protege conteúdos agressivos,
35
com base no “pluralismo, tolerância e mente aberta, sem os quais não existe sociedade
democrática” (Kiska, 2012, p. 109). Mas, tendo em conta as restrições do artigo 10º da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e da proliferação de casos de discurso de
ódio, tem crescido também o debate intergovernamental sobre os constrangimentos às
liberdades de discurso e de opinião e o que constitui ou não o discurso permitido (Kiska,
2012, p. 109).
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos adopta duas abordagens dadas pela
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, quando trata de casos relacionados com o
incitamento ao ódio e a liberdade de expressão: a abordagem da exclusão de protecção da
Convenção, à luz do artigo 17º (proibição do abuso de direitos), onde os comentários em
causa englobam-se no discurso de ódio e negam os valores fundamentais da Convenção;
e a abordagem de estabelecer restrições, à luz do parágrafo 2 do artigo 10º da Convenção
(abordagem adoptada quando o discurso em causa, apesar de ser discurso de ódio, não
está apto a destruir os valores fundamentais da Convenção) (Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, 2020, p. 1).
Tal como refere Teixeira da Mota (2019), a recusa por parte da CEDH de proteger
o discurso de ódio resulta na prática com o TEDH a considerar que este tipo de discurso
constitui “um abuso de direito em relação à liberdade de expressão”, proibido pela própria
CEDH, assim como a entender como justificadas as restrições à liberdade de expressão
“em nome da defesa da segurança pública ou da ordem pública e a prevenção criminal,
bem como a protecção de honra ou dos direitos de outrem”. A CEDH determina que as
suas disposições não podem ser interpretadas “no sentido de haver um direito a praticar
actos com vista à destruição dos direitos ou liberdades consagradas na própria
Convenção” (Teixeira da Mota, 2019).
Percebemos então que a jurisprudência do TEDH remete para a importância da
liberdade de expressão como garante de uma sociedade democrática, mas também para a
consciência da necessidade de parar o discurso de ódio, numa altura de tensões sociais e
políticas, relativas às migrações e etnias, muitas vezes aproveitadas por grupos políticos
com vista à capitalização eleitoral (PRISM Project, 2015, p. 26).
No caso “Féret vs Belgium” , de 2009, o aplicante foi o presidente do partido
político “Front National-Nationaal Front”, responsável pelas suas publicações e pelo seu
website, e membro da Câmara dos Representantes da Bélgica (PRISM Project, 2015, p.
36
27). Foi condenado pelos tribunais belgas, a trabalho comunitário relacionado com a
integração de imigrantes, a 10 meses de pena suspensa e a 10 anos de inelegibilidade, por
ter difundido folhetos onde identificava as comunidades estrangeiras na Bélgica como
“criminosos que pretendem explorar os benefícios” de viver no país (PRISM Project,
2015, p. 27). O TEDH entendeu que havia também a intenção de “gozar com os
imigrantes, com o risco inevitável de espoletar, particularmente perante os membros
menos informados do público, sentimentos de desconfiança, rejeição ou mesmo ódio para
com os estrangeiros” (PRISM Project, 2015, pp. 27, 28). Apesar de o TEDH reconhecer
a importância da liberdade de expressão, principalmente para um representante político,
seria igualmente crucial evitar comentários intolerantes, tendo em conta o impacto de
discurso racista e xenófobo, que seria avolumado no contexto eleitoral (PRISM Project,
2015, p. 28). Assim, expressou o Tribunal que, utilizando-se de discriminação racial,
potencializava-se as tensões sociais e minavam-se as instituições democráticas, visando-
se então a necessidade de protecção social dos direitos das comunidades imigrantes, tal
como os tribunais belgas haviam feito (PRISM Project, 2015, p. 28).
Remetendo para casos mais recentes, e relativos às plataformas online, à luz da
Ficha Informativa sobre o Discurso de Ódio publicada pela unidade de imprensa do
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (2020) podemos observar as seguintes
resoluções:
O caso “Pihl v. Sweden”, de 7 de Fevereiro de 2017, remete para uma queixa
sobre um comentário difamatório online, que foi publicado anonimamente num blog
(Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 2020, p. 18). O aplicante fez uma queixa contra
a pequena associação sem fins lucrativos que gere o blog, de que esta deveria ser
responsável pelo comentário difamatório do terceiro (Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos, 2020, p. 18). A queixa foi rejeitada pelos tribunais suecos e pelo Chancellor
of Justice (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 2020, p. 18). O aplicante queixou-
se ao TEDH de, ao não responsabilizarem a associação, as autoridades falharem em
proteger a sua reputação e violarem o seu direito ao respeito pela vida privada (Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos, 2020, p. 18). Aqui, o Tribunal considerou o pedido como
“inadmissível” e mal fundamentado (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 2020, p.
18). Notou que, em casos como este, o equilíbrio deve ser estabelecido entre o direito do
indivíduo ao respeito pela vida privada, e o direito à liberdade de expressão de que goza
o indivíduo/grupo que gere a plataforma online (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos,
37
2020, p. 18). À luz das circunstâncias do caso, o Tribunal entende que as autoridades
nacionais ponderaram esse equilíbrio quando recusaram responsabilizar a associação pelo
comentário anónimo, justificando que, apesar de o comentário ser ofensivo, não chegou
ao nível de discurso de ódio ou de incitamento à violência (Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos, 2020, p. 18). Para além disso, foi publicado num pequeno blog gerido por uma
associação sem fins lucrativos e foi retirado o comentário no dia a seguir ao aplicante ter
feito a queixa e só esteve presente online durante nove dias (Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, 2020, pp. 18, 19).
O caso “Savva Terentyev v. Russia”, de 28 de Agosto de 2018, respeitava a uma
condenação do requerente por incitamento ao ódio após frases insultuosas sobre agentes
policiais num comentário a uma publicação de um blog (Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos, 2020, p. 19). O Tribunal considerou que houve uma violação do artigo 10º
(liberdade de expressão) da Convenção e que, apesar de a linguagem do requerente ser
ofensiva e chocante, isto só por si não era suficiente para justificar uma interferência no
seu direito à liberdade de expressão (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 2020, p.
19). Acrescentou ainda o TEDH que os tribunais domésticos deveriam ter analisado o
contexto dos comentários, que foram uma tentativa provocatória de expressar a sua
indignação a uma actuação policial, e não a um incitamento à violência física contra a
polícia (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 2020, p. 19).
O caso “Beizaras and Levickas v. Lithuania”, de 14 de Janeiro de 2020, tratou
da alegada discriminação com base em orientação sexual de dois jovens por parte das
autoridades por não terem iniciado uma investigação aos comentários de ódio que um dos
jovens recebera na sua página de Facebook onde havia ataques gerais às pessoas da
comunidade LGBT, e até mesmo ameaças (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos,
2020, p. 11). A queixa incluía que a recusa teria impossibilitado qualquer reparação legal
(Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 2020, p. 11). O Tribunal entendeu que de facto
houve uma violação do artigo 14º (proibição de discriminação), em conjunto com o artigo
8º (direito ao respeito pela vida privada e familiar) da Convenção, baseado na
discriminação sofrida pela orientação sexual e pelo facto de o governo da Lituânia não
ter providenciado qualquer justificação de que a diferença no tratamento estaria de acordo
com os padrões da Convenção (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 2020, p. 11).
