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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA __ VARA FEDERAL DASUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS – ESTADO DE SÃO PAULO
“A regra da igualdade não consiste senão emquinhoar desigualmente os desiguais, na medida emque se desigualam. Nesta desigualdade social,proporcionada à desigualdade natural, é que se achaa verdadeira lei da igualdade... Tratar comdesigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade,seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”(Ruy Barbosa)
“O amor da democracia é o da igualdade.”(Montesquieu)
“O sonho da igualdade só cresce no terreno dorespeito pelas diferenças.” (Augusto Cury)
“A igualdade brilha por si mesma; a dúvida é semprepresunção de injustiça.” (Cícero)
Inquérito Civil nº 1.34.012.000312/2017-05
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da
República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem à
presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, III, da Constituição
da República, nos arts. 5º, I, h, e III, e, e 6º, VII, a e d, e XIV, f, ambos da Lei
Complementar nº 75/1993, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com
COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
ANTECIPATÓRIA E INCIDENTAL, em face de
COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO –CODESP, sociedade de economia mista vinculada àSecretaria de Portos da Presidência da República, inscrita noCNPJ sob o nº 44.837.524/0001-07, com sede na avenidaConselheiro Rodrigues Alves s/nº, bairro Macuco, CEP
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11015-900, Santos/SP, telefone (13) 3202-6565.
Pelos motivos a seguir expostos.
1. OBJETIVOS DA DEMANDA
A presente ação civil pública tem por objetivo promover a
anulação do concurso público realizado pela COMPANHIA DOCAS DO ESTADO
DE SÃO PAULO – CODESP para Provimento dos Cargos de Especialista
Portuário – Administrador, Especialista Portuário – Advogado, Especialista
Portuário – Analista de Sistemas, Especialista Portuário – Arquiteto, Especialista
Portuário – Assistente Social, Especialista Portuário – Contador, Especialista
Portuário – Controlador de Tráfego Marítimo, Especialista Portuário –
Economista, Especialista Portuário – Engenheiro de Segurança do Trabalho,
Especialista Portuário – Engenheiro Eletricista, Especialista Portuário – Jornalista,
Especialista Portuário – Médico do Trabalho, Especialista Portuário – Psicólogo,
Especialista Portuário – Técnico de Comunicação Social, Enfermeiro do Trabalho,
Técnico de Segurança do Trabalho, Técnico Portuário – Administrativo, e Técnico
Portuário – Eletricista (Edital nº 001/2017), bem assim assegurar o direito dos
candidatos negros, pardos e deficientes de participar do concurso público de
forma isonômica.
Busca-se, ainda, obter provimento jurisdicional que imponha
à CODESP obrigação de fazer, consistente em adotar as providências
necessárias e, assim, impedir a utilização, nos próximos concursos públicos por
ela promovidos, de cláusulas de barreira que impeçam o acesso de negros,
pardos e deficientes a cargos públicos, além de estabelecer nota de corte
diferenciada para candidatos que venham a concorrer em uma dessas condições.
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2. SÍNTESE FÁTICA
O inquérito civil subjacente foi instaurado com esteio em
comunicação efetuada por um candidato à vaga de Especialista Portuário –
Administrador, indicando a ocorrência de possíveis irregularidades no concurso
público promovido pela COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO –
CODESP através do Edital nº 001/2017 (fls. 2/4).
De acordo com a representação, a banca examinadora
inobservou a Lei nº 12.990/2014 e o Decreto Federal nº 3.298/1999, que
disciplinam, respectivamente, a reserva de vagas para negros e pardos e a
reserva de vagas a candidatos portadores de necessidades especiais nos
concursos públicos realizados no âmbito da Administração Pública Federal direta
e indireta.
Assim, para melhor apuração dos fatos, buscou-se avaliar os
critérios de classificação utilizados pela banca examinadora.
Primeiro, constata-se que, quando da publicação do edital,
estabeleceu-se, nos itens 2.2, 2.2.2, 5.2 e 6.1, regra restritiva indevida,
estipulando nota de corte única para todos os candidatos indistintamente, não
diferenciando aqueles que concorriam na qualidade de negros, pardos ou
deficientes1.
1 2.2 Para todos os cargos, exceto para os cargos 02 – Advogado, 07 – Controlador de Tráfego Marítimo e 17– Técnico Portuário (Administrativo), serão classificados os candidatos que obtiverem NOTA MÁXIMAdeterminada pela nota do 50° (quinquagésimo) candidato classificado, condicionado ao acerto de pelomenos 50% na Prova Objetiva.
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Quanto às regras editalícias que impedem o candidato de
prosseguir no certame, denominadas regras restritivas, oportuno esclarecer que
se trata de gênero, do qual são espécies as cláusulas eliminatórias e as
cláusulas de barreira.
As cláusulas eliminatórias preveem, por exemplo, a
exclusão dos candidatos que não acertarem, pelo menos, 50% (cinquenta por
cento) das questões objetivas de cada matéria, como maneira de aferir se o
candidato possui desempenho suficiente, o que ocorre no presente caso, com
fundamento na regra em comento.
A segunda espécie de regra restritiva, denominada cláusula
de barreira, utilizada para restringir o número de candidatos que não foram
excluídos pela regra eliminatória, constitui, entretanto, mecanismo que, embora
não elimine o candidato pelo desempenho inferior ao exigido (v.g.: mínimo de
acertos, tempo mínimo de prova), impede sua participação na etapa seguinte do
concurso em razão de não se encontrar entre os mais bem classificados.
A aplicação de tal regra justifica-se entre candidatos que
concorram em posição de igualdade, para que, dentre eles, com base em
2.2.2 Serão excluídos do concurso os candidatos que não obtiverem a NOTA MÁXIMA e/ou não obtiverem50% de acerto na Prova Objetiva, inclusive os inscritos nas condições de deficiente ou de pretos, podendoconsultar seu desempenho no site www.caipimes.com.br mediante identificação pelo número de inscriçãoe CPF.
5.2 Será aplicado o critério de NOTA MÍNIMA, na Prova Objetiva, sempre condicionada ao acerto de pelomenos 50% da Prova Objetiva, exigida para que o candidato ao cargo 02 – Advogado participe da SegundaFase. A NOTA MÍNIMA será determinada pela posição do 80° (octagésimo) candidato classificado,respeitada a condição de empate na 80° (octagésima) posição na Prova Objetiva, sendo excluídos doconcurso os demais candidatos, mesmo os inscritos como deficientes e negros (princípio cláusula debarreira)
6.1 Serão classificados os 50 (cinquenta) primeiros candidatos, cujos cargos exigirem Fase Única, exceto o deTécnico Portuário (Administrativo), que classificará os 200 (duzentos) primeiros candidatos.
