excelentíssimo senhor juiz federal da 14ª vara cível da subseçã
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 14ª VARA CÍVEL DA
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO.
Autos n.º 2007.61.00.010459-7
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo
Procurador da República signatário, e as ASSOCIAÇÕES CIVIS AUTORAS
DESTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, pelos advogados infra-assinados, vêm
respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar sua
RÉPLICA
às CONTESTAÇÕES de fls. 1952-1971 e 1973-1996, nos seguintes termos:
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I. SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DAS RÉSI. SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DAS RÉS
A UNIÃO e a ANATEL, nas contestações juntadas
aos autos, aduzem, PRELIMINARMENTE, as seguintes defesas
processuais:
a) a “incompetência absoluta” (sic) do juízo pois,
tratando-se da postulação de “providência jurisdicional que tenha eficácia
no âmbito nacional”, a ação deveria tramitar no foro do Distrito Federal (fls.
1975-1977);
b) a falta de interesse processual do Ministério
Público Federal, uma vez que, “ao ingressar com a ação em questão, não
está o Ministério Público zelando pelos interesses coletivos, mas, ao
contrário, encontra-se possivelmente violando o mais importante dos
direitos fundamentais do cidadão, que é o direito à vida”, pois “o
funcionamento clandestino de rádios comunitárias... pode pôr em risco
todas as transmissões em serviços regulares de comunicação... oferecendo
sérios perigos a inúmeras atividades públicas e privadas ligadas”;
c) a impossibilidade jurídica do pedido por ofensa
ao princípio da separação de poderes, pois “não pode o Poder Judiciário
substituir-se ao Executivo... para assegurar o funcionamento provisório dos
serviços de radiodifusão prestados pelas associações comunitárias”;
d) a ilegitimidade passiva ad causam da ré
ANATEL, pois esta autarquia não é entidade competente para conferir a
outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
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NO MÉRITO, alegam as Rés que:
a) a outorga do serviço de radiodifusão
comunitária é ato privativo do Poder Executivo, ad referendum do
Congresso Nacional, nos termos do disposto no art. 223 da Constituição da
República e na Lei Federal 9.612/98. Assim, não está o Poder Judiciário
autorizado a sub-rogar-se no papel do Poder Concedente, quanto à
apreciação dos aspectos de ordem técnica, jurídica e política envolvidos na
delegação do serviço;
b) a “eventual demora na outorga dos serviços”
não pode ser imputada à Ré ANATEL, cuja função legal consiste apenas na
administração do espectro de radiofreqüências, “realizando fiscalizações e
interrompendo toda e qualquer interferência prejudicial havia no espectro”;
c) o uso não autorizado do espectro pode gerar
interferências prejudiciais à segurança das comunicações de aeronaves,
aeroportos, ambulâncias, hospitais e polícia, pondo em risco a própria vida
humana.
As duas primeiras questões, por se confundirem
com as defesas apresentadas como matéria preliminar ao exame do mérito,
serão enfrentadas no item seguinte. A última será analisada no item III
desta manifestação.
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II. RESPOSTA ÀS PRELIMINARES ARGÜÍDAS
1. Competência territorial da subseção judiciária de São Paulo.
Afirma a UNIÃO que o juízo competente nas
hipóteses de tutela jurisdicional coletiva de âmbito nacional é o foro do
Distrito Federal.
Muito embora a advogada pública não mencione o
dispositivo legal específico, a interpretação dada pela Ré ao art. 93, inciso
II, do Código de Defesa do Consumidor padece de um erro semântico,
identificado pelo Ministro César Asfor Rocha no julgamento do Conflito de
Competência n.º 28.003/RJ:
“Quando o inciso II do art. 93 fala em Distrito Federal,
foro da capital do estado ou foro do Distrito Federal, ele
não está a dizer, data venia, que a ação será proposta
na capital do estado, quando o dano for localizado e
será no Distrito Federal, quando for em mais de dois
estados. Não está a dizer isso porque o inciso I já se
reporta ao dano localizado. Toda vez que o dano for
localizado, a regra a ter incidência é a disposta no
inciso I. No inciso II incidirá quando o dano não for
localizado. E é assim porque o que a lei pretende é
facilitar o acesso à justiça àqueles que têm os seus
direitos afrontados.
Vamos admitir, por hipótese, que haja um incidente no
extremo Norte do País, por exemplo, em Roraima e no
Acre. Os reflexos se deram nesses dois estados. Os
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ofendidos vão ter que vir ao Distrito Federal para
propor uma ação civil pública? Os poderão propor lá?
Eles não precisam vir necessariamente aqui.
Por isso, data venia, quando o inciso II fala em foro
da capital do estado ou foro do Distrito Federal,
ele está equiparando o Distrito Federal a um ente
assemelhado a um estado. Por isso ele não
colocou uma expressão só. Parece até que
propositadamente o legislador colocou no foro da
capital do estado ou do Distrito Federal para os danos
de âmbito nacional ou regional.
Seria um erro muito grosseiro, data venia, se ele
colocasse essa expressão querendo dizer que o foro
nacional se reporta ao Distrito Federal, que veio em
segundo lugar, e o dano regional ao estado, que veio
em primeiro lugar. Até por interpretação literal pode-se
concluir, data venia, que quando o dano tiver reflexo
em mais de um estado, aplica-se o inciso II, e quando
o dano tem reflexo apenas em um estado, aplica-se o
inciso I”.1
Vale lembrar que, atualmente, tanto a 2ª Seção
quanto a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça consolidaram o
entendimento de que, “em se tratando de ação civil coletiva para o
combate de dano de âmbito nacional, a competência não é exclusiva
do foro do Distrito Federal”:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL COLETIVA.
CÓDIGO DO CONSUMIDOR, ART. 93, II.
A ação civil coletiva deve ser processada e
julgada no foro da capital do Estado ou no do
1 STJ - 2ª Seção – CC 28003/RJ – Rel. Min. Naves – j. 24.11.99 – DJU 11.03.02 e LEXSTJ 154/46 – m.v.
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Distrito Federal, se o dano tiver âmbito nacional
ou regional; votos vencidos no sentido de que, sendo
o dano de âmbito nacional, competente seria o foro do
Distrito Federal. Conflito conhecido para declarar
competente o Primeiro Tribunal de Alçada Civil do
Estado de São Paulo.”2
“Conflito de competência. Ação Civil Pública. Código de
Defesa do Consumidor.
1. Interpretando o artigo 93, inciso II, do Código de
Defesa do Consumidor, já se manifestou esta Corte no
sentido de que não há exclusividade do foro do
Distrito Federal para o julgamento de ação civil
pública de âmbito nacional. Isto porque o referido
artigo ao se referir à Capital do Estado e ao
Distrito Federal invoca competências territoriais
concorrentes, devendo ser analisada a questão
estando a Capital do Estado e o Distrito Federal
em planos iguais, sem conotação específica para
o Distrito Federal.
2. Conflito conhecido para declarar a competência do
Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São
Paulo para prosseguir no julgamento do feito.”3
“COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE
CONSUMIDORES. INTERPRETAÇÃO DO ART. 93, II, DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO DE
ÂMBITO NACIONAL.
Em se tratando de ação civil coletiva para o
combate de dano de âmbito nacional, a
2 STJ – 2ª Seção - CC 17532/DF – Rel. Ministro Ari Pargendler – j. 29.02.00 - DJU 05.02.01, p. 69.3 STJ – 2ª Seção - CC 17533/DF – Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito – j. 13.09.00 – DJU 30.10.2000 e JBCC 185/588.
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competência não é exclusiva do foro do Distrito
Federal. Competência do Juízo de Direito da Vara
Especializada na Defesa do Consumidor de Vitória/ES.”4
“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO
DE ÂMBITO NACIONAL – GENERAL MOTORS DO BRASIL
LTDA – COMPRA DE VEÍCULOS – TERMO DE GARANTIA
– CLÁUSULA CONTRATUAL - ANULAÇÃO –
COMPETÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR, ART. 93, INC. II - FORO DA CAPITAL
DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – PRECEDENTE.
- Esta eg. Corte já se manifestou no sentido de que
não há exclusividade do foro do Distrito Federal
para o julgamento de ação civil pública de âmbito
nacional.
- Tratando-se de ação civil pública proposta com o
objetivo de ver reparado possível prejuízo de âmbito
nacional, a competência para o julgamento da lide deve
observar o disposto no art. 93, II do Código de Defesa
do Consumidor, que possibilita o ingresso no juízo
estadual da Capital ou no Juízo Federal do Distrito
Federal, competências territoriais concorrentes,
colocadas em planos iguais.
- Acolhida a preliminar de incompetência do foro
suscitado, resta prejudicada a questão referente à
deserção do recurso de apelação proclamada.
