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ESTUDO DE METODOLOGIA PARA CARACTERIZAÇÃO DE GASES PRODUZIDOS PELA FERMENTAÇÃO DURANTE O PROCESSO DE
FABRICAÇÃO DA CERVEJA
Lucas Gonçalves Ferreira*
Matheus Las Casas Cordeiro2
Daniel Dumont Marques3
Juliana Cristina Teixeira4
Vanessa de Oliveira Ferreira5
Vinicius Mateó e Melo6
Lucilaine Valéria de Souza Santos7
Leonardo Mitre8
RESUMO
Com o aumento do número de microcervejarias presentes no Brasil, a
quantidade de dióxido de carbono emitido na atmosfera por essas indústrias
torna-se cada vez mais expressiva. Sendo assim, há uma demanda cada vez
maior pelo desenvolvimento de métodos para o reaproveitamento desse gás
residual do processo fermentativo da cerveja. No entanto, para que essas
novas técnicas sejam criadas, faz-se necessária uma minuciosa caracterização
dos componentes desse efluente residual gasoso.
Para a metodologia de caracterização do gás, foram propostos métodos
específicos para a detecção de cada tipo de composto químico que se
esperava estar presente na amostra. Nesse sentido, utilizou-se o equipamento
Orsat para a detecção e quantificação de dióxido de carbono (CO2). Por fim,
utilizou-se a cromatografia a gás acoplada ao espectrômetro de massas (CG- *Estudante de Graduação Engenharia Química. Rua Maria Beatriz 73, Novo das Industrias. CEP:
30.610.670. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Telefone: (31) 99453-0214. E-mail: [email protected]; 2Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
[email protected]; 3Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
[email protected]; 4Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
[email protected]; 5Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
[email protected] 6Estudante de Graduação Engenharia Química. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
[email protected]; 7Química, Mestre e Doutora em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade
Federal de Minas Gerais. Professora de Análises Instrumental da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]; 8Engenheiro Químico e Mestre em Ciência e Tecnologia de Materiais pelo Centro de Desenvolvimento de
Tecnologia Nuclear. Coordenador do curso de Engenharia Química e professor da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]
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EM) a fim de identificar os demais componentes químicos presentes na
amostra. Esta última técnica confirmou a presença, em quantidades traço, de
H2S e de grandes quantidades de CO2, assim como era esperado, e revelou a
presença de etanol em quantidades significativas.
Dessa forma, o foco do presente estudo é o desenvolvimento de
metodologias para caracterizar gases provenientes da etapa de fermentação
da cerveja e identificar possíveis contaminantes que impediriam o
reaproveitamento do CO2 na indústria.
Palavras-Chave: Cervejarias, dióxido de carbono, H2S, analisador de
Orsat cromatografia a gás.
1. INTRODUÇÃO
A cerveja é uma das bebidas mais consumidas do mundo, sendo,
portanto, produzida em grandes quantidades. Além disso, a indústria cervejeira
é uma grande contribuinte da economia brasileira, sendo responsável por 1,6%
do PIB. Este valor se deve ao expressivo número de cervejarias presentes no
território brasileiro.
Diante disso, a quantidade de gases poluentes sendo emitidos
diretamente na atmosfera devido ao processo de fermentação alcoólica do
mosto da cerveja deve ser levada em consideração. Esse processo consiste na
conversão de açúcares presentes no malte em etanol e dióxido de carbono
(CO2), sendo esse gás um dos principais agentes causadores do efeito estufa.
O CO2 é utilizado em outras etapas no processo de fabricação da
cerveja, podendo-se citar como exemplo a fase de carbonatação da bebida e a
pressurização dos tanques de fermentação. Mas para que isso ocorra, há a
necessidade de o gás estar purificado ou com o mínimo de contaminantes
possível. Porém, pouco se conhece sobre a composição do gás de
fermentação, pois a decomposição das leveduras e a atuação delas sobre a
matéria prima leva à formação de compostos contaminantes, cuja composição
depende do tipo de matéria prima utilizada e do tipo de levedura, e que se
misturam ao CO2.
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Surge assim a necessidade de desenvolvimento de métodos mais
apropriados de descarte ou reutilização desse efluente na própria indústria
visando tanto uma melhoria no aspecto econômico da empresa quanto o seu
desenvolvimento sustentável.
