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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARFACULDADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE PATOLOGIA E MEDICINA LEGALPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PATOLOGIA
HELIO ANGELO DONADI
ESTUDO HISTOPATOLGICO DA ESTEATOSE E ESTEATOHEPATITE NO ALCOLICA NA HEPATITE
CRNICA PELO VRUS C SEM TRATAMENTO PRVIO
FORTALEZA2006
HELIO ANGELO DONADI
ESTUDO HISTOPATOLGICO DA ESTEATOSE E ESTEATOHEPATITE NO ALCOLICA NA HEPATITE
CRNICA PELO VRUS C SEM TRATAMENTO PRVIO
Dissertao apresentada coordenao do curso de Ps-Graduao em Patologia da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para obteno do grau de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Jos Telmo Valena Junior
FORTALEZA2006
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3
A Deus, minha amada me Maria Garve
Donadi (em memria), minha esposa, aos meus
filhos, ao crescimento e desenvolvimento da
cincia.
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AGRADECIMENTOS
A meu orientador Prof. Dr. Jos Telmo Valena Junior, pelo apoio, incentivo, ensinamentos, confiana e dedicao dispensados a mim no transcorrer da realizao deste trabalho.
minha amada esposa Maria Ocilma Reis Cavalcante, pelo apoio, companheirismo, compreenso e incentivo em todos os momentos.
prof. Rosa Maria Salani Mota responsvel por toda a anlise estatstica dos resultados do trabalho.
s amigas Cristianne Sousa Bezerra e Emanuela Lima Bezerra, pelo apoio, companheirismo, dedicao, ensinamentos na realizao do trabalho.
Aos professores do curso de ps-graduao em Patologia, por todos os ensinamentos.
Aos funcionrios do departamento de Patologia: Margareth Gonalves Maia, Paula da Paz Palcio, Francisco Jos Oliveira de Queiroz.
Universidade Federal do Cear, notadamente o Departamento de Patologia e Medicina Legal, pelo empenho em manter com qualidade seu curso de ps-graduao em Patologia.
A todos os pacientes que, compreenderam a importncia desta pesquisa e, prontamente, dispuseram-se a participar.
A todos que, em maior ou menor intensidade, colaboraram para a realizao deste trabalho.
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RESUMO
O vrus da hepatite C (VHC) e a esteatose so importantes causas de doena heptica crnica
no mundo. Apesar de comum, a fisiopatologia da esteatose, e seu papel na progresso da
fibrose em pacientes com VHC, permanece desconhecida. O objetivo deste trabalho foi
quantificar esteatose macrovesicular e microvesicular e correlacion-las com dados clnicos e
histopatolgicos. O estudo analisou bipsias hepticas de pacientes portadores do VHC sem
tratamento prvio. A fibrose e atividade necroinflamatria foram avaliadas segundo os
escores de METAVIR e Ishak; as classificaes de Kleiner e Brunt foram utilizadas como
suporte para o diagnstico de esteatohepatite realizado pelo patologista. Ademais, o nmero
de hepatcitos com esteatose macrovesicular e esteatose microvesicular foram quantificados a
partir do nmero total de hepatcitos. A fibrose e atividade necroinflamatria foram
classificadas e semi-quantificadas. Foi encontrada associao significante da fibrose avaliada
pelo sistema de Ishak entre a esteatose macrogoticular e microgoticular (p= 0,017 e p=
0,0113, respectivamente). A atividade inflamatria global (classificao Metavir ) apresentou
correlao linear com a piora da fibrose (< 0,001). A fibrose avaliada pelo sistema de Metavir
se correlacionou com o IMC. A presena de VHC associado esteatohepatite apresentou
correlao significante com as mdias das AST/ALT, e com a fibrose de Ishak e Metavir,
quando comparado aos dados dos pacientes com VHC, sem esteatohepatite (p = 0,006; p =
0,012; p = 0,0098 e p = 0,014, respectivamente). Em nosso trabalho, conclumos que a
fibrose de Ishak esteve associado a esteatose macrogoticular e microgoticular. Igualmente, se
demonstrou que a presena da esteatohepatite esteve fortemente associado a fibrose.
Palavras-chaves: Vrus da hepatite C. Esteatohepatite. Fibrose. METAVIR.
6
ABSTRACT
The hepatitis C virus (HCV) and steatosis are important causes of chronic hepatic disease in
the world. Although common, the pathofisiology of steatosis and its role in the progression of
fibrosis in patients with HCV is uncertain. Our objective was to quantify the macrovacuolar
and microvesicular steatosis and to correlate them with clinical and histophatologic data. The
study included needle biopsy of the liver of patients with HCV without previous treatment.
The fibrosis and necroinflammatory activity of hepatic damage by HCV were evaluated by
METAVIR and Ishaks scores; Kleiners and Brunts classification were used as a support for
diagnosis of the steatohepatitis by the pathologist. Furthermore, the number of hepatocytes
with the macrovacuolar and microvesicular steatosis was quantified in a total number of
hepatocytes. Fibrosis and necroinflammatory activity were categorized and semi quantified.
A significant association of the fibrosis was found and it was evaluated by the Ishak system
between the macrogoticular and the microgoticular steatosis (p=0,017 e p= 0,0113,
respectively). The global inflammatory activity (Metavir classification) has presented a linear
correlation with the worsening of the fibrosis (< 0,001). The fibrosis which was evaluated by
the Metavir system has been correlated with the BMI. The presence of HCV associated with
the steatohepatitis has presented a significant correlation with the average of AST/ALT and
with the Ishak and Metavir fibrosis, when compared to the data of the patients with HCV,
without steatohepatitis (p= 0,006; p= 0,012; p= 0,0098 and p= 0,014, respectively) In our
research we conclude that the Ishak fibrosis has been associated with the macrogoticular and
microgoticular steatosis. Equally, it was demonstrated that the presence of the steatohepatitis
was strongly associated to the fibrosis.
Key words: Hepatitis C virus. Steatohepatitis. Fibrosis. METAVIR.
7
LISTA DE FIGURAS
1 - Estrutura do vrus da hepatite C .................................................................................... 15
2 - Representao diagramtica da estrutura genmica do vrus da hepatite C..................................................................................................................................... 16
3 - Prevalncia do sexo e faixa etria na hepatite crnica pelo vrus C, baseado em estudo retrospectivo com 3,9 milhes de pessoas ......................................................... 17
4 - Distribuio dos gentipos do VHC no Brasil .............................................................. 18
5 - Algoritmo para confirmao diagnstica da hepatite C ................................................ 22
6 - Diagrama representativo do curso da doena como resultado da infeco pelo VHC............................................................................................................................... 23
7 - Seqncia dos marcadores sorolgicos da hepatite viral pela vrus C. Em A mostra-se a infeco aguda com resoluo e em B a progresso da infeco crnica recidivante ..................................................................................................................... 24
8 - Representao diagramtica das caractersticas morfolgicas da hepatite aguda (A); em B mostra-se a destruio da estrutura lobular, clulas inflamatrias e apoptose hepatocelular (seta) ....................................................................................................... 25
9 - Representao diagramtica das caractersticas morfolgicas da hepatite C crnica (A); em B mostra-se a expanso do trato portal com clulas inflamatrias e tecido fibroso, e hepatite de interface com derramamento de inflamao para dentro do parnquima adjacente. Um agregado de linfcitos est presente .................................. 26
10 - Grfico apresentando associao entre consumo de lcool e estgio da fibrose .......... 33
11 - Populao estudada distribuda segundo sexo e faixa etria dos pacientes (n=32) ...... 48
12 - Grfico mostrando a relao entre faixa etria e IMC .................................................. 49
13 - Bipsias coradas por hematoxilina-eosina, evidenciando esteatose (400x). (A) Esteatose macrogoticular (seta). (B) Esteatose microgoticular (seta) ........................... 51
14 - Comparao entre os nveis de esteatose macrogoticular e microgoticular apresentados nas lminas de bipsia analisadas ............................................................ 51
15 - Padres de fibrose, evidenciados pela colorao Tricrmico de Masson. (A) Fibrose perissinusoidal, apresentada pela seta (200x). (B) Fibrose portal em septos grossos (100x) ............................................................................................................................ 54
16 - Distribuio dos pacientes estudados segundo o sexo e escore da fibrose Metavir ..... 54
17 - Indicador de atividade inflamatria, corados por hematoxilina-eosina, com aumento 56
8
de 400x. (A) Atividade periportal. (B) Atividade lobular, mostrando hepatlise (seta)
18 - Correlao linear de Spearman entre os escores da fibrose Metavir e a atividade global Metavir ............................................................................................................... 56
19 - Bipsias mostrando balonizao hepatocelular e deposio de ferro. (A) Colorao de hematoxilina-eosina, evidenciando balonizao hepatocelular moderada (200x). (B) Colorao de Perls, com aumento de 200x, mostrando sobrecarga de ferro (seta)............................................................................................................................... 58
9
LISTA DE TABELAS
1 - Comparao dos nveis de esteatose macrogoticular e microgoticular em relao mdia da idade .............................................................................................................. 52
2 - Relao entre IMC e consumo de lcool dos pacientes e nveis de esteatose macrogoticular e microgoticular ................................................................................... 53
3- Distribuio dos pacientes avaliados segundo o escore da fibrose Metavir correlacionado com sexo, IMC, consumo de lcool, esteatose macrogoticular e esteatose microgoticular ................................................................................................ 55
4- Distribuio da fibrose, avaliada pelo sistema de Ishak, entre as variveis ingesto de lcool, IMC e percentual de hepatcitos com esteatose micro e macrogoticular.......... 57
5 - Relao da mdia das idades dos pacientes portadores de hepatite pelo vrus C e distribuio por sexo, segundo Leandro et al. (2006) ................................................... 60
10
LISTA DE QUADROS
1 - Classificao das esteatoses macrogoticular e microgoticular quanto ao percentual de hepatcitos alterados ................................................................................................ 41
2 - Classificao da fibrose por Ishak (1995) e Metavir (1994), a partir da anlise de bipsia heptica ............................................................................................................. 42
3 - Classificao da bipsia heptica de acordo com atividade inflamatria, balonizao, quantidade de ferro e infiltrado inflamatrio ................................................................ 43
4 - Classificao da bipsia heptica de acordo com fibroses perivenular e perissinusoidal difusa .................................................................................................... 43
5 - Classificao da bipsia heptica de acordo com a anlise histolgica ........................ 45
6 - Classificao do grau de esteatohepatite segundo Brunt e colaboradores (1999) ........ 46
7 - Distribuio dos indivduos estudados segundo sexo, idade, gentipo viral, IMC e ingesto de lcool........................................................................................................... 50
8 - Resultado da leitura das lminas de bipsia, segundo anlise de atividade periportal, atividade lobular, balonizao e deposio de ferro...................................................... 59
11
LISTA DE ABREVIATURAS
ALT Alanina aminotransferase
AST Aspartato aminotransferase
DHGNA Doena heptica gordurosa no-alcolica
DNA cido desoxirribonuclico
ELISA Ensaio imunoenzimtico
EHNA Esteatohepatite no alcolica
ep Erro padro