Entendeu também o TEDH que a orientação sexual dos queixosos teria sido fulcral na
forma como o caso foi tratado pelas autoridades ao se recusarem a iniciar a investigação
38
(Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 2020, p. 11). Esta atitude discriminatória
significou que os jovens não teriam sido protegidos, como é seu direito à luz do direito
penal, contra ofensas à integridade física e mental (Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos, 2020, p. 11). Por fim, entendeu-se também que houve uma violação do artigo
13º (direito a um recurso efectivo) da Convenção pelo facto de ter sido negado aos jovens
uma resposta interna para as suas queixas (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos,
2020, p. 11).
3.2.1. Portugal
Numa breve referência a casos portugueses, consideramos relevante o caso
Família Coxi vs André Ventura, de 2021, acção cível, resultante da exibição por parte
do político André Ventura, durante um debate televisivo das eleições presidenciais, de
uma fotografia de uma família de uma minoria, à qual chamou de “bandidos”; assim como
por parte do partido que lidera (Chega), na sua conta Twitter, onde se pôde ler a legenda
“Eu prefiro os portugueses de bem” (Diário de Notícias, 2021a). Esta acção resultou na
condenação em primeira instância de André Ventura, líder do partido Chega, e do próprio
partido, a “retractarem-se” das ofensas ilícitas ao direito à honra e ao direito à imagem,
“nos locais onde as concretizaram” (canais televisivos SIC, SIC Notícias, TVI e na conta
do partido no Twitter), no prazo de 30 dias, sob pena do pagamento de “500 euros por
cada dia sem o fazerem”, sendo igualmente condenados a “abster-se de proferir ou
divulgar, no futuro, declarações ou publicações, escritas ou orais, ofensivas ao bom nome
dos membros da família, sob pena de pagarem por cada ofensa, 5000 euros” (Diário de
Notícias, 2021a).
Após o consumar dos factos que originaram o processo cível, a Comissão para a
Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) recebeu e remeteu para o Ministério
Público, denúncias sobre as afirmações de André Ventura sobre esta família, que
seguiram em processo de averiguação criminal, uma vez que, como refere a autora de
uma das participações à CICDR, “consubstanciam o crime de “Discriminação e
incitamento ao ódio e à violência”, previsto no artigo 240º do Código Penal” (Diário de
Notícias, 2021b).
39
3.3. Jurisprudência na Abordagem Norte-americana
Como refere Velenchuk no relatório elaborado para o European Parliamentary
Research Service (2019, p. 13), as questões relativas ao direito à liberdade de expressão
são bastante complexas, devido à complexidade doutrinal que o Supremo Tribunal norte-
americano foi desenvolvendo para diferentes tipos de discurso e de limitações; e à já longa
experiência que os tribunais norte-americanos têm quanto a estas matérias, em contraste
com, por exemplo, os tribunais europeus. Na jurisprudência norte-americana, em linha
com o que se analisou quanto às molduras legais sobre a liberdade de expressão, as
decisões do Supremo Tribunal são predominantemente de oposição às restrições ao
discurso de ódio (PRISM Project, 2015, p. 29).
Um dos casos relevantes é o “Snyder vs Phelps”, de 2011, no qual o Supremo
Tribunal reconheceu o direito de protesto da Igreja Baptista de Westboro contra a alegada
disseminação de homossexualidade nas forças armadas do país durante o funeral de um
membro da Marinha norte-americana (PRISM Project, 2015, p. 30). A decisão terá sido
motivada pelo facto de que o contexto do local e da forma como se escolheu expressar o
protesto não poderia ser superada por um júri o considerar como “ultrajante”, para fins de
aplicação do delito de inflação intencional de sofrimento emocional, protegido pela lei
estadual (PRISM Project, 2015, p. 30). Entendeu-se então que uma decisão nesse sentido
causaria um “grande perigo”, uma vez que o júri iria castigar aquele grupo pelas suas
opiniões sobre matérias de interesse público (PRISM Project, 2015, p. 30). O Tribunal
afirmaria também que, tendo em conta a Primeira Emenda, o “discurso não pode ser
restringido meramente por ser perturbador ou causar desdém” (Velenchuk, 2019, p. 17)
O caso “R.A.V. vs. City of St.Paul”, de 1992, é referente a uma invasão, por parte
de um grupo de jovens, ao quintal de uma família de afrodescendentes, no qual
incendiaram uma cruz, relembrando o símbolo da Ku Klux Klan (Sarmento, 2006, p. 9).
Nos tribunais estaduais, foram condenados, com base em legislação local que previa a
figura de “crime motivado por preconceito” (Sarmento, 2006, p. 9). No entanto, o
Supremo Tribunal norte-americano invalidou a condenação, com base na
inconstitucionalidade da lei local, uma vez que, apesar de ser lícito o Estado proibir as
“fighting words”, não o deveria fazer parcialmente, “visando a atingir apenas
determinadas ideias ou concepções repudiadas pela maioria da sociedade” (Sarmento,
2006, p. 10). A expressão “fighting words” refere-se às manifestações que possam
40
“provocar uma imediata reacção violenta da audiência”, e são uma das poucas excepções
que culminam em restrições à liberdade de expressão (Sarmento, 2006, p. 9). À luz do
Supremo Tribunal, o legislador teria apenas previsto “as manifestações de intolerância
racial, religiosa ou de género, violando, com isso o seu dever de neutralidade em relação
aos diversos pontos de vista existentes na sociedade” (Sarmento, 2006, p. 10).
Outro caso relevante (e semelhante ao anterior) é o caso “Virginia vs Black et al”,
de 2003, no qual o Supremo Tribunal norte-americano considerou como constitucional
uma lei estadual que criminalizava “a queima de cruzes realizada com o intuito de
intimidação de qualquer pessoa ou grupo”, na sequência da condenação de três pessoas,
e posterior reversão por parte do Tribunal da Virginia com base em inconstitucionalidade
(Sarmento, 2006, p. 10). O Supremo Tribunal reverteu novamente a decisão do Tribunal
da Virginia, e afirmou que “embora a difusão de ideias racistas, como as da Ku Klux Klan,
não possa ser punida, os actos de ameaça são susceptíveis de repressão” e entendeu que
que queimar cruzes “pode constituir uma forma particularmente virulenta de intimidação”
quando não é promovida com o intuito de constituir uma “manifestação legítima da
liberdade de expressão” (Sarmento, 2006, pp. 10, 11). Entendeu também o Supremo
Tribunal que a queima das cruzes estaria historicamente mais relacionada com violência
e intimidação do que propriamente com a “descoberta da verdade” (Tsesis, 2009, p. 503)
e, como refere Tsesis (2009, p. 503), os Estados não se devem restringir à adopção de
políticas públicas contra “mensagens perigosas”, na prevenção de incitamento à
violência.
