etica toda
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IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
312 A dimensatildeo pessoal e social da eacutetica ndash o si mesmo o outro e as instituiccedilotildees
1048708 A responsabilidade eacute a capacidade de responder e prestar contas pelos atos
praticados A responsabilidade tem duas vertentes a responsabilidade civil prestar
contas pelas consequecircncias perante terceiros e a responsabilidade moral prestar conta
perante a nossa consciecircncia pelos atos e intenccedilotildees dos mesmos
1048708 A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados assumir esta
autoria implica uma reflexatildeo preacutevia que pode e deve conduzir a uma opccedilatildeo livre de
constrangimentos isto eacute autoacutenoma esta autonomia ou liberdade eacute condiccedilatildeo para se ser
pessoa A responsabilidade implica maturidade moral
1048708 A existecircncia humana eacute uma existecircncia partilhada isto eacute vivida em coexistecircncia com
os outros ou dito de outro modo o ser humano eacute um ser eminentemente social Como
nos diz F Savater laquoningueacutem chega a tornar-se humano se estaacute soacute tornamo-nos
humanos uns aos outrosraquo
1048708 Os Gregos foram os primeiros a salientar a importacircncia desta dimensatildeo social e
politica do ser humano como eacute viacutesivel na definiccedilatildeo apresentada por Aristoacuteteles ao
afirmar laquoo Homem eacute um animal poliacutetico aquele que vive soacute ou eacute um deus ou um
loucoraquo sendo por isso que a pena mais cruel infligida a um indiviacuteduo era a condenaccedilatildeo
ao ostracismo isto eacute a condenaccedilatildeo a viver isolado dos outros
1048708 Sendo assim a dimensatildeo eacutetica implica que natildeo se considerem exclusivamente os
interesses individuais e se avaliem as situaccedilotildees tendo em conta tambeacutem os interesses
dos outros
1048708 A relaccedilatildeo eu-outro implica portanto que os nossos juiacutezos avaliativos adotem um
ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que satildeo afetados
pelas nossas accedilotildees isto eacute implica que nos coloquemos numa perspetiva de
universalidade do agir A accedilatildeo eacutetica exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista
pessoal e nos coloquemos na medida do possiacutevel no lugar do outro (entendendo-se por
outro todos os seres com quem nos relacionamos) Em vez do egoiacutesmo a Eacutetica valoriza
o altruiacutesmo e a solidariedade Em vez do benefiacutecio pessoal a Eacutetica promove elogia e
estimula a consideraccedilatildeo de valores comuns aos membros duma comunidade
1048708 Valorizando os comportamentos comuns a Eacutetica procura assim promover a
realizaccedilatildeo da vida social em que a existecircncia individual ganha sentido na vivecircncia
partilhada com os outros
1048708 A relaccedilatildeo com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstruccedilatildeo
evidenciando que a realizaccedilatildeo de cada um supotildee tambeacutem a realizaccedilatildeo dos outros numa
convergecircncia de vontades particulares tendo em vista a realizaccedilatildeo de fins comuns Mas
o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se
conseguem compatibilizar e por isso as diferentes formas de relacionamento social
expressas quer em competiccedilatildeosolidariedade que em cooperaccedilatildeohostilidade exigem o
estabelecimento de regras de conduta de normas e leis que definam os direitos e
deveres de cada um num espaccedilo de convivecircncia
1048708 Esta convivecircncia com os outros natildeo deve ser determinada por uma forccedila instintiva ou
bioloacutegica antes se estabelece no interior duma comunidade em funccedilatildeo de objetivos
valores e opccedilotildees livremente definidos por cada sociedade Eacute esta convergecircncia de ideais
que procura dar sentido agrave existecircncia da sociedade e de cada indiviacuteduo
1048708 Nesta interaccedilatildeo social forma-se em cada um de noacutes uma instacircncia interior de
orientaccedilatildeo e de critica do nosso agir a que chamamos consciecircncia moral
1048708 Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciecircncia moral
costumamos comparaacute-la a uma espeacutecie de laquojuiz interiorraquo que julga o que fazemos
provocando-nos em certas situaccedilotildees aquilo a que chamamos remorsos por termos
praticado uma accedilatildeo considerada maacute (ter a consciecircncia pesada ou ter um peso na
consciecircncia) ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos
bem (estar de consciecircncia tranquila)
1048708 O conceito de consciecircncia moral inclui entatildeo
Um sentido apelativo para valores e normas ideais a que natildeo devemos renunciar
(uma laquobuacutessolaraquo orientadora do sentido da accedilatildeo)
Um sentido imperativo (obrigaccedilatildeo) que nos ordena uma accedilatildeo compatiacutevel com os
valores que defendemos (index)
Um sentido judicativo pois assume-se como instacircncia julgadora dos nossos atos e
das proacuteprias intenccedilotildees do agente conforme estatildeo ou natildeo de acordo com os valores e
ideais a que aderimos (judex)
Um sentido de censura e de remorso ou de elogio e satisfaccedilatildeo conforme a nossa
vivecircncia obedece ou natildeo aos ideais e valores assumidos (vindex)
1048708 Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos
a consciecircncia moral constitui-se na conjugaccedilatildeo de duas orientaccedilotildees
CONSCIEcircNCIA MORAL
Por um lado cresce agrave medida que o
indiviacuteduo interioriza as regras e padrotildees
do grupo (heteronomia)
Por outro amadurece e assume-se
como uma dimensatildeo pessoal no sentido
em que cada um se autodetermina por
princiacutepios racionalmente justificados
(autonomia)
1048708 Haacute pois uma interaccedilatildeo entre as estruturas do indiviacuteduo e as influencias do meio
social uma articulaccedilatildeo do querer individual com os padrotildees sociais que conduz agrave
transformaccedilatildeo do indiviacuteduo em pessoa
Noccedilatildeo de pessoa
1048708 Por pessoa entende-se o individuo humano que
Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigaccedilotildees para consigo mesmo
para com os outros e para com as instituiccedilotildees
Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social
Assume o caraacuteter racional da sua autonomia e portanto a capacidade de agir livre e
responsavelmente isto eacute em nome proacuteprio
Tem consciecircncia do caraacuteter inter-relacional da sua autonomia uma vez que
autonomia natildeo significa autossuficiecircncia nem indiferenccedila pelos outros
Assume a dignidade como atributo essencial do Homem dignidade que se expressa
numa exigecircncia perante si mesmo perante os outros e perante as instituiccedilotildees
1048708 Podemos dizer entatildeo que ser pessoa exige viver em sociedade reconhecer e respeitar
princiacutepios universais de relaccedilatildeo com os outros reconhecer-se como sujeito de direitos e
deveres estar aberto aos outros
Neste sentido foram fundadas ao longo dos tempos instituiccedilotildees poliacuteticas e sociais que
visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e
que demonstram a aceitaccedilatildeo pelas sociedades da personalidade humana
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Responsabilidade deriva etimologicamente da palavra latina laquorespondereraquo que
significa responder pelos atos e ter a obrigaccedilatildeo de prestar contas pelos atos praticados
A responsabilidade pode assumir diferentes formas responsabilidade civil ndash referindo-
se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social responsabilidade
moral ndash referindo-se agrave obrigaccedilatildeo de responder perante a nossa proacutepria consciecircncia
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas
Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)
1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo
inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer
Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em
primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser
uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo
1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as
consequecircncias das nossas accedilotildees
1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns
predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar
Uma resposta agraves objeccedilotildees
O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas
O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees
Por isso o utilitarismo natildeo implica que
1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos
atos
2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer
O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas
consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem
O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que
de uma maneira geral seratildeo boas
Dois niacuteveis de pensamento moral
1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas
decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves
inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista
1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees
em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios
Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis
Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva
Integridade
A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em
conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos
projetos e compromissos pessoais
Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim
do bem geral
Dois egoiacutesmos
1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
Somos todos egoiacutestas
Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico
1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por
isso somos todos egoiacutestas
2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos
egoiacutestas
Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo
1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas
1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo
Devemos ser egoiacutestas
Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico
1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na
atividade de aconselhar e julgar
1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente
1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma
egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta
Utilitarismo
J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas
na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidaderaquo
1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista
1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir
bons resultados
1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio
1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderatildeo ser afetados pela sua conduta
1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a
maior utilidade esperada
1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas
vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se
verificarem
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa
1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor
1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela
duraccedilatildeo e intensidade
1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua
natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade
idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores
O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo
1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente apraziacutevel
1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina
de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real
Logo o hedonismo eacute falso
Satisfaccedilatildeo de preferecircncias
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo
1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias
Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar
Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias
daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta
O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias
1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva
1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria
inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o
utilitarismo de preferecircncias eacute falso
Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia
As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a
Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre
esteacutetica)
Teorias deontoloacutegicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees
1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
1048708 A relaccedilatildeo eu-outro implica portanto que os nossos juiacutezos avaliativos adotem um
ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que satildeo afetados
pelas nossas accedilotildees isto eacute implica que nos coloquemos numa perspetiva de
universalidade do agir A accedilatildeo eacutetica exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista
pessoal e nos coloquemos na medida do possiacutevel no lugar do outro (entendendo-se por
outro todos os seres com quem nos relacionamos) Em vez do egoiacutesmo a Eacutetica valoriza
o altruiacutesmo e a solidariedade Em vez do benefiacutecio pessoal a Eacutetica promove elogia e
estimula a consideraccedilatildeo de valores comuns aos membros duma comunidade
1048708 Valorizando os comportamentos comuns a Eacutetica procura assim promover a
realizaccedilatildeo da vida social em que a existecircncia individual ganha sentido na vivecircncia
partilhada com os outros
1048708 A relaccedilatildeo com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstruccedilatildeo
evidenciando que a realizaccedilatildeo de cada um supotildee tambeacutem a realizaccedilatildeo dos outros numa
convergecircncia de vontades particulares tendo em vista a realizaccedilatildeo de fins comuns Mas
o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se
conseguem compatibilizar e por isso as diferentes formas de relacionamento social
expressas quer em competiccedilatildeosolidariedade que em cooperaccedilatildeohostilidade exigem o
estabelecimento de regras de conduta de normas e leis que definam os direitos e
deveres de cada um num espaccedilo de convivecircncia
1048708 Esta convivecircncia com os outros natildeo deve ser determinada por uma forccedila instintiva ou
bioloacutegica antes se estabelece no interior duma comunidade em funccedilatildeo de objetivos
valores e opccedilotildees livremente definidos por cada sociedade Eacute esta convergecircncia de ideais
que procura dar sentido agrave existecircncia da sociedade e de cada indiviacuteduo
1048708 Nesta interaccedilatildeo social forma-se em cada um de noacutes uma instacircncia interior de
orientaccedilatildeo e de critica do nosso agir a que chamamos consciecircncia moral
1048708 Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciecircncia moral
costumamos comparaacute-la a uma espeacutecie de laquojuiz interiorraquo que julga o que fazemos
provocando-nos em certas situaccedilotildees aquilo a que chamamos remorsos por termos
praticado uma accedilatildeo considerada maacute (ter a consciecircncia pesada ou ter um peso na
consciecircncia) ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos
bem (estar de consciecircncia tranquila)
1048708 O conceito de consciecircncia moral inclui entatildeo
Um sentido apelativo para valores e normas ideais a que natildeo devemos renunciar
(uma laquobuacutessolaraquo orientadora do sentido da accedilatildeo)
Um sentido imperativo (obrigaccedilatildeo) que nos ordena uma accedilatildeo compatiacutevel com os
valores que defendemos (index)
Um sentido judicativo pois assume-se como instacircncia julgadora dos nossos atos e
das proacuteprias intenccedilotildees do agente conforme estatildeo ou natildeo de acordo com os valores e
ideais a que aderimos (judex)
Um sentido de censura e de remorso ou de elogio e satisfaccedilatildeo conforme a nossa
vivecircncia obedece ou natildeo aos ideais e valores assumidos (vindex)
1048708 Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos
a consciecircncia moral constitui-se na conjugaccedilatildeo de duas orientaccedilotildees
CONSCIEcircNCIA MORAL
Por um lado cresce agrave medida que o
indiviacuteduo interioriza as regras e padrotildees
do grupo (heteronomia)
Por outro amadurece e assume-se
como uma dimensatildeo pessoal no sentido
em que cada um se autodetermina por
princiacutepios racionalmente justificados
(autonomia)
1048708 Haacute pois uma interaccedilatildeo entre as estruturas do indiviacuteduo e as influencias do meio
social uma articulaccedilatildeo do querer individual com os padrotildees sociais que conduz agrave
transformaccedilatildeo do indiviacuteduo em pessoa
Noccedilatildeo de pessoa
1048708 Por pessoa entende-se o individuo humano que
Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigaccedilotildees para consigo mesmo
para com os outros e para com as instituiccedilotildees
Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social
Assume o caraacuteter racional da sua autonomia e portanto a capacidade de agir livre e
responsavelmente isto eacute em nome proacuteprio
Tem consciecircncia do caraacuteter inter-relacional da sua autonomia uma vez que
autonomia natildeo significa autossuficiecircncia nem indiferenccedila pelos outros
Assume a dignidade como atributo essencial do Homem dignidade que se expressa
numa exigecircncia perante si mesmo perante os outros e perante as instituiccedilotildees
1048708 Podemos dizer entatildeo que ser pessoa exige viver em sociedade reconhecer e respeitar
princiacutepios universais de relaccedilatildeo com os outros reconhecer-se como sujeito de direitos e
deveres estar aberto aos outros
Neste sentido foram fundadas ao longo dos tempos instituiccedilotildees poliacuteticas e sociais que
visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e
que demonstram a aceitaccedilatildeo pelas sociedades da personalidade humana
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Responsabilidade deriva etimologicamente da palavra latina laquorespondereraquo que
significa responder pelos atos e ter a obrigaccedilatildeo de prestar contas pelos atos praticados
A responsabilidade pode assumir diferentes formas responsabilidade civil ndash referindo-
se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social responsabilidade
moral ndash referindo-se agrave obrigaccedilatildeo de responder perante a nossa proacutepria consciecircncia
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas
Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)
1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo
inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer
Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em
primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser
uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo
1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as
consequecircncias das nossas accedilotildees
1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns
predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar
Uma resposta agraves objeccedilotildees
O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas
O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees
Por isso o utilitarismo natildeo implica que
1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos
atos
2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer
O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas
consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem
O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que
de uma maneira geral seratildeo boas
Dois niacuteveis de pensamento moral
1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas
decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves
inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista
1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees
em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios
Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis
Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva
Integridade
A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em
conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos
projetos e compromissos pessoais
Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim
do bem geral
Dois egoiacutesmos
1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
Somos todos egoiacutestas
Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico
1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por
isso somos todos egoiacutestas
2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos
egoiacutestas
Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo
1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas
1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo
Devemos ser egoiacutestas
Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico
1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na
atividade de aconselhar e julgar
1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente
1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma
egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta
Utilitarismo
J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas
na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidaderaquo
1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista
1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir
bons resultados
1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio
1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderatildeo ser afetados pela sua conduta
1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a
maior utilidade esperada
1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas
vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se
verificarem
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa
1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor
1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela
duraccedilatildeo e intensidade
1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua
natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade
idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores
O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo
1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente apraziacutevel
1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina
de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real
Logo o hedonismo eacute falso
Satisfaccedilatildeo de preferecircncias
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo
1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias
Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar
Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias
daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta
O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias
1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva
1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria
inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o
utilitarismo de preferecircncias eacute falso
Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia
As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a
Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre
esteacutetica)
Teorias deontoloacutegicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees
1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
1048708 Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciecircncia moral
costumamos comparaacute-la a uma espeacutecie de laquojuiz interiorraquo que julga o que fazemos
provocando-nos em certas situaccedilotildees aquilo a que chamamos remorsos por termos
praticado uma accedilatildeo considerada maacute (ter a consciecircncia pesada ou ter um peso na
consciecircncia) ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos
bem (estar de consciecircncia tranquila)
1048708 O conceito de consciecircncia moral inclui entatildeo
Um sentido apelativo para valores e normas ideais a que natildeo devemos renunciar
(uma laquobuacutessolaraquo orientadora do sentido da accedilatildeo)
Um sentido imperativo (obrigaccedilatildeo) que nos ordena uma accedilatildeo compatiacutevel com os
valores que defendemos (index)
Um sentido judicativo pois assume-se como instacircncia julgadora dos nossos atos e
das proacuteprias intenccedilotildees do agente conforme estatildeo ou natildeo de acordo com os valores e
ideais a que aderimos (judex)
Um sentido de censura e de remorso ou de elogio e satisfaccedilatildeo conforme a nossa
vivecircncia obedece ou natildeo aos ideais e valores assumidos (vindex)
1048708 Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos
a consciecircncia moral constitui-se na conjugaccedilatildeo de duas orientaccedilotildees
CONSCIEcircNCIA MORAL
Por um lado cresce agrave medida que o
indiviacuteduo interioriza as regras e padrotildees
do grupo (heteronomia)
Por outro amadurece e assume-se
como uma dimensatildeo pessoal no sentido
em que cada um se autodetermina por
princiacutepios racionalmente justificados
(autonomia)
1048708 Haacute pois uma interaccedilatildeo entre as estruturas do indiviacuteduo e as influencias do meio
social uma articulaccedilatildeo do querer individual com os padrotildees sociais que conduz agrave
transformaccedilatildeo do indiviacuteduo em pessoa
Noccedilatildeo de pessoa
1048708 Por pessoa entende-se o individuo humano que
Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigaccedilotildees para consigo mesmo
para com os outros e para com as instituiccedilotildees
Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social
Assume o caraacuteter racional da sua autonomia e portanto a capacidade de agir livre e
responsavelmente isto eacute em nome proacuteprio
Tem consciecircncia do caraacuteter inter-relacional da sua autonomia uma vez que
autonomia natildeo significa autossuficiecircncia nem indiferenccedila pelos outros
Assume a dignidade como atributo essencial do Homem dignidade que se expressa
numa exigecircncia perante si mesmo perante os outros e perante as instituiccedilotildees