CHC Carcinoma hepatocelular
HE Hematoxilina-eosina
HIV Vrus da imunodeficincia humana
HUWC Hospital Universitrio Walter Cantdio
IMC ndice de massa corprea
PCR Reao da polimerase em cadeia
PEG-IFN Interferon peguilado
RNA cido ribonuclico
SPSS Statistical Package for the Social Sciences
TGF- Fator de transformao de crescimento beta
TH1 Linfcito T auxiliar tipo 1
TH2 Linfcito T auxiliar tipo 2
VHA Vrus da hepatite A
VHB Vrus da hepatite B
VHC Vrus da hepatite C
SUMRIO
12
1 INTRODUO
1.1 Hepatite C ................................................................................................................. 14
1.1.1 Aspectos gerais .......................................................................................................... 14
1.1.2 Classificao ............................................................................................................. 15
1.1.3 Morfologia e estrutura .............................................................................................. 16
1.1.4 Epidemiologia ........................................................................................................... 16
1.1.5 Transmisso .............................................................................................................. 18
1.1.6 Diagnstico ............................................................................................................... 19
1.1.7 Patognese ................................................................................................................ 22
1.1.8 Aspectos clnicos e patolgicos ................................................................................ 23
1.1.8.1 Infeco aguda e crnica .......................................................................................... 24
1.1.8.2 Morfologia da hepatite C aguda ............................................................................... 25
1.1.8.3 Morfologia da hepatite C crnica ............................................................................. 26
1.2 Esteatose ................................................................................................................... 27
1.3 Esteatohepatite ............................................................................................................28
1.3.1 Esteatohepatite no-alcolica e vrus da hepatite C ................................................... 29
1.4 Fibrognese ............................................................................................................... 30
1.4.1 Fatores associados fibrose ...................................................................................... 32
1.4.2 Idade .......................................................................................................................... 32
1.4.3 Sexo ........................................................................................................................... 33
1.4.4 lcool ........................................................................................................................ 33
1.4.5 Sistema imune ........................................................................................................... 34
1.4.6 Fator viral .................................................................................................................. 34
1.4.7 Ferro .......................................................................................................................... 35
1.4.8 Outros fatores associados fibrose ............................................................................ 35
1.5 Importncia do Estudo ................................................................................................35
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral ............................................................................................................ 37
2.2 Objetivos especficos.................................................................................................. 37
13
3 METODOLOGIA
3.1 Desenho do estudo .................................................................................................... 38
3.1.1 Local da pesquisa ...................................................................................................... 38
3.1.2 Critrios de incluso ................................................................................................. 38
3.1.3 Critrios de excluso ................................................................................................. 38
3.2 Coleta de dados ......................................................................................................... 39
3.3 Avaliao histolgica ................................................................................................ 39
3.3.1 Bipsia ...................................................................................................................... 39
3.3.2 Tcnica de montagem das lminas ........................................................................... 40
3.3.3 Critrios para avaliao histopatolgica ................................................................... 40
3.3.4 Morfologia ................................................................................................................. 44
3.3.5 Esteatohepatite ............................................................................................................45
3.4 Anlise estatstica ...................................................................................................... 47
3.5 Consideraes ticas ................................................................................................. 47
4 RESULTADOS
4.1 Anlise clnico-epidemiolgica ................................................................................ 48
4.2 Anlise histopatolgica ............................................................................................. 50
5 DISCUSSO
5.1 Idade e sexo ............................................................................................................... 60
5.2 Fibrose e esteatose ..................................................................................................... 61
5.3 Indicador de atividade inflamatria .......................................................................... 63
5.4 ndice de massa corprea............................................................................................ 64
5.5 lcool ........................................................................................................................ 65
5.6 Ferro .......................................................................................................................... 65
5.7 Fibrose perissinusoidal e perivenular ......................................................................... 66
5.8 Esteatohepatite ............................................................................................................66
6 CONCLUSES ........................................................................................................ 70
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................... 71
ANEXOS ................................................................................................................... 83
1 INTRODUO
14
1.1 Hepatite C
1.1.1 Aspectos gerais
A suspeita de existncia do VHC surgiu nos anos 70, quando foram relatados
vrios casos de indivduos infectados com um agente infeccioso diferente do vrus da hepatite
A (VHA) e do vrus da hepatite B (VHB), que causava hepatite crnica e era freqentemente
transmitido por sangue e derivados (ALTER et al., 1975; PRINCE et al., 1974).
Embora, por muito tempo, se soubesse da existncia de uma hepatite de
transmisso parenteral, ento conhecida como hepatite no-A no-B (NANBH), em funo de
apresentar resultado negativo para os marcadores das hepatites A e B, somente na dcada de
80 chegou-se identificao de outro agente etiolgico. Choo e colaboradores (1989)
isolaram do plasma de um chipanz inoculado com soro de paciente com NANBH, um cDNA
derivado de molcula de RNA de fita simples contendo aproximadamente 10.000
nucleotdeos, e que foi denominado vrus da hepatite C (VHC). A partir da descoberta, as
pesquisas aumentaram em decorrncia de o VHC ser o principal responsvel pelas hepatites
ps-transfusionais no-A no B (CHOO et al., 1989).
Uma das mais importantes caractersticas clnicas da hepatite C a alta
capacidade de causar doena crnica nos pacientes infectados, podendo evoluir para cirrose e,
eventualmente, para carcinoma hepatocelular. No estgio final da doena, representa a mais
freqente indicao de transplante heptico nos Estados Unidos (MURRAY et al., 2005).
Em contraste com VHB, a progresso para a doena crnica ocorre na maioria das
pessoas infectadas e a cirrose atinge cerca de 20% dos pacientes (LEANDRO et al., 2006). A
probabilidade de a infeco tornar crnica da ordem de 80%, e indivduos com infeces
persistentes ou curados no esto protegidos da reinfeco, pois no adquirem imunidade
(OKAMOTO et al., 1997). O mecanismo atravs do qual a infeco persistente se estabelece
parece estar relacionado falta de uma resposta imune neutralizante efetiva (BANNER et al.,
1997; REHERMAN, 2000).
1.1.2 Classificao
15
O vrus da hepatite C (Figura 1) um vrus envelopado cujo genoma protegido
por um nucleocapsdeo interno, sendo o dimetro da partcula viral de 30 a 60 nm. O capsdeo
viral formado pela protena C, enquanto que o envelope viral constitudo pelas
glicoprotenas E1 e E2 (ROINGEARD et al., 2004).
A classificao do VHC constitui um problema desde a sua descoberta, pois o
vrus mostra semelhana em relao organizao gentica com os pestivrus e os flavivrus
(HAN et al., 1992).
Figura 1 - Estrutura do vrus da hepatite C.(Fonte: http://www.prn.org/images/prn_nb_cntnt_images/models/hcv_model_q60.jpg)
Estudos comparativos entre a seqncia do VHC e a seqncia de outros vrus
mostram pouca homologia, exceto na regio 5 final do genoma viral, sendo essa regio bem
similar a dos pestivrus. Entretanto, outras caractersticas do VHC o tornam mais prximo do
grupo flavivrus. Dessa forma, o VHC foi classificado em um gnero distinto dentro da
famlia Flaviviridae, sendo considerado extremamente relacionado aos pestivrus e flavivrus
(MORADPOUR et al., 2004).
1.1.3 Morfologia e estrutura
16
O VHC um pequeno vrus de RNA fita simples positiva, com um genoma de 9
Kb (Figura 2) que codifica uma poliprotena de aproximadamente 3.010 aminocidos em um
nico quadro de leitura aberta (CRAWFORD, 2005).
Figura 2 - Representao diagramtica da estrutura genmica do vrus da hepatite C.Fonte: ROINGEARD et al., 2004.
Essa poliprotena, subseqentemente, processada em protenas funcionais. A
extremidade 5 da regio codificadora produz uma protena central (core) do nucleocapsdeo
altamente conservada e as protenas de envelope E1 e E2. Considera-se que a estrutura
secundria e propriedades de ligao a protenas das regies no codificadoras do genoma
viral promovam a sntese do RNA do VHC na clula hospedeira e a estabilidade do genoma
(CRAWFORD, 2005).
Devido a pouca fidelidade da RNA polimerase do VHC (NS5B), o vrus
inerentemente instvel, dando origem a mltiplos gentipos e subtipos, apresentando-se como
uma populao de diferentes genomas, exibindo uma distribuio de quasiespcies (FARCI;
PURCELL, 2000). A protena E2 do invlucro o alvo de muitos anticorpos anti-VHC, mas
tambm a regio mais varivel de todo o genoma viral, capacitanto os vrus a escaparem dos
anticorpos neutralizadores. Essa instabilidade genmica e variabilidade antignica dificultam
seriamente os esforos para desenvolver uma vacina anti-VHC (CRAWFORD, 2005).
1.1.4 Epidemiologia
O vrus da hepatite C uma causa importante de doena do fgado em todo o
mundo. considerado responsvel por, pelo menos, 90% das hepatites no-A e no-B ps-
transfusionais (COLQUHOUN, 1996). Estima-se que existam cerca de 170 a 200 milhes de
pessoas infectadas pelo VHC, sendo esta a maior causa de doena crnica heptica, cirrose e
carcinoma hepatocelular em pases ocidentais (WASLEY; ALTER, 2000).
17
Nos Estados Unidos, aproximadamente 3,9 milhes de indivduos apresentam
anticorpos anti-VHC. Setenta por cento desses indivduos (2,7 milhes) possuem evidncias
de infeco viral crnica, determinada pela presena de RNA do vrus no soro (CENTERS
FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2004).