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critérios puramente objetivos, sejam selecionados os que demonstrarem melhor
desempenho. Porém, utilizada sem distinção entre candidatos concorrendo em
lista geral e candidatos que concorram nas listas de negros, pardos e portadores
de deficiência, torna-se um mecanismo de discriminação indevida, capaz de
frustrar a aplicação da Lei nº 12.990/2014, bem como do Decreto Federal nº
3.298/99, que, em fundamentação incidental, teve sua constitucionalidade
reafirmada no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº
41/DF, rel. Min. Roberto Barroso, em 8/6/2017 (ADC-41):
“ (…) É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nosconcursos públicos para provimento de cargos efetivos eempregos públicos no âmbito da Administração Pública Direta eIndireta.É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critériossubsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada adignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e aampla defesa.Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade,julgou procedente o pedido formulado em ação declaratória deconstitucionalidade em que se discutia a legitimidade da Leifederal nº 12.990/2014.A norma reserva aos candidatos que se autodeclararem pretos oupardos 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos paraprovimento de cargos e empregos públicos. Prevê também que,na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato seráeliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito àanulação da sua admissão, após procedimento administrativo. Alei ainda dispõe que a nomeação dos candidatos aprovadosrespeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, queconsideram a relação entre o número de vagas total e o númerode vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatosnegros (vide Informativo 864).Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentou aquestão das cotas raciais em três planos de igualdade, tal comocompreendida na contemporaneidade: a) formal; b) material; e c)como reconhecimento.A igualdade formal impede a lei de estabelecer privilégios ediferenciações arbitrárias entre as pessoas, isto é, exige que ofundamento da desequiparação seja razoável e que o fimalmejado seja compatível com a Constituição. No caso analisado,o fundamento e o fim são razoáveis, motivados por um dever de
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reparação histórica e por circunstâncias que explicitam umracismo estrutural na sociedade brasileira a ser enfrentado.Quanto à igualdade material, o Colegiado observou que o racismoestrutural gerou uma desigualdade material profunda. Dessemodo, qualquer política redistributivista precisaráindiscutivelmente assegurar vantagens competitivas aos negros.Enfatizou, em relação à igualdade como reconhecimento, que esseaspecto identifica a igualdade quanto ao respeito às minorias e aotratamento da diferença de um modo geral. Significa respeitar aspessoas nas suas diferenças e procurar aproximá-las, igualandoas oportunidades. A política afirmativa instituída pela Lei12.990/2014 tem exatamente esse papel.Frisou haver uma dimensão simbólica importante no fato denegros ocuparem posições de destaque na sociedade brasileira.Além disso, há um efeito considerável sobre a autoestima daspessoas. Afinal, cria-se resistência ao preconceito alheio.Portanto, a ideia de pessoas negras e pardas serem símbolo desucesso e ascensão e terem acesso a cargos importantesinfluencia a autoestima das comunidades negras. Ademais, opluralismo e a diversidade tornam qualquer ambiente melhor emais rico.O STF concluiu que a lei em análise supera com facilidade o testeda igualdade formal, material e como reconhecimento.Afastou a alegada violação ao princípio do concurso público.Afinal, para serem investidos em cargos públicos, os candidatosnegros têm de ser aprovados em concurso público. Caso nãoatinjam o patamar mínimo, sequer disputarão as vagas. Observouque apenas foram criadas duas formas distintas de preenchimentode vagas, em razão de reparações históricas, sem abrir mão docritério mínimo de suficiência.Rejeitou a apontada violação ao princípio da eficiência. Registrouser uma visão linear de meritocracia a ideia de quenecessariamente os aprovados em primeiro lugar por umdeterminado critério sejam absolutamente melhores que osoutros. Tal conceito já havia sido rechaçado pelo ministro RicardoLewandowski no julgamento da ADPF 186/DF (DJE de20.10.2014), segundo o qual a noção de meritocracia devecomportar nuances que permitam a competição em igualdade decondições.Afirmou haver um ganho importante de eficiência. Afinal, a vidanão é feita apenas de competência técnica, ou de capacidade depontuar em concurso, mas, sim, de uma dimensão decompreensão do outro e de variadas realidades. A eficiência podeser muito bem-servida pelo pluralismo e pela diversidade noserviço público.A Corte também não vislumbrou ofensa ao princípio daproporcionalidade. A demanda por reparação histórica e ação
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afirmativa não foi suprida pelo simples fato de existirem cotaspara acesso às universidades públicas. O impacto das cotasraciais não se manifesta no mercado de trabalhoautomaticamente, pois há um tempo de espera até que essaspessoas estudem, se formem e se tornem competitivas. Ademais,seria necessário supor que as mesmas pessoas que entraram porcotas nas universidades estariam disputando as vagas nosconcursos.Reputou que a proporção de 20% escolhida pelo legislador éextremamente razoável. Se essa escolha fosse submetida a umteste de proporcionalidade em sentido estrito, também nãohaveria problema, porque 20%, em rigor, representariam menosda metade do percentual de negros na sociedade brasileira (…)”.
À guisa de ilustração, pela análise da lista de candidatos
aprovados para o cargo de Especialista Portuário – Administrador (fls. 52/52 vº),
observa-se que, havendo 50 (cinquenta) candidatos na lista geral, conforme
item 2.2 do edital2, o percentual de candidatos constantes da lista de
classificação de candidatos negros e pardos deveria equivaler a 20% (vinte por
cento) desse montante, o que não ocorreu, havendo 6 (seis) candidatos nessa
lista, tendo em vista que a banca examinadora impediu a classificação dos
candidatos autodeclarados negros e pardos que, embora tenham atingido a nota
mínima de 50% (cinquenta por cento) de acertos na prova, não alcançaram a
nota de corte estabelecida pela pontuação dos candidatos da lista de ampla
concorrência.
Corroborando esse pensamento, veja-se que, para o cargo
de Técnico Portuário – Administrativo (fls. 62/65), foram classificados 200
(duzentos) candidatos na lista de ampla concorrência, nos termos do item 6.1
do edital3, ao passo que, na lista de candidatos negros e pardos, foram
2 2.2 Para todos os cargos, exceto para os cargos 02 – Advogado, 07 – Controlador de Tráfego Marítimo e 17– Técnico Portuário (Administrativo), serão classificados os candidatos que obtiverem NOTA MÁXIMAdeterminada pela nota do 50° (quinquagésimo) candidato classificado, condicionado ao acerto de pelomenos 50% na Prova Objetiva.
3 6.1 Serão classificados os 50 (cinquenta) primeiros candidatos, cujos cargos exigirem Fase Única, exceto ode Técnico Portuário (Administrativo), que classificará os 200 (duzentos) primeiros candidatos.
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classificados 23 (vinte e três) candidatos, número menor que o devido, tendo
em vista a determinação de reserva de 20% (vinte por cento) das vagas aos
candidatos concorrendo nessa condição, estabelecida na Lei nº 12.990/2014, o
que tornaria obrigatória a classificação de 40 (quarenta) candidatos na lista
especial, pois seria o equivalente a 20% (vinte por cento) do total de candidatos
da lista de ampla concorrência.
Diante desse quadro factual, conclui-se pela existência de
prejuízo em razão da inobservância da referida lei na condução do concurso
público.
Mas, ainda que não houvesse concreto prejuízo a direitos ou
interesses tuteláveis pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, releva destacar
que a previsão editalícia afronta o ordenamento jurídico em vigor, já em nível
constitucional, e as expectativas sociais legítimas de concretização de direitos
assegurados em lei, atuando, pois, no plano abstrato, da mera potencialidade de
prejuízo, e devendo, assim, ser combatida.
A CODESP, questionada sobre os critério(s) de fixação da
nota mínima (nota de corte) e sua utilização para a formação das listas de
ampla concorrência e as destinadas aos candidatos negros, pardos e deficientes,
informou que a “cláusula de barreira” que determinava a classificação dos
melhores candidatos encontra respaldo em decisão emanada pelo Excelso
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº
635.739/AL, ao definir a constitucionalidade da instituição de cláusulas de
barreira em concursos públicos, para seleção dos candidatos mais bem
colocados (fls. 68/71).