O escopo do presente estudo abrange a análise de sulfeto de
hidrogênio (H2S), dimetilsulfeto (DMS), dióxido de carbono (CO2), oxigênio (O2),
bem como a identificação de outros compostos cuja presença não é conhecida
a priori.
Os métodos abordados neste estudo foram a análise de CO2 utilizando o
analisador de Orsat, e a análise qualitativa de outros compostos por
cromatografia a gás acoplada ao espectrômetro de massas (CG-EM).
2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Contextualização
Estima-se que o homem começou a utilizar bebidas fermentadas há 30
mil anos. Estudos indicam que a produção da cerveja teve seu início por volta
de 8000 a.C. Esta bebida foi desenvolvida paralelamente aos processos de
fermentação de cereais. Na antiguidade, difundiu-se lado a lado com as
culturas de milho, centeio e cevada, entre os povos da Suméria, Babilônia e
Egito. Também foi produzida por gregos e romanos durante o apogeu destas
civilizações (CITINO, 2011).
Por volta de 1600 a.C., a técnica de produção da cerveja feita pelos
sumérios foi aperfeiçoada pelos egípcios, que acreditavam em sua correlação
com suas divindades. A extrema relevância da bebida para essa civilização
pode ser ilustrada pela existência de hieróglifos referentes a atividades
relacionadas à sua produção e comercialização. Nesta época os egípcios
também utilizavam a bebida com intuitos medicinais para tratamento de
algumas doenças, de acordo com documentos encontrados por arqueólogos.
Segundo Teixeira (2016), na idade média, os monges tiveram papel
essencial na conservação e tradução dos manuscritos relacionados ao
processo de fabricação e, por este motivo, muitos deles aperfeiçoaram a
técnica de produção desenvolvida nos tempos antigos.
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Na Alemanha, Inglaterra, Bélgica e Tchecoslováquia, no período
compreendido entre os séculos XIV e XIX, foram desenvolvidas técnicas de
processos fermentativos que culminaram na produção de diversos tipos de
cervejas. Pode-se citar como exemplo as cervejas Pilsen, Lager e Ale.
2.1.2 Importância da Cerveja na Economia Nacional
O desenvolvimento técnico e científico da civilização levou à invenção de
novos instrumentos científicos e às melhorias no processo de produção da
cerveja, resultando no aprimoramento da bebida até os padrões observados
nos dias de hoje.
Desde então, a cerveja vem ganhando espaço no mercado mundial
como uma das bebidas mais consumidas no mundo. De acordo com o MAPA
(Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), o Brasil, no ano de 2017,
se tornou o terceiro maior produtor do mundo, tendo produzido 14,1 bilhões de
litros, perdendo apenas para a China e os Estados Unidos, e ficando na frente
de países como Alemanha e Bélgica, que são famosos por serem grandes
produtores da bebida.
Por ser um mercado que vem gerando muito capital, este ramo vem
crescendo não só na quantidade de grandes indústrias como também na
quantidade de pequenas cervejarias artesanais. Como pode ser visto na figura
1, entre os anos de 2002 e 2017, tem havido um aumento exponencial do
número de pequenas cervejarias no Brasil.
Figura 1- Gráfico Representativo do número de cervejarias no Brasil
Fonte: MAPA
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Também de acordo com o MAPA, este setor do mercado gerou 2,2
milhões de empregos. O valor das arrecadações, equivalente a 23 milhões de
reais por ano em impostos, correspondeu a 1,6% do PIB nacional.
Figura 2-Consumo Per capta de cerveja no Brasil
Fonte: Euromonitor
Apesar da grande produção de cerveja em território nacional, observa-se
que o consumo per capita fica abaixo dos grandes consumidores, de acordo
com os dados coletados pela empresa japonesa de bebidas Kirin (2015). De
acordo com CervBrasil (2015), no ano de 2015, observa-se que o consumo por
pessoa foi de 64,2 litros, muito abaixo do valor de consumo per capita de
países como República Tcheca (142,4 litros) e Alemanha (104,7 litros). Também
é possível visualizar, pela figura 2, o consumo de cerveja no Brasil por pessoa
entre os anos de 2010 e 2017, bem como a projeção para o ano de 2018.