Patino-Sarcinelle e colaboradores (1994) investigaram a prevalncia de anticorpos
anti-VHC em doadores voluntrios no Rio de Janeiro e obtiveram uma taxa de positividde
igual a 2,89%, fortemente associada ao sexo masculino. Contudo, essa prevalncia varia entre
as regies do pas. No Acre, a prevalncia chega a 10% dos doadores de sangue (FONSECA
et al., 1998). No Paran, Paltanin e Reiche (2002), ao analisarem a soroprevalncia de
anticorpos anti-VHC em 10.090 doadores de sangue, encontraram uma taxa de 0,9% de
anticorpos anti-VHC.
Um recente estudo, com quase quatro milhes de indivduos (Figura 3), mostrou
que o pico dos portadores do VHC est situado na faixa etria que varia de 45 a 54 anos, com
predominncia do sexo masculino (SHATIN et al., 2004).
Figura 3 - Prevalncia do sexo e faixa etria na hepatite crnica pelo vrus C, baseado em
estudo retrospectivo com 3,9 milhes de pessoas. Fonte: Shatin et al., 2004.
No Brasil, os gentipos 1, 2 e 3 esto presentes em todas as regies do pas, com
ocorrncia rara do gentipo 4 em alguns estados da regio sudeste (Figura 4) (CAMPIOTTO
et al., 2005).
18
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
18 18-24 25-34 35-44 45-54 55-64 >65 t odos
Faixa Etria em Anos
Raz
o p
or 1
00.0
00
mulheres
homens
Figura 4 - Distribuio dos gentipos do VHC no Brasil. Fonte: Campiotto et al. (2005).
Em um recente trabalho realizado no estado do Cear, foi encontrada a
prevalncia de 46,9% de pacientes com VHC gentipo 1, seguido pelos gentipos 3 (34,4%) e
2 (8,3%) (BEZERRA, 2006).
1.1.5 Transmisso
O VHC o agente causal responsvel por mais de 90% das hepatites ps-
transfusionais. Sendo assim, todas as pessoas que receberam transfuso de sangue ou
hemoderivados at o ano de 1993 devem realizar teste sorolgico para avaliar uma possvel
infeco pelo VHC, visto que, no Brasil, a partir deste ano, ocorreu a obrigatoriedade de
realizao de testes sorolgicos (anti-VHC) em doadores de sangue. Por conseguinte, a partir
desta data, a hepatite ps-transfusional torna-se menos freqente, mas outros meios,
parenterais ou no, continuam a disseminar a doena. Alm dos produtos do sangue, agulhas e
seringas contaminadas, ou mesmo a inalao de drogas (com uso de espelhos e canudos
contaminados) so vias importantes (STRAUS, 2001).
Outras formas parenterais de contaminao so os procedimentos mdicos,
odontolgicos, realizao de acupunturas ou de tatuagens. Portanto, qualquer material
19
cortante ou perfurante pode ser veculo transmissor do vrus de uma pessoa para outra, como
o alicate da manicura ou a lmina do barbeiro. A transmisso intrafamiliar tambm pode
existir por compartilhamento de materiais cortantes ou por exposio de ferimentos abertos
(STRAUS, 2001).
Dentre as formas no parenterais de transmisso do vrus da hepatite C, a
possibilidade da transmisso sexual discutvel. A transmisso vertical revela-se pouco
significativa na hepatite C, podendo ocorrer, particularmente, no momento do parto. O beb
apresenta anticorpos anti-VHC logo aps o nascimento. Os anticorpos tendem a desaparecer
quando a criana no foi infectada pelo vrus. No caso de presena de RNA viral no sangue
do beb, determina-se o diagnstico de infeco pelo VHC. A transmisso vertical rara e
ocorre, principalmente, a partir de mes co-infectadas com VHC e HIV (WASLEY; ALTER,
2000).
1.1.6 Diagnstico
O teste sorolgico para o diagnstico do VHC, rotineiramente usado desde o
incio dos anos 90, um teste imunoenzimtico (ELISA) para deteco de anticorpos anti-
VHC. Embora extremamente til para o diagnstico das hepatites crnicas, especialmente nos
pacientes com alteraes das transaminases e epidemiologia sugestiva de VHC, o ELISA
pode apresentar resultados negativos nos primeiros meses aps a infeco e dificultar o
diagnstico nas fases iniciais da hepatite aguda pelo VHC. Por outro lado, embora raro,
persiste a possibilidade de resultado falsamente positivo em indivduos doadores sem histria
de comportamento de risco. Em indivduos com valor preditivo alto para a infeco pelo
VHC, a reatividade do teste ELISA possui alto valor diagnstico. Na dvida, porm,
possvel requisitar testes confirmatrios (SCHIFF; MEDINA; KAHN, 1999) (Figura 5).
Um teste suplementar utilizado no diagnstico viral o ensaio de imunoblot para
protena recombinante (RIBA, sigla em ingls de Recombinant Immunoblot Assay). Esse
ensaio tem por base a deteco de anticorpos anti-VHC a partir da ligao destes a antgenos
virais fixados a membranas de nitrocelulose (MUNOZ-ESPINOSA, 2002).
A pesquisa do antgeno do core do VHC tem sido utilizada para avaliar a resposta
precoce do indivduo terapia combinada de peginterferon e ribavirina, bem como para
diagnstico viral inicial (REDDY et al., 2006). Foi demonstrado que os nveis totais de
antgeno do core do VHC esto correlacionados com as concentraes de RNA do vrus,
podendo ser utilizados como marcador da replicao viral (BUTI et al., 2004).
20
O diagnstico direto do VHC possvel atravs de mtodos de deteco do RNA
viral, qualitativos e quantitativos, usando tcnicas de transcriptase reversa e reao da
polimerase em cadeia (BRECHOT, 1997). O RNA viral pode ser detectado no soro do
paciente dentro de 1 a 2 semanas aps exposio do indivduo ao vrus e semanas antes da
elevao dos nveis de alanina aminotransferase e do aparecimento de anticorpos anti-VHC
(PAWLOTSKY, 2002).
Os testes quantitativos ou de carga viral so importantes no acompanhamento do
tratamento de pacientes com hepatite C (BUTI et al., 2004). Existem kits comerciais e
mtodos caseiros (in-house) disponveis ao diagnstico do VHC (HAZARI et al., 2004;
MANCINI et al., 2004; TESTE AMPLICOR VHC V 2,0 Roche Diagnostics Systems).
A genotipagem do VHC fundamental para que se estabelea o esquema
teraputico adotado no tratamento do paciente. Indivduos com infeco por VHC gentipo 1
so submetidos a terapias mais prolongadas (48 semanas), enquanto que aqueles com infeco
por VHC gentipo no-1 so submetidos a esquemas teraputicos mais curtos (24 semanas)
(DUMOULIN et al., 1999). Vrios mtodos foram propostos para determinao do gentipo
viral, entretanto a incapacidade de deteco da existncia de co-infeco por diferentes tipos
ou subtipos do vrus um problema encontrado nas diversas tcnicas (BRECHOT, 1997;
HAUSHOFER et al., 2003).
A bipsia heptica tem sido recomendada para excluir outras doenas hepticas e
avaliar o estgio de evoluo das doenas do fgado. Esta avaliao oferece uma importante
informao para o prognstico e, essencialmente, para o tratamento dos pacientes com
hepatite crnica pelo vrus C (GRETCH et al.; 1995).
O papel da bipsia heptica menos claro naqueles pacientes que apresentam
taxas normais de ALT, pois, em geral, a histopatologia revela quadros muito leves de hepatite
(DIENSTAG; 2002; PERSICO et al.; 2000). Na Conferncia dos Institutos Nacionais de
Sade para o Desenvolvimento do Consenso sobre a hepatite C em 1997, a bipsia heptica
foi considerada padro ouro para avaliar o grau de leso e estgio da fibrose antes da terapia
anti-viral. Esta recomendao foi corroborada pela Associao Europia para o Estudo da
Doena Heptica, Sociedade Britnica de Gastroenterologia, Centros para o Controle de
Doena (CDC) - Servio de Sade Pblica dos Estados Unidos, Consenso sobre Preveno e
Tratamento da Hepatite C na regio Pacfico-Asitico (DIENSTAG; 2002) e o Protocolo
Clnico e Diretrizes Teraputicas da Secretaria de Assistncia Sade (Portaria n 863, de 4
de novembro de 2002).
21
A avaliao do comprometimento do fgado atravs da dosagem das
aminotransferases no sangue no se mostrou eficiente, j que estudos demonstraram a falta de
correlao entre o grau da leso heptica e a atividade srica destas enzimas. Do mesmo
modo, no foi observado aumento nos nveis de transaminases em indivduos com alta carga
viral srica e intraheptica (CALABRESE et al., 1998; RODRIGUES-IIGO, 1999).
Kojima e colaboradores (1996), estudando 21 pacientes com hepatite C crnica
utilizando hibridizao in situ em bipsias hepticas, no encontraram correspondncia entre
o nmero de clulas marcadas para o vrus da hepatite C e os valores das aminotransferases
no soro, nem relao com o gentipo do VHC.
Em outro estudo, usando a imunofluorescncia direta, foram observados antgenos
do VHC em 86% dos hepatcitos analisados, entretanto, no foi visto correlao com o grau
de leso hepatocelular, nem alterao morfolgica evidente nas clulas que expressavam o
antgeno, sugerindo que o vrus no seja diretamente citoptico (DI BISCEGLIE et al., 1993).
Por outro lado, alguns estudos mostram correlao entre o alto ttulo da viremia e
o estgio avanado da doena heptica (GRETCH et al., 1994; HAGIWARA et al., 1993).
Entretanto, na maioria dos estudos em que o nvel do RNA do VHC intraheptico foi
avaliado, no houve associao com a leso heptica (DE MOLINER et al., 1998;
SAKAMOTO et al., 1994).
Dessa maneira, o procedimento da bipsia heptica torna-se indispensvel ao
paciente portador do VHC. Atravs da puno pode-se confirmar o diagnstico da hepatite
crnica, avaliar e graduar a intensidade das leses (atividade e fibrose), avaliar o agravamento
ou a melhora do quadro, com ou sem tratamento, comparando-o com bipsias anteriores, e
ainda descartar a possibilidade de leses associadas que poderiam agravar a evoluo da
doena e reduzir a eficcia do tratamento (KOUKOULIS et al., 2001).
O algoritmo da prxima pgina mostra os exames a serem solicitados em cada
etapa, inclusive a bipsia heptica, de acordo com a anlise conjunta dos dados clnicos e
laboratoriais (SCHIFF; MEDINA; KAHN, 1999) (Figura 5).