Cabe observar, contudo, que a ratio decidendi do Recurso
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Extraordinário nº 635.739/AL alicerça-se em premissa fática distinta do caso
sub examine, pelos motivos a seguir declinados:
a) No RE nº 635.739/AL, apreciou-se questão em que o
edital do concurso público para o cargo de Agente da Polícia Civil do Estado de
Alagoas limitou o número de candidatos para a etapa do exame psicotécnico até
a posição de classificação correspondente ao dobro do número de vagas; ou
seja, à semelhança do caso em análise, estabeleceu-se uma cláusula de
barreira, entretanto, tal cláusula foi estabelecida entre candidatos concorrendo
em iguais condições, na lista de ampla concorrência.
b) Estando os sujeitos em condições de igualdade subjetiva,
reputou-se constitucional a utilização de cláusulas de barreira, quando fundadas
(e assim justificadas) em critérios objetivos relacionados ao desempenho
meritório do candidato, concretizando o princípio da igualdade (e também o
princípio da impessoalidade) no âmbito do concurso público. Acontece que, no
caso em análise, as disposições editalícias impugnadas utilizadas para
determinar os candidatos mais bem classificados, afastam, por via oblíqua, a
força normativa da Lei nº 12.990/2014 e do Decreto Federal nº 3.298/99, que,
por seu conteúdo inclusivo, criam critérios subjetivos de diferenciação,
determinando ao administrador que, na busca da isonomia material, estabeleça
critérios objetivos diferenciados entre os candidatos autodeclarados negros,
pardos e deficientes.
3. DIREITO
3.1. COMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE E
TERRITORIAL DA JUSTIÇA FEDERAL LOCAL
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A competência para a cognição e o julgamento deste feito
decorre da circunstância de os atos objurgados terem sido praticados no âmbito
de sociedade de economia mista (COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO
PAULO – CODESP) vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da
República, em cumprimento às sujeições oriundas do regime híbrido
regente do serviço público delegado (organização dos portos), e não em
seus atos de gestão interna, enquanto pessoa jurídica de Direito Privado com
autonomia de administração. Assim, os fatos narrados nesta demanda
constituem ofensa à bem jurídico da União, de análise afeta ao Judiciário
Federal, por força do ditado nos arts. 21, XII, f, e 109, I, ambos da Constituição
Federal:
“Art. 21. Compete à U nião: (...)XXII – explorar, diretamente ou medianteautorização, concessão ou permissão:
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;”
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ouempresa pública federal forem interessadas na condiçãode autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as defalência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à JustiçaEleitoral e à Justiça do Trabalho;” (grifos acrescidos)
Nesse particular aspecto, deve-se entender que a sociedade
de economia mista federal, para os efeitos de fixação da competência, somente
tem foro na Justiça Federal, quando a UNIÃO intervém como assistente ou
opoente, como previsto na Súmula n° 517 do Supremo Tribunal Federal.
De qualquer maneira, cabe ressaltar que a simples presença
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do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL no polo ativo da ação atrai a competência
da Justiça Federal.
“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVILPÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CODESP.ARRENDAMENTO SEM PRÉVIA LICITAÇÃO. LEGITIMIDADEATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIADA JUSTIÇA FEDERAL. O art. 6º, XIV, "f", da LeiComplementar nº 75/1993, dispõe entre as funçõesinstitucionais do Ministério Público da União, promover adefesa da probidade administrativa, dando a Lei nº8.429/1992 concretude a esse controle, ao dispor quequalquer agente público, servidor ou não, se sujeita às suaspenalidades quando pratica atos de improbidade contra aadministração direta, indireta ou fundacional de qualquerdos Poderes da União (art. 1º). O fato de a CompanhiaDocas do Estado de São Paulo - CODESP ser umasociedade de economia mista, não afasta o interessefederal na presente lide, sobretudo no âmbito daimprobidade administrativa, ex vi do disposto no art. 1º daLei nº 8.429/92. Portanto, como a presente lide envolvesuposta improbidade dos Diretores da CODESP quanto dacelebração de contrato de arrendamento portuário, sem adevida observância do processo licitatório, é o quanto bastapara deflagrar a hipótese de fiscalização, seja peloMinistério dos Transportes, seja pelo Tribunal de Contas daUnião, seja pelo próprio Ministério Público Federal, em razãodo interesse jurídico da União e do próprio dever do MPF dedefender o patrimônio público federal e os princípios quenorteiam a Administração Pública Federal. O E. SuperiorTribunal de Justiça já firmou entendimento de que o meroajuizamento de ação de improbidade administrativa peloMinistério Público Federal já fixa a competência da JustiçaFederal. Preliminar de conversão em diligência, suscitadaem sessão, rejeitada. Agravo a que se nega provimento.”(TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI 0024314-34.2013.4.03.000,rel. Des. Fed. Marli Ferreira, j. 13/3/2014)
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR.ANULAÇÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE ÁREAS
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PORTUÁRIAS. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CARÊNCIA DAAÇÃO. RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS MATERIAIS ÀCODESP. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. AUSÊNCIADE COMPROVAÇÃO DOS DANOS EFETIVOS. 1. A UniãoFederal não integra o feito e a admissão do MinistérioPúblico Federal no polo ativo, pelo r. Juízo a quo, em facedo abandono da ação pelo autor popular, nos termos do art.9º da Lei nº 4.717/65, foi o fator determinante para afixação da competência da Justiça Federal para a apreciaçãoda causa (art. 109, inciso I, CF). 2. Inocorrência daprescrição quinquenal (art. 21 da Lei nº 4.717/65), alegadanas contrarrazões da corré Ferronorte, tendo em vista que oContrato de Arrendamento celebrado em 08/08/1997 nãodeve ser considerado isoladamente, mas, sim, devidamenteintegrado com o Primeiro e o Segundo Aditivos,denominados, cada qual, "Instrumento Particular de Aditivode Retificação e Ratificação do Contrato Original", queensejaram verdadeira novação objetiva ao contrato original.3. Na ação popular nº 0001241-06.2003.403.6104/SP,ajuizada por Valdir Alves de Araújo contra a CODESP,FERRONORTE S/A, Caramuru Administração e ParticipaçõesS/C Ltda., Caramuru Alimentos Ltda., Frederico V. M.Bussinger e Marcelo de Azeredo, com a posterior inclusãoda União, como assistente no polo passivo, foi reconhecida,em decisão proferida por esta E. Sexta Turma julgadora, em04/03/2010, a nulidade do contrato 1/97 e seus respectivosaditivos, matéria que compreende parte do objeto dapresente demanda, no que pertine ao pedido de declaraçãode nulidade do segundo aditivo do referido contrato, tópicosobre o qual se reconhece a carência da ação, em face daperda superveniente de interesse, nos termos do art. 267,VI, do CPC. 4. Remanesce para análise neste feito, apenas opedido referente ao ressarcimento de prejuízo ao erário,ponto que necessita ser definido nos exatos termospropugnados na exordial, para que se possa fixarcorretamente o limite de alcance deste feito. 5. O pedido deressarcimento de lesão ao erário público diz respeitoexclusivamente à defesa do patrimônio da sociedade deeconomia mista, cuja acionista majoritária é a União (art.8º, parágrafo único, do Estatuto da CODESP), sob aalegação do autor, de que o prejuízo pela ausência delicitação decorreria da impossibilidade da realização dasoperações contratadas, por outras empresas, em melhores