A principal diferença entre estes dois casos seria que no “R.A.V vs. City of Saint
Paul”, a lei em causa apenas era contrária ao discurso violento contra determinados
grupos, o que já não aconteceria no “Virginia vs Black et al”. (Sarmento, 2006, pp. 10,
11).
Relativamente à aplicação da polémica Section 230º do Communications Decency
Act abordamos o caso “Fields v. Twitter”, de 2016. Este caso começou por se tratar de
uma queixa contra a plataforma Twitter, na qual se arguia que o Twitter seria responsável
pelo conteúdo publicado pela organização terrorista ISIS, que teria resultado no
assassinato de dois familiares dos aplicantes (Global Freedom of Expression, n.d.). No
entanto, esta queixa esbarraria na imunidade que o CDA providencia às plataformas
quanto ao conteúdo de terceiros, o que levaria a uma queixa modificada, na qual se
argumentaria que a queixa não seria contrária à Section 230º, já que o Twitter teria dado
41
“apoio material” ao ISIS, por permitir a criação de contas por parte de terroristas, o que
responsabilizaria a plataforma tendo em conta o Anti-Terrorism Act. (Global Freedom of
Expression, n.d.). O Tribunal Distrital “U.S. District Court of Northern California”
recusou todos os pontos da queixa, reforçando que, se o Twitter tivesse interferido nas
contas, ou nos conteúdos, levaria a que deixasse de seguir o requisito de neutralidade, e
deixaria de ser um mero intermediário para passar a seguir uma actividade de editor,
contrária à esfera de protecção conferida pelo CDA (Global Freedom of Expression, n.d.).
Dessa forma, o Tribunal entendeu que a criação de contas na plataforma Twitter estaria
dentro da protecção da Section 230º do CDA, e preveniu uma possível política pública
baseada nos conteúdos, que poderia limitar a liberdade de expressão, e a característica
universal do acesso a redes sociais (Global Freedom of Expression, n.d.).
Para se entender melhor a lógica desta decisão, o mesmo Tribunal referiu que “se
o objectivo do CDA é encorajar o desenvolvimento sem restrições ou regulações da
liberdade de expressão, qualquer política que exija que os fornecedores de serviços
informáticos interactivos removam ou filtrem determinado conteúdo, prejudica este
objectivo” (Global Freedom of Expression, n.d.).
3.4. Análise
Nos casos aqui abordados como relevantes para a temática da liberdade de
expressão e a sua conjugação com outros princípios, importa ressalvar que, se tratem,
sobretudo, de decisões de recurso. Podemos assumir que as convenções em estudo servem
como o garante supremo dos direitos humanos, o que é logo verificado no caso “TBB-
Turkish Union in Berlin/Brandenburg”, de 2013, no qual o Comité dos Direitos
Humanos das Nações Unidas reverteu o entendimento dos tribunais nacionais alemães, e
observou que a Alemanha teria falhado na protecção contra a discriminação (PRISM
Project, 2015, p. 26).
Essa função de garante das convenções pode também ser verificada, em sentido
inverso, no caso “Savva Terentyev v. Russia”, de 2018, no qual o TEDH considerou que
os tribunais russos não teriam analisado o contexto dos comentários, que estariam
protegidos pelo artigo 10º da CEDH, sobre a liberdade de expressão, e teriam condenado
erradamente o aplicante por incitamento ao ódio (Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos, 2020, p. 19).
42
Esta forma de actuação demonstra que na análise destes casos é importantíssimo
ter critérios bem definidos, sob pena de exageros interpretativos que levem a decisões
nitidamente injustas, tanto para um lado como para o outro. A título de exemplo, um
indivíduo utilizar um termo injurioso durante uma discussão no trânsito, dirigido a uma
idosa, será certamente diferente de um indivíduo utilizar exactamente o mesmo termo
injurioso dirigido a uma idosa, numa igreja repleta de gente, durante uma celebração
religiosa. Mais fundamental, uma injúria será igualmente diferente conforme se observam
intenções discriminatórias de ódio baseadas na raça, cor, religião, nacionalidade,
orientação sexual, deficiências, entre outros traços distintivos (Udoh-Oshin, 2017, p. 8).
Por essa razão, para diferenciar estas situações, e para permitir tanto ao queixoso,
como ao infractor, perceberem a lógica por de trás de uma condenação ou de uma
absolvição, é, na nossa visão, importante que o julgador utilize alguns requisitos para
contexto. O dano causado; o grau de foco dado ao dano causado; o nexo de causalidade
entre acção e dano; a iminência ou probabilidade de causar dano; ou a intenção de
disseminação pública da expressão utilizada, apontadas pela Article 19 (2015, p. 10)
como características do discurso de ódio são igualmente alguns dos pontos fulcrais que,
entendemos, devem guiar a análise de um decisor deste tipo de casos, para que se evitem
condenações exageradas, ou aparentes faltas de protecção dos queixosos. Estes critérios
assumem também relevância, dada a incapacidade de definição estanque do conceito de
discurso de ódio.
Entendemos que essa falta de definição não significa necessariamente algo
negativo, uma vez que as conceptualizações analisadas demonstram semelhanças e
podem ser combinadas. Atrevemo-nos a considerar ser preferível existirem muitas
definições não consensuais do que não existir sequer uma consciência sobre o discurso
de ódio.
Maior relevância tem esta temática, numa época de prolífera discriminação, que,
tal como entendido pelo tribunal no caso “Féret vs Belgium”, de 2009, potencializa
tensões sociais e mina as instituições democráticas (PRISM Project, 2015, p. 28).
Aqui se verifica, de facto, que a abordagem norte-americana é consideravelmente
diferente no tratamento deste tipo de matérias. Não só porque a esfera de protecção dada
à liberdade de expressão é constitucionalmente mais abrangente, mas também, como se
43
observou no caso “Snyder vs Phelps”, de 2011, há um receio de interferência nas opiniões
sobre matérias de interesse público (PRISM Project, 2015, p. 30).
Como verificamos no caso “R.A.V. vs. City of St.Paul”, de 1992, a visão norte-
americana é a de que o Estado tem um dever de neutralidade, através do qual não pode
legislar contra pontos de vista concretos de questões da sociedade, sob pena de ser
contrário à Constituição. Aliás, no que remete ao discurso de ódio, a difusão de posições
racistas “mais radicais e hediondas” não pode ser proibida, com base no dever de
neutralidade, o que resulta numa igual protecção conferida às ideias do Ku Klux Klan e a
qualquer manifestação a favor dos direitos humanos (Sarmento, 2006, p. 9).
Uma das excepções que poderá legitimar uma restrição ao princípio da liberdade
de expressão nos Estados Unidos da América é, como vimos no caso “Virginia vs Black
et al”, de 2003, o incitamento à violência, como a “doutrina das fighting words”. No
entanto, importa salientar, como refere Sarmento (2006, p. 9), que a lógica por detrás da
“doutrina das fighting words” é a garantia da paz e ordem públicas, e não a protecção dos
direitos das vítimas.