22
Figura 5 - Algoritmo para confirmao diagnstica da hepatite C. Fonte: Schiff, Medina e Kahn (1999).
1.1.7 Patognese
O mecanismo exato do processo patolgico da infeco por VHC no est
completamente esclarecido. No h um sistema de cultura viral apropriado e h escassez de
modelos animais adequados que permitam a compreenso e anlise da patognese viral, bem
como o desenvolvimento de uma vacina (CHISARI, 1997). Entretanto, o mecanismo
imunolgico e o efeito citotxico direto do vrus foram descritos como fatores patolgicos
associados hepatite C (CHISARI, 1997). H evidncias de que as protenas do VHC no
exercem efeito citoptico direto em clulas hepticas, e que a resposta imunolgica tem um
papel importante na infeco pelo vrus C (WAKITA et al., 1998). Em contraste, outro estudo
mostrou evidncias de que as protenas estruturais do VHC tm um papel direto no
desenvolvimento da esteatose heptica, e aumenta o risco de desenvolvimento de cncer em
ratos transgnicos (LERAT et al., 2002). Contudo, a longa evoluo da doena, a elevada
carga viral e a ausncia de alteraes enzimticas constituem dados clnicos contrrios ao
efeito citoptico direto do VHC (STRAUSS, 2001).
A qualidade da resposta imunolgica mediada por clulas parece ser crucial na
eliminao ou persistncia do VHC. Os linfcitos TCD4 apresentam respostas distintas Th1 e
Th2. Enquanto as clulas Th1 secretam interleucina 2 e interferon gama, estimulando a
23
resposta anti-viral do hospedeiro, as clulas Th2 produzem interleucinas 4 e 10, que
estimulam a formao de anticorpos e inibem a resposta Th1. O desequilbrio entre as
respostas Th1 e Th2 seria responsvel tanto pela incapacidade de eliminao do VHC, como
pela maior ou menor gravidade da leso heptica. Porm, no se conhecem os elementos que
condicionam o desenvolvimento de diferentes tipos de resposta imunolgica (MISSALE et
al., 1998).
1.1.8 Aspectos clnicos e patolgicos
Infelizmente a infeco aguda auto-limitada no maioria no curso da infeco
aguda pelo VHC. Apenas 15% dos pacientes podem apresentar resoluo da doena, enquanto
que os outros 85% desenvolvem uma doena crnica (Figura 6) (HOOFNAGLE, 1997).
Figura 6 - Diagrama representativo do curso da doena como resultado da infeco pelo VHC. CHC: Carcinoma Hepatocelular. Fonte: Hoofnagle (1997).
Os fatores responsveis pela cronicidade da infeco no esto bem definidos. A
propriedade do vrus de no ser reconhecido pelo sistema imunolgico devido a constantes
mutaes parece ser a principal causa (HOUGTON et al., 1991).
1.1.8.1 Infeco aguda e crnica
24
O perodo de incubao da hepatite C varia de 2 a 26 semanas, com mdia entre 6
e 12 semanas. O RNA do VHC detectvel no sangue durante uma a trs semanas,
coincidindo com elevaes nas transaminases sricas (Figura 7A). A evoluo clnica da
hepatite C aguda branda e, em casos raros, pode ser grave (CRAWFORD, 2005).
Na infeco crnica pelo VHC, o RNA circulante persiste em muitos pacientes,
apesar da presena de anticorpos neutralizadores. Um aspecto clnico muito caracterstico da
infeco crnica do VHC so as elevaes episdicas nas aminotransferases sricas (Figura
7B), com perodos intervenientes normais ou quase normais.
Figura 7 - Seqncia dos marcadores sorolgicos da hepatite viral pelo vrus C. Em A mostra-se a infeco aguda com resoluo e em B a progresso da infeco crnica recidivante.Fonte: Traduo para portugus da figura de Crawford, 2005.
Normalmente, os pacientes com hepatite crnica pelo vrus C apresentam poucos
sintomas, e estes so inespecficos, intermitentes ou leves. O sintoma mais comum fadiga e
os sintomas menos comuns so: mal-estar, perda de apetite e, ocasionalmente, surtos de
ictercia branda (CRAWFORD, 2005). Kenny-Walsh (1999) ao acompanhar 376 mulheres
portadoras do VHC por um perodo de 17 anos, tambm descreveu a fadiga como o sintoma
mais comum (66%).
1.1.8.2 Morfologia da hepatite C aguda
25
A leso dos hepatcitos (Figuras 8A e 8B) toma a forma de tumefao difusa
(degenerao em balo), o citoplasma parece vazio e contm apenas restos eosinoflicos
esparsos. Outro achado a colestase com tampes de bile nos canalculos, resultado da
cessao da atividade contrtil da rede de microfilamentos (CRAWFORD, 2005).
Figura 8 - Representao diagramtica das caractersticas morfolgicas da hepatite aguda (A); em B mostra-se a destruio da estrutura lobular, clulas inflamatrias e apoptose hepatocelular (seta). Fonte: Traduo para portugus da figura de Crawford, 2005.
Dois padres de morte celular podem ser vistos. No primeiro, a ruptura da
membrana celular leva citlise e os agregados de macrfagos varredores marcam os locais
de perda de hepatcitos. O segundo padro de morte celular a apoptose que, por sua vez,
causada por clulas T citotxicas. As clulas apoptticas so rapidamente fagocitadas por
macrfagos e, por isso, so difceis de encontrar (CRAWFORD, 2005).
A necrose confluente dos hepatcitos pode levar necrose em ponte, conectando
regies portais s estruturas circunvizinhas. O entumescimento e a regenerao dos
hepatcitos comprimem os sinusides, e o arranjo mais ou menos radial do parnquima
perdido. O infiltrado inflamatrio caracterstico pode derramar-se sobre o parnquima
26
A B
adjacente para causar a necrose dos hepatcitos periportais provocando a hepatite de interface
(CRAWFORD, 2005).
1.1.8.3 Morfologia da hepatite C crnica
As caractersticas histolgicas da hepatite crnica (Figuras 9 A e B) variam de
branda a grave. Na forma leve da hepatite crnica, a inflamao limitada aos tratos portais e
consiste em linfcitos e macrfagos. Os achados mais comuns so: os agregados linfides,
danos aos ductos biliares nos tratos portais e esteatose. Em todas as formas da hepatite
crnica, a hepatite de interface continuada e a necrose confluente so precursoras da leso
heptica progressiva (CRAWFORD, 2005).
Figura 9 - Representao diagramtica das caractersticas morfolgicas da hepatite C crnica (A); em B mostra-se a expanso do trato portal com clulas inflamatrias e tecido fibroso, e hepatite de interface com derramamento de inflamao para dentro do parnquima adjacente. Um agregado de linfcitos est presente. Fonte: Traduo para portugus da figura de Crawford, 2005.
A principal caracterstica do dano heptico irreversvel a deposio do tecido
fibroso. A princpio, apenas os tratos portais exibem fibrose aumentada, mas, com o tempo,
ocorre fibrose septal e/ou periportal, seguida pela ligao dos septos fibrosos entre os lbulos
27
A B
(fibrose em ponte). A perda continuada dos hepatcitos e a formao de fibrose resultam em
cirrose, com septos fibrosos e ndulos regenerativos de hepatcitos (CRAWFORD, 2005).
1.2 Esteatose
A esteatose descrita como acmulo anormal de triglicerdeos dentro da clula do
parnquima. Pode ser mais bem observada no fgado por ser o maior rgo envolvido no
metabolismo de gordura (CRAWFORD, 2005).
Vrios trabalhos relatam a presena de esteatose no transcorrer da infeco pelo
VHC e sua associao com a progresso da fibrose. Ademais, fatores como: obesidade,
diabetes, gentipo viral e estadiamento da fibrose so tambm correlacionados presena da
esteatose (PERUMALSWAMI et al., 2006; PONIACHK et al., 2002; Serfaty et al., 2002;
Westin et al., 2002).
A esteatose heptica descrita como uma caracterstica comum nos pacientes
portadores da hepatite pelo vrus C, podendo ser detectada de 30 a 70% dos pacientes
(LONARDO et al., 2004; RAMESH et al., 2004).
Adinolfi e colaboradores (2001), descrevem que a esteatose um importante
determinante na acelerao do desenvolvimento da fibrose heptica, aumentando a atividade
necroinflamatria, e que o fator viral e hospedeiro tm papel importante na patognese da
esteatose na hepatite pelo vrus C.
No trabalho de Poniachik e colaboradores (2002), ao analisarem fragmentos
hepticos em pacientes obesos durante a cirurgia para tratamento, chegou-se concluso de
que a obesidade o maior fator de risco independente para a esteatohepatite e fibrose. E o
nvel da esteatose, principalmente no grupo da obesidade moderada e grave, est fortemente
associado fibrose (PONIACHK et al., 2002).
Serfaty e colaboradores (2002), ao fazerem comparao entre pacientes com
esteatose, ingesto de lcool e progresso da fibrose na hepatite C, concluram que a mdia da
progresso da fibrose foi duas vezes maior naqueles com esteatose que ingeriam lcool
comparado ao grupo controle. Westin e colaboradores (2002) fizeram um estudo
restrospectivo com 98 pacientes portadores do VHC, gentipos 3 ou no-3 e constataram que
o grupo dos pacientes do gentipo 3 evoluiu com o aumento do nvel da esteatose e com a
progresso acelerada da fibrose.
28
1.3 Esteato-hepatite
A esteato-hepatite no alcolica (EHNA) uma alterao heptica crnica
caracterizada por achados histolgicos similares aos encontrados na doena heptica
alcolica, mas em indivduos sem histria de consumo significativo de lcool (CONTOS et
al., 2002).
Nos estudos iniciais, a EHNA foi descrita como uma doena heptica mais
freqente no sexo feminino, relacionado obesidade e ou diabetes (TELI et al., 1995;
POWELL et al., 1990). Entretanto, hoje sabe-se que essa doena heptica de causa
multifatorial e tem um perfil clnico variado (BURT et al., 1998).
Na maioria dos casos a EHNA cursa de forma benigna, mas, no trabalho de
Neuschwander-Tetri e colaboradores (19996), relatam que a freqncia da cirrose avaliada
atravs de bipsia varia de 5 a 16% . Outro autor descreve que 20% dos pacientes com EHNA
podem progredir para cirrose (McCULLOUGH, 2004).