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condições de preços e metas para a CODESP, sendonecessária a suspensão dos investimentos na área objeto doaditivo contratual, para reduzir o prejuízo da CODESP emeventual indenização à FERRONORTE. 6. A legitimidade daatuação do Ministério Público Federal no polo ativodesta lide exsurge do disposto nos arts. 6º, inc. VII,'b' e 39, inc. II e III, da Lei Complementar nº 75/93,Estatuto do Ministério Público da União,corroborando, por consequência, a já reconhecidacompetência da Justiça Federal para a apreciação dofeito. 7. Indeferido o pedido de suspensão do processo, nostermos do art. 265, IV, 'a', do CPC, formulado pelas partes,tendo em vista que a eventual reforma do julgamento dofeito supramencionado não alterará a análise da questãoremanescente, conforme se verá a seguir. 8. A açãopopular, erigida à condição de garantia constitucionalconferida ao cidadão pelo art. 5º, inciso LXXIII, daConstituição da República de 1988, é o instrumento apto àanulação ou declaração de nulidade de ato lesivo aopatrimônio público ou de entidade de que o Estadoparticipe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente eao patrimônio histórico e cultural. 9. Nesse sentido, ademanda popular tem natureza jurídica primordialmenteconstitutiva negativa, e eventualmente condenatória, tendocomo objeto imediato a tutela jurisdicional voltada àanulação de ato lesivo ao patrimônio público e, comoconsequência, a condenação dos respectivos responsáveispelo ato invalidado, e dos que dele se beneficiaram, aopagamento de perdas e danos, bem como à reposição dostatus quo ante. 10. Ora, já é entendimento assente najurisprudência pátria que para fins de anulação do atoimpugnado, a lesividade ao patrimônio público é presumida,bastando que o autor popular demonstre a existência dasua ilegalidade. 11. No entanto, embora tenha sidoreconhecida a existência de ofensa aos princípios dalegalidade e moralidade administrativa, com a consequenteanulação do contrato 1/97 e seus aditivos, para que haja acondenação ao ressarcimento dos prejuízos materiaisdecorrentes de tais atos, torna-se necessária a apuração daocorrência do dano dessa natureza ao erário, sendoimprescindível a comprovação de sua existência. Não houvea formação de quadro probatório no momento oportunopara tal. 12. Depreende-se da análise dos autos que tais
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providências não podem ser realizadas nesta sede e nestemomento processual e, por consequência, apesar dasuposta possibilidade de existência de danos e lesõespatrimoniais a serem ressarcidos, a título de prejuízosmateriais, não houve a efetiva comprovação de suaocorrência. 13. Toda a alegação formulada a esse respeitoremete à necessária produção de complexa prova pericial,que permitiria dar concretude à lesão passível deressarcimento, isso caso realmente existente, possibilitandoa apuração do montante eventualmente devido, em quadroespecífico que não foi elaborado, tornando inviável, nopresente feito, a condenação ao ressarcimento de quantumpresumido, hipotético, futuro e incerto. Precedente do C.STJ. 14. Insta considerar, ainda, neste contexto, que aprolação de julgamento delegando a apuração da existênciaefetiva de dano patrimonial ou não à fase de liquidação desentença, culminaria em prolação de decisão condicional,vedada no ordenamento jurídico, nos termos do art. 460 doCPC. Precedentes do C. STJ. 15. A improcedência do pedidoindenizatório, reconhecida nestes autos, não impede oajuizamento de outra demanda, devidamente aparelhada,nos termos do art. 103, I, do CDC, aplicável à hipótese emface do microssistema de tutela coletiva. 16. Matériapreliminar rejeitada, processo extinto sem julgamento domérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, em relação aopedido de anulação do Segundo aditivo ao contrato 1/97,apelação e remessa oficial improvidas quanto à matériaremanescente.” (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AC000866662120024036104, rel Des. Fed. Consuelo Yoshida,j. 18/11/2013)
“Trata-se de dois recursos extraordinários interpostoscontra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região,assim ementado: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROPOSITURAPELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DIREITO TUTELADO.CONSUMIDOR. CONTRATOS CELEBRADOS ENTRE A XEROXDO BRASIL LOCATÁRIOS E ARRENDATÁRIOS DE MÁQUINASFOTOCOPIADORAS. AUSÊNCIA DE INTERESSE FEDERAL.INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. I- A competênciada Justiça Federal é definida pela Constituição da Repúblicaratione personae , de forma que compete aos Juízes� �
Federais processar e julgar as causas em que a União,�
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entidade autárquica ou empresa pública federal foreminteressadas na condição de autoras, rés, assistentes ouoponentes . II A presença do Ministério Público Federal no� �polo ativo de ação civil pública não tem o condão de, por sisó, fixar a competência da Justiça Federal para oprocessamento do feito. III Incompetência da Justiça�Federal declarada de ofício. Sentença anulada. Recursoprejudicado. Determinação dos autos à Justiça Estadual.�Os recursos extraordinários buscam fundamento no art.102, III, a, da Constituição Federal. A empresa recorrentealega que ocorreu violação ao art. 109, I, da Constituição. OMinistério Público Federal alega ofensa aos arts. 2º; 109, I;e 127 da Constituição. O Subprocurador-Geral daRepública, Odim Brandão Ferreira, opinou peloprovimento dos recursos extraordinários, em parecercuja ementa é a seguinte: Recurso extraordinário.Ação civil pública proposta pelo Ministério PúblicoFederal. Competência para apreciar e julgar e feito. Ofato de o Ministério Público Federal ser o autor dacausa induz sempre a competência da Justiça Federalpara apreciar a causa, dado que ele é uma das facetasda União em juízo; daí não se segue, contudo, que suapresença baste à fixação da competência para o julgamentodo mérito da causa pela instância federal. Parecer peloprovimento do recurso extraordinário, de sorte a se anular oacórdão recorrido, determinando-se o retorno dos autos aoTRF2 para que examine o mérito da apelação. Correto o�parecer ministerial. A jurisprudência desta Corteassentou entendimento de que basta o MinistérioPúblico Federal ajuizar a ação para que sejareconhecida a competência da Justiça Federal. Vejam-se, nesse sentido, o RE 822.816, de relatoria do MinistroTeori Zavascki, e a ementa do RE 228.955, julgado sob arelatoria do Ministro Ilmar Galvão: AÇÃO CIVIL PÚBLICA�PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, I E § 3º,DA CONSTITUIÇÃO. ART. 2º DA LEI Nº 7.347/85. Odispositivo contido na parte final do § 3º do art. 109 daConstituição é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-oa atribuir competência (rectius: jurisdição) ao Juízo Estadualdo foro do domicílio da outra parte ou do lugar do ato oufato que deu origem à demanda, desde que não seja sedede Varas da Justiça Federal, para causas específicas dentre
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as previstas no inciso I do referido artigo 109. No caso emtela, a permissão não foi utilizada pelo legislador que, aorevés, se limitou, no art. 2º da Lei nº 7.347/85, aestabelecer que as ações nele previstas serão propostas�no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terácompetência funcional para processar e julgar a causa .�Considerando que o Juiz Federal também tem competênciaterritorial e funcional sobre o local de qualquer dano,impõe-se a conclusão de que o afastamento da jurisdiçãofederal, no caso, somente poderia dar-se por meio dereferência expressa à Justiça Estadual, como a que fez oconstituinte na primeira parte do mencionado § 3º emrelação às causas de natureza previdenciária, o que no casonão ocorreu. Recurso conhecido e provido.” (STF, RE840002/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, j. 31/5/2016.)