Podemos questionar se, uma vez que os Estados Unidos da América são membros
das Nações Unidas, não deveriam igualmente transpôr as convenções internacionais, à
semelhança do que o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas entendeu ser uma
falha por parte da Alemanha, no caso “TBB-Turkish Union in Berlin/Brandenburg”, de
2013 (PRISM Project, 2015, p. 26). No entanto, o reconhecimento da liberdade de
expressão nas convenções e a sua transposição para as constituições nacionais não são
respeitados em alguns países, também porque o conceito de liberdade de expressão varia
conforme as ordens jurídicas, principalmente no que à questão do discurso de ódio diz
respeito (O’Regan, 2018, pp. 406, 407).
Desta forma, os Estados Unidos da América têm colocado algumas reservas na
ratificação de convenções como o PIDCP ou a Convenção Internacional sobre Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial, nas quais referem a reticência em restringir
o direito à liberdade de expressão, principalmente por entenderem que a Constituição e
as leis norte-americanas já protegem de forma extensiva a liberdade de expressão, com
respeito pela autonomia humana, pela importância que confere à democracia, e pela
prossecução da descoberta da verdade (O’Regan, 2018, pp. 408, 409, 410, 411). Quer isto
dizer que a tradição norte-americana é muito reticente quanto às limitações à liberdade de
expressão, na nossa óptica por receio de precedência e de exageros, uma vez que, como
44
vimos acima, no caso de conflito com o discurso de ódio, este é tomado como o “mal
menor” (Downing, 1999, p. 176). Assim, significa que as limitações à liberdade de
expressão se restringem a discursos que se traduzem sobretudo numa “iminente e
objectiva ameaça de violência” (Kiska, 2012, p. 121).
Entendemos que a tradição europeia tem igualmente a liberdade individual no
centro da organização da sociedade, mas sempre interligada com valores como a
solidariedade, a harmonia, a responsabilidade, justiça, entre outros, protegidos pelas
convenções e protocolos referentes aos direitos humanos. Como refere Meira (2011, p.
14), encontram-se mais frequentemente na jurisprudência do TEDH decisões nas quais
se consideraram as restrições à liberdade de expressão como aceitáveis, por motivos de
protecção da dignidade da pessoa humana e da ordem pública. Assim, à luz de Kiska
(2012, p. 151), o TEDH deverá, através da sua jurisprudência, tornar claro que as
limitações à liberdade de expressão serão justificadas apenas em casos de necessidade, de
forma meticulosa e proporcional, de acordo com algum dos objectivos tidos como
legítimos no artigo 10º da CEDH.
Desta forma, entendemos que o sistema que aparenta garantir maior protecção aos
cidadãos é de facto o sistema europeu, tanto na vertente legislativa, como nas práticas
verificadas neste capítulo. No entanto, importa ressalvar que estamos perante duas
abordagens liberais à liberdade de expressão, e não se pretende com esta comparação
induzir de forma maniqueísta que uma das abordagens é correcta e a outra errada. São
duas abordagens com características diferentes, provindas de tradições e histórias
diferentes, mas que pertencem a dois grandes pólos das sociedades democráticas. Posto
isto, como expõe Kiska (2012, p. 151), a História demonstrou que a liberdade de
expressão transforma culturas, enquanto que as restrições demasiado pesadas sobre a
liberdade de expressão guiaram a totalitarismos e controlos excessivos por parte de
Estados, o que deverá fazer lembrar à jurisprudência moderna de que é melhor aprender
com a História do que a repetir.
45
4. Discurso de Ódio, Liberdade de Expressão e Era Digital - Um
Olhar Analítico Actual
Verificados e analisados os casos da diversa jurisprudência internacional,
europeia e norte-americana, podemos falar em “duas formas de olhar para a liberdade”
(Fernandes, 2011, p. 34). Como refere Fernandes (2011, p. 34), o modelo americano visa
proteger a liberdade impendido qualquer limitação por parte do Estado, enquanto a
abordagem europeia não procura limitar o Estado, mas responsabilizá-lo pela regulação
do exercício das liberdades, o que destaca mais “o pólo da responsabilidade nos deveres
do Estado” do que “o pólo da liberdade”. Daí que surjam os conceitos de “liberdade
negativa” e de “liberdade positiva”, sendo que a primeira representa a “ausência de
coacção ou de limites por parte de terceiros, em particular por parte do Estado”; e a
segunda representa uma atenção “às condições necessárias para exercer a liberdade”, que
seriam facultadas aos cidadãos quando estes não as possuíssem naturalmente (Fernandes,
2011, pp. 34, 37).
Podemos assumir que a tradição norte-americana recai sobre a “liberdade
negativa”, uma vez que se entende que para se garantirem direitos e liberdades bastará ao
Estado não interferir ou constranger; e que a abordagem europeia se coloca mais próxima
da “liberdade positiva”, por se pretender criar condições para que “todos possam controlar
de facto o seu destino” (Fernandes, 2011, p. 37). Como expressa Fernandes (2011, pp.
37, 38, 39), o dilema sobre estes dois tipos de liberdade desencadeou uma certa
politização quanto à liberdade de imprensa nos Estados Unidos, por, na década de 1940
se ter optado por seguir o caminho da “liberdade positiva” o que, dado o factor
“responsabilidade social”, levou a críticas sobre a possibilidade de levar a “soluções
autoritárias de governação dos media”.
No nosso entender, se pretendermos uma sociedade harmoniosa, solidária e
protectora dos direitos humanos, da qual se aproxima o enquadramento europeu aos
direitos humanos, devemos considerar a esfera de actuação do Estado no caminho da
“liberdade positiva”. Isto porque, apesar de sensíveis ao argumento do excesso de poder
conferido ao Estado, não concebemos que na época em que vivemos, não se possa confiar
nas instituições democráticas nacionais e internacionais, que seguem protocolos e
convenções como as que observámos nesta pesquisa, e que, por muitas críticas que se
46
lhes possam fazer, e por muito ameaçadas que estejam, continuam a ser o garante do
escopo da protecção dos direitos humanos, nos quais se inclui a liberdade de expressão.
Daí que, apesar de considerarmos tanto a democracia norte-americana e a democracia da
generalidade dos países europeus como democracias liberais, não podemos deixar de
apontar a considerável diferença entre as formas de ver a liberdade às quais se aproximam.
Em suma, com confiança na estabilidade das instituições, entendemos que os
Estados têm um importante papel na criação de condições mínimas para proteger a própria
sociedade e os seus cidadãos, especialmente numa época como a era digital em que
vivemos.