2.2 Processo de Produção da Cerveja
Conforme Rebello (2009), o processo de produção de cerveja é
constituído por uma série de etapas que transformam o malte, água e lúpulo no
produto final. A descrição e a importância de cada uma dessas matérias
primas é descrita a seguir:
a) Malte: Grão de cevada que, por meio de condições de temperatura e
umidade controladas, é germinado. Dele, são obtidos os açúcares utilizados
na fermentação.
b) Água: Ingrediente principal. Geralmente de 4 a 5 litros de água são utilizados
na produção de 1 litro de cerveja. Para sua utilização, a água deve estar livre
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de contaminantes e deve conter concentrações de cálcio e magnésio
específicas (entre 200 e 350 ppm), pois estes elementos servem de
nutrientes para as leveduras. O pH ótimo da água é em torno de 5, pois as
enzimas presentes no grão de cevada atuam melhor neste intervalo.
c) Lúpulo: É um importante conservante da cerveja em razão do seu efeito
bacteriostático, mas principalmente possui funções flavorizantes e
aromatizantes, variando suas quantidades de acordo com a intensidade das
propriedades desejadas.
Na figura 3, pode-se identificar onde cada ingrediente citado acima é
utilizado durante a fabricação da bebida.
Uma das etapas mais importantes é a fermentação, que é um processo
anaeróbico de decomposição dos açúcares presentes no malte em etanol e
CO2, produzindo energia, no processo.
Figura 3 - Fluxograma do processo de produção de cerveja
Fonte: Cervejaria Dortmund
Este procedimento é realizado pela levedura Saccharomyces cerevisiae.
Essa espécie pode ser dividida em dois grupos: de alta e de baixa
fermentação. Esta classificação é observada no final do processo de
fermentação: se as leveduras flotam até a superfície, elas são de alta
fermentação e, se elas decantam, são de baixa de fermentação.
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2.2.1 Processo de Fabricação da Cerveja Segundo Debatin (2017) O processo de produção da cerveja inicia-se
com a seleção de seus ingredientes (água, malte, lúpulo e levedura ou
fermento), que passam por diversas etapas de preparação até o processo
fermentativo, uma das etapas cruciais na determinação da qualidade de uma
cerveja.
De acordo com Tozetto (2017), a fermentação alcoólica inicia-se quando
se adiciona a levedura ao mosto, que consiste em uma mistura ou “caldo” rico
em açúcares, provenientes do malte. A técnica consiste na conversão, pela
ação das leveduras e em condições anaeróbicas, da glicose em etanol, CO2 e
energia térmica. Na produção de cerveja, a levedura mais utilizada é a
Saccharomyces cerevisiae, que foi desenvolvida para que o processo de
fermentação ocorresse de forma uniforme, eficiente e rápida, no que se refere
à produção de etanol.
Sobre o crescimento de microrganismos, de acordo com Zainasheff
(2010), a etapa fermentativa tem início com a adaptação dos microrganismos
ao ambiente e com um crescimento populacional discreto, na presença de
oxigênio, caracterizando uma fase que é dominada pela metabolização de
nutrientes, denominada fase Lag. Posteriormente, o número de indivíduos
começa a aumentar exponencialmente, numa etapa denominada fase Log, e
percebe-se um intenso borbulhamento ocasionado pela liberação de CO2
proveniente da reação de fermentação. Devido à intensa atividade do fermento,
essa etapa é caracterizada pelo aumento de temperatura e grande liberação de
CO2, que empurra material particulado para a parte superior do fermentador,
formando flocos de leveduras. Na fase final, denominada fase estacionária, o
crescimento líquido dos microrganismos diminui a ponto de o número
populacional permanecer estagnado, indicando que os nutrientes estão se
tornando escassos, o que pode ser percebido pela redução do aparecimento
de bolhas e pela precipitação de quase toda a levedura.
Vários fatores podem afetar esse processo metabólico e,
consequentemente, o sabor da cerveja, incluindo a linhagem de levedura, a
temperatura e o pH do mosto, o tipo e a proporção de adjunto, o modelo de
fermentador e a concentração do mosto (OLIVEIRA, 2011).
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De acordo com Oliveira (2011), no princípio da fermentação, o oxigênio
no ambiente e no mosto é totalmente consumido para que haja crescimento da
população de leveduras e posteriormente ocorrer a produção de álcool. Logo,
depois de iniciada a reação de glicólise, deve-se evitar a entrada do gás
oxigênio no fermentador para se ter alto rendimento na produção do álcool
etílico e manter constante o número de leveduras.