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DEDIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE.COMPETÊNCIA. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE OMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃOENTRE COMPETÊNCIA E LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS.1. A ação civil pública, como as demais, submete-se, quantoà competência, à regra estabelecida no art. 109, I, daConstituição, segundo a qual cabe aos juízes federaisprocessar e julgar 'as causas em que a União, entidadeautárquica ou empresa pública federal forem interessadasna condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,exceto as de falência, as de acidente de trabalho e assujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho'. Assim,figurando como autor da ação o Ministério PúblicoFederal, que é órgão da União, a competência para acausa é da Justiça Federal.3. Não se confunde competência com legitimidade daspartes. A questão competencial é logicamenteantecedente e, eventualmente, prejudicial à dalegitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juizapreciar a legitimação ativa do Ministério PúblicoFederal para promover a demanda, consideradas assuas características, as suas finalidades e os bensjurídicos envolvidos.4. À luz do sistema e dos princípios constitucionais,nomeadamente o princípio federativo, é atribuição do
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Ministério Público da União promover as ações civis públicasde interesse federal e ao Ministério Público Estadual asdemais. Considera-se que há interesse federal nas açõescivis públicas que (a) envolvam matéria de competência daJustiça Especializada da União (Justiça do Trabalho eEleitoral); (b) devam ser legitimamente promovidas peranteos órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e daJustiça Federal (Tribunais Regionais Federais e JuízesFederais); (c) sejam da competência federal em razão damatéria — as fundadas em tratado ou contrato da Uniãocom Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art.109, III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas(CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal emrazão da pessoa — as que devam ser propostas contra aUnião, suas entidades autárquicas e empresas públicasfederais, ou em que uma dessas entidades figure entre ossubstituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I); e(e) as demais causas que envolvam interesses federais emrazão da natureza dos bens e dos valores jurídicos que sevisa tutelar.6. No caso dos autos, a causa é da competência daJustiça Federal, porque nela figura como autor oMinistério Público Federal, órgão da União, que estálegitimado a promovê-la, porque visa a tutelar bens einteresses nitidamente federais, e não estaduais, asaber: o meio ambiente em área de manguezal,situada em terrenos de marinha e seus acrescidos,que são bens da União (CF, art. 20, VII), sujeitos aopoder de polícia de autarquia federal, o IBAMA (Leis6.938/81, art. 18, e 7.735/89, art. 4º).7. Recurso especial provido.” (STJ, 1ª Turma, REsp440002/SE, Proc. 2002/0072174-0, rel. Min. Teori AlbinoZavascki, j. 18/11/2004, v.u., DJ 6/12/2004, p. 195) (grifoscolocados)
Além disso, o art. 2º da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública) define a competência do foro onde ocorrer o dano.
No caso em apreço, observa-se que as irregularidades
deram-se no âmbito da CODESP em Santos/SP, na qual funciona a respectiva
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diretoria e se mantém a estrutura física necessária ao desempenho de sua
gestão administrativa.
Logo, a competência territorial para o processo e
julgamento do feito é da Justiça Federal em Santos/SP, local onde está sediada
a administração (central) da CODESP.
3.2. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL
A Constituição da República, em seu art. 127, outorgou ao
Ministério Público o zelo do patrimônio público e social após definir-lhe o papel
de guardião perene da ordem jurídica (= ordenamento jurídico) e do regime
democrático como funções essenciais à concretização da Justiça.
O art. 129 da Lei Maior, de sua parte, preconizou como
função institucional do Ministério Público:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para aproteção do patrimônio público e social, do meio ambiente ede outros interesses difusos e coletivos;”
Igualmente, e como não poderia deixar de ser, a Lei
Complementar nº 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União –
LOMPU) assentou:
“Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público daUnião:
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I – a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dosinteresses sociais e dos interesses individuais indisponíveis,considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos eprincípios:
h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e apublicidade, relativas à administração pública direta, indiretaou fundacional, de qualquer dos Poderes da União;
III – a defesa dos seguintes bens e interesses:
b) o patrimônio público e social;”
“Art. 6º. Compete ao Ministério Público:
VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
XIV – promover outras ações necessárias ao exercício desuas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, doregime democrático e dos interesses sociais e individuaisindisponíveis, especialmente quanto;”
Para finalizar este tópico, calha transcrever decisão do
Colendo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.338.916:
“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. LEGITIMIDADEATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEFENDÊ-LO VIAAÇÃO CIVIL PÚBLICA. CANDIDATO APROVADO EM CERTAMEPÚBLICO. PRETERIÇÃO POR PROFESSOR TEMPORÁRIOCONTRATADO PARA O CARGO.
1. O Superior Tribunal de Justiça é firme emreconhecer a legitimidade do Órgão Ministerial paraajuizar Ação Civil Pública com objetivo de declarar anulidade de concurso público realizado sem aobservância dos princípios constitucionais dalegalidade, da acessibilidade e da moralidade.
2. Se o Ministério Público tem legitimidade para postularanulação de concurso público, igualmente a possui parainvalidar ato administrativo que o tiver anulado.
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Precedentes do STJ.
(...)”
(STJ, REsp nº 1.338.916/RN, rel. Min. Herman Benjamin, j.06/09/2012) (grifo acrescido)
Inquestionável, assim, a legitimidade do MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL para ocupar o polo ativo desta demanda.
3.3. LEGITIMIDADE PASSIVA
Vê-se, do inquérito civil em anexo, que a COMPANHIA
DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – CODESP chancelou concurso público
em completa dissonância com suas regras vinculativas, ferindo os princípios
constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da moralidade.
Como sabido, os atos administrativos viciados devem ser
anulados pela própria Administração Pública ou, mediante provocação, pelo
Poder Judiciário.
"9.1. ANULAÇÃO E REVOGAÇÃOA anulação e a revogação constituem, para o estudo, asprincipais formas de extinção dos atos administrativos,operando relevantes efeitos jurídicos. A anulação (ouinvalidação) é obrigatória (constitui, em princípio, dever)sempre que a ilegalidade atinge a finalidade, os motivos e oobjeto do ato administrativo. (...) A anulação, que tambémpode ser ordenada pelo Judiciário, opera efeitos retroativos(ex tunc).(...)" (ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo,Coleção Sinopses Jurídicas, v. 19, 10ª edição, Saraiva: SãoPaulo, 2009, pp. 135-6)
"Sujeitos ativos da invalidação141. Podem ser sujeitos ativos da invalidação tanto a
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Administração quanto o Poder Judiciário. A primeira,atuando seja por provocação do interessado, seja em razãode denúncia de terceiro, seja espontaneamente. O segundo,apenas quando da apreciação de alguma lide.Portanto, diferentemente da revogação, que é privativa deautoridade no exercício de função administrativa, ainvalidação tanto pode resultar de um ato administrativoquanto de um ato jurisdicional." (MELLO, Celso AntônioBandeira de. Curso de Direito Administrativo, 25ª edição,Malheiros: São Paulo, 2008, p. 452)
Indubitável, portanto, a legitimidade da CODESP para
figurar no polo passivo da demanda.
3.4. VIA PROCESSUAl ELEITA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
A Constituição da República, em seu art. 129, III, prevê
que, para a defesa em juízo dos interesses difusos e coletivos pelo Ministério
Público, a ação civil pública é o instrumento adequado.