Importa, por isso, reflectir sobre como o fenómeno do discurso de ódio e a própria
liberdade de expressão se espelham na era digital, uma vez que há outras condicionantes
a ter em conta. Principalmente no que à queixa diz respeito. Pode tornar-se bastante difícil
reagir contra uma caixa de comentários com dezenas ou centenas de comentários, em
grande parte anónimos, o que demonstra que as próprias plataformas terão de dar passos
para garantirem a tolerância e o respeito. Por outras palavras, entendemos impossível
impedir estes conteúdos, assim como impossível reagir contra todos os indivíduos, mas
deve-se almejar à sua amenização, principalmente através de sistemas de moderação e de
sistemas eficazes de denúncia por parte das plataformas. Isto porque, em alternativa ter-
se-ia de desvirtuar as características da internet, se, como exemplo, se eliminasse a
anonimidade.
Esta característica do anonimato na internet requer um maior foco dada a recente
discussão sobre o discurso de ódio online, no rescaldo dos ataques racistas de que foram
alvos três atletas da selecção nacional inglesa de futebol, no final da competição Euro
2020 (Reuters, 2021). Destes ataques surgiu uma petição online, pedindo que as
plataformas sociais como o Facebook ou o Twitter requeressem o documento de
identificação dos usuários para estarem inscritos tendo por base a tentativa de
responsabilizar os indivíduos que praticassem actos abusivos (Daily Mail, 2021). O
Governo inglês, apesar de reconhecer que a recente legislação sobre o tema incide
igualmente sobre actividades danosas anónimas e de tentar impulsionar que as
plataformas sejam mais incisivas na eliminação dos conteúdos e na recolha de dados sobre
esses indivíduos, entende que este requisito da verificação da identidade do utilizador nas
redes sociais pode ter um impacto “desproporcional” em usuários mais vulneráveis e
interferir com a liberdade de expressão (Daily Mail, 2021).
47
O mayor de Londres, Sadiq Khan, igualmente reprovou estes acontecimentos
apelando às empresas de redes sociais que melhorem os seus mecanismos, mesmo que
signifique a contratação de mais funcionários incumbidos da eliminação deste tipo de
publicação, uma vez que os algoritmos se manifestam insuficientes na identificação de
racismo (Khan, 2021). Como refere Stokel-Walker (2021), o anonimato é um atributo
irónico, uma vez que garante segurança a whistleblowers, a vítimas ou a pessoas que
temem represálias, ao mesmo tempo que permite a outros usuários serem anónimos nos
seus ataques. Dessa forma, entende o autor que o anonimato não necessariamente impede
os racistas de serem racistas, dadas as manifestações públicas de racismo, vistas em
estádios de futebol, bares ou convívios, mas poderá ajudar a que quem esteja em risco na
sociedade possa interagir online em segurança (Stokel-Walker, 2021). Apesar de
considerar ser um problema difícil de remediar, ao qual os especialistas ainda
permanecem sem uma solução, Stokel-Walker (2021) refere que o ideal passaria pela
pedagogia e por se exigir às autoridades que façam melhor.
Como já foi abordado neste trabalho, LeRoy Collins diferencia “liberty” e
“freedom” quando afirma que os cidadãos estão em liberdade (at liberty) para realizar
actos que podem causar a perda de algumas das nossas maiores liberdades (freedom)
(1965, como citado por Tabosa Pessoa 1969, pp. 133, 134). No nosso entender, se
aprofundarmos esta reflexão, podemos extrapolar que, por muito que uma acção seja
proibida, não se pode sempre impedir que aconteça. Isto é, por muito bem elaboradas que
sejam as leis que proíbam o discurso de ódio, não há uma barreira que impeça um
qualquer indivíduo de causar dano.
Pretendemos com isto explicar que, não existindo essa barreira, não teremos um
método eficaz que impeça, a priori, evitar esses comportamentos, sem desvirtuar
igualmente a instantaneidade das redes sociais com, por exemplo, a verificação prévia de
comentários ou publicações. A forma que se observa é sempre a da punição ou da
consequência, uma vez que todas as opiniões que possamos emitir não estão livres das
consequências éticas, morais, ou, no limite, as legais. É aqui que entra, na nossa visão, a
diferença entre censura e escrutínio. O conceito de censura seria o equivalente a uma carta
nunca chegar ao destino; a um indivíduo tentar falar, mas não conseguir emitir qualquer
som; a um órgão noticioso ser infundadamente proibido de noticiar; ou a de um cidadão
ser injustificadamente punido pelas autoridades pelas suas ideias políticas; o que não se
poderá confundir com o escrutínio que qualquer pessoa sofre sempre que emite uma
48
opinião. O que confessamos como discutível é se o escrutínio ou as consequências são
mais ou menos justas ou proporcionais ao acto em si, o que ainda assim, na nossa visão,
não constitui, só por si, censura.
Tomando como exemplo o caso da suspensão de Donald Trump (na altura ainda
presidente dos Estados Unidos da América), por parte do Twitter e do Facebook na
sequência dos ataques ao Capitólio (Lusa, 2021), não concebemos aqui o termo censura,
uma vez que seria demasiado rebuscado achar que uma das pessoas mais poderosas do
planeta estaria excluída, de forma geral, de comunicar com o mundo, dado que o poderia
fazer de imensas outras formas. Diferente discussão será perceber se estas decisões foram
ou não proporcionais, ou alinhadas com a abordagem norte-americana. Por outras
palavras, neste caso, entendemos a censura com um carácter geral e não no sentido parcial
de exclusão de uma só plataforma, entre tantas outras formas de comunicar. Pretendemos
sublinhar que será contraproducente utilizar o termo censura como um grande toldo que
engloba tantas situações extremamente diferentes, desde uma proibição por parte de uma
autoridade da expressão política de um indivíduo, até ao simples eliminar de um
comentário numa publicação de uma rede social.
Não obstante, tal como refere Teixeira da Mota (2021), compreendemos que estas
decisões por parte das empresas de redes sociais condicionam os cidadãos na informação
que recebem e produzem. Daí que seja importante a discussão do poder das plataformas
sociais de decidir de forma injustificada qual o conteúdo que permitem, podendo ir além
da própria lei, debate no qual argumentamos que as plataformas deveriam estar sujeitas a
convenções e regulamentos semelhantes aos que os órgãos de comunicação social têm
que seguir, o que dada a sua importância na época em que vivemos, no acesso directo a
informação, nos parece, à partida, um bom caminho na prevenção do que Teixeira da
Mota (2021) refere como o monopólio das redes sociais.
Dessa forma, entendemos que o ideal seria existirem mecanismos de moderação
por parte das plataformas, que não só explicassem aos usuários o porquê de os
sancionarem, mas lhes permitisse reagir contra sanções que entendam como injustas,
seguindo códigos que evitassem comportamentos e decisões contraditórias, o que teria de
ter por base uma harmonização dos seus códigos de conduta com a legislação vigente,
quanto a injúrias, ofensas graves ou comentários de ódio.