A esteatohepatite no alcolica tem sido considerada como parte integrante de um
espectro mais amplo da doena heptica denominada de Nonalcoholic fatty liver disease
(NAFLD) ou doena esteattica no alcolica, cujas caractersticas vo desde a esteatose
simples at a cirrose heptica. Entretanto, a EHNA tem merecido maior ateno por ser a
manifestao de maior importncia clnica e epidemiolgica, (McMULLOUGH, 2002).
Apesar da patognese da EHNA no estar muito bem esclarecida, Day e
colaboradores (1998) propuseram que a esteatose heptica e a EHNA ocorriam em duas
etapas (two hit). A primeira fase leva o fgado a um estado de sensibilizao pela gordura,
podendo permanecer sem evoluo ou evoluir, caso o paciente seja exposto a condies
favorecedoras, quando ento, seria desencadeada a segunda etapa. Resumidamente, o
acmulo intra-heptico de cidos graxos livres e triglicrides comporia a primeira fase, e o
estresse oxidativo em decorrncia do primeiro evento, formaria a segunda etapa, favorecendo
a apoptose e necrose heptica. Desta forma, a sensibilizao dos hepatcitos e a peroxidao
lipdica vm sendo propostos como mecanismos determinantes da injria heptica na EHNA
(WELTMAN et al., 1998; LECLERQ et al., 2000; SANYAL et al., 2003).
A esteatose heptica claramente a forma mais comum da doena heptica
gordurosa no alcolica (DHGNA). Apesar de sua aparncia benigna, estudos tm
demonstrado a presena de ativao de clulas estelares hepticas e de protenas apoptticas,
favorecendo a fibrose e morte celular (WASHINGTON et al., 2000; YANG et al., 2000;
NEUSCHWANDER-TETRI et al., 1996).
29
Fong e colaboradores (2000) descrevem que a resistncia insulnica favorece o
acmulo de cidos graxos no fgado, e consequentemente aumento da -oxidao
mitocondrial e formao de espcies oxigenadas reativas, aliado diminuio da excreo de
triglicrides, resultando em esteatose hepatocelular.
Uma importante conseqncia da sndrome metablica o desenvolvimento da
EHNA (CHITTURI et al., 2002; MARCHESINI et al., 1999). Apesar de no existirem
marcadores clnicos e morfolgicos para o risco de progresso da fibrose, acredita-se que os
pacientes obesos, de sexo feminino e diabticos tm maior propenso ao desenvolvimento
deste quadro (ANGULO et al.; 1999).
1.3.1 Esteato-hepatite No-Alcolica e Vrus da hepatite C
Solis-Herruzo e colaboradores (2005) descrevem que a obesidade, diabetes e o
aumento da glicose e triglicrides foram mais prevalentes nos pacientes portadores de VHC
com EHNA comparados aos pacientes somente com VHC.
Clinicamente, parece que o curso da cirrose por EHNA e VHC apresenta
diferenas. Pacientes com cirrose por EHNA acompanhados por 10 anos se mantiveram,
relativamente, compensados, apresentando uma baixa mortalidade, bem como, menos ascite,
hiperbilirrubinemia e carcinoma hepatocelular quando comparados aos pacientes com VHC.
Entretanto, a mortalidade por motivos cardiovasculares nos pacientes com EHNA foi maior
(SANYAL et al., 2003).
Poniachk e colaboradores (2002) relatam em seu trabalho que a obesidade foi
independentemente, o maior fator de risco para a EHNA e fibrose, enquanto que a esteatose
foi um fator de risco para fibrose.
Alguns fatores de risco como o uso abusivo de lcool, obesidade, diabetes, e
drogas podem ser considerados por estarem associados esteato-hepatite. Contudo, a
esteatose pode ser encontrada em pacientes portadores do VHC mesmo que esses fatores de
riscos no estejam presentes (CZAJA et al., 1998). Em conseqncia desse fato, tem-se
descrito que o efeito citoptico do vrus pode provocar agresso mitocondrial induzindo o
processo da esteatose (CZAJA et al., 1998; MIHM et al, 1997).
J est muito bem descrito que a presena da esteatose heptica no paciente
portador de VHC pode favorecer a progresso da fibrose heptica (WESTIN et al., 2002;
ADINOLFI et al., 2001). Entretanto, existem poucos dados sobre a presena e conseqncia
da EHNA no curso da infeco pelo vrus da hepatite C.
30
1.4 Fibrognese
A histria natural da doena causada pelo VHC no bem conhecida em
decorrncia de a infeco cursar de modo silencioso. Entretanto, alguns estudos tm mostrado
que o estadiamento da necroinflamao e da fibrose so importantes indicadores de
prognstico na evoluo para a cirrose (PERUMALSAWAMI et al., 2006; POYNARD et al.,
1997; YANO et al., 1996).
A literatura vasta quanto associao de certos fatores piora da fibrose nos
pacientes portadores do VHC. Dentre esses fatores, inclui-se tempo de infeco, sexo
masculino, uso de lcool, idade no momento de aquisio da infeco, grau de
necroinflamao na bipsia heptica e nvel srico das transaminases (POYNARD et al.,
1997, 2001; YANO et al., 1996). Porm, mesmo com a ausncia desses fatores, a progresso
da fibrose pode ocorrer, sugerindo o papel de cofatores no definidos (PERUMALSAWAMI
et al., 2006). H ainda evidncias de que sinais incipientes de esteatose (leve) sejam fatores
determinantes para a progresso da fibrose (FARTOUX et al., 2005).
O vrus da hepatite C pode replicar continuamente aps a hepatite crnica ter
progredido para a cirrose, levando a uma reao inflamatria persistente e manuteno da
atividade da fibrognese atravs do curso natural da doena (KATO et al., 1993).
Na hepatite crnica pelo vrus C, o estgio da fibrose varia marcadamente de
pessoa para pessoa com a evoluo da doena. Em algumas pessoas, a fibrose rpida e,
eventualmente, as complicaes aparecem no estgio final da doena heptica, como
hipertenso portal e carcinoma heptico. Em outros pacientes, a fibrose no se desenvolve ou
progride muito lentamente aps dcadas de infeco. Por essas razes, a avaliao do estgio
da fibrose til no prognstico e tratamento do indivduo (MARCELLIN; ASSELAH;
BOYER, 2002).
A infeco crnica na hepatite pelo vrus C induz leso e inflamao do fgado,
que parece estar associada fibrognese. O processo da fibrognese dinmico e
caracterizado por sntese da matriz extracelular, que um complexo da mistura de
glicoprotenas (colgeno, elastina, fibronectina, lamina) e proteoglicanos organizados em uma
rede tridimensional. A fibrognese no um mecanismo especfico, mas uma resposta final de
uma leso persistente no fgado, como uma tentativa de ajuda reao inflamatria. A fibrose,
entretanto, um mecanismo fisiolgico que primeiramente resulta em benefcio; mas, aliada
infeco viral crnica e leso celular persistente, vem a se transformar em processo
31
patolgico. A fibrose caracterizada pela deposio de colgeno e outras protenas da matriz
extracelular organizadas em complexos de polmeros. Estes complexos so insolveis e
induzem um desarranjo da arquitetura heptica (MARCELLIN; ASSELAH; BOYER, 2002).
Na hepatite crnica pelo vrus C, a fibrose ativada ao redor da rea portal
(periportal ou zona 1), e, gradualmente, se estende entre os lbulos em direo veia central
(zona 3), com expanso dos septos e pontes de fibrose. O estgio final da fibrose caracteriza a
cirrose, com pontes de ligaes da fibrose portal, na rea central e nodular, bem como
regenerao do parnquima heptico (LEFKOWITCH et al., 1993; SCHEUER et al., 1992).
O colgeno e as protenas da matriz que constituem a fibrose so amplamente
produzidas pelas clulas estelares hepticas ativadas (BEDOSSA, 1993). As clulas estelares
so ativadas atravs de fentipos quiescentes para o fentipo fibroblstico. A ativao ocorre
em duas fases: inicialmente, h ativao das clulas estelares pelas citocinas, quimiocinas e
outras molculas sinalizadoras induzidas pelo processo inflamatrio, seguida pela
transformao das clulas estelares para o fentipo miofibroblstico no qual a clula pode
proliferar, atrair leuccitos e produzir colgeno e protenas da matriz (CRAWFORD, 2005).
Poynard e colaboradores (1997) descrevem o fator de transformao do
crescimento Beta (TGF-) como a mais importante citocina fibrognica, sendo que sua
expresso aumentada no fgado de pacientes com hepatite C, com nveis do RNAm desta
citocina tambm aumentados. O fator de crescimento do tecido conjuntivo (CTGF, sigla em
inlgs de Connective Tissue Growth Factor) amplamente expressado durante a fibrognese
no fgado, e as clulas estelares parecem ser a maior percussora da CTGF no fgado
(PARADIS et al., 1999).
Durante o processo da fibrognese, a membrana basal do hepatcito separa-se do
capilar sinusoidal, perturbando a troca de nutrientes entre o sangue e os hepatcitos. A
acumulao dos componentes da fibrose na matriz extracelular responsvel pelo
armazenamento de muitas molculas reativas (fator de crescimento e citocinas) em forma
inativa, as quais podem ser ativadas em certas circunstncias (PARADIS et al., 1999). Em
adio, durante a progresso da fibrose, h um aumento quantitativo e alteraes qualitativas
em cada componente da matriz extracelular. Em sntese, a fibrose heptica caracterizada
pela transformao da matriz extracelular normal em uma reticulada e densa rede fibrilar que,
por conseguinte, muito mais resistente s enzimas de degradao (MARCELLIN et al.,
2002).
32
1.4.1 Fatores associados fibrose
Grande parte dos estudos histolgicos da fibrose heptica foram realizados
analisando-se os fatores que se correlacionam com o nvel da fibrose e estimando o padro da
progresso da fibrose. Os fatores identificados na maioria dos estudos so: idade, sexo, idade
da infeco e consumo de lcool. A deficincia imune, no caso de infeco por HIV ou outra
condio de imunossupresso, foi identificada e se correlaciona com a rpida progresso da
fibrose na hepatite crnica pelo VHC (POYNARD et al., 1997, 2001; YANO et al., 1996).