De acordo com Vivian (2016), o pH ou a acidez deve ser corrigida
sempre na faixa de desenvolvimento da levedura que, no caso da
Saccharomyces cerevisiae, deve estar entre 4 e 5. A correção é feita com
bicarbonato de sódio ou hidróxido de sódio, para pH mais ácido, ou com ácido
cítrico, para pH mais alcalino.
Segundo Oliveira (2011), outro fator importante que deve ser ressaltado
é a temperatura, já que a reação de conversão do açúcar é exotérmica,
levando ao aumento da temperatura do sistema. Com isso, podem ocorrer
reações paralelas indesejadas e que, portanto, podem interferir na qualidade
final do produto.
Durante a fermentação, pode haver aparecimento de compostos que
conferem alteração de aroma e sabor da cerveja. Dentre eles, pode-se citar: O
H2S e o DMS.
2.3 Principais Gases Liberados na Fermentação da Cerveja
Além do álcool e do CO2, durante a fermentação, outros compostos são
formados em pequenas quantidades, mas com grande impacto no sabor e/ou
odor da cerveja. São produtos secundários do metabolismo da levedura, que
podem ter influência positiva ou negativa no aroma e sabor das cervejas. Os
subprodutos indesejáveis devem ser degradados ou eliminados durante a
maturação, etapa na qual ocorre a “lapidação” da cerveja (DEBATIN, 2017).
Dentre os subprodutos encontrados, segundo Kuck (2008), estão os compostos
como ácidos, álcoois alifáticos superiores, ésteres, diacetil, acetoína,
compostos com ligações de enxofre, etc.
O presente estudo irá abordar os seguintes gases produzidos durante a
fermentação: CO2 e os principais gases derivados do enxofre como H2S e
DMS, conforme indicado em Vivian (2016).
2.3.1 Sulfeto de Hidrogênio
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O H2S, em concentrações menores que 50 ppb, confere frescor à
cerveja. Porém, se essa concentração se tornar relativamente elevada, a
bebida passa a apresentar sabor e cheiro de ovo podre, o que é muito
característico desse gás. De acordo com Wuttke (2018), o H2S é produzido na
fermentação e possui concentração baixa, tornando-se um off flavor apenas em
concentrações elevadas. Sabe-se que esse gás pode originar-se, no processo
fermentativo, da contaminação do mosto por microrganismos que competem
com as leveduras pelo substrato. Além disso, as leveduras, eventualmente,
alimentam-se umas das outras, o que também acarreta na formação de H2S.
Conforme Mainier (2005), o HsS e os compostos reduzidos de enxofre
(CRE) possuem grande toxicidade, são corrosivos e causam danos ao meio
ambiente se dispostos de forma irregular, tais como a formação de chuva ácida
e efeitos nocivos à saúde do ser humano que entra em contato com esse gás,
podendo causar a paralisia do sistema nervoso por intoxicação. Ressalta-se
que o olfato humano pode detectar o gás sulfídrico em níveis de concentração
de 0,13 ppm (0,18 mg.m-3) (SCGHEIDER, 2012), mas torna-se insensível a
esse gás em concentrações relativamente elevadas e, portanto, com alto grau
de toxicidade.
O sulfeto de hidrogênio reage facilmente com sais de metais como
cobre, prata, ferro, chumbo, cádmio e níquel, formando precipitados pouco
solúveis. Tal característica auxilia na criação de métodos de quantificação.
Atualmente, a cromatografia a gás (CG) com detector de luminescência e a
técnica de formação de azul de metileno são os principais métodos para a
análise desse gás.
2.3.2 Dimetil Sulfeto
O DMS é derivado do enxofre, um componente volátil que confere um
sabor desagradável para a cerveja, sendo, portanto, desejável sua remoção
dos processos de produção da cerveja acima de certas concentrações.
Segundo Vivian (2016), A partir de 50 ppm o composto é perceptível
sensorialmente na bebida.