49
No entanto, como vimos, o carácter interjurisdicional da internet não permite
perceber imediatamente qual o ordenamento jurídico aplicável. Como exemplifica
Carpinelli (2017, p. 93), há servidores que, por se localizarem nos EUA, mesmo que
contenham conteúdo considerado ilegal nos países europeus, não podem ser afectados por
legislação europeia mais restritiva, com base no princípio da territorialidade, o que
igualmente torna a regulação tecnológica muito mais difícil para os países europeus, já
que a maior parte dos websites com conteúdo de ódio estão sediados nos Estados Unidos
da América (Banks, 2011, p. 11).
Neste aspecto, quanto à Section 230º do “Communications Decency Act”, dos
Estados Unidos da América, que faculta imunidade às plataformas, não as
responsabilizando pelo conteúdo que intermedeiam (O’Regan 2018, p. 417),
argumentamos que essa imunidade só deveria ser facultada tanto quanto fosse o esforço
das plataformas na criação de sistemas de moderação, de forma que estas não perdessem
a motivação de tentar “limpar” o seu próprio espaço. Por outras palavras, não entendemos
essa imunidade para plataformas que não tentarem aprimorar a moderação do conteúdo
agressivo que veiculam, apesar de compreendermos que, estando-nos a referir aos
Estados Unidos da América, esta visão certamente esbarraria na protecção Constitucional
da Primeira Emenda.
Apesar disso, entendemos que seria benéfica uma maior coordenação entre
plataformas e autoridades policiais para situações que constituam crime ou que devam ser
investigadas. Enquanto não se procurar essa harmonização, as plataformas terão a
liberdade de decidir actuar de forma discricionária, sem terem que justificar qualquer
incoerência.
A propósito, em Julho de 2021, deu-se por parte da justiça alemã uma decisão que
“põe em causa o modo de funcionamento da plataforma” Facebook, ao ter dado razão a
dois utilizadores que foram temporariamente banidos, em 2018, depois de terem proferido
comentários de ódio contra imigrantes (Público, 2021). Apesar de os tribunais alemães
considerarem que o Facebook está no direito de “estipular que os utilizadores da sua rede
cumpram determinadas normas e tenha o direito de remover conteúdo que desobedeça a
essas normas”, entendeu-se que “o utilizador deve ser avisado sobre a remoção do
conteúdo e deve ter a oportunidade de se justificar”, sob pena de as regras do Facebook
serem “contrárias aos princípios da boa-fé” (Público, 2021). De referir que a Alemanha
adoptou uma lei nacional sobre o discurso de ódio nas redes sociais, que não só cria
50
exigências sobre as redes sociais na eliminação de discurso de ódio, como determina que
os utilizadores “possam pedir às redes sociais para reverem e explicarem as suas decisões”
(Público, 2021). Desta forma, esta decisão vai ao encontro do que entendemos ser a
conduta necessária para prevenir decisões injustas ou contraditórias, igualmente em linha
com a Recomendação da Comissão Europeia sobre medidas de ataque aos conteúdos
ilegais online, de 1 de Março de 2018 (referida no capítulo do enquadramento regulatório
europeu), assim como coloca uma nova reflexão sobre a territorialidade da aplicação das
leis em plataformas sediadas em diferentes países, ao sujeitá-las às leis nacionais.
Reflectindo sobre os conflitos de direitos, defendemos que não podemos viver
num estado de vigilância em nome de evitar previamente todas as ilegalidades e eliminar
riscos. Na nossa visão, não é concebível o acesso a informações privadas e a
monitorização de contas pessoais de redes sociais na esperança de prevenir um qualquer
comentário agressivo (ou outro comportamento). Daí que seja importante a colaboração
entre nações, instituições e plataformas sociais, na protecção dos princípios afirmados
pelo Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas e pelo Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem, na procura de um combate mais eficaz e homogéneo (PRISM
Project, 2015, pp. 31, 32). Parece, portanto, inevitável que existam esforços para restringir
a liberdade de expressão na tentativa de harmonizar os climas sociais e culturais em
sintonia com as lutas pelos direitos humanos internacionais (PRISM Project, 2015, p. 30).
No entanto, como refere O’Regan (2018, p. 407), devemos ter em conta os desafios
existentes no mundo, para uma efectiva protecção da liberdade de expressão, propondo
novas formas de abordar o tema, mas sempre atentos ao possível risco de se desvirtuar e
de se minar este princípio fundamental.
O risco inerente à existência humana traz em si um risco inerente à vida em
sociedade, e com isso trará igualmente o risco de ser ofendido, traduzido num direito a
ofender, que não pode ser absoluto, e que não deverá nunca excluir o direito conferido ao
ofendido de ser protegido pela lei e pelas instituições. Sobretudo no que ao discurso de
ódio diz respeito, já que não o concebemos como uma opinião, mas sim como um meio
para um objectivo de rejeição de direitos humanos e das liberdades da vida em sociedade
a certos indivíduos e grupos de pessoas. Aleado ao discurso político, disfarçado de
opinião, com vista ao controlo das percepções públicas (como por exemplo, na
culpabilização de determinadas minorias por um qualquer problema da sociedade), este
51
tipo de discurso tornar-se-á cada vez mais banalizado por parte de movimentos políticos
extremistas de carácter identitário, com vista a capitalizações eleitorais.
Mesmo que se assuma que as palavras e as acções têm gravidades diferentes, não
significará isto um entendimento maniqueísta de que as acções são más e as palavras são
boas, que poderia trazer a ideia de que não se poderia agir contra ambas, ou que se pode
desvalorizar alguma delas. Um dos pontos fundamentais é exactamente este, o de que
numa sociedade moderna e protectora dos direitos humanos jamais se deverá deixar um
indivíduo despido das possibilidades de reagir a algo que considere um ataque. E jamais
se deverá negligenciar a protecção dos direitos humanos. Sem essa protecção, e sem a
possibilidade de reacção, bem legislada e assumida pelas instituições, não se pode, no
nosso entender, falar numa efectiva realização da justiça.
Na época que vivemos, marcada pela constante evolução, seria ingénuo assumir
que um qualquer sistema ou ideia usada há décadas possa continuar aplicado aos dias de
hoje sem qualquer alteração. Se é útil o constante desenvolvimento da sociedade, será
indispensável a constante reflexão e debate que permita às autoridades não caírem num
vazio de actuação por não acompanharem a evolução dos tempos. Não nos revemos na
ideia de uma solução perfeita e estanque, que funcione para toda e qualquer vicissitude
de toda e qualquer secção da sociedade, pois seria uma ilusão crer que se chegaria a uma
conclusão certeira e indubitável de como abordar os problemas que aqui tratámos.
Atrevemo-nos a concluir que, quem reflecte sobre estas temáticas e alcança uma
certeza ou uma solução imaculada, não está a reflectir da forma mais atenta.
52
Conclusões
O estudo sobre a liberdade de expressão está de mão dada com o estudo das
próprias sociedades democráticas e liberais, ora não fosse um dos mais consagrados
princípios da liberdade humana. Para qualquer entusiasta da liberdade é importante
analisar os estudos da liberdade de expressão para verificar quais as melhores formas de
salvaguardar e preservar esta mesma liberdade.