- Recurso especial conhecido e provido, determinando a
competência do Foro da Capital do Estado do Espírito
Santo para processar e julgar o feito.”5
4 STJ – 2ª Seção - CC 26842/DF – Rel. Ministro Waldemar Zveiter – Rel. p/ Acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha – j. 10.10.01 – DJU 05.08.02 e RSTJ vol. 160/217.5 STJ – 2ª Turma - REsp 218492/ES – Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins – j. 02.10.01 – DJU 18.02.02 e RT 799/192.
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Como se vê, nenhuma incompetência territorial há
na propositura de ação coletiva de efeitos nacionais na capital deste Estado,
uma vez que a correta interpretação do art. 93, inciso II, do Código de
Defesa do Consumidor fixa a competência concorrente entre os foros da
Capital do Estado e do Distrito Federal, para os danos que ultrapassem o
âmbito meramente local.
Não obstante, ainda que a advogada da UNIÃO
tivesse razão, a incompetência territorial tem natureza relativa e,
portanto, só pode ser argüida mediante exceção6, jamais como
matéria preliminar da contestação ofertada, pena de preclusão.
2. Interesse processual do Ministério Público Federal na obtenção
da tutela jurisdicional coletiva requerida.
Como já referido na petição inicial desta ação, o
interesse e legitimidade do Ministério Público Federal para a presente causa
decorrem do disposto no art. 5º da Lei Complementar Federal 75/93, cujo
inciso IV atribui à instituição o dever de "zelar pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos da UNIÃO aos princípios, garantias, condições, direitos,
deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à
comunicação social".
Ora, em matéria de radiodifusão, a realização do
direito fundamental à comunicação depende, primordialmente, da
organização do uso do espectro público de radiofreqüência pelo
Poder Concedente, de forma a garantir a complementariedade entre os
6 Como se depreende da leitura dos arts. 301, II, e 307 do Código de Processo Civil.
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sistemas público, comercial e estatal (art. 223 da CR), o cumprimento dos
princípios constitucionais arrolados no art. 221 e o acesso dos usuários do
serviço a múltiplas fontes de informação (inclusive comunitárias),
assegurando, desse modo, a realização de um dos valores fundantes do
regime democrático, qual seja, o pluralismo de idéias na pólis (art. 1º, V, da
CR).
Em termos mais técnicos, trata-se do que teoria
constitucional alemã chama de "garantia de organização"
(Einrichtungsgarantie) em seu duplo status, negativo (direito a que a
organização estatal não elimine a posição jurídica fundamental do
titular do direito) e positivo (direito a instituições que sustentem e
promovam o exercício dos direitos fundamentais).7
A natureza institucional do direito à comunicação
na radiodifusão foi apontada com especial clareza pelo Tribunal
Constitucional Federal alemão, no julgado BVerfGE 57, 295 (3.
Rundfunkentscheidung). Vale citar as razões da decisão, pois elas servem
perfeitamente como fundamento jurídico desta demanda:
"A formação pela radiodifusão da opinião pública e
individual livres exige inicialmente a liberdade de [do
medium] radiodifusão em face do domínio e influência
estatais. Assim, a liberdade de radiodifusão tem, como
os direitos de liberdade clássicos, um significa de
resistência [à intervenção do Estado]. Mas com isto
ainda não está garantido o que deve ser garantido. Pois
a simples liberdade em face do Estado ainda não
significa que a formação de opinião livre e ampla 7 Sobre direito à organização e teoria do status, cf. Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 461 e ss. e Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, pp. 74-76.
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pelo medium radiodifusão seja possível; esta
tarefa não tem como ser cumprida somente mediante
uma conformação negatória [de status negativus da
liberdade de radiodifusão]. Muito mais necessária é
uma ordem positiva que garanta que a
diversidade das opiniões existentes seja expressa
na radiodifusão da forma mais ampla e completa
possível, oferecendo-se, desse modo, informação
abrangente. Para se atingi-lo, são necessárias
regulamentações processuais, materiais e
organizacionais que sejam orientadas pela função
da liberdade de radiodifusão e por isso adequadas a
concretizar o que o Art. 5 I GG quer garantir.”8
Analisando as decisões em matéria de radiodifusão
proferidas pelo Tribunal Constitucional alemão, Robert Alexy enfatiza que o
dever de organização, no caso, é correlato do direito público
subjetivo de todos à livre e plural comunicação de idéias:
"Si se toma en serio la tesis según la cual los derechos
fundamentales son, en primer lugar, derechos
subjetivos, es inevitable una segunda tesis: si una
libertad individual está protegida iusfundamentalmente,
entonces la protección tiene, en principio, la forma de
un derecho subjetivo. Pero, esto no significa que, en
principio, al deber de organización del Estado
corresponden derechos de los individuos en la medida
en que al Estado le está ordenada la organización
porque así lo exige la protección de la libertad de cada
cual. Así, pues, en la medida en que una
organización de la radiodifusión pluralista e
8 A decisão está na coletânea Cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão (coletânea original de Jürgen Schwabe, organização, introdução e tradução de Leonardo Martins), Montevideo, Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005, pp. 475-483.
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independiente del Estado está exigida
iusfundamentalmente por la libertad de formación
de la opinión y de información del individuo, para
el Estado vale no sólo un deber objetivo; más bien
a este deber corresponde un derecho subjetivo
del individuo afectado.”9
Na verdade, os argumentos lançados pelas duas
Rés não dizem propriamente respeito à inexistência do direito, mas sim ao
suposto (e jamais tecnicamente demonstrado) risco que o
funcionamento de rádios comunitárias pode acarretar à segurança
das comunicações, sobretudo das comunicações aeronáuticas.
Voltaremos a tratar deste ponto controvertido (e crucial para a presente
demanda) mais adiante.
Por ora, convém explicitar que, ao editar a Lei
Federal 9.612/98, a UNIÃO se obrigou a estruturar uma organização apta a
atender e dar respostas céleres a todos os requerimentos de autorização de
funcionamento de radiodifusão comunitária; desde que, é claro, atendidas
as formalidades legais exigidas dos proponentes. Por outro lado, as
entidades postulantes são titulares, ao menos, de um direito público
subjetivo à organização de um serviço eficiente, capaz de analisar,
em prazo razoável, a possibilidade técnica da outorga pretendida.
É sintomático que nenhuma das Rés tenha
impugnado a afirmação de que o serviço federal de outorgas de
radiodifusão comunitária é, para dizer o mínimo, ineficiente.
9 Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 480.
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Todavia, ao tempo em que reconhece o PÉSSIMO
funcionamento do serviço, a UNIÃO comodamente obsta o exercício do
direito fundamental à comunicação comunitária, sob o (falso) argumento de
que a concessão da tutela jurisdicional, nos exatos termos em que foi
requerida, importaria em risco à segurança das comunicações.
Como restará provado no curso desta ação,
nenhuma incompatibilidade há entre a tutela jurisdicional coletiva
buscada e a imprescindível preservação da segurança das
comunicações radioelétricas.
Desse modo, não há que se falar em “falta de
interesse de agir” do Ministério Público Federal.
3. Possibilidade jurídica do pedido ante a inexistência de ofensa à
separação de poderes.
Argumentam as Rés que os Autores desta ação
pretendem que “o Poder Judiciário sub-rogue-se ao papel de Poder
Concedente, quanto aos aspectos de ordem técnica, jurídica e política para
a outorga da permissão” (fls. 1987).
Nada mais falso.
O pedido desta ação está assim formulado:
“concessão de tutela antecipatória de efeitos nacionais para o fim de
ordenar à UNIÃO e à ANATEL que se abstenham de impedir o
funcionamento provisório dos serviços de radiodifusão comunitária
prestados pelas associações comunitárias e fundações instaladas no
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território brasileiro que apresentaram a petição referida no art. 9º, caput,
da Lei 9.612/98 há mais de 18 meses. O funcionamento do serviço estará
garantido somente até a conclusão definitiva dos respectivos
processos administrativos, cabendo às entidades radiodifusoras
cumprir fielmente as normas de regência do serviço, especialmente
no que se refere à limitação da potência e ao disposto no art. 4º da
Lei 9.612/98.
A pretensão dos Autores está amparada em
reiteradas decisões do E. Superior Tribunal de Justiça, cuja 2ª Turma, aliás,
expressamente rejeitou o argumento das Rés ao asseverar que:
"Efetivamente, cabe ao Executivo, por disposição
constitucional, autorizar, conceder e fiscalizar o serviço
de radiodifusão, não podendo o Judiciário imiscuir-se na
esfera de um serviço eminentemente técnico e
complexo, como se vislumbra pelas exigências da lei à
obtenção de permissão.
Por outro ângulo, o funcionamento das rádios
comunitárias é de importância à sociedade,
especialmente às comunidades mais carentes,
devendo o Estado, pelo Poder Executivo, prestar
contas de um serviço que lhe está atribuído. Em
outras palavras, a competência exclusiva de um
órgão não lhe outorga o direito de fazer ou não
fazer, a seu bel prazer. Ao contrário, a competência
exclusiva impõe ao órgão o dever de prestar os
serviços que lhes estão afetos, ao tempo em que
outorga aos destinatários do serviço o direito de
exigi-lo, a tempo e modo. Daí deixar o legislador
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assinalado em lei o prazo para o desenvolvimento da
atividade administrativa, quando chamada a examinar
o procedimento de outorga de uma rádio comunitária.