Na etapa de secagem do grão e na fervura do mosto encontra-se o DMS
na forma ativa. Durante a fervura também ocorre escurecimento do mosto
devido à ação de açúcares com aminas primárias (dos aminoácidos), formando
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pigmentos entre vermelho e marrom. Após a reação ocorrer, deve-se resfriar o
mosto rapidamente para evitar contaminação, oxidação e formação de DMS e,
então, remover o lúpulo e proteínas coaguladas em um processo conhecido
como clarificação (VIVIAN, 2016).
2.3.3 Dióxido de Carbono
Alguns autores reportam que as emissões de CO2 podem ser
responsáveis por aproximadamente 70% do efeito estufa, que é um fenômeno
atmosférico que possui direta relação com as alterações do clima terrestre.
Estima-se que mais de 20 bilhões de toneladas de CO2 são emitidos
anualmente a partir da queima de combustíveis fósseis. A magnitude dos ciclos
biológicos do carbono influenciado pelas atividades humanas sugere maiores
níveis de gerenciamento e mitigação das emissões deste composto para a
atmosfera (LOPES, 2007). Diante desses dados, é evidente a importância da
detecção e quantificação do CO2 emitido nos diversos processos industriais
para a devida adequação dos procedimentos aos parâmetros ambientalmente
corretos.
As principais etapas da produção da cerveja que envolvem a produção
de CO2 são: fermentação, maturação e carbonatação. Segundo Kuck (2008), a
fermentação é um processo anaeróbico, realizado pelas leveduras, onde há a
conversão de carboidratos em etanol e CO2. A maturação é um repouso
prolongado da cerveja, onde os seguintes processos ocorrem: fermentação
secundária, saturação com CO2, clarificação e amadurecimento dos
componentes de sabor e aroma (KUCK, 2008). A carbonatação é a injeção de
CO2 na cerveja para aumentar a formação de bolhas na bebida.
Além das etapas citadas, o CO2 é necessário em outros pontos do
processo de produção de cerveja (tabela 1).
Tabela 1- Uso de Dióxido de Carbono em cervejarias
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Fonte: Kunze (1996)
3 METODOLOGIA
3.1 Amostragem
A amostragem foi realizada mediante a utilização de uma montagem
envolvendo seringas convencionais, com volume de 20 ml, que foram
conectadas ao ponto de amostragem do tanque de fermentação por meio de
uma mangueira de poliuretano e de uma válvula de três vias, conforme a figura
4. A extração da amostra do interior do tanque para o interior da seringa
ocorreu naturalmente por ação de um gradiente de pressão entre o interior do
tanque e da seringa.
Uma vez coletada a amostra, isolou-se o interior da seringa do meio
externo com o auxílio da válvula de três vias, conectas à saída do recipiente.
Além disso, as seringas contendo a amostra foram mantidas em condições
controladas de temperatura no período anterior à análise, visando evitar
qualquer modificação nas amostras que seja proveniente de variações de
temperatura. Para tanto, utilizou-se uma caixa de isolada termicamente para
este fim.
Figura 4- Montagem para procedimento de amostragem
Fonte: Autoria Própria
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3.2 Analisador de Orsat
O sistema de análise do equipamento consiste em uma bureta graduada
para medição de volumes e três pipetas de absorção, cada uma contendo uma
solução especializada na absorção de um gás diferente (PEREIRA, 2011).
Cada uma dessas vidrarias possui uma válvula de três vias, que possibilita ao
operador direcionar o gás injetado no sistema até a pipeta desejada,
promovendo a absorção de um ou mais constituintes da amostra. As reduções
de volume da amostra resultantes da absorção são medidas na bureta e são
equivalentes a quantidade de gás que foi absorvido pela solução.
A figura 5 representa a estrutura de um tipo desse equipamento. Pode-
se observar, à direita na imagem, a bureta de medição do volume, e, à
esquerda, as três pipetas de absorção. Nota-se também que essas vidrarias se
encontram conectadas umas às outras, sendo função do analista a regulação
das válvulas para estabelecimento de um caminho para a amostra.
Além das vidrarias anteriormente citadas, outras estruturas adicionais
também estão presentes no equipamento para seu melhor funcionamento.
Uma bolsa de expansão de três compartimentos é conectada às pipetas de
absorção a fim de evitar a saturação das soluções absorventes em contato com
o ar. Similarmente, o fundo da bureta é conectado a um frasco de nivelamento,
preenchido por uma solução de ácido sulfúrico, de forma a evitar a
solubilização da amostra nesse sistema. Esse frasco é utilizado para regulação
do volume de solução presente na bureta, visto que os ajustes na altura desse
recipiente regulam o volume dos gases em seu interior, devido às variações de
pressão ocasionadas.
