estudo de caso i municipio de velho vento uma crise iminente

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Estudo de caso I: Município de Velho Vento: Uma Crise Iminente? ocalizado a 500Km da capital do Estado, o município de Velhos Ventos possui uma população com 50.000 habitantes. Situa-se em uma região de população majoritariamente rural, onde a principal atividade econômica é a agropecuária. Dista cerca de 60 quilômetros da cidade de maior porte, que exerce uma função de polo econômico na região, da qual fazem parte outros 16 municípios. Na área da saúde, a gestão municipal implantou, desde 2002, o Programa Saúde da Família, que dispõe atualmente de 100% de cobertura, contando há 4 anos com equipes de Saúde Bucal modalidade II em todas as Unidades de Atenção Primária; e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família, consorciado com o município vizinho, que conta com equipe interdisciplinar composta por 6 profissionais. Desconhece-se, por falta de diagnóstico preciso os programas da Vigilância em Saúde. Os investimentos priorizados nos últimos anos foram direcionados à melhoria da estrutura física das unidades básicas bem como à manutenção dos serviços ambulatoriais e de internação do único hospital da cidade, que conta com apenas 15 leitos ativos e serviços de apoio diagnóstico – laboratório e RX. Quase totalidade do recurso disponível tem sido consumido por este serviço bem como pelo custeio de consultas e exames especializados disponibilizados pelo consórcio regional. Tem sido crescente a demanda por estes procedimentos por parte dos 5 médicos do Programa Saúde da Família. Até mesmo os recursos advindos do Programa Saúde em Casa bem como do Fundo Nacional de Saúde têm sido prioritariamente destinados à contratação de profissional ginecologista e pediatra, para compor a carteira de serviços de atenção básica local, bem como à aquisição de insumos (luvas, algodão, álcool, etc.) para as unidades de média complexidade, inclusive para o hospital municipal cujo custeio tem se tornado cada dia mais difícil. Relatório recente da Secretaria Estadual de Saúde demonstrou taxa de mortalidade infantil persistentemente alta, acompanhada de altos percentuais de internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial – 47% -; baixas coberturas vacinais; de exames preventivos (papanicolau) e de 7 ou mais consultas de pré-natal. Um grande problema no desenvolvimento do serviço, em que pese a uma remuneração superior à média do mercado, é a rotatividade de profissionais, particularmente os médicos. L

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Estudo de Caso

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Page 1: Estudo de Caso I Municipio de Velho Vento Uma Crise Iminente

Estudo de caso I: Município de Velho Vento: Uma Crise Iminente?

ocalizado a 500Km da capital do Estado, o município de Velhos Ventos possui uma população com 50.000 habitantes. Situa-se em uma região de população

majoritariamente rural, onde a principal atividade econômica é a agropecuária. Dista cerca de 60 quilômetros da cidade de maior porte, que exerce uma função de polo econômico na região, da qual fazem parte outros 16 municípios.

Na área da saúde, a gestão municipal implantou, desde 2002, o Programa Saúde da Família, que dispõe atualmente de 100% de cobertura, contando há 4 anos com equipes de Saúde Bucal modalidade II em todas as Unidades de Atenção Primária; e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família, consorciado com o município vizinho, que conta com equipe interdisciplinar composta por 6 profissionais. Desconhece-se, por falta de diagnóstico preciso os programas da Vigilância em Saúde.

Os investimentos priorizados nos últimos anos foram direcionados à melhoria da estrutura física das unidades básicas bem como à manutenção dos serviços ambulatoriais e de internação do único hospital da cidade, que conta com apenas 15 leitos ativos e serviços de apoio diagnóstico – laboratório e RX. Quase totalidade do recurso disponível tem sido consumido por este serviço bem como pelo custeio de consultas e exames especializados disponibilizados pelo consórcio regional. Tem sido crescente a demanda por estes procedimentos por parte dos 5 médicos do Programa Saúde da Família. Até mesmo os recursos advindos do Programa Saúde em Casa bem como do Fundo Nacional de Saúde têm sido prioritariamente destinados à contratação de profissional ginecologista e pediatra, para compor a carteira de serviços de atenção básica local, bem como à aquisição de insumos (luvas, algodão, álcool, etc.) para as unidades de média complexidade, inclusive para o hospital municipal cujo custeio tem se tornado cada dia mais difícil.