A ideia desta pesquisa passou por entender a história da liberdade de expressão
desde os primórdios das bases dos modelos de sociedade democráticas até à actualidade.
E para perceber a actualidade, é necessário compreender os desafios emergentes das
novas tecnologias e plataformas de comunicação, e reflectir sobre o papel dos estados e
das instituições. Daí que tenhamos depreendido que os excessos de interferência na
liberdade de expressão que possam consubstanciar modelos autoritários não são, à
partida, uma realidade, pelo menos em relação às actuais sociedades democráticas
liberais, enquanto estas estiverem vinculadas a convenções, protocolos, leis
fundamentais, à própria separação de poderes, e às instituições nacionais e internacionais,
cujo escopo passa pela garantia da protecção dos direitos humanos como a liberdade de
expressão, apesar de estarmos conscientes dos riscos dos quais as democracias liberais
têm vindo a ser alvo.
A dificuldade de delinear a linha entre o aceitável e o não permitido é uma das
grandes dificuldades, não só do direito, mas da vida em sociedade no geral. A definição
de discurso de ódio não é excepção, e demonstrou-se a batalha que é conceptualizar esse
termo de forma inamovível. A análise à legislação dos vários ordenamentos em estudo
nesta pesquisa, aliada à observação da componente de execução dos órgãos, permitiu a
exploração dos requisitos que se devem ter em conta quando se julga sobre estes casos,
com vista à maior protecção, tanto do acusado como do acusador. Apesar de, neste
aspecto, tendermos para o modelo europeu como maior garante das protecções
processuais dos indivíduos em causa, inferimos que o futuro passará por uma
harmonização entre os vários agentes, para colmatar vazios legais que possam existir,
como por exemplo, a dificuldade da territorialidade na aplicação da lei neste tipo de
situações. Conhecemos as características das plataformas digitais, e a forma como se
relacionam com o fenómeno do discurso de ódio, o que igualmente sugere a necessidade
53
de uma maior cooperação entre especialistas nos mecanismos de regulação do mundo
online. Desta forma, igualmente sensíveis ao limite da protecção da privacidade dos
utilizadores da internet, concebemos que todas as possíveis soluções terão que ser
ponderadas ao pormenor, sob pena de exceder a linha de outros direitos humanos.
É aqui, na ponderação entre princípios, e no equilíbrio na resolução de conflitos
de direitos, que irá sempre residir a dificuldade, a prudência, e a necessidade de constante
acompanhamento e reflexão de qualquer medida que se tome em nome da regulação.
Estes são os pontos fundamentais desta investigação, que visa contribuir para uma
reflexão sobre a liberdade de expressão na era digital, e abrir portas para um futuro
aprofundamento desta temática, com vista a outras matérias relacionadas com o discurso
de ódio e a era digital, como por exemplo, a ameaça de movimentos extremistas que visam
combater as democracias liberais e plurais; as ameaças terroristas fundamentalistas; a
problemática da protecção de dados; as fake news; entre outras.
54
Referências
Aranda Serna, F. J., & Iniesta Belda, J. (2018). The delimitation of freedom of speech on
the Internet: the confrontation of rights and digital censorship. ADCAIJ: Advances
in Distributed Computing and Artificial Intelligence Journal, 7(1), 5–12.
https://doi.org/10.14201/adcaij201871512
Article 19. (2015). “Hate Speech” Explained - A Toolkit. In Article 19.
https://www.article19.org/data/files/medialibrary/38231/’Hate-Speech’-Explained-
--A-Toolkit-(2015-Edition).pdf
Banks, J. (2010). Regulating hate speech online. International Review of Law, Computers
and Technology, 24(3), 233–239. https://doi.org/10.1080/13600869.2010.522323
Banks, J. (2011). European regulation of cross-border hate speech in cyberspace: The
limits of legislation. European Journal of Crime, Criminal Law and Criminal
Justice, 19(1), 1–13. https://doi.org/10.1163/157181711X553933
Belchior da Silva, J. (2016). A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, RELIGIOSA OU SEXUAL
NO DIREITO PENAL PORTUGUÊS. UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE
HUMANIDADES E TECNOLOGIAS.
Brison, S. (2013). Hate Speech. In H. LaFollette (Ed.), International Encyclopedia of
Ethics. Blackwell Publishing Ltd.
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/9781444367072.wbiee771
Brown, A. (2017). What is hate speech? Part 1: The Myth of Hate. Law and Philosophy,
36(4), 419–468. https://doi.org/10.1007/s10982-017-9297-1
Brown, A. (2018). What is so special about online (as compared to offline) hate speech?
Ethnicities, 18(3), 297–326. https://doi.org/10.1177/1468796817709846
Carpinelli, A. T. (2017). DISCURSO DE ÓDIO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO:
PERMISSÃO, PROIBIÇÃO E CRIMINALIZAÇÃO NO ATUAL CENÁRIO
SOCIOPOLÍTICO OCIDENTAL. Universidade de Lisboa.
Casarosa, F., & Moraru, M. (2019). FREEDOM OF EXPRESSION AND
COUNTERING HATE SPEECH. In Handbook on the Techniques of Judicial
55
Interactions in the Application of the EU Charter. Centre for Judicial Cooperation.
Daily Mail. (2021). Petition to make ID a requirement for social media hits more than
600,000 signatures - as more than a million people sign campaign to permanently
ban racists from football matches. Daily Mail.
https://www.dailymail.co.uk/tvshowbiz/katie-price/index.html
Diário de Notícias. (2021a, May 24). André Ventura e Chega condenados. Advogada
congratula-se: “A humilhação de pessoas negras e pobres não pode ser uma arma
retórica à disposição de atores políticos.” Diário de Notícias.
https://www.dn.pt/politica/andre-ventura-e-chega-condenados-a-pedir-desculpa-a-
familia-do-bairro-da-jamaica-13760328.html
Diário de Notícias. (2021b, June 29). MP abre inquérito a declarações de André Ventura
sobre família do Bairro da Jamaica. Diário de Notícias.
https://www.dn.pt/sociedade/mp-abre-inquerito-a-declaracoes-de-andre-ventura-
sobre-familia-do-bairro-da-jamaica-13888220.html
Downing, J. D. H. (1999). Hate speech and “first amendment absolutism” discourses in
the US. Discourse and Society, 10(2), 175–189.
https://doi.org/10.1177/0957926599010002003
eMORE. (n.d.). AN OVERVIEW ON HATE CRIME AND HATE SPEECH IN 9 EU
COUNTRIES TOWARDS A COMMON APPROACH TO PREVENT AND TACKLE
HATRED. https://www.rissc.it/wp-
content/uploads/2020/06/AN_OVERVIEW_ON_HATE_CRIME_AND_HATE_S
PEEC.pdf
Fernandes, J. M. (2011). Liberdade e informação. Fundação Francisco Manuel dos
Santos.
Gagliardone, I., Gal, D., Alves, T., & Martinez, G. (2015). Countering online hate speech.