Figura 5: Esquema representativo do analisador de Orsat
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Fonte: Manual Orsat Energética OST-2
3.2.1 Preparo das Soluções Inseridas no Equipamento
a) Pipeta de absorção de CO2
Dissolução de 45g de cristais de KOH em 150 mL de destilada.
b) Solução Bureta (Solução confinante)
Dissolução de 2mL de ácido sulfúrico concentrado em 250mL de solução
de cloreto saturado e 10 gotas de vermelho de metila.
3.2.2 Operação no Analisador
Para o uso do Orsat, é preciso remover todo o ar contido nas pipetas
através dos balões que estão acoplados nelas. Após a retirada do ar, a pipeta 1
é preenchida pela metade com a solução preparadas de hidróxido de potássio,
e a válvula presente na pipeta é fechadas. Após a adição da solução a pipeta, é
colocada a solução confinante na bureta em quantidade suficiente para que ela
possa sofrer um deslocamento de volume quando o gás passar por ela.
Após a pipeta e a bureta estarem cheias com suas respectivas soluções,
é injetado o gás no sistema. Ao passar pelos tubos, ele encontrará as válvulas
das pipetas fechadas, indo, portanto, direto para a solução confinante. Isso
provocará uma alteração de volume na bureta. Com essa alteração de volume
é possível calcular o volume de gás (Volume do líquido após a introdução do
gás no sistema – Volume do líquido antes de se colocar o gás). E com o valor
do volume é possível calcular o número de mols total da amostra de gás sendo
analisada, que será de grande importância para os cálculos futuros da fração
molar de CO2 presente na amostra.
Após verificar o volume que o gás deslocou no líquido, é aberta a válvula
da pipeta 01. Após a abertura, o gás irá passar pela solução de hidróxido de
potássio, e a solução absorverá o CO2 presente na amostra e,
consequentemente, o volume na bureta será alterado. Com este novo volume é
possível calcular a quantidade de CO2 contido na amostra utilizando a equação
de Van der Waals (equação 1). Após a verificação do novo volume, a válvula da
pipeta é fechada.
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Figura 6- Analisador de Orsat
Fonte: Autoria própria
3.2.3 Cálculos
Para este caso, uma equação que apresenta uma boa aproximação,
gerando poucos erros no resultado é a equação de Van der Waals.
……………………………………………….. (1)
Onde:
P = Pressão (pressão atmosférica);
a e b representam as forças de repulsão e atração, respectivamente;
V = Volume de gás;
R = Constante dos gases;
T= Temperatura;
Com a equação é possível calcular o número de mols total e o número
de mols de cada espécie.
A partir desses valores, calcula – se a fração molar de CO2 :
…………………………………………. (2)
De posse dos valores de fração molar é possível calcular os percentuais
dos gases analisados de forma a concluir essa análise.
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3.3 Metodologia para análise dos componentes utilizando GC-EM
A amostra inicialmente é transferida através de duas válvulas de 3 vias
para a seringa gás-tight, com a qual se introduz a amostra no equipamento. A
coluna utilizada, modelo SH-Rtx-5MS, possui 30 metros de comprimento e 25
mm de diâmetro.
Os parâmetros termodinâmicos utilizados no GC foram:
a) Temperatura da coluna: 35 ºC;
b) Temperatura do injetor: 110 ºC;
c) Pressão: 25 kPa;
d) Fluxo total: 9,5 mL/min;
e) Fluxo da Coluna: 0,72 mL/min;
f) Velocidade linear: 30,5 cm/s;
g) Fluxo de purga: 3,0 mL/min.
Figura 7 - GC-EM
Fonte: Autoria Própria
Os parâmetros termodinâmicos utilizados no EM foram:
a) Temperatura da fonte de íons: 240 ºC;
b) Temperatura da interface: 240 ºC;
c) Não foi utilizado Solvent Cut Time.