Relatório recente da Secretaria Estadual de Saúde demonstrou taxa de mortalidade infantil persistentemente alta, acompanhada de altos percentuais de internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial – 47% -; baixas coberturas vacinais; de exames preventivos (papanicolau) e de 7 ou mais consultas de pré-natal. Um grande problema no desenvolvimento do serviço, em que pese a uma remuneração superior à média do mercado, é a rotatividade de profissionais, particularmente os médicos.

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Na comunidade rural de Rio Bravo reside a família do Sr Manoel, Dona Eva, e seus 4 filhos. O acesso á área urbana é difícil como também o contato com a vizinhança. A família mais próxima fica a 10 léguas, já quase próxima à escola da comunidade. Dona Eva é constantemente vítima de violência por parte do marido, Sr Manoel, alcoólatra e lavrador. Tem trabalhado pouco em decorrência das constantes dores lombares decorrentes de lesões adquiridas ao longo dos mais de 20 anos de atividade profissional na área rural para sustento da família. Recebe do governo benefício do Programa Bolsa Família, que nem sempre tem sido suficiente para aquisição dos itens básicos de alimentação. O filho mais velho do casal está internado no hospital regional há 2 semanas, com febre hemorrágica de origem desconhecida, aguardando vaga da central de leitos pra transferência a hospital especializado da capital. Já o filho do meio, de 16 anos, é quem dá continuidade ao trabalho do pai na atividade de tirador de leite para entrega na fazenda de Dona Helena, que produz doce caseiro para venda, todo o sábado, junto a feira da cidade. O gado tem produzido pouco em decorrência da seca e do adoecimento, até então de origem desconhecida, de 3 das 4 novilhas boas de leite, que dispõem para complementação da renda familiar. Dona Eva tem tido pouco tempo para as questões domésticas, pois seu quadro crônico de obesidade desdobrou-se no diagnóstico recente de diabetes tipo 1, obrigando-a a toda semana buscar atendimento médico no posto de saúde. Dr. Paulo, o médico da unidade, sempre aberto aos usuários da área de abrangência, já habituado com a família, é o responsável pela condução do caso do filho mais novo, que está em fase final do tratamento de Leishmaniose.

Ricardo, o Secretário Municipal de Saúde, conhece bem o caso da família pois constantemente tem buscado procedimentos especializados para atendimento às demandas de Dona Eva. A equipe da SMS conta com um profissional específico para este tipo de agendamento; dois coordenadores, sendo um de Atenção Primária e outro para as ações de Vigilância em Saúde; e equipe de nível médio dentre os quais se incluem digitadores e secretárias. Por ter uma equipe reduzida, Ricardo tem tido pouca preocupação com o planejamento de uma agenda de trabalho para a SMS. Sua prioridade inequívoca é a assistência, com ênfase à médico-especializada, conforme orientações do prefeito, que entende ser este o papel da saúde no município. Neste contexto, o Sistema de Informação em Saúde vem apresentado diversos problemas, o que tem impedido uma análise e compreensão detalhada do cenário epidemiológico local bem como a priorização de ações no território sanitário das 5 áreas de atuação das ESF. Os agentes de endemias conhecem de modo incipiente as prioridades dos programas estaduais, bem como os indicadores pactuados junto à PAVS, sendo direcionados por um servidor descentralizado