1.4.2 Idade
A idade no incio da infeco tem sido constantemente descrita por ser o maior
fator de influncia no padro da progresso da fibrose na hepatite C (MARCELLIN et al.,
2002). Desta forma, foi sugerido que uma mdia de 20 % dos pacientes com hepatite C e
idade superior a 40 anos no momento da infeco, desenvolveriam cirrose dentro dos
primeiros 15 ou 20 anos de doena (SEEFF et al., 1992). Por outro lado, mulheres jovens,
com mdia de idade de 24 anos ao serem infectadas pelo VHC, apresentaram lenta ou ausente
evoluo da doena; somente 0,4% delas desenvolveram cirrose durante 20 anos de
acompanhamento (WIESE et al., 2000). Poynard e colaboradores (1997) mostraram em seu
trabalho que a fibrose se correlaciona diretamente com a idade no incio da infeco. Em
anlise univarivel, a cirrose se desenvolveu dentro de 20 anos em somente 2% dos pacientes
infectados antes dos 20 anos de idade, em 6% dos infectados em idade entre 21 e 30 anos, em
10% dos infectados entre 31 e 40 anos, em 37% entre 41 e 50 anos e 63% da fibrose se
encontrava nos pacientes acima dos 50 anos de idade. Os mecanismos responsveis pela
influncia da idade na progresso da fibrose permanecem desconhecidos, mas podem estar
inclusos fatores imunes, aumento da fibrognese, ou diminuio da fibrlise (MARCELLIN;
ASSELAH; BOYER, 2002).
1.4.3 Sexo
33
Na maioria dos estudos da fibrose heptica, relatado que o sexo masculino
apresenta associao significante com a progresso da fibrose (KENNY-EALSH et al., 1999;
POYNARD et al., 1997). Em dois longos estudos restropectivos-prospectivos sobre a hepatite
C em mulheres que receberam imunoglobulina anti-Rh contaminada com VHC, foi descrito
um importante papel do sexo na progresso da fibrose. Nesses dois estudos, somente 2% e
0,4% das mulheres tinham cirrose pela avaliao da histologia durante o seguimento de 17 e
20 anos, respectivamente, aps a exposio ao VHC (KENNY-EALSH et al., 1999; WIESE
et al., 2000).
Os mecanismos pelos quais o sexo influencia a progresso da fibrose so
desconhecidos. Outros fatores, tais como: a idade no incio da infeco, baixo nvel de
ingesto de lcool e baixo ndice de massa corporal, tm sido usados para explicar o baixo
desenvolvimento da fibrose em mulheres, em relao ao homem, na hepatite C
(MARCELLIN; ASSELAH; BOYER, 2002).
1.4.4 lcool
Alguns estudos relatam que o alto consumo de lcool (> 50 g/ dia) encontra-se
associado rpida progresso da fibrose ( POYNARD et al., 1997; WILEY et al., 1998). O
efeito do lcool em consumo de baixas doses no foi claramente relatado (PEREIRA et al.,
2006).
Poynard e colaboradores (1997) descreveram, em seu trabalho, que a mdia da
progresso da fibrose foi significantemente maior nos pacientes que ingeriam lcool acima de
50g/dia em relao aos que consumiam menos que 49g/dia de lcool (Figura 10).
Figura 10 - Grfico apresentando associao entre consumo de lcool e estgio da fibrose. Fonte: Poynard et al. (1997).
34
Por causa da influncia negativa no alto consumo de lcool, a abstinncia ou o
consumo mnimo , normalmente, recomendado a pacientes com hepatite crnica pelo vrus
C. Alm dos efeitos diretos na fibrognese, a ingesto abusiva de lcool pode ter outros
efeitos adversos no curso da doena. Geissler, Gesien e Wands (1997) descrevem que o uso
crnico do lcool pode afetar a resposta do sistema imune.
1.4.5 Sistema imune
H evidncias de que o sistema imune pode ter influncia no desenvolvimento da
cirrose na hepatite C. Alguns estudos (SOTO et al., 1997; ZEUZEM et al., 1996) tm
demonstrado que na hepatite C o padro da progresso da fibrose alto nos pacientes co-
infectados com HIV ou com outro tipo de imunocomprometimento. Estudo na Espanha
(SOTO et al., 1997), demonstrou que a mdia estimada para o desenvolvimento da cirrose foi
de 7 anos em pacientes HIV positivos e 23 anos nos pacientes HIV negativos.Outra situao
peculiar do VHC a induo da produo de auto-anticorpos (LENZI et al., 1990).
Clinicamente os pacientes com auto-anticorpos tm caractersticas, prognsticos e respostas
teraputicas similares aos pacientes com hepatite C tpica (LUNEL et al., 1992; VERGANI et
al., 1993).
1.4.6 Fator viral
A associao entre fatores virolgicos do VHC, tais como nvel srico do RNA
viral e gentipo, e padro da progresso da fibrose na hepatite crnica no est bem
esclarecida, havendo discordncia entre os autores (ALBERTI; CHEMELLO; BENVEGNU,
1999; POYNARD et al., 1997, 2001; SILINI et al., 1996; ZEUZEM et al., 1996).
Zeuzem e colaboradores (1996) descreveram ausncia de correlao entre o nvel
srico do RNA-VHC ou infeco por VHC subtipo 1b e o estgio da doena. Por outro lado,
estudo realizado por Silini e colaboradores (1996), descreveu associao entre o gentipo 1b e
um maior agravamento da doena, incluindo alta freqncia de cirrose e carcinoma
hepatocelular.
35
1.4.7 Ferro
O ferro citado como uma caracterstica comum em algumas doenas hepticas
crnicas, tais como o etilismo, a esteatohepatite no alcolica e a hepatite crnica pelo vrus C
(DI BISCEGLIE et al., 1992). O acmulo excessivo de ferro no organismo conhecido como
hemocromatose, que pode ser hereditria ou secundria. A quantidade excessiva de ferro
depositada em rgos parenquimatosos como o fgado e pncreas. Uma vez consumada a
sobrecarga de ferro no fgado, por exemplo, parece haver uma srie de reaes nas estruturas
celulares que podem ser letais ou proporcionar predisposio ao carcinoma hepatocelular
(CRAWFORD, 2005). Apesar de sua patogenia no estar bem esclarecida, admite-se que o
estresse oxidativo causado pelo excesso de ferro leva peroxidao de lpides e que produtos
desta peroxidao desencadeiam inflamao e atuam sobre clulas estelares hepticas (clulas
perissinusoidais de Ito), induzindo a fibrognese (LUDWING, McGILL; LINDOR, 1997;
NEUSCHWANDER-TETRI; BACON, 1996).
1.4.8 Outros fatores associados fibrose
Os fatores que esto claramente associados progresso da fibrose, tais como
idade, sexo, lcool e sistema imune so apenas uma parte das variveis que influenciam a
progresso da fibrose na hepatite crnica pelo vrus C. Outros fatores tm sido tambm
sugeridos, como gentica, raa, etnia. A influncia da obesidade tem sido relatada e acredita-
se que a esteatose est associada obesidade e responsvel por acelerar a progresso da
fibrose (ADINOLFI et al., 2001; HOURIGAN et al., 1999). O diabetes tipo II foi descrito por
estar associado fibrose (ONG et al., 2001). No trabalho de Dixon, Bhatal e Obrien (2001), o
diabetes, a hipertenso arterial e o aumento da ALT tm sido descritos como fatores
preditivos para a esteatohepatite no alcolica (EHNA).
1.5 Importncia do Estudo
Pouco se sabe a respeito da patogenia da hepatite C. Este trabalho esclarecer
algumas questes a respeito de fatores de risco para a progresso da esteatohepatite e fibrose
associados infeco pelo VHC, analisando, principalmente, o papel da esteatose como
provvel coadjuvante no processo da fibrognese. Em particular, este estudo far distino
entre esteatose macrogoticular e microgoticular, avaliando, separadamente, sua associao
36
com variveis clnicas e histopatolgicas. Desse modo, a anlise de alteraes histolgicas
observadas em fragmentos de bipsia de pacientes infectados, poder fornecer subsdios para
uma melhor compreenso do curso da doena.
37
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
Determinar as alteraes histolgicas presentes em bipsias hepticas de pacientes com
hepatite viral do tipo C atendidos no Hospital Universitrio Walter Cantdio, em
Fortaleza, Cear.
.
2.2 Objetivos especficos
Avaliar as bipsias hepticas quanto presena de esteatose, associando-a a
variveis clnicas e histopatolgicas.
Relacionar a presena e o grau de fibrose apresentados nas bipsias hepticas a
variveis clnicas e histopatolgicas.
Correlacionar esteatohepatite no-alcolica a aspectos clnicos e histolgicos
observados nas bipsias dos pacientes em estudo.
Avaliar a presena de esteatohepatite como fator colaborador progresso da
fibrose.
38
3 METODOLOGIA
3.1 Desenho do estudo
3.1.1 Local da pesquisa
Foi realizado estudo retrospectivo na cidade de Fortaleza, capital do estado do
Cear, no perodo de maro a agosto de 2006. Foram selecionados 32 pacientes portadores do
vrus da hepatite C atendidos no ambulatrio de gastroenterologia do Hospital Universitrio
Walter Cantdio (HUWC), os quais haviam sido previamente submetidos a procedimentos de
bipsia heptica. No foi levado em considerao como critrio de escolha sexo, raa, etnia,
escolaridade ou situao scio-econmica.
3.1.2 Critrios de incluso
Pacientes que concordaram com o termo de consentimento da pesquisa (ANEXO C).
Ter bipsia j realizada.
No ter sido submetido terapia medicamentosa prvia especfica ao VHC com interferon
perguilado (PEG-IFN) e ribavirina.
Idade mnima de 18 anos e mxima indeterminada.
3.1.3 Critrios de excluso
Idade inferior a 18 anos.
No concordncia com o termo de consentimento da pesquisa.
Co-infeco com vrus da hepatite B e ou HIV, ou presena de outra doena heptica
conhecida (doena de Wilson, hepatite auto-imune, doena de Crohn, neoplasias
hepticas).
Ter realizado a tratamento antes da realizao da bipsia e/ou uso contnuo de corticide.
Portador do diabetes mellitus tipo II.
39
3.2 Coleta de dados
Foram colhidas informaes provenientes dos pronturios dos pacientes como a
idade no perodo da bipsia, sexo, peso, altura, consumo de lcool, via de transmisso, e
resultados de laboratrio no momento da bipsia, incluindo aspartato aminotransferase (AST),
alanina aminotransferase (ALT) e gentipo viral. Essas informaes foram transcritas para
uma ficha de coleta de dados elaborada previamente para esta finalidade (ANEXO A). A
durao da infeco foi estimada nos casos onde as informaes foram disponveis. O padro
da normalidade dos exames, bem como os resultados, foi proveniente do laboratrio central
do HUWC. O valor normal da AST adotado foi de 15 a 37 unidades por litro (U/L), enquanto
que o valor normal de ALT foi de 30 a 65 U/L. O critrio para calcular a quantidade de lcool
ingerida foi baseado nas informaes dos pronturios dos pacientes pela quantidade e o tipo
de bebida consumida. Foi considerado consumo de lcool importante (acima de 50g/dia) por
estar associado ao aumento do grau da fibrose (WILEY et al., 1998). Dessa forma, uma lata
de cerveja contm cerca de 350ml e a concentrao do lcool ao redor de 5%; portanto teria
17g de lcool. J a dose do destilado mais vendido na Brasil, a pinga, tambm varia muito.
Uma dose conteria cerca de 50ml, como a concentrao em torno de 50%, essa dose teria
equivalente a 25g. O ndice da massa corporal (IMC) foi calculado dividindo o peso do
paciente em kilogramas (Kg) pela altura em metros ao quadrado. O IMC de 18,5 24,9 kg/
m2 foi classificado como normal, de 25 29,9 kg/m2 foi definido com o sobrepeso e acima de
30 kg/m2 como obesidade (FARTOUX et al., 2005).
3.3 Avaliao histolgica
3.3.1 Bipsia
As bipsias hepticas foram realizadas no perodo de 06/1997 a 02/2006. Sua
importncia est no fato de confirmar o diagnstico da hepatite crnica, avaliar o grau de
estadiamento da doena, alm de excluir ou detectar presena de outras doenas.
Normalmente os fatores limitantes so erros de amostragem e variao inter-intra observador.
recomendado um fragmento com ao menos 1,5 cm e com seis ou mais espaos-porta
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE HEPATOLOGIA, 2005). A indicao desse exame ocorreu
nas situaes habitualmente previstas para a realizao do tratamento especfico pacientes
40
com transaminases persistentemente elevadas por um perodo de observao por mais de 6
meses (com mnimo de trs dosagens realizadas) e PCR-RNA qualitativo positivo para a
hepatite C. Apesar dos riscos serem mnimos, a bipsia deve ser realizada em ambiente
hospitalar, com um perodo mnimo de observao de 6 horas (SOCIEDADE BRASILEIRA
DE HEPATOLOGIA, 2005). Foram excludos da realizao da bipsia heptica os pacientes
com coagulopatias (quantidade de plaquetas menor que 80 mil e ou INR maior que 1,3).
Tambm a bipsia heptica pode ser desnecessria em pacientes jovens com
aminotransferases persistentemente normais e em pacientes com quadro clnico, laboratorial e
de ultrasonogrfico de cirrose (SOCIEDADE BRASILEIRA DE HEPATOLOGIA, 2005).
Para melhor anlise e interpretao dos achados morfolgicos, recomendam-se
vrias coloraes para determinados objetivos, bem como o seguimento correto das etapas da
confeco do material. Dessa forma, os fragmentos hepticos foram previamente fixados em
formol tamponado a 10%, includos em parafina e separados em cortes de 3 a 5 micra de
espessura no micrtomo LEICA RM 2125RT. Aps essa fase, as lminas foram coradas e, em
nosso estudo, foram usados trs tipos de coloraes: hematoxilina-eosina (HE), tricrmico de
Masson e Perl's. Atravs da colorao em HE, possvel obter uma avaliao completa da
anlise estrutural do parnquima heptico, avaliao das leses hepatocitrias e a presena de
infiltrados inflamatrios. A colorao de Perls usada para detectar a presena de sobrecarga
de ferro granular em hepatcitos, como tambm em clulas de Kupffer. O Tricrmico de
Masson muito utilizado para avaliar a presena de fibrose, do qual confirmado pela
colorao de fibras do colgeno.
3.3.2 Tcnica de montagem das lminas
Inicialmente, todas as bipsias seguiram uma rotina de seces de hidratao
consistindo de desparafinao em banhos em xilol seguida de tratamento das seces em
sries de lcoois, com teor crescente de banhos em gua destilada. Aps esta fase, seguiu-se a
tcnica de montagem para colorao Tricrmico de Masson, Perls e Hematoxilina-eosina,
descrita detalhadamente no Anexo D.
3.3.3 Critrios para avaliao histopatolgica
Todas as bipsias foram lidas por um nico patologista (JTVJ) sem conhecimento
prvio dos dados clnicos, laboratoriais e histolgicos dos pacientes. A anlise das bipsias
41
incluiu aspectos qualitativos, quantitativos e semiquantitativos. As esteatoses macrogoticular
e microgoticular foram quantificadas de acordo com o percentual de hepatcitos com
contedo macrovesicular e microvesicular, dividido pelo nmero total de hepatcitos
existentes em 10 campos de grande aumento (X400). Por outro lado, tambm foi utilizada
semiquantificao das esteatoses, classificando-as como insignificantes (< 5%), leves (5 a
33%), moderadas (33 a 66%) ou severas (> 66%) (Quadro 1). As esteatoses macrogoticular e
microgoticular (moderada e severa) foram agrupadas para facilitar os clculos estatsticos.
Esteatose macrogoticular e microgoticularClassificao Percentual de hepatcitos alterados
Insignificante < 5%Leve 5 32%Moderada 33 66%Severa > 66%
Quadro 1 Classificao das esteatoses macrogoticular e microgoticular quanto ao
percentual de hepatcitos alterados.
A presena ou ausncia de fibrose foi avaliada atravs dos sistemas propostos por
Ishak e colaboradores (1995) e o grupo Metavir, e a atividade inflamatria foi avaliada
somente pelo critrio estabelecido pelo grupo Metavir. Dessa forma, para o sistema da
avaliao da fibrose de Ishak e colaboradores (1995) foram usados sete escalas: a) nvel 0,
quando no houver fibrose; b) nvel 1, quando ocorrer expanso fibrosa de alguns espaos-
porta com ou sem septos fibrosos curtos; c) nvel 2, quando houver expanso fibrosa na
maioria dos espaos-porta, com ou sem septos fibrosos curtos; d) nvel 3, se houver expanso
fibrosa da maior parte dos espaos-porta com ocasional ponte fibrosa porta-porta; e) nvel 4,
quando ocorrer expanses fibrosas dos espaos-porta com marcada ponte porta-porta como
tambm porta-centro; f) nvel escore 5, se houver marcada ponte fibrosa porta-porta ou porta-
centro com ocasionais ndulos (isto , uma cirrose incompleta); g) nvel 6, quando existir
cirrose provvel ou definida (Quadro 2). Na avaliao da fibrose proposta pelo sistema
Metavir, foi usada uma escala de 5 pontos: F0 representa uma arquitetura do fgado normal,
sem presena de fibrose; F1 mostra uma simples expanso fibrosa nas chamadas "portas"; F2
ocorre quando a fibrose forma "pontes" entre as diversas "portas"; F3 definido por pontes de
fibrose que alteram a estrutura do fgado e F4 indica um quadro de cirrose (BEDOSSA, 1994)
(Quadro 2). Para a classificao da atividade inflamatria, foi usada uma escala de 4 pontos:
A0=nenhuma atividade; A1=atividade leve; A2=atividade moderada; e A3 como atividade
42
severa (BEDOSSA; POYNARD, 1996) (Quadro 3). A balonizao foi avaliada como
0=ausente; 1=leve; 2=moderada e 3=grave (Quadro 3). Para a avaliao semiquantitativa do
ferro, foi usada uma escala de 4 pontos proposta por Bassett e Halliday (1986), o nvel 0
como ausente, 1=quantidade mnima, 2=quantidade leve, 3=moderada e 4 como quantidade
intensa da sobrecarga de ferro (Quadro 3). O infiltrado inflamatrio tipicamente linfocitrio
foi classificado como ausente ou presente (Quadro 3). A fibrose perivenular foi graduada do
mesmo modo que a fibrose perissinusoidal: 0 - ausente; 1 - leve; 2 moderada e 3 - grave
(BEDOSSA; BIOLAUC-SAGE; CALLARD, 1994) (Quadro 4).
Fator analisado na bipsiaFibrose Ishak Caracterizao
0 No fibrose1 Expanso fibrose em alguns espaos porta2 Expanso fibrose na maioria dos espaos
porta3 Expanso fibrose na maioria dos espaos
porta, com ocasional ponte fibrosa porta-porta
4 Expanso fibrose na maioria dos espaos porta, com marcada ponte fibrosa porta-porta, como tambm porta-centro
5 Marcada ponte fibrosa porta-porta, ou porta-centro, com ocasionais ndulos
6 Cirrose provvel ou definidaFibrose Metavir
F0 Normal F1 Expanso fibrosa (portas)F2 Pontes entre portasF3 Pontes porta-centro F4 Quadro de cirrose
Quadro 2 Classificao da fibrose por Ishak (1995) e Metavir (1994), a partir da anlise de
bipsia heptica.
Fator analisado na bipsiaAtividade inflamatria Caracterizao
A0 Nenhuma atividadeA1 Atividade leveA2 Atividade moderadaA3 Atividade severa
Balonizao0 Ausente1 Leve
43
2 Moderada3 Severa
Quantidade de ferro0 Ausente1 Mnima2 Leve3 Moderada4 Intensa
Infiltrado inflamatrio0 Ausente1 Presente
Quadro 3 Classificao da bipsia heptica de acordo com atividade inflamatria,
balonizao, quantidade de ferro e infiltrado inflamatrio.
Fibroses perivenular ou perissinusoidal difusaClassificao Caracterizao
0 Ausente1 Leve2 Moderada3 Severa
Quadro 4 Classificao da bipsia heptica de acordo com fibroses perivenular e
perissinusoidal difusa.
3.3.4 Morfologia
Estatose microgoticular: se inicia com desenvolvimento de pequenas incluses ligadas a
membranas (lipossomos), bem prximo ao retculo endoplasmtico, caracterizado por
pequenos vacolos no citoplasma em torno do ncleo, sem desloc-lo (Quadro 5).
Esteatose macrogoticular: com a progresso da esteatose, os vacolos coalescem, criando
espaos claros que deslocam o ncleo para a periferia da clula (Quadro 5).
Ferro: o pigmento do ferro tem uma aparncia granulosa, grosseira, presente no
citoplasma da clula, ou no interior de clulas fagocitrias mononucleares. O ferro pode ser
visualizado na cor azul escuro, tanto em clulas hepatocitrias, macrfagos e clulas de
Kppfer. Tal colorao ocorre por converso do ferrocianeto de potssio em ferro
(Quadro 5).
Fibrose: a fibrose tecidual formada em resposta inflamao ou ao insulto txico direto
ao fgado, indicando um quadro geralmente irreversvel. A deposio de colgeno tem
conseqncias douradoras sobre os padres do fluxo sanguneo heptico e a perfuso dos
44
hepatcitos. Com a progresso da fibrose, o fgado subdividido em ndulos regenerativos
de hepatcitos ou proliferao rodeada por tecido cicatricial, chamado de cirrose, que se
caracteriza, adicionalmente, pela presena de distoro arquitetural heptica. A fibrose,
colorao do tricrmico de Masson, visualizada em azul. A fibrose perissinusoidal vista
como traves de material azul, nesta colorao, ao redor de hepatcitos. A fibrose
perivenular, comum na esteatohepatite alcolica, visualizada como traves azuladas ao
redor da vnula terminal. J a fibrose portal pode ser vista como um aumento da
quantidade de colgeno, em azul, nos espaos-porta, e muitas vezes formando septos entre
espaos-porta (septos porta-porta), que podem ser finos ou grossos (F2 e F3 da
classificao METAVIR) ou septos porta-centro, vistas ocasionalmente em cirrose
alcolica (Quadro 5).
Balonizao: dano por insulto txico ou imunolgico podendo causar tumefao dos
hepatcitos. Com a piora do quadro, ocorre a degenerao em balo, onde os hepatcitos
intumescidos tm organelas citoplasmticas irregularmente aglomeradas em grandes
espaos claros (Quadro 5).
Infiltrado: Na hepatite viral, os linfcitos quiescentes podem ser coletados nos tratos
portais como um reflexo de inflamao branda, derramar-se por sobre o parnquima
periportal sob a forma de linfcito ativado (hepatite de interface). A destruio de clulas
hepticas por linfcitos citotxicos ativados um mecanismo comum na infeco viral.
Anlise Histolgica CaracterizaoEsteatose microgoticular Pequenos vacolos no citoplasma sem
deslocar o ncleo Esteatose macrogoticular Vesculas que deslocam o ncleo para
periferia da clula Ferro Aparncia granulosa, grosseira, de cor azul
escura, presente em hepatcitos e clulas fagocitrias
Fibrose visualizado por corar de azul as fibras de colgeno
Balonizao Clulas entumescidas, grandes espaos claros no citoplasma
Quadro 5 Classificao da bipsia heptica de acordo com a anlise histolgica.
3.3.5 Esteatohepatite
45
A presena de esteatohepatite foi determinada a partir da anlise de alguns
critrios, como bipsia heptica com evidncias de esteatose, infiltrado inflamatrio lobular e
balonizao de hepatcitos, podendo estar presente ou no os corpsculos de Mallory e
fibrose heptica (CONTOS et al., 2004).
As caractersticas histolgicas determinantes de esteatohepatite foram
inicialmente analisadas pelo patologista, e confirmada de acordo com os sistemas propostos
por Brunt e colaboradores (1999) e Kleiner e colaboradores (2005).
Para determinao de esteatohepatite, de acordo com Brunt e colaboradores
(1999), a esteatose foi dividida em uma escala de trs pontos: grau 1 caracteriza esteatose
envolvendo menos que 33% dos hepatcitos, grau 2 envolve de 33 a 66% das clulas
hepticas e grau 3, mais que 66% destas clulas. A inflamao tambm foi analisada. Para
tanto, foi proposta uma escala de quatro pontos: 0 caracteriza ausncia de inflamao, 1
representa inflamao leve, 2 moderada e 3 grave. A fibrose foi dividida em cinco estgios:
no estgio 0 observa-se ausncia de fibrose, estgio 1 caracteriza zona 3 e fibrose
perisinusoidal ou perivenular, estgio 2: zona 3 e fibrose periportal, estgio 3: fibrose septal e
estgio 4: cirrose. Outras caractersticas histolgicas tambm foram analisadas, como
balonizao hepatocelular (0 = ausente, 1 = leve e 2 = considervel) e ferro heptico (0-4 por
campo). A gravidade da inflamao lobular, bem como, necrose hepatocelular, inflamao do
trato portal, fibrose pericelular, fibrose portal com pontes, tambm foram consideradas como
escore. Assim, a esteatohepatite no alcolica foi determinada como a presena de esteatose,
inflamao lobular mista e balonizao hepatocelular ou esteatose mais qualquer estgio de
fibrose, podendo ser classificada como leve, moderada ou grave de acordo com os padres
dispostos no quadro 6.
Anlise de esteatohepatite CaracterizaoLeve Baixo nvel de esteatose (< 33%); inflamao
lobular leve; raros leuccitos, microgranulomas e lipogranulomas; balonizao e inflamao portal crnica leves.
Moderada Esteatose em 33 a 66% dos hepatcitos; balonizao sempre presente; lipogranulomas e microgranulomas prximos e pequenos; inflamao portal de leve a moderada, podendo apresentar, ocasionalmente, atividade interface.
Grave Esteatose panacinar, envolvendo na totalidade os ndulos cirrticos regenerativos
46
do parnquima; balonizao constantemente presente; inflamao lobular e portal aumentadas.
Quadro 6 Classificao do grau de esteatohepatite, segundo Brunt e colaboradores (1999).
Para classificao de esteatohepatite segundo Kleiner e colaboradores (2005), o
sistema de escores compreendia 14 caractersticas histolgicas, das quais quatro eram
avaliadas semi-quantitativamente (esteatose de 0 a 3, inflamao lobular de 0 a 2, balonizao
hepatocelular de 0 a 2 e fibrose de 0 a 4) e outras nove caractersticas eram avaliadas como
ausente ou presente (esteatose microvesicular, microgranulomas, grandes lipogranulomas,
inflamao portal, corpos acidfilos, macrfagos pigmentados, megamitocndrias, corpos
Mallory e ncleos glicognicos). O escore total da esteatohepatite foi representado pela soma
dos escores da esteatose, inflamao lobular e balonizao, variando de 0 a 8. Assim, escores
de 0 a 2 so classificados como ausncia de EHNA, enquanto que escores de 3 a 4 podem ser
classificados como ausente, borderline ou positivo para esteatohepatite. Por fim, indivduos
que apresentaram escores de 5 a 8, caracterizaram presena de esteatohepatite.
3.4 Anlise estatstica
A descrio das anlises categorizadas foi feita atravs de tabelas e grficos e das
variveis quantitativas atravs de quadros descritivos (mdia, desvio padro, mnimo,
mediana e mximo). A anlise de associao para variveis categorizadas foi feita atravs de
teste exato de Fisher. Em relao comparao das mdias entre 2 grupos, foi usado o Teste
t_student para variveis com distribuio normal e pelo teste Mann-Whitney para variveis
cuja distribuio do n normal. O teste de normalidade das variveis quantitativas foi
realizado atravs do teste Shapiro-Whilk. Para a anlise da correlao linear, foi usado o teste
de Spearman. Para clculos das anlises estatsticas foi usado programa SPSS verso 13.
3.5 Consideraes ticas
47
O presente estudo foi submetido ao Comit de tica em Pesquisa do Hospital
Universitrio Walter Cantdio (HUWC/UFC) e recebeu parecer favorvel sua execuo
atravs do ofcio N 120/05 (ANEXO E).
4 RESULTADOS
4.1 Anlise clnico-epidemiolgica
No perodo de Maro/2006 a Agosto/2006 foram selecionados 32 pacientes
portadores do vrus da hepatite C atendidos no ambulatrio de gastroenterologia do Hospital
Universitrio Walter Cantdio, que haviam sido submetidos bipsia heptica.
Dentre os indivduos analisados, 71,9% pertenciam ao sexo masculino (23/32. A
mdia de idade da populao estudada foi de 46,47 anos, variando entre 31 e 75 anos de idade
(Figura 11). Setenta e oito por cento dos indivduos do sexo masculino (18/23) estavam
agrupados na faixa etria de 32 a 52 anos, enquanto que os pacientes do sexo feminino
apresentaram distribuio sem muita discrepncia entre as faixas etrias. Apenas um dos
indivduos analisados possua idade superior a 73 anos, sendo que no foi relatado nenhum
48
0123456789
10
N de pacientes
31-39 40-49 50-59 60-69 70-75
Faixa Etria (anos)
MasculinoFeminino
paciente com idade entre 67 e 73 anos. A distribuio dos indivduos segundo sexo e a mdia
da idade no difere estatisticamente (p = 0,157).
Figura 11 - Populao estudada distribuda segundo sexo e faixa etria dos pacientes (n=32).
A anlise dos pronturios dos pacientes permitiu a obteno de alguns dados
clnicos dos mesmos. Oitenta e trs por cento dos indivduos possuam pelo menos uma das
transaminases (AST/ALT) alteradas, sendo que 83,3% dos indivduos apresentavam nveis de
AST alterados e 79,3% apresentavam nveis de ALT acima da normalidade. Apenas dois
pacientes no possuam dados relativos a nveis de transaminases em seus pronturios. Foi
observado que a mdia das transaminases mostrou-se, aproximadamente, duas vezes superior
ao valor normal, sendo que AST apresentou mdia de 86,7 U/L (valor normal, variando de 15
a 37 U/L), enquanto que a ALT obteve mdia igual a 120,4U/L (valor normal, variando de 30
a 65 U/L). Dados relacionados genotipagem do vrus tambm foram analisados. Foi
observado que 84,6% dos pacientes encontravam-se infectados pelo vrus da hepatite C
gentipo 1, enquanto que os 15,4% restantes estavam infectados pelo vrus gentipo 3. Os
gentipos 2, 4, 5 e 6 no foram observados na grupo avaliado e em seis pacientes no foi
possvel a obteno do gentipo viral (Quadro 1).
Considerando-se o ndice de massa corprea (IMC), no foi possvel a obteno
do IMC de 31,3% do grupo estudado (10 pacientes). A distribuio dos pacientes de acordo
com o IMC apresentou nove indivduos normais (40,9%), 10 (45,5%) com sobrepeso e 3
(13,6%) obesos (Quadro 1). A associao do IMC com o sexo dos pacientes no apresentou
significncia estatstica, entretanto foi observado um maior percentual de indivduos com
49
0
5
10
15
20