“Considerando não a natureza privada ou pública dointeresse protegido pela norma jurídica, mas sim atitularidade do poder de invocar a tutela judicial dointeresse (ou seja, saber a quem cabe o poder de dispor daproteção jurisdicional atribuída ao interesse), PieroCalamandrei anotou: 'Como entre os poderes de disposiçãoestá compreendido também o poder de invocar a garantiajurisdicional, a distinção entre direito privado e direitopúblico no campo substancial se projeta no processoatravés da legitimação para agir: e se tem, emconsequência, ação privada quando o poder de provocar oexercício da jurisdição está reservado de um modoexclusivo ao titular do interesse individual que a normajurídica protege, e ação pública quando tal poder é confiadopelo Estado a um órgão público especial, que age,independente de qualquer estímulo privado, por dever deofício'.A rigor, sob o aspecto doutrinário, a ação civil pública
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é a a ação de objeto não penal proposta peloMinistério Público.Sem melhor técnica, portanto, a Lei n. 7.347/85 usou aexpressão ação civil pública para referir-se à ação paradefesa de interesses transindividuais, proposta por diversoscolegitimados ativos, entre os quais até mesmo associaçõesprivadas, além do Ministério Público e outros órgãospúblicos. Mais acertadamente, quando dispôs sobre adefesa em juízo desses mesmos interesses transindividuais,o CDC preferiu a denominação ação coletiva, da qual asassociações civis, o Ministério Público e outros órgãospúblicos são colegitimados.A ação civil pública da Lei n. 7.347/85 nada mais éque uma espécie de ação coletiva, como o mandado desegurança coletivo e a ação popular.Como denominaremos, pois, uma ação que verse a defesade interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos?Se ela estiver sendo movida pelo Ministério Público, omais correto, sob o prisma doutrinário, será chamá-lade ação civil pública. Mas se tiver sido proposta porassociações civis, mais correto será denominá-la açãocoletiva. (...)” (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo,23ª edição, Saraiva: São Paulo, 2010, pp. 73-4) (grifosacrescidos)
A Lei nº 7.347/85, por sua vez, disciplinando esse
instrumento processual, deu-lhe grande abrangência, ao prever o seu cabimento
para a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados não somente
àqueles bens elencados em seu art. 1°, mas a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo (art. 1º, IV).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro discorre sobre os
pressupostos da ação civil pública:
“Constitui pressuposto da ação civil pública o dano ou aameaça de dano a interesse difuso ou coletivo, abrangidospor essa expressão o dano ao patrimônio público e social,entendida a expressão no seu sentido mais amplo, de modo
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a abranger o dano material e o dano moral.” (DireitoAdministrativo, 26a edição, São Paulo: Atlas, 2013, p. 880)
Como se demonstrará mais adiante, nesta demanda não só
se está buscando defender interesse difuso, mas também assegurar a ordem
jurídica e o interesse social no seu devido equilíbrio, zelar pelos direitos
assegurados na Constituição, e anular todos os atos administrativos atentatórios
a essas diretrizes, o que lhe confere, por via reflexa, uma finalidade pedagógica.
“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL.MEDIDA CAUTELAR. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE.REQUISITOS. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DOMÉRITO. HIPÓTESE DE NÃO INCIDÊNCIA DO ARTIGO 515, §3º, DO CPC. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO A QUO. 1. AConstituição Federal de 1988 confere especial distinção aoMinistério Público, outorgando-lhe a condição de instituiçãopermanente, essencial à função jurisdicional do Estado,incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regimedemocrático e dos interesses sociais e individuaisindisponíveis, decorrendo daí as suas funções institucionais,dentre elas, a de promover o inquérito civil e a ação civilpública, para a proteção do patrimônio público e social, domeio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. 2.Nesse contexto, a Lei nº 7.347, de 24 de julho de1985, que disciplina a ação civil pública, dispõe que amesma é cabível para apurar a responsabilidade pordanos morais e patrimoniais causados a qualquerinteresse difuso ou coletivo, sendo certo que adoutrina define o interesse difuso como aquele queabrange número indeterminado de pessoas ligadaspor uma circunstância de fato, e interesse coletivocomo aquele que diz respeito a um grupo, categoriaou classe de pessoas determináveis, ligadas entre siou com a parte contrária por uma relação jurídica . 3.Portanto, pode a instituição ministerial ajuizar açãocivil pública, por ato de improbidade, com o objetivode proteger o patrimônio público ou de zelar pelaordem jurídica, conquanto, certamente, estaráatuando na defesa do chamado interesse coletivo,
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sendo certo que nesta categoria se enquadra açãovisando à anulação de concurso público. De fato,indiscutível caiba ao Ministério Público a defesa detais valores e interesses, conquanto, de fato, sãoquestões que exorbitam do plano das relaçõesindividuais e permeiam as relações sociais dacoletividade e, certamente, nesse contexto, amoralidade e a impessoalidade são princípiosrelevantes que merecem defesa intransigente. 4. Emrazão disso, não é razoável afirmar que nomeados oscandidatos melhor classificados, sobre os quais pairam assuspeitas alhures mencionadas, sobram aqueles sobre osquais não pairam as presunções apontadas, tornando inócuaa medida cautelar, pois, remanesce interesse na apuraçãodas condutas para a apropriação das responsabilidadesdecorrentes de eventuais atos praticados com violação dalei. 5. Apelação a que se dá provimento.” (TRF – 3a. Região,AC 173914, Turma Suplementar da Segunda Seção, j.21/08/2008) (grifos acrescidos)
Clara, portanto, a adequação da ação civil pública para
veicular esta lide.
3.5 ANULAÇÃO DO CERTAME
Com o advento da Constituição da República de 1988
estabeleceu-se, como regra, a investidura em cargo ou em emprego público
mediante aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos
(art. 37, II, 1ª parte), ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, 2ª parte) e a
contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX).
Ademais, segundo o caput do artigo 37 da Constituição
Federal, a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
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União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A igualdade, como fundamento geral das relações humanas,
também é princípio constitucional previsto no art. 5º da Constituição Federal:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção dequalquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito àvida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,nos termos seguintes:” (...)
É inegável que o conceito de igualdade resguardado pela
Carta Magna é o da igualdade material, que determina que as peculiaridades
naturais dos indivíduos devem ser consideradas para se tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
Segundo Alexy, essa fórmula clássica implica um mandado
de tratamento desigual, isto é, o princípio da igualdade deve ser interpretado no
sentido de uma norma que, prima facie, exige um tratamento igual e só permite
um tratamento desigual se esse tratamento desigual puder ser justificado com
razões suficientes. Assim, o enunciado sobre o mandado de tratamento desigual
adquire a seguinte estrutura: Se há uma razão suficiente para ordenar um
tratamento desigual, então está ordenado um tratamento desigual (ALEXY,
Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Políticos y Constitucionales, 2001).
Assim, depreende-se do voto do relator do RE nº
635.739/AL, Min. Gilmar Mendes, cujo teor foi seguido por unanimidade na
Suprema Corte, que a razão de decidir do julgamento que considerou
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constitucional a instituição da cláusula de barreira em concursos públicos,
embasou-se na percepção de que o elemento tomado como desigualação foi o
mérito, aferido por meio de critérios puramente objetivos, revelado nas etapas
do concurso. Por isso, reputou-se adequado aos propósitos constitucionais o fato
erigido como critério de discrímen.
E prossegue o referido ministro:
“(...) Nesse ponto, observo, ainda, que as “cláusulas debarreira”, desde que fundadas em critérios de discrímenadequados, como analisado, além de não infringirem oprincípio da igualdade, são imprescindíveis para aviabilização do custo operacional de cada concurso (…).”
Observa-se que as premissas fáticas do julgado ora
transcrito são outras, visto que na ocasião se analisou simplesmente a
constitucionalidade da cláusula de barreira, em termos genéricos, e não a sua
utilização ilimitada, isenta de qualquer observação ao sistema no qual venham a
se inserir.
No caso sub examine, a condição desigual entre os
candidatos impõe, como medida de equalização das diferenças existentes, a
adoção de critérios diferenciados de avaliação, sendo inconstitucional o ato que,
sob pretexto de concretizar a isonomia, frustre diretamente a aplicação de ato
normativo cujos preceitos visam justamente a garantir esse fim.
A obstaculização à aplicabilidade do mandado de tratamento
desigual definido na Lei nº 12.990/2014 e no Decreto Federal nº 3.298/99, que
institui norma de equalização entre os candidatos inseridos em lista de ampla
concorrência, e candidatos concorrendo às vagas reservadas para negros,
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pardos e deficientes se torna desarrazoada, na medida em que aplica o critério
objetivo de restrição, corporificado por meio da cláusula de barreira em
comento, e torna impossível a eficácia da regra de equalização estabelecida na
norma supramencionada.