1048708 Podemos dizer entatildeo que ser pessoa exige viver em sociedade reconhecer e respeitar
princiacutepios universais de relaccedilatildeo com os outros reconhecer-se como sujeito de direitos e
deveres estar aberto aos outros
Neste sentido foram fundadas ao longo dos tempos instituiccedilotildees poliacuteticas e sociais que
visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e
que demonstram a aceitaccedilatildeo pelas sociedades da personalidade humana
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Responsabilidade deriva etimologicamente da palavra latina laquorespondereraquo que
significa responder pelos atos e ter a obrigaccedilatildeo de prestar contas pelos atos praticados
A responsabilidade pode assumir diferentes formas responsabilidade civil ndash referindo-
se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social responsabilidade
moral ndash referindo-se agrave obrigaccedilatildeo de responder perante a nossa proacutepria consciecircncia
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas
Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)
1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo
inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer
Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em
primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser
uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo
1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as
consequecircncias das nossas accedilotildees
1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns
predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar
Uma resposta agraves objeccedilotildees
O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas
O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees
Por isso o utilitarismo natildeo implica que
1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos
atos
2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer
O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas
consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem
O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que
de uma maneira geral seratildeo boas
Dois niacuteveis de pensamento moral
1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas
decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves
inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista
1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees
em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios
Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis
Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva
Integridade
A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em
conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos
projetos e compromissos pessoais
Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim
do bem geral
Dois egoiacutesmos
1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
Somos todos egoiacutestas
Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico
1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por
isso somos todos egoiacutestas
2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos
egoiacutestas
Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo
1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas
1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo
Devemos ser egoiacutestas
Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico
1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na
atividade de aconselhar e julgar
1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente
1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma
egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta
Utilitarismo
J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas
na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidaderaquo
1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista
1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir
bons resultados
1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio
1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderatildeo ser afetados pela sua conduta
1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a
maior utilidade esperada
1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas
vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se
verificarem
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa
1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor
1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela
duraccedilatildeo e intensidade
1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua
natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade
idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores
O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo
1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente apraziacutevel
1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina
de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real
Logo o hedonismo eacute falso
Satisfaccedilatildeo de preferecircncias
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo
1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias
Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar
Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias
daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta
O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias
1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva
1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria
inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o
utilitarismo de preferecircncias eacute falso
Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia
As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a
Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre
esteacutetica)
Teorias deontoloacutegicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees
1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
1048708 Haacute pois uma interaccedilatildeo entre as estruturas do indiviacuteduo e as influencias do meio
social uma articulaccedilatildeo do querer individual com os padrotildees sociais que conduz agrave
transformaccedilatildeo do indiviacuteduo em pessoa
Noccedilatildeo de pessoa
1048708 Por pessoa entende-se o individuo humano que
Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigaccedilotildees para consigo mesmo
para com os outros e para com as instituiccedilotildees
Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social
Assume o caraacuteter racional da sua autonomia e portanto a capacidade de agir livre e
responsavelmente isto eacute em nome proacuteprio
Tem consciecircncia do caraacuteter inter-relacional da sua autonomia uma vez que
autonomia natildeo significa autossuficiecircncia nem indiferenccedila pelos outros
Assume a dignidade como atributo essencial do Homem dignidade que se expressa
numa exigecircncia perante si mesmo perante os outros e perante as instituiccedilotildees
1048708 Podemos dizer entatildeo que ser pessoa exige viver em sociedade reconhecer e respeitar
princiacutepios universais de relaccedilatildeo com os outros reconhecer-se como sujeito de direitos e
deveres estar aberto aos outros
Neste sentido foram fundadas ao longo dos tempos instituiccedilotildees poliacuteticas e sociais que
visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e
que demonstram a aceitaccedilatildeo pelas sociedades da personalidade humana
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Responsabilidade deriva etimologicamente da palavra latina laquorespondereraquo que
significa responder pelos atos e ter a obrigaccedilatildeo de prestar contas pelos atos praticados
A responsabilidade pode assumir diferentes formas responsabilidade civil ndash referindo-
se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social responsabilidade
moral ndash referindo-se agrave obrigaccedilatildeo de responder perante a nossa proacutepria consciecircncia
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas
Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)
1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo
inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer
Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em
primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser
uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo
1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as
consequecircncias das nossas accedilotildees
1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns
predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar
Uma resposta agraves objeccedilotildees
O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas
O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees
Por isso o utilitarismo natildeo implica que
1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos
atos
2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer
O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas
consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem
O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que
de uma maneira geral seratildeo boas
Dois niacuteveis de pensamento moral
1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas
decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves
inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista
1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees
em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios
Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis
Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva
Integridade
A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em
conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos
projetos e compromissos pessoais
Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim
do bem geral
Dois egoiacutesmos
1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
Somos todos egoiacutestas
Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico
1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por
isso somos todos egoiacutestas
2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos
egoiacutestas
Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo
1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas
1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo
Devemos ser egoiacutestas
Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico
1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na
atividade de aconselhar e julgar
1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente
1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma
egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta
Utilitarismo
J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas
na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidaderaquo
1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista
1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir
bons resultados
1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio
1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderatildeo ser afetados pela sua conduta
1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a
maior utilidade esperada
1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas
vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se
verificarem
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa
1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor
1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela
duraccedilatildeo e intensidade
1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua
natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade
idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores
O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo
1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente apraziacutevel
1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina
de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real
Logo o hedonismo eacute falso
Satisfaccedilatildeo de preferecircncias
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo
1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias
Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar
Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias
daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta
O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias
1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva
1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria
inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o
utilitarismo de preferecircncias eacute falso
Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia
As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a
Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre
esteacutetica)
Teorias deontoloacutegicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees
1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
313 A necessidade de fundamentaccedilatildeo da moral ndash anaacutelise comparativa de duas perspetivas filosoacuteficas
Eacutetica utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 dC)
1048708 Filoacutesofo e economista considerado o mais importante representante do utilitarismo
inglecircs Embora mantenha a identificaccedilatildeo base do utilitarismo da felicidade com prazer
Stuart Mill classifica os prazeres segundo um criteacuterio qualitativo considerando em
primeiro lugar a dignidade do Homem e defende que o fim das nossas accedilotildees deve ser
uma utilidade altruiacutesta e natildeo meramente egoiacutesta
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo
1048708 O utilitarismo natildeo funciona na praacutetica pois exige que estejamos sempre a calcular as
consequecircncias das nossas accedilotildees
1048708 O utilitarismo como natildeo leva em conta as normas ou regras morais comuns
predispotildee-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir roubar ou matar
Uma resposta agraves objeccedilotildees
O utilitarismo eacute primariamente uma teoria sobre o que torna as accedilotildees certas ou erradas
O utilitarismo natildeo eacute uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisotildees
Por isso o utilitarismo natildeo implica que
1 Temos de tomar todas as decisotildees calculando as consequecircncias provaacuteveis dos nossos
atos
2 Temos de ser indiferentes agraves normas morais comuns quando decidimos o que fazer
O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas
consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem
O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que
de uma maneira geral seratildeo boas
Dois niacuteveis de pensamento moral
1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas
decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves
inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista
1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees
em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios
Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis
Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva
Integridade
A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em
conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos
projetos e compromissos pessoais
Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim
do bem geral
Dois egoiacutesmos
1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
Somos todos egoiacutestas
Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico
1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por
isso somos todos egoiacutestas
2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos
egoiacutestas
Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo
1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas
1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo
Devemos ser egoiacutestas
Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico
1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na
atividade de aconselhar e julgar
1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente
1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma
egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta
Utilitarismo
J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas
na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidaderaquo
1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista
1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir
bons resultados
1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio
1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderatildeo ser afetados pela sua conduta
1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a
maior utilidade esperada
1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas
vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se
verificarem
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa
1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor
1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela
duraccedilatildeo e intensidade
1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua
natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade
idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores
O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo
1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente apraziacutevel
1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina
de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real
Logo o hedonismo eacute falso
Satisfaccedilatildeo de preferecircncias
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo
1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias
Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar
Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias
daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta
O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias
1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva
1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria
inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o
utilitarismo de preferecircncias eacute falso
Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia
As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a
Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre
esteacutetica)
Teorias deontoloacutegicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees
1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
O utilitarista diraacute que se tomaacutessemos todas as decisotildees calculando as suas
consequecircncias acabariacuteamos por natildeo promover o bem
O utilitarista diraacute que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisotildees que
de uma maneira geral seratildeo boas
Dois niacuteveis de pensamento moral
1048708 Niacutevel intuitivo Como o nosso conhecimento eacute muito limitado tomamos as nossas
decisotildees quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos obedecendo agraves
inclinaccedilotildees do nosso caraacuteter sem aplicar o princiacutepio utilitarista
1048708 Niacutevel criacutetico Aplicamos o princiacutepio utilitarista para (1) tomar decisotildees em situaccedilotildees
em que as regras morais comuns natildeo nos permitem saber o que fazer (2) avaliar
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou natildeo o bem-estar
Duas objeccedilotildees ao utilitarismo que natildeo afetam as teorias deontoloacutegicas
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que natildeo satildeo moralmente obrigatoacuterios
Eacute por isso em certos aspetos uma teoria moral demasiado exigente
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que natildeo satildeo moralmente permissiacuteveis
Eacute por isso noutros aspetos uma teoria moral demasiado permissiva
Integridade
A excessiva exigecircncia do utilitarismo ameaccedila a nossa integridade pessoal para agir em
conformidade com o utilitarismo teriacuteamos que abdicar de quase todos os nossos
projetos e compromissos pessoais
Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviccedilo do fim
do bem geral
Dois egoiacutesmos
1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
Somos todos egoiacutestas
Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico
1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por
isso somos todos egoiacutestas
2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos
egoiacutestas
Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo
1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas
1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo
Devemos ser egoiacutestas
Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico
1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na
atividade de aconselhar e julgar
1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente
1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma
egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta
Utilitarismo
J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas
na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidaderaquo
1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista
1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir
bons resultados
1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio
1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderatildeo ser afetados pela sua conduta
1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a
maior utilidade esperada
1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas
vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se
verificarem
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa
1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor
1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela
duraccedilatildeo e intensidade
1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua
natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade
idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores
O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo
1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente apraziacutevel
1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina
de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real
Logo o hedonismo eacute falso
Satisfaccedilatildeo de preferecircncias
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo
1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias
Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar
Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias
daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta
O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias
1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva
1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria
inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o
utilitarismo de preferecircncias eacute falso
Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia
As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a
Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre
esteacutetica)
Teorias deontoloacutegicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees
1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
Dois egoiacutesmos
1048708 Egoiacutesmo psicoloacutegico As pessoas agem sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
1048708 Egoiacutesmo eacutetico As pessoas devem agir sempre apenas em funccedilatildeo do seu interesse
pessoal
Somos todos egoiacutestas
Dois argumentos a favor do egoiacutesmo psicoloacutegico
1 Quando agimos voluntariamente fazemos sempre aquilo que mais desejamos Por
isso somos todos egoiacutestas
2 Sempre que fazemos bem aos outros isso daacute-nos prazer Por isso soacute fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer Ora isso eacute o mesmo que dizer que somos todos
egoiacutestas
Em ambos os argumentos a premissa natildeo sustenta a conclusatildeo
1048708 Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntaacuterios as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam daiacute natildeo se segue que todos esses atos sejam egoiacutestas
1048708 Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros isso natildeo quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da accedilatildeo
Devemos ser egoiacutestas
Trecircs objeccedilotildees ao egoiacutesmo eacutetico
1048708 O egoiacutesmo eacutetico tira todo o sentido a uma parte importante da eacutetica que consiste na
atividade de aconselhar e julgar
1048708 O egoiacutesmo eacutetico eacute moralmente inconsistente natildeo pode ser adotado universalmente
1048708 O egoiacutesmo eacutetico derrota-se a si proacuteprio se uma pessoa optar por agir de forma
egoiacutesta teraacute uma vida pior do que teria se natildeo fosse egoiacutesta
Utilitarismo
J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas
na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidaderaquo
1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista
1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir
bons resultados
1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio
1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderatildeo ser afetados pela sua conduta
1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a
maior utilidade esperada
1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas
vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se
verificarem
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa
1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor
1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela
duraccedilatildeo e intensidade
1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua
natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade
idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores
O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo
1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente apraziacutevel
1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina
de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real
Logo o hedonismo eacute falso
Satisfaccedilatildeo de preferecircncias
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo
1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias
Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar
Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias
daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta
O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias
1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva
1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria
inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o
utilitarismo de preferecircncias eacute falso
Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia
As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a
Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre
esteacutetica)
Teorias deontoloacutegicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees
1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
Utilitarismo
J S Mill defendeu o princiacutepio utilitarista da maior felicidade laquoAs accedilotildees estatildeo certas
na medida em que tendem a promover a felicidade erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidaderaquo
1048708 O utilitarismo tal como o egoiacutesmo eacutetico eacute uma perspetiva consequencialista
1048708 Segundo o consequencialismo agir moralmente eacute apenas uma questatildeo de produzir
bons resultados
1048708 O egoiacutesta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si proacuteprio
1048708 O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderatildeo ser afetados pela sua conduta
1048708 Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de accedilatildeo eacute aquele que apresentada a
maior utilidade esperada
1048708 Para determinar a utilidade esperada de um curso de accedilatildeo temos de pensar nas suas
vaacuterias consequecircncias possiacuteveis e na probabilidade de essas consequecircncias se
verificarem
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa
1048708 Hedonismo O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausecircncia de dor
1048708 Hedonismo quantitativo de Bentham Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor que em uacuteltima anaacutelise eacute determinado apenas pela
duraccedilatildeo e intensidade
1048708 Hedonismo quantitativo de Mill Alguns tipos de prazeres satildeo em virtude da sua
natureza intrinsecamente superiores a outros Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferecircncia aos prazeres superiores recusando-nos a trocaacute-los por uma quantidade
idecircntica ou mesmo maior de prazeres inferiores
O argumento da maacutequina de experiecircncias contra o hedonismo
1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente apraziacutevel
1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina
de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real
Logo o hedonismo eacute falso
Satisfaccedilatildeo de preferecircncias
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo
1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias
Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar
Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias
daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta
O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias
1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva
1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria
inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o
utilitarismo de preferecircncias eacute falso
Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia
As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a
Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre
esteacutetica)
Teorias deontoloacutegicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees
1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
1048708 A maacutequina de experiecircncias eacute um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente apraziacutevel
1048708 Se o hedonismo eacute verdadeiro entatildeo seria melhor ligarmo-nos para sempre agrave maacutequina
de experiecircncias Mas eacute melhor natildeo nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real
Logo o hedonismo eacute falso
Satisfaccedilatildeo de preferecircncias
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo
1048708 O bem-estar consiste unicamente na satisfaccedilatildeo dos desejos ou preferecircncias
Os utilitaristas de preferecircncias defendem esta teoria do bem-estar
Sustentam que a melhor maneira de agir eacute maximizar a satisfaccedilatildeo das preferecircncias
daqueles que poderatildeo ser afetados pela nossa conduta
O argumento da maioria fanaacutetica contra o utilitarismo de preferecircncias
1048708 Uma maioria fanaacutetica deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva
1048708 Se o utilitarismo de preferecircncias eacute verdadeiro seria bom exterminar a minoria
inofensiva Mas eacute profundamente errado exterminar minorias inofensivas Logo o
utilitarismo de preferecircncias eacute falso
Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Ceacutelebre filoacutesofo alematildeo um dos mais importantes filoacutesofos da eacutepoca moderna europeia
As mais notaacuteveis das suas obras satildeo a Criacutetica da Razatildeo Pura (sobre gnoseologia) a
Criacutetica da Razatildeo Praacutetica (sobre eacutetica) e a Criacutetica da Faculdade de Julgar (sobre
esteacutetica)
Teorias deontoloacutegicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontoloacutegicas colocando duas questotildees
1 O que torna as nossas accedilotildees certas ou erradas
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
2 Quando eacute que nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas
No que diz respeito agrave primeira questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Apenas as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
As nossas accedilotildees satildeo certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar
1048708 Deontologia Nem soacute as consequecircncias das nossas accedilotildees as tornam certas ou erradas
Muitas accedilotildees satildeo intrinsecamente erradas ou seja erradas independentemente das suas
consequecircncias Podemos dizer aliaacutes que todos temos de respeitar certos deveres que
proiacutebem a realizaccedilatildeo dessas accedilotildees
No que diz respeito agrave segunda questatildeo temos estas respostas
1048708 Utilitarismo Uma accedilatildeo eacute certa apenas quando maximiza o bem-estar ou seja
quando promove tanto quanto possiacutevel o bem-estar Qualquer accedilatildeo que natildeo maximize o
bem-estar eacute errada
1048708 Deontologia Uma accedilatildeo eacute errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres Qualquer accedilatildeo que natildeo seja contraacuteria a esses deveres natildeo tem
nada de errado
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas
1048708 Fidelidade Manteacutem as tuas promessas
1048708 Reparaccedilatildeo Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito
1048708 Gratidatildeo Retribui fazendo bem agravequeles que te fizeram bem
1048708 Justiccedila Opotildee-te agraves distribuiccedilotildees de felicidade que natildeo estejam de acordo com o
meacuterito
1048708 Desenvolvimento pessoal Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento
1048708 Beneficecircncia Faz bem aos outros
1048708 Natildeo-maleficecircncia Natildeo prejudiques os outros
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
Deontologia
1048708 Eacute na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes e na Criacutetica da Razatildeo Praacutetica que
Kant procura esclarecer as bases teoacutericas em que assenta a accedilatildeo moral
1048708 Na Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura isto eacute estabelecida a partir da anaacutelise da proacutepria
racionalidade humana e deste modo independentemente de tudo o que seja baseado na
experiecircncia A razatildeo eacute a autoridade final para a moralidade e esta natildeo pode ter
fundamento isto eacute natildeo pode ser estabelecida e justificada na observaccedilatildeo dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos Todas as accedilotildees precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razatildeo e nenhuma accedilatildeo realizada por
interesse ou somente por obediecircncia a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral A accedilatildeo moralmente boa eacute a que obedece exclusivamente agrave lei moral em si
mesma A moral Kantiana eacute assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendecircncias naturais ou sensiacuteveis e estaacute centrada sobre a noccedilatildeo de dever e natildeo na noccedilatildeo
de virtude e felicidade como em Aristoacuteteles
1048708 Kant faz distinccedilatildeo entre o bem e o agradaacutevel O bem eacute funccedilatildeo da lei moral natildeo deve
pois ser determinado antes da lei moral mas soacute depois dela e mediante ela
1048708 Aleacutem disso para classificar uma accedilatildeo como moralmente boa natildeo basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer Por isso se diz que a moral
Kantiana eacute uma moral de intenccedilatildeo Assim nada eacute bom ou mau em si mesmo Kant
afirma que a uacutenica coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo eacute a vontade
humana
1048708 A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem natildeo eacute simplesmente racional
Ele eacute simultaneamente racional e naturalsensiacutevel espiacuterito e corpo razatildeo e desejo por
isso a vida moral eacute uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
obrigaccedilatildeo como uma certa coaccedilatildeo que a sua parte racional teraacute de exercer sobre a sua
parte sensiacutevel O dever obriga forccedila-nos a fazer o que talvez natildeo quiseacutessemos ou que
pelo menos natildeo nos agradaria porque o homem natildeo eacute perfeito e sim dual Assim a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma uma lei
cuja autoridade natildeo estaacute fora do Homem mas representa a voz da razatildeo a que o sujeito
moral deve obedecer Entatildeo para que cumpra integralmente a lei moral eacute preciso que o
domiacutenio da vontade livre (vontade natildeo submetida a nenhuma lei a natildeo ser a sua proacutepria)
sobre a vontade psicoloacutegica seja cada vez mais iacutentegro e completo Kant chama vontade
santa agrave vontade que dominou por completo toda a influecircncia e determinaccedilatildeo oriunda
dos fenoacutemenos concretos fiacutesicos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos para sujeitaacute-la agrave lei moral
1048708 Para uma vontade desse tipo natildeo haveria distinccedilatildeo entre razatildeo e inclinaccedilatildeo Um ser
possuiacutedo de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e natildeo haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigaccedilatildeo moral os quais somente tecircm sentido e
existecircncia porque o Homem eacute dual razatildeo e desejo e estes encontram-se em oposiccedilatildeo Eacute
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento ndash um
imperativo categoacuterico (categoacuterico porque ordena incondicionalmente) ldquoAge de tal
modo que a maacutexima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo ndash Kant reconhece que esta eacute apenas uma
foacutermula e a uacutenica regra segura para podermos agir
1048708 Como imperativo categoacuterico Kant forneceu-nos na praacutetica um criteacuterio para o agir
moral
1048708 Se queres agir moralmente (isto eacute para Kant racionalmente) ndash o que aliaacutes tu tens de
fazer ndash age entatildeo de uma maneira realmente universalizaacutevel A universalizaccedilatildeo das
nossas maacuteximas (em si subjetivas) eacute o criteacuterio moral O imperativo categoacuterico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o uacutenico princiacutepio de todas as leis morais
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
A liberdade eacute condiccedilatildeo da moralidade
1048708 A condiccedilatildeo necessaacuteria para que seja possiacutevel apenas a razatildeo determinar a accedilatildeo eacute a
liberdade A vida moral somente eacute possiacutevel para Kant na medida em que a razatildeo
estabeleccedila por si soacute aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral o que
soacute eacute possiacutevel pressupondo que o Homem eacute um ser dotado de liberdade
1048708 As ideias eacuteticas de Kant satildeo um resultado loacutegico da sua crenccedila na liberdade
fundamental do indiviacuteduo Esta liberdade natildeo eacute sinoacutenimo de ausecircncia de leis ou de
anarquia significa antes autogoverno a liberdade de poder realizar o que a razatildeo
ordena isto eacute obedecer ao imperativo categoacuterico
1048708 Poder realizar significa causar por vontade proacutepria um efeito no mundo tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza O homem neste sentido eacute livre
legislador e membro de uma sociedade eacutetica eacute legislador porque eacute ele que determina o
que deve ser feito e eacute membro ou suacutebdito porque obedece aos deveres que a sua proacutepria
razatildeo foacutermula Neste sentido ele natildeo tem um preccedilo mas uma dignidade e eacute por isso
que a segunda foacutermula do imperativo categoacuterico diz para agirmos de modo a natildeo tratar
jamais a humanidade em noacutes ou nos outros como um meio mas sempre como um fim
em si A eacutetica Kantiana eacute uma eacutetica do respeito agrave pessoa A eacutetica Kantiana eacute moderna
porque confia no homem na sua razatildeo e na sua liberdade condena todas as situaccedilotildees
sociais de instrumentalizaccedilatildeo do Homem (a escravatura a prostituiccedilatildeo o trafico de
pessoas etc) e reconhece agrave sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressatildeo da lei moral racional
A felicidade natildeo eacute o bem supremo
1048708 Kant tambeacutem reflete sobre a felicidade e a virtude mas subordina-as ao dever Para
Kant a felicidade eacute do domiacutenio do sensiacutevel eacute um desejo que estaacute presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente Ora se a lei
moral tem origem na razatildeo (a condiccedilatildeo da sua objetividade e universalidade) e se cada
ser humano natildeo concebe sempre do mesmo modo aquilo que eacute ser feliz alcanccedilar a
felicidade natildeo pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificaccedilatildeo A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude satildeo apenas as consequecircncias do esforccedilo humano para praticar atos moralmente
bons A felicidade de que Kant fala eacute a da consciecircncia do dever cumprido a
tranquilidade da boa consciecircncia Temos obrigaccedilatildeo de fazermos tudo para sermos
felizes A uacutenica condiccedilatildeo eacute que tudo o que fizermos possa ser universalizaacutevel Natildeo eacute a
felicidade a qualquer preccedilo
1048708 Ser feliz eacute assim uma aspiraccedilatildeo que o homem concretiza atraveacutes do seu meacuterito mas
mesmo que esse aspiraccedilatildeo existisse ou a felicidade natildeo fosse concretizaacutevel e atingiacutevel
atraveacutes da moralidade mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigaccedilatildeo moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categoacuterico
Em conclusatildeo de Kant
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princiacutepio eacutetico fundamental
Outros deontologistas como Ross pensam que sabemos por simples intuiccedilatildeo quais satildeo
os nossos deveres
Alguns deontologistas como Kant pensam que os nossos deveres satildeo absolutos nunca
podemos desrespeitaacute-los
Outros deontologistas como Ross pensam que os nossos deveres satildeo prima facie por
vezes podemos desrespeitaacute-los
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
Duas distinccedilotildees
Alguns deontologistas por oposiccedilatildeo aos utilitaristas atribuem relevacircncia moral agraves
distinccedilotildees atoomissatildeo e intenccedilatildeoprevisatildeo defendendo o seguinte
1048708 Atos e omissotildees Eacute pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra Por
exemplo eacute pior matar uma pessoa que deixaacute-la morrer
1048708 Intenccedilatildeo e previsatildeo Eacute pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que natildeo pretendemos produzir ainda que saibamos que o mesmo resultaraacute da
nossa conduta Por exemplo eacute pior torturar algueacutem que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral
Quadro siacutentese da Eacutetica utilitarista de Stuart Mill e a Eacutetica deontoloacutegica de Kant
Fundamentaccedilatildeo da Moral
Kant (deontoloacutegica) Stuart Mill (utilitarista)
A felicidade eacute algo exterior agrave razatildeo eacute
subjetiva
A accedilatildeo moral tem por base a boa
vontade
Soacute as accedilotildees por dever tecircm valor
moral
As accedilotildees por dever impotildeem-se-nos
pelo imperativo categoacuterico
O valor moral das accedilotildees estaacute nas suas
consequecircncias e nos seus efeitos
praacuteticos
Bem eacute aquilo que trouxer mais
felicidade global
O utilitarismo adota um relativismo
eacutetico face agrave perca de criteacuterios absolutos
e universais
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
O imperativo categoacuterico ao impor
leis universais constitui o fundamento
da autonomia humana
O agir moral autoacutenomo confere-nos
dignidade
O utilitarismo eacute um reflexo da
tecnicizaccedilatildeo da produccedilatildeo e da
sociedade poacutes ndash moderna
IIA accedilatildeo humana e os valores
3 Dimensotildees da accedilatildeo humana e dos valores
31 A dimensatildeo eacutetico-politica ndash Anaacutelise e compreensatildeo da experiecircncia vivencial
314 Eacutetica direito e politica ndash liberdade e justiccedila social igualdade e diferenccedilas justiccedila e equidade
O que legitima a autoridade do estado ndash Respostas de Aristoacuteteles e de Locke
A justificaccedilatildeo aristoteacutelica do estado
1048708 Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristoacuteteles
(384-322 a C) num livro intitulado Poliacutetica Neste livro Aristoacuteteles estuda os
fundamentos e a organizaccedilatildeo da cidade (polis em grego que deu origem ao termo
laquopoliacuteticaraquo) Naquele tempo as principais cidades gregas eram estados independentes ndash
tinham os seus proacuteprios governos e exeacutercitos aleacutem de leis e tribunais proacuteprios Por isso
lhes chamamos cidades-estado
1048708 Assim ao falar da origem da cidade Aristoacuteteles estaacute a falar da origem do estado
Aristoacuteteles defende que a cidade-estado existe por natureza Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado eacute simplesmente
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
impensaacutevel Viver numa sociedade governada pelo poder poliacutetico faz parte da natureza
humana Quem conseguir viver agrave margem da cidade-estado natildeo eacute um ser humano laquoeacute
uma besta ou um deusraquo diz Aristoacuteteles Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificaccedilatildeo do estado eacute naturalista
1048708 O argumento central de Aristoacuteteles eacute o seguinte
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades
Essas faculdades soacute poderatildeo ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado)
Logo faz parte da natureza humana viver na cidade-estado
Fora da cidade-estado seriacuteamos pois incapazes de desenvolver a nossa natureza Isso
torna-se claro pensa Aristoacuteteles quando verificamos que os seres humanos natildeo se
limitaram a formar pares de macho e fecircmea para procriar ao contraacuterio dos outros
animais
Constituiacuteram tambeacutem comunidades de famiacutelias (as aldeias) e estabeleceram a divisatildeo
entre governantes e suacutebditos com vista agrave autopreservaccedilatildeo Mas a comunidade mais
completa que conteacutem todas as outras eacute a cidade-estado Esta eacute autossuficiente e natildeo
existe apenas para preservar a vida mas sobretudo para assegurar a vida boa que eacute o
desejo de todos os seres racionais Eacute por isso que a cidade-estado eacute a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos tecircm tendecircncia para se
tornarem estados
1048708 Ou seja a finalidade de todas as comunidades eacute tornarem-se estados
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristoacuteteles que a
natureza de uma coisa eacute a sua finalidade Assim a finalidade dos seres humanos eacute viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que haacute um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em famiacutelia para a vida em pequenas
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
comunidades de lares e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado Daiacute Aristoacuteteles afirmar que laquoo homem eacute por natureza um animal
poliacuteticoraquo
1048708 Outra ideia importante para Aristoacuteteles eacute que o todo eacute anterior agrave parte no sentido em
que fora do todo orgacircnico a que pertence a parte natildeo seria o que eacute O que o leva a dizer
que a cidade estado eacute por natureza anterior ao indiviacuteduo pois natildeo haacute indiviacuteduos auto-
-suficientes e portanto nem sequer existiriam fora dela Tal como uma matildeo natildeo
funciona separada do resto do corpo tambeacutem natildeo haacute realmente seres humanos isolados
da comunidade
Algueacutem que viva fora da sociedade sem estado natildeo chega a ser um ser humano
(eacute uma besta) ou eacute mais do que um ser humano (eacute um deus)
1048708 Assim submetemo-nos agrave autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si Daiacute que para
Aristoacuteteles o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado eacute melhor
para garantir a vida boa
Criacuteticas ao naturalismo aristoteacutelico
1048708 A principal criacutetica ao naturalismo eacute que a noccedilatildeo aristoteacutelica de laquonaturezaraquo eacute
incoerente e enganadora Aristoacuteteles encara a natureza das coisas como uma espeacutecie de
princiacutepio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas Neste sentido a
natureza da cidade-estado seria comparaacutevel agrave natureza das plantas e de outros
organismos vivos que se desenvolvem a partir do embriatildeo ateacute atingirem a maturidade
1048708 Este desenvolvimento eacute meramente bioloacutegico sem qualquer intervenccedilatildeo da
racionalidade
1048708 Contudo a finalidade da vida na cidade eacute permitir uma vida boa Mas o desejo de ter
uma vida boa eacute um desejo racional na medida em que eacute uma aspiraccedilatildeo de seres
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
racionais como noacutes ndash ateacute porque natildeo se verifica nos outros animais Assim este desejo eacute
fruto da deliberaccedilatildeo racional dos seres humanos e natildeo simplesmente de um impulso
bioloacutegico ou natural
A justificaccedilatildeo contratualista de Locke
1048708 Uma justificaccedilatildeo do estado bastante mais influente do que a de Aristoacuteteles eacute dada por
John Locke (1632-1704) Este filoacutesofo defende que o estado tem origem numa espeacutecie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se agrave autoridade de
um governo civil Locke considera que esse contrato daacute origem agrave transiccedilatildeo do estado de
natureza para a sociedade civil Por isso se diz que a teoria da justificaccedilatildeo do estado de
Locke eacute contratualista
1048708 Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato Vejamos em primeiro
lugar como eram as coisas antes do contrato isto eacute como eram as coisas antes de haver
estado ndash quando ningueacutem detinha o poder poliacutetico e natildeo havia governo nem tribunais
nem poliacutecias
A lei natural e o estado de natureza
1048708 No estado de natureza as pessoas viviam segundo Locke em perfeita liberdade cada
um era laquosenhor absoluto da sua pessoa e bensraquo natildeo tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for As pessoas viviam tambeacutem num estado de
completa igualdade natildeo havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra Aleacutem
disso viviam segundo a lei natural a qual dispotildee que ningueacutem infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas natildeo se ofendam mutuamente
1048708 Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razatildeo natural pelo que eacute
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenccedilotildees humanas Deste
modo Locke distinguia a lei natural das chamadas laquoleis positivasraquo da sociedade civil 1048708
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
1048708 As leis positivas satildeo leis que resultam das convenccedilotildees humanas satildeo as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada tecircm acima de si a natildeo ser a lei natural
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se agrave autoridade de um governo A
uacutenica lei que vigora no estado de natureza eacute pois a lei natural Locke distingue a lei
natural da lei positiva mas tambeacutem da lei divina
1048708 Locke natildeo encara a lei natural como uma lei cientiacutefica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza Locke defende que a lei natural eacute normativa determina como as
pessoas racionais devem agir e natildeo como de facto agem Por outro lado a lei natural e a
lei divina apesar de natildeo serem a mesma coisa natildeo podem ser incompatiacuteveis pois Deus
eacute a origem de ambas
1048708 Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural tecircm os
direitos decorrentes da aplicaccedilatildeo dessa lei Assim
1 Todas as pessoas satildeo iguais pois tecircm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais
2 Todas as pessoas tecircm o direito de ajuizar por si que accedilotildees estatildeo ou natildeo de acordo com
a lei natural pois ningueacutem tem acesso privilegiado agrave lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros
3 Todas as pessoas tecircm individualmente o direito de se defender ndash usando a forccedila se
necessaacuterio ndash daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural pois
esta existiria em vatildeo se ningueacutem a fizesse cumprir
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
4 Todas as pessoas tecircm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural assim como direito de aplicar essa pena dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazecirc-lo eacute rigorosamente a mesma para todos
1048708 O estado de natureza eacute natildeo soacute diferente da sociedade civil como segundo Locke do
estado de guerra pois neste natildeo haacute lei que vigore e as pessoas natildeo tecircm direitos
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situaccedilatildeo de abundacircncia de recursos e
em que cada pessoa eacute livre de se apropriar das terras e bens disponiacuteveis atraveacutes do seu
trabalho e esforccedilo Sendo assim que razotildees teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual tecircm de se
submeter
O contrato social e a origem do governo
1048708 Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas ndash excetuando os casos de
autodefesa ou de execuccedilatildeo da lei natural ndash soacute eacute legiacutetimo se tiver o seu consentimento
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais
1048708 Assim a existecircncia de um poder poliacutetico soacute pode ter tido origem num acordo ou
contrato entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil E
esse acordo soacute faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso
1048708 Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito natildeo deixa de reconhecer alguns inconvenientes que mais cedo ou mais tarde
iriam tornar a vida demasiado instaacutevel e insegura Isto porque haacute sempre quem movido
pelo interesse pela ganacircncia ou pela ignoracircncia se recuse a observar a lei natural
ameaccedilando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia Locke daacute o
nome geneacuterico de laquopropriedaderaquo natildeo apenas aos bens materiais das pessoas mas a tudo
o que lhes pertence incluindo as suas vidas e liberdades
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
1048708 Assim parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteccedilatildeo e
estabilidade que soacute o governo pode garantir Locke torna esta ideia mais precisa
indicando trecircs coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
poliacutetico estaacute em condiccedilotildees de garantir
1 Falta uma lei estabelecida conhecida e aceite por consentimento que sirva de padratildeo
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicaccedilatildeo da lei natural
Isto porque apesar de a lei natural ser clara as pessoas podem compreendecirc-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicaccedilatildeo a casos concretos
2 Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei evitando que haja
juiacutezes em causa proacutepria Isto porque quando as pessoas julgam em causa proacutepria tecircm
tendecircncia para ser parciais e injustas
3 Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenccedilas
justas evitando que aqueles que satildeo fisicamente mais fracos ou em menor nuacutemero
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior nuacutemero
1048708 Eacute para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir matildeo dos
privileacutegios do estado de natureza cedendo o poder de executar a lei agravequeles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade E ainda que se possa dizer que ningueacutem
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil Locke defende
que a partir do momento em que usufruiacutemos das suas vantagens estamos a dar o nosso
consentimento taacutecito Caso contraacuterio teriacuteamos de recusar os benefiacutecios do estado e de
viver agrave margem da sociedade
Criacuteticas ao contratualismo de Locke
1048708 Tecircm sido feitas vaacuterias criacuteticas ao contratualismo de Locke Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
O consentimento taacutecito eacute uma ficccedilatildeo
1048708 Quando Locke fala do contrato social natildeo estaacute a pensar num procedimento formal
como quando se assina um documento ou se faz um juramento puacuteblico O contrato a que
se refere revela-se no consentimento taacutecito das pessoas que ao usufruiacuterem dos
benefiacutecios do estado datildeo implicitamente o seu consentimento para que este tenha
poderes sobre elas Por exemplo se algueacutem pede proteccedilatildeo agrave poliacutecia quando se sente
ameaccedilado estaacute tacitamente a consentir que a poliacutecia tenha poder sobre si tambeacutem
1048708 Mas haacute boas razotildees para pensar que natildeo haacute efetivamente qualquer consentimento
taacutecito das pessoas Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado
no consentimento taacutecito das pessoas dessa altura isso natildeo inclui as geraccedilotildees atuais as
quais natildeo tiveram qualquer palavra a dizer sobre isso Haacute ateacute pessoas que apesar de
estarem sujeitas a um dado governo o combatem e o consideram ilegiacutetimo pelo que tal
governo natildeo tem seguramente o seu consentimento taacutecito
1048708 Aleacutem disso eacute incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso
consentimento seja livre e intencional Mas para que seja intencional uma pessoa tem
de ter consciecircncia daquilo a que estaacute implicitamente a dar o seu acordo Todavia parece
claro que muitas pessoas natildeo tecircm consciecircncia de terem dado qualquer acordo De modo
semelhante haacute pessoas cujas condiccedilotildees de vida natildeo lhes permitem optar entre aceitar a
autoridade do governo e mudar para um territoacuterio onde essa autoridade natildeo exista
1048708 Assim natildeo chega a haver verdadeiro consentimento
Os contratos podem ser injustos
1048708 Outra criacutetica eacute que haacute contratos que natildeo satildeo justos pelo que nem sempre devem ser
cumpridos Assim o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres
natildeo o torna soacute por isso legiacutetimo
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
1048708 Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condiccedilatildeo de este matar o
seu marido e que o amante concorda com isso Natildeo eacute por ambos terem feito um contrato
que as suas accedilotildees se tornam legiacutetimas Assim o consentimento inerente a qualquer
contrato eacute na melhor das hipoacuteteses condiccedilatildeo necessaacuteria para a sua legitimidade mas
natildeo eacute suficiente Analogamente o facto de o estado ter tido origem num contrato
celebrado entre pessoas livres tambeacutem natildeo eacute suficiente para legitimar a sua autoridade
O contrato eacute desnecessaacuterio
1048708 Locke pensa que no estado de natureza cada indiviacuteduo tem o direito de fazer
cumprir a lei natural e ateacute de usar a forccedila para punir quem a violar
1048708 Imagine-se entatildeo que haacute apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza Se na
opiniatildeo de uma delas a outra violar a lei natural natildeo precisa do consentimento do
prevaricador para com todo o direito o punir Suponha-se agora que vaacuterias pessoas
decidem organizar-se para tornar a aplicaccedilatildeo da lei natural mais efetiva e que eacute detetado
algueacutem exterior a esse grupo que em sua opiniatildeo estaacute a violar a lei natural Mesmo que
a pessoa que viola a lei natildeo tenha dado o seu consentimento e nem sequer pertenccedila ao
grupo este pode recorrer agrave sua forccedila coletiva para submeter e punir o prevaricador
1048708 Locke defende precisamente que isso seria ilegiacutetimo a natildeo ser que o prevaricador
tivesse dado o seu consentimento e que portanto estiveacutessemos jaacute natildeo no estado de
natureza mas na sociedade civil Mas por que razatildeo eacute ilegiacutetimo um grupo organizado de
pessoas impor a sua forccedila sem o consentimento do visado e natildeo eacute ilegiacutetimo no caso de
ser uma soacute pessoa a fazecirc-lo
1048708 Isto sugere que aleacutem do poder coletivo das pessoas natildeo eacute necessaacuterio qualquer
consentimento contratual daqueles a quem se aplica a forccedila Nesse caso o contrato natildeo
desempenha qualquer papel na legitimaccedilatildeo do uso da forccedila
Em conclusatildeo
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
Como eacute possiacutevel uma sociedade justa ndash a resposta de Rawls
1048708 Quando discutimos certas questotildees relacionadas com a organizaccedilatildeo social eacute muito
comum ouvir expressotildees como laquoIsso eacute injustoraquo ou laquoFazer isso natildeo seria justoraquo De
algum modo todos temos uma noccedilatildeo do que eacute justo e injusto e todos queremos viver
numa sociedade justa Mas o que eacute realmente uma sociedade justa
1048708 Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas eacute muito pobre
mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas Seraacute que uma
sociedade assim pode ser justa Porquecirc
1048708 Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma
riqueza
1048708 Uma sociedade como esta seraacute forccedilosamente justa Porquecirc
1048708 Este eacute o problema da justiccedila social Para responder agraves questotildees acima precisamos de
compreender o que eacute uma sociedade justa Muitos filoacutesofos entendem que isso implica
identificar os princiacutepios da justiccedila corretos Entre esses filoacutesofos destaca-se John Rawls
(1921-2002) que desenvolveu a teoria da justiccedila como equidade Eacute essa teoria que
vamos agora apresentar e discutir
A posiccedilatildeo original
1048708 Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade sabendo perfeitamente qual
era o seu estatuto social e quais eram os seus talentos naturais propunha determinados
princiacutepios da justiccedila Nesse caso o mais certo seria natildeo se chegar a qualquer acordo Os
mais ricos por exemplo tenderiam a opor-se a princiacutepios da justiccedila que os forccedilassem a
pagar impostos elevados para benefiacutecio dos mais pobres E os mais talentosos
favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos sem se preocuparem muito
com os que por natureza satildeo menos talentosos Nestas circunstacircncias como poderiacuteamos
descobrir quais satildeo os princiacutepios da justiccedila corretos
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
1048708 Rawls sugere que para encontrar os princiacutepios da justiccedila corretos devemos fazer
uma experiecircncia mental temos de imaginar uma situaccedilatildeo em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princiacutepios da justiccedila sem se favorecerem
indevidamente a si proacuteprios pelo facto de serem ricos pobres talentosos ou poderosos
1048708 Ou seja temos de imaginar que os membros de uma sociedade estatildeo a avaliar
princiacutepios da justiccedila numa situaccedilatildeo que garanta a imparcialidade da sua avaliaccedilatildeo
Rawls designa essa situaccedilatildeo imaginaacuteria por posiccedilatildeo original e descreve-a na seguinte
passagem
Parto do princiacutepio de que as partes estatildeo situadas ao abrigo de um veacuteu de ignoracircncia
Natildeo sabem como as vaacuterias alternativas vatildeo afetar a sua situaccedilatildeo concreta e satildeo
obrigadas a avaliar os princiacutepios apenas com base em consideraccedilotildees gerais [hellip] Antes
de mais ningueacutem conhece o seu lugar na sociedade a sua posiccedilatildeo de classe ou estatuto
social tambeacutem natildeo eacute conhecida a fortuna ou a distribuiccedilatildeo de talentos naturais ou
capacidades a inteligecircncia a forccedila etc Ningueacutem conhece a sua conceccedilatildeo do bem os
pormenores do seu projeto de vida ou sequer as suas caracteriacutesticas psicoloacutegicas
especiais [hellip] Mais ainda parto do princiacutepio de que as partes natildeo conhecem as
circunstacircncias particulares da proacutepria sociedade [hellip] Eacute dado adquirido no entanto
que conhecem os factos gerais da sociedade humana
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971trad de Carlos Pinto Correia p 121
1048708 As laquopartesraquo a que Rawls se refere satildeo pessoas singulares e natildeo pessoas coletivas
como associaccedilotildees ou empresas Aquilo que as caracteriza na posiccedilatildeo original eacute o facto
de estarem sob um veacuteu de ignoracircncia sofreram uma espeacutecie de amneacutesia que as faz
desconhecer quem satildeo na sociedade e quais satildeo as suas peculiaridades individuais Por
isso satildeo forccediladas a avaliar princiacutepios da justiccedila com imparcialidade Como quem estaacute
na posiccedilatildeo original natildeo sabe por exemplo se eacute rico ou talentoso natildeo vai escolher
princiacutepios da justiccedila que favoreccedilam indevidamente os ricos ou os talentosos
1048708 Na posiccedilatildeo original as partes natildeo sabem sequer qual eacute o seu laquoprojeto de vidaraquo Natildeo
sabem portanto o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas No entanto
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
estatildeo interessadas em escolher o que eacute melhor para si Por isso diz-nos Rawls tecircm
interesse em obter bens primaacuterios ou seja coisas que sejam valiosas seja qual for o
seu projeto de vida especiacutefico A liberdade as oportunidades e a riqueza destacam-se
entre os bens primaacuterios
Os princiacutepios da justiccedila
1048708 Os princiacutepios da justiccedila corretos satildeo aqueles que seriam escolhidos na posiccedilatildeo
original
1048708 Nessa posiccedilatildeo os membros da sociedade estando todos sob o mesmo veacuteu de
ignoracircncia ficam numa situaccedilatildeo equitativa ndash daiacute que Rawls nos esteja a propor uma
teoria da justiccedila como equidade A questatildeo que se coloca agora eacute saber que princiacutepios
da justiccedila seriam escolhidos na posiccedilatildeo original Rawls defende que esses princiacutepios satildeo
os seguintes
Primeiro princiacutepio cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total
de liberdades baacutesicas iguais que seja compatiacutevel com um sistema semelhante de
liberdade para todos
Segundo princiacutepio as desigualdades econoacutemicas e sociais devem ser distribuiacutedas de
forma que simultaneamente
A Redundem nos maiores benefiacutecios para os menos beneficiados [hellip]
B Sejam a consequecircncia do exerciacutecio de cargos e funccedilotildees abertos a todos em
circunstacircncias de igualdade equitativa de oportunidades
John Rawls Uma Teoria da Justiccedila 1971 trad de Carlos Pinto Correia p 239
1048708 Dado que o segundo princiacutepio se decompotildee em dois princiacutepios distintos a teoria da
justiccedila de Rawls oferece-nos na verdade trecircs princiacutepios da justiccedila Estes princiacutepios natildeo
tecircm a mesma importacircncia pois Rawls estabelece prioridades entre eles Apresentando-
os em funccedilatildeo da sua prioridade obtemos a seguinte lista
1 Princiacutepio da liberdade (primeiro princiacutepio)
2 Princiacutepio da oportunidade justa (segundo princiacutepio B)
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
3 Princiacutepio da diferenccedila (segundo princiacutepio A)
1048708 O princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os restantes Diz-nos que numa
sociedade justa todos os indiviacuteduos beneficiam das mesmas liberdades baacutesicas Entre
estas Rawls inclui a liberdade poliacutetica (que se traduz no direito de votar e de concorrer
a cargos puacuteblicos) a liberdade de expressatildeo e de reuniatildeo a liberdade de consciecircncia e
de pensamento e ainda as laquoliberdades da pessoaraquo (que proiacutebem por exemplo a
agressatildeo e a prisatildeo arbitraacuteria)
1048708 O direito de possuir escravos por exemplo natildeo se pode contar entre as liberdades
baacutesicas jaacute que a escravatura eacute incompatiacutevel com uma igual liberdade para todos
1048708 Ao afirmar a prioridade do princiacutepio da liberdade Rawls defende que natildeo se pode
violar as liberdades baacutesicas dos indiviacuteduos de modo a alcanccedilar vantagens econoacutemicas e
sociais
1048708 Por exemplo natildeo se pode suprimir a liberdade de expressatildeo com o objetivo de obter
uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza No entanto nenhuma das liberdades baacutesicas eacute
absoluta
1048708 Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para
todos Por exemplo em algumas circunstacircncias pode justificar-se limitar a liberdade de
expressatildeo ndash proibindo suponhamos a difusatildeo de ideais poliacuteticos ou religiosos
extremamente intolerantes ndash de modo a proteger a liberdade poliacutetica
1048708 De acordo com o princiacutepio da oportunidade justa as desigualdades na distribuiccedilatildeo
da riqueza satildeo aceitaacuteveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades
1048708 Se numa sociedade haacute grandes desigualdades que se devem por exemplo ao facto de
os mais pobres natildeo terem acesso agrave educaccedilatildeo entatildeo essa sociedade natildeo eacute justa
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades sustenta Rawls o governo deve
providenciar entre outras coisas iguais oportunidades de educaccedilatildeo e cultura para todos
1048708 O princiacutepio da diferenccedila favorece tambeacutem uma distribuiccedilatildeo equitativa da riqueza
No entanto este princiacutepio natildeo afirma que a riqueza deve estar distribuiacuteda tatildeo
equitativamente quanto possiacutevel Se as desigualdades na distribuiccedilatildeo da riqueza
acabarem por beneficiar todos especialmente os mais desfavorecidos entatildeo justificam-
se
1048708 Para esclarecer o princiacutepio da diferenccedila imaginemos duas sociedades na primeira
todos tecircm a mesma riqueza mas todos satildeo muito pobres na segunda haacute desigualdades
na distribuiccedilatildeo da riqueza mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos de tal
forma que nem mesmo os mais desfavorecidos satildeo muito pobres O princiacutepio da
diferenccedila sugere que a segunda sociedade eacute apesar das desigualdades que a
caracterizam preferiacutevel agrave primeira Isto porque na segunda os mais desfavorecidos
vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitaacuteria
1048708 Dado que o princiacutepio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princiacutepios da
justiccedila numa sociedade justa natildeo se promove a igualdade de oportunidades ou a
distribuiccedilatildeo da riqueza agrave custa de um sacrifiacutecio das liberdades baacutesicas iguais para todos
1048708 No entanto uma sociedade justa natildeo se caracteriza simplesmente pela existecircncia de
tais liberdades individuais eacute tambeacutem uma sociedade em que a riqueza estaacute
equitativamente distribuiacuteda jaacute que as desigualdades socioeconoacutemicas satildeo aceitaacuteveis
apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades e acabam
por beneficiar os mais desfavorecidos
O princiacutepio maximin
1048708 Por que razatildeo pensa Rawls que na posiccedilatildeo original as partes escolheriam os
princiacutepios da justiccedila por si indicados Afinal por que razatildeo natildeo escolheriam antes por
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
exemplo um princiacutepio da justiccedila de caraacuteter utilitarista Se o fizessem conceberiam uma
sociedade justa simplesmente como aquela em que haacute um maior total de bem-estar sem
que interesse o modo como este se distribui pelas diversas pessoas
1048708Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princiacutepios da justiccedila ao utilitarismo
porque na posiccedilatildeo original as escolhas devem obedecer ao princiacutepio maximin
1048708 Segundo este princiacutepio de escolha se natildeo sabemos quais seratildeo os resultados que cada
uma das opccedilotildees que se nos colocam teraacute efetivamente eacute racional jogar pelo seguro
fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer Assim devemos identificar o pior
resultado possiacutevel de cada alternativa e depois optar pela alternativa cujo pior resultado
possiacutevel seja melhor do que o pior resultado possiacutevel de cada uma das restantes
alternativas Veja-se o seguinte cenaacuterio
1048708 Imaginando-nos na posiccedilatildeo original a coberto do veacuteu de ignoracircncia a escolha mais
racional seria optar por C Apesar de nas opccedilotildees A e B podermos vir a ser mais ricos
seria mais seguro optar por C caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a
pobreza moderada
1048708 Em suma o princiacutepio maximin diz-nos o seguinte
Cada alternativa tem vaacuterios resultados possiacuteveis sendo uns melhores do que outros
Entre as alternativas disponiacuteveis deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior
resultado possiacutevel
Imaginemos agora que as partes estatildeo a escolher entre o utilitarismo e os princiacutepios da
justiccedila de Rawls Agrave partida numa sociedade em conformidade com o utilitarismo
poderiam existir grandes desigualdades na distribuiccedilatildeo do bem-estar jaacute que sob esta
teoria a distribuiccedilatildeo do bem-estar natildeo eacute intrinsecamente importante Por exemplo se a
existecircncia de alguns escravos resultasse num maior bem-estar social existiriam
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
escravos numa sociedade utilitarista Pelo contraacuterio os princiacutepios da justiccedila de Rawls
satildeo como vimos incompatiacuteveis com a existecircncia da escravatura
1048708 Nestas circunstacircncias uma pessoa raciocinaria do seguinte modo se estivesse na
posiccedilatildeo original
Se eu escolher o utilitarismo estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser
um escravo No entanto se eu escolher os princiacutepios da justiccedila que Rawls propotildee nada
de tatildeo mau poderaacute acontecer-me Mesmo que acabe por ficar na pior situaccedilatildeo possiacutevel
terei garantidamente certas liberdades baacutesicas que me permitiratildeo desenvolver o meu
projeto de vida seja ele qual for Aleacutem disso dificilmente serei muito pobre jaacute que
numa sociedade em conformidade com os princiacutepios de Rawls as desigualdades na
distribuiccedilatildeo da riqueza soacute satildeo aceitaacuteveis se acabarem por beneficiar os mais
desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades Por isso
prefiro os princiacutepios de Rawls ao utilitarismo
1048708 Sob o veacuteu de ignoracircncia o pior resultado possiacutevel de se escolher os princiacutepios da
justiccedila de Rawls eacute muito melhor do que o pior resultado possiacutevel de se escolher um
princiacutepio utilitarista Por esta razatildeo raciocinando segundo o maximin as partes
escolheriam os princiacutepios de Rawls em vez do utilitarismo
Em conclusatildeo
Definiccedilatildeo dos conceitos nucleares
Estado organizaccedilatildeo e estrutura de governo de um paiacutes e de uma naccedilatildeo Conjunto de
instituiccedilotildees que zelam pela administraccedilatildeo do poder numa dada sociedade
Justiccedila social conceito eacutetico-politico designa o objetivo geneacuterico que as sociedades
estabelecem de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence traduzindo assim a
vontade da sociedade de harmonizar o bem social (justiccedila legal) com o bem individual
(justiccedila comutativa e distributiva) promovendo o princiacutepio da igualdade
Liberdade pode ter dois sentidos
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular
Sentido relativo a liberdade eacute a capacidade humana de autodeterminaccedilatildeo pois a
vontade humana embora condicionada pode e tem de fazer opccedilotildees Refere-se agrave
capacidadepossibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos
Em sentido absoluto ou metafiacutesico expressa a possibilidade ideal de agir na ausecircncia de
qualquer coaccedilatildeo e constrangimentos isto eacute a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condiccedilotildees concretas em que decorre a nossa
integraccedilatildeo no mundo Trata-se daquilo a que numa linguagem mais filosoacutefica se
designa o poder de agir independentemente de quaisquer obstaacuteculos ou determinismos
uma conceccedilatildeo designada por alguns filoacutesofos como laquolivre-arbitrioraquo e que se traduz na
possibilidade inerente agrave nossa natureza humana de poder ou natildeo fazer alguma coisa
Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade juriacutedico-poliacutetica (eacute a
possibilidade de agir no quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o
conjunto dos direitos e deveres e a responsabilidade civil) e liberdade moral
(manifesta-se na adesatildeo a valores e implica a orientaccedilatildeo da conduta pela razatildeo que
estabelece metas para a proacutepria existecircncia)
Sociedade civil conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum sinoacutenimo
de comunidade estruturada por laccedilos de interdependecircncia reciacuteproca com vista agrave
realizaccedilatildeo desse fim
Equidade A equidade eacute uma forma de aplicar o direito mas sendo o mais proacuteximo
possiacutevel do justo do razoaacutevel O fim do Direito eacute a justiccedila aleacutem de valores suplentes
como a liberdade e igualdade Mas eacute difiacutecil definir o justo pois pode existir na
conceccedilatildeo de quem ganhou a causa e natildeo existir na de quem perdeu Eacute necessaacuterio um
ideal de justiccedila universal Para isso existe a equidade Ela consiste no estudo do caso em
suas peculiaridades suas caracteriacutesticas proacuteprias consequentemente originando uma
decisatildeo para aquele caso especificamente aproximando-se ao maacuteximo possiacutevel do justo
para as duas partes Eacute preciso salientar tambeacutem que a equidade eacute fonte do direito Ela eacute
usada para no caso de existirem lacunas na lei A partir dessa permissatildeo o juiz pode
utilizar a equidade em suas decisotildees para atingir a justiccedila Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso praacutetico sem a necessidade de qualquer adaptaccedilatildeo outras se
revelam rigorosas para o caso especiacutefico Nesse momento surge o papel da equidade
que eacute o de adaptar a norma juriacutedica geral e abstrata agraves condiccedilotildees do caso concreto
Equidade eacute a justiccedila do caso particular