(...)
A autorização estatal é obrigatória, por força de
lei, mas não depende da vontade imperial do
agente condutor do órgão autorizante. Daí a
perplexidade quanto a omissão do poder
concedente, podendo o Judiciário ser chamado a
solucionar o engavetamento de pedidos.”10
No mesmo sentido manifestou-se a 1ª Turma
daquela E. Corte:
“A Lei 9.784/99 foi promulgada justamente para
introduzir no nosso ordenamento jurídico o instituto da
Mora Administrativa como forma de reprimir o arbítrio
administrativo, pois não obstante a
discricionariedade que reveste o ato da
autorização, não se pode conceber que o cidadão
fique sujeito a uma espera abusiva que não deve
ser tolerada e que está sujeita, sim, ao controle
do Judiciário a quem incumbe a preservação dos
direitos, posto que visa a efetiva observância da
lei em cada caso concreto.”11
Haveria ofensa ao princípio constitucional da
separação de poderes se os Autores postulassem ao Poder
10 STJ - REsp 549253/RS - rel. Min. Eliana Calmon - 2ª Turma - j. 11.11.03 - DJU 15.12.03 , p. 283 - v.u.11 STJ - REsp 531349/RS - rel. Min. José Delgado - 1ª Turma - j. 03.06.04 - DJU 09.08.04, p. 174.
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Judiciário a OUTORGA de funcionamento de rádios comunitárias, em
substituição à manifestação do Poder Concedente. Não é isso, porém,
o que se pleiteia nesta ação.
O que se está buscando na presente demanda é
garantir o funcionamento PROVISÓRIO de rádios comunitárias cujas
associações mantenedoras aguardam, para além do prazo razoável, a
manifestação do Poder Concedente.
Para essas associações, a tutela jurisdicional
coletiva só vigoraria até o pronunciamento (favorável ou contrário)
do Poder Concedente.
E mais: o pedido deduzido nesta ação condiciona
o funcionamento das rádios ao cumprimento fiel das normas de
regência do serviço, especialmente no que se refere à limitação da
potência12 e ao disposto no art. 4º da Lei 9.612/98.13
12 O limite máximo de potência da antena, como preceitua o parágrafo primeiro do art. 1o da Lei 9.612/98, é de no máximo 25 watts, raio de 1 km de cobertura do sinal e altura do sistema irradiante não superior a trinta metros. Esse limite de potência , cumpre ressaltar, é ínfimo em comparação a emissoras transmissoras de freqüência modulada (FM) desta capital. A título exemplificativo, a RÁDIO ELDORADO LTDA., opera com potência a 25 mil watts e as RÁDIOS BANDEIRANTES e TRANSAMERICA FM, operam com potência máxima de 35 mil watts autorizados (fonte: Sistema de controle de radiodifusão (SRD) da ANATEL: www.anatel.gov.br. consulta em 23/04/07).13 Art 4º As emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária atenderão, em sua programação, aos seguintes princípios:I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade;II - promoção das atividades artísticas e jornalísticas na comunidade e da integração dos membros da comunidade atendida;III - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, favorecendo a integração dos membros da comunidade atendida;IV - não discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológico-partidárias e condição social nas relações comunitárias.§ 1º É vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitária.§ 2º As programações opinativa e informativa observarão os princípios da pluralidade de opinião e de versão simultâneas em matérias polêmicas, divulgando, sempre, as diferentes interpretações relativas aos fatos noticiados.
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Como sustentar, nessas circunstâncias, que há
ofensa ao princípio da separação de poderes?
4. Legitimidade ad causam da ANATEL .
Já asseveramos na petição inicial que a ANATEL foi
incluída no pólo passivo desta ação porque integra o processo
administrativo de outorga e fiscalização do serviço, consoante se depreende
da leitura do art. 10 do Regulamento do Serviço de Radiodifusão
Comunitária (Decreto Presidencial 2.615/98). In verbis:.
Art. 10. Compete à ANATEL:
I - designar, em nível nacional, para utilização do
RadCom, um único e específico canal na faixa de
freqüências do Serviço de Radiodifusão Sonora em
Freqüência Modulada;
II - designar canal alternativo nas regiões onde houver
impossibilidade técnica de uso do canal em nível
nacional;
III - certificar os equipamentos de transmissão
utilizados no RadCom;
IV - fiscalizar a execução do RadCom, em todo o
território nacional, no que disser respeito ao uso do
espectro radioelétrico.
§ 3º Qualquer cidadão da comunidade beneficiada terá direito a emitir opiniões sobre quaisquer assuntos abordados na programação da emissora, bem como manifestar idéias, propostas, sugestões, reclamações ou reivindicações, devendo observar apenas o momento adequado da programação para fazê-lo, mediante pedido encaminhado à Direção responsável pela Rádio Comunitária.
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No que se refere às competências indicadas nos
incisos I e II do citado Regulamento, afirma a Ré que “nenhuma omissão
pode ser imputada à ANATEL... uma vez que a Agência já fixou, há muito
tempo, o canal a ser utilizado pelas rádios comunitárias, em São Paulo” (fls.
1957).
Ocorre, Excelência, que esta ação tem âmbito
nacional, e é certo que a ANATEL ainda não designou canais de freqüência
em todos os Municípios brasileiros. Assim, ao contrário do que alega a Ré,
houve omissão no cumprimento dos deveres indicados nos incisos I e II do
art. 10 do Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária.
Ademais, uma vez que o pedido principal desta
ação (obrigação de não-fazer consistente em se abster de impedir o
funcionamento provisório dos serviços de radiodifusão comunitária, nas
condições especificadas na ação) afetará diretamente o exercício do poder
de polícia indicado nos incisos III e IV do mesmo artigo, a ANATEL deve
obrigatoriamente participar da relação jurídica processual pois, caso
contrário, não poderia sofrer os efeitos da tutela jurisdicional pleiteada.
A propósito, vale lembrar a lição de Arruda Alvim:
“... A legitimação para a causa (legitimatio ad causam)
constitui-se na própria titularidade subjetiva (ativa) do
direito de ação, no sentido de dever ser movida a ação
por aquele a quem a lei outorgue tal poder, figurando
como réu aquele a quem a mesma lei submeta aos
efeitos da sentença proferida no processo (legitimação
passiva para a causa.
Será, regra geral, parte legítima ativa aquela a quem a
lei atribua a titularidade do direito de ação; e, do ponto
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de vista passivo, será aquela que, em regra, sendo
julgada procedente a ação, deverá ser afetada pela
eficácia de sentença a ela contrária, ou, se
improcedente, deverá ser ‘absolvida’ do pedido,
beneficiando-se igualmente, da eficácia da sentença,
que lhe será, então, favorável”14.
Pelas razões acima apresentadas, os Autores
postulam a rejeição das preliminares deduzidas pelas Rés, com o
conseqüente prosseguimento do feito até julgamento final do mérito.
14 Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, São Paulo Revista dos Tribunais, 1996, pp. 26-27.
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III. SOBRE O MÉRITO DESTA AÇÃO
1. “Rádio comunitária derruba avião”. O argumento ad terrorem
lançado pelas Rés.
A crise sem precedentes da aviação civil,
provocada pela notória e confessa incompetência da Administração Pública
Federal, produziu o ambiente propício para a disseminação do argumento
de que as emissões de radiodifusão comunitária prejudicam a segurança
das comunicações e, no limite, põem em risco a própria vida dos usuários
do serviço.
Afirmam as Rés:
“... o funcionamento clandestino de rádios
comunitárias – entenda-se clandestino quando
desprovido da respectiva outorga do Poder Público – ,
pode por em risco todas as transmissões em
serviços regulares de comunicação, de proteção
ao vôo, oferecendo sérios perigos a inúmeras
atividades públicas e privadas ligadas à
segurança de comunidades.
TANTO É VERDADE que, EM RECENTE NOTÍCIA
VEICULADA PELO JORNAL O GLOBO, de 30 de maio
de 2007, ATESTOU-SE QUE, INDUBITAVELMENTE,
A OPERAÇÃO CLANDESTINA DE RÁDIOS
COMUNITÁRIAS INTERFERE NA COMUNICAÇÃO NOS
AEROPORTOS DO PAÍS, pondo em risco a vida de
milhares de passageiros...” (fls. 1844)
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“O uso adequado e eficiente do espectro de
radiofreqüências é salutar para garantir a segurança da
comunicação de aeronaves, aeroportos, ambulâncias,
hospitais, polícia, além de uma gama de serviços
públicos necessários ao bem estar da comunidade... O
uso não autorizado pode gerar interferências
prejudiciais e risco à vida humana. Por tudo isto é
que a ANATEL já realizou a interrupção de diversos
serviços, sejam ou não de rádios comunitárias, para
que o espectro não fosse utilizado de forma indevida.
A título exemplificativo, cumpre informar que a
INFRAERO, Empresa Brasileira de Infra-estrutura
Aeroportuária, constantemente encaminha para a
ANATEL notícias de interferências sofridas por
aeronaves, como se poderá ver dos relatos ora
juntados, impedindo a clara comunicação entre pilotos
e torre de controle. Veja-se, por exemplo, as
descrições ‘RÁDIO COMERCIAL não identificada,
forte ruído e ininteligível’, ‘RÁDIO COMERCIAL
não identificada, áudio com música estilo
sertanejo, porém sem identificação’, ‘RÁDIO
COMERCIAL não identificada, forte ruído
ininteligível, restringindo a clareza na
comunicação, comandante solicitou freqüência
secundária.’
Cite-se que mesmo as rádios comunitárias que
usam baixa potência para emissão de sinais,
podem, caso utilizem equipamentos não
certificados, emitir sinal acima da potência
permitida, afetando, sim, a navegação aérea, por
exemplo, ou quaisquer outros serviços não menos
importantes. TAIS FATOS TÊM SIDO AMPLAMENTE
20
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NOTICIADOS PELA IMPRENSA, CONFORME SE
OBSERVA DAS MATÉRIAS JORNALÍSTICAS
ANEXAS.” (fls. 1878)
“Irreparáveis, Excelência, serão os danos que poderão
advir do funcionamento do serviço sem prévia análise
técnica do órgão competente, ou sem que a ANATEL
possa aferir a potência dos equipamentos utilizados, o
que ameaça de forma flagrante a segurança das
comunicações brasileiras – que fazem uso do espectro
e que ultrapassa (sic), inclusive, as fronteiras
nacionais. Se uma rádio comunitária, ainda que de
baixa potência, utilizar um equipamento não
certificado pela ANATEL, emitindo uma potência
superior a permitida, graves danos podem ocorrer
de forma irreversível ao serviço que for ‘vítima’
de tal interferência.” (fls. 1883).
Como restará provado no curso desta ação, os
argumentos lançados pelas duas Rés são falsos e buscam,
propositadamente, induzir este juízo em erro, ao atribuir às rádios
comunitárias toda a responsabilidade por interferências nos
sistemas de comunicação de radiofreqüência, notadamente a
comunicação aérea.
Antes de apresentar as informações de ordem
técnica que afastam as alegações apresentadas pelas Rés, desejam os
Autores demonstrar a tibieza dos argumentos formulados nas
contestações.
21
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
Com efeito, a “verdade” do fato impeditivo
lançado pelas Rés está amparada somente em notícias de jornal,
desprovidas de qualquer fundamentação técnica. Para as Rés, é
“indubitável” que rádios clandestinas interferem na comunicação de
aeronaves, pois assim está dito nas reportagens publicadas na imprensa.
Salta aos olhos, também, que os documentos de
fls. 1913-1916, juntados pela ANATEL com o escopo de demonstrar a
tese da interferência das rádios ditas comunitárias no sistema de
navegação aérea, NÃO dizem respeito a rádios comunitárias
(autorizadas ou não), mas sim a interferências causadas por
RÁDIOS COMERCIAIS!!!
Em outras palavras: muito embora aleguem que
as rádios comunitárias não autorizadas (“rádios clandestinas”) são
responsáveis por prejudicar os sistemas de comunicação e colocar a vida de
passageiros do transporte aéreo em risco, AS RÉS NÃO JUNTARAM
SEQUER UMA PROVA APTA a demonstrar, tecnicamente, a grave
afirmação formulada. Em vez disso, lançam mão do batido
argumento ad terrorem, apelando ao medo coletivo de um acidente
aéreo para fazer valer sua tese, no lugar de apresentar as razões de
ordem técnica que permitiriam concluir que a tutela jurisdicional, na
forma como foi requerida, colocaria de fato o sistema de navegação
aérea em risco.
O erro do raciocínio das Rés está na conveniente
confusão entre a situação jurídica da emissora de radiodifusão (rádio
“autorizada” e “não-autorizada/clandestina”) e a capacidade da emissora
de provocar interferências em outros sistemas de comunicação. A
confusão consiste em atribuir somente às emissoras não-
22
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
autorizadas/clandestinas a capacidade de interferir em sistemas de
comunicação.
Ocorre, Excelência, que consoante atestam os
pareceres e documentos ora anexados, NÃO HÁ RELAÇÃO ALGUMA
ENTRE A SITUAÇÃO JURÍDICA DA EMISSORA E A APTIDÃO DA
MESMA PARA INTERFERIR EM SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO. Com
efeito, há dezenas de casos de emissoras comerciais autorizadas
que, por defeito em seus equipamentos, provocam interferências
indesejadas em sistemas de comunicação. Tal fato, todavia, é
convenientemente omitido tanto pelas Rés quanto pelo poderosíssimo lobby
organizado em torno da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão – ABERT.
O próprio Gerente Regional da ANATEL em São
Paulo, porém, respondendo à indagação específica formulada pelo Ministério
Público Federal reconheceu que:
“Embora menos comum, TAIS INTERFERÊNCIAS
TAMBÉM PODEM SER ORIUNDAS DE EMISSORAS
REGULARMENTE INSTALADAS. Tal fato se deve
principalmente a PROBLEMAS TÉCNICOS
MOMENTÂNEOS EM SEUS EQUIPAMENTOS OU
MESMO POR PRODUTOS DE INTERMODULAÇÃO
provocados conjuntamente com outras emissoras não-
outorgadas. Nestas ocorrências, tais emissoras são
notificadas para imediatamente sanarem o problema,
sob pena de interrupção. Tal procedimento
demonstrou-se eficaz para estas ocorrências, sendo
que POSSUÍMOS REGISTROS DE PROBLEMAS
CAUSADOS PELAS SEGUINTES EMISSORAS
23
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
OUTORGADAS: Rádio Difusora Taubaté Ltda.,
Fundação Logos Edições Jornalismo e
Radiodifusão, Rádio Transcontinental Ltda, S/C
Mais Comunicação Ltda., Rede Central de
Comunicação Ltda., Rede Autonomista de
Radiodifusão Ltda., Rádio Transamérica de São
Paulo Ltda., Fundação Cásper Líbero, Fundação
Brasil 2000, Rádio Musical de São Paulo Ltda.,
Antena Um Radiodifusão Ltda., Rede Central de
Comunicação Ltda., Rádio Regional Comunicação,
Rádio Pontal FM Ltda., O Diário Rádio e Televisão
Ltda., Universidade de São Paulo, Rádio
Piratininga de São José de São José dos Campos
Ltda.”
Pedimos vênia para transcrever abaixo trechos de
notificações formuladas pela Aeronáutica, atestando que até mesmo a
REDE GLOBO, através de uma de suas repetidoras locais, foi
responsável por provocar interferência no sistema de navegação
aérea. As notificações estão sendo anexadas aos autos com a presente
manifestação.
“Informamos sobre interferência na freqüência 127,0
MHZ do Controle de Tráfego Aéreo (ACC) do CINDACTA
1.
1) Ocorre num raio de 100 km, tendo como centro a
cidade de Bom Despacho – MG;
2) Verificações feitas pelo departamento técnico do
CINDACTA 1, constatou-se que o máximo de sinal
interferente ocorre em 19º 33’ 53’’ S e 45º 17’ 07’’ W;
3) Informações das Aeronaves, FOI POSSÍVEL
DETECTAR O SINAL INTERFERENTE COM A
24
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
PROGRAMAÇÃO DA REDE GLOBO. TALVEZ ALGUM
REPETIDOR REGIONAL.
Solicito à ANATEL uma ação urgente no sentido de
solucionar o problema.”
“Informo a V. Sa. que está havendo interferência da
RÁDIO COMERCIAL RD 90 FM... nas freqüências
de operação deste Destacamento.
Solicito fazer o rastreamento das freqüências acima a
fim de proteger o Controle de Tráfego Aéreo do
Aeroporto de São José dos Campos – SP, bem como a
devida intervenção junto a referida rádio, para que seja
solucionado o problema.”
“Informo a V.Sa. que está havendo interferência de
Rádio Comercial nas freqüências de operação deste
destacamento. Constatou-se que a RÁDIO
COMERCIAL LOGUS FM... está interferindo na
freqüência 121,9 MHz e que a RÁDIO COMERCIAL
PIRATININGA está interferindo na freqüência
119,25 MHz.
(...)
Informo que as Rádios em questão, por outras
vezes, já causaram interferência nas freqüências
de Tráfego Aéreo deste Aeródromo.”
“Thomaz, boa tarde.
Segue abaixo, para as suas providências, o resultado
da radiomonitoragem executada pela equipe do GEIV
(Grupo Especial de Inspeção de Vôo), referente às
interferências ocorridas nas freqüências
aeronáuticas dos aeroportos de Guarulhos e de
25
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Congonhas, realizadas nas datas e estações
abaixo descritas:
17.OUT.05
19:00 Freqüência afetada: 111,1 Mhz
Freqüência que a afetou: 88,1 Mhz, azimute 249º
(GRU)
RÁDIO GAZETA FM
18.OUT.05
09:45 Freqüência afetada: 111,1 Mhz
Freqüência que a afetou: 100,1 Mhz, azimute 340º
(Congonhas)
RÁDIO TRANSAMÉRICA
10:20 Freqüência afetada: 111,1 Mhz
Freqüência que a afetou: 104,1 Mhz, azimute 356º
(GRU)
RÁDIO TUPI
10:45 Freqüência afetada: 119,8 Mhz
Freqüência que a afetou: 96,1 Mhz, azimute 008º
(Congonhas)
RÁDIO BAND FM
(...)
19.OUT.05
110,1 Mhz: Interferência da RÁDIO 89 FM. A partir
das 9:20, a interferência alcançou altos níveis
(Congonhas).
119,6 Mhz: Interferência da RÁDIO BAND FM, que
utiliza a freqüência 96,1 Mhz (Congonhas).
26
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121,5 Mhz: Interferência da RÁDIO NOVA BRASIL
FM, que utiliza a freqüência 89,7 Mhz (Congonhas).
Como se vê, Excelência, É COMPLETAMENTE
FALSO ATRIBUIR ÀS RÁDIOS NÃO-OUTORGADAS A
RESPONSABILIDADE ÚNICA POR INTERFERÊNCIAS SOFRIDAS PELO
SISTEMA DE COMUNICAÇÃO AERONÁUTICA. Grandes emissoras
comerciais – como GAZETA FM, BAND FM, NOVA BRASIL FM e 89 FM –
igualmente causaram interferências no sistema de navegação aérea,
consoante atestam os documentos apresentados ao Ministério Público
Federal pela própria Ré ANATEL, ora juntados à ação.
É evidente que rádios não-outorgadas também
têm a capacidade de causar interferências. O que negamos é a
associação espúria entre a situação jurídica da emissora
(outorgada/não-outorgada) e a capacidade de provocar
interferências no sistema de comunicação aéreo, como se apenas as
rádios não-outorgadas pudessem causar prejuízos à comunicação
das aeronaves com os órgãos de controle de tráfego.
A fim de dissipar qualquer dúvida a respeito do
ponto controverso, solicitamos o parecer técnico do recém criado
Instituto Observatório Social de Telecomunicações (IOST),
organização não governamental, sem fins lucrativos e sem vinculação
político partidária, que tem por objetivo geral observar, estudar e divulgar a
situação do Brasil em relação aos direitos dos usuários de
telecomunicações, bem como suas tendências tecnológicas e cenários atuais
e futuros.
27
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
Transcrevemos, abaixo, os principais trechos do
parecer:
1. O tema “radiointerferências nas faixas aeronáuticas”
tem-se mostrado altamente polêmico, seja pelos
aspectos políticos e econômicos envolvidos, seja
pelos riscos que impõem à delicada atividade de
navegação aeronáutica.
2. Entretanto, a despeito de sua importância, são
poucos os estudos existentes sobre o tema. De
uma forma geral, constata-se grandes lacunas
de informação. Os casos noticiados pela mídia
são pontuais e, em que pese a gravidade da
questão, a falta de informações completas
dificulta a formação de uma avaliação serena e
equilibrada. Um tratamento mais confiável
deveria partir de um levantamento mais
abrangente de dados, contendo séries
históricas completas e, à medida do possível,
uma descrição pormenorizada de cada evento,
para que os mesmos possam ser analisados
com a máxima isenção possível.
3. Exemplos de lacunas de informação são os registros
incompletos, sem a indicação da data da ocorrência,
ou localização da aeronave, ou ainda, em alguns
casos extremos, a falta de indicação da freqüência
interferida.
(...)
... a ocorrência de interferências nessas faixas é uma
questão assaz grave para ser tratada de forma leviana.
28
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
Assim, deve-se buscar identificar as várias causas
que podem levar à formação dessas
interferências, de forma equilibrada e serena,
para que possam ser obtidas soluções
duradouras.
O texto a seguir busca, a partir dos dados constantes
nos documentos encaminhados pelo Ministério Público
Federal a esta organização, tentar identificar essas
causas. Para completar a compreensão, foram
buscadas informações complementares em outras
fontes, especialmente as disponíveis na Internet.
Os diversos episódios constantes dos referidos
documentos, complementadas pelas informações de
outras fontes, levam à conclusão da existência de
interferências nas faixas de radionavegação e
radiocomunicação aeronáuticas de diversas
origens, as quais poderiam ser, a grosso modo,
agrupadas nas seguintes categorias:
i. interferências intencionais;
ii. interferências (não-intencionais) provocadas
por sistemas de radiodifusão;
iii. interferências (não-intencionais) provocadas
por outros serviços e aparelhos de
telecomunicações;
iv. interferências (não-intencionais) provocadas
por outras fontes.
(...)
1. As pessoas que não são da área, e mesmo muitos
dos engenheiros, desconhecem as razões pelas
29
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
quais as interferências ocorrem. Em linhas gerais,
as interferências eletromagnéticas – que nada
mais são que sinais eletromagnéticos
presentes aonde eles não são desejados –
ocorrem por um ou pela soma dos seguintes
fatores:
i. formação de um sinal diferente do desejado, na
origem;
ii. captação de sinais diferentes dos desejados, no
destino;
iii. conversão não prevista de um sinal com
características inicialmente desejadas em outro, com
características não desejadas; e finalmente
iv. os diferentes materiais oferecem um maior ou
menor grau de isolamento (blindagem) contra a
passagem de ondas eletromagnéticas mas,
rigorosamente falando, não existe material com a
característica de isolante absoluto.
Essas diversas questões são geralmente tratadas, na
engenharia elétrica, no capítulo denominado
“compatibilidade eletromagnética”. Para o escopo do
presente estudo, os dois primeiros fatores são os que
apresentam maior interesse.
A figura 1 a seguir ilustra a localização dos sinais de FM
e a faixa aeronáutica no espectro. A faixa de FM,
originalmente, vai de 88 a 108 MHz. Após a edição
da Lei nº 9.612/98, de Radiodifusão Comunitária, a
Anatel buscou ampliar essa faixa visando acomodar as
novas emissoras, estendendo a parte inferior da faixa
até 87,4 MHz (canal 198). Já as faixas reservadas à
aviação ocupam de 108 a 118 MHz com o serviço
de radionavegação (“ILS localizer”) e a porção de
30
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
118 a 137 MHz com o serviço de
radiocomunicação entre a torre de controle e as
aeronaves.
87,4 108 118 137 MHz
FM ILS COM
I II IIIB
No mundo ideal, os sinais de rádio FM, gerados dentro
da faixa de 87,4 a 108 MHz, deveriam ficar confinados
a essa região do espectro, pois todos os receptores de
FM estão projetados para receberem os sinais nessa
faixa de freqüência (ou, pelo menos, de 88 a 108 MHz).
Esse é o caso indicado como “I” na figura 1.
O sistema de radionavegação, na parte relativa aos
sinais de auxílio ao pouso da aeronave (Instrument
Landing System, ILS) é composto por dois grupos de
sinais. O primeiro possibilita o alinhamento horizontal
da aeronave com a pista (“localizer”), compreendendo
um par de sinais que operam em uma dada freqüência
na faixa de 108 a 118 MHz; e o segundo possibilita o
alinhamento vertical da aeronave com a “linha virtual
31
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
de descida” (“glide path”), sendo composto por um par
de sinais na faixa de 328 a 335 MHz. Cada aeroporto
possui equipamentos que transmitem um par de
freqüências características de “localizer” e “glide path”.
O receptor ILS das aeronaves, por sua vez, está
teoricamente programado para interpretar somente
esses sinais. Essa situação está indicada como “II” na
figura 1.
Já os rádios de comunicação aeronáutica (“COM”), por
sua vez, estão projetados para transmitirem e
receberem sinais na faixa de 118 a 137 MHz, indicado
como “III” na figura 1.
As radiointerferências, seja na faixa de ILS, seja
na COM, podem ocorrer por sinais gerados dentro
dessas freqüências e, nesse caso, são
classificadas pela recomendação ITU-R IS.1009
como “interferência de tipo A”. Ou podem ocorrer
por sinais gerados em outras freqüências, sendo
nesse caso classificadas como “interferências de
tipo B”.
As questões que se apresentam aqui, são: (1) como e
porquê ocorrem interferências de tipo A; e (2) como e
porquê, no caso da interferência de tipo B, um sinal
gerado em outro ponto do espectro acaba atingindo as
faixas aeronáuticas.
(...)
32
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
4. Interferências Provocadas por Sistemas de
Radiodifusão
Grande parte das queixas dos pilotos acerca de
interferências sofridas nos sistemas de radionavegação
e radiocomunicação, segundo os dados constantes do
PA 1.34.001.001444/2005-31 e supondo que não tenha
ocorrido uma pré-filtragem das amostras, refere-se a
interferências provocadas por emissoras de
radiodifusão.
As emissoras de radiodifusão na faixa de FM,
sejam elas comerciais, comunitárias ou outras,
estejam legalizadas ou não, transmitem na faixa
de 88 (ou 87,4) a 108 MHz. Não é intuito delas
irradiarem sinais nas faixas de radionavegação e
radiocomunicação aeronáuticas, pois não é ali
que residem seus ouvintes. Portanto, o sinal
dessas rádios somente vai desaguar nas faixas
aeronáuticas por obra do acaso, por uma das
seguintes razões:
i. problemas no sistema de transmissão
(equipamento, instalações) da emissora, de modo
a gerar sinais espúrios nas faixas aeronáuticas;
e/ou
ii. formação de produtos de intermodulação no
receptor, devido à presença de dois ou mais sinais
cujo resultado esteja dentro da faixa de operação
do receptor; ou
iii. interferência decorrente da incapacidade do
estágio de entrada do receptor em rejeitar sinais
33
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
de intensidade elevada de freqüências próximas
porém fora de sua faixa de operação.
Analisando-se os dados constantes do PA
1.34.001.001444/2005-31, PARECE SER OPORTUNO
PROMOVER UMA TAXONOMIA DAS EMISSORAS
QUE TRANSMITEM NA FAIXA DE 88 A 108 MHZ
(FM). A SIMPLES DIVISÃO EM EMISSORAS
“LEGAIS” E “ILEGAIS” (OU “PIRATAS”) NÃO É
SUFICIENTE, POIS O PROBLEMA DE
INTERFERÊNCIAS ELETROMAGNÉTICAS É UM
PROBLEMA TÉCNICO, QUE NÃO TOMA
CONHECIMENTO DO LADO JURÍDICO DA
QUESTÃO. ALÉM DISSO, SEGUNDO O SITE DA
ANATEL, SISTEMA INTERATIVO SRD, MUITAS
DAQUELAS QUE OPERAM EM CARÁTER
COMERCIAL, COM POTÊNCIAS ELEVADAS, SÃO
EMISSORAS NÃO AUTORIZADAS.
Assim, do ponto de vista técnico, parece ser mais
adequado classificar as emissoras em quatro
grupos, com critério misto de potência e natureza
da emissora, embora tal classificação também
tenha suas limitações. Os grupos seriam:
a. as emissoras comerciais e educativas, que
operam geralmente com potência superior a 1
kW (classes Especial, A, B e eventualmente C);
b. emissoras de média potência, tipicamente de
100 a 1 kW (em torno da classe C);
c. emissoras de baixa potência, comunitárias,
com 25 W;
d. outros serviços de radiodifusão, que não as da
faixa de FM.
34
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
A seguir serão abordados os casos de interferência de
cada um desses grupos.
4.1. Emissoras comerciais e educativas na faixa
FM
O PA 1.34.001.001444/2005-31 relata vários casos
envolvendo emissoras comerciais, os quais podem ser
divididos em dois grupos. O primeiro grupo envolve os
casos em que a emissora comercial (ou educativa)
estava, por alguma razão, gerando sinais espúrios ou
harmônicos, provocando interferências no serviço
aeronáutico ou em outros serviços de
telecomunicações. O segundo grupo é composto por
ocorrências em que, ao se aferir o sistema de
transmissão, nada foi constatado.
4.1.1. Exemplos de interferências provocadas por
emissoras comerciais
Alguns exemplos do primeiro grupo são relatados a
seguir.
Caso 4 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fl 466) .
Conforme informações do Ministério das Comunicações,
Delegacia no Estado de Minas Gerais, a Rota de
Fiscalização levada a cabo em maio de 1997 identificou
um problema de emissão de espúrios na Rádio Três
Marias (MG).
Instada a solucionar o problema, assim relata a referida
rádio, no dia 22/05/1997:
“De: Rádio Três Marias FM (etc.)
35
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
Para: Dentel – Departamento Nacional de
Telecomunicações (etc.)
A Rádio Três Marias FM, permissionária do serviço de
radiodifusão sonora em freqüência modulada nesta
cidade, vem apresentar a V.Sa. as providências que
foram tomadas com relação às interferências
detectadas desta emissora nos sistemas de
comunicação de aeronaves. O Transmissor Plante 1 kW,
(...) 104,7 MHz, teve sua válvula de saída substituída
pelo Eng. Jorge Luiz Xavier, que ao tentar sintonizar o
mesmo com válvula antiga, estava gerando espúrios
em todo o espectro de FM e adjacências. Foi
verificado por meio de um Scanner Receiver Kenwood
RZ1 e não se detectou mais nenhum sinal espúrio
(...).” (Grifo nosso).
Caso 5 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fl. 467) .
Conforme informações do Ministério das Comunicações,
Delegacia no Estado de Minas Gerais, a Rota de
Fiscalização levada a cabo em maio de 1997 identificou
um problema de intermodulação de serviço de
radiodifusão FM (99,7 MHz) com um serviço de
retransmissão de televisão. Instada a resolver o
problema, assim relata a referida rádio, no dia
28/05/1997:
“Prezado Senhor,
Em virtude de recentes medidas de campo feitas em
nossa cidade nas proximidades de nossos
transmissores pelo Sr. José Eduardo, foi detectado um
batimento em 127 MHz.
(...) nosso equipamento está de volta à normalidade,
após substituirmos o Gerador de Stereo, identificado
como o causador do batimento de freqüência.”
36
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
Caso 6 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 Anatel,
2003). A Anatel relata a ocorrência, em 02/04/2003,
de intermodulação devido aos sinais da Rádio Cidade de
Itu (SP) operando na freqüência de 104,7 MHz e o
Sistema Regional de Radiodifusão, de Votorantin (SP)
operando em 91,1 MHz. A conjunção de ambos
estava provocando um sinal interferente em
118,25 MHz. Após análise, foi constatado como
origem um problema de filtragem da primeira emissora.
Caso 7 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fls 2328-
2330). Em 05/04/2005 o DECEA de São José dos
Campos relata queixa de interferência provocada pela
Rádio Difusora de Taubaté. Notificada pela Anatel, a
emissora alegou que seus equipamentos encontravam-
se em ordem, mas poderia estar havendo
intermodulação com sinais de outra emissora cuja
antena encontrava-se co-localizada no mesmo prédio.
Caso 8 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fls 2334-
2335). O GEIV (Grupo Especial de Inspeção de Vôo)
relata vários casos de interferências na faixa de
radionavegação (ILS), devido a emissoras comerciais,
como a Rádio Gazeta (dia 17/10/2005, 19:00), Rádio
Transamérica (dia 18/10/2005, 9:45) e Rádio Band FM
(18/10/2005 10:45).
Notificada pela Anatel, alega a Rádio Transamérica (PA
1.34.001.001444/2005-31, fls 2336-2345) que seus
equipamentos encontram-se em ordem, mas aventa a
hipótese de estar havendo batimento com a rádio (não
autorizada) 89,1 MHz, conforme os cálculos:
F1 = 100,1 MHz (Rádio Transamérica)
37
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
F2 = 89,1 MHz (rádio 89)
batimento 2xF1 – F2 = 111,1 MHz – freqüência do ILS
interferido.
Entretanto, ainda que a hipótese aventada pela Rádio
Transamérica pareça fazer sentido, resta indagar por
quê o sinal 2xF1 (segunda harmônica dessa emissora)
estaria presente no ar com uma potência significativa.
Nos termos do Regulamento Técnico para Emissoras de
Radiodifusão Sonora em Freqüência Modulada (1998)
da Anatel, esse sinal deveria ter uma potência máxima
de -31,2 dB, ou 76 miliwatts, para a referida emissora
– portanto, em um nível que seria insignificante para
provocar o batimento com o sinal da 89 FM.
Caso 9 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fls. 2471-
2474). Por instância da INFRAERO de Ribeirão Preto, a
Anatel notificou a Rádio USP FM de Ribeirão Preto por
supostas interferências na freqüência de 118 MHz, em
26/03/2007. A referida emissora, após checagem em
conjunto com o fabricante do equipamento, constatou
não haver emissão de espúrios, porém uma
sobremodulação de 130%. Aparentemente, após a
correção do mesmo, não foram mais verificadas as
referidas interferências.
Os exemplos citados ilustram casos de
interferência provocados por emissoras
comerciais. Como pode ser observado pelos
exemplos, elas podem ocorrer tanto por emissão
de espúrio diretamente na freqüência afetada
(casos 4 e 9), quanto por batimento com sinais de
outras emissoras (casos 5 a 8). Nos casos
citados, as interferências surgiram devido a
38
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
problemas técnicos nos equipamentos
transmissores dessas emissoras.