Em julgamento de caso análogo, no Agravo Regimental em
Mandado de Segurança nº 30.195/DF, de mesma relatoria do RE nº 635.739/AL,
utilizado como pressuposto de aplicação da cláusula de barreira no caso em
análise, embora se tenha reconhecido a legitimidade da aplicação de cláusula de
barreira indistintamente a todos os candidadatos, ponderou-se que tal critério
deve ser estabelecido com razoabilidade pelo organizador do concurso,
consolidando-se naquela Corte de Justiça o seguinte entendimento:
“(...) Ademais, relevante frisar que a cláusula de barreirapara prosseguimento no certame aplica-se a todosindistintamente. Contudo, tendo em vista aspeculiaridades referentes à concorrência decandidatos portadores de deficiência, a nota de cortea que se submetem deve ser distinta daquela aplicadaaos demais, o que se verificou no caso em comento(…).”
Ou seja, embora se possa admitir a aplicação de cláusulas
de barreira de maneira indistinta a todos os candidatos, essa aplicação encontra
limites nos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e até mesmo da
legalidade.
Assim, aplicada sob pretexto de concretização da isonomia,
mas sem observância (ou em conflito com) aos(os) demais atos normativos que
regem a Administração Pública, a cláusula de barreira acaba por subverter o
sistema jurídico, indo de encontro ao próprio fim a que se propõe: garantir a
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isonomia, em seu substrato material.
O concurso público, enquanto forma de seleção dos
candidatos com maior aptidão para exercer cargos públicos, não pode se ater a
critérios que atendam somente às necessidades da Administração Pública diante
do número de vagas oferecidas no edital, da maneira que se assentou no
julgamento do RE nº 635.739/AL, pois, naquele leading case, toda a
fundamentação gravitava em torno de controvérsia em que os candidatos se
encontravam em posição de igualdade, jutificando-se a aplicação de critérios
diferenciados de escolha, sem violação de preceitos de ordem pública.
Imperiosa a lição de Hely Lopes Meirelles ao dissertar sobre
o concurso público:
“O concurso é o meio técnico posto à disposição daAdministração Pública para obter-se moralidade, eficiência eaperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo,propiciar igual oportunidade a todos os interessados queatendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com anatureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoantedetermina o art. 37, II, da CF.” (Direito AdministrativoBrasileiro, 28ª edição, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 412)
O objetivo final do concurso somente é atingido quando, no
decorrer do procedimento, são observados os princípios de direito que regem
todos os atos praticados pela Administração Pública. Desde a publicação do
edital até a homologação dos aprovados, os atos devem pautar-se pela
impessoalidade, legalidade, moralidade, publicidade e eficiência para que
o resultado atenda aos anseios da Administração e seja correspondente ao
mérito dos candidatos.
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Sem dúvida, em virtude da aplicação desregrada, é correto
estabelecer presunção absoluta de prejuízo aos candidatos com deficiência e aos
candidatos negros e pardos, preteridos quanto às vagas reservadas por lei,
como já se pronunciou, certa vez, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em
acórdão que, com as devidas adaptações, aplica-se à realidade factual
diagnosticada no inquérito civil subjacente:
“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONCURSOPÚBLICO. PNE. VAGA RESERVADA. PSICÓLOGO.CLASSIFICAÇÃO. LISTA ÚNICA. NOTA DE CORTE. OFENSAAOS TERMOS DO EDITAL, DA LEI E DA CF/88. ISONOMIA.DISCRIMEN DECORRENTE DA LEI E DO EDITAL. APELAÇÃOE REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS. 1. Insurge-se aimpetrante contra sua eliminação no concurso para o cargode Pedagogo da FUB/UNB regido pelo Edital FUB n. 01/08sob o fundamento de que, conquanto concorresse à vagareservada a portador de necessidade especial, a nota obtidanas provas objetivas não a posicionou em classificaçãocorrespondente a três vezes o número das vagas ofertadas,para que passasse à fase de avaliação de títulos. A sentençaconcedeu a segurança por divisar afronta à legalidade,considerando que em situações tais deveria haver duaslistas de classificação distintas, uma geral e outra para PNE.2. Se o edital de regência, especificamente, reservauma vaga aos PNEs, deve a Administração elaborarlistas distintas de classificação para apurar a nota decorte dos candidatos que prosseguirão no certame eserão convocados à fase seguinte (avaliação detítulos). Não encontra base na lei, nem no ato deconvocação a elaboração de lista única, englobandocandidatos à vaga geral e à reservada, sob pena derestarem prejudicados os objetivos pensados pelolegislador e administrador para integração dodeficiente na sociedade e no mercado de trabalho. 3.Já decidiu a S3 deste TRF1: "1. Previu o edital de regênciado certame (item VIII) que a prova de redação seriaaplicada a todos os candidatos e somente seria avaliada ados candidatos aprovados na etapa I e mais bemclassificados nas provas objetivas por cidade de
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classificação. No caso de Belo Horizonte, Minas Gerais,cidade para a qual concorreu a autora, foram corrigidas asprovas subjetivas dos candidatos classificados até aducentésima posição, sendo que o candidato que não teve aredação avaliada foi excluído do concurso. 2. O critérioadotado esvazia o tratamento especial dado pelaConstituição e pela lei ao deficiente, em concursospúblicos. Estabelecer que participarão das etapasseguintes apenas os duzentos candidatos primeiroscolocados na prova inicial, independentemente de suacondição, é ignorar esse tratamento preferencial. 3.Se o deficiente alcançou nota mínima para aprovação, aindaque esteja fora desse número, tem direito de prosseguir nasetapas seguintes" (EIAC 0021322-16.2007.4.01.3800/MG,Rel. p/Acór. DF João Batista Moreira). 4. Para o STJ,"reconhece-se como discriminação legal em concursopúblico a chamada reserva de vagas para os portadores denecessidades especiais. A reserva de vagas para deficientesfísicos nos concurso públicos, na forma do art. 37, incisoVIII, da Constituição Federal, é norma de eficácia contida,mas, havendo regulamentação dessa hipótese na legislaçãoinfraconstitucional, a Administração Pública não pode sefurtar à garantia desse direito" (STJ/T6, AgRg no REsp1.121.092/RS, Rel. Des. Alderita Ramos de Oliveira (Des.conv. TJ/PE)). 5. Apelação e remessa oficial desprovidas.”(grifos colocados)
No caso em epígrafe, restou amplamente comprovado que a
COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – CODESP, ao aplicar de
maneira desacertada a cláusula de barreira dos itens 2.2, 2.2.2, 5.2 e 6.1,
frustrou os fins específicos de leis e atos normativos federais, de observância
compulsória por todos aqueles que integram a Administração Pública.
Destarte, e em virtude da inércia da CODESP, que não
tomou nenhuma providência para sanar o problema, resta ao Poder Judiciário
corrigir a ilegalidade e determinar a anulação do concurso em razão da
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ilegalidade das disposições do ato convocatório do certame.
4. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
ANTECIPATÓRIA E INCIDENTAL
No regime do Código de Processo Civil recentemente
revogado (CPC/1973), a tutela antecipada era modalidade de tutela de urgência
consistente na entrega ao autor, total ou parcialmente, da própria pretensão
deduzida em juízo ou de seus efeitos.