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da FUNASA que tenta coordenar toda a logística de insumos e equipamentos para o trabalho da equipe de 6 profissionais. A principal atividade desenvolvida pelo grupo de agentes de endemias tem sido a realização de exames parasitológicos na área rural e a vacinação antirrábico animal. Em decorrência da falta de investimentos, os equipamentos para as atividades mais comuns – balanças, microscópio, bicicletas, bombas costais, motocicletas, termômetros - demandam manutenção, o que implica em perdas consideráveis quanto aos resultados pretendidos. O único veículo disponível para a Vigilância em Saúde é destinado ao transporte de pacientes com consultas especializadas agendadas na cidade polo. As atividades de Vigilância Sanitária estão sob a responsabilidade de um profissional de nível médio que foi recentemente qualificado junto à equipe da VISA regional e que não dispõe de tempo para a elaboração do planejamento anual tendo em vista a sua rotina concorrente com a digitação do SISVAN. Não há espaço específico para o trabalho deste profissional, nem mesmo os insumos e equipamentos mínimos para atuação deste junto aos estabelecimentos e serviços de interesse à saúde no âmbito do território municipal. A legislação municipal não está atualizada e dificulta a atuação nesta área. As ações de saúde do trabalhador e de promoção da saúde estão em fase de implantação, e serão assumidas pela coordenação de VS, que se encontra sobrecarregada juntamente ao coordenador de APS em decorrência das avaliações do PMAQ. O trabalho tem sido conturbado e não tem havido tempo para o planejamento da Vigilância em Saúde como um todo. A grande preocupação do coordenador tem sido o cumprimento dos indicadores da PAVS e do Pacto e a constante falta de pessoal para o desenvolvimento das ações. Os encontros para M&A ocorrem somente ao momento da visita da equipe regional que com grande dificuldade reúne o grupo da VS local para discussão de seus resultados. O gestor municipal não tem estado envolvido neste momento e desconhece o bloco de vigilância em saúde municipal bem como os gastos empenhados na conta corrente onde são depositados os recursos para esta atividade. Solicitado a apresentar à auditoria a destinação dos recursos da VS, o mesmo acionou a contabilidade municipal que identificou acúmulo de crédito correspondente há mais de 6 meses de repasse e o empenho de despesas correspondente a combustível e lanches. A percepção da equipe regional é de que, como um todo, a equipe da VS local desconhece a importância das ações desta área no território municipal, sendo o cumprimento das mesmas assumido apenas cartorialmente perante o Estado e ao Ministério da Saúde. O grupo não entende bem o desdobramento das atividades que desenvolvem, tendo como foco prioritário o cumprimento dos pactos com um fim em si mesmos.

O Controle Social tem sido um grande parceiro da gestão municipal, pois aprova, sem problemas, todas as iniciativas demandadas pelo Secretário de

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Saúde. Na última reunião concordou com o Plano Municipal de Investimento do projeto de fortalecimento da Vigilância em Saúde bem como com a adesão ao elenco 3 das ações descritas neste grupo conforme resolução específica do governo estadual. De acordo com o secretário municipal, este era o elenco para o qual se pagaria um valor per capita maior, recurso este que seria investido na estruturação de um laboratório municipal para análise das amostras de água do município bem como de alimentos, fortalecendo a Vigilância Ambiental e Sanitária, respectivamente. O conselho tomou conhecimento ainda, por parte do gestor, recentemente notificado pela regional, da disponibilidade de recurso financeiro, há mais de 01 ano em conta, para construção de uma academia da cidade bem como à implementação de ações de cultura de paz e não violência. Sem dispor de uma agenda mais precisa, optou-se por trabalhar ações educativas por meio da produção de panfletos junto às escolas municipais bem como pela construção da academia em um dos bairros mais afastados do centro da cidade, onde reside o vereador João Prates.

Cada vez mais a gestão municipal tem sido forçada a utilizar o recurso disponível para a saúde com demandas assistenciais tendo em vista a incipiência de estruturação dos eixos de proteção, prevenção e promoção da saúde no sistema de saúde local. A cobertura destes serviços é precária, principalmente na área rural, favorecendo um prognóstico de médio e longo prazo bastante desfavorável.