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4 RESULTADOS
4.1 Resultado da Amostragem
Dado que os resultados provenientes de testes de estanqueidade das
seringas convencionais adaptadas com válvulas de três vias mostraram-se
positivos, assumiu-se que as seringas adaptadas apresentaram
comportamento satisfatório no que se refere ao acondicionamento das
amostras em um período inferior a 48 horas, uma vez isoladas termicamente
do meio externo com o auxílio de um recipiente térmico adequado. Ressalta-se,
contudo, a importância da validação do método mediante a realização
sistemática de testes analíticos das amostras acondicionadas nas seringas,
dada a possibilidade de perdas de amostra pelos poros do recipiente,
indetectáveis pelos métodos convencionais de estanqueidade, e/ou mesmo por
adsorção em suas paredes.
4.2 Resultado da Análise de CO2
A análise foi feita em Belo Horizonte, onde a pressão atmosférica
equivale a 0,89 atm e a temperatura, medida no dia, foi de 20°C. Os
parâmetros de Van der Waals para o CO2, foram a= 3,61 atm L2 (mol2) e b=
0,04286 L/mol. A constante universal dos gases utilizada foi igual a 0,082 L
atm/ mol K, O número de mols total é igual 0,538 mol.
Os resultados das medições e dos cálculos estão apresentados na
tabela 2.
Tabela 2- Resultados Analisador de Orsat
Fonte: Autoria Própria
Pela análise dos resultados, percebe-se que o analisador de Orsat não
possui a sensibilidade necessária para detecção precisa de CO2. O resultado
obtido apresenta 100% da composição do gás como CO2, mas, como pôde-se
observar na seção 4.3, a amostra possui outros componentes.
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4.3 Resultado da Análise dos Componentes
A partir do CG-EM foram gerados os cromatogramas e espectros
representados pelas figuras 8, 9, 10 e 11. Foram detectados pela análise CO2,
H2S e etanol.
As figuras 8, 9 e 10 mostram o pico gerado em comparação com o pico
identificado pela biblioteca NIST.
Figura 8 - Pico do espectro de massa referente ao CO2
Fonte: Autoria própria
Figura 9 - Pico do espectro de massa referente ao Etanol
Fonte: Autoria própria
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Figura 10 - Pico do espectro de massa referente ao H2S
Fonte: Autoria própria
A figura 11 mostra o cromatograma gerado e as quantidades relativas. O
H2S e o etanol são representados pelas linhas identificadas como data 3 e data
1 respectivamente. O dióxido de carbono é representado como data 2, pico
grande, evidenciando que a amostra é composta por esta substância de forma
majoritária.
Figura 11 - Cromatograma
Fonte: Autoria própria
O método de caracterização apresentou quantidades relativas
consistentes com o esperado de um gás de fermentação, porém não identificou
outros compostos desejados como, por exemplo, o DMS, necessitando, assim
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de uma análise complementar para uma caracterização mais completa do
efluente gasoso. Desta forma, o método se mostrou eficaz, dentro das
condições estabelecidas, para identificação de CO2, H2S e etanol.
5 CONCLUSÃO
A partir dos estudos realizados e dos dados experimentais obtidos,
conclui-se que o método de quantificação de CO2 proposto não possui a
sensibilidade necessária para a análise em questão. Além disso, através de
análise no CG-EM, detectou-se nas amostras a presença de etanol e H2S,
contaminantes que impedem a reutilização do gás carbônico em outras etapas
do processo de produção da cerveja.
Para viabilização de desenvolvimento de métodos de purificação desse
gás, ainda existe a necessidade de se quantificar as impurezas detectadas
pelas análises. Nesse sentido, sugere-se a exploração e aprofundamento do
método, além da proposta de novas maneiras de análise de CO2 e etanol nas
amostras.
Como resultado significativamente positivo ressalta-se a adaptação do
processo de coleta de gases da fermentação empregando materiais facilmente
disponíveis e de baixo custo, tornando-o acessível a cervejarias de qualquer
porte que deseje conhecer a composição específica de cada lote ou batelada
produzida e, à partir destas análises inferir sobre a qualidade de seus produtos,
bem como podendo-se aprimorar os processos produtivos, de controle de
matérias primas, bem como reduzindo-se o descarte de materiais nocivos ao
meio ambiente.
6 REFERÊNCIAS
CERVBRASIL- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CERVEJA.
CervBrasil Lança Anuário de 2015. Disponível em
<http://www.cervbrasil.org.br/paginas/index.php?page=anuario-2015> Acesso
em 28 Maio de 2018.
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