(...)
4.2. Interferências provocadas por emissoras de
média potência
Conforme descrito no parágrafo 31, denominamos,
para o propósito exclusivo deste documento,
“emissoras de média potência” como aquelas que
atuam com potências superiores a 25 watts,
tipicamente na faixa de 100 a 1.000 watts, e atuam de
forma irregular perante a Anatel.
A maior parte das ocorrências de interferência parece
recair neste caso. Entretanto, uma análise das séries
históricas indica alguns outros denominadores comuns,
que merecem atenção:
a. umas poucas emissoras são responsáveis por
um grande número de incidentes;
b. essas emissoras transmitem, em ocasiões diversas,
empregando diferentes nomes fantasia. Por
exemplo, as rádios MP Gospel, FM 101.5, Rádio
Station, Rádio Trans São Paulo e Virtual FM, com
episódios registrados de março a junho de 2007,
parecem referir-se, pelos telefones divulgados e
pela alternância de datas de ocorrência, à mesma
emissora;
c. volta e meia são fornecidos números de telefone.
Entretanto, ao discar-se para esses números, por
vezes o número é dado pela operadora como
inexistente, ou a ligação é atendida por pessoa
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aparentemente em domicílio (vozes e sons de
ambiente domiciliar), sem qualquer vínculo com a
emissora.
Os dados levantados indicam, no mais das vezes, a
geração de sinais espúrios por parte dessas emissoras,
interferindo diretamente nas faixas aeronáuticas.
Existem dois possíveis fatores que contribuem
para a formação desses sinais espúrios:
a. emprego de equipamentos com características
técnicas inadequadas; e/ou
b. instalação mal feita, com problemas como o de
descasamento de impedâncias.
A TESE MAIS DIFUNDIDA PELA AGÊNCIA
REGULADORA E EMISSORAS COMERCIAIS É A DA
NECESSIDADE DO EMPREGO DE EQUIPAMENTOS
HOMOLOGADOS, PARA SE EVITAR O PROBLEMA
“A”. APESAR DESSA FRASE SER CORRETA NO
MAIS DAS VEZES, SUA VALIDADE NÃO É
ABSOLUTA. AQUELES DIVERSOS INCIDENTES
RELATADOS NA SEÇÃO 4.1 OCORRERAM, TODOS,
COM EQUIPAMENTOS HOMOLOGADOS. Os
problemas, naqueles casos cuja causa foi
identificada, foram devidos a um mal
funcionamento ou regulagem do equipamento
(homologado). Assim, no caso das emissoras de
potência média, os equipamentos, ainda que
homologados, poderiam também causar
problemas se incorrerem no caso “b”, de
instalações mal feitas.
Cabe reparar também que, ao contrário do observado
nas emissoras comerciais, é rara a ocorrência de
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interferências por intermodulação, sendo o mais
freqüente a incidência direta de sinais espúrios. Uma
possível explicação para esse fenômeno é que os
produtos de intermodulação ocorrem no receptor da
aeronave e, além da freqüência, importa o elevado
nível da potência incidente. Assim, quanto maior a
potência irradiada pela emissora, maior é o risco
de geração de produtos de intermodulação no
receptor aviônico. Ou, simetricamente, quanto menor
um, menor o outro.
4.3. Interferências provocadas por emissoras
comunitárias
A despeito da existência de uma miríade de emissoras
comunitárias, operando com potências de até 25 watts,
O PA 1.34.001.001444/2005-31 NÃO REGISTRA
UM ÚNICO CASO DE INCIDENTE ENVOLVENDO
TAIS EMISSORAS. Ocorrências existem nas quais é
citada uma “rádio comunitária tal”, mas sem a
indicação de sua potência.
DAS CENTENAS DE INCIDENTES DE
RADIOINTERFERÊNCIA REGISTRADOS, E DA
DEZENA E POUCA DE EMISSORAS IDENTIFICADAS
E AUTUADAS PELA ANATEL E POLÍCIA FEDERAL,
EM TODOS OS CASOS A POTÊNCIA OPERADA ERA
SUPERIOR AO EMPREGADO PELAS RÁDIOS
COMUNITÁRIAS, DE 25 WATTS. A menor potência
observada, nas rádios autuadas, foi de 41 watts, da
Rádio Peniel FM, localizada no município de Guarujá,
SP. Todas as demais operavam acima de 100 watts.
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4.4. Interferências provocadas por outros
serviços de radiodifusão.
Um problema que ocorre com certa incidência é a
interferência provocada por emissoras (geradoras ou
retransmissoras) do serviço de televisão. E, em menor
grau, por emissoras de radiodifusão comerciais
operando na faixa de AM, conforme ilustrados pelos
seguintes casos.
Caso 14 (PA 1.34.001.001444/2005-31 fl. 457,
Anatel, 2003). Em 06/02/2002, o Controle de Tráfego
Aéreo (ACC) do Cindacta-I comunica à Anatel a
ocorrência de interferência na freqüência de 127,0 MHz,
na posição 19º33'53”S – 45º17'07”W. O conteúdo do
sinal interferente foi identificado como programação da
Rede Globo.
Caso 15 (PA 1.34.001.001444/2005-31 fl 464).
Em maio de 1997, a Delegacia no Estado de Minas
Gerais do Ministério das Comunicações efetuou Rota de
Fiscalização, tendo notificado três estações
retransmissoras de televisão na cidade de Morada Nova
de Minas, por estarem irradiando sinais espúrios fora
de faixa.
Caso 16 (PA 1.34.001.001444/2005-31 fl 456).
Em 07/01/2003, o CINDACTA-I de Brasília comunicou a
ocorrência de interferências em todas as freqüências da
estação VHF de Jataí-GO. Segundo o CINDACTA, a
fonte interferente foi identificada como sendo a Rádio
Difusora AM 680 kHz de Jataí. O caso não pode ser
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resolvido administrativamente pelo CINDACTA, que
então solicitou apoio à Anatel.
7. Conclusão
Do conjunto de informações levantadas e analisadas,
depreende-se que são muitas as possíveis causas de
interferências que incidem sobre as faixas de
radionavegação e radiocomunicação aeronáuticas.
NO CASO DAS INTERFERÊNCIAS PROVOCADAS
POR ENTIDADES DE RADIODIFUSÃO, OS
PROBLEMAS INDEPENDEM DO CARÁTER LEGAL OU
NÃO DESSAS ENTIDADES, ATÉ PORQUE SÃO
MUITAS AS EMISSORAS COMERCIAIS QUE NÃO
POSSUEM A DEVIDA OUTORGA DOS PODERES
COMPETENTES. ANTES, O PROBLEMA DE
RADIOINTERFERÊNCIA, QUE POSSUI UM
CARÁTER EMINENTEMENTE TÉCNICO, ADVÉM DE
ORIGENS TÉCNICAS: EQUIPAMENTOS MAL
AJUSTADOS E INSTALAÇÕES MAL FEITAS. A
HOMOLOGAÇÃO DO EQUIPAMENTO, POR PARTE
DA ANATEL, FORNECE UMA CERTA RETAGUARDA,
PORÉM NÃO É UMA GARANTIA ABSOLUTA
CONTRA A GERAÇÃO DESSAS INTERFERÊNCIAS.
OUTRO ASPECTO IMPACTANTE É A POTÊNCIA DOS
SINAIS IRRADIADOS: QUANTO MAIOR, MAIOR É
A PROBABILIDADE DE OCORRÊNCIA DE
PRODUTOS DE INTERMODULAÇÃO.”
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Como se vê, Excelência, nada mais injusto e
equivocado do que acusar os Autores desta ação de “violar o mais
importante dos direitos fundamentais do cidadão, que é o direito à vida”
(fls. 1981). Como demonstram à saciedade os documentos e o parecer ora
anexado a estes autos, DAS CENTENAS DE INCIDENTES DE
INTERFERÊNCIA REPORTADOS PELOS ÓRGÃOS DE CONTROLE
AÉREO, NENHUM ENVOLVIA RÁDIOS COM POTÊNCIA INFERIOR A 25
WATTS, LIMITE ESTABELECIDO PELA LEI 9.612/98.
Vale lembrar que, diversamente do que
maliciosamente alegam as Rés, não estão os Autores postulando o
“funcionamento das rádios comunitárias no país, com isenção do
cumprimento das exigências legais pertinentes” (fls. 1978). O pedido da
ação coletiva não poderia ser mais claro a respeito da verdadeira pretensão
dos Autores: “a concessão de tutela antecipatória de efeitos nacionais para
o fim de ordenar à UNIÃO e à ANATEL que se abstenham de impedir o
funcionamento provisório dos serviços de radiodifusão comunitária
prestados pelas associações comunitárias e fundações instaladas no
território brasileiro que apresentaram a petição referida no art. 9º, caput,
da Lei 9.612/98 há mais de 18 meses. O funcionamento do serviço
estará garantido somente até a conclusão definitiva dos respectivos
processos administrativos, cabendo às entidades radiodifusoras
cumprir fielmente as normas de regência do serviço , especialmente
no que se refere à limitação da potência e ao disposto no art. 4º da
Lei 9.612/98”.
No mais, tratando-se de fato impeditivo do direito
coletivo tutelado pelos Autores desta ação, é ônus15 das Rés provar, com
15 Código de Processo Civil, art. 333, inciso II.
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argumentos de ordem técnica16, que rádios geridas por associações
comunitárias, ainda que não autorizadas, mas que operam nos
estritos limites da Lei 9.612/98 (inclusive com a potência de
transmissão restrita a 25 watts), têm o condão de prejudicar os
sistemas de comunicação, a ponto de pôr em risco direitos de
terceiros. A julgar pelas notificações de interferência encaminhadas ao
Ministério Público Federal pela própria ANATEL, o argumento ad terrorem é
insustentável do ponto de vista fático.
2. Confissão tácita das Rés a respeito dos fatos alegados na inicial.
Como já mencionado, a contestação apresentada
pelas Rés não contém uma linha sequer a respeito da notória e comprovada
incompetência do serviço de outorga de radiodifusão comunitária, prestado
pelo Ministério das Comunicações e pela ANATEL. A faute du service17
constitui a causa de pedir próxima desta ação, e era ônus das Rés
impugnar, precisamente, na contestação, os fatos narrados na inicial. Como
16 E não mediante a juntada de matérias jornalísticas de cunho sensacionalista, desprovidas de qualquer fundamento técnico.17 Vale trazer à colação, a propósito, a lição de André de Laubadère: « La faute administrative peut revêtir l’un ou l’autre des deux aspects suivants : Elle peut, d’une part, consister en un faute individuelle, commise par un agent qu’il est possible d’identifier (...) Mais la faute administrative peut également consister en une faute anonyme dont l’auteur n’apparait pas d’une manière claire sous la forme d’un fonctionnaire identifiable : c’est le service dans son ensemble qui a mal fonctionné (...) La jurisprudence a du reste donné a ce type de faute administrative le nom, sans doute purement métaphorique mais fort expressif, de faute du service public » (apud Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Sao Paulo, Malheiros, 1996, p. 577).
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não o fizeram, devem sofrer os efeitos da revelia, nos termos do que
dispõem os arts. 30218 e 31919 do Código de Processo Civil.
Nem se alegue que a presunção de veracidade dos
fatos não impugnados não incide sobre a Fazenda Pública, pois o E.
Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir justamente o
contrário: “A falta de contestação enseja, quanto à matéria de fato,
os efeitos da revelia contra a Fazenda Pública”20.
Portanto, as alegações de que: a) as Rés vêm
ilegalmente obstando a tramitação de milhares de pedidos de autorização
de funcionamento de rádios comunitárias em todo o Brasil ao retardar, sine
die, a publicação dos Avisos de Habilitação necessários ao andamento do
processo; b) mesmo após a publicação dos Avisos de Habilitação, a
ineficiência e a burocracia da União prolongam em mais de três anos e meio
a expedição do ato de autorização de funcionamento das rádios
comunitárias, não devem ser consideradas fatos controvertidos neste
processo, dispensando, desse modo, a produção de outras provas em
acréscimo à farta documentação já juntada quando da propositura da
demanda.
18 Art. 302. Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo: I – se não for admissível, a seu respeito, a confissão; II – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considera substância do ato; III – se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.19 Art. 319. Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.20 STJ – 6ª Turma – REsp 132706-DF – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – j. 01.09.97 – v.u. – DJU 13.10.97, p. 51.671.
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IV. SÍNTESE DOS ARGUMENTOS E REQUERIMENTOS FINAIS
Ao final desta manifestação, gostariam os Autores
de enfatizar os seguintes pontos:
a) os Autores estão em juízo para assegurar a
efetividade de um direito fundamental da maior relevância para qualquer
Estado Democrático, qual seja, o direito à livre e plural comunicação de
idéias;
b) o exercício de tal direito, em pequenas
comunidades, vem sendo sistematicamente obstado pelas Rés, na medida
em que o serviço público de outorga de radiodifusão comunitária é
reconhecidamente ineficiente e moroso;
c) as Rés implicitamente confessaram a faute du
service na medida em que não apresentaram nenhuma impugnação
específica aos fatos que constituem a causa de pedir desta ação;
d) ante a manifesta omissão do Poder Concedente,
e em respeito ao princípio constitucional da efetividade da tutela
jurisdicional (CR, art. 5º, XXXV), compete ao Poder Judiciário assegurar
resultado prático equivalente àquele necessário à realização do direito não-
patrimonial lesado;
e) o pedido principal formulado nesta ação nada
mais faz do que buscar estender, erga omnes, os efeitos de inúmeras
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decisões proferidas pelo E. Superior Tribunal de Justiça, em ações
individuais ajuizadas por associações comunitárias;
f) nenhuma ofensa há à separação de poderes,
uma vez que os Autores não pretendem que a tutela jurisdicional substitua
a manifestação do Poder Concedente. O que se está buscando nesta ação é
tão somente a garantia do funcionamento provisório das rádios
comunitárias cujas respectivas associações mantenedoras aguardam, para
além do prazo razoável, a manifestação do Poder Concedente;
g) muito embora aleguem que “o funcionamento
clandestino de rádios comunitárias pode pôr em risco inúmeras atividades
públicas e privadas ligadas à segurança de comunidades”, as Rés não
juntaram uma única prova apta a demonstrar, tecnicamente, a veracidade
da grave afirmação que fazem. Em vez disso, lançam mão do batido
argumento ad terrorem, apelando ao medo coletivo de um acidente aéreo
para fazer valer sua tese, no lugar de apresentar as razões de ordem
técnica que permitiriam concluir que a tutela jurisdicional, na forma como
foi requerida, colocaria de fato o sistema de navegação aérea em risco;
h) como demonstram à saciedade o parecer e os
documentos anexados à presente manifestação, não há relação alguma
entre a situação jurídica da emissora (outorgada/não-outorgada) e a
aptidão da mesma para interferir em sistemas de comunicação. Isto porque
a própria ANATEL registrou (e ainda registra) inúmeras interferências
provocadas por emissoras outorgadas, inclusive grandes emissoras
comerciais como Rede Globo, Rádio Gazeta FM, Rádio Transamérica, Rádio
Tupi, Band FM, Rádio 89 FM, e Nova Brasil FM;
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
i) em contrapartida, de TODOS os casos de
interferência informados ao Ministério Público Federal, NENHUM dizia
respeito a emissões comunitárias de potência igual ou inferior a 25 watts,
limite legal imposto pela Lei 9.612/98;
j) deste modo, conclui-se que não fundamento de
ordem fática que justifique a não-concessão da tutela jurisdicional, nos
estritos limites pleiteados pelos Autores, qual seja, “a concessão de tutela
antecipatória de efeitos nacionais para o fim de ordenar à UNIÃO e à
ANATEL que se abstenham de impedir o funcionamento provisório dos
serviços de radiodifusão comunitária prestados pelas associações
comunitárias e fundações instaladas no território brasileiro que
apresentaram a petição referida no art. 9º, caput, da Lei 9.612/98 há mais
de 18 meses”;
h) mais uma vez, desejamos enfatizar que a tutela
jurisdicional pleiteada exige que as entidades radiodifusoras beneficiadas
cumpram fielmente as normas de regência do serviço, especialmente no
que se refere à limitação da potência de irradiação (25 watts).
Nesses limites tão estreitos, não se vislumbra
perigo algum à segurança das comunicações, e muito menos risco à vida
humana.
Por todo o exposto, requerem os Autores:
a) a juntada dos documentos e laudos anexos;
b) a produção de PROVA PERICIAL, na forma do
que dispõem os arts. 420 e seguintes do Código de Processo Civil, com o
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escopo de esclarecer o ponto controvertido desta ação, qual seja, o
de que rádios não-outorgadas que emitem suas transmissões no
limite de potência de 25 watts são capazes de interferir
significativamente em sistemas de comunicação, mormente o
sistema de navegação aérea;
c) a fixação do PRAZO DE 60 DIAS para que a
UNIÃO dê efetivo andamento a TODOS os pedidos de autorização de
funcionamento de radiodifusão comunitária protocolados na
Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das
Comunicações, sob pena de imposição de MULTA DIÁRIA não
inferior a R$ 50.000,00, a ser suportada pessoalmente pelos
dirigentes daquele órgão, nos termos do que autoriza o art. 461, § 4º,
do Código de Processo Civil.
São Paulo, 29 de outubro de 2007.
SERGIO GARDENGHI SUIAMA
Procurador da República
EDUARDO ALTOMARE ARIENTE
OAB/SP 206.944
ANNA CLÁUDIA PARDINI VAZZOLER
OAB/SP 163.557
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