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
George, C. (2014). Hate Speech Law and Policy. The International Encyclopedia of
Digital Communication and Society, 1–10.
https://doi.org/10.1002/9781118290743/wbiedcs139
Global Freedom of Expression. (n.d.). Fields v. Twitter. Columbia University.
56
https://globalfreedomofexpression.columbia.edu/cases/fields-v-twitter/
Gomes de Sousa, J. (2021). Liberdade de Expressão e Discurso de Ódio. Crimes de Ódio,
Redes Sociais e Liberdade de Expressão, 1–33.
http://www.tre.mj.pt/docs/ESTUDOS - MAT CRIMINAL/LIBERDADE
EXPRESSAO_DISCURSO ODIO.pdf
Khan, S. (2021). The abuse of England players makes our Euros defeat harder to bear –
here’s what we must do to root out racism. The Independent.
https://www.independent.co.uk/voices/euros-england-racism-marcus-rashford-
b1883092.html
Kiska, R. (2012). Hate Speech : a Comparison Between the European Court of Human
Rights and the. Regent University Law Review, 25(1), 107–161.
Lusa. (2021, January 7). EUA/Eleições: Twitter bloqueia conta de Trump e ameaça bani-
lo para sempre. Visão. https://visao.sapo.pt/atualidade/mundo/eleicoes-eua/2021-
01-07-eua-eleicoes-twitter-bloqueia-conta-de-trump-e-ameaca-bani-lo-para-
sempre/
Mcgonagle, T. (2013). The Council of Europe against online hate speech : Conundrums
and challenges. Freedom of Expression and Democracy in the Digital Age.
Opportunities, Rights, Responsibilities, 1–40.
Meira, M. S. (2011). Os limites à liberdade de expressão nos discursos de incitamento ao
ódio. In Compilações Doutrinais. Verbo Jurídico.
https://www.verbojuridico.net/doutrina/2011/miguelmeira_limitesliberdadeexpress
ao.pdf
Milton, J. (2009). Areopagítica: discurso sobre a liberdade de expressão. Almedina.
O’Regan, C. (2018). Hate speech Online: An (intractable) contemporary challenge?
Current Legal Problems, 71(1), 403–429. https://doi.org/10.1093/clp/cuy012
Patel, F., & Hecht-Felella, L. (2021, February). Facebook’s Content Moderation Rules
Are a Mess. Brennan Center For Justice. https://www.brennancenter.org/our-
work/analysis-opinion/facebooks-content-moderation-rules-are-mess
PRISM Project. (2015). Hate Crime and Hate Speech in Europe: Comprehensive
Analysis of International Law Principles, EU-wide Study and National Assessments.
57
https://ec.europa.eu/migrant-integration/librarydoc/hate-crime-and-hate-speech-in-
europe-comprehensive-analysis-of-international-law-principles-eu-wide-study-and-
national-assessments
Público. (2021, July 30). Facebook acusado de violar liberdade de expressão na
Alemanha. Público.
https://www.publico.pt/2021/07/30/tecnologia/noticia/facebook-acusado-violar-
liberdade-expressao-alemanha-1972519
Racolța, R., & Verteș-Olteanu, A. (2019). FREEDOM OF EXPRESSION. SOME
CONSIDERATIONS FOR THE DIGITAL AGE. Jus et Civitas - A Journal of Social
and Legal Studies, VI (LXX)(1), 7–16.
Reuters. (2021). FA condemns racist abuse of players after England’s Euro 2020 final
loss. Reuters. https://www.reuters.com/lifestyle/sports/fa-condemns-racist-abuse-
players-following-englands-final-loss-2021-07-12/
Ribeiro, R. D. da S. (2012). O Discurso De Incitamento Ao Ódio Ea Negação Do
Holocausto: Restrições À Liberdade De Expressão? [Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra].
http://www.fd.uc.pt/hrc/pdf/papers/RaisaDuarteSilvaRibeiro.pdf
Santos Silva, A. (2007). A hetero-regulação dos meios de comunicação social.
Comunicação e Sociedade, 11, 15–27.
https://doi.org/https://doi.org/10.17231/comsoc.11(2007).1113
Sarmento, D. (2006). A liberdade de expressão e o problema do “Hate Speech.” In Livres
e iguais : estudos de direito constitucional. Lumen Juris.
http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/18-a-liberdade-de-expressao-
e-o-problema-do-hate-speech/a-liberdade-de-expressao-e-o-problema-do-hate-
speech-daniel-sarmento.pdf
Stokel-Walker, C. (2021). ID for social media accounts will only put the most vulnerable
at risk. The Independent. https://www.independent.co.uk/voices/id-social-media-
bad-idea-b1883860.html
Tabosa Pessoa, L. (1969). Liberdade de Imprensa. In J. R. F. da Silva (Ed.), Quando a
Imprensa é Notícia (1a, pp. 129–136). Editôra Temário.
58
Teixeira da Mota, F. (2019, July 12). O Tribunal Europeu e o discurso de ódio. Público.
https://www.publico.pt/2019/07/12/sociedade/opiniao/tribunal-europeu-discurso-
odio-1879595
Teixeira da Mota, F. (2021, January 15). Trump e a liberdade de expressão. Público.
https://www.publico.pt/2021/01/15/opiniao/noticia/trump-liberdade-expressao-
1946286
Titley, G., Keen, E., & Földi, L. (2014). Starting Points for Combating Hate Speech
Online. Council of Europe. https://edoc.coe.int/en/fundamental-freedoms/6478-
starting-points-for-combating-hate-speech-online.html
Torres da Silva, M. (2019). Literacia dos média e discurso de ódio. In M. J. Brites, I.
Amaral, & M. Torres da Silva (Eds.), Literacias cívicas e críticas: refletir e praticar
(pp. 31–42). CECS - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade.
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. (2020). Factsheet – Hate speech.
https://www.echr.coe.int/Documents/FS_Hate_speech_ENG.pdf
Tsesis, A. (2009). Dignity and Speech: The Regulation of Hate Speech in a Democracy.
Wake Forest Law Review, 44, 497–532.
Udoh-Oshin, G. (2017). Hate Speech on the Internet : Crime or Free Speech ? Long
Island University.
Velenchuk, T. (2019). Freedom of expression, a comparative law perspective - The
United States. Comparative Law Library Unit - European Parliamentary Research
Service. https://doi.org/10.2861/959864
Viana, J. L., Maia, C. M., & Albuquerque, P. G. B. de. (2017). O CYBERBULLYING E
OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Revista Brasileira de Políticas
Públicas, 7(3), 294–312. https://doi.org/10.5102/rbpp.v7i3.4915
Warner, W., & Hirschberg, J. (2012). Detecting hate speech on the world wide web. LSM
2012 Workshop on Language in Social Media, 19–26.
http://dl.acm.org/citation.cfm?id=2390374.2390377
59
Legislação Consultada
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
Código Penal Português
Constituição da República Portuguesa
Convenção Europeia dos Direitos Humanos
Declaração Universal Dos Direitos Humanos
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos