estudos do iscaa (2ª série) - nº5, ano 1999

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ISSN: 0873-2019 ESTUDO DO i%ò%V^%ÍTui\% INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO 1999

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Page 1: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº5, Ano 1999

ISSN: 0873-2019

ESTUDO DO

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INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO

1999

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Estatuto Editorial

1. Carácter da Revista 1.1. A Revista Estudos do I.S.C.A.A. será publicada anualmente, preven-

do-se a sua distribuição para o mês de Outubro.

1.2. Objectivos

1.2.1. Reforçar a identidade do I.S.C.A.A. no espaço técnico, científico e cultural das Escolas de Ensino Superior.

1.2.2. Criar um espaço de reflexão interdisciplinar de acordo com as exigências de uma abordagem científica da complexa realidade empresarial e seus enquadramentos.

1.2.3. Dinamizar a análise crítica de experiências concretas no interior das empresas com base na observação, em estudos empíricos e em dados estatísticos.

1.2.4. Acompanhar, na medida do possível, os resultados da pesquisa e da reflexão científica no interior da Escola - e, quanto possível, no país e no estrangeiro - nos domínios relevantes para a actualização dos profissionais diplomados e formados no I.S.C.A.A..

1.2.5. Promover a criação de um Centro do Património Contabilístico Português que permita enraizar as soluções criativas para os desafios actuais na tradição técnico-científica e cultural dos estudiosos portugueses da Contabilidade e conexas Ciências empresariais.

2. Colaboradores

2.1. A Revista Estudos está aberta a todos os estudiosos e profissionais dispostos a reflectir sobre quaisquer questões e experiências que reforcem os valores humanos, aprofundem conhecimentos e promovam a eficácia no desempenho das múltiplas tarefas exigidas ao profissional saído do I.S.C.A.A., sem discriminação de paradigmas teóricos ou de correntes de pensamento.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A II Série • N°5 • 1999 Revista de Publicação Anual

Direcção: Joaquim José da Cunha

Coordenação: José Fernandes de Sousa Virgínia Maria Granate Costa e Sousa

Conselho Consultivo: Professores Coordenadores das Áreas Científicas do I.S.C.A.A.

Edição e Propriedade: Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro

Apoio Administrativo e Assinaturas: Biblioteca do I.S.C.A.A. R. Associação Humanitária dos Bombeiros Velhos de Aveiro Apartado 58 - 3811-953 AVEIRO Tel: 234 380110 Fax: 234 380311

Preço: 1.500$00*, acrescido de IVA e portes de correio *Desconto para professores, estudantes e reformados do ISCAA

ISSN: 0873-2019

Depósito legal n°: 922 54/99 Capa: Design/execução: Francisco Espindola/Minerva Trat. de texto: apoio técnico de Maria Lisete Marques Impressão: Tipografia Minerva Central, Lda./1999

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7 JOSÉ FERNANDES DE SOUSA

A NOVA VISÃO DA CONTABILIDADE li ANTÓNIO LOPES DE SÁ

INFLUÊNCIA INTELECTUAL E A DOUTRINA NEOPATRIMONIALISTA DA CONTABILIDADE 25 ANTÓNIO LOPES DE SÁ

NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA 37 AVELINO AZEVEDO ANTÁO

A ÉTICA COMO FACTOR DE DIFERENCIAÇÃO NO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE PROFISSIONAL DO CONTABILISTA 61 DOMINGOS JOSÉ DA SILVA CRAVO

O ENSINO DA CONTABILIDADE NO ENSINO SUPERIOR -TENDÊNCIAS. ALGUMAS QUESTÕES / REFLEXÕES 101 DOMINGOS JOSÉ DA SILVA CRAVO

PROJECTO EM SIMULAÇÃO EMPRESARIAL UMA PERSPECTIVA EM DESENVOLVIMENTO 113 E. MACHADO, H. INÁCIO, J. FORTES EJ. SOUSA

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RELATING ORGANIZATIONAL LEARNING AND INFORMATION SYSTEMS: A PRELIMINARY STUDY 129 JOÃO BATISTA A.DIAS DE FIGUEIREDO

VISITA GUIADA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE o LIBERALISMO E A ESCOLA CLÁSSICA INGLESA 139 JOSÉ FERNANDES DE SOUSA

DIÁRIOS/WRITING JOURNAL: CONTRIBUTO PARA o DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA EM CURSOS TÉCNICOS 175 Luís GOUVEIA

POLINÓMIOS E FUNÇÕES POLIMONIAIS FACTORIZAÇÃO DO ANEL DOS POLINÓMIOS 189 MARGARIDA MARIA SOLTEIRO MARTINS PINHEIRO

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APRESENTAÇÃO

Com atraso significativo, que nos esforçamos por ultrapassar em cada nova edição, podemos agora publicar o n° 5, de 1999, de Estudos do ISCAA.

O conteúdo da Revista desenvolve-se dentro do formato habitual: os artigos aparecem por ordem alfabética de autores, dada a ausência de rubricas específicas.

Apesar da relativa uniformização da estrutura dos textos, da bibliografia, etc. deixamos uma certa margem de diferença que os autores gerem a contento. Assim, a presente edição integra textos cujo, formato se prende visivelmente ao caracter da sua finalidade original.

O ilustríssimo académico brasileiro, Prof. Doutor António Lopes de Sá, oferece-nos dois textos convidativos.

A NOVA VISÃO DA CONTABILIDADE considera que a Conta­bilidade, fiel à tradição, face às diversificadas transformações económicas e sociais, vai progredir - sem abandonar a metodologia contábil - em busca de novas bases e novas abordagens; o rumo certo passa por uma decidida orientação para as ciências conexas, por uma redobrada atenção às sinergias epistemológicas da interdisciplinarida­de e pela compreensão do impulso inovador que, ao nível do pensamento e da acção, emana de uma sólida cultura geral; a nova Contabilidade terá seu lugar assegurado no consílio das ciências para, sem ressentimentos, partilhar a ingente tarefa de prospectivar e construir o futuro, cuja fisionomia flui da confiança no Homem e na Ciência.

A INFLUÊNCIA INTELECTUAL E A DOUTRINA NEO PATRIMO-NIALISTA DA CONTABILIDADE retoma o atávico esforço do cientista em busca de uma teoria que sirva para iluminar os complexos refegos da realidade. O teórico da Contabilidade pretende vencer a opacidade da realidade económica e social e traduzir, através do método que adopta, a dupla face do património - a "material", de fácil quantificação e menor resistência metodológica, e a "imaterial" que, apesar da sua

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crescente importância, aparece mais fluida e esquiva aos avanços da ciência.

Parece que o autor, apesar da sua conceptualização peculiar, espera da abordagem sistémica - sem esquecer os seus contactos metafóricos com a Biologia - novas aquisições para a ciência contábil.

A NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA foca algumas candentes questões relativas às normas contabilísticas e ao processo de normalização, nomeadamente às organizações normalizadoras -- localização, composição, poder e influência, suas relações, etc. - , às organizações profissionais e aos diferentes modelos de normalização, deixando, para concluir, a ideia de que se torna indispensável criar um modelo europeu que viabilize a comparação da informação. Enfim, um conjunto de questões passíveis de um projecto monográfico.

A ÉTICA COMO FACTOR DE DIFERENCIAÇÃO NO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE PROFISSIONAL DO CONTABILISTA assume uma feição eminentemente pedagógica, não apenas pelo tema e sua actualidade profissional - o Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas é uma recente conquista - , mas por se tratar de uma "Lição", integrada num concurso de provas públicas para Professor Coordenador da Área Científica da Contabilidade do ISCAA, que, da concepção ao desenvolvimento, adopta propositadamente uma metodologia distanciada dos contornos da "lição magistral".

Aliás, as preocupações pedagogico-didácticas têm uma presença significativa nesta edição.

1 A sensibilidade dos docentes do ISCAA para as questões pedagógicas, nomeadamente as relacionadas com a metodologia da Escola activa, centrada nos alunos e alicerçada na vida, remonta, pelo menos, a meados da década de 80: Reformismo Social e Projecto Educativo: António Sérgio, Defensor do Ensino Técnico Profissional, in Actas das 2aS Jornadas de Contabilidade, realizadas em Aveiro de 5 a 12 de Maio de 1984, Aveiro, ISCAA, 1985, pp. 543-582, e "A Empresa e a Escola na Formação do Contabilista, in Actas das III Jornadas de Contabilidade, realizadas no Porto, de 6 a 9 de Novembro de 1985, Porto, ISCAP, 1986, pp. 341-379 constituem dois momentos do dever de pensar a profissão docente, que não perderam, penso, sentido e actualidade.

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O ENSINO DA CONTABILIDADE NO ENSINO SUPERIOR -- TENDÊNCIAS. ALGUMAS QUESTÕES/RFLEXÕES centra-se no processo de ensino aprendizagem - agentes, conteúdos, métodos, etc. O autor alinha pela ideia de que uma vívida formação escolar passa pelo desenvolvimento de capacidades, nomeadamente a capacidade de aprender, que, sendo uma das exigências da escola da vida, não pode deixar de assumir uma prioridade estratégica na vida da escola.

O PROJECTO EM SIMULAÇÃO EMPRESARIAL - uma actividade disciplinar integrada no currículo da Licenciatura bi-etápica do ISCAA - dá-nos conta de UMA EXPERIÊNCIA EM DESENVOLVIMENTO que, apesar de se integrar num movimento mais do que secular de renovação da Escola, vulgarmente denominada tradicional, não deixa de ser inovador ao nível do Ensino Superior da Contabilidade, em Portugal.

Parece claro que a teoria/doutrina não é roupagem académica de mera exibição talar, tem, de facto, uma utilidade prática eminente e insuprível, nomeadamente no acompanhamento de tarefas que exigem definição de objectivos, planeamento de actividades e sua lúcida execução, avaliação crítica dos resultados e síntese/comunicação da experiência desenvolvida.

RELATING ORGANIZATIONAL LEARNING AND INFORMATION SYSTEMS: A PRELIMINARY STUDY aduz um contributo para lançar uma ponte sobre o fosso que separa - ou pode separar - a "aprendizagem organizacional" e os "sistemas de informação", sendo a melhor forma de ultrapassar esse "gap" a estruturação de uma linguagem comum, facilmente partilhada, assente em conceitos claramente definidos.

A VISITA GUIADA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBERALISMO E A ESCOLA CLÁSSICA INGLESA, d'onde não está ausente o sentido pedagógico que lhe deu origem, convida a revisitar o pensamento fundador da nossa civilização, cujos desenvolvimentos moldam o mundo em que vivemos.

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Em DIÁRIOS/WRITING JOURNAL: CONTRIBUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA EM CURSOS TÉCNICOS acontece uma experiência centrada na aplicação do método dos projectos ao ensino da língua inglesa, cujas virtualidades se afiguram incontestáveis.

Finalmente, em POLINÓMIOS E FUNÇÕES POLINOMIAIS FACTORIZAÇÃO NO ANEL DOS POLINÓMIOS, ficamos diante de um trabalho relacionado com as provas públicas para Professor Adjunto da Área de Matemática do ISCA de Aveiro.

Somos assim. Da nossa parte forcejamos por cumprir. Perseveramos na

disposição de melhorar, não apenas o figurino da revista - pensamos na criação de secções permanentes, incluindo recensões - mas igualmente o seu conteúdo, procurando a sua diversificação, valorização e credibilização - sem esquecer as acções que viabilizem o acesso da publicação ao seu público alvo.

Pe l 'A COORDENAÇÃO DA REVISTA

J.F.S.

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Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 11-24

A NOVA VISÃO DA CONTABILIDADE

P R O F . D O U T O R A N T Ó N I O L O P E S D E S Á PRESIDENTE DA ACADEMIA BRASILEIRA DE

CIÊNCIAS CONTÁBEIS

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Revista Estudos do ISCAA

SUMÁRIO:

• TRADIÇÃO DE PROGRESSOS EM CONTABILIDADE • As MUDANÇAS DE ÓTICAS NA CONTABILIDADE CONTEMPORÂNEA • As RELAÇÕES LÓGICAS E O CORRELATIVO NO COMPORTAMENTO DA RIQUEZA • ESPECIFICIDADE DO CONHECIMENTO DA CONTABILIDADE • A VOCAÇÃO NEOPATRIMONIALISTA COMO O GRANDE PROGRESSO • A DIFERENÇA ENTRE AS VOCAÇÕES DE ESTUDIOSOS • O SOCIAL E A CONTABILIDADE - PERSPECTIVAS DE UMA NOVA CIÊNCIA

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A Nova Visão da Contabilidade

"A Contabilidade sempre seguiu seu destino de progresso, ao longo do tempo, mas, na atualidade, talvez esteja a sofrer as mais profundas mudanças . A teoria das Funções Sistemáticas que elaboramos ofereceu uma visão geral de nossa disciplina e abriu portas para um agregado da mesma com outros ramos do saber . Admitimos, pois, que uma nova ciência possa surgir com base nas conquistas contábeis e que seria a de uma ciência para uma nova sociedade, a partir de uma nova célula social, beneficiada pela prosperidade . "

TRADIÇÃO DE PROGRESSOS EM CONTABILIDADE

Um dos grandes pensadores de nosso século, Georges Gusdorf, escreveu, em sua monumental obra, "Da História das Ciências à História do Pensamento", algo que muito é motivo de orgulho para três classes, de duas grandes pátrias : "A longa noite da Idade Média permite render uma justa homenagem aos mercadores e aos contabilistas italianos, bem como aos navegadores portugueses".

Sem dúvida, a sistematização das partidas dobradas, ocorrida no campo dos registros e demonstrações contábeis, constituiu-se na base para que fosse processado um grande progresso, não só no campo empírico, mas, também, no da construção dos alicerces para uma ciência da riqueza.

O que ocorreu nos séculos seguintes, fluiu como consequência dos esforços intelectuais, de valorosos estudiosos, em um ramo de conhecimento que já era considerado como um fator fundamental na sustentação do progresso.

As modificações foram-se sucedendo naturalmente, por acréscimos, mas, só no mundo atual, a partir do século XX, os avanços se tornariam mais que proporcionais aos que antes sucederam.

O progresso teórico das correntes de pensamento europeias, especialmente as italianas e alemãs, e, aqueles do campo tecnológico, culminaram, ambos, por contribuir para que surgissem novas bases e diretrizes no estudo da riqueza das células sociais.

A Contabilidade, pois, chegou aos nossos dias, modificada, em relação aos seus rumos tradicionais, seguindo uma direção

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conveniente, adequada, ampliando, consideravelmente, a sua utilidade e com perspectivas alvissareiras.

AS MUDANÇAS DE ÓTICAS NA CONTABILIDADE CONTEMPORÂNEA

A visão enclausurada da riqueza, sob uma ótica isolada, sem conexão com tudo o mais ao qual ela se liga, foi, contabilmente, conservada por milénios.

Tanto na prática quanto nos estudos e obras escritas ou editadas, a constante foi sempre a de objetivar a empresa ou a instituição fechada em si mesma.

Só, há pouco mais de um século, começou a modificar-se o aspecto de observação, ao entender-se que os fatos que ocorrem em uma riqueza individualizada não podem ser desconhecidos no estudo dos efeitos causados pelos entornos.

A travessia desse Rubicão cultural, iniciou-se nas primeiras décadas do século XX e segue, aceleradamente, para um sentido cada vez mais holístico.

Tal tendência se opera não só apenas em razão do aparecimento de novas especialidades como as relativas à Contabilidade Social, Ambiental, da Qualidade, das análises espaciais de custos, das derivadas das influências da informática, da telemática e da velocidade de giro dos capitais, mas, sim, especialmente, como decorrência de haver-se estabelecido um novo enfoque, envolvendo todas as relações que existem entre a riqueza de uma célula social (seja empresa, seja instituição) e as de seus entornos em sentido universal.

Tais foram as transformações ambientais relativas aos mercados, ciências, tecnologias, políticas, comportamentos sociais, éticos etc. que passaram a atingir o patrimônio, que não seria mais possível confinar os estudos a simples informações e a doutrinas empíricas ainda a estas extremamente arraigadas.

A ciência contábil seguiu, pois, por força de todas essas metamorfoses de comportamentos, às vocações de entrelaçamento,

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A Nova Visão da Contabilidade

conglomerado e cooperação recíproca entre as ciências, hoje, uma constante em todos os ramos do conhecimento humano.

Sem cultura geral, sem visão holística, já não é mais possível sobreviver no campo das metodologias científicas e isto foi reconhecido, felizmente, pelos estudiosos da área contabilística.

Evocando novamente Gusdorf observamos que estamos seguindo, em nosso campo, o que o grande mestre lecionou, ou seja, de que: "O sentido da verdade humana não pode ser procurado numa série isolada e independente dos fatos culturais. As diversas perspectivas do saber encontram-se ligadas por um contraponto; cada uma desemboca em todas as outras " , escreveu Georges Gusdorf (obra já referida, edição Pensamento, Lisboa, 1988, página 243).

Esta, a razão pela qual, as análises das peças contábeis, elaboradas segundo o processo tradicional, não suprem mais as exigências para fins administrativos , de políticas de investimentos e sociais, pois são informações insuficientes (tal como se encontram elaboradas segundo as normas ditas como aceitas ou consagradas por grupos de normatização) para as conclusões científicas.

Isto não significa que os procedimentos tradicionais devam ser todos abandonados ou que sejam imprestáveis, mas, sim, que é preciso dar-lhes um novo enfoque, utilizando-se de outros recursos, reconhecendo-se as atuais realidades.

AS RELAÇÕES LÓGICAS E O CORRELATIVO NO COMPORTAMENTO DA RIQUEZA

É imprescindível que se formem ideias e observações a partir do comportamento da riqueza em si, mas, associadas às de todos os demais comportamentos que tiveram capacidade para influir nas transformações patrimoniais.

Tais referidas indagações exigem que fenómenos analisados por outras disciplinas sejam evocados para análises comparativas de efeitos.

Não é útil estudar-se, por exemplo, de forma isolada, as quedas nas vendas, sem que se observem os efeitos externos que as causaram

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e que tanto podem estar no ambiente interno da empresa, em razão de fenómenos administrativos, como em razão de acontecimentos no ambiente externo como os relativos as fenómenos económicos do mercado, de convulsões de massas, defluentes de fenómenos sociais ou de fenómenos ecológicos como secas prolongadas.

O apelo a outros conhecimentos, para conseguir explicação ampla das ocorrências na riqueza aziendal, não significa um abandono do objeto da Contabilidade e nem, muito menos, a invasão de fronteiras convencionais de territórios científicos.

Trata-se de tomar em consideração que a ocorrência de um fato pode depender das circunstâncias de um outro e que embora cada um se estude em seu ramos específicos, muitos, entretanto, se entrelaçam.

Existem, a considerar, sim, três grupos muito definidos de relações lógicas que determinam os acontecimentos nas riquezas aziendais e que, segundo a minha Teoria das Funções Sistemáticas, são eles os de naturezas: essenciais, dimensionais e ambientais (cada um com o seu campo de ação efetivo a considerar, mas, todos, como integrantes de um só universo de acontecimentos).

A Contabilidade, assim disciplinada logicamente, busca uma pluridimensionalidade de exames, em uma holística consideração de todas as influências sobre os acontecimentos que tem por responsabilidade estudar, conseguindo, desta forma conquistar uma outra visão que lhe enseja conhecer com maior precisão a verdade sobre os fenómenos.

A matéria continua sendo o mesma, ou seja, a dos fenómenos do patrimônio da célula social, mas, apenas, sob a ótica aberta de análises de correlações com os entornos, tudo em regime de interação de forma sistemática, considerando as influências provenientes dos ambientes e que determinaram as alterações ou transformações da riqueza.

A exemplo das "forças", na Física, existem influências que fazem mover a riqueza das células sociais, que rompem a inércia da massa patrimonial e que são perfeitamente determináveis nas suas causas e efeitos, em suas qualidades e quantidades, em seus tempos e espaços.

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Sobre esta questão, estou acompanhando importantes trabalhos ainda inéditos, mas, desenvolvidos na Universidade do Minho, em Portugal, sob a direção e com a participação do Prof. Doutor Armandino Rocha e da Professora Doutora Lúcia Maria Portela de Lima Rodrigues, nos quais se adotam, inclusive, a expressão "força", para determinar a ação dos agentes que influem sobre o patrimônio.

ESPECIFICIDADE DO CONHECIMENTO DA CONTABILIDADE

O fato de se analisar a influência da inflação sobre o comportamento do imobilizado de uma empresa, por exemplo, não significa que se está fazendo um estudo económico, mas, apenas, valendo-se dos subsídios da Economia.

O fato de, judicialmente, por exemplo, considerar-se os fenómenos biológicos, revelados em um laudo médico, para efeitos penais, não autoriza a dizer-se que o Direito seja uma ciência biológica.

Um mesmo fenómeno pode ser observado por várias ciências, e quase sempre o é, sem todavia comprometer o objeto de estudos de cada uma, mas, também, sem se poder negar a relação de interdependência à qual Gusdorf se refere.

Esta a razão de, há milénios, Aristóteles afirmar que havia uma ciência da riqueza particularizada e que esta não era a Economia; ou seja, afirmou que o estudo objetivo do patrimônio, nas células sociais, não se confunde com aquele que de forma abstraía considera uma riqueza social, como se faz na Economia (em sua obra A Política).

A riqueza pode ser examinada por diversas ciências, como, por exemplo, a do Direito ; grande parte do Direito Civil é Direito Patrimonial, como boa parte do Direito Comercial, também é Direito Patrimonial.

Porque os estudos da Economia, do Direito, da Administração, devam ser considerados pelos contabilistas, não significa que a Contabilidade seja uma Ciência Jurídica, Económica ou Administrativa.

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O fato das novas correntes de estudos estarem buscando maiores correlações com outros ramos de conhecimento, mas, sem abandonar a metodologia contábil, no sentido de uma visão holística, não significa, de modo algum, abdicação ao que por base possuímos como objeto científico.

Os progressos doutrinários e práticos na Contabilidade não implicaram em uma renúncia ao estudo da riqueza das células sociais, mas, ao contrário, no maior apego, ainda, a tal matéria, apenas buscando conhecer como a mesma se comporta diante das influências externas que recebe.

A VOCAÇÃO NEOPATRIMONIALISTA COMO O GRANDE PROGRESSO

O Neopatrimonialismo não é uma outra Contabilidade, mas uma nova corrente que observa o assunto contábil, sob perspectivas de amplitude, de correlações, mais condizentes com a evolução das tecnologias e necessidades dos mercados e administrações contemporâneas.

As ideias básicas de um Neopatrimonialismo, todavia, intuitivamente, como uma nova corrente de estudos, já se ensaiava na Itália, com os trabalhos de Ceccherelli (II Linguaggio dei Bilanci) , e os de Masi (La Scienza dei Património), nos anos 50 e 60 do século XX.

A vocação para análises correlativas não significa o abandono ou a transformação de um objeto científico, nem a renúncia ao estudo aprofundado do que essencialmente ocorre com a riqueza individualizada, mas, apenas, uma ampliação da ótica de observação.

Analisar, por exemplo, a influência de uma nova política cambial nos custos de produção de uma indústria, não significa que se está fazendo um estudo económico, mas, sim, valendo-se dos conhecimentos da Economia para observar, raciocinar e concluir sobre os verdadeiros efeitos de tais fenómenos sobre o capital da empresa.

Todos os caminhos são úteis para a compreensão da realidade e os limites entre as ciências são, apenas, convenções para auxílio

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metodológico e é fundamentado em tal concepção que se vem processando a abertura dos estudos em Contabilidade.

O valor da cultura geral, o conhecimento de filosofia e história, é imenso, perante o desenvolvimento de qualquer ramo do saber que esteja comprometido com a verdade e esta é uma responsabilidade que o Neopatrimonialismo tomou como base.

A DIFERENÇA ENTRE AS VOCAÇÕES DE ESTUDIOSOS

A simples alegação de que um estudo é apenas teórico, prolixo, aplicada para depreciar quem desenvolve com racionalidade os assuntos contabilísticos, é, quase sempre, própria dos que não conseguiram, ainda, medir a extensão do que ocorre em matéria cultural.

Os ataques que por vezes se fazem, para defender posições pragmáticas ou apenas subjetivas, são próprios dos que se preocupam mais em impor as suas ideias do que em reconhecer que a verdade é uma conquista a ser perseguida constantemente.

O pragmatismo tem a sua utilidade, assim como a posição científica, também, embora uma e outra sejam falíveis, dependendo da qualidade lógica do desenvolvimento das razões que foram tomadas como sustentações.

A divisão de rumos entre as escolas europeias, anglo-saxônicas e a atual latino-americana, tem-se operado exatamente em face da visão de cada uma, a respeito do conhecimento contábil.

A razão da supremacia de diversos autores europeus e dos latino-americanos, em face de muitos dos cultores da Contabilidade anglo-saxônica, está, exatamente, na qualidade educacional, ou seja, na capacidade em correlacionar entendimentos; a excelência dos doutrinadores advém, entretanto, do maior poder de conhecimento dos mesmos sobre a realidade internacional da cultura.

Basta comparar as bibliografias de muitos dos trabalhos produzidos nos Estados Unidos, com relação aos produzidos na comunidade europeia e naquela latino-americana, para que se tenha a noção da extensão dessa diferença de culturas.

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O que está hoje a ocorrer, não só no campo da disciplina contábil, mas, também, de outras ciências, como as da Administração, da Economia, é que existem os que se prendem apenas aos estudos de casos, de acontecimentos ocorridos em seus países ou em áreas de suas atuações (são exemplos os estadunidenses) e outros que buscam a generalidade, ou seja, a construção de teoremas e teorias de valor universal (caso do Neopatrimonialismo latino e o de várias correntes europeias).

Todos os estudos são úteis, mas, não se pode negar que maior seja a qualidade do estudo científico, em relação ao pragmático, não só em nossa disciplina, mas, em todas as demais.

Entender, todavia, que a Contabilidade só serve para informar ou para produzir modelos de maximização de resultados é estar fora da realidade cultural já conquistada e daquela que se enceta rumo ao futuro.

Ter em mente que a Contabilidade só serve como uma especialização a serviço da especulação monetária, da exacerbada busca de lucros , da concorrência em moldes imperialistas sob a capa de globalização, sendo uma técnica apenas de informação de acontecimentos decorrentes dessa corrida, é menosprezar a inteligência humana, tão como abandonar um prodigioso acervo de conquistas que em séculos já foram realizadas no campo das doutrinas, por cientistas de rara inteligência .

Não foi sem forte razão que Albert Einstein lecionou que : "Os excessos do sistema de competição e de especialização prematura, sob o falacioso pretexto de eficácia, assassinam o espírito, impossibilitam qualquer vida cultural e chegam a suprimir os progressos nas ciências do futuro" (página 29 da obra Como vejo o mundo, editora Nova Fronteira, 12.a edição, Rio de Janeiro, 1981).

O desenvolvimento de nossa disciplina, portanto, se negasse o holístico, o racional, a uma eficácia que respeite o social, negaria a sua vocação.

A diferença entre os estudiosos, no processo evolutivo do conhecimento, está, pois, na qualidade do caminho que escolhem, ou seja, 1) aquele apenas das aparências, da apressada observação, só no

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campo dos registros, demonstrações e aspectos lucrativos e o outro 2) das essências e análises sob a ótica da metodologia científica da Contabilidade e dos interesses sociais (opção do Neopatrimonialismo).

No momento, assistimos essa divisão, ou seja, dos que se situam no afã de um utilitarismo sem freios, ainda insistindo no radicalismo da informação apenas (tal como o que Einstein critica) e os que constróem, de fato, arcabouços científicos visando a uma sociedade justa.

O SOCIAL E A CONTABILIDADE - PERSPECTIVAS DE UMA NOVA CIÊNCIA

Tendência das ciências tem sido a da agregação dos conhecimentos, e a de agasalhar reflexões que superam à própria materialidade da observação comum, em busca de novas soluções para padrões melhores de existência e para uma mais arrojada busca da verdade.

Ou ainda, a razão deve superar a observação, embora ambas devam procurar um ponto de encontro, em face da verdade que se almeja conquistar.

Confinar a Contabilidade a expressão numérica, à simples constatação de acontecimentos evidentes e passados, é tolher o progresso que tal ramo de conhecimento merece e pode comporta.

Com justiça, pois, é que Bachelard, um dos mais significativos filósofos de nossa época, leciona que existe, na atualidade, "uma primazia da reflexão sobre a percepção, da preparação numeral dos fenómenos tecnicamente constituídos" e ainda acrescenta: "Teremos de demonstrar que aquilo que o homem faz na técnica científica nem sempre é o que existe na natureza e não é sequer uma continuação natural dos fenómenos naturais" (Gaston Bachelard - A Epistemologia, edições 70, Lisboa, 1981, página 19).

Foi acreditando na força da razão e reconhecendo a necessidade de uma visão de uma nova sociedade, a partir das bases da ciência da riqueza celular que encetei caminhos lógicos para visões de maior amplitude.

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Ao construir a minha Teoria das Funções Sistemáticas do Patrimônio das Células Sociais, seguindo a vocação referida, enunciei como axioma final, o da eficácia social.

Ou seja, parti do princípio de que quando todas as células sociais forem eficazes a sociedade também o será.

Considerando que a eficácia da célula, é a que se obtém pela satisfação da necessidade objetiva da mesma, dentro de seus limites, e, reconhecendo que o estudo de tal fenómeno é do domínio da Contabilidade, foi fácil concluir sobre a possibilidade de associar os estudos contábeis aos sociais e a outros, para uma visão de uma "célula modelo", ou seja, de uma onde a eficácia seja coerente com os interesses individuais e aqueles coletivos.

Assim, concebi, por um princípio de lógica, compatível com o que Bachelard lecionou, a possibilidade da existência de uma nova ciência, inspirada em bases contábeis e que poderia, a exemplo da biogenética, unir conhecimentos de interesse comum e que pudessem fazer evidenciar a estrutura e o desenvolvimento de uma nova célula social.

Se o objetivo da biogenética foi e ainda é o de encontrar uma nova célula biológica para uma maior eficácia do organismo biológico, a da nova ciência que passei a imaginar, para a sociedade, seria o de encontrar uma nova célula social para a maior eficácia do organismo social.

A concebida ciência, aquela que imaginei possa ser a dedicada a construção de uma nova sociedade dos homens, denominei Sociopatrimoniologia.

Pouco adianta, para fins humanos, que estejamos a apenas demonstrar que se investiu tanto ou quanto na solução de problemas ecológicos ou em interesses sociais, se não conhecemos, pela reflexão, as bases lógicas de uma interação entre a célula e os seus entornos, entre a empresa e o meio em que vive, entre a instituição e a sociedade.

Se raciocinarmos que a Biogenética, ao unir a Física, a Química e a Biologia, na busca de novas células, constituiu-se em novo ramo de estudos, sem, todavia anular as ciências que uniu, poderemos,

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A Nova Visão da Contabilidade

também, imaginar que a união das doutrinas da Contabilidade, Administração, Economia, Sociologia, Direito, Antropologia e demais ciências do homem, não perturbará o progresso de cada uma, isoladamente, mas, sim, somará esforços para um novo e grande objetivo.

Não se trata de atrofiar conhecimentos, mas, de dar-lhes direcionamentos mais ousados no campo da indagação e da reflexão, justificáveis diante de tão relevante finalidade.

O progresso isolado das ciências agregadas, não estará impedido, mas, ao contrário, beneficiado por uma nova metodologia que obrigará, sob ótica avançada, a uma visão holística, como aliás, já vem parcialmente ocorrendo.

Sobre este assunto já tenho um ensaio preparado e que brevemente editarei.

Determinar o verdadeiro objeto de estudos, a finalidade, o método, os axiomas, os teoremas básicos, uma teoria geral e as visões das teorias derivadas, será o passo a seguir.

Tudo isto nos mostra que a responsabilidade da Contabilidade, perante o porvir, não se limitará mais aos seus grandes objetivos, mas, também, aos de comparecer perante um aglomerado de ciências, competentes para estruturarem um modelo de célula social, para uma futura sociedade, a partir dos princípios de eficácia ditados pela ciência do patrimônio.

BIBLIOGRAFIA

ARISTÓTELES, A Política, Edição Athena, 3a ed., São Paulo, s/data BACHELARD, Gaston, A Epistemologia, Edições 70, Lisboa, 1981 CANIBANO, Leandro, Teoria Actual de la Contabilidad, Edição ICAC, Madrid, 1997 EINSTEIN, Alberto, Como Vejo o Mundo, Editora Nova Fronteira, 12.a Edição, Rio de Janeiro, 1981 GRANGER, Jules Gaston, A Ciência e as Ciências, Edição Unesp, São Paulo, 1994 GuSDORF, George, Da História das Ciências à História do Pensamento, Edição Pensamento, Lisboa, 1988 KOLIVER, Olivio, O Ensino Universitário, os Exames de Competência e a Educação Continuada na Busca da Experiência e do Exercício Profissional Pleno, em Revista

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Revista Estudos do ISCAA

do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Outubro/Dezembro de 1997 MASI, Vincenzo, Filosofia delia Ragioneria, Edição Zuffi, Bolonha, 1955 NEPOMUCENO, Valério, A Ambiência Filosófica da Teoria das Funções, em Revista de Contabilidade e Comércio, n.° 210, Porto, 2o semestre de 1996 NEWET, Eirik, Breve Storia delia Scienza, la Ricerca delia Verità, Editor Salani, Florença, 1998 NOGUEIRA, Miguel João Martins e OTERO, Fernando Leopoldo Severino, Novas Tecnologias e Contabilidade de Gestão: A Crise dos Sistemas de Contabilidade de Gestão, a Gestão de Qualidade e os Sistemas de Contabilidade e a Gestão do Tempo e os Sistemas de Contabilidade, em Jornal de Contabilidade n° 256, Edição da APOTEC, Lisboa, Julho de 1998 OCEJO, José Luís Sáez , Contabilidad Creativa y Factores Determinantes, em Técnica Contable, n° 596-597 , Madrid, Agosto - Setembro, 1998 OLIVEIRA, Edson, Contabilidade Informatizada, Teoria e Prática, Editora Atlas, São Paulo, 1997 PADRONI, Giovanni, Dinamiche del Controlo, Interrelazioni con l'Organizzazzione e la Dimensione Aziendale, I Seminário Latino de Cultura Contábil, Prolatino I, Edição CEPPEV, Fundação Visconde Caim e Academia Brasileira de Ciências Contábeis, Salvador, Bahia, 1998 RODRIGUEZ, José Maria Requena, Epistemologia de la Contabilidad como Teoria Científica, Edição do autor, Malaga, 1977 SÁ, António Lopes de, Teoria da Contabilidade, 2.a Edição, Atlas, São Paulo, 1996. TAYLOR Peter e TURLEY Stuart - The Regulation of Accounting, Edição Basil Blackwell Nova York

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Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 25-36

INFLUÊNCIA INTELECTUAL E A DOUTRINA NEOPATRIMONIALISTA DA CONTABILIDADE

P R O F . D O U T O R A N T Ó N I O L O P E S D E S Á PRESIDENTE DA ACADEMIA BRASILEIRA

DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS

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Revista Estudos do ISCAA

SUMÁRIO:

As empresas, as instituições não lucrativas, ambas, possuem particularidades especiais na correlação entre os seus patrimónios e os agentes dos entornos, quer aqueles internos, quer aqueles externos .

Existem, em decorrência, sutis delimitações, para fins de estudos científicos, com relação às pertinentes metodologias de indagação .

Nessas áreas, é que hoje se situam as indagações sobre o que existe de imaterial, atuando sobre a riqueza, como causa agente propulsora e que na quase totalidade dos casos não se informa e nem se quantifica.

O poder interno de transformar a riqueza é um fator agente de rara importância na movimentação da riqueza das células sociais e deve ser matéria de estudos em Contabilidade no que representa de assimilação na função patrimonial.

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Influência Intelectual e a Doutrina Neopatrimonialista da Contabilidade

O MATERIAL E O IMATERIAL EM FACE AO PATRIMÓNIO

É comum, na prática, observarmos, por exemplo, uma empresa que tem um capital social de $4.000.000,00, vender o seu empreendimento a terceiros, por $12.000.000,00, ou seja no caso exemplificado, por três vezes mais.

É usual, pois, existir um balanço contábil para fins de natureza legal e um balanço negocial para fins de transação ou alienação.

A maior valia que muitas empresas conseguem em seus trespasses, em relação ao que espelham em suas demonstrações contábeis, é real e pode ter várias causas.

É verdade que a qualidade do lucro tem sido um fator de medida, mas, até que ponto essa condição está comprometida com fatores que não são exclusiva e essencialmente os da riqueza, deve ser objeto de observação.

Os métodos contábeis tradicionais, de demonstração do patrimônio, limitam-se à evidenciação deste, como se tal substância não sofresse outra influência que não fosse a da combinação material de seus próprios elementos.

Não se pode negar, entretanto, que existe uma forte e determinante ligação entre a riqueza (como algo material apenas) e os agentes imateriais que atuam sobre a mesma.

Alguns elementos imateriais incorporam-se ao patrimônio e outros, a maioria deles, mesmo não incorporados, possuem tal ligação que passam a formar, em cada momento de vida da célula social, um estado especial onde o agente e o atuado se amalgamam.

A função é, em sentido relativo, a soma de uma influência agente ambiental sobre um meio patrimonial onde este absorve características daquele , nessa mescla originando-se o fenómeno contábil.

Nisto reside toda uma forma de entendimento que transcende àquela que só enfocava a massa transformável, expandindo-se até o estudo da própria transformação como objeto, ou seja, das relações lógicas amplas que envolvem os aspectos essenciais, dimensionais e ambientais do fenómeno patrimonial.

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Revista Estudos do ISCAA

Tal forma de entender leva a uma ampliação no estudo da Contabilidade, envolvendo a causa agente do movimento da riqueza, no que esta é absorvida pela função, determinando efeitos dimensionais.

O Neopatrimonialismo, partindo das bases da Teoria Geral do Conhecimento Contábil, vem objetivando, dentro da visão holística que possui, penetrar nessa interligação de fatores agentes e a efetivação das funções sistemáticas patrimoniais.

Essa nova ótica da doutrina contábil evidencia que não basta reconhecer que existe algo de imaterial que atinge o desenvolvimento dos fenómenos, mas, que o importante é conhecer sob que condições a assimilação do agente se opera e quais os limites de natureza lógica que existem nas interações entre a matéria e a "não matéria".

Embora, no mundo dos negócios, os valores das transações de trespasse sejam derivados de acordos entre partes, quase sempre de ordem apenas pragmática, realiza-se, também, uma avaliação, visando à determinação de um quantitativo, o mais próximo possível de uma realidade.

Fatores diversos contribuem para a fixação de agentes imateriais tais como o ponto comercial, a marca de um produto, o nome comercial, a qualidade do atendimento, a força de publicidade etc., mas o que cada vez mais, vem preocupando aos estudiosos é o poder da influência intelectual que dentro da empresa atua e que resulta em reflexos sobre o mercado.

O intangível, em face da riqueza, portanto, quer anexando-se, quer não, à mesma, tem expressão quantitativa de valor de negócio e altera o poder de troca da riqueza.

AXIOMA DA CONSTITUIÇÃO DAS CÉLULAS SOCIAIS

Todo estudo deriva da observação, da percepção dos fatos e é preciso partir de algumas premissas para que se encontrem as verdades.

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Influência Intelectual e a Doutrina Neopatrimonialista da Contabilidade

O caminho do entendimento passa por realidades que se consideram incontestáveis e das quais outras, naturalmente, se derivam.

Assim, na ciência contábil, o Neopatrimonialismo aceita como verdade muito do que a tradição doutrinária já consagrou, mas reconhece que nem a tudo se deu a forma científica, e por isto aceita, como razões, que:

1) - O ser humano, sem o patrimônio, não pode, por si só, satisfazer as necessidades das células sociais;

2) - A riqueza, sem o homem, não se move e tende a não resultar em utilidade.

3) - Quer a riqueza, quer o ser humano, isolados, deixam de ter expressão como células, se não se integrarem e se não participarem, de forma contínua, de um universo social.

4) - Os fenómenos patrimoniais decorrem da ação humana interna e também, daquelas dos universos que constituem o entorno externo à célula social (natureza, sociedade, mercados, ciência, política etc.).

5) A ação humana pode, no ambiente interno, ser de caráter intelectual, manual ou mescla de ambos, em diversos níveis de qualidades, quer de naturezas volitivas, diretivas ou executivas.

Estas realidades, singelas, evidentes, são bases para um importante axioma, do qual podem-se derivar algumas proposições lógicas ou teoremas e que mais adiante enunciarei.

AXIOMA DA ASSIMILAÇÃO FUNCIONAL

Sendo inequívoco que a massa patrimonial se movimenta e se transforma, por ação de agentes, também a qualidade dos agentes transformadores, em seus efeitos, entendo deva merecer observação contábil pertinente.

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Revista Estudos do ISCAA

O entorno interno aziendal e o externo a este, ambos provocam influências ambientais, mas, estas podem, como causas, derivarem-se de elementos tangíveis ou intangíveis.

Fato incontestável é que a função patrimonial absorve a qualidade do agente que a promove, ou seja, tende a seguir a natureza da causa promotora.

Um estoque de mercadorias, por exemplo, da mesma qualidade, na mesma quantidade, do mesmo valor, em duas empresas do mesmo ramo, em uma mesma localidade, em uma mesma época, pode ter giros diferentes, dependendo da qualidade de um gerente de vendas e do pessoal que cada uma possui.

Não é o bem de venda, por si só, que enseja a qualidade da função patrimonial perante a eficácia.

Por princípio, sabemos que necessita a mercadoria ser movimentada (compras, vendas, provisões), mas, a forma de fazê-lo, a qualidade de tal movimento, é a que estabelece diferentes resultados e isto depende da qualidade da causa agente promotora da função patrimonia.

Não basta, entendo, medir um resultado sobre o patrimônio, sendo imprescindível que se procure conhecer que influências as causas agentes tiveram e quais as naturezas qualitativas que determinaram as transformaçõe; a Contabilidade não pode desconhecer essa assimilação, embora, tradicionalmente, não tenha reconhecido tal fato como objeto científico de estudos.

Não se trata, no caso, de extrapolar-se o objeto de estudos de nossa ciência, mas, sim, aprofundar-se nas razões da correlação entre o agente promotor e a função que tangeu a riqueza.

Esta a razão de haver eu incluído, em minha teoria, entre as relações lógicas do fenómeno, aquelas de natureza ambiental.

A ciência contábil não tem por objetivo invadir outros ramos do conhecimento e nem estudar o agente em si, mas, sim a natureza de influência que ele possui em relação à função, ou seja, qual a dimensão do que foi absorvido.

Trata-se de uma observação, mensuração, análise e estudo dos valores de influências do entorno.

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Influência Intelectual e a Doutrina Neopatrimonialista da Contabilidade

O mesmo se passa na Física, por exemplo, quando esta ciência estuda a força que um material exerce sobre uma superfície, ou seja, preocupa-se ela com o fenómeno resultante da ação do peso e não com o estudo do operário ou do engenheiro que determinou que o material fosse aplicado.

Cada fato, com as mesmas características, pode, pois, variar, de acordo com o alterar-se das dimensões das causas externas que atuam sobre ele e isto é matéria para estudo quando a preocupação é explicar as transformações patrimoniais.

Tal ligação passou, na Contabilidade moderna, a possuir mais relevo, embora já tivesse sido denunciada, na segunda metade do século XIX, por eminentes estudiosos, como Giovanni Rossi, em sua famosa obra "L'ente economico-amministrativo" (especialmente, embora não exclusivamente, no volume I, livro V).

Segundo entendo, portanto, é admissível, que se possa aceitar um axioma que tenha como enunciado, o seguinte:

"As funções patrimoniais tendem a assimilar dimensionalmente os efeitos imateriais e os materiais dos entornos da riqueza quando estes ocorrem como causas agentes das mesmas funções".

Uma compra pode suportar custos diferentes, embora relativa às mesmas matérias primas, em uma mesma empresa e na mesma época, por exemplo, sob o efeito de competências diferentes de pessoal, de qualificação também diferentes.

O fenómeno que o patrimônio gera, pois, não depende somente dele como se exclusivo fosse, mas, também, do que foi absorvido em seu funcionamento, ou seja, daquilo que a função do meio patrimonial assimilou por ação de agentes materiais e imateriais.

É absolutamente lógico, no campo das ciências, a coleta de subsídios e de conexão com matérias estudadas por outros ramos de conhecimento sendo às vezes difícil a segmentação, como ocorre com a Física e a Química nuclear, por exemplo.

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Revista Estudos do ISCAA

TEOREMAS DERIVADOS DOS AXIOMAS SOBRE NATUREZA DAS CÉLULAS SOCIAIS

Os axiomas até aqui desenvolvidos, ensejam reflexões para a produção de outros enunciados, no sentido de uma construção doutrinária.

A função patrimonial é um movimento, ou ainda, algo que tangendo a riqueza, quer essencial, quer dimensional, quer ambientalmente, enseja a ocorrência de um fato ou fenómeno.

A ocorrência funcional é, pois, da natureza do meio patrimonial que compõe a massa ou substância utilizáve, visando-se normalmente e por objetivo básico o suprimento das necessidades das células sociais.

O que interessa à Contabilidade, como objeto de estudos, é o movimento que, por essência, provoca a transformação patrimonial.

A função se identifica, pois, como uma correspondência de relações entre meios, como utilidades, e a consecução de fins, como objetivos perseguidos pela célula social.

Os meios podem ter funções derivadas de qualidades corpóreas, mas, também, de natureza intangível, ou seja, é viável conseguir-se a finalidade da célula social sem que ocorra uma correspondência essencial ou principal do uso de elementos materiais, concretos.

Um livro escrito por um autor famoso pode gastar o mesmo material e ter o mesmo custo que um outro de um autor desconhecido, mas, a tendência é de que o primeiro seja lucrativo e que o segundo não consiga êxito e traga prejuízo à editora.

A eficácia pode não depender da substância material, ou, apenas, depender parcialmente.

Duas empresas, do mesmo ramo, da mesma dimensão, na mesma localidade, podem ter lucros diferentes, em razão da primeira possuir pessoal de alta qualidade e a segunda não o possuir.

A segunda pode até ter menores gastos, porque emprega mão de obra não qualificada; possuindo menos poder intelectual tenderá a não conseguir o mesmo lucro que a primeira.

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Influência Intelectual e a Doutrina Neopatrimonialista da Contabilidade

A primeira, mesmo comportando maiores custos, mas possuindo, pela qualidade de seu pessoal, maior poder intelectual, tenderá a ter maior eficácia.

Fatores, pois, "não materiais" podem fazer com que o comportamento das riquezas sejam distintos, mesmo em empresas que possuam equivalência de capital.

Logo, é óbvio que os entornos da riqueza (nos exemplos: o autor famoso e o pessoal) são fatores determinantes no desempenho funcional, merecendo, pois, a atenção dos estudos contábeis sob o aspecto das transformações que motivam.

Reunindo tais raciocínios é possível, portanto, estabelecer algumas proposições lógicas, todas derivadas do axioma e das razões expostas , tais como:

1. A função patrimonial da qual resulta a transformação, é efeito de influências dos entornos da riqueza (relações ambientais);

2. O comportamento das influências dos entornos sobre a eficácia patrimonial é variável de acordo com as relações dimensionais de causa, efeito, qualidade, quantidade, tempo e espaço;

3. Quando a influência endógena é competente para reduzir ou anular quaisquer exógenas que possam perturbar a eficácia, constitui-se em uma relação ambiental especial;

4. Se a causa é a da qualidade do intelecto humano na célula social, se ela é a predominante na ação endógena ambiental, de modo a reduzir ou anular quaisquer influências exógenas que possam perturbar a eficácia, constitui-se em uma causa motora de função ambiental especial intelectual;

5. Quando o patrimônio enseja a captação de forças intelectuais e quando estas se traduzem em aumento da eficácia absoluta da célula social, a estas se pode atribuir parte do benefício.

6. A quantificação dos efeitos dos benefícios da função patrimonial ambiental especial intelectual, sobre a eficácia da célula social, depende da quantificação de uma correlação entre a prosperidade e a qualificação participativa do elemento humano na célula social, através dos efeitos efetivos de sua ação.

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No caso, o que se tem por escopo enunciar é a ação intelectual, ou seja, aquela da qualidade humana da mente do agente interno e que atua sobre a riqueza patrimonial.

SOBRE O CONCEITO DE CAPITAL INTELECTUAL

A partir desses teoremas pode-se desenvolver um estudo científico que tenha condições de alimentar teorias, através de outras proposições lógicas que as estruturem, no campo especifico delimitado pelos enunciados apresentados.

O conceito de "Capital Intelectual" que se tem difundido parece-me pecar pela inadequação de expressão, uma vez que me parece paradoxal ligar-se o que por natureza é inerte e objeto de sofrer ação (o Capital) com o que por natureza é imaterial e agente de movimento (o Intelectual), mesclando-se fatores que de fato convivem nas células sociais mas que possuem naturezas diferentes.

O valor intelectual pode produzir patrimônio, assim como o patrimônio pode produzir a captação de valor intelectual, nesse sistema de interação onde reside uma importante área de estudos, mas, são coisas distintas.

Quando o patrimônio enseja a captação de forças intelectuais e quando estas se traduzem em aumento da eficácia absoluta da célula social, a estas pode-se atribuir parte do benefício.

O que na realidade existe, é uma influência intelectual sobre o capital, não me parecendo adequado, pois, o uso da expressão "capital intelectual" como um conceito científico ou mesmo até empírico.

A questão não se situa no capital em si, mas, na assimilação que faz dos entornos imateriais do domínio do intelecto e que embora não modificando a natureza do fenómeno, todavia, modifica-lhe as relações dimensionais por efeito da causa (qualidade, quantidade, tempo e espaço).

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Influência Intelectual e a Doutrina Neopatrimonialista da Contabilidade

CONCLUSÕES:

A concepção neopatrimonialista é competente para estabelecer teorias sobre a influência dos entornos da riqueza, de natureza imaterial e que são assimiladas pelas funções patrimoniais, deformas diferentes.

O estudo das correlações entre os agentes motores do patrimônio e os seus efeitos sobre as causas das funções, constitui um novo campo de estudos, identificado este com a visão holística que atualmente assume a Contabilidade.

Os meios patrimoniais têm a sua génese nas percepções da mente humana que originam as relações essenciais, tal como a teoria das funções as caracteriza, mas, também, as têm, por efeitos da ação imaterial do intelecto.

Pode concluir-se, portanto, que da qualidade da assimilação intelectual muito depende a qualidade do fato patrimonial, em face da eficácia e que esta matéria deve ser incluída como objeto integrante de estudos no campo da Contabilidade Científica.

BIBLIOGRAFIA

CANIBANO, Leandro, Teoria Actual de la Contabilidad, Técnicas Analíticas y Problemas Metodológicos, 2a. Edição ICAC, Madrid, 1997. COLLEY, J. Ron, Accounting for Goodwill, Readings and Notes on Financial Accounting, Edição McGraw Hill, Nova York, 1994. DTPPOLITO, Teodoro, L'Avviamento, Edição Abacco, Palermo, 1963. DUARTE, Antonio Conesa e VELAZQUEZ, José Andrés Dorta, Diferencias Contables y Fiscales en la Valoración del Inmobilizado inmaterial, em Técnica Contable, n°. 584-585, Madrid, Agosto-Setembro, 1997. FERRERO, Giovanni, La Valutazione Económica del Capitale d'lmpresa, Edição Giuffré, Milão, 1966. MANTILLA BLANCO, Samuel Alberto, Capital Intelectual, Contabilidad del Conocimiento, Edição ECOE, Bogotá, Março de 1999. ROSSI, Giovanni, L'Ente Economico-amministrativo, vols I e II, Edição Stabilimento Tipo-Litografico degli Artigianelli, Regio deU'Emilia, 1882. SÁ, Antonio Lopes de, Teoria da Contabilidade Superior, Edição IPAT-UNA, Belo Horizonte, 1994.

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Page 36: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº5, Ano 1999

Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 37-60

NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA

AVELINO AZEVEDO ANTÃO EQUIPARADO A PROFESSOR ADJUNTO E MEMBRO DO

CONSELHO CIENTÍFICO DO ISCAA MEMBRO EFECTIVO DA COMISSÃO DE

NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA

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Revista Estudos do ISCAA

ÍNDICE

1 - INTRODUÇÃO

2 - NORMALIZAÇÃO A NÍVEL MUNDIAL

3 - NORMALIZAÇÃO NA UE

4 - A INFLUÊNCIA AMERICANA NA UE

5 - CONCLUSÃO,

6 - ANEXO

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Normalização Contabilística

1 -INTRODUÇÃO

Quando nos propusemos escrever sobre Normalização Contabilística entendemos dever separar áreas que consideramos devem ser tratadas na contabilidade de forma distinta: a instrumental a pedagógica e a da investigação. No campo da investigação a normalização contabilística poderá servir apenas como ponto de partida. Para demonstrar a correcção das suas teorias, (a contabilidade) em determinadas ocasiões poderá recorrer à corroboração histórica, sendo necessário noutras a demonstração estatística1. No âmbito do ensino da contabilidade a normalização contabilística veio trazer consequências prejudiciais, não por culpa própria mas por culpa daqueles que pensam que a norma uma vez estabelecida é obra acabada. A normalização para os que assim pensam torna-se a maior inimiga da actividade científica2. Assim, o autor considera existirem duas formas distintas de ensinar contabilidade. A primeira consiste em transmitir aos alunos um procedimento ou norma contabilística, pormenorizando, analisando a sua mecânica e ilustrando a questão com exemplos práticos. A segunda maneira ensinar Contabilidade requer um esforço muito maior bem como uma adequada preparação e formação dos docentes. Nesta, a Contabilidade é um conjunto de fundamentos epistemológicos, de regras de conhecimento, que se aplicam a um caso concreto para obter uma norma. É mais importante compreender as razões por que se faz do que como se faz3. As linhas que se seguem devem ser entendidas no âmbito meramente instrumental, onde entendemos ter enorme relevância o processo de normalização contabilística.

Em Portugal as Directrizes emanadas da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) têm seguido de muito perto as

ROCHA, Armandino Cordeiro dos Santos; O ensino superior e as disciplinas de contabilidade, IX Encontro Nacional de Professores de Contabilidade do Ensino Superior, p. 7 2 in Ob cit. p. 12 3 in Ob cit. p. 14

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Revista Estudos do ISCAA

Normas Internacionais de Contabilidade (NIC) do International Accountig Standard Committee (IASC). O DL 367/99 de 18 de Setembro, que publicou o regulamento da CNC, veio dar força jurídica plena ás directrizes contabilísticas; i.é veio confirmar que as DC têm efeito obrigatório (§ 2o c)), de imediato as já publicadas, e sujeitas a homologação do Ministro das Finanças as futuras. Tenho notado algum regozijo em alguns estudiosos da contabilidade, por esta medida. Pessoalmente vemos-lhe apenas uma virtude: acabar com a discussão de se as Directrizes Contabilísticas têm, ou não carácter vinculativo. Ademais, pesamos que tal disposição é mais uma ingerência do Sr. Ministro das Finanças em matérias que são exclusivamente técnicas.

A Directriz contabilística n° 18 (aprovada em 18 de Dezembro de 1996) hierarquizou formalmente os Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites (PCGA) em Portugal

"A expressão "geralmente aceites" significa que um organismo contabilístico normalizador, com autoridade e de larga representatividade, estabeleceu um princípio contabilístico numa dada área ou aceitou como apropriado determinado procedimento ou prática, atendendo à sua aplicação universalmente generalizada e ao seu enquadramento na estrutura conceptual.

Os princípios contabilísticos têm vindo a ser reconhecidos em Portugal pela CNC e encontram-se vertidos no POC, nas Directrizes contabilísticas e, no caso de questões ainda não abrangidas, nas normas estabelecidas a nível internacional, como sejam as emitidas pelo International Accounting Standards Committee (IASC).

Por conseguinte, a adopção dos princípios contabilísticos não carece, necessariamente, que estes estejam definidos de forma expressa em diploma legal.

A CNC, ao privilegiar uma perspectiva conceptual de substância económica para o relato financeiro, considera que o uso de Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites se deve subordinar à seguinte hierarquia:

I) os constantes do Plano Oficial de Contabilidade;

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Normalização Contabilística

II) os constantes das Directrizes Contabilísticas; IH) os divulgados nas normas internacionais de contabilidade

emitidas pelo IASC." A contabilidade tem passado por um processo longo de

normalização que se poderá entender a três níveis: Nacional; Regional (União Europeia) e Internacional (Mundial).

Ao nível nacional tem tido grande relevância o papel desenvolvido pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC).

O nosso POC é um documento que deve ser entendido como um todo, enquadrado por um vasto conjunto de directivas contabilísticas, tendo subjacente uma determinada estrutura conceptual, o que implica que o seu estudo tem necessariamente de ser articulado. Nele encontramos, por exemplo, referências à qualidade da Informação Financeira. A qualidade essencial da informação proporcionada pelas demonstrações financeiras é a de que seja compreensível aos utentes, sendo a sua utilidade determinada pelas seguintes características:

Relevância; Fiabilidade; Comparabilidade. Estas características, juntamente com conceitos, princípios e

normas contabilísticas adequados, fazem que surjam demonstrações financeiras geralmente descritas como apresentando uma imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e do resultado das operações da empresa".

A característica que nos detém a atenção, para a mensagem que pretendemos transmitir, é a da comparabilidade que deve ser entendida em dois sentidos:

Comparabilidade vertical, ou temporal, que permite comparar demonstrações financeiras de diversos períodos, e

Comparabilidade horizontal, ou territorial, que permite comparar demonstrações financeiras de diversas entidades. Esta última pode ainda variar quanto ao seu alcance: Nacional, Regional ou Europeu e Mundial.

4 Capítulo 3.2

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Revista Estudos do ISCAA

A nível Nacional o problema está razoavelmente solucionado com o actual quadro contabilístico vigente.

Na U.E. o problema da comparabilidade da informação financeira das empresas está tratado em dois documentos:

A IV Directiva - 78/660/CEE, de 25 de Julho de 1978, que contempla as contas anuais das sociedades; e

A VH Directiva - 83/149/CEE, de 13 de Junho de 1983, referente ás contas consolidadas.

Os Estados-membro (EM) com a transposição das referidas Directivas para o direito nacional, como foi o caso de Portugal, teriam a questão da comparabilidade, resolvida, o que em nosso entender não aconteceu. E não aconteceu porque estes documentos que deveriam ser de caracter estritamente técnicos, são mais políticos do que técnicos. Apontamos como principais limitações à comparabilidade na U.E. dois factores:

As directivas permitirem um elevado número de opções, bem como o uso frequente das expressões: "Os EM podem..." e "a não ser que a legislação nacional preveja...".

Ilustremos com um exemplo referente à valorimetria das existências:

Art°39 -custo de aquisição ou produção (não distingue entre custos

fixos e variáveis) deixa ao critério dos EM a possibilidade de incluir juros durante a fabricação.

Art°33 Os EM podem reservar a possibilidade de utilizar o custo de

substituição (custo corrente ou custo de reposição). O segundo factor limitativo da comparabilidade da informação

financeira é a desactualização técnica das directivas comunitárias, como iremos constatar, perante o actual panorama internacional do desenvolvimento do pensamento contabilístico.

O reconhecimento mútuo está a ser feito na Europa, a nível continental (Nas Bolsas de Valores através do IOSCO - International

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Normalização Contabilística

Organization of Securities Comission) utilizando medidas avulso, consubstanciadas em pequenos passos de aproximações sucessivas.

2 - NORMALIZAÇÃO A NÍVEL MUNDIAL

Antes de continuarmos numa breve referência ao estado da informação financeira na Europa, devemos verificar o que se passa com os principais organismos normalizadores da contabilidade a nível mundial .

No panorama internacional, surge em grande relevo o International Accountig Standard Committee (IASC), que iniciou a sua actividade em 29 de Junho de 1973, em Londres, e resultou de um acordo entre associações profissionais (da Alemanha, Áustria , Canadá, EUA, França, Holanda, Japão, México, Reino Unido e Irlanda).

Os membros do IASC concordaram em envidar todos os seus esforços no sentido da promoção e publicação das demonstrações financeiras, compiladas com base nas suas normas, assegurando que os auditores, governos, bolsas e outros interessados as aplicassem.

A relação entre o IASC e EFAC (Federação Internacional dos Contabilistas, que promove as Normas Internacionais de Auditoria) é ratificada pelo compromisso mútuo a que se obrigaram.

O IASC tem plena autonomia para emitir Normas Internacionais de Contabilidade. Os membros prosseguem o objectivo do IASC, fazendo publicar nos seus países as Normas de Contabilidade (esforçando-se para assegurar que as demonstrações financeiras sejam publicadas em conformidade com elas) e persuadindo os governos a fixar normas para que as demonstrações financeiras estejam de acordo com as Normas Internacionais de Contabilidade (NICs).

As NICs aplicam-se às demonstrações financeiras de quaisquer empresas comerciais ou industriais.

5 Esta parte do texto foi baseada nos apontamentos das aulas de Contabilidade Internacional do mestrado em Contabilidade e Finanças Empresariais, e no capitulo 5, de ALEXANDER, David; NOBES, Christopher; A European Introdution to Financial Accounting, Prentice Hall International (UK).

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Assim o IASC esforça-se por não fazer NIC s complexas que levariam à sua inaplicabilidade numa base mundial. Quaisquer limitações à sua aplicabilidade é clarificada na declaração de princípios daquelas normas.

As normas são aprovadas, depois de ter sido preparado o projecto sobre o qual recaíram assuntos seleccionados e para os quais receberam comentários e sugestões, por partes das associações profissionais de contabilidade, governos, bolsas e outros organismos.

As actividades do IASC são dirigidas por um Conselho composto pelos representantes de organismos contabilísticos de 13 países e de um máximo de quatro organizações interessadas no relato financeiro.

O IASC aprovou 39 normas contabilísticas internacionais, algumas das quais já foram revogadas, como veremos. As regras contabilísticas nacionais apresentam-se definidas de duas formas: certos países incorporam-nas nas obrigações detalhadas dentro da sua legislação, por ex. a Alemanha. Outros, delegam às instituições nacionais o poder de elaborar os seus regulamentos, por ex. França e Japão. Para outros países são os organismos privados que elaboram as normas contabilísticas. Alguns destes organismos são controlados pela Profissão Contabilística (por exemplo o Canadá), e outros são independentes (por exemplo os EUA).

O IASC trabalha em colaboração com os seus departamentos nacionais e regionais, responsáveis pela elaboração de normas contabilísticas. Certos organismos nacionais de normalização contabilística são, directamente, representados no conselho do IASC. Os outros, participam no grupo consultivo do IASC. Alguns países aplicam, directamente, as NIC s dentro do seu país (são exemplo disso a Malásia, Singapura e Zimbabwe). Outros, utilizam-nas para a elaboração das suas próprias normas (por exemplo o Egipto índia, Quénia).

Determinados países industrializados recorrem às NICs para combater as lacunas da sua regulamentação nacional. São já numerosos os países que elaboram as suas normas de forma a estarem

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Normalização Contabilística

em conformidade com as NIC's. É um bom exemplo o caso português onde a estrutura conceptual das NICs está presente quer no POC quer em várias directivas contabilísticas.

A própria Comunidade Europeia (CE) utilizou a norma relativa à consolidação dos Estados Financeiros do IASC, na elaboração da T. Directiva.

A França recorreu às normas do IASC para elaborar o plano contabilístico, aplicável às demonstrações financeiras consolidadas. A Austrália, o Canadá, o Reino Unido e os Estados Unidos adoptam, geralmente, normas mais detalhadas que as NICs. Mais recentemente, o Japão encarregou uma comissão de estudar a forma de aperfeiçoar a conformidade das normas japonesas às normas internacionais.

As normas do IASC permitem, normalmente, um conjunto de práticas sendo, portanto, mais flexíveis que as normas de muitos países. A intenção inicial do IASC foi a de evitar detalhes complexos, concentrando-se em normas básicas. Contudo, se analisarmos as normas emitidas, verificamos que integram assuntos que não se podem considerar propriamente básicos, mas que alguns consideram excepções.

O IASC não tem autoridade própria. A sua autoridade advém da força dos seus membros.

Por exemplo, na França e na Alemanha a autoridade é inadequada para influenciar a prática contabilística, devido à força das leis societárias e do plano de contas. No outro extremo temos o Reino Unido, Irlanda, Nova Zelândia e Canadá, cujos organismos profissionais pertencendo ao IASC, tornaram mais fácil a introdução das normas.

A nível da Europa, é na Itália onde é mais evidente a influência do IASC. O exemplo mais notório é o de um pequeno grupo de importantes empresas que seguem as NICs.

Entre os dois extremos, temos os EUA, onde os organismos mais directamente ligados a estas matérias são o Finantial Accounting Standard Board (FASB), que é apenas membro consultivo, e a Security and Exchange Comission (SEC) que não é membro do IASC.

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Contudo o representante americano, o American Institute Public Chartered Accountant (AICPA), é bastante influente.

A International Organization of Securities Comission (IOSCO), entidade que superintende as bolsas de valores de todo o mundo, encorajou o IASC a adaptar as suas normas para uso de investidores estrangeiros, que pretendessem ser aceites nas Bolsas Americanas, devendo para isso tornar as suas normas mais precisas (menos opções).

A partir do momento em que as várias opções são transcritas para as normas com aceitação internacional, qualquer processo, com vista à sua limitação torna-se doloroso. Graças ao esforço de reformulação das normas, verifica-se, de todo o modo que o IASC se tem tornado cada vez mais importante, aos olhos tanto do IOSCO como da própria CCE - Comissão da Comunidade Europeia.

Pelos anos 80 ficou claro que um número substancial de opções nas NICs era um obstáculo, à maior projecção do trabalho do IASC. Posteriormente, o IOSCO punha de parte a possibilidade da sua aceitação para o relato financeiro das empresas estrangeiras cotadas na Bolsa americana tornando, contudo claro que uma redução das opções seria essencial para a sua aceitabilidade.

Depois de vários anos de argumentação, sobre a remoção das opções, estão revistas hoje praticamente todas as NICs com o acordo do IOSCO. Tal organismo apontava no sentido da eliminação de barreiras ao mercado de capitais internacional, alargando a sua ligação ao IFAC, de forma a poder obter um nível de qualidade uniforme e promover uma comunicação internacional sobre os relatórios de auditoria.

Os objectivos do IASC abrangem aspectos como: - formular e publicar normas contabilísticas, de interesse público, a serem observadas na elaboração e na apresentação das demonstrações financeiras, e a promover a sua aceitação e observância, nos países das organizações filiadas; e - trabalhar, de uma forma geral, para a melhoria e harmonização dos regulamentos, normas e procedimentos

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Normalização Contabilística

contabilísticos, relacionados com a apresentação de Demonstrações Financeiras.

A relação entre o IASC e o IFAC é ratificada pelo compromisso mútuo a que se obrigaram. No que respeita ao IFAC- International Federation of Accountants - organização, com sede em Nova York, iniciou a sua actividade em 1977, após o 7o Congresso Internacional de Contabilidade. É constituída pelas mesmas organizações profissionais que fazem parte do IASC. O seu objectivo é o de desenvolver a coordenação internacional da profissão e a sua actividade relaciona-se com a emissão de normas internacionais de auditoria, de ética e deontologia , de formação profissional e de contabilidade financeira e de gestão.

Com este objectivo, o Conselho do IFAC encarregou a Comissão Internacional de Práticas de Auditoria (IAPC) de emitir projectos, directrizes e normas sobre práticas de auditoria, geralmente aceites e sobre serviços relacionados, de modo a melhorar o grau de uniformidade da prática de auditoria e destes serviços em todo o mundo.

As práticas a seguir, na auditoria financeira, podem ser de natureza legal ou podem ser emanadas por organismos nacionais. Assim, apareceram normas diferentes em muitos países, quer na sua forma, quer no seu conteúdo.

A IAPC toma conhecimento destas normas e das suas diferenças. Face a este conhecimento, emite Directrizes Internacionais de Auditoria (DIA, ISA na terminologia anglo-saxónica) que se destinam a ser aceites internacionalmente.

É da responsabilidade da IAPC, através de subcomissões, preparar projectos de directrizes e normas de auditoria. Estas subcomissões estudam as normas emitidas por alguns países membros, preparando um projecto para a IAPC. Se for aprovado por maioria, o projecto é distribuído às organizações-membro e outras agências internacionais para que seja comentado. Os comentários e sugestões recebidos são tomados em consideração e o projecto é reformulado. Se

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depois de reformulado for aprovado por maioria, será emitida uma DIA definitiva, que entrará em vigor na data nela indicada.

A SEC (Security and Exchange Comission) é uma agência governamental norte-americana, criada em 1934, depois do "crash" bolsista de 1929, constituindo autoridade regulamentadora do mercado de capitais que deverá assegurar a obtenção, por parte dos investidores, de informação financeira adequada, com vista à tomada de esclarecidas decisões de investimento.

3 - NORMALIZAÇÃO NA UE

O Parlamento Europeu criou um organismo, denominado "Forum Europeu Consultivo de Contabilidade", que é formado por representantes dos organismos nacionais normalizadores. Este organismo está integrado dentro da estrutura da Comissão Europeia. Era consensual que fosse criada uma organização consultiva e coordenadora. No entanto, houve desacordo quanto à utilidade da sua incorporação na estrutura da União Europeia. Algumas organizações preferiam que o Forum fosse independente da UE. Deste modo, deveria ter tivesse sido a FEE - Fédération des Experts Comptables Européens (que agrega a contabilidade e a auditoria) a organização sede. Tal ligação ao sector de auditoria não foi aceite por muitos outros EM, e desta forma o Forum acabou por ficar dentro da estrutura da Comissão Europeia.

O Forum não é um organismo normalizador sendo as suas decisões técnicas. A sua principal função é aconselhar a Comissão, em matérias contabilísticas e indicar possíveis caminhos para facilitar a futura harmonização.

Os membros do Forum foram convidados numa base pessoal. As suas opiniões, expressas nos documentos, não vinculam as organizações a que pertencem. O objectivo destas publicações é estimular a discussão sobre normas em matérias contabilísticas.

Ainda a nível europeu e no campo dos organismos profissionais, deveremos realçar o papel da Fédération des Experts Comptables

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Européens (FEE), fundada em 1987, com sede em Bruxelas, a partir de duas organizações europeias: o Groupe d'Etudes (fundado em 1966) e a Union Européenne des Experts Comptables (UEC, fundada em 1951). Dela fazem parte diversos organismos espalhados por toda a Europa, com interesse nos campos da auditoria, contabilidade e fiscalidade. Estuda as diferenças internacionais e tenta contribuir para a sua remoção, trabalhando em conjunto com a Comissão da U.E..

Se a FEE chegar a um consenso, no seio da profissão na Europa, aquela terá uma força acrescida junto de Bruxelas e, particularmente, junto dos Governos dos Estados membros. Uma primeira vitória foi conseguida pelo Groupe d'Etudes, com aceitação do conceito de "true and fair" (verdadeiro e apropriado, conforme tradução correntemente usada) e da necessidade das demonstrações financeiras consolidadas.

No que respeita aos organismos não contabilísticos, estes têm, normalmente, maior capacidade de influência do que poder real, (a excepção é a Comissão da UE.), como é o caso, por exemplo da OCDE.

A OCDE desenvolveu e adoptou recomendações relativas a práticas contabilísticas, denominadas "Guidelines for Multinational Enterprises" (GMN), que se relacionam, principalmente, com os requisitos de divulgação da informação financeira.

Embora as GMN não sejam de aplicação obrigatória, influenciam o comportamento de um conjunto de organismos profissionais politicamente sensíveis.

A Organização das Nações Unidas constituiu um Grupo Intergovernamental de Técnicos em Normas Contabilísticas e de Relato (IWGE/ISAR), com o objectivo de publicar normas de contabilidade e de relato para as empresas multinacionais. Contudo, o progresso foi muito lento, talvez em parte devido às diferenças de interesses entre os países investidores e os países que acolhem o investimento.

Este corpo (IWGE) é dominado pelos países desenvolvidos e preocupou-se, principalmente, com a contabilidade e relato financeiro

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e não com a auditoria. O seu papel é, essencialmente, o de exercer influência na elaboração de normas e não a sua aceitação.

EM RESUMO: Organismos Internacionais

1) Regionais

a) de carácter governamental:

União Europeia (org. económica internacional)

b) de carácter profissional:

FEE

2) Mundiais

a) de carácter governamental:

ONU (org. política),

OCDE,

IOSCO (org. bolsista) e

b) de carácter profissional:

IASC e IFAC

Uma das questões que se coloca é a de saber se as normas do IASC (fortemente baseadas no modelo anglo-saxónico), são de interesse para os países da Europa Continental, ou para os países em desenvolvimento.

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Normalização Contabilística

As NICs foram desenvolvidas num contexto de mercados financeiros eficientes e com organizações de auditoria eficientes.

O modelo anglo-saxónico será mais apropriado para a harmonização, dado que se orienta, fundamentalmente, para o mercado de capitais e, nomeadamente :

-para os detentores do capital (accionistas), -para a auditoria independente, -para os princípios da imagem verdadeira e apropriada ; e -para o princípio da "substância sobre a forma legal". Assim, existem pressões internacionais para a existência de dois

tipos de normalização contabilística: - uma, mais apropriada para utilizadores do próprio país (uso

doméstico), e -outra, para ser utilizada em todos os países, quando for

necessário preparar segundas contas, para uso internacional. Segundo alguns autores, o modelo dualista de normalização é

susceptível de ser criado na Europa, tendo em vista os seguintes destinatários:

•empresas cotadas em bolsa, de acordo com as normas do IASC; c •empresas não cotadas. O dualismo de normalização já hoje existe, formalmente, na

Itália, mas também é prática na Escandinávia, no âmbito das grandes empresas multinacionais.

No entanto, deve-se referir que na Europa, malgrado o esforço de harmonização, ainda não há reconhecimento mútuo^

A conclusão que se pode tirar é: as contas não são reconhecidas mutuamente, embora estejam de acordo com a 4.a Directiva da CEE, porque

6 O que os ingleses designam por "The true and fair view" 7 Directiva n° 78/660/CEE de 25 de Julho de 1978, "Contas anuais de certas formas de sociedades"

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nenhuma bolsa europeia aceita contas produzidas de acordo com as regras contabilísticas de outros países.

No entanto, os EUA e o Canadá chegaram a um acordo para reconhecimento mútuo, que foi bastante facilitado pela existência de regras contabilísticas semelhantes.

O objectivo do Tratado de Roma (1957) incluía o estabelecimento da livre movimentação de pessoas, de mercadorias e de serviços e de capital. Isto envolvia a eliminação das fronteiras fiscais, a imposição de uma Pauta Aduaneira Comum, aplicável a países terceiros, e o estabelecimento de procedimentos que permitiam a coordenação das políticas económicas.

Mais especificamente, a Política Industrial Comum (em 1970) visava a criação de um ambiente de negócios unificado, incluindo a harmonização das leis comerciais e da fiscalidade e a criação de um mercado comum de capitais.

Tendo em vista o desenvolvimento dos movimentos de capital, é necessário criar um fluxo de informação financeira homogénea entre as empresas da Comunidade.

Os obstáculos, à harmonização do relato financeiro e das leis das sociedades, resultam de diferenças fundamentais entre os vários sistemas contabilísticos nacionais da Comunidade Europeia, a saber:

• orientação para os credores (secretismo), no sistema franco-germânico, e orientação para os investidores, no sistema anglo-holandês

• regras baseadas em impostos e regras baseadas em normas profissionais.

Estas últimas contribuíram para a diferença de força dos organismos profissionais.

A harmonização, na Europa Comunitária, conseguiu-se um pouco através da via legislativa, ou seja, através:

-de Directivas (que devem ser acolhidas no direito interno dos diferentes Estados-membros); e

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Normalização Contabilística

-de Regulamentos (que têm como destinatários as empresas e os particulares).

O primeiro draft da quarta directiva conhecido, foi fortemente influenciado pela Lei das Sociedades Alemã, consequentemente, as regras de valorimetria eram conservadoras. No draft de 1974 x denota-se a influência anglo-saxónica introduzindo alguma flexibilidade na apresentação das Demonstrações Financeiras.

A versão final estabeleceu, como princípio predominante na preparação das Demonstrações Financeiras, o conceito de "true and fair view" e admitiu a contabilidade dos efeitos da inflação.

A UE que produziu a 4.a Directiva que é um documento político-técnico (mais político do que técnico), possui um mecanismo designado por Comité de Contacto.

Este Comité, constituído por representantes dos governos, até hoje (em quase 30 anos), fez uma única recomendação técnica.

4 - A INFLUÊNCIA AMERICANA NA UE

As Directivas comunitárias vinculam exclusivamente os EM, mas as empresas europeias não podem ignorar os organismos internacionais que emitem normas contabilísticas com aceitação generalizada como são os casos do IASC que emite as IAS (NICs) e o FASB que emite "Statements" (U.S. GAAP - princípios contabilísticos geralmente aceites).

O FASB foi criado em 1972 pelo AICPA para substituir o Accounting Principles Board (APB) cuja extinção, conforme refere Kieso8, foi recomendada por um grupo de trabalho conhecido por "Wheat Committe" encarregado de examinar o trabalho do APB e determinar as alterações necessárias para a obtenção de melhores resultados. Deste trabalho resultou a criação de uma estrutura composta por três organizações: o Financial Accounting Foundation, o Financial Accounting Standards Board e o Financial Accounting

8 KIESO, Donald E., and Jerry J. Weygandt, Intermediate Accounting, 1992, 7th ed, John Wiley & Sons, New York, p. 9.

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Standards Advisory Council. Desta estrutura a organização mais operacional é o FASB que tem como missão9 "estabelecer e implementar normas de contabilidade e relato financeiros para orientação e educação do público, que inclui os preparadores, auditores e utentes da informação financeira". Para que o FASB ultrapassasse alguns dos bloqueios de que sofria o APB foi-lhe reduzido o número de membros, que passaram a ser remunerados e a trabalhar em dedicação exclusiva, com maior autonomia e independência.

Estes organismos FASB e IASC influenciam as contas de empresas sediadas na UE quando estas solicitam a admissão à cotação em bolsas fora do espaço comunitário, o que lhes acarreta um trabalho adicional de conciliação de contas com as normas consoante a exigência da bolsa a que pretendem aceder, e que se traduz depois na disparidade de resultados - como é exemplo a EDP que suscitou no ano de 1997 o interesse da comunicação social pelo facto, considerado insólito, de apresentar lucros de cerca de 66 milhões de contos, de acordo com as normas de contabilidade nacionais e as mesmas contas apresentarem, nos USA, segundo as normas americanas, um lucro de 110 milhões de contos. Neste âmbito a Comissão Europeia emitiu uma comunicação intitulada "Harmonização contabilística: uma nova estratégia relativamente à harmonização internacional" onde incentiva a UE a participar no processo de harmonização contabilística desenvolvido pelo IASC e IOSCO, como também reconhece que a França e a Alemanha permitem que as empresas multinacionais sediadas nos seus territórios possam usar as NICs na preparação das contas consolidadas, quer para fins domésticos quer internacionais.

Voltemos ao nosso POC que logo na introdução refere: "Por outro lado, deve-se dizê-lo, estão a ser desenvolvidos, no

âmbito das organizações europeias dos profissionais de contabilidade e em ligação com as estruturas da CEE, vários trabalhos com vista a conseguir a harmonizarão contabilística mundial, objectivo máximo da Internacional Federation of Accountants (IFAC). Para a sua

9 Ibidem

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Normalização Contabilística

consecução estão a fazer-se esforços no sentido de eliminar as divergências, não muito significativas, entre as normas contabilísticas contidas na 4a Directiva e as normas internacionais de contabilidade emitidas pelo International Accounting Standards Committee (IASC), órgão dependente da EFAC. Neste sentido, o próprio IASC se propõe limitar as opções de políticas contabilísticas contidas nas suas normas, de forma a facilitar a harmonização."

Em Portugal as Directrizes emanadas da Comissão de Normalização Contabilística têm seguido de muito perto as NIC do IASC.

A Directriz contabilística n° 18 (aprovada em 18 de Dezembro de 1996) hierarquizou formalmente os Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites (PCGA) em Portugal.

A expressão "geralmente aceites" significa que um organismo contabilístico normalizador, com autoridade e de larga representatividade, estabeleceu um princípio contabilístico numa dada área ou aceitou como apropriado determinado procedimento ou prática, atendendo à sua aplicação universalmente generalizada e ao seu enquadramento na estrutura conceptual.

Os princípios contabilísticos têm vindo a ser reconhecidos em Portugal pela CNC e encontram-se vertidos no POC, nas Directrizes contabilísticas e, no caso de questões ainda não abrangidas, nas normas estabelecidas a nível internacional, como sejam as emitidas pelo International Accounting Standards Committee (IASC).

Por conseguinte, a adopção dos princípios contabilísticos não carece, necessariamente, que estes estejam definidos de forma expressa em diploma legal.

A CNC, ao privilegiar uma perspectiva conceptual de substância económica para o relato financeiro, considera que o uso de Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites se deve subordinar à seguinte hierarquia:

I) os constantes do Plano Oficial de Contabilidade; H) os constantes das Directrizes Contabilísticas;

DC 18 capítulo 4

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Revista Estudos do ISCAA

IH) os divulgados nas normas internacionais de contabilidade emitidas pelo IASC."

5 - CONCLUSÃO

A Europa terá de saber encontrar o "seu" modelo de Informação Financeira!

Suficientemente bom para o impor, ou, claramente, adoptar, sem complexos, outros modelos. A situação actual é, em nosso entender, a pior situação. Temos um modelo pela via legislativa, remendado com soluções muitas vezes inconsistentes, podendo dizer-se que na Europa não é possível falar-se de comparabilidade da informação. O processo de normalização tem sofrido do mesmo efeito de um remendo novo em pano velho...

6 - A N E X O

Vejamos o panorama actual das Normas emitidas pelo IASC:

Norma Data da entrada

em vigor Observações N° Designação

Data da entrada

em vigor Observações

0 Prefácio às Normas Internacionais de

Contabilidade

Janeiro de 1983

01 Estrutura Conceptual para a

Preparação e Apresentação das Demonstrações Financeiras

Julho de 1989

02 Glossário de Termos Contabilísticos

Janeiro de 1996

1 Apresentação de Demonstrações Financeiras Janeiro de 1975 revista em 1997, em vigor após

Julho de 1998

2 Inventários Janeiro de 1976 revisão de 1993, em vigor após

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Normalização Contabilística

Janeiro de 1995

3 Demonstrações Financeiras Consolidadas

Janeiro de 1977 Revogada pelas NICs 27 e 28

4 Contabilização da Depreciação Janeiro de 1977 Reformatada em 1994

5 Informação a ser Divulgada nas

Demonstrações Financeiras

Janeiro de 1977 Revogada pela NIC 1

6 Respostas Contabilísticas às Variações de

Preços

Janeiro de 1978 Revogada pela NIC 15

7 Demonstrações de Fluxos de Caixa Janeiro de 1979 revisão de 1992, em vigor após

Janeiro de 1994

8 Resultados Líquidos do Período, Erros

Fundamentais e Alterações nas Políticas

Contabilísticas

Janeiro de 1979 revisão de 1992, em vigor após

Janeiro de 1995

9 Custos de Pesquisa e Desenvolvimento Janeiro de 1980 Revogada pela NIC 38

10 Contingências e Acontecimentos

Ocorrendo após a Data do Balanço

Janeiro de 1980 revisão de 1999, em vigor após

Janeiro de 2000

11 Contratos de Construção Janeiro de 1980 revisão de 1993, em vigor após

Janeiro de 1995

12 Impostos sobre os Lucros Janeiro de 1981 revisão de 1996, em vigor após

Janeiro de 1998

13 Apresentação de Activos Correntes e de

Passivos Correntes

Janeiro de 1981 Revogada pela NIC 1

14 0 Relato da Informação Financeira por

Segmentos

Janeiro de 1983 revisão de 1997, em vigor após

Julho de 1998

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Revista Estudos do ISCAA

15 Informação Reflectindo os Efeitos das

Variações de Preços

Janeiro de 1983 revisão de 1994, facultativa

16 Activos Fixos Tangíveis Janeiro de 1983 revisão de 1993, em vigor após

Janeiro de 1995

17 Contabilização das Locações Janeiro de 1984 revisão de 1997, em vigor após

Janeiro de 1999

18 Rédito Janeiro de 1984 revisão de 1993, em vigor após

Janeiro de 1995

19 Custos de Benefícios de Reforma Janeiro de 1985 revisão de 1993, em vigor após

Janeiro de 1995

20 Contabilização dos Subsídios do

Governo e Divulgação do Auxílio do

Governo

Janeiro de 1984 Reformatada em 1994

21 Os Efeitos de Alterações em Taxas de

Câmbio

Janeiro de 1985 revisão de 1993, em vigor após

Janeiro de 1995

22 Concentrações de Actividades

Empresariais

Janeiro de 1985 revisão de 1993, em vigor após

Janeiro de 1995

23 Custos de Empréstimos Obtidos Janeiro de 1986 revisão de 1993, em vigor após

Janeiro de 1995

24 Divulgações de Partes em Relação de

Dependência

Janeiro de 1985 Reformatada em 1994

25 Contabilização de Investimentos

Financeiros

Janeiro de 1987 Reformatada em 1994

26 Contabilização e Relato dos Planos de Janeiro de 1988 Reformatada em 1994

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Normalização Contabilística

Benefícios de Reforma

27 Demonstrações Financeiras Consolidadas

e Contabilização de Investimentos em

Subsidiárias

Janeiro de 1990 Reformatada em 1994, emendada

pela NIC 39

28 Contabilização de Investimentos em

Associadas

Janeiro de 1990 Reformatada em 1994, emendada

pela NIC 39

29 Relato Financeiro em Economias

Hiperinflacionárias

Janeiro de 1990 Reformatada em 1994

30 Divulgações nas Demonstrações

Financeiras de Bancos e de Instituições

Financeiras Similares

Janeiro de 1991 Reformatada em 1994, emendada

pela NIC 39

31 Relato Finaceiro de Interesses em

Empreendimentos Conjuntos

Janeiro de 1992 Reformatada em 1994, emendada

pela NIC 36 e 39

32 Instrumentos Financeiros: Divulgação e

Apresentação

Janeiro de 1995 Revista pela NIC 39

33 Resultados por acção Janeiro de 1998

34 Relato Financeiro Intercalar Janeiro de 1999

35 Operações descontinuadas Janeiro de 1999

36 Impairment (Imparidade) de activos Julho de 1999

37 Provisões, Activos e Passivos

contingentes

Julho de 1999 Suprimiu as partes da NIC 10 que

tratavam de contingências

38 Activos intangíveis Julho de 1999

59

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Revista Estudos do ISCAA

39 Instrumentos Financeiros:

Reconhecimento e Mensuração

Janeiro de 2001 Suprimiu partes da NIC 25, e

alterou as NICs 18,27,28,30,31 e

3256

BIBLIOGRAFIA

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Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 61-99

A ÉTICA COMO FACTOR DE DIFERENCIAÇÃO NO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE PROFISSIONAL DO CONTABILISTA1

DOMINGOS JOSÉ DA SILVA CRAVO PROFESSOR COORDENADOR DA ÁREA CIENTÍFICA

DE CONTABILIDADE DO ISCAA

' O presente trabalho refere-se, na sua essência a um dos trabalhos efectuados (lição) no âmbito do concurso de provas públicas para professor-coordenador da área científica de Contabilidade do ISCA de Aveiro, que tiveram lugar em Dezembro de 1998.

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ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO

II. DESTINATÁRIOS, ÂMBITO E OBJECTIVOS DA LIÇÃO

1. DESTINATÁRIOS DA LIÇÃO 2. ÂMBITO DA LIÇÃO 3. OBJECTIVOS GERAIS 4. TÉCNICAS DIDÁCTICAS

III. LIÇÃO

1. SUMÁRIO 2. TEXTO DE APOIO À LIÇÃO

I. INTRODUÇÃO 1. Conceito de ética 2. A deontologia 3. A ética nos negócios (ética económica e ética empresarial)

H. A ÉTICA EM CONTABILIDADE, 1. Particularidades 2. Alguns dos problemas do contabilista 3. Dilemas éticos 4. Princípios éticos 5. Os códigos de conduta 6. Elementos necessários para a construção de um código de ética 7. Alguns códigos de ética 8. Algumas aplicações práticas

m. CONCLUSÕES

rv. BIBLIOGRAFIA

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I. INTRODUÇÃO

Nos termos da alínea a) do n°l do art° 26° do Decreto-Lei n° 185/81, de 1 de Julho, o oponente ao concurso de provas públicas para professor coordenador tem de apresentar uma lição no âmbito da área científica para que concorre, no caso vertente, na área científica de Contabilidade.

O presente trabalho visa pois, tão somente, dar cumprimento a tal disposição.

Cada vez mais assistimos à assunção, por parte de alguns agentes económicos, de comportamentos que não sendo ilegais, em muito se afastam daquilo que se pode considerar como ético, na sociedade em que vivemos. Disso nos dão notícia — com mais frequência do que a que seria desejável - os órgãos da comunicação social.

A Sociedade, como um todo, atravessa um período de crise de valores (para não dizer que nalguns casos existe mesmo uma subversão daqueles). Urge inverter o sentido da marcha, sob pena de estarmos a alimentar um colectivo que elege a desonestidade, a infidelidade, a irresponsabilidade, o egoísmo e a injustiça como valores de vida.

Entendemos que nos conturbados tempos que atravessamos o comportamento ético dos agentes económicos constitui o indispensável cimento necessário ao harmonioso desenvolvimento da actividade social e traduz, seguramente, um factor de elevada importância no combate a que todos estamos obrigados contra males que afectam a nossa sociedade, onde se destacam necessariamente a corrupção, a desonestidade, o egoísmo e a falta de respeito pelo semelhante. Contudo, acreditamos que os males "da moda" - e, em especial, a corrupção — só se podem combater através da indução de comportamentos éticos.

Consideramos que é desejável que, na parcela que à nossa comunidade de especialistas mais diz respeito, possamos contribuir para a Sociedade com uma disciplina contabilística e de auditoria fiáveis e confiáveis, ou seja, onde, para além dos pressupostos

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associados à busca da excelência científica, possamos demonstrar que a honestidade, a justiça e imparcialidade assumem a categoria de valores de primeira ordem.

Entendemos que para a existência da apregoada "transparência" das Demonstrações Financeiras se torna necessária a contribuição clara do sistema de ensino o qual, — baseado no velho ditado "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura " — contribuirá para incutir nos estudantes a motivação necessária para a adopção de posturas éticas.

É convicção do candidato - e a isso tem dedicado algum do seu labor como professor — que a adopção de princípios éticos no exercício da actividade profissional resulta, em boa medida, da cultura induzida nos estudantes a qual seguramente se reproduzirá no exercício da sua futura actividade profissional. Daí que consideremos de vital importância que o tema seja abordado nos curricula e, se possível, de uma forma interdisciplinar. Seguindo de perto Briloff2

somos especialmente competentes no ensino das técnicas e perícias, mas somos bastante deficientes na transmissão da compreensão crítica da ligação entre negócios e sociedade e entre gestores e profissionais, ou seja, das relações de poder. Não parece bastar o ensino dos valores éticos e morais, é necessário pré-profissionalizar os estudantes, designadamente através do estudo de casos, no sentido de os dotar de meios de sobrevivência.

É neste quadro que escolhemos o tema "A ética como factor de diferenciação no exercício da actividade profissional do contabilista".

A perspectiva da nossa abordagem centrar-se-á essencialmente na óptica do profissional da Contabilidade (preparador ou auditor), já que é basicamente para o exercício desta actividade que preparamos os nossos alunos.

Ao longo do trabalho tentaremos manter presentes preocupações de carácter didáctico e pedagógico, sem que contudo tal facto leve a

Briloff (1986) Accountancy in the public interest; MacMaster University, Canada, cit. Por Mathews e Perera (1996).

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que transformemos esta lição, numa lição de didáctica específica da Contabilidade3. Este tipo de preocupações - que melhor serão expostas e desenvolvidas em todo o segundo grupo que adiante se referirá — implicarão, necessariamente, uma apresentação que desejamos clara e interessante, na perspectiva do aluno, sem que isso gere qualquer redução do rigor e profundidade da temática abordada.

O trabalho está estruturado em dois grandes blocos: um primeiro que corresponde à apresentação das técnicas didácticas utilizadas — as quais, naturalmente, não seriam objecto de discussão em classe - mas cuja exposição no âmbito destas provas implicará uma ocupação de cerca de um quarto de hora e, um segundo bloco, que corresponde a uma lição cuja preparação foi desenvolvida para uma apresentação que se estima em, aproximadamente, uma hora. De facto, julgamos que neste período de tempo será possível apresentar o tema que nos propomos de modo adequado, seguindo as técnicas didácticas que adiante se referirão, e maximizar o binómio ensino-aprendizagem -objectivo inquestionavelmente importante da função docente.

Consequentemente, o presente trabalho está repartido em dois grandes grupos: um primeiro que se refere aos destinatários, âmbito e objectivos, bem assim como às técnicas didácticas utilizadas, e um outro grupo que respeita ao núcleo central da lição.

Quanto a esta propriamente dita, a respectiva apresentação comporta, igualmente, dois grupos: um introdutório, no qual são apresentados os conceitos de ética e deontologia em termos gerais e é efectuada uma primeira abordagem à ética nos negócios e, um segundo grupo, onde se procurará particularizar a problemática da ética na disciplina contabilística, dando-se especial ênfase — para além do que, em termos teóricos, mais não será do que um reavivar de conceitos básicos — ao levanta de um conjunto de questões do dia-a-

3 Embora apresentemos vários dos passos que deverão estar presentes na didáctica da Contabilidade, o modelo apresentado não pode - e não deve, porque a isso não se destina - ser considerado um esquema de organização didáctica. Conscientemente, omitimos alguns passos e não desenvolvemos vários dos problemas apresentados, nem com o rigor, nem com a profundidade que seria exigida se fosse aquele o objectivo.

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dia e que implicam decisões de conteúdo essencialmente ético. Naturalmente que terminaremos a apresentação com o apontamento das respectivas conclusões.

Como é normal, a lição terminará com a exposição da bibliografia sobre o tema a qual permitirá alicerçar e criticar as ideias apresentadas.

II. DESTINATÁRIOS, ÂMBITO E OBJECTIVOS DA LIÇÃO

1. DESTINATÁRIOS DA LIÇÃO

Como refere Matos Carvalho4 "a lição, enquanto prova pública do concurso para professor-coordenador, tem como finalidade pôr à prova a capacidade expositiva e pedagógica do candidato, devendo corresponder tanto quanto possível, a uma aula que o docente tem de dar.

Assim, é conveniente que o candidato ao lugar de professor coordenador explicite a situação que escolheu ".

Com esta finalidade, se dirá que a lição que agora se apresenta corresponde a uma sessão preparada para os alunos inscritos num dos Seminários existentes no 3o semestre do curso de estudos superiores especializados (CESE) em Auditoria Contabilística, ministrado no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro e versará sobre o já aludido tema "A ética como factor de diferenciação no exercício da actividade profissional do contabilista".

Pareceu-nos que um seminário sobre o tema aqui proposto teria todo o cabimento.

Com efeito, é razoável esperar que o aluno que frequenta os Seminários do CESE esteja já de posse de um apreciável grau de "savoir" e de "savoir-faire". Deve pois - e, eventualmente, esta será uma das deficiências do nosso sistema de ensino - ser sensibilizado para a problemática do "savoir-être", i.e. do modo como a

4 Matos Carvalho, José Manuel de (1994).

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Comunidade espera que ele se venha a comportar e agir enquanto profissional5.

E aqui cabe, uma vez mais, a Ética. De facto, é verdade que ao longo do bacharelato, em várias

disciplinas da área da Contabilidade Geral, e no CESE, especialmente nas disciplinas de Contabilidade Financeira e Auditoria, a problemática do comportamento ético do contabilista está sempre presente. Contudo, e aproveitando a circunstância de neste momento dos seus estudos os alunos possuírem uma maior envergadura teórica e uma maior maturidade ao nível técnico, parece oportuno que tal temática volte a ser colocada, agora claramente como corolário de tudo o que fora dito ao longo do curso, incentivando-os para a análise crítica de alguns aspectos práticos do tema proposto.

Um dado importante consiste em o terceiro semestre do CESE ter uma baixa carga horária com o objectivo de permitir aos estudantes o desenvolvimento de mecanismos de pesquisa, que culminarão no trabalho de fim de curso. Aquela pouca ocupação em termos de leccionação formal, associada a este objectivo de pesquisa, permitem que seja proposto como mecanismo de verificação da aprendizagem a elaboração de um pequeno trabalho, nos termos que adiante se referirão.

2. ÂMBITO DA LIÇÃO

Vamos, como temos vindo a referir, discutir "a ética como factor diferenciador no exercício da actividade profissional do contabilista".

Já anotámos a importância que atribuímos ao tema. Fizemos igualmente referências a propósito da ausência de uma disciplina específica de Ética nos curricula formais e à forma como no ISCAA se tem procurado colmatar tal insuficiência, designadamente através da incorporação do tema nos programas de diversas disciplinas do grupo

5 E, embora isso não seja objecto deste trabalho, deverá ser igualmente sensibilizado para a problemática do "savoir-continue"

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de Contabilidade. Anotámos ainda a necessidade de pré-profissionalização dos estudantes através da análise de situações concretas.

Perante estes factos, e com o objectivo de maximizar o binómio ensino-aprendizagem, entendemos abordar o tema de uma forma predominantemente casuística, i.e. através do estudo e apreciação de um conjunto de situações concretas, nas quais se procuram evidenciar algumas questões éticas pertinentes.

Evidentemente que a abordagem teórica assumirá uma função de mero enquadramento e terá características recapitulativas, dado, por um lado, o nível dos conhecimentos prévios que os alunos possuem acerca desta matéria e, por outro lado, a extensão da mesma, facto que, por si só, seria impeditivo de, no tempo previsto para esta lição, permitir uma adequada explanação da mesma.

Recolhemos ensinamentos ministrados, em particular, pelo Prof. Rogério Ferreira que nos seus inúmeros escritos tem enfatizado a problemática do comportamento ético na prestação de contas, sendo a partir dessas suas notas que levantamos algumas das questões que aqui apresentamos.

Evidentemente que alguns dos aspectos que são apresentados são recolhidos dos autores a que fazemos referência na bibliografia e que, meramente por razões de operacionalidade e de clareza expositiva, não serão citados nos termos em que o seriam se estivéssemos a elaborar um trabalho científico.

3. OBJECTIVOS GERAIS

Como foi referido anteriormente, ao longo quer do Bacharelato, quer do CESE, os alunos foram sendo sensibilizados para a importância da assunção de um comportamento ético como bandeira de vida.

Daí que esperemos que o presente Seminário sedimente esta intenção educativa através da apreciação de um conjunto de situações retiradas do quotidiano das Empresas.

Isto implica que com este Seminário visemos:

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i) desenvolver no aluno as motivações para o estudo das questões éticas;

ii) inserir o aluno na pesquisa de situações concretas do dia-a-dia da actividade profissional do contabilista e incutir-lhe o hábito pela inclusão dos componentes éticos na análise interdisciplinar;

iii) incitar o aluno a privilegiar um comportamento ético como factor de sucesso a longo prazo.

Os termos em que a explanação está estruturada permite-nos esperar que no final da sessão, o aluno esteja em condições de:

i) Conhecer as bases gerais do comportamento ético e deontológico;

ii) Compreender a importância do comportamento ético no exercício da sua futura actividade profissional;

iii) Identificar os princípios e dilemas éticos; iv) Compreender a importância da existência de códigos de ética

e identificar os principais elementos necessários à sua construção; v) Analisar as principais diferenças existentes num conjunto de

vários códigos de ética; vi) Aplicar os conhecimentos teóricos perante um conjunto de

situações concretas; vii) Avaliar a importância da adopção de comportamento ético

no exercício da sua actividade profissional futura, seja qual for a vertente ligada às empresas que a mesma assuma.

4. TÉCNICAS DIDÁCTICAS

4.1. METODOLOGIA

Uma apresentação do género daquela que nos propomos desenvolver não pode assentar apenas numa forma de trabalho didáctico.

Indubitavelmente que no Seminário proposto se pretende um grau de interactividade elevado, pelo que o mesmo não poderá

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assentar predominantemente no método expositivo . Assim, a par deste utilizaremos quer o método intuitivo, quer o método indutivo-dedutivo, e, como metodologia preferencial neste tipo de sessões, lançaremos mão quer do diálogo livre, quer do diálogo dirigido, quer ainda do trabalho de grupo.

Relacionando especificamente o plano da sessão com as formas de trabalho didáctico enunciado, diria que, basicamente, utilizaria:

• O método expositivo na apresentação de conceitos (grupo introdutório),

• O método intuitivo para o estabelecimento das particularidades da ética em Contabilidade e no levantamento dos problemas do profissional de contabilidade,

• O método indutivo para o estudo dos dilemas éticos, • O método expositivo para a caracterização dos princípios

éticos, • O método indutivo para o estabelecimento e construção dos

códigos de conduta, • O trabalho de grupo para a apreciação dos vários códigos de

ética e deontologia, e • O diálogo (livre e dirigido) na apreciação das questões

práticas.

Pese a descrição formulada há também aqui que ter presente que a manutenção do ritmo da sessão constituiria factor relevante na selecção do método a utilizar.

Contudo, sempre se dirá que se é verdade que o ensino magistral comporta um conjunto de riscos no processo de ensino-aprendizagem, não é menos verdade que para a introdução de novos temas ou para a discussão de assuntos cujo grau de abstracção é mais elevado continua a ter elevados méritos.

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4.2. MATERIAL DIDÁCTICO

Um seminário da natureza daquele que propomos desenvolver necessita do material didáctico clássico, ou seja:

• Quadro; • Retroprojector; • Computador equipado com software de apresentações (vg.

Powerpoint); • Data-show; • Recortes de jornais; e • Códigos de ética e deontologia profissional dos vários

organismos profissionais estudados.

Poder-se-ia ainda admitir o recurso às novas tecnologias da informação, designadamente, através do encorajamento da utilização da Internet, quer como componente de pesquisa, quer ainda como factor de intercâmbio de experiências com outras organizações e agentes.

4.3. ACTIVIDADES PREVISTAS PARA OS ALUNOS

A natureza da sessão proposta não permite que na mesma se considerem outras actividades para além do incentivo à participação activa no diálogo.

O tipo da formação dos alunos assistentes aos Seminários, que combinam uma já apreciável componente teórica, com uma experiência prática crescente, permite que se anteveja uma sessão com um diálogo rico de situações concretas.

No entanto, estamos conscientes que as contribuições poderiam ainda ser melhoradas se fosse possível propor, previamente, aos alunos a pesquisa de casos publicados na imprensa e/ou de os motivar para o desenvolvimento de investigação comparada.

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4.4. VERIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Tal como referimos anteriormente, os alunos são motivados ao longo do 3o Semestre do CESE para procurarem desenvolver as suas técnicas de pesquisa.

A área do tema que nos propomos tratar permite, claramente, dois tipos de pesquisa: um com características mais teóricas (estabelecimento de uma compilação de noções; busca de relações teóricas, etc.) e, um segundo, de características mais práticas (pesquisa de situações concretas e análise, numa perspectiva ética, do comportamento dos agentes; análise da posição das associações profissionais perante os casos públicos de suspeita de violação de normas éticas e deontológicas; análise comparativa da actividade desenvolvida neste domínio pelas associações profissionais, podendo a comparação ser estabelecida quer numa perspectiva geográfica (em Portugal e noutros países), quer numa perspectiva interprofissional (contabilistas vs. outras actividades), etc.)

Os objectivos a perseguir no momento lectivo em causa, conjugados com a riqueza do campo de actuação e aliados à natureza e potencialidades do tema que iremos expor, leva a que proponhamos como elemento de verificação da aprendizagem a elaboração de um trabalho de grupo escrito, a ser desenvolvido por dois / três alunos.

Pensamos que esta metodologia permitirá - para além de, como é evidente, potenciar o trabalho em equipa - a busca de relações interdisciplinares, factor que se revela progressivamente mais importante no exercício da actividade profissional.

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II. LIÇÃO

1. SUMÁRIO

A apresentação do sumário justifica-se, como refere Matos Carvalho "por duas razões. Em primeiro lugar, para uma melhor compreensão e acompanhamento da lição e, em segundo, porque o Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico estabelece, no seu art° 33°, que o docente deverá elaborar um sumário desenvolvido da matéria leccionada".

1.1. SUMÁRIO RESUMIDO

I. Introdução

H. A ética em Contabilidade

m. Conclusões

1.2. SUMÁRIO DESENVOLVIDO

Tema: A ética como factor de diferenciação no exercício da actividade profissional do contabilista.

I. Introdução 1. Conceito de ética 2. A deontologia (ou ética profissional) 3. A ética nos negócios (ética económica e ética empresarial)

H. A ética em Contabilidade 1. Particularidades 2. Alguns dos problemas do contabilista

Matos Carvalho, José Manuel de (1994)

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2.1. como preparador de informação financeira 2.2. como consultor 2.3. como auditor (financeiro e fiscal) 1. Dilemas éticos 2. Princípios éticos 3. Os códigos de conduta 4. Elementos necessários para a construção de um código de ética 5. Alguns códigos de ética 7.1.IFAC 7.2. AICPA 7.3. CROC 7.4. ATOC (projecto) 8. Algumas aplicações práticas 8.1. O julgamento em contabilidade 8.2. A imagem fidedigna -> utilidade e ética 8.3. A neutralidade da informação financeira 8.4. A continuidade 8.5. A politização da contabilidade 8.6. A contabilidade das intenções 8.7. Conflitos administrações / accionistas 8.8. Conflitos contabilidade / fiscalidade 8.9. Limites éticos na consultadoria fiscal 8.10. As despesas confidenciais e as facturas falsas / fictícias 8.11. A ética e a propriedade intelectual (o caso do software)

III. Conclusões

IV. Bibliografia

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2. TEXTO DE APOIO À LIÇÃO

Apresentamos seguidamente um pequeno texto de apoio à lição. Este texto mais não visa do que ser um sumário macro-desenvolvido uma vez que o autor entende ser preferível que, designadamente ao nível a que se lecciona a presente lição, o docente faculte bibliografia que permita interpretações múltiplas dos problemas em confronto à colocação à disposição de um texto único que rigidamente será estudado.

Nesse sentido, a própria bibliografia apresentada - para além do normal objectivo associado à descrição das fontes utilizadas na preparação da lição - visa, em grande medida, quer facultar ao aluno fontes para o arranque de uma eventual investigação acerca do tema, quer desenvolver a sua capacidade crítica mediante o confronto de teses não coincidentes.

O grande desafio dos docentes não consiste na transmissão dos conhecimentos, mas sim no desenvolvimento de um espírito crítico acerca dos problemas e essa capacidade crítica é claramente potenciada pelo confronto das ideias de vários autores.

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A ÉTICA COMO FACTOR DE DIFERENCIAÇÃO NO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE PROFISSIONAL DO CONTABILISTA

"Infelizmente, a ética é um desses temas que, como a comida ou a casa, se vai revelando progressivamente importante à medida que se faz sentir a sua falta"

(José António Gonzalo)

I. INTRODUÇÃO

1. CONCEITO DE ÉTICA

Ao efectuar uma recolha bibliográfica acerca deste tema, é fácil encontrar um variado número de definições de "ética".

Lexicologicamente9; Ética, s.f. (do lat. Ethica ou ethice, do gr. Ethiké). Parte da

filosofia que trata da moral; ciência da moral. Com o mesmo fito, Rodriguez Molinuevo (1993) pesquisou

noutro conjunto de obras e obteve os resultados seguintes: i) parte da filosofia que trata da avaliação da moral dos actos

humanos; conjunto de princípios e normas morais que regulam as actividades humanas (Larousse);

ii) parte da filosofia que trata do bem e do mal nos actos humanos; conjunto de regras morais que regulam o comportamento e as relações humanas (Maria Molíner);

iii) parte da filosofia que trata da moral e das obrigações do homem (Real Academia Espanhola).

A Ética e a Moral andam pois aliadas, o que nem será de estranhar pois que ambas têm, na origem, análoga significação -derivam de mores e ethos, termos que designam costumes. Ora, se se

9 in Machado, José Pedro (coord.); Grande Dicionário da Língua Portuguesa; Ed. Sociedade de Língua Portuguesa e Amigos do Livro

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entender por costumes o conjunto das práticas sociais correntes (habituais) numa dada época e numa determinada colectividade ' podemos facilmente associar a noção de ética a uma ciência da moral, i.e. ao conjunto de normas de conduta consideradas absolutas e universalmente aceites, ou o conjunto de princípios, normas e valores mediantes os quais um indivíduo decide a sua conduta ou comportamento, ou, alargando a noção, o domínio da filosofia que procura determinar a finalidade da vida humana e os meios de a alcançar.

Neste sentido, é claro e indiscutível que a ética contribui de modo manifesto para o bom e ordenado funcionamento da sociedade. De resto, a experiência demonstra que a necessidade de ética na sociedade é de tal modo importante que os valores éticos mais comuns são (acabam por ser) frequentemente incorporados na legislação.

Pese tal necessidade, há contudo que reconhecer que por vezes as pessoas agem de modo não ético. Este facto pode dever-se, designadamente, a pelo menos um dos dois motivos seguintes:

i) os princípios éticos das pessoas serem diferentes dos da sociedade em geral;

ii) as pessoas preferirem agir egoisticamente. Com efeito, "o berço" de cada pessoa condiciona o conjunto de

valores ligados à "justiça social" entre os homens e, ao longo da vida, cada pessoa terá a "sua" própria visão e atribuirá diferente significação a cada facto. E isso pode implicar que, face a um determinado padrão social, um tipo de comportamento que para o indivíduo estaria "certo" dentro do contexto da sua educação, poderá não estar na óptica dos valores médios da comunidade. Daí que, como refere Lázaro Lisboa, "uma vez que cada pessoa apresenta o seu próprio conjunto de crenças e valores, com comportamentos e objectivos diferenciados, surgem conflitos nos relacionamentos existentes no seio da sociedade".

Seguindo ainda a Lázaro Lisboa, se dirá que "o problema central para a ética tem sido o duplo trabalho de: (1) analisar o significado e a natureza do elemento normativo moral do comportamento humano, do

Saraiva, Augusto; (1972)

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pensamento e da linguagem; e (2) avaliar o significado e a natureza do comportamento humano, apresentando os critérios para a justificação das regras e dos julgamentos do que é moralmente correcto ou errado, bom ou mau (ética normativa)".

Neste sentido da ética normativa, podem reconhecer-se, pois, alguns Princípios Filosóficos, estabelecidos em função das correntes filosóficas que lhe estão subjacentes. Anotamos:

i) O princípio do imperativo, (associado aos deontologistas - do grego deóntos "de obrigatório") o qual direcciona a tomada de decisão para o acordo com as disposições de uma norma ética;

ii) O Princípio do utilitarismo (ligado aos teleologistas - do grego telíos "no fim", "final" (das causas)) que enfatiza as consequências de uma acção, mais do que o seguimento das normas, e

iii) A argumentação da generalização, que corresponde a uma combinação judiciosa das anteriores.

2. A DEONTOLOGIA

Vivemos um período de crise de confiança no nosso sistema social.

Muitas profissões e actividades sofrem em maior ou menor grau a desacreditação da Sociedade. Os políticos, o sistema financeiro, os arquitectos e engenheiros, os advogados, os professores, os desportistas e até os sacerdotes e os agentes da justiça por várias vezes que têm sido objecto de notícias desacreditatórias das suas actividades.

Evidentemente que se pode - e deve - olhar para tais notícias de forma crítica, pois que as mesmas ao serem elaboradas por outros profissionais - os jornalistas, agora assumidos como guardiães da ética, da moral e até de outros valores - podem elas próprias estar eivadas de violações éticas por parte dos seus autores que as desvirtuam11 No entanto, é sintomático que profissionais como sejam

Aliás, um bom tema de debate (que não cabe no âmbito do presente trabalho), poderia ser a discussão do grau de desfocagem da realidade provocado pela acção do transmissor dos factos

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os magistrados (onde à boca pequena se comentam algumas sentenças12), ou os médicos (cuja classe atravessa actualmente uma grave crise de confiança face às ofertas que alguns dos seus membros recebiam dos laboratórios fabricantes de medicamentos e equipamentos clínicos), que ancestralmente eram conotados com comportamentos definidos a partir de elevados valores éticos, sejam postos em causa.

Evidentemente que não basta que no domínio pessoal13 as pessoas ajam de modo ético. Torna-se necessário que esse comportamento seja alargado a todas as vertentes da sua vida, onde naturalmente se integra o exercício da sua actividade profissional. Isto leva a que existam necessidades especiais para uma conduta ética nas profissões, entendendo-se, nomeadamente para este efeito, que o termo "profissional" significa responsabilidade por uma conduta que se estende além da satisfação das responsabilidade pessoais para consigo mesmo, ou para além das exigências das leis e regulamentos impostos pela Sociedade.

Dir-se-á então que a ética profissional (deontologia) pode ser considerada como a parte da ética na qual um indivíduo, como profissional, recebe pautas de conduta específicas em assuntos que reflectem a sua responsabilidade para com a sociedade, para com os clientes, para com os outros membros da profissão e, até, para consigo mesmo. Deve, pois, ser vista como um caso especial da ética geral e pode ser definida como o conjunto de "regras impostas por um corpo profissional no comportamento dos seus membros".

12 A propósito veja-se a seguinte notícia publicada no "Expresso de 1 de Novembro passado "O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a existência de corrupção no caso José Guímaro, mas suspendeu a pena de prisão efectiva de cinco anos a que o ex-árbitro tinha sido condenado. O STJ justificou a decisão, considerando que Guímaro mostrou ter "elevada postura ética e moral irrepreensível" ... (sublinhados de nossa autoria) 13 Questão igualmente interessante poderia ser a aferição do domínio desta esfera pessoal.

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Esta noção significa que assumimos que o nosso sistema de disciplina, no exercício de uma actividade profissional, se caracteriza pelo estabelecimento de vários níveis de responsabilidade:

i) as responsabilidades legais, que correspondem às exigências impostas pela sociedade;

ii) as responsabilidades morais, que se traduzem pelo conjunto de exigências auto-impostas (pessoais ou de um grupo), e

iii) as responsabilidades éticas, que, nesta perspectiva, correspondem às exigências impostas pela profissão.

Como temos vindo a referir, a questão do comportamento ético tem vindo a assumir crescente importância, a tal ponto que o Instituto Josephson para o avanço da ética estabeleceu o seguinte conjunto de princípios para encorajar a conduta ética de profissionais Governamentais; do Direito; da Medicina; dos Negócios; da Contabilidade e do Jornalismo:

♦ Honestidade ♦ Integridade ♦ Lealdade (fidelidade) ♦ Justiça / imparcialidade ♦ Cuidado para com os outros ♦ Respeito pelos outros ♦ Cidadão responsável ♦ Busca da excelência ♦ Responsabilidade

Evidentemente que nem todas as pessoas concordam com os mesmos princípios éticos e, mesmo os que estão de acordo nos princípios que determinam o comportamento ético, dificilmente estão de acordo quanto à importância relativa de cada princípio.

Trata-se, pois, de uma questão cuja solução muito dificilmente poderá ser unitária. No entanto, o que é iniludível é que o conjunto de responsabilidades que estão associadas ao exercício das actividades profissionais é crescente, e é reconhecido pela sociedade que uma

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actividade é tão mais importante, quanto maior for o nível das suas responsabilidades.

3. A ÉTICA NOS NEGÓCIOS (ÉTICA ECONÓMICA E ÉTICA EMPRESARIAL)

Como refere Laura Nash14, "o termo ética assume diferentes significados, conforme o contexto em que os agentes estão envolvidos. Uma definição particular diz que "a ética nos negócios é o estudo da forma pela qual normas morais pessoais se aplicam às actividades e aos objectivos da empresa comercial. Não se trata de um padrão móvel separado, mas do estudo de como o contexto dos negócios cria os seus problemas próprios e exclusivos à pessoa moral que actua como um gerente desse sistema".

No fundo, trata-se de um caso particular - da ética geral, onde apenas é alterado o contexto onde são aplicados os valores morais do bom, certo, justo e honesto.

Uma questão que assume particular importância tem a ver com a determinação do comportamento ético nos negócios, ou seja quando é que as empresas estão a agir de forma ética. A resposta pode assentar no chamado "teste dos 4 caminhos", i.e. perante um dado facto determinar se:

i) Será isso verdade ? ii) Será justo para toda a sociedade ? iii) Trará benefícios e melhores amizades ? iv) Será benéfico para toda a sociedade ? Considerando-se ético o comportamento que corresponda às

quatro respostas afirmativas.

Citada por Lisboa, Lázaro (1996:p.25)

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I I . A É T I C A E M C O N T A B I L I D A D E

1. PARTICULARIDADES

A Contabilidade pode ser entendida como uma disciplina que visa avaliar o desempenho social das entidades15.

Atenta a circunstância de as normas de contabilidade terem sempre efeitos económicos (implícitos ou explícitos) relevantes para os destinatários da informação, impõe-se que à Contabilidade enquanto disciplina sejam exigidos elevados padrões de neutralidade, por forma a minimizar o leque de desequilíbrios que a aplicação da norma sempre trará.

Este aspecto, aliado aos desequilíbrios existentes na quantidade e qualidade da informação disponível para os utentes internos e para os utentes externos, bem como os constantes conflitos de interesses, a que se junta a permanente necessidade de emissão de juízos de valores sobre as opções contabilísticas constituem algumas das peculiaridades da problemática ética em Contabilidade.

2. ALGUNS DOS PROBLEMAS DO CONTABILISTA

2.1. COMO PREPARADOR DE INFORMAÇÃO FINANCEIRA

Enquanto preparador da informação o contabilista tem algumas obrigações e, pese a circunstância de a responsabilidade final pelas contas não ser sua, mas sim da Administração, a sua contribuição para as decisões desta são, dum modo geral, muito relevantes. Ora, a proposta de "Código deontológico dos técnicos oficiais de contas" estabelece, no seu art°. 2o relativo aos deveres gerais que "no exercício das suas funções, os técnicos oficiais de contas devem respeitar as

Neste sentido de contabilidade social, ela pode ser entendida como o processo de seleccionar as variáveis de desempenho social do nível da entidade, estabelecer os procedimentos de medida e medir, bem assim como desenvolver sistematicamente informação útil para avaliar o desempenho social da entidade e comunicar esta informação aos grupos sociais internos e externos.

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normas legais e os princípios contabilísticos geralmente aceites, procurando a sua correcta aplicação à situação concreta das entidades a quem prestam serviços, por forma a salvaguardar o interesse destas, sem prejuízo da verdade contabilística e fiscal"16

Sendo a informação financeira um bem público e estabelecendo, designadamente o POC que tal informação deverá ser útil a investidores, credores e outros utentes, parece ser complicada a definição do interesse da entidade. Claro, se a isto se acrescer a complexidade da compatibilização entre a verdade contabilística e a verdade fiscal17 entender-se-á a tarefa hercúlea que está consignada a estes profissionais.

2.2. COMO CONSULTOR

O contabilista, enquanto consultor, vê-se muitas vezes confrontado com questões para cuja solução tem de fazer apelo aos seus princípios éticos dado ser ele próprio a estabelecer os limites da sua actuação.

No exercício da sua actividade profissional, e em especial quando trata de questões do domínio fiscal, ou laboral, a fronteira entre o legalmente permitido e o eticamente aceitável é muito ténue e a opção entre uma das soluções constitui exercício de grande dificuldade e, será, muito provavelmente, a solução escolhida (sugerida) que permitirá diferenciar os profissionais, distinguindo aqueles que têm uma postura ética, daqueles outros que têm uma postura militarista, no sentido que aqui demos ao conceito.

E cabe então agora a reflexão/provocação efectuada pelo Prof. Rogério Ferreira18 " o desafio que queremos pôr aos especialistas é que a razão utilitária não deve prevalecer, ainda que se saiba que na vida real uma coisa é o dever ser e outra o convir ser".

16 Itálico nosso. 17 Evidentemente que apenas por razão dos diferentes critérios que estão subjacentes à determinação do resultado contabilístico e do resultado fiscal. 18 Fernandes Ferreira, Rogério; RCC, n° 212, p.450

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2.3. COMO AUDITOR

A auditoria visa dotar confiança pública às demonstrações financeiras, aumentando a respectiva credibilidade, e é esta confiança pública que os utentes pretendem não ver atraiçoada. Por outras palavras, os utentes confiam no relatório do auditor, como "interface" entre as demonstrações financeiras apresentadas pelas administrações e aquilo que deve ser entendido como a posição das empresas.

As funções que são atribuídas aos auditores demonstram contudo que existem algumas diferenças entre eles e os outros profissionais. Com efeito, dum modo geral, os diversos tipos de profissionais são contratados e pagos pelo cliente e têm como principal responsabilidade prestar serviços para esse cliente. Todavia, os auditores são contratados e pagos pelas empresas que produzem a informação financeira, mas os primeiros beneficiários da auditoria são os utentes das Demonstrações Financeiras.

Esta peculiaridade coloca desde logo algumas questões éticas cuja solução é bastante complexa, como adiante assinalaremos.

3. DILEMAS ÉTICOS

A actividade profissional do contabilista apresenta pois variados exemplos de dilemas éticos. Entendamos por dilema ético a situação que ocorre quando a solução de um problema passa por violar uma norma legal, ou ética, p. ex. quem assalta para salvar uma vida, ou quem não denuncia uma situação para evitar um drama pessoal.

Para muitos, a resolução dos dilemas éticos pode ser efectuada através da racionalização de comportamentos não éticos, mediante argumentações do tipo:

♦ toda a gente faz isso; ♦ se é legal, é ético; ou da avaliação da probabilidade de descoberta e das respectivas

consequências.

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No entanto, a resolução do problema pode ser efectuada mediante o estabelecimento de uma hierarquia de valores, ou, de um modo mais racional, através de um esquema do tipo:

♦ Obter os factos relevantes ♦ Identificar as questões éticas a partir dos factos ♦ Determinar quem é afectado pelo resultado do dilema ♦ Identificar alternativas possíveis para quem tem de resolver o

dilema ♦ Identificar as melhores consequências de cada alternativa ♦ Decidir a acção apropriada

4. PRINCÍPIOS ÉTICOS

O problema ético em Contabilidade tem, necessariamente, de ser visto à luz de um conjunto de "Princípios éticos" que são balizados quer pela envolvente que está associada à actividade profissional, quer pelo âmbito e natureza do serviço prestado. Deste modo, o exercício da actividade contabilística não pode ser desligado da sua característica de "interesse público", à qual está aliada uma determinada "responsabilidade", que tem, naturalmente de ser vista numa tripla perspectiva: (1) para com os clientes; (2) para com os funcionários, e (3) para com o público em geral.

A característica de interesse público da actividade - mais óbvia quando o contabilista desenvolve a actividade de auditor - implica que os utentes da informação financeira esperem uma postura da parte do contabilista, que corresponda a elevados padrões de "integridade" e "objectividade e independência" que sejam o garante das opiniões que emite e que o coloquem como o adequado "interface" entre o produtor da informação e os respectivos utentes.

A todas estas características o contabilista deve acrescer o "Cuidado apropriado" no exercício da sua actividade, como valor último da sua actuação.

Os princípios éticos que podem ser considerados no exercício da actividade contabilística, são os que seguidamente se apresentam:

i) Independência

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ii) Integridade e objectividade iii) Normas técnicas iv) Confidencialidade v) Honorários / honorários contingentes vi) Actos desacreditatórios vii) Publicidade viii) Comissões ix) Forma de organização e nome x) Sanções

Comentemos brevemente alguns deles:

i) INDEPENDÊNCIA

A independência constitui a génese do comportamento ético. Em contabilidade, sem independência, muito dificilmente se pode exercer a actividade de uma forma ética e, mesmo quando é possível atingir esse estádio, é problemático fazer passar tal circunstância para os utentes pois que, atenta a já referida característica de "interface" da mesma, como diz o povo "à mulher de César não basta ser séria, é preciso também parecê-lo".

Entende-se por independência a ausência de interesses ou influências que possam minorar a objectividade do auditor19' ou, o que é o mesmo, a atitude mental que permite ao contabilista (auditor) actuar com liberdade relativamente ao seu juízo profissional, pelo que deve estar liberto de qualquer predisposição que limite a sua imparcialidade na consideração objectiva dos factos, assim como na formulação das suas conclusões.

A independência passa por não desacreditar a profissão e, bem assim, pela não violação da relação de confiança entre o profissional e o seu cliente.

9Reglamento de la Ley de Auditoria de Cuentas

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A problemática da independência tem constituído ao longo dos tempos um dos assuntos mais discutidos no seio da profissão e muitas têm sido as formas de a tentar atingir.

Centrando a nossa apreciação na perspectiva dos auditores, podemos lembrar que alguns dos mecanismos utilizados para o estabelecimento da presunção de independência passam pela busca da exclusividade na realização de trabalhos de auditoria, o que implicava que fosse escolhida uma das três vias seguintes: (i ) a mais rígida, que levava à proibição de o auditor realizar outras actividades laborais diferentes da auditoria; (ii) a intermédia, que apenas proibia o exercício das demais actividades nas entidades auditadas, e (iii) a mais flexível, que permite a compatibilidade do trabalho de auditoria com outros. Outra das alternativas possíveis, passa pela introdução de limitações temporais na duração dos contratos entre auditores e entidades auditadas, estabelecendo uma "blindagem" temporal dos mesmos e, finalmente, a definição de um sistema de incompatibilidades.

Evidentemente que não é possível afirmar que qualquer dos sistemas é preferível aos demais como prova o acolhimento que todos eles tiveram (ou têm) nos distintos sistemas legislativos.

ii) INTEGRIDADE E OBJECTIVIDADE

Podemos definir "integridade" como a característica que se traduz na rectidão no exercício da profissão: ser honesto e sincero na realização do seu trabalho e do seu relatório. E podemos dizer que a "objectividade" implica a manutenção de uma atitude imparcial em todas as funções exercidas.

Isto implica que o profissional goze de independência nas suas relações com a entidade e seja justo, não permitindo nenhum tipo de influência ou juízo prévio.

iv) CONFIDENCIALIDADE

O contabilista deve manter a confidencialidade da informação obtida no decurso das suas actuações, o mesmo se aplicando, no caso

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do exercício da actividade em termos liberais, aos seus colaboradores. Isso significa que a informação obtida não pode ser utilizada em seu proveito, nem no de terceiras pessoas.

Naturalmente que se excepcionam as situações descritas no art° 62° do Decreto-Lei n° 422-A/93, de 30 de Dezembro.

v) HONORÁRIOS/ HONORÁRIOS CONTINGENTES

Os honorários devem corresponder ao preço justo do trabalho realizado para o cliente e, em nenhuma circunstância, deve ser relacionado o resultado do trabalho com os honorários a auferir.

vii) PUBLICIDADE

Outra das grandes questões da actividade profissional, em especial dos auditores, é a discussão da possibilidade/impossibilidade de efectuar publicidade. Trata-se de questão com solução muito complexa. Os defensores da impossibilidade da publicitação dos serviços argumentam que existe o risco da baixa da qualidade média do trabalho. O argumento assenta na ideia que, agindo os profissionais num mercado competitivo e sendo, por consequência, o mercado a estabelecer os preços dos serviços, os profissionais, com o objectivo de procurarem maximizar os seus lucros, ao não poderem agir sobre os proveitos, tentarão reduzir os seus custos, o que acarretará inevitavelmente uma redução do esforço laboral, com a consequente perda de qualidade. Contudo, esta postura implica, numa perspectiva de economia de mercado, que se caia num ciclo vicioso. De facto, ao baixarem a qualidade dos seus trabalhos, os profissionais vão perder clientes, o que leva a uma redução ainda maior dos seus resultados e, portanto, à necessidade de maior investimento publicitário.

A solução adoptada em Espanha passa, no que respeita aos auditores, pela impossibilidade que este profissional tem de efectuar publicidade que tenha por objecto, ou possa produzir, a captação de clientes.

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Evidentemente que é necessário dar a conhecer que um determinado profissional está no mercado e, as leituras demasiado restritivas da impossibilidade de publicitar, que chegam ao ponto de impossibilitar aquela informação de existência, levam a que ardilosamente as normas sejam contornadas através, designadamente, (1) dos exageros dos anúncios de admissão de pessoal, ou (2) do aluguer de escritórios em locais de especial privilégio, p. ex. junto às instalações da Bolsa uma vez que as discussões com investidores bolsistas necessariamente envolvem a contabilidade e aspectos tributários e tais discussões podem levar à "angariação" de trabalhos contabilísticos. Deste modo a publicidade e as solicitações dos investidores de Bolsa serviria indirectamente para promover uma prática contabilística

ix) FORMA DE ORGANIZAÇÃO E NOME

Não existem limitações diversas das existentes para as demais actividades económicas, quanto ao nome sob o qual os contabilistas actuam no mercado.

A única excepção refere-se às sociedades de auditores as quais se revestem sempre da forma de sociedade de pessoas, para assegurar que os auditores são responsáveis pelos seus trabalhos.

Apesar desta regra geral, temos vindo a assistir que a nível mundial, as grandes empresas de auditoria se têm vindo a transformar em sociedades anónimas, como forma de protegerem os seus patrimónios face à progressiva exigência de indemnizações.

x) SANÇÕES

Evidentemente que o grau de responsabilização atribuído à profissão passa pela existência de um regime sancionatório, cujas penas têm, normalmente, as seguintes molduras:

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♦ Advertência ♦ privada ♦ pública

♦ Multa ♦ Suspensão ♦ Exclusão

5. OS CÓDIGOS DE CONDUTA

"Conhecemos muitos códigos éticos de conduta aplicáveis a indivíduos e todas as religiões e ideologias os têm e podemos verificar que - no papel - são bastante parecidos. Apesar disso, os códigos de conduta das organizações são todavia protótipos sem experimentar" .20

A grande diferença, no caso dos contabilistas, está na cultura de auto-condução profissional que os mesmos têm.

Esta cultura que referimos constitui, a nosso ver, um verdadeiro mecanismo de auto-defesa da profissão, em especial dos auditores. De facto, quando os utentes das demonstrações financeiras (DF's) se apoiam no relatório do auditor para tomarem decisões, eles expressam a sua confiança não só no auditor individual que o subscreveu, mas também na profissão de auditoria. Isso implica que, pelo seu lado, os profissionais de auditoria tenham de desenvolver o seu trabalho de modo que justifiquem essa confiança.

A acção de um auditor individual, seja ou não característica dos demais auditores, talvez seja a única experiência que tenham alguns clientes, alguns elementos do público, ou alguns membros de certas comunidades (tendência à generalização). Isso muitas vezes significa que eles julgarão TODA a profissão pela actuação daquele auditor, pelo que se torna absolutamente necessário que este grupo profissional tenha um conjunto de regras de conduta e que tenha mecanismos que coajam ao seu cumprimento.

i) Gonzalo, José António

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Esta tendência à generalização obriga à existência, para os membros da profissão, de um guia de conduta apropriada. Esta é, na essência a fundamentação, numa óptica de mercado, da existência do Código de ética profissional dos contabilistas.

O Código exprime tanto aos clientes, como ao público, que os contabilistas estão dispostos a aceitar a condição de profissionais e a conduzir as suas actividades como tal.

No que respeita à actividade de auditoria, de entre as normas pessoais devem destacar-se as seguintes121

O trabalho de auditoria deve ser realizado por pessoa, ou pessoas que tendo formação técnica adequada, possam demonstrar experiência e capacidade profissional como auditores, e tenham a autorização exigida legalmente.

Aqui coloca-se a questão da formação técnica adequada vs. a capacidade profissional. Trata-se de um tema interessante, já que com a velocidade da evolução do conhecimento a manutenção da capacidade profissional requer uma formação permanente. Isso significa que a existência de uma formação inicial adequada, se não for permanentemente acompanhada e incrementada, torna-se a cada vez mais curto prazo impotente para a satisfação das exigências do mercado.

O auditor, ou auditores, estão obrigados a manter uma posição de independência no seu trabalho profissional a fim de alcançar imparcialidade e objectividade dos seus juízos.

Mais uma vez se coloca o problema da independência como característica transcendente. Podemos dizer que existe independência quando os juízos que o profissional formula se fundamentam em elementos objectivos.

Na realização do seu exame e preparação do seu relatório o auditor deve exercer uma adequada responsabilidade profissional.

21Canibano, citando o AICPA

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6. ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM CÓDIGO DE ÉTICA

No essencial um código de ética deve agrupar, pelo menos, duas grandes áreas22:

♦ Relações para proteger o público, e ♦ Relações intra-profissionais. Dentro das primeiras há ainda a considerar as relações com os

clientes e com o público em geral, as normas técnicas e as práticas de promoção e publicidade, enquanto que as segundas deverão incluir, pelo menos, as práticas de operação e as relações para com os sócios.

7. ALGUNS CÓDIGOS DE ÉTICA

Não está nos objectivos do presente trabalho analisar com pormenor os códigos de ética. Apresentamos, exclusivamente como elemento informativo a estrutura de alguns deles.

7.1. IFAC

O código de ética para os contabilistas profissionais tem a seguinte estrutura:

i) Previamente ao código propriamente dito, são incluídos capítulos que integram:

♦ Definições ♦ Introdução ♦ Interesse público ♦ Objectivos ♦ Princípios fundamentais

ii) O Código divide-se em duas partes A e B, sendo a primeira aplicável a todos os contabilistas profissionais e a segunda apenas aos que exercem a actividade em regime livre.

2 Fonte: Código de Ética do AICPA citado por Grinaker (anterior a 1982)

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A parte A, contempla:

• Objectividade • Resolução de conflitos éticos • Competência profissional • Confidencialidade • Prática fiscal • Actividades além fronteiras • Publicidade

E a parte B, inclui o tratamento de questões como

• Independência • Honorários e comissões • Actividades incompatíveis com a prática da contabilidade em

regime livre • Valores dos clientes • Relações com outros contabilistas profissionais em regime livre • Anúncios e solicitações.

7.2. AICPA

Actualmente, o Código de conduta profissional do AICPA tem a seguinte estrutura:

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r Princípios

Interpretações

Decisões

Éticas

\ -

Standards ideais de conduta ética, apresentado em termos filosóficos

Não são imperativos

Standards minimos de conduta ética apresenta­

dos como regras específicas São imperativos

Interpretações de regras de conduta, pela divi­

são de Ética Profissional da AICPA. Não são imperativas, mas o não cumprimento

deve ser justificado

Explicações públicas e respostas a questões acerca de regras de conduta submetidas à divisão de Ética Profissional.

Não são imperativas, mas o não cumprimento deve ser justificado

7.3. CROC

O Código de ética e de deontologia profissional da CROC, está estruturado nos seguintes termos:

♦ Aplicabilidade ♦ Conduta pessoal e exercício da profissão ♦ Independência Competência

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♦ Sigilo Profissional ♦ Publicidade ♦ Deveres dos Revisores Oficiais de Contas para com os

colegas ♦ Deveres dos Revisores Oficiais de Contas para com a CROC

e outras entidades ♦ Honorários ♦ Sanções

7.4. ATOC (PROJECTO)

O projecto de Código deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas (TOC) encontra-se dividido nos seguintes sete capítulos e 21 artigos:

♦ Âmbito de aplicação, funções e princípios deontológicos ♦ Direitos e deveres de conduta dos TOC (independência e

conflitos de interesses e deveres, responsabilidade, competência profissional, respeito pelos princípios e normas contabilísticas e relações com a Associação)

♦ Direitos e deveres para com as entidades a quem prestam serviços (contrato escrito, confidencialidade, dever de informação, direitos e conflitos de interesses com as entidades a quem prestam serviços, honorários e devolução de documentos)

♦ Direitos e deveres interprofissionais (lealdade interprofissional)

♦ Procedimento disciplinar (infracção deontológica e sanções e competência disciplinar)

♦ Disposições especiais ♦ Disposições finais

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8. ALGUMAS APLICAÇÕES PRÁTICAS

Seguidamente apresentam-se um conjunto de situações que frequentemente incluem matéria de grande conflituosidade ética23

8.1. O julgamento em contabilidade 8.2. A imagem fidedigna -> utilidade e ética 8.3. A neutralidade da informação financeira 8.4. A continuidade 8.5. A politização da contabilidade 8.6. A contabilidade das intenções 8.7. Conflitos administrações / accionistas 8.8. Conflitos contabilidade /fiscalidade 8.9. Limites éticos na consultadoria fiscal 8.10. As despesas confidenciais e as facturas falsas /fictícias 8.11. A ética e a propriedade intelectual (o caso do software)

III. CONCLUSÕES

Muitos dos exemplos que acima se apresentaram - e outros que poderiam ter sido apresentados - constituem um apreciável espelho da chamada contabilidade criativa. Com efeito, frequentemente, as soluções de "engenharia contabilística", "engenharia financeira" e "engenharia fiscal", mais não são que aproveitamentos pouco éticos de normas contabilísticas que, pela própria natureza da actividade económica, têm de ser flexíveis. Entende-se o desejo que os gestores têm de que a sua actividade mostre resultados elevados. Contudo, tais resultados têm de derivar da própria actividade desenvolvida e não de claras operações de maquilhagem. Tentativas de crescimento empresarial assentes em demonstrações financeiras "compostas" estão condenadas a curto prazo.

Estas temáticas deveriam ser objecto de debate aberto com os alunos.

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Pode-se pois terminar esta sessão dizendo que "a ética é um bom negócio" e que como todos os bons negócios têm o seu período normal de maturação, a que se seguirá um processo de desenvolvimento natural. Queremos com isto dizer que é nossa convicção que, mais do que o nível do conhecimento científico-técnico, o grande factor de diferenciação da actividade profissional do contabilista está no nível do seu comportamento ético, e asseveramos que este contribui de forma decisiva para o estabelecimento de carreira de longo prazo e aqui, como em tudo na vida, muitos preferem esta forma de estar, a uma carreira ascensional muito rápida, mas desenvolvida à custa de comportamentos não éticos.

É que, a falta dos alicerces que são dados pelos valores, designadamente, da honestidade, justiça, lealdade, integridade implicam que - como acertadamente diz o povo - "quanto mais alto se sobe maior seja o trambolhão"

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A Ética como Factor de Diferenciação...

NEVES MARQUES, Maria Lúcia P. T.; Ética e Deontologia Profissional; Trabalho apresentado na disciplina de Auditoria Empresarial do I Mestrado em Contabilidade e Finanças Empresariais (policopiado); Universidade Aberta / ISCAAveiro; 1995; Aveiro. PALMA, José de; A Ética nos Negócios como Base do Sucesso de Livre Concorrência; Semanário Económico; edição de 7 de Fevereiro de 1997; Lisboa. PEREIRA SILVÃO, António Joaquim; Código de Ética e Deontologia Profissional dos Revisores Oficiais de Contas - Comentários; Boletim da CROC n° 6 (I série); Setembro-Dezembro de 1987; Lisboa. PLÁCIDO LISBOA, Lázaro (coor.); Ética Geral e Profissional em Contabilidade; Editora Atlas; 1996; São Paulo; 173 p. RODRIGUEZ MOLINUEVO, José Manuel; Imagem Fiel y Ética de la Información Contable; Actas do VII Congreso AECA; 1993; Vitória. SARABIA ALZAGA, José Maria; Liderazgos no Éticos; Boletin AECA n° 35; 2o

cuadrimestre de 1994; Madrid. SARAIVA, Augusto; Filosofia; 7a Edição; Editora Educação Nacional; Porto; 1972 SARMENTO COELHO, Manuela; A Contabilidade como Instrumento de Gestão e Garante da Ética nos Negócios; Jornal de Contabilidade n° 240, Março de 1997, Lisboa. SILVA BARATA, Alberto da; A Auditoria (externa) e a Revisão de Contas ao Serviço da Ética nos Negócios; Revista de Contabilidade e Comércio n° 213; Março de 1997, Porto. SILVA BARATA, Alberto da; Contabilidade, Auditoria e Ética nos Negócios; Editorial Notícias; 1996; Lisboa; 313 p. TERMES, Rafael; Ética y Rentabilidad Empresarial; Boletin AECA n° 35; 2° cuadrimestre de 1994; Madrid. VIEGAS DA SILVA, Hélder e Maria Adelaide Matos; Didáctica da Contabilidade e Gestão; Universidade Aberta; 1992; Lisboa; 288 p.

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Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 101-112

O ENSINO DA CONTABILIDADE NO ENSINO SUPERIOR -- TENDÊNCIAS. ALGUMAS QUESTÕES / REFLEXÕES1

DOMINGOS JOSÉ DA SILVA CRAVO PROFESSOR COORDENADOR DA ÁREA CIENTÍFICA

DE CONTABILIDADE DO ISCAA

1 Versões anteriores deste trabalho foram apresentadas no Io Simpósio Internacional "A Contabilidade na viragem do século" levado a efeito conjuntamente pela Associação Portuguesa de Contabilistas e pela Universidade Fernando Pessoa, nos dias 21 e 22 de Novembro de 1997, no 3a Congresso do Ensino Superior Politécnico realizado em 18, 19 e 20 de Fevereiro de 1998 em Lisboa e no IX Encontro Nacional de Professores de Contabilidade do Ensino Superior, que se realizou nos dias 14 e 15 de Maio de 1999 em Faro

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A contabilidade é como um cavalo selvagem ! Cheia de força, mas ainda não a sabemos controlar ! ! !

1. INTRODUÇÃO

A questão do ensino da contabilidade no Ensino Superior constitui, a nosso ver, um tema merecedor de algumas reflexões, seja pela quantidade de alunos que procura este tipo de estudos, seja pela pressão do mercado, seja ainda pelo grau de (des)ajustamento existente entre as expectativas dos alunos e do mercado face aquilo que é razoável poder esperar do sistema de ensino.

Uma questão prévia a toda a discussão tem, naturalmente, que ver com os objectivos que são consignados às disciplinas contabilísticas no quadro dos respectivos planos de estudos de cada um dos cursos. Aqui, e sem grandes preocupações metodológicas, poderíamos dividir o universo dos cursos onde a disciplina é leccionada em dois subconjuntos: um primeiro, onde a Contabilidade assume um carácter meramente informativo relativamente ao plano curricular e, um segundo, onde o estudo da disciplina contabilística corresponde ao núcleo mais importante do plano de curso. No primeiro dos casos apresentados, é legítimo esperar que os estudantes de contabilidade quando inseridos na sua vida activa, não venham a utilizar os conhecimentos da disciplina como elemento fulcral da sua actividade profissional, enquanto que no segundo caso, estaremos em presença de estudantes que, de um modo geral, virão a exercer uma actividade profissional intimamente relacionada com a contabilidade.

Ora, esta dicotomia, recentra o problema nos termos que acima formulávamos, ou seja que objectivos devem ser consignados às disciplinas contabilísticas em cada curso, sendo a questão a de saber se o estudante de direito, de engenharia, de gestão, etc.2, deverá estudar

Isto é, daqueles cursos onde a contabilidade constitui disciplina acessória da formação geral

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Contabilidade da mesma forma que esta disciplina deve ser estudada pelo aluno de um curso de contabilidade?

Inclinamo-nos claramente para a corrente daqueles que entendem que não.

De facto, não parece fazer sentido que muitas das temáticas que são (ou devam ser!) objecto de estudo num curso que se destina ao exercício profissional da actividade contabilística sejam abordadas quer com a mesma óptica, quer com idêntica profundidade daquela que é utilizada em cursos onde o estudo da disciplina em causa tem carácter meramente informativo. Exemplificando com outra área do Saber se dirá que parece razoável admitir que ninguém espere que um estudante de Contabilidade, Economia, Direito, ou qualquer outra área onde a Informática assuma característica meramente instrumental, tivesse de estudar, pex, as características do hardware,.dado que a sua expectativa vai no sentido de recorrer a esta disciplina numa óptica de mero utilizador instrumental.

Isto significa então que, em primeira linha, haverá que estabelecer programas diferenciados que serão função dos cursos onde o estudo da Contabilidade está inserido e, consequentemente, dos objectivos que à disciplina estão consignados e não como penso que actualmente acontece em muitos dos nossos estabelecimentos de ensino3 onde os programas estabelecidos não tomam em linha de contas tais especificidades.

Desembaraçado deste primeiro problema, passo pois a delimitar a presente comunicação balizando-a com um conjunto de questões/reflexões que respeitam, tão somente ao estudo da Contabilidade no Ensino Superior quando tal estudo estiver inserido num curso cujos formandos venham a exercer uma actividade profissional onde aquela disciplina tenha grande relevância.

A abordagem que farei, parte de um pequeno levantamento da situação actual do ensino da contabilidade nos cursos superiores sendo

Não efectuei nenhum estudo sistematizado acerca deste assunto. Contudo, dados os contactos que tenho mantido com colegas de diversos estabelecimentos de Ensino Superior (nomeadamente nas reuniões da ADCES) fui formando esta opinião.

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seguidamente apreciadas as razões que, a meu ver, justificarão a necessidade de mudança do actual "status quo". Na sequência, procurarei enunciar as tendências em que previsivelmente assentará tal mudança, para, em seguida, apresentar aquilo que considero poder vir a ser a resposta possível do sistema de ensino. Concluirei com a apresentação de um conjunto de notas que julgo poderem contribuir para a discussão da problemática de que nos ocupamos.

2. S ITUAÇÃO ACTUAL

Comecemos a nossa abordagem com o estabelecimento da finalidade máxima do ensino da contabilidade através da resposta à questão - ensinamos para quê?

Evidentemente que a resposta a esta pergunta parece óbvia -ensinamos para que os formandos possam vir a exercer uma profissão. Contudo, uma resposta deste tipo induz novas questões, como sejam, p.ex., as seguintes:

i) sendo, de um modo geral, o exercício de uma profissão uma aplicação pragmática dos conhecimentos de uma disciplina, será que o ensino para o exercício daquela deverá ele mesmo ser fundamentalmente prático, ou, pelo contrário, essencialmente teórico?;

ii) se a opção fôr pela primeira alternativa, como é que se alicerçará a capacidade crítica dos formandos a qual não só contribuirá para a mudança, como permitirá uma mais fácil adaptação a novos contextos?

Em última análise julgo poder afirmar que todo o problema se centrará na análise do 'gap' que existe entre a formação teórica "fornecida" pelas Escolas e o nível de conhecimentos práticos que a profissão espera poder encontrar dos seus "novos" membros, sendo certo que o sistema de instrução formal (educação) nunca poderá integrar uma componente de experiência prática (treino) que satisfaça integralmente o nível exigência para o exercício profissional.

Mas, qual é o estado do ensino da Contabilidade no ensino superior?.

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O Ensino da Contabilidade no Ensino Superior

Daquilo que pudemos observar é possível encontrar, com bom grau de definição, três modelos puros:

i) o equivalente ao sistema francês, cujo estudo das disciplinas contabilísticas assenta basicamente no estudo do plano (oficial) de contabilidade;

ii) o estabelecimento de um sistema de ensino baseado no estudo de um conjunto de normas, v.g. as NIC's, e

iii) um sistema de ensino que dá prevalência ao estudo teórico da disciplina,

podendo encontrar-se aqui e ali sistemas híbridos. Pensamos4 que em boa medida o número de Cursos que adopta

o primeiro dos modelos enunciados é largamente superior a qualquer dos demais. Um excesso de opções pragmáticas na estruturação dos programas, associado à estrutura do nosso tecido empresarial, que assenta, como sabemos, num elevado número de pequenas e médias empresas que, contrariamente às empresas de maior dimensão, não recorrem ao mercado de valores e, por isso mesmo, não sentem grande necessidade das NIC's, não procurando que os seus quadros as apliquem, a que se junta um conjunto de opções eventualmente mais cómodas de alguns docentes, explica - embora não justifique - a actual situação.

Ora, referia o Presidente do IFAC no VIU Congresso da IAAER (International Association for Accounting Education and Reasearch) que "o ensino da Contabilidade tem de assentar no estudo aprofundado das NIC's, bem assim como o estudo da auditoria terá de repousar nas Normas de Auditoria Geralmente Aceites. A isso obrigam as exigências do mercado global". Ora, se isto parece ser absolutamente correcto para os designados "global players" cujas operações se encontram polvilhadas por uma grande área geográfica e cujo capital se encontra disperso e os respectivos títulos colocados no mercado de capitais, não estou tão certo que este venha a ser o caminho para a generalidade das empresas de dimensão média.

4 E nisso estamos acompanhados, designadamente, por Mendes Ferreira, Manuel, [in ]

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De resto, fica ainda a questão de saber se é através do conhecimento predominante da normalização contabilística (via NICs, ou via POC) que o interesse informativo das empresas é maximizado. Por mim, partilho mais a ideia que uma boa formação teórica cimenta o conhecimento e permite encarar com maior preparação os desafios da mudança. Um estudante médio possuidor de uma razoável formação ao nível conceptual reunirá excelentes condições para se adaptar a qualquer alteração normativa. Evidentemente que com isto não queremos significar que a formação deverá ser exclusivamente teórica. Entendemos que uma solução mitigada arrasta maiores vantagens para o processo de formação.

Do ponto de vista do tipo de ensino, julgamos que a "praxis" assenta em esmagadora medida no estilo de "ensino magistral -tutorial", complementado com exercícios retirados de manuais ou produzidos pelos respectivos professores e, no caso particular do ISCA de Aveiro, estamos a começar a ensaiar um modelo interactivo de simulação empresarial, embora ainda seja cedo para retirarmos conclusões do esquema estabelecido.

3. A EXIGÊNCIA DE MUDANÇA

3.1. RAZÕES

A globalização da economia, o aumento da concorrência, as alianças estratégicas, económicas e comerciais, as novas estruturas organizacionais e suas exigências, as mudanças do comportamento dos utilizadores da informação financeira, a explosão da tecnologia, em especial da que se encontra ligada informação empresarial, o aparecimento e desenvolvimento exponencial da Internet e a regulamentação são factores que caracterizam o contexto de MUDANÇA em que estamos a desenvolver a nossa actividade.

Este novo contexto obriga - como elementar instrumento de sobrevivência - que estejamos atentos às alterações que se vão operando, sejam elas a nível ambiental, sejam induzidas pelos novos

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O Ensino da Contabilidade no Ensino Superior

padrões trazidos pelos estudantes que com as suas novas motivações, padrões culturais, referenciais sociais e outros geram necessidade de adaptação permanente. Este processo adaptativo é, contudo, facilitado quando existe maior disponibilidade para a elevação dos níveis de "savoir-faire" e maior propensão para o desenvolvimento das capacidades técnica e não técnica.

A ideia mestra consiste na saída de um estádio de "aquisição e acumulação de conhecimentos" para um novo nível do "aprender a aprender".

Isto obriga a uma interacção importante entre todos os actores do processo:

♦ Educadores e estudantes, e ♦ Educadores e profissionais Através de uma estrutura VIP, onde se procurará maximizar a

zona de intersecção de interesses dados pela versatilidade dos professores (V), pela integração de habilidades e conhecimentos dos estudantes (I), e pela participação no processo dos profissionais(P.)

3.2. TENDÊNCIAS

A apreciação das tendências em que previsivelmente se irá desenvolver o sistema de ensino de contabilidade, corresponderá basicamente ao estabelecimento de uma ponte que permitirá passar o "Gap" entre expectativas dos estudantes e profissionais relativamente ao sistema de ensino.

A grande temática do futuro assentará na ideia que Aprender é um processo para toda a vida. É bom que desde os bancos da Escola

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os estudantes interiorizem esta ideia. O processo de desenvolvimento é, não só, irreversível como imparável e isso obrigará a que todos tenhamos disponibilidade mental para mantermos um processo de aprendizagem constante.

A análise das tendências do ensino implica que se apreciem duas temáticas:

i) o que é actualmente ensinado e como deverá passar a ser, e ii) como é que deve ser ensinado.

Relativamente à primeira das questões pode dizer-se que:5

De Para Identificar os problemas e medição

Resolver os problemas

Relato histórico Previsões Trabalho individual Trabalho em equipa Realização de tarefas Ajudar a decisão Competências técnicas Competência relacional Tratamento de dados Conselho Mudança progressiva Mudança radical Gerir a mudança Criar a mudança Conhecimentos contabilístico Conhecimentos de gestão

Quanto à forma como deve ser ensinado há que distinguir: ♦ A educação inicial ♦ A formação contínua

No processo de formação inicial, cuja característica dominante será ensinar os estudantes a aprender por si mesmos, haverá que incluir, designadamente:

♦ Conhecimentos técnicos sólidos, aí se agrupando o estudo da

Kulesza, Bud; The accounting in the 21th century - changes in educational trends; Comunicação ao XV World Congress of Accountants; Paris; 1997.

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harmonização internacional ♦ A abordagem pelo método de casos; ♦ Trabalhos de grupo em projectos; ♦ Integração em programas de formação (técnicos, interpessoais

e informáticos), ♦ Estágios, e ♦ Incentivos à investigação.

sendo todavia certo que a definição do plano de estudos privilegiará como factor determinante, a competência dos estudantes e deverá desenvolver a aptidão para a interrogação, o espírito lógico e a crítica, bem assim como a capacidade de escrever, falar e ouvir.

O treino na identificação e resolução de problemas não estruturados, a aprendizagem pela prática, o trabalho de grupo e a utilização criativa da tecnologia constituirão elementos que levam a crer que, pelo menos teoricamente, um modelo como o acima exposto induzirá os alunos ao exercício de novas funções dotando-os do competente "savoir-faire".

Pelo seu lado, a formação contínua pode ser desenvolvida nas Escolas, nas Associações profissionais ou nas entidades empregadoras, ou no seu conjunto.

Evidentemente que um sistema desta natureza implica ajustamentos importantes no sistema de ensino que adiante procuraremos desenvolver com maior pormenor.

4. RESPOSTA POSSÍVEL DO SISTEMA DE ENSINO

A oferta do sistema de ensino formal será sempre uma oferta limitada, já que, como se disse anteriormente, em grande medida o sistema nunca poderá dotar o estudante da "praxis" necessária. Isto significa que o sistema de ensino poderá, sem dúvida, contribuir com uma proposta ajustada de formação teórica através de um processo de modernização curricular. Poderá desenvolver, igualmente, o método de casos, com a restrição que o estudo daqueles só faz sentido se o mesmo for efectuado após a formação geral.

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Também caiem nas competências do sistema de ensino o estudo dos princípios éticos aplicáveis nos vários momentos do exercício da actividade profissional, bem assim como o desenvolvimento dos mecanismos tendentes à formação dos critérios orientadores do julgamento profissional, do processo de auto aprendizagem e de investigação.

O sistema formal de ensino ainda pode prestar um importante contributo no desenvolvimento das técnicas de comunicação oral e escrita.

Pesem essas potencialidades, o sistema de ensino está no entanto sujeito a um elevado conjunto de restrições oriundas quer do próprio sistema, quer dos estudantes.

Nas primeiras, anotam-se, designadamente, as seguintes: ♦ A existência de recursos financeiros, materiais e humanos)

reduzidos; ♦ A limitação dos materiais para leccionação; ♦ As limitações pedagógicas; ♦ As limitações do esforço de docência, ♦ Etc. De entre as limitações dos estudantes, apontam-se, em especial: ♦ treino limitado; ♦ As limitações cognitivas; ♦ As limitações do esforço de aprendizagem, ♦ Etc Desta correlação de variáveis sairá a formação possível

oferecida pelo sistema de ensino.

5. CONCLUSÃO

Nos dias de hoje, a contabilidade é uma imagem vaga de factos que ocorreram num passado cada vez mais remoto. Aponta-se como grave insuficiência a pouca capacidade preditiva da informação contabilística.

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O Ensino da Contabilidade no Ensino Superior

Um dos desafios futuros consistirá seguramente na análise de propostas do tipo

♦ "Poderemos com a Internet aspirar a relato em tempo real quanto mais não seja para alguns elementos - ou as contas diárias serão ainda utópicas?"

♦ "Como é que a auditoria se virá a desenvolver? poderá vir a ser dispensada face ao tempo (e ao timing da) que implica a sua execução? Se sim como controlar a fiabilidade da informação??"

E aqui, a questão que se coloca é a seguinte: estarão os alunos das nossas Escolas aptos a aceitar o desafio?

Julgo que ainda não, e por isso, o ensino da contabilidade tenderá a evoluir no sentido da modificação dos padrões até aqui reconhecidos como aceitáveis.

Estou em crer que - a menos que inultrapassáveis questões orçamentais se coloquem - e o ensino magistral - tutorial deixará de predominar na docência da disciplina para, numa primeira fase, vir a ser complementado pelo estudo de casos, saltando em estádio mais evoluído para um sistema de ensino interactivo. A dinâmica da sociedade a isso obrigará, e é bom que assim seja.

A tendência irá, necessariamente no sentido do reforço da relação professor/aluno e será cada vez mais enriquecida com a panóplia de meios técnicos colocados à disposição do sistema. As novas tecnologias constituirão simultaneamente meio de comunicação e factor de interactividade e de pesquisa.

O novo sistema não será um sistema de ruptura com o actual, mas sim de aproveitamento das potencialidades daquilo que existe actualmente e dos novos meios que são colocados à disposição dos actores.

Uma complexa questão adicional consiste na motivação dos alunos. Os padrões dos estudantes são diversos dos padrões dos formadores. Como conseguir a motivação para aulas que se desejam interactivas? A leitura prévia à aula para potenciar a discussão dos temas e dos casos constituirá medida suficiente? Será, nesta perspectiva, o método de casos útil?

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Também é importante a questão do timing do inicio dos estudos de especialização e aqui, a questão que se coloca é a seguinte: Dever-se-ão iniciar os estudos de especialização antes do estudante aceder à profissão ou, pelo menos, ter alguma formação prática?

Com as alterações que se adivinham no sistema de ensino da contabilidade, uma nova questão se irá colocar a qual tem a ver com o o tema da avaliação nesta disciplina e cuja discussão ficará para outro momento.

Seguramente que o ensino da Contabilidade também contemplará novas modalidades arrastadas pelas novas tecnologias da teleconferência, das redes informáticas, da internet, etc. E nessas novas modalidades estarão por certo as acções conjuntas entre Escolas que através de uma adequado processo de permuta de experiências se poderão enriquecer mutuamente.

Para além dos aspectos técnicos da disciplina estão também abertos campos de investigação em "educação em contabilidade". Esperemos que surjam bons projectos e que os mesmos tenham adequados incentivos à investigação, institucionais e financeiros.

Um outro desafio tem a ver com a liberdade de ensinar e o desejo de "controlo" do ensino por parte das profissões. Como se sairá deste futuro (?) problema: prevalecerá a liberdade académica, ou esta será restringida no sentido de acolher os programas específicos estipulados pelas associações profissionais para acesso à profissão ???

Uma coisa parece ser certa, os desafios colocados à actividade profissional no dealbar do ano 2.000 caracterizar-se-ão por uma grande diversidade na profissão, pela necessidade de grande especialização e pela potenciação de actividades pluridisciplinares. O grande repto que é colocado ao sistema de ensino é pois o de preparar jovens no seio da tormenta para que estejam em condições de se tornarem vencedores num ambiente cuja hostilidade advém da dinamicidade, da volatilidade e da competitividade.

Esperemos, com uma nova postura no ensino da Contabilidade vencer as dificuldades do futuro.

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Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 113-127

P R O J E C T O EM SIMULAÇÃO EMPRESARIAL U M A EXPERIÊNCIA EM DESENVOLVIMENTO

ELEUTÉRIO MACHADO, HELENA INÁCIO, JOÃO FORTES E JOÃO SOUSA

DOCENTES DOI.S.C.AA. E CONSTITUINDO A COMISSÃO DE COORDENAÇÃO DO PROJECTO PROFISSIONAL

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Revista Estudos do ISCAA

RESUMO

Pretende-se com este artigo dar a conhecer a experiência que há mais de dois anos vai sendo desenvolvida no âmbito de uma disciplina curricular do 6o semestre da Licenciatura Bi-etápica do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro.

É uma disciplina que, pela sua inovação e capacidade de despertar o interesse dos alunos, justifica neste momento uma análise crítica.

O artigo está dividido nos seguintes pontos: Referência às razões que levaram à introdução da disciplina no

curso, indicando os objectivos pretendidos; Análise do primeiro ano lectivo de funcionamento, com

descrição das opções tomadas em termos de mercado e de serviços de apoio; meios envolvidos e forma de funcionamento; e análise crítica dos resultados obtidos;

Análise do segundo ano lectivo de funcionamento da disciplina, com descrição das opções tomadas, meios envolvidos e forma de funcionamento; e análise crítica dos resultados obtidos. Comparação com a análise do ano lectivo anterior;

Opções de funcionamento para o ano lectivo de 1999/2000. Inovações previstas relativamente aos anos anteriores e deficiências que se esperam colmatar;

Perspectivas futuras da disciplina e possibilidade de alargamento do campo de acção da simulação.

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Projecto em Simulação Empresarial: Uma Experiência em Desenvolvimento

ORIGEM DA IDEIA

Podemos dizer que a ideia nasceu da constatação de uma necessidade que resulta em grande medida:

■ da massificação do ensino superior, daí resultando um conjunto de problemas, nomeadamente a dificuldade de manter aulas práticas com um elevado número de alunos, de forma a que não se tornem obrigatoriamente mais teóricas que práticas;

■ da grande instabilidade dos postos de trabalho, resultado do aumento drástico do número de diplomados com habilitações para o exercício das funções de contabilista.

Estes factos, entre outros, contribuíram para que a Escola equacionasse a problemática da aproximação do ensino à realidade empresarial. A ideia principal era permitir aos nossos diplomados integrar o mercado de trabalho com uma preparação não só teórica mas também prática, que satisfizesse minimamente os empregadores.

Uma das primeiras soluções que normalmente ocorre, neste contexto, é a realização de um estágio no último semestre do Bacharelato. No entanto, colocar em estágio anualmente cerca de cento e sessenta alunos é uma tarefa árdua, principalmente quando se pretende estágios efectivamente úteis para a consolidação dos conhecimentos adquiridos.

Assim, quando a Escola avançou com a reestruturação do curso, e dado ser impossível, com a qualidade mínima exigida integrar o estágio no plano curricular, germinou a ideia de simular dentro da Escola a realidade empresarial. Daí resultou a inclusão no curso de uma disciplina denominada Projecto Profissional, que contempla no seu Regulamento Geral de funcionamento aprovado pelo Conselho Científico da Escola, três vertentes de estudo, sendo a unanimemente escolhida pelos alunos a de Simulação Empresarial.

Esta, sinteticamente, incorpora os objectivos seguintes: ■ Proporcionar, em ambiente interactivo, consolidação e

integração de conhecimentos adquiridos nos primeiros anos curriculares dos cursos de Bacharelato, nas áreas de Contabilidade, Fiscalidade, Direito, Gestão e Informática;

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Revista Estudos do ISCAA

■ Promover uma primeira aproximação com o mundo do trabalho e a realidade empresarial, aos alunos que normalmente obtém o grau de Bacharel no final do ano lectivo em que frequentam a disciplina de Projecto Profissional e que assim, terão um choque muito menor quando integrados no local de trabalho;

■ Facultar uma vivência ética da profissão de Contabilista e dos negócios em geral, promovendo a efectiva intuição dos normativos deontológicos e da necessidade crescente de comportamentos éticos em todos os domínios profissionais;

■ Promover o trabalho em grupo, num processo em que os alunos são obrigados a repartir tarefas e a trabalhar em conjunto, sob pena de não atingirem os objectivos preestabelecidos.

■ Proporcionar experiência de trabalho sob pressão do tempo e do cumprimento de prazos, tal como acontece na vida de qualquer contabilista;

A ideia geral de funcionamento do Projecto em Simulação Empresarial é a de criar um mercado simulado, em que é atribuída a cada grupo de alunos uma empresa "virtual". Até ao momento os grupos têm sido constituídos por dois elementos dadas as limitações físicas das salas disponíveis. As empresas atribuídas podem ser empresas a constituir ou a transformar, nomeadamente, aumento de capital, diminuição de capital, alteração do tipo de sociedade, fusão de sociedades, entre outras que poderiam ser consideradas.

Os diversos grupos, constituídos em empresas "virtuais", devem previamente apresentar um Pré-Projecto com todos os elementos necessários ao desenvolvimento do processo de criação/transformação a que uma sociedade é sujeita. Posteriormente, e inseridas as empresas "virtuais" num mercado previamente definido, transaccionam durante um período que pode ir de um semestre a um ano e entregam, durante esse período, todas as declarações fiscais ou parafiscais a que uma empresa verdadeira está obrigada (declaração periódica do IVA, pagamento do 1RS retido, pagamento à Segurança, Social, etc), apresentando um Relatório Intermédio correspondente à prestação de contas sociais e fiscais. Seguidamente, laboram mais um trimestre ou semestre e apresentam contas intercalares num Relatório Final, onde

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Projecto em Simulação Empresarial: Uma Experiência em Desenvolvimento

anexam um relatório do trabalho desenvolvido desde o início do Projecto em Simulação Empresarial.

Em resumo, o que se pretende é aproximar o simulado o mais possível do real, permitindo aos alunos serem os gestores, contabilistas, directores financeiros ou técnicos comerciais das suas "empresas".

1. PRIMEIRO ANO LECTIVO: 1997/1998

Neste ano de arranque as ideias eram muitas, no entanto a falta de experiência neste tipo de disciplina acabou por ocasionar algumas ineficiências no decorrer do processo. Não obstante, o grande interesse que, apesar das falhas iniciais, o projecto despertou nos alunos e professores envolvidos foi fundamental para que se desenvolvessem fortemente as suas vastas potencialidades.

O ano de arranque obrigou a avultados investimentos em Hardware, equipando duas salas com vinte e cinco computadores e duas impressoras para utilização exclusiva dos alunos do Projecto Profissional. Paralelamente, equipou-se o Gabinete de Logística com dois computadores e uma impressora. O software de contabilidade necessário ao desenvolvimento das actividades simuladas foi cedido, gratuitamente, por software-houses da região. Em termos de docência, foram envolvidos no processo doze professores da área de Contabilidade, assumindo três destes a Coordenação de todo o Projecto Profissional.

Neste primeiro ano de funcionamento : • O mercado foi criado a partir das empresas escolhidas pelos

diversos grupos, nomeadamente quanto ao tipo de sociedade, tipo de actividade e valor do capital social, com algumas excepções que a Comissão de Coordenação não aceitou, por difícil enquadramento no mercado virtual1;

Vidé o caso de um grupo, que pretendia constituir uma sociedade por quotas, cujo objecto social consistia na exploração da actividade de Agente Funerário.

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• Os professores afectos ao projecto estavam em sala em horários pré-defenidos, segundo turmas, mas sem grupos directamente afectos;

• As salas de computadores estavam abertas vinte e quatro horas por dia, com utilização completamente livre;

• Todo o processo burocrático necessário à constituição e gestão das empresas, foi pesquisado pelos alunos, que se deslocaram às repartições públicas e mesmo a empresas do ramo de actividade escolhido;

• Existiam Serviços Centrais de apoio aos alunos, sejam: Notário, Repartição de Finanças, Banco, Central de Aquisições e Central de Vendas;

• O período virtual decorreu de Março de 1997 a Junho de 1998;

A implementação de uma disciplina com este tipo de características, levou à obtenção de resultados extremamente positivos mas, também teve alguns aspectos menos conseguidos, que nos facultaram a experiência necessária à efectivação de algumas correcções no ano seguinte.

PONTOS FORTES

■ O facto de os alunos terem considerado, que no decorrer de todo o processo tinham "quase" que estado por sua conta, é não um ponto fraco do processo, mas sim um ponto forte, pois tudo o que fizeram resultou da sua pesquisa e do seu trabalho, e facultou-lhes a experiência de que, quando inseridos na vida activa, os obstáculos podem ser ultrapassados sozinhos sem a ajuda do professor;

■ Não há dúvidas de que o projecto proporcionou consolidação e integração de conhecimentos adquiridos. Como era o ano piloto, os alunos não tinham termo de comparação e a tendência foi ir além do que se esperava;

■ O objectivo de confrontar os alunos com uma realidade muito próxima da que vão encontrar, no mundo real, no que respeita às

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Projecto em Simulação Empresarial: Uma Experiência em Desenvolvimento

formalidades legais que têm de cumprir e às entidades a quem têm de se dirigir, foi plenamente atingido;

■ O objectivo de colocar os alunos sob a pressão de tempo, do cumprimento de prazos, foi igualmente atingido. Os próprios alunos sentiram o peso da responsabilidade e o lema a aplicar pela sua vida fora de que "se querem ir de férias, o trabalho deve ficar adiantado", eles aplicaram nesta disciplina;

PONTOS FRACOS

• A interactividade, um dos objectivos que se pretendia atingir, tornou-se de difícil concretização, como resultado da livre escolha das empresas pelos grupos, da qual resultou um mercado pouco interactivo. Podemos observar no quadro 1 as empresas que formaram o mercado nesse primeiro ano e facilmente concluímos que, com excepção de um caso ou outro, a maioria dificilmente consegue fazer uma ou duas transacções entre si. No entanto, é curioso verificar que os alunos, sem serem obrigados, escolheram actividades de difícil implementação;

• Como resultado do ponto anterior, resultou a necessidade dessas empresas, por não terem mercado, recorrerem intensivamente à compra e venda aos serviços de apoio, isto é, à Central de Compras e à Central de Vendas, o que acarretou para estes serviços um volume de trabalho além das capacidades previstas, sem o consequente ganho pedagógico;

• Um dos objectivos que também não se conseguiu alcançar foi o da vivência ética. Criou-se um enorme espírito de competitividade, em alguns momentos pouco "saudável".

• Em termos pedagógicos sentiram-se algumas deficiências. Tornou-se impossível avaliar com exactidão quem efectivamente trabalhava, para além de, sendo os erros detectados e avaliados à posteriori, a correcção pedagógica não foi directa e atempadamente indicada aos alunos;

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Page 118: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº5, Ano 1999

Revista Estudos do 1SCAA

Tipo de Actividade

Ramo de Actividade Actividade N.°

Comercial

Alimentar, higiene e limpeza

Supermercado 2

Comercial

Alimentar, higiene e limpeza

Grossistas 2

Comercial

Alimentar, higiene e limpeza

Talho 1

Comercial

Alimentar, higiene e limpeza Lacticínios 1

Comercial

Alimentar, higiene e limpeza

Bebidas alcoólicas 1

Comercial

Vestuário e calçado Equipamento desportivo 2

Comercial

Vestuário e calçado Vestuário 5

Comercial

Vestuário e calçado Calçado 1

Comercial Equipamento, Materiais e maquinaria

Material informático 5

Comercial Equipamento, Materiais e maquinaria

Fotocopiadores 1 Comercial Equipamento,

Materiais e maquinaria Máquinas e ferramentas 1 Comercial Equipamento,

Materiais e maquinaria Material eléctrico 1 Comercial Equipamento,

Materiais e maquinaria Material de construção 1

Comercial Equipamento, Materiais e maquinaria

Material de protecção 1

Comercial Equipamento, Materiais e maquinaria

Máq. Industriais e agrícolas 1

Comercial

Mobiliário Móveis e eq. de escritórios 4

Comercial

Mobiliário Móveis de cozinha 1

Comercial

Mobiliário Móveis de W.C. e acessórios 1

Comercial

Combustíveis Gás 2

Comercial

Combustíveis Combustíveis e lubrificantes 1

Comercial

Importação/exportação Mercadorias diversas 3

Comercial

Automóvel Automóveis 2

Comercial

Automóvel Pneus e acessórios 2

Indústria

Transformação Madeiras 2

Indústria

Transformação Mármores 1

Indústria

Transformação Cortiça 3

Indústria Cerâmica Azulejo 2

Indústria Cerâmica

Tijolos e telhas 3 Indústria Alimentar Padaria, pastelaria 1

Indústria

Construção Civil 4

Indústria

Vestuário e calçado Confecção 5

Indústria

Vestuário e calçado Calçado 3

Serviços

Transportadores 3

Serviços Imobiliárias 2

Serviços Publicidade 4 Serviços Limpeza 1

Serviços

Segurança 1

Quadro 1 - Empresas que formaram o mercado do ano lectivo de 1997/1998.

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Page 119: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº5, Ano 1999

Projecto em Simulação Empresarial: Uma Experiência em Desenvolvimento

• Os meios informáticos mostraram-se insuficientes, quer em número de impressoras, quer na capacidade do hardware.

Neste primeiro ano, registaram-se várias situações de insucesso, sejam reprovação ou desistência. Dos oitenta grupos inscritos inicialmente, apenas setenta grupos terminaram sem quaisquer incidentes, tendo aos restantes dez acontecido as seguintes situações:

■ Separação de um grupo em dois por conflito entre os membros;

■ Desistência de dois grupos antes de entregar qualquer relatório e de dois grupos após a entrega do Pré-Projecto; reprovação de um elemento de um dos grupos por falta à apresentação oral; de três grupos que entregaram fora de prazo um só relatório em vez dos dois pedidos, e de um grupo que concluiu todo o processo de avaliação mas, com qualidade muito fraca. Estas situações são reveladoras de que alguns alunos subestimaram as regras da disciplina, tendo por isso sido penalizados.

O objectivo foi sempre de implementar uma disciplina com um elevado nível de qualidade e exigência, que só seria atingida se os alunos colaborassem nesse propósito. A decisão inicial da Comissão de Coordenação de não deixar de penalizar quem não trabalhou, contribuiu fortemente para a afirmação da disciplina no meio estudantil.

2. SEGUNDO ANO LECTIVO: 1998/1999

Uma das preocupações básicas para este ano lectivo foi a elaboração de um Regulamento Específico que regulamentasse o funcionamento da disciplina, pretendendo-se com ele:

■ a implementação de regras suficientemente rígidas que permitissem em termos gerais:

■uma orientação aos alunos; ■ a não instalação da anarquia; ■a implementação de regras que permitissem, em termos

mais específicos, a definição de: ■ regras de comportamento entre grupos;

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Revista Estudos do ISCAA

■ regras de comportamento no mercado; ■ regras de avaliação; ■ elementos a entregar em cada momento da avaliação; ■ prazos a cumprir pelos alunos; ■ bonificações e penalizações.

Deste conjunto de regras salientamos, pela sua importância e pela sua novidade relativamente ao ano anterior, as seguintes:

■ a cada grupo foi atribuído um docente orientador, isto é, os alunos passaram a ter especificamente um docente a quem recorrer no caso de dúvidas;

■ existiam docentes consultores, nas áreas de Direito, Informática, Fiscalidade e Gestão, e que se destinavam a esclarecer dúvidas específicas a qualquer grupo;

■ todas as empresas simuladas foram sujeitas a uma auditoria; ■ passaram a existir regras de ocupação das salas; ■ a avaliação passou a ter um componente importante de

avaliação continua. Em simultâneo com a elaboração do Regulamento Específico,

fizeram-se esforços no sentido de adquirir equipamento e software que melhorasse a capacidade e qualidade dos meios informáticos à disposição dos alunos, por forma a incrementar o desenvolvimento qualitativo do Projecto Profissional.

Asseguradas as regras e o software e hardware que satisfizesse as necessidades, a preocupação centrou-se na obtenção de autorização para serem afectos à estrutura de Coordenação do Projecto Profissional monitores (habilitados com o Io ciclo de estudos do ISCAA - Bacharelato) e que permitiriam ter sempre um responsável pelas salas de informática e pela logística evitando assim grande parte dos problemas que ocorreram no ano anterior, o que acabou por acontecer.

A preocupação seguinte foi a criação do mercado, que face à má experiência do ano anterior, não foi deixado ao critério dos alunos. Dada a dificuldade de, face ao número de empresas envolvidas, criar um mercado muito diversificado mantendo-se a interactividade, a opção foi criar um mercado sectorial.

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Page 121: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº5, Ano 1999

Projecto em Simulação Empresarial: Uma Experiência em Desenvolvimento

Dos sectores possíveis, considerou-se o sector da construção civil e obras públicas, uma opção aliciante por ser um sector impulsionador de todos os outros e também por ter características que enriqueceriam as matérias que se pretendiam focalizar nesta disciplina, como sejam, a contabilidade e a fiscalidade. Assim, o mercado à disposição dos grupos envolvidos no projecto de 1998/1999, foi o que podemos observar no quadro n.° 2.

Tipo de actividade

Actividade N°de empresas

Industria Construção civil e obras públicas 47

Comércio Venda por grosso de materiais de construção 8

Comércio Betões, massas e inertes 3 Comércio Material de escritório 2

Serviços Aluguer de equipamento de construção e de demolição 5

Serviços Transportadoras 2 Serviços Acabamento de obras 5

Serviços

Electricidade e canalização 5

Quadro 2 - Mercado "virtual" no ano lectivo de 1998/1999.

De um modo geral o semestre decorreu sem sobressaltos, tendo havido grande entusiasmo e receptividade por parte dos alunos. Em termos de resultados finais temos a registar uma reprovação e uma desistência, podendo dizer que a origem destes bons resultados passaram pela consciencialização dos alunos de que só com esforço, trabalho e dedicação, era possível concluir a disciplina com êxito.

Foi realizado um inquérito, individual e anónimo, aos alunos do Projecto Profissional, no final do semestre, em que era pedida a atribuição de uma nota ao desenvolvimento de todo o Projecto, de 0 a 20 valores, e foi com satisfação que a média obtida em cento e cinquenta respostas, fosse de 15,85 valores.

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Page 122: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº5, Ano 1999

Revista Estudos do ISCAA

PONTOS FORTES

Podemos apontar os seguintes aspectos como os mais positivos: ■ a interactividade entre os participantes foi bastante elevada, o

que aproximou muito mais o simulado do real; ■ a realização de uma auditoria permitiu verificar com exactidão

o que cada grupo estava a fazer e corrigir de imediato o que não estava correcto;

■ as regras rígidas de penalizações e bonificações para comportamentos pouco éticos no mercado melhorou e fomentou a camaradagem entre os alunos, levando à não existência de ocorrências desagradáveis;

■ o apoio do docente orientador diminuiu a instabilidade dos alunos;

PONTOS FRACOS

Notou-se que alguns aspectos ficaram muito aquém do pretendido e que algumas iniciativas tomadas não tivessem dado os frutos esperados. Assim, podemos apontar os seguintes pontos negativos:

■ a existência de um docente orientador não permitiu a eliminação de um leque bastante vasto de dúvidas pontuais, que surgiam à medida que os alunos iam trabalhando, obrigando-os a recorrerem aos docentes que se encontravam no Gabinete de Logística para dissipar as dúvidas pontuais;

■ a existência de um orientador e a realização de uma auditoria não foram ainda suficientes, para corrigir pedagógica e atempadamente todos os erros detectados, ressentindo-se os objectivos prosseguidos de apoio pedagógico e avaliação contínua.

3. TERCEIRO ANO LECTIVO: 1999/2000

O mercado a funcionar neste ano lectivo continua a centrar-se no sector da construção civil e obras públicas, tendo-se procurado

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Projecto em Simulação Empresarial: Uma Experiência em Desenvolvimento

diversificar mais os serviços e os comércios a jusante e a montante, tal como podemos observar pelo quadro n° 3. As novidades para este ano lectivo, serão as seguintes:

■ Aos docentes serão atribuídos grupos a que especificamente dão apoio e horários de atendimento na sala de logística, por forma a elucidarem as dúvidas pontuais dos alunos;

■ Vão ser envolvidos um número menor de docentes para que se possa mais facilmente criar uma uniformidade de critérios;

■ A avaliação contínua vai ser intensificada, seja através da realização de mais auditorias, seja através de fiscalizações programadas ou de surpresa em sala. Cada uma destas situações é sujeita a relatório do docente responsável, considerado posteriormente na avaliação;

■ As seis melhores empresas do ano lectivo anterior vão continuar a operar, permitindo a seis grupos realizar no primeiro relatório, operações distintas dos seus colegas, nomeadamente alteração de denominação social, aumento de capital e operações de transformação;

■ Estão em desenvolvimento dois programas informáticos específicos (Telebanking e Televendas); que vão facilitar as operações entre os grupos e principalmente entre estes e as centrais.

Podemos afirmar que a grande aposta, este ano lectivo, será de conseguir atingir o pleno dos objectivos pedagógicos definidos, por forma a encontrar um modelo de ensino profissionalizante que seja efectivamente útil aos alunos, à escola e à profissão.

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Revista Estudos do ISCAA

Tipo de actividade

Ramo de Actividade

Actividade Actividade específica N.°de Empresa

s Industria Construção Civil e obras públicas 38

Comércio Armazenistas

Betões 2

Comércio Armazenistas

Betuminosos 2

Comércio Armazenistas

Inertes 2

Comércio Armazenistas

Materiais Eléctricos e iluminação 2

Comércio Armazenistas

Materiais De construção e W.C. 3 Comércio Armazenistas

Materiais Ferragens e ferramentas 2

Comércio Armazenistas

Material de escritório 2

Serviços Acabamento

de obras

Electricista 3

Serviços Acabamento

de obras Estucagem 4

Serviços Acabamento

de obras Pintura 3 Serviços Acabamento

de obras Canalizações 3

Serviços

Transportes Transportadores 2

Serviços

Transportes Aluguer de Equip. 3

Oficinas Carpintarias 2

Oficinas Aluminios 2 Oficinas Serralharia civil 2

Quadro 3 - Mercado a funcionar no ano lectivo de 1999/2000.

4. PERSPECTIVAS FUTURAS

Como podemos observar de forma resumida no quadro 4, durante os anos lectivos que a implantação do Projecto Profissional já leva, fizeram-se avanços consideráveis o que demonstra que esta disciplina tem efectivamente um conjunto muito amplo de potencialidades, que cabe à Escola e aos Docentes responsáveis saber aproveitar.

Um dos aspectos que a mais breve prazo pode enriquecer o Projecto Profissional, é o da diversificação do mercado. Mantendo-se um núcleo de empresas afectas ao sector da construção civil e obras públicas já existentes, e integrando em paralelo empresas de outro sector de actividade.

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Projecto em Simulação Empresarial: Uma Experiência em Desenvolvimento

1997/1998 1998/1999 1999/2000

Mercado Diversificado Sectorial Sectorial, com mais empresas a montante

Apoio/ Docentes

Por turmas Por grupo Por grupo e atendimento geral

Avaliação Base em relatórios Base em relatórios,

informação do docente orientador e

de uma auditoria

Base em relatórios, informação do docente orientador, auditorias e

fiscalizações programadas e de surpresa em sala

Quadro 4 - Evolução do Projecto Profissional

Outro aspecto a contemplar é o da integração no mercado simulado, de empresas de auditoria constituídas por grupos de alunos, a quem competirão as tarefas de auditar as restantes empresas simuladas, com a supervisão plena dos docentes orientadores.

Estas são algumas ideias, entre muitas que existem, que pensamos sejam exequíveis num futuro próximo.

Ao concluirmos este "relatório" das actividades desenvolvidas ao longo destes últimos dois anos, uma constatação se nos afigura inquestionável. O Projecto em Simulação Empresarial é uma "pedrada no charco" no processo de formação profissionalizante dos futuros Contabilistas.

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Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 129-138

RELATING ORGANIZATIONAL LEARNING AND INFORMATION SYSTEMS: A PRELIMINARY STUDY

J O Ã O B A T I S T A

PROFESSOR ADJUNTO DO I.S. C.A.A.

jbatista @ isca-aveiro.pt

A. DIAS DE FIGUEIREDO PROFESSOR CATEDRÁTICO DA F. C. T. U. C.

[email protected]

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Revista Estudos do ISCAA

ABSTRACT

This paper is a contribution for closing the much undesirable gap between organizational learning and information systems. To do this, it takes a number of key concepts from a well established information systems framework and shows that, if the ambiguity of those concepts is restricted, they can be used to describe organizational learning in terms that, though originating from information systems, fit perfectly an existing reference framework for organizational learning. We suggest that further research, emphasizing shared terminology and concepts, may strongly contribute to strengthen the relevance of information systems for organizational learning and of organizational learning for information systems.

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Relating Organizational Learning and Information Systems: a Preliminary Study

INTRODUCTION

Organizational learning is, today, a crucial element for any organization wishing to adapt to change continuously and quickly (Prokesch, 1997). Many studies on organizational learning, originating from a variety of areas, have been produced over the years. However, and in spite of this variety, the relationship between organizational learning and information systems still remains unclear. With this in mind, Argyris recommended, twenty years ago, "an alliance among line executives, MIS (Management Information Systems) professionals, and behavior scientists to conduct research on how to develop MIS that are more effectively implementable" (Argyris, 1977b, p. 128). We notice, however, that more recent literature recognizes that this alliance has not been achieved. For instance, Balasubramanian (1996) states that "there has been very little research on the influence of technology, especially information systems, on organizational learning" and that "there is a general agreement among researchers that organization theorists and information systems researchers need to come together to explore this topic further". Along the same lines, Dejnaronk (1998) observes that "Although business IT [Information Technology] value and its impact on firm's knowledge are recognized, little effort has been made to study the relationship between the two".

In a broader sense, and as far as information systems are concerned, this is an old problem. It has always been difficult to establish links between organizations and their needs, on one end, and information systems and information technologies, on the other. We believe that a basic reason for this difficulty has been the lack of communication and of an appropriate common language. Just to give an example, we see the term "knowledge" being used with completely different meanings to satisfy quite varied conveniences. How could a term suffering from such semantic vagueness be fully understood and shared?

The main objective of this paper is to contribute to an approximation between organizational learning and information

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Page 129: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº5, Ano 1999

Revista Estudos do 1SCAA

systems based on shared terminology and concepts that serve the needs and aims of both parts. Our main concern could, thus, be phrased in a single question: how can we relate organizational learning and information systems? The studies that get closer to this concern have tried, essentially, to identify the ways in which information systems can support or stimulate organizational learning. For instance, Balasubramanian (1996) makes "an attempt to identify aspects of organizational learning that can benefit from the use of information systems", by concentrating on the direct influences of information systems upon organizational learning; Croasdell (1997) analyses "the role of information technology in supporting these [memory, learning] cognitive structures in organizations"; Sohn (1998) "explains how information systems provide competitive advantage in terms of organizational learning"; and Vance (1998) studies the relationship between knowledge transfer and information systems.

We notice that those studies do not address the information systems perspective of the problem. In practice, they concentrate on information technologies rather than on information systems. We think that we need to work on the key concepts of organizational learning in such terms that they can be brought together with those from the field of information systems. Conversely, we think that the information systems concepts must be brought together with those relating to organizational learning. This paper attempts to close the gap while serving both sides. To do this, it starts by addressing the question of "organizational learning" versus "learning organizations", and then attempts to relate organizational learning and information systems using a definition of organizational learning that is expressed in terms of information systems.

ORGANIZATIONAL LEARNING VERSUS LEARNING ORGANIZATION

A multitude of visions and concepts regarding organizational learning can be found in the literature, led by the influential work of

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Relating Organizational Learning and Information Systems: a Preliminary Study

Argyris & Schõn (Argyris, 1977a; Argyris, 1978; Argyris, 1996) and Senge (Senge, 1990; Senge, 1994). Excellent reviews of the literature can also be found (Fiol, 1985; Huber, 1991; Dodgson, 1993; Garvin, 1993; Cohen, 1996). One of the most recent ones has been produced by Argyris and Schõn (1996, pp. 180-199) in a context that places their theory of productive learning within this multitude of visions. They claim that two branches exist in organizational learning. The more scholar branch is usually referred to as Organizational Learning. It is usually cultivated by academics, it is generally skeptical, "intentionally distant from practice, nonprescriptive, and value-neutral" (Argyris, 1996, p. 188). The other branch, that of Learning Organizations, where Senge became widely known, is practice-oriented, value-committed and prescriptive. We support Argyris & Schõn in their opinion that the two branches are complementary and non contending.

In this paper, we adopt the expression "organizational learning" with the meaning that has been proposed by Huber (1991). Huber established a four process framework for organizational learning: knowledge acquisition; information distribution; information interpretation; and organizational memory. This framework seems to be particularly appropriate as a basis for relating organizational learning with information systems, as some authors have already suggested (Balasubramanian, 1996; Sohn, 1998).

ORGANIZATIONAL LEARNING AND INFORMATION SYSTEMS

To serve the aims of this paper - and in agreement with the FRISCO conceptual framework that we will be referring to below -we say that an organization learns when, through its members, distributed data are interpreted and become information. Information is the knowledge increment afforded by data interpretation. Thus, when an agent sends a set of data, in a message, to some receiver(s), it is providing the acquisition of knowledge, that is, it is making learning possible. Thus, we cannot say that an agent sends information, but

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Page 131: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº5, Ano 1999

Revista Estudos do ISCAA

rather that it sends data containing an information potential that may become real through interpretation.

This approach lets us establish the concept of organizational learning from the concept of information and some related concepts that lay at the very heart of the concept of information system. The definition of the concepts that we have just used has been borrowed from the information system community, namely from The FRISCO Report - A Framework of Information System Concepts (Falkenberg, 1998), and it is particularly relevant in our context because information is a key concept in relating organizational learning with information systems.

Information is formally defined in that report as "the knowledge increment brought about by a receiving action in a message transfer, i.e. it is the difference between the conceptions interpreted from a received message and the knowledge before the receiving action". Thus, data can only become information: a) when a message containing the data is actually received by the intended receiver or receivers; b) when the receiver or receivers interpret the data; and c) when, for each receiver, the interpretation results in a knowledge increment. Thus:

• sending a message with data does not necessarily mean that it will be received;

• the fact that the message is received does not necessarily mean that it will be interpreted;

• the fact that the message is interpreted does not necessarily mean that, for each receiver, there is a knowledge increment;

• in case the interpretation leads to new knowledge for more than one receiver, this does not mean that the resulting knowledge will be the same for the different receivers.

When the knowledge acquired is "identical (or at least similar) to that of the others, as resulting from the negotiation process implicit in some communication" (Falkenberg, 1998), then we are in the presence of shared knowledge, which is thus a subset of the individual knowledge for each one of the receivers.

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Relating Organizational Learning and Information Systems: a Preliminary Study

So far, we saw that it is possible to establish a connection between organizational learning and information systems using concepts from the domain of information systems. In particular, we have used the concept of information and other related concepts, such as data, message, communication, knowledge, and shared knowledge, borrowed from The FRISCO Report.

The definition of organizational learning that we have presented above, though supported by information systems concepts, agrees with the organizational learning framework proposed by Huber (1991) in the sense that it takes into account three of the four key processes of organizational knowledge: knowledge acquisition, information distribution and information interpretation.

These three key processes cover, essentially, the components of processing (knowledge acquisition and information interpretation) and communication (information distribution) of an information system. Interestingly enough, the key process of Huber's framework that remains to be considered - organizational memory - coincides with the component of an information system that we still need to take into account: the memory. Indeed, for an organization to be able to learn, in the sense that we have been considering, a memory systems is needed, to let us store and retrieve:

• the data associated to individual knowledge. If the knowledge embedded in those data is to become knowledge for some other individual, it must be sent as data in a message, using a communications mechanism, and it must be interpreted by the receiver, that will thus acquire knowledge (though there is no guarantee that the acquired knowledge is the same that was embedded in the data);

• the data associated to shared knowledge. For this knowledge to be shared, its encoding must have a low level of equivocal potential, i.e., there must be a high probability that the acquired knowledge be identical, at least as far as the interest of the organization is concerned;

• the data associated to organizational knowledge. These data are linked to the whole organization, and consist of meanings and shared values, policies, beliefs, norms, etc.

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Revista Estudos do ISCAA

For organizational learning, the use and value of the data stored in the memory system is richer: the higher the meaning is; the bigger the identification of the associated context is; and the deeper the social aspects embedded in the data are.

For example, let us consider an individual charged to write and store in organizational memory the report of a team meeting. He can do it in several different ways. He can make a written report of just the key points of the discussion and of the decisions taken. If he adds some notes and comments on the most important points of the meeting, namely notes and comments that allow a deeper understanding of the meaning of the discussion and of the decisions taken, the report is potentially more useful. If he adds even more data on the context in which the discussion takes place and the decisions are made, then the value of that report increases even more. Its value may reach the top if it includes a sociological view of the context, that is, if the whole report contains values, norms and other social aspects of the organization.

CONCLUSION

On this preliminary study we have shown that it is possible to describe in information systems terms how an organization learns. We have based our description on a leading concept, the concept of information, and on other related concepts, such as data, message, communication, knowledge, and shared knowledge. We have borrowed the definitions of those concepts from an information systems framework - The FRISCO Report (Falkenberg, 1998) - and we have shown that this description, though made in terms of information systems concepts, was easily related to Huber's four-process framework for organizational learning (Huber, 1991). We strongly believe that further research promoting a deeper sharing of terminology and concepts between the two areas will significantly influence the relevance of information systems for organizational learning and strengthen the implications of organizational learning for information systems.

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Page 134: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº5, Ano 1999

Relating Organizational Learning and Information Systems: a Preliminary Study

ACKNOWLEDGEMENTS

This work has been partially supported by the Portuguese Foundation for Science and Technology (FCT) under research contract 326/94. The authors are grateful to ISCAA and CISUC for the facilities granted.

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Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 139-174

VISITA GUIADA*: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBERALISMO E A ESCOLA CLÁSSICA INGLESA

JOSÉ FERNANDES DE SOUSA PROFESSOR ADJUNTO DO ISCAA.

* VISITA GUIADA assinala um trabalho que, não recorrendo às fontes, se apoia essencialmente em publicações científicas sobre o tema abordado.

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INTRODUÇÃO 1. INDIVIDUALISMO 2 . A UTILIDADE, FILOSOFIA DA ACÇÃO HUMANA 3. NATURALISMO 4. RACIONALISMO 4.1. O SUBJECTIVISMO EPISTEMOLÓGICO 4.2. A DOUTRINA DA CLASSE MÉDIA 4.3. O RACIONALISMO UTILITÁRIO OCIDENTAL 5. A CONSTRUÇÃO TEORICO-DOUTRINAL DA ESCOLA CLÁSSICA INGLESA 5.1. A "MÃO INVISÍVEL" 5.2. A CONSCIÊNCIA DOS LIMITES: A DOUTRINA DA POPULAÇÃO 5.3. A RENDA E O SALÁRIO 5.4. O LIVRE CÂMBIO 5.5. O ESTADO ESTACIONÁRIO CONCLUSÃO

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INTRODUÇÃO

O liberalismo, saído de um longo tactear do processo histórico, triunfa na Europa e, durante mais de um século, impõe-se como um sistema de pensamento dominante, que acolhe toda a problemática do homem e da sociedade e responde às questões fulcrais da existência colectiva.

O paradigma2 liberal ergue-se na confluência de quatro tendências culturais distintas, mas convergentes - o individualismo, o utilitarismo, o naturalismo e o racionalismo - , cuja articulação modela um autêntico sistema de civilização, configurado no esforço de realizar, com base no equilíbrio económico e na harmonia social, sob os auspícios da liberdade e da da justiça, a transformação global da sociedade.

Esta tarefa generosa esbarra com problemas estruturais que derivam dos fundamentos teóricos do liberalismo, das distorsões que acompanham a sua implantação social e da inadequação das suas formulações teórico doutrinais às aspirações colectivas.

1 René Rémond, Introduction à l'histoire de nôtre temps, Vol. II, Le XIXe siècle, 1815-1914, Paris, Éd. Seuil, 1974, pp. 23 e ss. Esta mesma editora publica: Vol. I, L'Ancien Régime et la Révolution, 1750-1815; Vol. III, Le XXe de 1914 à nos jours. O interesse deste manual permanece intocável, como, aliás, demonstra a sua recente tradução para português num único volume. 2 Este conceito, após o esforço metodológico de Thomas Khun, estabilizou o seu significado, passando a referir-se a "um conjunto de hipóteses fundamentais", à "matriz teórica" dominante em cada época e ciência , a "um programa de investigação" ou, como prefere Edgar Morin, a um "princípio de distinções/ligações/oposições fundamentais entre algumas noções mestras que comandam e controlam o pensamento, isto é, a constituição das teorias e a produção de discursos". ( Edgar Morin, As Grandes Questões do Nosso Tempo, Lisboa, Ed. Notícias, 3a Ed., 1992, p. 55).

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1. O INDIVIDUALISMO

O individualismo de todos os tempos desloca a verdade para o escaninho da subjectividade individual: "a cada um sua verdade", afirmava Pirandelo (1867-1936), na viragem do Século.

De facto, a asserção do sofista Protágoras de que "o Homem é a medida de todas as coisas" cristaliza, desde a antiguidade, a tendência individualista do pensamento ocidental.

O antropocentrismo do Renascimento, que sucede ao teocentrismo medieval, voltado para a valorização do Homem e de tudo o que é humano, transforma o individualismo numa das tendências culturais do mundo moderno.

O Séc. das Luzes, gerado na confluência da vaga do Renascimento, da revolução científica do Sec. XVII e das mutações estruturais de setecentos, acolhe o fino racionalismo de Voltaire, o optimismo naturalista de Rousseau, patente na concepção romântica da bondade da natureza, o "repto" kantiano de uma "essential antropologia" desvinculada de referências transcendentes, e o individualismo, uma espécie de "anarquia ordenada para o dinheiro"4, que Diderot exalça e defende.

A glorificação do indivíduo e da sua autosuficiência prolonga­t e nas continuadas reflexões do liberalismo: o indivíduo é um ser bom, dotado de uma lúcida sentinela dos seus interesses, a razão; o indivíduo é considerado acima dos interesses de grupo e da Razão de Estado; e, no seio da natureza, ocupa lugar privilegiado, passando a disputar ao arquitecto do Universo a capacidade de construir um modelo de ordem social em consonância com a "mecânica celeste" ordenadora do cosmos Newtoniano.

O liberalismo assenta numa antropologia centrada na bondade do indivíduo, cujas acções, inspiradas no racionalismo utilitarista e

3 José Esteves Pereira, As Ideias do Século, apud António Reis (Dir.de), Portugal Contemporâneo, Vol. I, Lisboa, Publ. Alfa/Selecções do Readers Digest, 1996, p.275. 4 A.Piettre, Les Trois Âges d' Économie, Fayard, 1968, p. 243.

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conduzidas em liberdade, sem constrições da sociedade ou do Estado, só poderão conduzir ao melhor dos mundos, o reino do equilíbrio económico e da harmonia social.

2. A UTILIDADE, FILOSOFIA DA ACÇÃO HUMANA

Jeremy Bentham (1748-1832), um dos promotores do utilitarismo, define utilidade como "a propriedade de qualquer objecto pela qual ele tende a produzir o prazer, o bem ou a felicidade, ou a impedir o sofrimento, a dor ou a infelicidade daquele cujo interesse temos em consideração".5

A compreensão da acção humana e da convivialidade entre os indivíduos, cuja eficiente racionalidade os orienta, sem ilusões, para os seus interesses, assenta no pressuposto de que o homem se move por dois sentimentos: o prazer e a dor.

A escala de valores que se perfila para avaliar as acções humanas deriva da ideia que Bentham deixou expressa neste princípio hedonístico: "a maior felicidade do maior número é sempre preferível à menor felicidade do menor número".

A finalidade ética de todos os actos humanos e de todo o ordenamento social é realizar "a maior felicidade possível para o maior número"6, felicidade que se pretende medida em unidades de prazer e dor, cuja estalão é o dinheiro.7

A filosofia social utilitarista define-se de acordo com os ideais do individualismo burguês da classe média: a sociedade não passa de um "corpo fictício" ; apenas o indivíduo tem existência legal; a propriedade é a base da riqueza e da felicidade; e o Estado deve

5 Grande Eciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. IV, Lisboa/Rio de Janeiro, Ed. Enciclopédia, pp. 538, col. 2 e 539, col. 1 6 Walter Theimer, História das Ideias Políticas, Lisboa, Círculo de Leitores, 1977, p.166. Será interessante a leitura de todo o capítulo XII - Os Liberais, pags. 161-179. 7 Henri Denis, História do Pensamento Económico, Lisboa, Livros Horizonte, 1973, p.230. 8Walter Theimer, História das Ideias Políticas, Lisboa, Círculo de Leitores, 1977, p.168.

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abster-se de intervir nos mecanismos da utilidade, pois a sociedade com capacidades autoreguladoras, embora não seja perfeita, é a que produz menos males.

A filosofia utilitarista, através do "Tratado de Comércio e do Governo", 1776, de L'Abbée de Condillac, conduz a reflexão económica para o interior do homem, que considera "um complexo de desejos", de cuja condição deriva a doutrina do valor: "o valor das coisas, é / .../ fundado na utilidade/.../, na necessidade que delas temos /.../, no uso que delas podemos fazer".9

A doutrina subjectiva do valor, que entroniza o valor desejo ou o valor utilidade, ergue-se como a formulação teórica nuclear do individualismo económico, aparece como a mais lídima expressão do subjectivismo liberal e impõe-se como o eixo doutrinal de uma nova mentalidade económica. A ciência económica, que se pretende independente da moral e da política, conquista a sua autonomia a partir do momento em que possui um critério de apreciação dos bens e serviços independente da moral.

A autonomia da ciência económica manifesta-se na nova conceituação escolhida: o valor de um bem mede-se - não só, mas essencialmente - pela sua utilidade para o indivíduo e o vocábulo útil - desejado - , desprende-se de conexões éticas e morais para se transformar num conceito da ciência económica.

A nova ética da utilidade, que passa a orientar a acção dos agentes económicos, reveste-se de mero pragmatismo e tende a eximir-se a quaisquer considerações alheias ao económico. A droga tem valor económico porque é útil, desejada; o empresário sem escrúpulos inunda o mercado de pão ou droga, ajuizando apenas das condições de mercado favoráveis ao lucro; se o trabalho infantil é mais barato que o adulto ou o desemprego tecnológico favorece a rendibilidade da empresa, as repercussões sociais não têm de ser consideradas, pois a "utilidade" se confunde com o desejo de lucro.

Nesta perspectiva tudo é útil e, mesmo os outros Homens, são apenas "coisas úteis", nomeadamente para aqueles que confundem,

9 A. Piettre, Histoire de la Pensée Économique et Analyse des Théories Contempo-aines, 8a édition, Paris, Dalloz, 1986, p.86

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alerta Montesquieu, liberdade - "poder fazer o que se deve querer" -com independência - "fazer o que se quer".

3. NATURALISMO

O naturalismo setecentista, que exalça as forças da natureza e do instinto, deslumbra-se perante a ordem do universo e aprofunda a ideia renascentista da excelência do homem para desembocar no reconhecimento da bondade do homem e da natureza.

Esta concepção de natureza - o homem faz parte da natureza - é o resultado de um complexo processo historico-cultural que germina na Idade Média, amparado nas tímidas ideias de progresso e de valorização da natureza acolhidas pela sensibilidade Franciscana, explode com as tendências antropocêntricas e imanentistas do Renascimento, "movimento da história"11, que "restabelece uma sociologia e uma psicologia da alegria" , acompanha a génese dos conceitos de ordem lógica, racional e natural, apanágio do pensamento das Luzes, que, desde os Fisiocratas, se assume como a ideia fulcral da visão liberal da economia - uma física económica regulada por leis naturais e racionais, que apenas pode tender para o perfeito equilíbrio.

O conceito de natureza, que se insinua através das lucubrações mentais, é cada vez menos a "definição da essência das coisas" para se transformar na "caracterização das manifestações de um real observável, experimental, quantificável, desde o domínio da física às necessidades sociais da natureza humana."

Rousseau cristalizou, em fórmula famosa o seu naturalismo imbuído de um optimismo sem precedentes : "o Homem é bom, é a

10 A. Piettre, Les Trois Âges d'Économie, Fayard, 1968, p. 230. 11 José Sebastião da Silva Dias, A Política Cultural da Época de D.João III, Coimbra, 1969 12 Fernand Braudel, Las Civilizationes Actuales, Tecnos, 1978, p. 302. 13 José Esteves Pereira, As Ideias do Século, apud António Reis (Dir.de), Portugal Contemporâneo, Vol. I, Lisboa, Publ. Alfa/Selecções do Reader's Digest, 1996.pp. (273-302), p. 275.

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sociedade que o corrompe" - verdade surgida certamente da observação da sociedade setecentista.

O autor do "Emílio", a obra que o tornou precursor da pedagogia moderna, não recusa a existência do mal, mas a sua fé inabalável na bondade do homem e da natureza imprime uma orientação revolucionária ao pensamento ocidental, que, apoiado na visão antropológica do cristianismo, aceita a imperfeição congénita do homem e a sua tendência para o mal.

O pensamento Rousseauniano consagra a liberdade de fazer e de agir do educando, cuja consciência, "instinto supremo e guia infalível"1 , está potenciada para o educar, através do contacto directo com a realidade, pela via da experiência.

A pedagogia de Rousseau, centrada no aluno, assenta na bondade do homem - corolário da perfeição da natureza - e na sua capacidade para se aperfeiçoar. Esta matriz teórica, ao promover o "laissez faire" pedagógico como a via mais adequada para a educação, não pode deixar de ecoar na definição de análogos enquadramentos para a actividade económica, cujo desenvolvimento passa pelo "laissez faire" dos agentes económicos. Da mesma forma que o educando verifica, pela sua própria experiência, os erros cometidos e tenta superá-los, assim os operadores económicos testam no mercado a validade das suas opções, colhendo aí ensinamentos para futuros procedimentos, que pode mesmo ser a desistência face à reconhecida incapacidade de se adaptarem, com sucesso, ao mecanismo autoregulador da vida económica - o mercado.

A célebre fábula das abelhas de Bernard de Mandeville procura retirar ilações sufragantes do optimismo naturalista: assim como o instinto dos insectos conduz ao fabrico de um produto requintado, o mel, da mesma forma, a melhor das sociedades humanas deve resultar do confronto de todos os egoísmos, já que "os vícios privados se tornam virtudes públicas".16

1 A. Piettre., Histoire de la Pensée Économique et Analyse des Théories Con­temporaines, 8a édition, Paris, Dalloz, 1986, p. 53. 15 A. Piettre, Les Trois Âges d'Économie, Fayard, 1968, p.240. 16 A. Piettre, Histoire Économique, Paris, Cujas, 1986, p. 62.

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Só a virtude, reza a fábula, não pode fazer viver / As nações com magnificência. Quem quer / Fazer regressar a idade de ouro deve acolher / Igualmente o vício e a virtude."

As ideias naturalistas, centradas no reconhecimento de uma ordem natural, para onde tende o ordenamento social, conduzem à implantação da concorrência, motor do progresso, que se torna um dos pilares do liberalismo.

4. RACIONALISMO

O Racionalismo caracteriza-se por uma exaltante confiança na razão humana para desvelar os segredos da natureza, organizar a vida social e realizar o progresso material e cultural dos indivíduos, que é a empolgante finalidade do liberalismo.

O racionalismo desenvolve-se a vários níveis, de acordo com os objectivos prosseguidos e as respostas elaboradas, podendo classificar-se de filosófico, enquanto se preocupa com o problema da verdade(valor); doutrinal, na medida em que solta aspirações mal contidas e as orienta para a satisfacção dos interesses de um grupo social; e teorico-doutrinal,18 pela forma como constrói as formulações teóricas do liberalismo as quais, ao mesmo tempo que moldam comportamentos sociais se deixam contaminar pelo contexto histórico onde emergem.

4 . 1 . O SUBJECTIVISMO EPISTEMOLÓGICO

O liberalismo filosófico impõe uma nova concepção de verdade, um novo método de pesquisa e um novo critério para a distinguir.

17 Michel Sallon, Histoire Économique Contemporaine, Paris, Masson, 1972, p. 268. 18 "A teoria tem um fim científico: tenta interpretar um conjunto de factos correctamente observados"; a doutrina "É uma concepção do Homem e do mundo, a projecção de um desejo. /.../ exprime uma opinião da qual deduz prescrições". (Maurice Flamant, Le Libéralisme, Paris, P.U.F., Col. Que sais-je ?, 1979, pp. 3,8 e 9.)

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A verdade deixa de ser considerada uma dádiva do céu, estabelecida de forma autoritária pelos poderes constituídos, para fluir do esforço da razão individual. Esta deve procurar a verdade sem constrições, facto que a torna eminentemente subjectiva - resultado de uma pesquisa individual e livre.

O método tradicional de busca da verdade - o da autoridade-dá lugar ao método da investigação racional do indivíduo forro de qualquer constrangimento.

O critério dogmático - autoritário -, que faz depender a verdade do valor da autoridade, dá lugar ao critério da evidência: a razão reconhece a verdade quando ela se apresenta ao espírito como "clara e distinta". 19

A nova filosofia retira os dogmas da arquitectura de todos os ordenamentos sociais, deixa transparecer o relativismo da verdade - e do valor -, ergue a tolerância à dignidade de princípio básico de sociabilidade e consolida uma ambiência cultural que favorece formas de pensamento, cujas formulações doutrinais se afastam da moral e dos laços teológicos tradicionais para deixarem prevalecer os valores que fazem a felicidade do homem concreto e vivo.

Esta concepção subjectiva de verdade - eminentemente individual - , levada às últimas consequências, contém um fermento do caos e da desorganização. Contudo, o liberalismo considera possível o estabelecimento de uma verdade comum, maioritária, através do diálogo, do livre confronto de opiniões e da troca de pontos de vista.

A dimensão subjectiva da verdade desliza para o núcleo duro do sistema de pensamento económico liberal - a doutrina do valor -, cujo critério de apreciação de bens e serviços deriva menos das suas qualidades intrínsecas do que da sua finalidade humana, subjectivamente avaliada pelo indivíduo.

A doutrina do valor deixa de estar subordinada a qualquer norma moral ou de validade para depender apenas do desejo individual.

René Rémond, Introduction à l'Histoire de Nôtre Temps, Vol. II, Le XIXe siècle, 1815-1914, Paris, Éd. Seuil, 1974, p. 24.

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O relevo que a doutrina subjectiva do valor assume no liberalismo inspira a força que o pensamento económico liberal atribui ao ordenamento espontâneo da vida económica, isto é, ao livre jogo dos interesses individuais, sem intervenção do Estado.

4.2 A DOUTRINA20 DA CLASSE MÉDIA

A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, saída da Assembleia Constituinte em 26 de Agosto de 1789, fixa a base ideológica das transformações políticas e institucionais da revolução em curso. A Declaração considera que "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos", e as desigualdades apenas podem depender da "utilidade comum"(Art.l). Toda a associação política visa a "conservação dos direitos naturais e imprescritíveis", que são anteriores a toda sociedade, tais como "a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão".(Art.2)

A liberdade ergue-se como fundamento e justificação de todo o ordenamento social e a propriedade torna-se a base sólida em que se firma para construir, dentro dos limites do interesse colectivo, a igualdade possível, prevenir a segurança e resistir à violência.

A implantação dos princípios liberais recorre a duas instituições-- o parlamento e o mercado -, que, embora funcionem em campos distintos, aparecem enlaçados, na sua concepção e evolução, como expressão do ordenamento liberal.

O parlamento, espaço de realização do cidadão/eleitor, torna-se a liça ideal para superar conflitos e, através do confronto de opiniões, fixar a verdade maioritária, resultante da força dos grupos em

20 Este conceito aproxima-se do uso que certos autores fazem de ideologia, definida por Guy Rocher como "um sistema de ideias e de juízos, explícito e geralmente organizado, que serve para descrever, interpretar ou justificar a situação dum grupo social ou duma colectividade e que, inspirando-se largamente em valores, propõe uma orientação precisa à acção histórica desse grupo ou dessa colectividade".( Guy Rocher, Sociologia Geral, Vol. 1, trad, de Ana Ravara, Lisboa, Ed. Presença, 1971, p. 228. 21 Albert Soboul, 1789 Ano Um Da Liberdade, trad, da 2aed. francesa por Rogério da Fonseca, Ed.Delfos, Lisboa, s/d.,p. 237 e ss..

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presença. Contudo, a sua constituição opera-se sob o signo de uma concepção de cidadania que aparece limitada pelo direito de propriedade. A igualdade de direitos apenas se concretiza por via da propriedade, que condiciona o exercício da cidadania.

O liberalismo distingue dois tipos de cidadãos que o sufrágio censitário consagra: os cidadãos activos, cujo direito de cidadania se hierarquiza de acordo com os níveis de riqueza - o censo que pagam -e os cidadãos passivos que, por falta de propriedade ou níveis de riqueza adequados, não podem sequer votar. Esta hierarquização da cidadania, com base na riqueza, traça a fronteira entre o liberalimo e a democracia e reflecte-se no parlamento. Apenas uma minoria - os ricos - sobe as escadas do parlamento liberal: a França revolucionária do sufrágio censitário, com os seus 25 milhões de cidadãos, deixa votar 4 milhões - os que pagam 200 francos de censo - e apenas os elementos de um reduzido grupo - os mais ricos - se podem tornar deputados.

O mercado, embora institucionalizado na confluência da oferta e da procura, é visto como o território do consumidor: todos são consumidores potenciais, mas a procura efectiva, aquela que tem importância económica, é a procura solvente, constituída pelos consumidores com poder aquisitivo.

O paralelismo entre estas duas instituições é claro: o acesso ao parlamento surge atrofiado pelo sufrágio censitário, que submete o direito de voto à riqueza, enquanto o mercado aparece acanhado pelo poder de compra, que assenta nas disponibilidades económicas. O parlamento e o mercado, enquanto instituições liberais, tornam-se a expressão da democracia limitada - política e económica.

A ideia de igualdade, que o liberalismo tansporta, impulsiona no sentido da cidadania plena, desde cedo reclamada, mas só lentamente realizada por via do sufrágio universal, que institucionaliza a democracia política.

No domínio económico as mudanças avançam em sentido contrário. O mercado consolida a desigualdade de "opiniões": mostra-se mais atento aos demandantes ricos; a oferta organizada -os oligopólios - torna-o menos transparente; e, mesmo a procura

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solvente, apesar do bracejo do movimento operário e associativo -mútuas, cooperativas e sindicatos -, não escapa às malhas dos oligopsónios.

Se o liberalismo, no domínio político, tende para a democracia, com base na igualdade de opiniões e na aliança da burguesia e do operariado, no domínio económico reforça o poder dos ricos, através da acumulação de riqueza em grandes grupos - concentrações horizontais, com objectivo de controlar a concorrência e reduzir os riscos, e as concentrações verticais, que minimizam os riscos operacionais, sem esquecer todas as situações monopolísticas capazes de ferir a concorrência perfeita.

O liberalismo, inspirado numa filosofia universalista que aceita a excelência e igualdade de todos os indivíduos, carrega uma matriz democrática, a da democracia integral, mas, na prática, não consegue ser-lhe fiel. A democracia política, com base no sufrágio universal, tende a consolidar-se, mas as resistências à democracia económica inviabilizam a democracia plena. Democracia política e liberalismo económico parecem condenados a conviver numa desarticulação histórica: o parlamento vai-se abrindo à representação soberana dos cidadãos, mas o mercado apenas reconhece o soberano poder dos cidadãos dotados de "liberdade cunhada", uma lógica que acaba por contaminar toda a sociedade.

Estas disfunções revelam o rosto do liberalismo possível: a doutrina concebida para implantar a liberdade gera a dominação - dos pobres pelos abastados, dos débeis pelos poderosos, dos países atrasados pelos países desenvolvidos - , instalada não pela força dos princípios, mas pelas resistências sociais e pela dinâmica económica.

O doutrinarismo liberal, ao nível dos princípios, fixa um ideal: pretende transformar o súbdito em cidadão, substituir o absolutismo

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pela soberania nacional e o direito majestático pelo direito natural. O sentido subversivo dos seus princípios aponta para uma

sociedade aberta, onde a riqueza se sobrepõe ao prestígio social, a

Joaquim de Carvalho, Formação da Ideologia Republicana, (1820-1880), apud Luís de Montalvor, História do Regímen Republicano em Portugal, Vol. I, Lisboa, 1930-31, p. 164.

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agilidade financeira à desenvoltura no manejo da espada, a perspicácia intelectual à postura física, a vida activa à contemplativa e o mérito à linhagem, mas a dinâmica social transforma-o numa verdadeira ideologia de classe, que esquece o povo e entroniza o "terceiro estado".

H. Lasky não hesita: o liberalismo, enquanto doutrina, não passa de "um subproduto do esforço da classe média para ganhar o seu lugar ao sol. Ao realizar a sua emancipação, esqueceu não menos completamente do que os seus antecessores que as reivindicações de justiça social não estavam esgotadas com sua vitória ",23

Alguns dos seus princípios e procedimentos denunciam uma inequívoca institucionalização dos interesses da classe média.

Vejamos: • O sufrágio censitário entrega o poder político à burguesia,

que o vai utilizar em seu proveito; • O princípio da liberdade/propriedade, que consagra a

indissolubilidade destes dois direitos, não promove a igualdade, antes acentua a desigualdade, pois joga a favor dos ricos e dos mais cultos;

• O princípio da autoregulação ou do mercado livre, que poderia funcionar numa sociedade de indivíduos completamente iguais, torna-se incapaz de realizar a justiça social numa sociedade de classes, com riqueza e poderes diferentes.

• As cercas ou tapadas denunciam um processo de individualização da propriedade realizado sob a égide da racionalidade e da eficácia económica. Contudo, esta legislação saída dos parlamentos liberais, que permite cercar os campos abertos, não se limita a alterar a paisagem rural tradicional - feita de campos abertos, de propriedade colectiva, e de campos fechados, de propriedade individual - , pois sanciona a apropriação pelos poderosos locais de terras atavicamente ligadas ao uso dos povos, tais como o pastoreio dos pequenos criadores de gado, a recolha de mato para os currais, a lenha de uso doméstico, etc.

23 Harold J. Lasky, O Liberalimo Europeu, trad, de Álvaro Cabral, The Rise of European Liberalism, Ed.Mestre Jou, 1973, p. 185.

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• A formação de associações, que o liberalismo proibe, após dissolução das corporações, em nome do individualismo, afecta essencialmente os trabalhadores, pois os patrões conseguem contornar as normas estabelecidas;

• Os conflitos patrões/operários merecem uma atenção enviesada: o Código Penal consagra que, em caso de litígio entre patrões e operários, o ónus da prova pertence a estes, enquanto àqueles basta a sua palavra.

Estes factos, que não esgotam as atitudes contraditórias do liberalismo, revelam a sua face conservadora: a burguesia liberal, revolucionária, conquista o poder contra o passado, mas, chegada ao pedestal do mando, torna-se conservadora, consolida os seus interesses e o seu sistema de valores, ao mesmo tempo que susta a "rebelião das massas".

O liberalismo, enquanto força de progresso, abate a monarquia absoluta, promove uma sociedade de classes, instala a meritocracia, subverte os princípios da economia da penúria e cria condições para gerar riqueza e abundância, mas torna-se força de resistência à lógica de uma democracia plena. O seu empenho na consolidação dos interesses burgueses recusa uma distribuição equitativa da riqueza - a abundância não é para todos - e do consequente poder aquisitivo.

O liberalismo escolhe o "justo meio" para se fixar no processo histórico. A sua caminhada diacrónica transfigura-se de acordo com a posição do observador: a sua energia revolucionária face à sociedade tradicional torna-se pujança reaccionário contra o avanço das novas forças sociais.

O liberalismo não é aristocracia, mas também não é democracia - nem mesmo política, pois a desigualdade económica descaracteriza-a; fez-se oligarquia burguesa, onde cabem os terratenentes, os grandes comerciantes e industriais, os quadros da administração pública, as profissões liberais, os intelectuais, tudo forças vivas que exibem a riqueza, que lhes dá existência legal através do direito de votar.

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A burguesia triunfante, indiferente às críticas que considera "ataques ignorantes dos homens que haviam fracassado"24, ergue contra si no limiar do futuro novas forças sociais - o proletariado -dispostas a baterem-se por novos ideais, que acentuam o valor da igualdade e da fraternidade - o "socialismo".

4.2. O RACIONALISMO CIENTÍFICO UTILITÁRIO OCIDENTAL

A "rebelião da Razão" patenteia-se na forma como o pensamento se liberta dos dogmas e substitui o método da autoridade, princípio tradicional de reconhecimento da verdade, pelo método racional de pesquisa, que se afirma com base na evidência.

O homem assume o desafio de compreender por si mesmo as duas grandes realidades que considera acessíveis à força da razão individual: o próprio homem - uma sugestão que se configura, desde Sócrates, no desafio do "conhece-te a ti mesmo" - e o mundo, cuja lógica a cultura ocidental busca desde os seus alvores.

A revolta da Razão contra as limitações impostas à sua actividade remonta às lonjuras medievais. Desde o sec. XII que a irreverência de Abelardo (1079-1142) faz inflectir o pensamento Ocidental no sentido da "lógica da razão e da ciência"25 para, pela via da dúvida, numa antecipação cartesiana, alcançar a verdade.

A Razão ocidental, que recusa fechar-se na redoma da "mera coerência lógica", torna-se instrumento eficaz do conhecimento útil da natureza, esse saber donde deriva o poder que, através da tecnologia -aliança da ciência e da técnica - liberta o Prometeu agrilhoado, esculpido no esforço do homem europeu, que, agarrado ao estreito espaço físico de uma terra madrasta, consegue, com o suor do seu rosto e a perspicácia da sua inteligência prática, arrancar-lhe o sustento e torná-lo palco de uma vanguarda civilizacional assente na construção e difusão de um saber útil.

24 Harold J. Lasky, O Liberalimo Europeu, trad, de Álvaro Cabral, The Rise of European Liberalism, Ed.Mestre Jou, 1973, p. 188. 25 Jean Gimpel, A Revolução Industrial da Idade Média, Lisboa, Publ. E América, 1976 p. 165.

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O homem europeu dos alvores da civilização do crescimento não dispõe do dadivoso solo vulcânico da América, onde entumesce o conuco e pula o milho, nem da "fábrica" do arrozal inundado chinês, espaços cuja produtividade satisfaz, com reduzido esforço, as necessidades de uma humanidade densa e numerosa. Contudo, o homem dos campos de trigo, aveia, oliveira, vinha e de criação de animais - concorrentes do homem que a técnica da atrelagem transforma em aliados - , apoiado numa inteligência realizadora, desenvolvida para vencer o desafio da natureza, recorre às inovações tecnológicas para conseguir um nível singular de povoamento - o "mundo cheio europeu".26 - esse óptimo demográfico indispensável ao progresso da civilização.

A sociedade tradicional da cristandade ocidental, acicatada pelos desafios do seu espaço económico, aparece-nos, desde o see. XII-XIII, com um vigor criativo singular: o seu povoamento denso e contínuo, o seu território penetrado por rios e marés - nenhum recanto se encontra a mais de 500 Km dessas privilegiadas vias de integração económica -- , singularidade planetária que, ao favorecer um elevado nível de comunicação e de troca, desencadeia um processo de crescimento animado por milhares de cérebros pensantes em diálogo genesíaco permanente.

A orientação utilitária da razão ocidental permite descobrir e domesticar um repositório de forças naturais: a força do vento, com as velas dos navios e moinhos; a força cinética dos rios, transformada pelas azenhas e moinhos; a dinâmica das correntes marítimas aproveitada pelos moinhos de marés; e a força dos animais de carga e de tiro, cuja tracção é potenciada pela coelheira e pela atrelagem em fila.

A óptima relação do homem com o espaço - o mundo cheio -potencia a comunicação, facilita a difusão das inovações e forja as condições do vanguardismo tecnológico ocidental, filho do

26 Pierre Chaunu, A História Como Ciência Social, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1976, 179 e ss. O mundo cheio é uma forma original de povoamento contínuo, com uma densidade média de 35-45 habts no centro, e não menos de 5-6 Hab./Km2 na periferia.

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racionalismo pragmático e utilitário voltado para o conhecimento e domínio das forças naturais.

Os meios materiais e humanos da Europa, gerados no seio de um processo de longo prazo, e as múltiplas motivações - falta de trigo, de ouro, nomeadamente no Sul, e de terra, já que o estilo de crescimento da Europa vai continuar baseado no alargamento do espaço - constituem factores que lançam o Ocidente para o "grande descompartimentação planetária" - os Descobrimentos - que lhe vão abrir novas fronteiras físicas e mentais.27

A tendência racionalista, que liberta o espírito humano e gera a verdadeira matriz da mentalidade moderna, floresce no seio de um complexo processo histórico - o Renascimento, onde os Descobrimen­tos ocupam lugar primacial - e bifurca-se no racionalismo filosófico de Descartes e no racionalismo científico de Newton, cuja fusão consolida o método experimental e o paradigma da época moderna, moldado pela concepção mecanicista do universo Newtoniano.

O racionalismo, com os seus sucessos, solidifica a convicção de que o Homem pode - e deve fazê-lo - conhecer as leis do universo e dominar a natureza sem constrições, como forma de melhorar as condições de vida. Mas, se as élites intelectuais do sec. XVII limitam a pesquisa da razão, não submetendo ao seu crivo as instituições e a religião, os seus epígonos transformam essa confiança na razão num verdadeiro camartelo que avança, subversivo, para todos os níveis da realidade económica, fazendo entrar a civilização europeia na "Era das Revoluções".

Montesquieu deixa bem expressa esta orientação desde "Espírito das Leis", 1748, ao afirmar que "as leis que regulam as sociedades humanas assentam nas condições geográficas, históricas e sociais, isto é, "são relações necessárias que derivam da natureza das coisas"28, que a razão deve investigar.

O sentido profundo desta mudança, que não se opera apenas em França, aflora neste texto de Paul Hazard:

Pierre Chaunu, A História como Ciência Social, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1976, passim. 28 A. Piettre, Histoire Économique, Paris, Ed. Cujas, 1986, p. 60.

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"Que contraste ! Que evolução tão brusca ! A hierarquia, a disciplina, a ordem garantida pela autoridade, os dogmas que regulam com firmeza: eis o que os Homens do sec. XVII amavam. Sujeições, autoridade, dogmas: eis o que detestam os Homens do sec. XVIII, seus sucessores imediatos. Os primeiros são cristãos e os outros anti-cristãos; os primeiros crêem no direito divino, e os outros no direito natural; os primeiros vivem à vontade numa sociedade que se divide em classes desiguais, os segundos sonham só com a igualdade. Sim, é certo que os filhos discutem de motu próprio com os pais, supõem que vão fazer o mundo que só esperava por eles para melhorar; mas os remoinhos que agitam as sucessivas gerações não bastam para explicar uma mudança tão rápida e decisiva. A maioria dos Franceses pensava como Bossuet; de repente, os Franceses pensam como Voltaire: é uma revolução".29

Voltaire, acompanhado pelos Enciclopedistas, acentua a visão racionalista da realidade social, que deseja ver transformada ao nível do pensamento e da acção, de acordo com a orientação das Luzes e as descobertas científicas úteis, carreadas pelo método experimental, com reflexos no progresso da civilização, isto é, nas condições materiais e culturais da existência humana.

Concluindo, podemos afirmar que o liberalismo se impõe como um autêntico individualismo, pois é na avaliação pelo indivíduo da "utilidade" ou "desutilidade" das coisas que radica o seu valor; as virtualidades da acção espontânea individual para, em liberdade, realizar o bem comum, assentam no optimismo antropológico, e mesmo o naturalismo, de que aparece imbuído o liberalismo económico, a ponto de considerar a economia uma espécie de física social, arranca da crença nas capacidades da razão individual.

29 Paul Hazard, Crise da Consciência Europeia, (1680-1715), Lisboa, Ed.Cosmos, 1970, p. 7

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5. A CONSTRUÇÃO TEORICO-DOUTRINAL DA ESCOLA CLÁSSICA30 INGLESA

5.1. A "MÃO INVISÍVEL" O pensamento económico liberal acolhe o influxo cultural

deste catalisador movimento de ideias e não deixa de o promover com as suas formulações teóricas, no seio das quais a liberdade económica se transforma num dos seus princípios basilares.

O cabouqueiro da Escola clássica inglesa, A. Smith (1723-1790), descobre no mundo cor de rosa da liberdade algumas nódoas negras, mas recusa entregar ao Estado a tarefa de as colorir: a sua intervenção, - que apenas deve ocorrer em casos restritos, a indústria da guerra e a segurança - , seria perniciosa no domínio do económico, pois o mal que pode advir do pleno funcionamento da liberdade é sempre menor do que aquele que resultaria de um papel activo do Estado.

A nova ordem económica e social preconizada deve construir-se com base no confronto dos interesses individuais, naturalmente diferentes e mesmo antagónicos.

O autor de "A Riqueza das Nações" descobre que a ordem social resulta da "eficácia colectiva dos egoísmos individuais": "Não é da benevolência do magarefe, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas sim do cuidado que põem nos seus interesses. Não nos dirigimos à sua bondade, mas ao seu egoísmo e não é nunca das nossas necessidades que lhes falamos, é sempre da sua vantagem ".31

O autor dos "Sentimentos Morais" realça a importância da fraternidade humana, mas considera que o verdadeiro móbil da acção económica, capaz de realizar o equilíbrio económico e a harmonia social, é o o interesse individual, conduzido pela "mão invisível", e não o altruísmo.

Denomina-se clássico o pensamento económico liberal que atinge o seu apogeu na Ia metade do sec. XIX, pela forma sistemática como é apresentado, pela sua duração e força inspiradora.

Michel Sallon, Histoire Économique Contemporaine, Paris, Masson & Cie, 1972, p. 268

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"Cada individuo /.../, afirma em A Riqueza das Nações, não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir a indústria interna em vez da externa só está a pensar na sua segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e neste, como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções".33

O pensamento económico de A. Smith acumula reflexões sobre os mais diversos problemas económicos: a riqueza é gerada pelo trabalho - que por razões de eficácia, deve ser dividido - , aplicado às diferentes actividades económicas, com o apoio do capital; a criação de riqueza passa da circulação para a produção, como já o haviam feito os fisiocratas, embora de forma limitada; o valor das coisas, sem dispensar a consideração da terra e do capital e de outros factores como a escassez, depende essencialmente do trabalho; o salário, considera, para ser "justo" e motivador deve permitir que os trabalhadores "possam estar toleravelmente bem alimentados, vestidos e albergados"; o dinheiro, se bem que indispensável à actividade económica não tem as vantagens da troca directa; a renda, onde se vislumbram os desenvolvimentos Ricardianos, etc.

Contudo, o mais importante do pensamento Smithiano relaciona-se com a questão da "mão invisível", do desenvolvimento e do papel que nele desempenha o trabalho, o capital e a poupança.

A "mão invisível" parece, ainda, evocar uma ressonância teológica que vincula a origem da ordem natural à Providência. Contudo, a base do equilíbrio não resulta do fluxo dos fisiocratas, mas dos preços dependentes do Wvrejogo do mercado - ou dos diversos mercados de bens e serviços - , onde se definem os custos dos diversos factores. 33 João César das Neves, Princípios de Economia Política, Lisboa, Verbo Ed., 1997,

P 4 - 2 L Beltran Lucas, Historia de las Doctrinas Económicas, Barcelona, Ed. Teide, 1960, p. 87.

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Smith lança no pensamento ocidental a visão optimista de que a construção da "vasta república dos mercadores".35 depende da espontânea organização da vida económica pelos indivíduos.

A sua formulação teórica sobre o desenvolvimento - que a par do princípio da população, de R. Malthus, e do princípio do equilíbrio, de J. B. Say, constitui o suporte teórico da economia liberal permite-lhe ajuizar que o progresso é possível, desde que a acumulação de capital seja superior ao crescimento demográfico, isto é, desde que este não esgote as possibilidades de poupança: "A indústria apenas aumenta na medida em que o capital cresce, e o capital não pode aumentar senão na medida em que cresce a poupança".37

A importância que o trabalho assume na filosofia social de Smith permite considerar que doutrina do valor trabalho saiu das suas reflexões para inspirar não apenas os epígonos ingleses, mas também, com inovador alcance, os teóricos que, como Marx, se mostram inconformados com as realizações e expectativas do liberalismo clássico.

As reflexões teóricas de Smith, mesmo quando não primam pela clareza, assumem as preocupações do seu tempo e insinuam os caminhos a desbravar pela ciência económica: as reflexões sobre a poupança e o valor do trabalho integram na ciência económica a ascese, a sensatez e o ideal activista da burguesia; o interesse pessoal vem da psicologia, enquanto a magia da "mão invisível" deriva da "ordem natural", cujas leis, para a ordem económica e social continuarão a ser procuradas pelos economistas vindouros.

35 A.Piettre, Histoire de la Pensée Économique et Analyse des Théories Contemporaines, Paris, Dalloz, 1986, p.63 36 Maurice Flamant, Le Libéralisme, Paris, P.U.F., Col. Que sais-je ?, 1979, p. 43-44. 37 A.Piettre, Histoire Économique, Paris, Cujas, 1986, p. 100

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5.2. A CONSCIÊNCIA DOS LIMITES: A DOUTRINA DA POPULAÇÃO

O pensamento económico inglês tem consciência de que a liberdade apenas viabiliza o melhor dos mundos possível, isto é, não realiza o melhor dos mundos nem faz descer o céu à terra.

Assim, desliza para o pensamento económico liberal uma tendência "pessimista" que se traduz em várias formulações doutrinais.

O liberalismo rompe com a concepção demográfica tradicional -o populacionismo mercantilista -, que considerava a população fonte de riqueza das nações, alicerce do poder do Estado e fundamento do crescimento económico.

O liberalismo económico, mesmo quando populacionista, orienta-se no sentido do optimismo demográfico gerado pelo automatismo do mercado: "a procura de homens, exactamente igual à de qualquer mercadoria, reconhece A. Smith, regula, necessariamente, a produção daqueles, aumentando-a quando é demasiado lenta e refreando-a quando vai demasiado depressa"39. O incitamento à poupança que, desde Smith ecoa no pensamento económico, aponta no mesmo sentido.

A obra de Mal thus (1760-1834), Ensaio sobre o Princípio da População, teve um efeito decisivo na construção do sistema de pensamento económico clássico: fixou um dos seus pilares - o princípio da população.

Preferimos doutrina a teoria, princípio ou lei, para denominar as diferentes formulações teóricas dos clássicos da economia, pois estamos no domínio das ciências sociais, onde as teorias, apesar do desmentido da experiência, continuam a "orientar ou dirigir a acção". Por todos, pela sua simplicidade, invocamos as entradas de Le Petit Robert: teoria é um "conjunto de ideias, de conceitos abstractos, mais ou menos organizados, aplicados a um domínio particular", enquanto doutrina é definida como um "conjunto de noções tidas por verdadeiras e pelas quais se pretende fornecer uma interpretação dos factos, orientar ou dirigir a acção". 39 Carlos Gide y Carlos Rist, Historia de las Doctrinas Económicas desde los Fisio­cratas Hasta Nuestors Dias, trad, da 4o ed. francesa por C. Martinez Penalver, Madrid, Instituto Editorial Reus, 1973, p. 93.

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A doutrina Malthusiana assenta em duas ideias nucleares: a paixão entre sexos promove o aumento demográfico em progressão geométrica ( 2, 4, 8, etc.) e aprofunda a escassez de alimentos, que apenas crescem em progressão aritmética ( 2, 3, 4, etc.); por outro lado, considera que essa tendência do "instinto de reprodução", pode ser contrariada por dois tipos de "restrições" naturais: as "restrições preventivas" - o controlo de nascimentos, por via do celibato e do casamento tardio - e as "restrições positivas", como a guerra, a doença, etc.

Nestas circunstâncias, a pulsão demográfica, muito superior à capacidade de produzir alimentos, compromete a subsistência de todos os que nascem no "vale da fome", onde a população duplica todos os 25 anos.

O drama da fome torna-se intransponível, pois o socorro à miséria apenas resultaria em mais nascimentos, que semeariam bolsas de pobreza. Não há lugar para a racionalidade económica, e o desejo de melhorar não funciona como força correctora de uma situação que enlaça o homem a uma inevitabilidade patente nos ritmos de crescimento desfasados, e incorrigíveis, da população e dos alimentos.

Mais tarde Malthus avança a possibilidade de o "constrangimento moral" poder conduzir ao equilíbrio desejado e evitar a tragédia humana, pois sem essa acção a natureza agiria friamente: "um homem que nasce num mundo já ocupado, se não pode obter os meios de subsistência de seus pais , a quem pode justamente pedi-los, e se a sociedade não pode utilizar o seu trabalho, não tem o menor direito à mais pequena porção de alimento, e na realidade está a mais sobre a terra. No grande banquete da natureza não há lugar para ele. A natureza ordena-lhe para se ir embora, ela não tarda a por em ordem esta execução".

O princípio da população não tem qualquer consistência científica: a validade metodológica não resiste ao confronto com a realidade, mas o aparecimento do "constrangimento moral", capaz de diminuir as forças instintivas da reprodução, acrescenta nova

40 A. Piettre, Histoire de la Pensée Économique et Analyse des Théories Contemporaines, Paris, Dalloz, 1986, p. 65.

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debilidade epistemológica, já que a "teoria deixou de ser falsificável", pois sempre seria possível, face aos dados empíricos, apelar "a esse domínio moral sobre as forças naturais".

Contudo, a doutrina da população assume enorme importância na evolução da ciência económica: por um lado "descredibilizou a economia", "desviou"-a "para uma linha errada", e pôs os economistas, durante décadas, a fazer previsões sobre o andamento dos salários, do produto e do bem estar, que estavam em patente contradição com a realidade; por outro esfriou a euforia pós-Smi--thiana, que se deixou deslumbrar pela eficácia da "mão invisível", perdendo a noção das dificuldades, e evitou que a Economia se tornasse, em vez da "ciência sinistra" de Carlyle, a "ciência do optimismo pateta .

A doutrina da população deu à ciência económica consciência dos limites físicos do crescimento e trouxe-lhe um novo conceito - o de escassez. - que, a par da "mão invisível", integra o núcleo duro da ciência económica.

A debilidade científica do "princípio da população" e os caminhos ínvios do seu contributo para a ciência económica não impediram a sua aceitação generalizada.

A tese Malthusiana aparece ataviada de um roupagem científica adequada às circunstâncias coevas: "a utilização de postulados e silogismos" e o "uso de progressões matemáticas" emprestam-lhe uma credibilidade "imponente e impenetrável" que lhe permite circular nos salões da moda, mais atentos aos procedimentos da sociabilidade galante, que os inundava de novidades acolhidas com sofreguidão pelo insaciável Século das Luzes, do que ao rigor do método utilizado.

41 João César das Neves, Memorial - os 195 anos do Ensaio Sobre o Princípio da População de Thomas Malthus - 1798, in Economia, Lisboa, Vol. XVII, n° 2, Universidade Católica - Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais, Maio, 1993, p. 293 42 João César das Neves, Memorial - os 195 anos do Ensaio Sobre o Princípio da População de Thomas Malthus - 1798, in Economia, Lisboa, Vol. XVII, n° 2, Universidade Católica - Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais, Maio, 1993, pp. 232-234.

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Este insinuante dispositivo promocional e as mudanças estruturais em curso, operadas na sociedade pela revolução industrial, reuniram à volta do princípio da população as forças sociais tradicionais, os proprietários da terra, categoria social dominada pela nobreza, ciosos da sua riqueza, do seu poder e da sua supremacia social - pilares de um prestígio ameaçado pelo acolhimento dado ao tímido projecto industrialista de A.Smith.

O princípio da população trazia, de novo, para o centro das preocupações a agricultura, actividade que poderia debelar o recorrente e atávico medo da fome.

Se, como afirma César das Neves, que vimos seguindo, o "optimismo de Smith jogava a favor da classe burguesa industrial, o pessimismo de Malthus equilibrava as forças transferindo parte da ênfase de novo para a agricultura", não é menos certo que o Malthusianismo empolgava outros poderes sociais. De facto, tornava--se fundamento de uma política de baixos salários - que, naturalmente, agradava aos patrões sedentos de lucros - e suporte teórico do alheamento das questões sociais por parte dos Estados, mais sensíveis à saúde das finanças públicas do que à miséria dos deserdados - duas tarefas em que mal se poderiam desdobrar face às dificuldades emergentes.

A lição de Marcel Reinhard é concludente: Malthus, "involuntariamente, trazia uma justificação aos patrões desejosos de pagar salários baixos e aos governos desejosos de equilibrar as finanças. Justificavam (as suas concepções) uma política de dureza desumana, conduzida egoisticamente pelos privilegiados, a expensas dos deserdados, o que pode contribuir para explicar o sucesso do malthusianismo".43

Cit. in Valentin Vasquez de Prada, História Económica Mundial, Vol. II, Porto, Livraria Civilização, 1972, p. 29.

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5.3. A RENDA E O SALÁRIO

O pensamento clássico deixa, com David Ricardo, o âmbito da produção, onde o situaram os cabouqueiros do liberalismo, os fisiocratas e A. Smith, e orienta-se para a distribuição, em cujas doutrinas, nomeadamente a da renda e a do salário, deixa a marca inevitável do pensamento Malthusiano e acolhe a ideia de que a ordem natural, não sendo perfeita, é inelutável.

A reflexão teórica de Ricardo sobre a Renda abarca duas questões conexas: a que desemboca na formulação da "lei dos rendimentos decrescentes" e a que enuncia a "lei da renda diferencial".

A "lei dos rendimentos decrescentes" apoia-se na observação de que a pressão demográfica, com efeitos no aumento da procura do trigo, conduz a sucessivas ocupações de terras menos férteis. Ou seja, realiza-se um crescimento extensivo da área cultivada e decrescem os rendimentos da terra, já que a conquista de novas espaços para a agricultura exige investimentos acrescidos em trabalho, utensílios, etc. Este facto traduz-se no aumento do custo marginal do alqueire de trigo produzido e no consequente aumento do seu preço no mercado, que permanece fechado ao trigo mais barato vindo de fora.

A terra generosa e dadivosa dos fisiocratas torna-se madrasta, aconselhando uma reorientação económica industrialista.

A "lei da renda diferencial" é definida com base no quadro de ocupação das terras na Inglaterra. Os aristocratas usaram o seu poder para se assenhorearem das melhores terras, isto é, aquelas que produzem mais e exigem menos investimentos. O preço dos produtos da terra, nomeadamente os cereais, que o mercado uniformiza pelo seu custo nas terras pobres, deixa aos proprietários das boas terras uma "mais valia", isto é, uma renda diferencial, que não resultando do trabalho, mas da desigual fecundidade das terras, se torna fonte de uma injusta apropriação.

A doutrina do salário natural insere-se, como todas as outras, na visão clássica de que o funcionamento da economia obedece a leis

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naturais às quais se submete a fixação do salário - a mais tarde denominada, pelos meios socialistas alemães, "lei de bronze do salário". (Ferdinand Lassale, 1825-1864)

O raciocínio é simples: o salário permite acesso aos alimentos e destes depende o crescimento demográfico; o aumento de salário induz a pressão demográfica que, transferida para o mercado do trabalho, desencadeia concorrência entre os trabalhadores, fazendo descer o preço da mão de obra, isto é, o salário.

O pensamento clássico adquire, com a doutrina do salário mínimo de subsistência, um verdadeiro regulador demográfico. Se a pressão demográfica desencadeia a contenção dos salários, é natural que, como forma de resolver o receio do excesso de população, acabe por se impor uma política de baixos salários, que já fora contrariada pelos fisiocratas.

A doutrina do mínimo vital, que se impõe ao longo do Séc. XIX, estimula a rebelião marxista e inspira as críticas mais contundentes à sociedade capitalista.

As formulações teóricas de Ricardo levam-no a concluir que a ordem das coisas aparece imbuída de alguma injustiça. Contudo, enquanto se conforma com o salário natural, pois considera a intervenção do Estado desaconselhável, propõe, contra as "mais valias" dos proprietários, uma ordem económica sem proteccionismos nem barreiras - o livre câmbio - , nomeadamente em relação aos cereais.

5.4. O LIVRE CÂMBIO

Em 1938, sob a bandeira do livre câmbio, constitui-se, protagonizada por Richard Cobden, um discípulo de Ricardo, a Liga contra a lei dos cereais - uma lei proteccionista e restritiva da circulação de cereais -, cujos objectivos foram conseguidos em 1846, após a Reforma do Parlamento de 1832. Seguidamente, em 1850, caem todas as barreiras alfandegárias, com abolição dos Actos de Navegação.

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A abertura de fronteiras promove uma nova ordem social: os barões da indústria, os Whigs, colhem benefícios com a descida do preço dos cereais, que se reflecte na descida do preço das terras e dos salários, enquanto os terratenentes, com a descida do preço dos cereais e da terra, consequência do trigo mais barato vindo de fora, assistem ao encolher dos seus rendimentos.

As forças sociais, cujo prestígio se constela em volta da terra, deixam romper, triunfantes, os grupos sociais promotores da industrialização, do comércio e da exploração das colónias e procuram não perder os trilhos da nova dinâmica económica. Os Lordes do algodão - o algodão, vindo das colónias, é a matéria prima da revolução industrial, desencadeada no domínio dos têxteis -- imprimem uma nova orientação à sociedade que, ao arrepio da tendência pessimista do doutrinarismo inglês, acredita nas virtualidades do livre câmbio, esteado no suporte doutrinal ricardiano das vantagens comparativas, apresentado como fundamento do comércio internacional.

As doutrinas de Ricardo, produzidas no seio das tensões sociais em desenvolvimento, têm uma cumplicidade social iniludível, cujo alcance se torna claro: o banqueiro Ricardo alinha pelos interesses do capitalismo industrial.

As formulações teóricas de Ricardo constituem a base doutrinal da industrialização e o suporte ideológico dos seus fautores: todos os patrões estavam interessados em pagar baixas remunerações, mas os industriais e comerciantes eram os que mais usufruíam com essa política, pois foi nessas actividades que mais progrediu a relação salarial; a concepção parasitária da renda diferencial transforma-se em crítica social demolidora da base ética do prestígio social da aristocracia terratenente; a profecia dos rendimentos decrescentes jogava a favor da industrialização, pois justificava a busca de novas alternativas às actividades económicas tradicionais; o livre câmbio e a lei das vantagens comparativas promove a divisão internacional do trabalho, a dinâmica do comércio internacional e colonial e consagra o triunfo da fábrica inglesa.

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As tensões da sociedade industrial desvelam-se igualmente no corpo doutrinal ricardiano: "a doutrina do carácter parasitário da renda fundiária deu expressão ao antagonismo da burguesia perante os agrários; a pessimista teoria do salário, segundo a qual o trabalhador só podia receber sempre o mínimo vital como salário, mesmo que a produção aumentasse, exprimiu o antagonismo entre a burguesia e o operariado".

Molinari, um dos teóricos do liberalismo, bem consciente do significado da lei do salário natural e do lugar do trabalhador no seio do sistema, opinava: "Do ponto de vista económico, os trabalhadores devem ser considerados como verdadeiras máquinas".

5.5. O ESTADO ESTACIONÁRIO

John Stuart Mill (1806-1863), apesar das simpatias que nutre pelo positivismo, não vislumbra razões para se afastar do pensamento clássico. Prefere uma atitude conciliatória em relação às contradições internas e às críticas do socialismo: torna-se reformista.

A sua obra "Princípios de Economia Política", publicada no mesmo ano do "Manifesto Comunista" de Marx, 1848, discrimina na realidade económica dois planos distintos: a produção de riqueza, cujas "leis e condições" partilham as características das verdades físicas, e a distribuição, que lhe aparece como "uma instituição, exclusivamente humana".

A consideração desta autonomia - fractura incompatível com os fundamentos da dialéctica, que Marx contestará na sua "Introdução Economia Política", de 1857, - permite-lhe evocar a existência de dois modos distintos de distribuição: um que se funda na propriedade privada, "instituição primitiva e fundamental sobre a qual, fora

44 Walter Theimer, História das Ideias Políticas, Lisboa, Círculo de Leitores, 1977, p. 165 45 A. Piettre, Histoire Économique, Paris, Cujas, 1986, pp. 257-258. 46 Henri Denis, História do Pensamento Económico, Lisboa, Livros Horizonte, 1973, p. 180.

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algumas circunstâncias excepcionais, assenta o sistema económico, e o outro, que se funda na propriedade comum".47

A sua reflexão económica desce à realidade envolvente e realça algumas das suas contradições. O ideal liberal atinge, na Inglaterra, o seu apogeu: a plena liberdade, assente na propriedade, conduz ao fim da assistência aos pobres, 1834, e à abolição da lei dos cereais, que inaugura o livre câmbio, mas surgem as crises, o escandaloso pauperismo e a luta operária por direitos económicos, sociais e políticos.

Stuart Mil repara que as "invenções" mecânicas, nas quais deposita enormes esperanças, não começaram ainda a operar no destino da Humanidade as grandes mudanças que está na sua natureza realizar: até hoje não conseguiram diminuir "a fadiga quotidiana de um único ser humano", embora tenham aprofundado as cisões sociais, lançando uns numa vida de reclusão e de trabalho penoso e permitindo a outros, como os manufactureiros, "fazer grandes fortunas"48; as crises comerciais sucedem-se devido à má gestão do crédito, cuja expansão desencadeia situações especulativas, fatalmente seguidas de baixa.

Que soluções vislumbra para resolver os desequilíbrios que se infiltram na exalçada harmonia social dos liberais?

Os remédios que propõe consubstanciam um reformismo preocupado em conciliar o individualismo liberal e o socialismo nascente que, através dos seus arautos, desmontava as contradições da nova sociedade.

Considera que o aumento do nível de vida passa pelo controlo demográfico, uma ideia malthusiana, que a crispação social poderia ser superada através da criação de cooperativas de produção, onde o espírito do lucro, através da harmonia de interesses do trabalho e do capital - dos operários e dos empresários - tenderia a esmorecer.

Henri Denis, História do Pensamento Económico, Lisboa, Livros Horizonte, 1973, pp. 499 e 500.

Henri Denis, História do Pensamento Económico, Lisboa, Livros Horizonte, 1973, p. 500.

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A dinâmica social deve realizar o "estado estacionário" que ultrapassa todos os conflitos e resolve todas as contradições inerentes à fase actual do processo industrial. É que o ideal de vida da humanidade não pode ser lutar sem fim para vencer: "o melhor estado para a natureza humana é aquele em que ninguém é rico, ninguém aspira a tornar-se rico, e não teme ser derrubado para trás pelos esforços que os outros fazem por se precipitarem para diante".

A concepção de estado estacionário de Mill realiza igualmente a síntese perfeita entre o pessimismo e o optimismo que divide os clássicos: a sombria perspectiva de que, face ao aumento da população, a taxa de lucro tende a aproximar-se do mínimo - aí se situa o "estado estacionário" - desfaz-se num clarão de esperanças, pois é nesse momento que o Homem deixa de procurar desesperadamente a riqueza para se votar à cultura e ao aperfeiçoamento moral. A impossibilidade do crescimento económico - pessimismo - cria as condições para o progresso da dignidade humana e a verdadeira felicidade - optimismo.

A concepção de "estado estacionário", uma plataforma civilizacional que visa a síntese harmoniosa entre propostas antagónicas - o individualismo dos clássicos e o socialismo dos seus críticos - e tendências distintas - o optimismo da Escola Franco-Americana e o pessimismo da Escola Inglesa - traduz um esforço conciliador para salvar o capitalismo. Contudo, a esperança de que a humanidade consiga substituir o progresso material pelo desen­volvimento moral assinala o abandono das posições utilitaristas, enquanto a desconfiança em relação à capacidade da ciência e da técnica para realizar a felicidade geral significa falta de entusiasmo em relação ao industrialismo - atitudes que tornam o mundo de Mill inconciliável com os fundamentos filosóficos de onde emerge a economia clássica.

A Escola clássica inglesa, que talha os fundamentos teóricos do capitalismo liberal, deixa-nos, igualmente, com Ricardo, o construtor dos alicerces doutrinais da sociedade industrial, a lei da baixa

49 Henri Denis, História do Pensamento Económico, Lisboa, Livros Horizonte, 1973, p. 502.

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tendencial da taxa de lucro - uma previsão nada auspiciosa para o capitalismo. Stuart Mill não fez mais do que transformar esse axioma numa situação económica e social concretizadora da felicidade geral -- o "estado estacionário".

CONCLUINDO, podemos afirmar que o liberalismo, enquanto expressão dos multímodos comportamentos humanos, acolhe tendências culturais revolucionárias que sobem do Antigo Regime e faz delas a matriz do seu pensamento e acção.

O projecto social de compatibilizar, sob o signo da igualdade, da dignidade da pessoa humana e do aperfeiçoamento individual e institucional, liberdade e justiça social esbarra com inúmeras dificuldades geradoras de tensões sociais.

A visão antropológica do liberalismo, o eixo estruturante de todas as suas manifestações sociais, assente no pressuposto de que o homem é bom e racional, inspira uma atitude de plena liberdade face a todas as escolhas individuais, incluindo a adopção de diferentes escalas de valores. Ora, não seria possível - e não foi - realizar um óptimo colectivo, sem uma comum escala de valores.

A filosofia social do liberalismo convive com esta contradição: a sua matriz doutrinal valoriza o subjectivo e o individual, enquanto a concretização das finalidades prosseguidas - a optimização dos interesses colectivos - exige uma escala de valores assente em critérios objectivos reconhecidos por todos. Essa consonância, geradora de uma comum escala de valores está ausente do pensamento clássico e aparece significativamente reflectida nas distintas formulações sobre o valor - um núcleo doutrinal de essencial importância.

A doutrina do valor recebe duas formulações no seio da escola clássica - a doutrina do valor trabalho e a doutrina subjectiva do va­lor - , divergência que exprime a singularidade das culturas que as assumem - a inglesa e francesa.

Nos finais do Séc. XIX , o refinado pensamento económico neo­clássico conduz à formulação da doutrina da utilidade marginal, uma enorme conquista da ciência económica, mas apenas A. Marshall (1842-1924), na viragem para o Séc. XX, consegue conciliar as duas

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persistentes visões - a do trabalho e a da utilidade - através da consideração do tempo na análise económica e do recurso à tradicional eficácia da metáfora na formulação de teorias - a da tesoura, cujas lâminas simbolizam a pressão da oferta e da procura.

Pelo caminho tinha ficado a deserção Marxista50, inspirada nas reflexões teóricas da escola clássica inglesa, que levou consigo a doutrina do valor trabalho, e a viragem reformista de John Stuart Mill.

A produção científica da escola clássica ocorre no interior de um processo histórico, cujas profundas transformações revolvem as funduras da economia, da sociedade e da cultura. Neste contexto, as formulações teorico-doutrinais da escola clássica inglesa reflectem a complexidade do novo mundo, tais como as perplexidades face ao modelo de desenvolvimento; as tensões sociais latentes, que acabam por eclodir no movimento cartista da década de 3051; os interesses de uma burguesia compósita - racional ou sentimental, de acordo com as conveniências - onde assomam os industriais; e, finalmente, a subversão do Estado neutral, cujo estatuto descamba para a dominação da economia mundo europeia, mais atento aos interesses dos grupos dominantes do que aos da colectividade.

Nunes, Adérito Sedas, História dos Factos e Doutrinas Sociais, Lisboa, Ed. Presença, 1992, p.281 ess. 510 movimento cartista conduziu ao primeiro partido operário, cujas principais reivindicações constituem a denominada "carta do povo": sufrágio universal, abolição das distinções com base na propriedade, parlamentos eleitos anualmente, igualdade de colégios eleitorais, salário para os deputados e voto secreto. Uns anos antes, na segunda década do século, deixou eco o movimento dos ludites, que conduziu à destruição das máquinas industriais pelos operários, em vez de as colocarem ao seu serviço.(A.J. Avelãs Nunes, Os Sistemas Económicos, Separata do Boletim de Ciências Económicas, Vol. XVI, Coimbra, 1973)

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Algumas Considerações Sobre o Liberalismo e a Escola Clássica Inglesa

BIBLIOGRAFIA

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Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 175-188

DIÁRIOS/WRITING JOURNAL: CONTRIBUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA EM CURSOS TÉCNICOS

Luís GOUVEIA DOCENTE DE LÍNGUA INGLESA DO ISCAA

RESPONSÁVEL PELA GESTÃO DO EQUIPAMENTO MULTIMÉDIA PARA APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS DA SALA DE LÍNGUAS

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Revista Estudos do ISCAA

RESUMO:

São várias as limitações ao desenvolvimento da escrita nas aulas de Inglês de cursos técnicos e científicos - falta de tempo, heterogeneidade de níveis numa mesma sala, elevado número de alunos por turma. Porque escrever é essencial - é a forma mais comum de avaliação e uma óptima forma de pensar! - divulgamos neste artigo uma experiência feita no âmbito da disciplina de Inglês Aplicado, no ISCA-Aveiro, destinada a promover a produção de textos mais longos e a estimular a prática da escrita: o Projecto de Escrita de Diários. Os textos produzidos pelos alunos fornecem um corpus de erros mais frequentes que possibilita uma abordagem formal contextualizada na sala de aula.

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Diários / Writing Journals: Contributo para o Desenvolvimento da Escrita em Cursos Técnicos

"WHY DO WRITERS WRITE? TO INFORM, TO PERSUADE, TO ENTERTAIN, TO EXPLAIN, BUT MOST OF ALL TO DISCOVER WHAT THEY HAVE TO SAY."

DONALD MURRAY

"HUMAN LEARNING IS FUNDAMENTALLY A PROCESS THAT INVOLVES THE MAKING OF MISTAKES"

H. DOUGLAS BROWN

INTRODUÇÃO

O equilíbrio no desenvolvimento das quatro skills - ouvir, falar, 1er e escrever - é essencial para uma formação integral em língua estrangeira. No entanto, relacionadas por imperativos de tempo, limitações físicas (de espaço) ou condicionantes com o nível dos alunos, a escrita é, destas quatro capacidades, a menos exercitada e "ensinada".

A realidade demonstra que as actividades que envolvem o acto de escrever, quer na aula quer fora dela, se resumem às seguintes categorias:

- testes e quizzes; - traduções; - exercícios (gramaticais, lexicais, etc.); - apontamentos - preenchimento de formulários; - composições temáticas.

É clara a tendência eminentemente avaliativa das actividades referidas. Junta-se a este facto a atitude mais frequente dos professores que, interpretando uma das funções da sua profissão, corrigem

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formalmente os textos que lhes são submetidos, negligenciando os aspectos de organização e de conteúdo, tal como realça Penny Ur:

"Many teachers are aware that content and organization are important, but find themselves relating mainly to language forms in their feedback, conveying the implicit message that these are what matters. (...) The problem is one of potential conflict between two of our functions as teachers: language instructors versus support and encouragement of learning. The correcting of mistakes is part of the language instruction, but too much of it can be discouraging and demoralizing. " (Ur, 1996:170-171)

Esta abordagem tem claras implicações na forma como os alunos encaram o acto de escrever:

- quanto menos se escrever menos hipóteses há de errar (o que leva à produção de textos reduzidos);

- usar formas conhecidas implica menor probabilidade de errar (o que induz a repetir, em vez de criar);

- escrever é uma forma de avaliação (o que deixa implícita a ideia de ser julgado e, possivelmente, "punido").

A escrita envolve tanto aspectos linguísticos como comportamentais e cognitivos. Ann Raimes, no seu trabalho Techniques in Teaching Writing, esclarece que

"(...) writing helps our students learn. How? First, writing reinforces the grammatical structures, idioms, and vocabulary that we have been teaching our students. Second, when our students write, they also have a chance to be adventurous with the language, to go beyond what they have just learned to say, to take risks. Third, when they write, they necessarily become very involved with the new language; the effort to express ideas and constant use of eye, hand, and brain is a unique way to reinforce learning. " (Raimes, 83:3)

Não permitir o desenvolvimento destas capacidade é limitar a progressão dos alunos e condicionar a sua evolução académica, tanto

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em língua materna como numa língua estrangeira. Enquanto a conversação é estimulada, como forma de expressar opiniões e de contribuir para o exercício da língua estrangeira, a escrita, pelo estatuto elevado com que é encarada, não possibilita a exploração, nem a expressão pessoal ou a descoberta de significado.

Embora seja genericamente aceite que se aprende a escrever escrevendo, a realidade é que a aula de língua estrangeira não possibilita, em condições normais, nem o tempo nem a oportunidade para que isso aconteça. O mesmo não se passa, é verdade, para a prática da oralidade, promovendo-se a conversação - admitindo até erros pontuais do discurso, desde que a mensagem não seja prejudicada - e sendo largamente aceite a noção de que "é falando que se aprende a falar".

Esta situação é particularmente sentida no caso do ensino de línguas para fins específicos, onde o elevado número de alunos por turma, a heterogeneidade de níveis, os tempos lectivos reduzidos e a pressão para que sejam abordados conteúdos, temas e formatos específicos limitam grandemente a gestão da aula.

O objectivo deste trabalho é apresentar o Projecto de Escrita de Diários como uma alternativa para promover o desenvolvimento da escrita em cursos técnicos e científicos, no ensino superior, descrevendo a experiência realizada no âmbito da disciplina de Inglês Aplicado (ano lectivo de 1997/98), do Curso de Bacharelato em Contabilidade e Administração do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro.

1. CONTEXTO

O ISCA-Aveiro disponibiliza duas disciplinas opcionais semestrais de Língua Inglesa aos alunos do Curso de Bacharelato em Contabilidade e Administração: Inglês e Inglês Aplicado à Contabilidade e Administração. As disciplinas funcionam em duas aulas semanais de Ih 30m cada, durante as 15 semanas do semestre (um ideal de 45h por semestre). A inscrição nestas disciplinas é livre, não está sujeita a exame prévio nem a requisitos mínimos e não existe

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precedência entre elas. No ISCA-Aveiro existe apenas um docente de Inglês. As aulas são conduzidas exclusivamente em inglês, estando o professor à disposição para esclarecimentos em português, fora do horário das aulas.

As disciplinas de língua inglesa são as mais requisitadas de entre as disciplinas do grupo de opções em que se encontram, o que obriga à formação de turmas com um grande número de alunos (+ - 45 por turma). Dado que não existe qualquer tipo de selecção dos alunos (a Língua Inglesa não é uma disciplina nuclear para o ingresso no curso de Contabilidade), é evidente a existência de uma grande heterogeneidade de níveis em cada turma.

A gestão da aula de Inglês nestas condições obriga a opções claras no que diz respeito aos conteúdos a ensinar, ao formato das aulas e ao tipo de avaliação. O tempo dedicado a actividades escritas é extremamente reduzido. Por um lado, os alunos são em número demasiado elevado para que o docente possa acompanhar as actividades individualmente; por outro, a diferença de níveis requer uma diversificação das actividades, num esforço de adaptação impossível de realizar nestas condições.

2. APRESENTAÇÃO DO PROJECTO

Reconhecendo os factos acima expostos, procurou-se, com o Projecto de Escrita de Diários, ultrapassar a pouca atenção dedicada à escrita.

Escolheram-se as turmas de Inglês Aplicado do ensino diurno e nocturno, durante o 2o semestre do ano lectivo de 1998/99, para apresentação do Projecto. Os motivos da escolha residem no facto de estas disciplinas funcionarem normalmente no 2o Ano do Curso e na sua maioria com alunos que já frequentaram antes a disciplina de Inglês, pelo que:

- os alunos já conhecem o funcionamento da disciplina; - os alunos já adquiriram conhecimentos introdutórios da área de

contabilidade e administração;

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- as turmas são geralmente mais reduzidas (+ - 25 alunos).

É, assim, possível não só abordar assuntos mais específicos de áreas nucleares do Curso, como fazê-lo de uma forma mais individualizada e demorada.

No início do ano esclareceu-se que, paralelamente às actividades realizadas no âmbito das aulas - Weekly Report (momento semanal de prática oral voluntária); Business Comment (tradução e comentário de notícias sobre economia, retiradas de revistas da especialidade); Grammar Point (esclarecimento e exercícios sobre estruturas linguísticas), etc. - os alunos poderiam envolver-se, em regime voluntário e não avaliativo, no Projecto de Escrita de Diários (Journals). Para tal necessitavam de:

- um caderno de apontamentos exclusivo para esta actividade (não se aceitam folhas soltas);

- disponibilidade para escreverem, fora da aula, sobre assuntos de interesse comum;

- escrever exclusivamente em inglês, um mínimo de duas páginas por "entrada";

- entregar semanalmente o caderno ao professor para ser lido e comentado;

- aceitar que o seu texto fosse comentado apenas quanto ao conteúdo e não quanto à forma (i.e. erros gramaticais, erros de ortografia, etc.).

Foi também esclarecido que o objectivo desta actividade era proporcionar aos alunos de Inglês Aplicado uma ocasião para escrever e 1er em inglês, numa relação de um para um, funcionando o professor como um "leitor" e não um "corrector", i.e., o professor propunha-se discutir ideias e opiniões, avançando também as suas e deixando para outra ocasião a correcção formal dos textos. A quantidade era claramente mais importante que a qualidade.

Aprender uma língua estrangeira é um processo complexo que envolve vontade, aprendizagem permanente e prática. Foi tornado

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claro que o sucesso do projecto dependia em grande parte do empenho de cada um. Com o Projecto de Escrita de Diários pretendeu-se dar lugar à escrita como forma de pensar e organizar as ideias, não apenas como forma de produzir textos. Tal como Donald Murray sugere: "In teaching the process (writing process) we have to look, not at what students need to know, but what they need to experience. " (Murray, 1982:25).

Durante o semestre eram esperadas 10 entradas. O pretexto para cada entrada poderia ser um assunto de conhecimento comum, actual e da área da economia mundial ou nacional, mas poderia também ter a forma de um comentário a um texto retirado da imprensa, cuja fotocópia o aluno deveria inserir no caderno, acompanhando a entrada. Foi sugerido que os textos fossem escritos na página direita do caderno, deixando a página da esquerda livre para os comentários do professor.

3. DESENVOLVIMENTO DO PROJECTO

Dos 30 alunos inscritos na disciplina de Inglês Aplicado, apenas 15 aceitaram participar neste projecto e, destes, apenas 8 efectuaram as 10 entradas sugeridas.

Os cadernos eram entregues ao professor na primeira aula da semana, lidos e comentados por ele e entregues na aula seguinte, dando aos alunos 4 dias, incluindo o fim-de-semana, para produzirem os seus textos.

Para além de 1er e comentar os textos produzidos, o professor procurou, sempre que possível, lançar questões para discussão, recomendar leituras adequadas à continuação da discussão, lançar a dúvida perante certezas dos alunos e estimular o esclarecimento de opiniões, induzindo à reformulação de partes do texto que estivessem menos claras. Os alunos puderam escolher entre retomar os temas das entradas anteriores ou introduzir novos temas. Em cada comentário o professor tinha a oportunidade de rever as entradas anteriores e não só verificar os progressos dos alunos como aconselhá-los a reler textos anteriores. Este processo encontra-se esquematizado na figura 1.

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Pré-actividade Reacção do professor

Reacção do aluno

Discussão na aula Tema do Programa Tema livre Comentário a frase ou texto (...)

i Ia Entrada —»

Leitura e Comentário (conteúdo) Sugestões de leituras

i Comentário

i Actividades a

desenvolver na Aula

—>

Resposta a comentários + novo texto

i 2a Entrada

Fig.l

Aula de análise de erros Explicação / exerc. gr. Tema para discussão Org. de texto

É importante para o sucesso do projecto que os alunos concebam o seu texto como a "leitura" de outra pessoa (no caso, do professor) preocupando-se com a audiência e procurando escrever para serem lidos (e não para serem avaliados!), tal como salienta Ann Raimes:

"Traditionally, the teacher has been not so much the reader as the judge of students' writing. (...) One problem that arises from this is that student writers rarely see that their writing is a piece of reading for someone else - a piece that should be clear and interesting to the reader. " (Raimes, 83:17)

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Cabe ao professor manter a motivação e estimular, através de comentários/reacções originais, a manutenção do fluxo da escrita. Donna Brinton sugere que os comentários/reacções do professor sigam as seguintes máximas:

"Respond directly and personally. Be sensitive. Use journals as teaching tools. Share experiences. Be honest. " (Brinton, 93:5)

Perante a insistência dos alunos para que os seus textos fossem também corrigidos quanto à forma (i.e., erros ortográficos, gramaticais, etc.), o professor propôs-se sublinhar as palavras e/ou expressões que impedissem a compreensão do texto, que fossem evidência de distracção do aluno ou que apresentassem erros de concordância. Para tal foi utilizada como critério de correcção a definição de erro avançada por Bartram (Bartram, Walton, 1991: 20):

- mistake - erros que um falante nativo não faria - são evidência de uma tentativa falhada de usar a língua alvo; implicam uma instrução específica e renovada desse item (feita na aula durante o Grammar Point); a sua sinalização não contribui para a aprendizagem, a não ser que venha acompanhada de sugestões de correcção;

- slip - erros que um nativo faria - são evidência de distracção.

Não foram nunca feitas pelo professor correcções com sugestão da forma correcta. Ficou claro que existem outros momentos para tal actividade.

Assinalaram-se as "distracções" (slips - ex.: "witch", "whith", "I like it, to!", "The index rised to ...", "... he didn't wanted to ...") com sublinhado acompanhado de um ponto de exclamação, permitindo ao aluno a oportunidade de se auto-corrigir. Se isso não acontecesse, o professor poderia sempre recomendar a revisão dessa parte do texto.

Os "erros" propriamente ditos não foram marcados isoladamente, mas sim em contexto. Quando o texto se apresentava confuso ou de difícil compreensão, essas partes eram assinaladas -

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com sublinhado e ?, ou com ondulado lateral - e acompanhados de um comentário breve, destinado a promover a clarificação (ex.: "Can you provide an example of this?", "I am not sure I understand your point. Could you rephrase this?", ...)•

Tanto os erros como as "distracções" mais frequentes foram objecto de uma abordagem formal na aula, durante a rubrica Grammar Point. Os casos eram apresentados de forma anónima e organizados segundo as seguintes categorias (não necessariamente por esta ordem):

- ortografia; - concordância; - ordem das palavras; - adequação de vocabulário e registo de língua.

Era promovida a reflexão colectiva sobre o que estava incorrecto, qual a regra gramatical aplicável a cada situação e quais as possíveis alternativas. Desta forma pretendeu-se promover um conhecimento consciente da gramática da língua inglesa como forma de maximizar a aprendizagem de uma língua estrangeira, uma tendência da didáctica das línguas que se vem afirmando ultimamente (Torre, 95: 293) e com a qual concordamos inteiramente.

A actividade de análise de erros Grammar Point não tinha periodicidade regular, acontecendo sempre que, do material produzido pelos alunos ou da interacção oral na aula, se identificassem problemas que merecessem esclarecimento e instrução específicos.

CONCLUSÃO

O reduzido número de alunos que efectivamente participaram no Projecto de Escrita de Diários diz bem da fraca popularidade da escrita entre os alunos. As desculpas apresentadas para justificar a falta de uma "entrada" variaram entre o "não tinha nada para dizer" e o "tenho tido muito que fazer". O facto de a maioria dos alunos que executaram as 10 entradas serem do ensino nocturno (i.e.

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trabalhadores estudantes) revela que o que estava em causa não era efectivamente falta de tempo.

A característica não avaliativa do projecto, os hábitos difíceis de eliminar subjacentes à forma como a escrita é ensinada ( ) e as expectativas dos alunos quanto ao papel do professor como "corrector" (2) são outras condicionantes que limitaram o seu empenho no Projecto.

O professor deve aceitar que nem todos os alunos se sintam estimulados pelo projecto e não queiram por isso participar nele. Isto pode até ser um factor de singularidade que galvanize ainda mais aqueles que se sentiram envolvidos desde o início.

Essencial para a gestão deste projecto é também assumir que os alunos se encontram numa fase de desenvolvimento pessoal em que reagem mal a serem corrigidos. "Sugerir", "propor" e "pedir a opinião" são fórmulas mais facilmente aceites pelos jovens, que suscitam cooperação em vez de confronto.

É importante realçar que esta actividade possibilitou a escrita de textos que seria impossível produzir de outra forma (tanto na frequência quanto na dimensão), atendendo às condicionantes acima expostas. A apresentação e comentário dos erros mais frequentes na aula possibilitou uma relação directa entre a instrução e as

1 É prática relativamente comum no ensino básico e secundário utilizar actividades escritas (nas mais diversas disciplinas) como forma de punição perante situações de indisciplina (ex.: "Estão a fazer barulho?! Então tirem uma folha e vamos fazer um teste/redacção/ditado!")-

2 O intercâmbio de ideias e a comunicação por escrito não satisfez a maioria dos alunos que solicitaram uma correcção formal dos seus textos (na convicção de que assim aprendiam mais!). Isto não impediu, no entanto, que alguns erros de superfície (essencialmente ortográficos), devidamente assinalados pelo professor, continuassem a ocorrer. Esta solicitação é reveladora das expectativas dos alunos quanto à função do professor: a de corrector. Isto porque sempre produziram para serem avaliados, não para comunicar. É difícil para o aluno compreender a recusa do professor em corrigir formalmente, preocupando-se essencialmente com a organização e conteúdo das ideias. Sente-se defraudado nas suas expectativas. Só a continuidade do projecto pode provar que a prática é a melhor forma de eliminar erros recursivos.

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necessidades particulares dos alunos. Esta é também a nossa interpretação do que Donna Brinton sugere ao recomendar que se explore o Diário como recurso de ensino: "Use the journal as teaching tool. " (Brinton, 93:5).

Os Diários permitiram ainda constatar progressos significativos na organização de texto, na ortografia e na concordância verbal entre os alunos directamente envolvidos no Projecto. Muitas das "confusões" iniciais que se materializavam em erros de ortografia (embora sem impedir a compreensão) foram rareando, tanto pela prática da escrita quanto pela leitura das formas correctas contidas nos textos escritos ou recomendados pelo professor.

A disponibilidade demonstrada pelo professor neste projecto contribuiu para uma maior aproximação dos alunos, promovendo o processo de cooperação na aprendizagem (ex.: pedidos de esclarecimento sobre questões de trabalho, dúvidas sobre programas de TV em canais estrangeiros, sobre formulários de recibos e facturas de empresas estrangeiras, etc.).

Este projecto exige do professor mais tempo extra-aula, mas o seu correcto aproveitamento pode beneficiar todos os intervenientes no processo. O professor pode converter parte do seu tempo de correcção formal de trabalhos (de reduzida dimensão) feitos na aula em comentário e análise de textos (mais longos) produzidos por alunos mais motivados. O aluno pode escrever sem limitações, com maior autonomia, usando a língua inglesa de acordo com o seu nível, preocupando-se com a mensagem mais do que com a forma e exercitando a língua estrangeira para aquele que é o seu fim efectivo: a comunicação.

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Revista Estudos do ISCAA

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Revista Estudos do ISCAA, IIa Série, 5 (1999) 189-212

POLINÓMIOS E FUNÇÕES POLINOMIAIS FACTORIZAÇÃO NO ANEL DOS POLINÓMIOS

MARGARIDA MARIA SOLTEIRO MARTINS PINHEIRO PROFESSORA ADJUNTA DE MATEMÁTICA

DO ISCAA

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Revista Estudos do ÍSCAA

RESUMO:

O presente artigo faz parte de um dos temas discutidos no concurso de provas públicas para professores-adj untos do ensino superior politécnico realizado em Dezembro de 1994. Após a introdução de alguns conceitos básicos, passa-se ao estudo da irredutabilidade de um polinómio, do ponto de vista dos corpos dos números complexos, reais e irracionais.

Palavras-Chave Anel de polinómios, grau de um polinómio; função polimonial: raiz de um polinómio; factorização de um polinómio; polinómio irredutível.

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

PRELIMINARES

O que é um polinómio? Em cursos elementares de álgebra definimos muitas vezes

polinómio como uma expressão da forma x3 x ou, mais

genericamente, anx" + an_lx"~l+...+a1x+ a0 em que os a,- são chamados coeficientes e são usualmente números reais. Por esta definição, xéum polinómio.

Mas o que é "JC"? A resposta mais vulgar é a de que "JC" é uma incógnita; isto é,

um número pertencente ao mesmo conjunto dos coeficientes mas que não está especificado.

Outra resposta à questão "O que é xT é dada, pondo em destaque que o que realmente tem significado é uma função f, cujo

valor em x é dado, por exemplo, por f(x) = xi x2. Neste sentido

"JC" é afinal o nome genérico de um elemento do domínio da função. A esta função chamamos função polinomial, definida sobre um corpo e que toma valores nesse corpo. (Por exemplo, funções reais de variável real). Através desta perspectiva podemos até dar uma definição recursiva de função polinomial: Seja K um anel comutativo.

Chamamos funções polinomiais a todas funções f:K^K tais que

i) Para cada k e K a função constante / (x ) = fccom xeK é uma função polinomial;

ii) A função identidade f(x) = x para todo o xeK, é uma função polinomial;

iii) Se f(x) e g(x) são funções polinomiais, então também são funções polinomiais ( / + g)(x) = f(x) + g(x) e (f.g)(x) = f(x).g(x)

Observe-se que esta definição inclui tão somente as funções do tipo anxn + an_1xn'l+...+aix + a0.

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Revista Estudos do ISCAA

Mas às vezes dois polinómios distintos induzem a mesma função, logo esta correspondência não seria sequer aplicação. Por exemplo, x e x são dois polinómios distintos que dão origem à mesma função em Z

Outra resposta à questão "O que é xT pode ser a de que é um símbolo. E o que representa?

A abordagem que vamos aqui seguir, começa por definir polinómio para finalmente chegar à definição de função polinomial, pretendendo que a resposta à questão anterior seja pelo menos não tão embaraçosa.

ANÉIS DE POLINÓMIOS

Definição 1 Seja (A,+,.) um anel. Chamamos polinómio f sobre A, a toda a

sequência do tipo {(a0,a],...,an,...):aj e A} onde apenas um número finito de termos é não nulo. Como consequência, verifica-se que, para cada polinómio não nulo/, existe um inteiro não negativo n tal que an * 0 com ãj =0,\/j>n. Ao número inteiro n chamamos grau do polinómio f, que representamos por gr(f)=n e a an chamamos coeficiente principal de/! (Por questões de notação e de agora em diante, sempre que não haja perigo de confusão, representaremos o anel (A,+,.) simplesmente por A)1

Definição 2 No conjunto de todas as sequências {(a0,ax,...,an,...):a t G A]

definimos duas operações, a saber: (a0,al,...)®(b0,bl,...) = (a0 +b0,al +bx,...) (a0,a1,...)®(b0,b1,...) = (c0,c1,...) onde c0 — ã0t?0

Como caso particular, refira-se que o grau do polinómio nulo não está definido.

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

c, = a0bx + axb0

c2 = a0b2 + axbx + a2b0

cr = S a,bj i+j=r

Teorema 1 Seja A um anel. Então o conjunto dos polinómios sobre A,

munido das operações © e ® atrás definidas, ainda é um anel, a que chamamos anel de polinómios.

Demonstração: A verificação de que a adição de polinómios forma um grupo

abeliano, resulta imediatamente da própria definição da operação © feita termo a termo sobre as sequências e do facto de A ser grupo abeliano. O zero do anel é a sequência do tipo (0,0,...,0,...) e a que chamamos polinómio nulo.

Para provar a associatividade da operação <S>, teremos de provar quey® (g®h)=(j®g) ®h onde/ g, h são polinómios sobre A. Para a demonstração calculemos o r-ésimo termo de cada membro. Sejam f = (a0,al,...) , g = (b0,blt...) e h = (c0,cx ,...)• O p-ésimo termo de (g®h) é dado por ^Jbicj . Donde, o r-ésimo termo de fS> (g®h)

i+j=p

vem

q+p=r P+q=r '+j=P i+j+q=r

Analogamente, o r-ésimo termo de (f®g)®h vem

l+j=r l+j=r <7+i=í q+i+j=r

Para provar a distribui ti vidade da operação ® relativamente à operação ©. temos de provar que f®(g®h)=(fS)g)®(J®h) Calculando os termos de ordem r de cada membro, encontramos

^[a^bj +Cj) e ^afij + X a < c ; respectivamente. i+j=r i+j=r i+j=r

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Pela distribuitividade em A tiramos a conclusão pretendida. *

De modo a que a abordagem adoptada se aproxime da visão usual dos polinómios, introduzimos de seguida algumas notações. Designemos por axr o polinómio (0,0,...,a,0,...)onde a é o (r+l)-ésimo termo do polinómio. Assim, por exemplo, ax°=(a,0,...) e ax!=(0,a,0,...).

Então, s e / é um polinómio de grau n (a0,al,...,an,0,...) pode tomar a forma a0x° +a1^1+...+anx" . Simplificando a escrita e representando simplesmente por a o polinómio ax° e por ax o polinómio ax verificamos então que qualquer polinómio (a0,al,...,an,0,...)pode ser escrito como a0+a1x+...+anxn ; é esta convenção que estabelece a ligação entre a definição l e a definição de polinómio que já conhecíamos.

Designemos a partir de agora e pelas razões apontadas, por A[x] o anel dos polinómios sobre A na indeterminada x. Os elementos de A[x] são geralmente representados por letras minúsculas ,por exemplo

/ o u mais geralmente por f(x). Aos elementos de A identificados com A[x] chamamos polinómios constantes.2

Outra forma de relacionar as duas definições dadas tem por base o seguinte teorema:

Repare-se que a definição agora dada de polinómio é coerente com a definição

usual de polinómio. Assim, dados os polinómios pl(x) = x2 — 3x + 2 e

p2 (x) — X + 4x — 3x + \ a sua soma é o polinómio

p3(x) = x5 +4x3 -2x2 + 3 x - l . Utilizando a definição 1, temos pi=(2,-3,1,0,0,...) p2=(l,0,-3,4,0,l,0,0,...) e p,+p2=(3,-3,-2,4,0,l,0,0,...) que representa p3 na nova notação.

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

Teorema 2 Seja:

ç: A —> A[x] r _> (>5o,... ) • Então cp é um monomorfismo.

Demonstração: Queremos provar que (p(r+s)=(p(r)©cp(s) e ainda que

(p(rs)=(p(r)®(p(s) para todos os elementos r,s de A. Ora, por construção (p(r+s)=(r+s,0,0,...) e pela definição 2 (p(r)0(p(s)=(r,O,...)©(s,O,...)=(r+s,O,...).

De modo análogo provaríamos a segunda relação. *

Como consequência do teorema (p(A)={(r,0,...) reA} é um subanel de A[x] isomorfo a A, o que justifica a equivalência das duas definições.

No que se segue, utilizaremos pois a notação anx" + an_xxn~x +.. .+axx + a0 em vez da notação indicada na definição 1, tendo sempre em conta que um polinómio pode ser encarado como uma sequência de coeficientes .

GRAU DE UM POLINÓMIO

Recorde-se que ao introduzirmos na definição 1 a noção de grau de um polinómio, associamos a cada polinómio não nulo, um número inteiro não negativo. Por convenção tome-se gr(0)=-°°.

Onde 0 representa o polinómio nulo. Temos assim: g r : A [ x ] ^ Z ; u { - o o }

f^gr(f)=n

3 A partir de agora e caso não haja dúvidas, representaremos apenas por + e x as operações definidas na definição 2.

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Revista Estudos do ISCAA

Ainda por convenção (-oo)+(-oo)=(-oo) com (-°o)<n, sendo n um número inteiro não negativo.

Proposição 1 Sejam f,geA[*]. Então gr(f + g)<max{gr(f),gr(g)} e

gr(pcg)<gr(f) + gr(g)

Teorema 3 Se A é um domínio de integridade então A[x] é um domínio de

integridade e nestas condições gr(fxg) = gr(f) + gr(g)\/f ,g e A[x]

Demonstração: No teorema 1 foi já demonstrado que, sendo A um anel, também

A[x] é um anel. Por outro lado, é imediato que, se A é um anel comutativo com elemento unidade, também A[x] é um anel comutativo cujo elemento unidade é o polinómio constante 1 (distinto do polinómio nulo). Falta provar que, se A não tem divisores de zero também A[x] não tem.

Para tal, considerem-se dois elementos f e g de A[x], não nulos, tais que f(x)-anx" +an_lx

n~l+...+alx + a0 com an ■£■ 0 e g(x) = bmxm +bm_lx

m-1+...+blx + b0 com bm*0 Então, por definição, (fxg)(x) = cn+mx"+m+...+clx + c0 onde os

e, se determinam de acordo com a definição 2. Como A é domínio de integridade e anïO e bm*0 , tem-se anbm*0 . Mas anbm - cm+n .

Logo fxg * 0. Provámos assim que, sendo f e g dois elementos não nulos de A[x] se tem fxg ï 0 o que prova não existirem divisores de zero em A[ x ]. Conjugando este resultado com as conclusões anteriores, fica provado que A[x] é um domínio de integridade.

Do que foi dito podemos também concluir que gr(fxg) = n + m=gr(f) + gr(g)\/f,ge A[x] c.q.d.*

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

FUNÇÕES POLIMONIAIS

Definição 3 Seja A um anel. Uma função yr:A —>A diz-se uma função

polinomial se existe um polinómio anx" +an_1;c""1+...+a1x + a0 de A[JC] tal que, para todo o be A se tem y(b) = anbn + an_lbn'1+...+blx + b0

4

POLINÓMIOS SOBRE UM CORPO

Iremos falar de seguida de polinómios sobre um corpo, dado que, de um certo modo, podemos dizer que o anel A[x]é particularmente "bem comportado" quando A é um corpo.

Teorema 4 Seja K um corpo e sejam f,geK[x] dois polinómios. Sendo

g ï 0 existem q,reK[x] tais que f=gq+r onde gr(r)<gr(g) ou r=0. Os polinómios qtr assim definidos são únicos.

Demonstração: Ia parte: demonstração da existência dos polinómios qe r. É claro que, sef=0 então o teorema verifica-se trivialmente com

q=r=0. Suponhamos / # 0 e seja gr(f)=n e gr(g)=m. Note-se que, se n<m então basta fazer q=0 e r=f. Consideremos então n>m. Vamos proceder por indução sobre n. Se gr(f)=0, isto é, se n=0, vem gr(g)=0 pelo que os polinómios são constantes. Nesse caso a existência de q e r está garantida, uma vez que K é corpo. (Recorde-se que, num corpo,

4 Cada polinómio f(x) = ãnx" + an_,x"~ +...+a1x + a0 pode obviamente ser associado à função definida em A cujo valor em bE A é dado por anbn -\-an_xb"~ Jr...Jrblx + b0 e que notaremos por f(b) = anb"+an_1b-1+...+aib + b0.

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as equações do tipo ax-b têm uma única solução do tipo a b). De facto, sendo f=a e g=b, com a,beK e i ^ O , basta fazer r=0 e q—ab1. Admita-se agora a veracidade da proposição para todo o / tal que gr(f)<n. Sejam f(x) = anxn + an_lx"~l+...+a1x +a0 com an * 0 e g(x) = bmxm +bm_1xm-1 +...+b1 x + b0 com bm * 0

Consideremos o polinómio qx = anbm~lx"~m . Obtem-se assim: f=gqi+n (i) com ri-f-gqi onde gr(ri)<n ou rj=0 .

Pretendemos provar que a proposição ainda é válida para gr(f)=n.

Ora, sendo ainda r}EK[x]. e por hipótese de indução, existem polinómios q2 e r2 de K[x]. tais que rj=gq2+r2 com T2=0 ou gr(r2)<gr(g). Substituindo em (1) vem f=gqj+gq2+r2 ou seja f=g(qi+q2)+r2 . Fazendo q=qi+q2 e r-r2 tem-se finalmente gr(r)<gr(g) ou r=0, o que dá por findo o processo de indução e demonstra a existência de q e r.

2aparte:.demonstração da unicidade de q e r Por absurdo, suponhamos que q e r não eram únicos; isto é,

f=gq+r com r=0 ou gr(r)<gr(g) f=gq'+r com r'=0 ou gr(r')<gr(g) (com g ^ g ' ou r±r'). Mas então gq+r=gq'+r' . Pelas propriedades do corpo g(q-q')=r'-r . Pelo Teorema 3, gr(g(q-q'))=gr(g)+gr(q-q'). Logo gr(g)+gr(q-q')=gr(r'-r). Por outro lado, pela proposição 1, gr(r'-r)<max{gr(r'),gr(>)} . Mas, por hipótese, max {gr (r'),gr(r)} < gr(g).

Logo gr(g)+gr(q-q')<gr(g) ; ou seja gr(q-q')<0 . Mas então gr(q-q')=-°°; atendendo às convenções feitas resulta q-q'=0 e portanto q=q'. Donde resulta, f=gq+r e f=gq+r' e finalmente r=r', como pretendido. *

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

POLINÓMIOS DE VÁRIAS VARIÁVEIS

Antes de continuarmos o nosso estudo sobre polinómios e sua factorização, façamos referência, ainda que breve, a polinómios de várias variáveis.

Consideremos o polinómio x2 + xy + y2 . Podemos considerá-lo como um polinómio em y com coeficientes em A[X]. Tal afirmação tem sentido, bastando fazer 5=A[X] que é um anel, tal que B[Y]= A[X ,Y]-

Se agora considerássemos o polinómio zx + 2(x + y)z , podiamos, de um modo idêntico, pensá-lo como um polinómio em z com coeficientes em A[X,r] e que notaremos por A[X,y,Z] . A definição é indutiva.

Definição 4 Seja A um domínio de integridade e seja A(0)=A. Define-se

indutivamente A(n) tal que A(n) = A("_1)[z] .

De outro modo, se feA(n) então f pode ser escrito como uma sequência (ao,aj,...) com ai e A(n_1). (Isto é, cada a, é ainda uma outra sequência e assim sucessivamente).

RAIZ DE UM POLINÓMIO. TEOREMA DA FACTORIZAÇÃO.

Definição 5 Seja fe A[x] onde A é um domínio de integridade. Chama-se

raiz de f a todo o elemento ce A tal que/fcj=0.

Apresentamos de seguida um teorema que caracteriza as raízes de um polinómio deÁT[x], sendo K um corpo.

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Revista Estudos do ISCAA

Teorema 5 (Teorema da factorização) Seja K um corpo e/E K[X]. Então aeK é uma raiz de f se e só

se x-a é um divisor de f.

Demonstração:

Suponhamos que a é raiz de f. Consideremos um polinómio x-a. Pelo teorema 4, sabemos que exstem polinómios g.reíTfX] tais que/=(x-a)q+r com r=0 ou gr(r)<l. Ou seja, r-0 ou r é uma constante. Em particular e para x=a, tem-se f(a)=(a-a)q(a)+r e logo f(a)=r.

Como, por hipótese a é raiz de /, resulta r=f(a)=0. Concluímos assim que o resto da divisão de f por x-a é igual a zero; ou seja, f é divisível por x-a.

«=) Para provar a implicação em sentido contrário, comecemos por

admitir que x-a é um divisor de f. Isto é, que existe qG K[X] tal que f=(x-a)q. Em particular, f(a)=(a-a)q donde resulta f(a)=0. Mas tal significa que a é raiz de f, como queríamos provar. *

Definição 6 A raiz a de um polinómio f diz-se de multiplicidade k se (x-a) é

um divisor de f mas (x-a)k+1 já não é divisor de f.

Teorema 6 Seja fe K[x] e aeK.

a é uma raiz de f de ordem de multiplicidade r se e só se f=(x- a)rq onde qG K[X] e tal que a não é raiz de q.

Demonstração: (=>) Ora, por definição, sendo a uma raiz de f de ordem de

multiplicidade r, sabemos que {x-aj é um divisor de f. Em particular f=(x-a)rq para algum qG K[X] .Queremos provar que a não é raiz de

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

q. Por absurdo e se tal acontecesse então q era divível por x-a e poderíamos escrever q=(x-a)q' para algum ç'eíT[Z]. Mas então r=(x-a)r+1q' e (x-a)r+1 dividiria f o que contradiz a definição de a ser raiz de ordem de multiplicidade r. O absurdo resultou de se ter suposto que a era raiz de q. Logo, concluímos que a não é raiz de q, como pretendíamos.

(<=) Para provar a implicação contrária, consideremos f=(x-a)rq ,

com çeA'fX]. Por absurdo, suponhamos que a é uma raiz de f de ordem de multiplicidade m, com m>r. Por definição f=(x-a)mqi , para algum qie K[x]. Mas então e pela transitividade, (x-a)rq=(x-a)mqi ■ donde (x-a)m'rqi=q , com m-r>0, o que significa que a é raiz de q, o que contraria a hipótese. O absurdo resultou de se ter suposto que a era raiz de f de ordem superior a r. Logo podemos concluir que a é raiz de f de ordem de multiplicidade r, como pretendíamos. *

Outro teorema essencial da teoria de anéis de polinómios diz respeito ao número de raízes de um polinómio.

Teorema 7 Seja K um corpo e fe K[X]. Se gr(f)=n , com n>0, então f tem

no máximo, n raízes distintas em K.

Demonstração: Vamos proceder por indução sobre n. Se gr(f)=l então tem-se f=ao+a;x e -aoaf1 é a única raiz de f.

Logo a proposição é verdadeira para n=l. Admita-se a proposição verdadeira para n-1; isto é, que se um polinómio tem grau n-1, então tem, no máximo, n-1 raízes distintas.

Seja f tal que gr(f)=n. (É claro que se f não tem nenhuma raiz, o teorema fica imediatamente demonstrado). Suponhamos então que f admite pelo menos uma raiz, seja a. Pelo teorema da factorização,

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existe qe K[X] tal que f=(x-a)q. Pelo teorema 3 e atendendo a que todo o corpo é domínio de integridade, podemos escrever gr(f)=gr(x-a)+gr(q) ; ou seja, n=l+gr(q). Logo gr(q)=n-l . Por hipótese de indução, q tem no máximo n-1 raízes distintas. Mas, porque f=(x-a)q qualquer raiz de f, distinta de a, é também raiz de q, pelo que se pode concluir que f tem, no máximo, n raízes distintas, c.q.d. *

Antes da definição propriamente dita de polinómios irredutíveis, vamos introduzir novos conceitos.

Definição 7 Seja A um anel comutativo com elemento identidade 1. Um

elemento e de A diz-se uma unidade se c.e=l=e.c , para algum c de A. Designamos por U(A) o conjunto de todas as unidades de A.

Definição 8 Seja A um anel comutativo com elemento identidade 1 e seja b

um elemento de A. Um elemento a de A diz-se um associado a è s e e só se a=be , onde e é uma unidade.

Definição 9 Seja A um domínio de integridade. Um elemento r de A diz-se

irredutível se : i) r£U{A) ii) Se r=ab, então ou a é uma unidade ou b é uma unidade.

Definição 10 Um domínio de integridade A diz-se um domínio de

factorização única (DFU) se: i) Todo o elemento a e A \ {0} admite uma factorização do tipo

a=u.ai.ã2....a„ onde UEU(A) , n>0 ea(- é irredutível, para i=1,..., n.

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Polinómios e Funções Polimoniais, Factorização no Anel dos Polinómios

ii) Tal factorização é única; isto é, se u.ai.ã2....an -u'.a'i.a'2....a'm com w,w'eí/(A) , n > 0 , m>0 , a,-,aj irredutíveis, para i=l,...,n e j=l,...,m então n=m e existe uma permutação TI de {l,2,...,n} tal que a\ é associado de a\i).

Definição 11 Seja A um domínio de integridade e v uma função tal que

v: A —» Z0+ e que verifica as condições:

a) \/aeA,\/beA\{0},3q,reA:a = bq + r com r=0 ou vCr/)<vf&)

b) Vfl,è6A\{0),v(a)<v(&) À estrutura formada pelo domínio de integridade A munido da

função v assim definida chamamos domínio euclediano. Como consequência desta definição e do que até aqui foi visto,

podemos concluir que "Se K é corpo, então K[x] munido da função grau, é um domínio euclediano"

Definição 12 Seja K um corpo e pe K[X] . Diz-se que p é um polinómio

irredutível sse: i) p não é um polinómio constante; ii) Para todos os g.he K[X] se p=gh, então ou h é um polinómio

constante não nulo ou g é um polinómio constante não nulo.

A questão seguinte é a de saber quais são os polinómios irredutíveis em K[X]. Antes porém verifiquemos que:

Proposição 2 Se pe K[X] é um polinómio de grau um, então p é irredutível.

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Demonstração: De facto, se p é um polinómio de grau um, então p não é

constante. Falta provar que, se p=gh com g,/ie K[x], então g é um polinómio constante não nulo ou h é um polinómio constante não nulo. Suponhamos, por exemplo, que g não é um polinómio constante. Logo gr(g)> 1 . Por absurdo, suponhamos que h também não é um polinómio constante e logo gr{h) > 1 . Pelp teorema 3 gr(p)=gr(g)+gr(h) . Logo gr(p) > 2 o que contradiz a hipótese. O absurdo resultou de se ter suposto que h não era constante. Logo h é um polinómio constante . c.q.d. *

Proposição 3 Seja ueU(A) e veA tal que u=kv para algum keA. Então

V£[ / (A) .

Demonstração: Queremos provar que existe v'e A tal que v.v '=l= v'.v. Ora,

por hipótese, 3u'e A:u.u'= 1 = u'.u . Substituindo atrás, vem 1= u.u'= (kv).u'= (u'k).v ; pelo que basta tomar v'=u'k .

De modo análogo procederíamos para a outra igualdade. *

Iremos de seguida abordar a questão dos polinómios irredutíveis nos casos de C[X],/ í[X],Q[X] .

POLINÓMIOS IRREDUTÍVEIS C[X]

O teorema básico que permite determinar os polinómios irredutíveis em C[X] é conhecido pelo teorema fundamental da álgebra.

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

Teorema 8 (Teorema fundamental da Álgebra) Todo o polinómio pe C[X] de grau superior ou igual a um,

tem uma raiz em C.

Para a demonstração, ver "A concrete introduction to higher algebra" de Lindsay Childs; 1979, Springer Verlag.

Como consequência apresentamos o corolário seguinte:

Corolário pe C[X] é um polinómio irredutível se e só se gr(p)=l (Isto é, em C os únicos polinómios irredutíveis são do primeiro grau).

Demonstração: Já vimos que se o grau de p é um, então p é irredutível. Falta

provar a implicação contrária; suponhamos que pe C[x] é um polinómio irredutível. Então gr(p)>l . Logo, pelo teorema fundamental da álgebra, p tem uma raiz em C.Designemos por a tal raiz. Por outro lado e atendendo ao teorema 5, p=(x-a)q , par algum qe C[X] . Ora, como p é irredutível e (x-a)í í/(c[x]) resulta, pela proposição 3 que qeU(c[x]j . Mas então q é um polinómio

constante não nulo e logo gr(p)=l. c.q.d. *

POLINÓMIOS IRREDUTÍVEIS R[X]

Analisemos o estudo da irredutabilidade de polinómios com coeficientes em R à luz do resultado seguinte.

Teorema 9 /?e/?[X] é um polinómio irredutível se e só se gr(p)=l ou

p=ax2+bx+c com a # 0 e è 2 - Aac < 0

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Revista Estudos do ISCAA

(Isto é, os polinómios irredutíveis em R[X] são os de primeiro grau e todos os de segundo grau cujo binómio discriminante é negativo).

Demonstração: (=0 Seja peR[X] um polinómio irredutível . Então gr(p)>l. Se

fôr gr(p)=l o teorema fica provado. Caso contrário, suponha-se gr(p) > 2. Pelo teorema 8 e porque Rr C, p tem pelo menos uma raiz complexa. Seja a tal raiz. Então podemos escrever a = w+si com s * O. Seja h = (x - a)(x - a) com a = w - si Efectuando os cálculos facilmente se verifica que então h e R[X] \ {0}. Então e pelo teorema 4, existem q,reR[X] tais que p-hq+r com r=0 ou gr(r)<gr(h) sendo gr(h)=2. Suponhamos gr(r)<2; isto é, r=a}x+a0 com a , , , » ^ ^ . Por outro lado e como a é raiz de p tem-se p(a)=0. Portanto 0=p(a)=(hq+r)( a)=h(a)q(a)+r(a)=r(a). Isto é, r(a)=0 ou seja aj(a)+ao=0 ai(w+si)+ao=0 (ao+aiw)+aisi=0

Donde resulta (ao+aj\v)=0 e ajs=0 .Como s ï O resulta aj=0 e portanto a0=0. Mas então r=0 donde p=hq, com h E R[X] \ {6}, q £ R[X] e gr(h)=2. Como, por hipótese p é irredutível, tem-se que q é um polinómio constante não nulo, donde gr(h)=gr(p)+gr(q)=2+0=2

Seja p=ax +bx+c . Como sabemos este polinómio tem duas -b + Vè2 - Aac -b - 4b1 - Aac

raízes, al = e a2 = , que só são 2a 2a

reais se b2 - 4ac> O . Mas, se tais raízes fossem iguais, o polinómio p poderia ser escrito p = a(x-al)(x-a2) , com a constante, o que contraria a hipótese de pe R[X] ser um polinómio irredutível. Logo b2 -4ac<0.

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

Já vimos que, se gr(p)=l então p é irredutível. Suponha-se então p=ax2+bx+c com a # 0 e í ) 2 - Aac < 0. Logo p não é uma unidade. Sejam f.ge R[X] tais que p=fg; e gr(p)=2. Ou seja, gr(f)+gr(g)=2 . Portanto, ou gr(f)=2 e gr(g)=0 ou gr(f)=l e gr(g)=l ou gr(f)=0 e gr(g)=2. Mas, se fosse gr(f)=gr(g)=l e sendo p=fg, resultava que p tinha duas raízes reais o que contradiz o facto de b - \ac < 0. Concluímos então que P = fg^(gr(f) = 2Agr(g) = 0)v(gr(f) = 0Agr(g) = 2).

Ou seja, p = fg=*ge U(R[X)) V/G U(R[X]) . Resumindo, provámos que: Í)P£U(R[X]) ii) \/f,geR[x] p = / g = > / é um polinómio constante não

nulo ou g é um polinómio constante não nulo; c.q.d. *

POLINÓMIOS IRREDUTÍVEIS Q[X]

Vimos anteriormente como resolver o problema da determinação de polinómios irredutíveis em C[x] e em R[X] .Vejamos o que se passa em Q[X], Ora, até hoje, ninguém conhece uma resposta para a questão "Quais os polinómios irredutíveis em <2[X]?" O que se conhece são apenas condições suficientes. Assim, sendo fe Q[X] basta multiplicar o polinómio f por um inteiro suficientemente grande para que todos os coeficientes resultem inteiros. O polinómio assim encontrado tem exactamente as mesmas raízes que o polinómio dado. Ou seja, se conseguirmos factorizar o polinómio inicial com coeficientes em Q, também conseguimos factorizar o polinómio encontrado com coeficientes inteiros e queremos é saber se esta factorização é ou não irredutível sobre os racionais. Seja

Pi p = a0+ a^+.-.+a^" £ Q[X\ onde, para cada i=0,...,n ai = —'- com

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Revista Estudos do ISCAA

p, 6Z,q i e Z \ {0},m.d.c.(/?,,qx ) = 1 . Seja ainda t = m.m.c.(q0,---,q„)- Então tïO e podemos escrever/? tal que

p=l/t(tp) com tpe Z[x]. Ora p é irredutível em <2[-X"] se e só se tp também é irredutível em Z[x]. Para polinómios em Z[X] podemos enunciar:

Teorema 10 pe Z[Z]é irredutível em Q[X] se e só se p é irredutível em

Z[X]. Para a demonstração, ver "Lectures in abstract algebra I" de

Nathan Jacobson; 1975, Springer Verlag.

Deste teorema podemos concluir que a determinação de polinómios irredutíveis em Q[x] pode reduzir-se à determinação de polinómios irredutíveis em Z[X].

O teorema seguinte é um critério que permite, sob algumas condições, determinar polinómios irredutíveis em Z[X].

Teorema 11 (Critério de Eisenstein)5

Seja p-a0 + axx+...+anxn com a ^ O e n > 2 um polinómio de Z[X]. Se existe um número primo a e Z tal que:

i) aXan

ii) a\ãi com i=0,...,n-l iii) cfXao

então p é irredutível em Z[X].

Antes da demonstração vejamos alguns conceitos preparatórios do teorema enunciado.

O símbolo \ deve ler-se "divide". O símbolo X deve ler-se "não divide".

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

Definição 13 Seja D um domínio de integridade crés elementos de D. Diz-se

que r divide s (simbolicamente r\s) se existe ke. D tal que s=kr.

Definição 14 Seja D um domínio de integridade e r um elemento de D. Diz-se

que r é um elemento primo em D se e só se: i ) r í O e r€U{D) ii) Dados a ,beD, se r\ab então r\a ou r\b

Posto isto, passemos à demonstração do teorema anterior.

Demonstração (do critério de Eisenstein): Por absurdo, suponhamos que p não é irredutível em Z[X].

Então existem polinómios não constantes, / e g de Z[X] tais que p=fg. Suponhamos / = b0 + blx+...+brxr ,br ï 0,r> 1 e g = c0+ qjc-K..+csx5,cs * 0,5 > 1 e ainda, sem perda de generalidade que r>s . Observe-se que e como consequência do teorema 3, gr(p)=gr(f)+gr(g) o que implica n=r+s. Da própria construção, resulta

ax = V i + V o

as=b0cs+b1cs_l+...+bsc0

ar =b0cr + V r-i+---+Vo

a„ = brcs

Por hipótese ii) ocVzo isto é, a\boCo . Como a é primo, a\bo ou a\co . Podem então ocorrer três situações:

1) a\bo e cc\co 2) a\b0 e ocXc0

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3) aXbo e a\c0 Se ocorresse o primeiro caso, tínhamos b0 - ka e c0 -k'a

com k,k'eZ Logo a0 = b0cQ - kak'cc = kk'a2 Mas então a2\a0 o que contradiz a hipótese iii) . Não podendo ocorrer a situação 1 é porque se deve verificar a situação 2 ou a situação 3. Suponhamos que se verifica a situação 2. Então a\t>o e oc\ai e a1 = b0cx + bxc0 o que implica a\b]Co. Mas como otXc0 e a é primo, terá de se concluir que oc\bi . Analogamente cc\b0 e cc\t>i e cc\a2 e az - b0c2 + bxcx + b c0 o que implica oc\D2Co . Mas como aXco e a é primo, terá de se concluir que cc\b2. Continuando um raciocínio análogo, concluímos que a\bj com j=0,...,r. Por último e atendendo a que an = brcs e a\br conclui-se que oc\an , o que contradiz a hipótese 1.

Não podendo ocorrer nem 1 nem 2 é porque deve ocorrer 3. Suponha-se então que 3 se verifica. Então a\co e a\ai e a, = b0c] + 6,c0 o que implica cc\boCi. Mas como ocXbo e a é primo, terá de se concluir que a\ci. Mas então a\co e a\ci e a\a2 e a2 =b0c2 +blcl +b c0 o que implica a\boC2. Como ocXbo e a é primo, terá de se concluir que a\c2. Continuando um raciocínio análogo, concluímos que a\ck com k=0,...s. Por último e atendendo a que an =brcs e cc\cs, tem-se que oc\an o que é absurdo. O absurdo resultou de se ter suposto que p não era irredutível. Logo p é irredutível, c.q.d. * 6

Vejamos outro exemplo. Estude-se a irredutabilidade de x4+x3+x2+x+l sobre Q[X]. Será

que, mediante algum artifício poderemos aplicar o teorema de Eisenstein a este polinómio? Faça-se a substituição se x por x+1. f(x + 1) = (JC + l)4 + (x + l)3 + (x + l)2 + (JC + 1) + 1

O teorema 11 é apenas um critério e que nem sempre permite determinar polinómios irredutíveis de <2[-^J- Por exemplo, x2+3 não verifica as condições do teorema e contudo é irredutível sobre os racionais.

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Polinómios e Funções Polimoniais. Factorização no Anel dos Polinómios

f(x + 1) = x4 - 5JC3 + l(k2 +10* + 5 Podemos agora aplicar o teorema, com o primo 5 e concluir que

f(x+l) é irredutível. Mas então f(x) também é irredutível uma vez que,fazendo y=x+l concluímos ser f(y) irredutível.

Provemos um último teorema.

Teorema 12 Seja f um polinómio tal que f = a0+ a^x+..A-anx

n ,an ■*■ 0 . Se

- fôr uma raiz racional de/(com reZ e seZ\{0} eres primos entre s si), então r\xo e s\an.

Demonstração:

Se - é raiz de f(x) então f(-)=0 ; ou seja s s

a0 + ai(r/ s)+...+a„_,(r / s)"-1 +an(r/s)n=0 Desembaraçando de denominadores, vem sna0+als

n-1r+...+an_lrn-ls + anr

n = 0 elogo

r{alsn-x+...+an_lr

n-2s + anrn-x) = -aQsn

Mas então o primeiro membro da equação é múltiplo de r, pelo que também o segundo membro o é. Ou seja, r\a0s

n . Como, por hipótese, r e s são primos entre si e sn tem um número finito de divisores resulta que, ao fim de um número finito de tentativas, encontramos que r\ao .

De modo análogo, se tivéssemos dado à expressão s"a0 +als

n-lr+...+an_lrn'ls + anr

n = 0 a forma equivalente

s(a0s"-i+...+an_lrn-2s) = -anr

n

e efectuando um raciocínio análogo, concluiríamos que s\an , como pretendíamos. *

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Revista Estudos do ISCAA

Exemplo: Estude-se a irredutabilidade de x3-3x-l em Q. Comecemos então

f por construir todas as possíveis fracções do tipo - onde Aa0 e s\an .

s Ora, os únicos divisores inteiros de an e a0 são 1 e -1. As possíveis fracções são apenas 1/1 , -1/1 , 1/-1 , -1/-1 ; ou seja, o polinómio só pode ter duas raízes racionais, 1 e -1. Efectuando os cálculos, verificamos que / ( 1 ) * 0 e / ( - 1 ) * 0 , pelo que nem 1 nem -1 são raízes. Logo x -3x-l não tem raízes racionais pelo que é irredutível.

A laia de observação final, diga-se que nem sempre é tarefa fácil decidir se um dado polinómio é ou não irredutível, apesar de existirem certas regras gerais.

BIBLIOGRAFIA

GODEMENT, R. (1966) Cours d'Algèbre. Hermann, Paris. SANTOS, V., (1994) Apontamentos de Álgebra, Universidade de Aveiro. (1994).Apontamentos de Álgebra, Mestrado da Universidade de Coimbra

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SUGESTÕES PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS

1. Os originais podem ser acompanhados por uma nota biográfica que não exceda três linhas. 2. Os textos devem fazer-se acompanhar de um sumário elaborado de acordo com os tópicos do

artigo. 3. Os artigos não podem, em princípio, exceder 25 páginas, marginadas de acordo com os

parâmetros da Revista. As recensões não devem ultrapassar as cinco páginas. 4. Os originais serão acompanhados de registo em diskete, de acordo com as seguintes normas de

processamento de texto: 4.1. Sistema Operatitvo: MS/DOS - ambiente Windows. 4.2. Tipo de Letra:Times New Roman, com o seguinte tamanho: 14 no título, 13 nos capítulos, 12

nos subcapítulos, 10 nas subdivisões menores, tudo em small caps; 12 no texto e 10 nas notas. 4.3.Alinhamento do texto em centímetros: Top. 5,5; Bot. 6,75; Ins.5,5; Out. 3,5; Head. 1,25;

Foot.5,5; Parágr.1,0; espaço entre linhas 1,0 e com opção de páginas par e ímpar. 5. Bibliografia, referências bibliográficas, citações e notas. 5.1. A Bibliografia deve ser ordenada com base no apelido do autor: Amorim, Jaime Lopes. Se a

obra for colectiva, normalmente mais de três autores, refere-se pelo nome do 1.° autor e pelo vocábulo latino alii ( ou apenas al.). Ex: Amorim, Jaime Lopes et al. (ou e o.).

5.2. As referências bibliográficas devem seguir as orientações vulgarmente aceites: rigorosas, precisas e uniformes, respeitando o seu carácter específico.

As monografias devem inserir as seguintes informações: autor, (eventualmente o ano da 1.' ed.), título, volume, edição, local da edição, editor, colecção, ano da edição consultada.

Os artigos das publicações periódicas devem referir: autor, título do artigo, in (título da publicação), local da publicação, série, volume, n.°, data, com referência ao mês(es) e/ou elementos relacionados com a periodicidade - v.g. 1 ° trimestre, ano, págs (50-75) em que se encontra o artigo.

5.3. As referências bibliográficas coladas às 1." citações devem acrescentar aos campos enunciados em 5.2, a(s) página(s) - p. ou pp. - e, se for caso disso, como nos Dicionários e Jornais, etc. a(s) coluna(s). Ex. Godinho, Vitorino Magalhães, Complexo histórico-geográfico, in Joel Serrão, (Dir. de), Dicionário de História de Portugal, Vol. 1/A-D, Porto, Iniciativas Editoriais/Figueirinhas, p. 645, col. 2. As referências bibliográficas relativas às 2."s citações colhem a vantagem da sequência das notas: aparecem abreviadas recorrendo aos vocábulos latinos idem (autor), ibidem (obra) e, às vezes, passim (em vez de uma indicação precisa da página). A redução dos campos bibliográficos acontece igualmente quando as referências têm por suporte a bibliografia geral. Ex: Amorim, Jaime Lopes A (ou B); ou simplesmente o ano de publicação: Amorim, 1929, p. 20.

5.4. Localização das referências bibliográficas. 5.4.1. As referências bibliográficas podem aparecer em nota de rodapé, na totalidade ou

articuladas com a bibliografia geral. 5.4.2. Podem igualmente surgir, em alguns casos restritos, no interior do texto, logo a seguir à

citação, seguindo o modelo mais sintético de referência: Amorim, 1947 D, p. 20. 5.4.3. As notas podem também aparecer no final do texto, devendo esta opção prevalecer sempre

que o artigo exige longas notas informativas ou explicativas, que, em rodapé, tornam demasiado pesado o seu desenvolvimento.

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2.2. Os colaboradores naturais da Revista Estudos do I.S.C.A.A. são os Docentes da Escola e seus diplomados, cujas páginas se podem constituir em espaço privilegiado de divulgação dos seus trabalhos académicos, após adaptação ao seu modelo editorial.

2.3. Não sendo uma revista para consagrados, acolherá, com gosto, trabalhos de personalidades com prestígio no mundo da contabilidade e vizinhos domínios científicos - podendo mesmo solicitar a sua colaboração.

2.4. Toda a colaboração não solicitada deverá ser acompanhada de uma síntese do curriculum vitae.

2.5. A colaboração dá direito a seis exemplares da Revista Estudos do I.S.C.A.A., podendo o autor solicitar algumas separatas, sem qualquer encargo adicional para a Revista, cujo número não poderá ultrapassar 10% da edição.

3. Responsabilidade dos artigos

3.1. Os textos publicados são da total responsabilidade dos seus autores.

3.2. A Revista não se responsabiliza pela devolução do material enviado para publicação.

4. Reprodução dos artigos

4.1. A reprodução integral ou parcial dos textos publicados fica dependente de autorização da Revista, sendo sempre exigida a indicação da origem.

4.2. Esta limitação não abrange a pequena citação indispensável ao comentário crítico.

4.3. Os autores dos trabalhos não abdicam do natural direito de propriedade em relação aos mesmos, mas a sua publicação pela Revista dispensa esta de lhes solicitar autorização para satisafazer os pedidos abrangidos pelo n°. 4.1. deste Estatuto.

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