Com ela, realizava-se, no plano fático, o direito, mediante
concessão do bem da vida pretendido pelo requerente:
“2. Conceito e natureza jurídica. Tutela antecipatória dosefeitos da sentença de mérito, espécie do gênero tutelas deurgência, é providência que tem natureza jurídicamandamental, que se efetiva mediante execução lato sensu,com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente,a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos. Étutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito,dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido coma ação de conhecimento. No mesmo sentido: Ovídio Batista,Curso, v. I, n. 5.7.2, p. 136. Com a instituição da tutelaantecipatória dos efeitos da sentença de mérito no direitobrasileiro, de foma ampla, não há mais razão para que sejautilizado o expediente das impropriamente denominadas'cautelares satisfativas', que constitui em si uma contradictioin terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medidaé satisfativa, é porque, ipso facto, não é cautelar. É espéciedo gênero tutelas diferenciadas. A tutela antecipada temcomo limite o pedido, vale dizer não se pode conceder, atítulo de tutela antecipada, mais do que o autor obteria sevencedor na totalidade da pretensão que deduziu em juízo.O limite da extensão da concessão da medida existe porquese antecipa o provimento de mérito (total ou parcialmente)ou algum efeito dele decorrente. A tutela antecipada está,
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portanto, vinculada ao pedido e dele é dependente. Caso oautor queira coisa diversa, além ou fora do que consta comopedido, deverá ajuizar medida autônoma.” (NERY JUNIOR,Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de ProcessoCivil Comentado e Legislação Extravagante, 10ª edição, Ed.Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008, p. 523)
O figurino da antecipação dos efeitos da tutela de mérito,
em sua feição genérica, encontrava-se plasmado no art. 273 do CPC/1973, in
verbis:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte,antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutelapretendida no pedido inicial, desde que, existindo provainequívoca, se convença da verossimilhança daalegação e:I – haja fundado receio de dano irreparável ou dedifícil reparação; ouII – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou omanifesto propósito protelatório do réu.(...)” (grifos acrescidos)
Por lei, os requisitos da tutela antecipatória decompunham-
se na prova inequívoca da verossimilhança da alegação deduzida pela parte
interessada, a indicar a necessidade da presença de um fumus boni juris mais
denso que o da medida cautelar, também nominado de probabilidade, e no
receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
“(...) Para conciliar as expressões 'prova inequívoca' e'verossimilhança', aparentemente contraditórias, exigidascomo requisitos para a antecipação da tutela de mérito, épreciso encontrar um ponto de equilíbrio entre elas, o quese consegue com o conceito de probabilidade, mais forte doque verossimilhança, mas não tão peremptório quanto o deprova inequívoca. É mais do que o fumus boni juris,requisito exigido para a concessão de medidas cautelares nosistema processual civil brasileiro. (…)
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31. Requisitos alternativos. Para a concessão da tutelaantecipada exige a lei uma de duas situações alternativas:a) ou a existência do periculum in mora; b) ou a existênciado abuso do direito de defesa do réu, independentementeda existência de periculum in mora.II: 32. Requisitos para a concessão da tutela:periculum in mora. Duas situações, distintas e nãocumulativas entre si, ensejam a antecipação dos efeitos datutela de mérito. A primeira hipótese autorizadora dessaantecipação é o periculum in mora, segundo expressadisposição do CPC 273 I. Essa urgência, como já afirmadoacima, não tem o condão de transmudar sua naturezasatisfativa-executiva em medida cautelar. Esse perigo,como requisito para a concessão da tutela antecipada, é omesmo perigo exigido para a concessão de qualquermedida cautelar.(...)” (NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria deAndrade. Ob. Cit., p. 527)
Além disso, não se devia ignorar a existência do art. 12 da
Lei nº 7.347/85 e do art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, que
também disciplinam(avam) o figurino da tutela antecipada:
“(...)Não bastasse a regra genérica do art. 273 do CPC, ainda
temos que o § 3º do art. 84 do CDC permite que o juizconceda a tutela liminarmente ou após justificação prévia:ora, esta regra não vale apenas para as ações coletivas doCDC, mas estende-se a todo o sistema das ações civispúblicas, por força do art. 21 da LACP.(...)” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses
Difusos em Juízo, 23ª edição, Saraiva: São Paulo, 2010, p.241)
No atual Código de Processo Civil (NCPC ou CPC/2015),
instituído pela Lei nº 13/105/20154, as medidas de urgência (lato sensu) foram
4 Dispõe o art. 1.045 do NCPC: “Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de suapublicação oficial.” Como se vê, a norma optou pelo critério da base da data da publicação, que ocorreuem 17/3/2015, no DOU. A contagem desse prazo de 1 (um) ano faz-se de acordo com a Lei Complementarnº 95/1998, art. 8º, §§ 1º e 2º (com a redação dada pela Lei Complementar nº 107/2001): incluem-se o
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substituídas pelas tutelas provisórias, subdivididas em tutelas de urgência e
tutela de evidência (arts. 294 a 311).
As tutelas provisórias, como o próprio nome refere, se
concedidas em juízo de cognição sumária, devem ser confirmadas, ao final, pela
sentença, em juízo de cognição exauriente. Como dito, a tutela provisória é
gênero, tendo como espécies as tutelas de urgência e a tutela de evidência. No
caso dos autos, trata-se de tutela de urgência antecipatória, sendo
necessária a demonstração de probabilidade do direito (verossimilhança do
direito invocado) e o perigo da demora ou risco ao resultado útil do processo
(periculum in mora), ao contrário da tutela de evidência, que não tem o perigo
da demora como requisito, mas sim a própria evidência do direito, entre outros
requisitos constantes do art. 311.
A tutela provisória de urgência pode ser
antecipada/satisfativa ou cautelar. A primeira delas tem por objeto assegurar e
antecipar à parte autora o próprio direito material ou seus efeitos. A segunda
confere à parte a possibilidade de obter, mediante provimento de urgência,
ferramenta destinada (apenas) a assegurá-lo e, com isso, garantir o resultado
útil do processo.
A tutela de urgência de caráter antecipado (ou
satisfativo), cabível na espécie, é o próprio pedido do autor em sua
integralidade ou parte dele.
No caso em apreço, a verossimilhança das alegações (=
probabilidade do direito) expendidas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
dia da publicação (17/3/2015) e o dia da consumação do prazo (17/3/2016), entrando em vigor no diaseguinte ao dessa consumação, isto é, no dia 18/3/2016.
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encontra o suporte necessário na prova documental instrutiva do incluso
inquérito civil, na fundamentação fática e jurídica contida nos tópicos
precedentes e motivada pela previsão, contida no Edital nº 001/2017, de nota
de corte única a candidatos incluídos em listas de ampla concorrência e a
candidatos que concorreram ao certame sob o regime de reserva de vagas,
contingência hábil a nulificar o certame público, tendo em vista a inobservância
de princípios de capital importância à Administração Pública.
Outrossim, o perigo de dano irreparável ou de difícil
reparação deflui, de modo até eloquente, dos elementos trazidos pelo inquérito
civil, pois a (maior) demora na anulação (lato sensu) integral do certame
implicará ofensa cada vez mais acentuada a princípios e direitos fundamentais
previstos na Constituição da República, com prejuízo aos demais candidatos,
notadamente os que concorreram ao certame como deficientes, negros ou
pardos e foram excluídos pelo critério decorrente da nota de corte única,
estabelecida pela pontuação atribuída aos candidatos incluídos na lista de ampla
concorrência.
Além disso, a providência antecipatória impedirá que a
irregularidade noticiada venha a ser replicada nos concursos públicos doravante
promovidos pela COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO –
CODESP, que deverá adotar notas de corte distintas em face dos candidatos
integrantes de listas de ampla concorrência e de candidatos que concorram às
vagas ofertadas sob o regime de reserva legal.
Ao conceder ou não a tutela de urgência, notadamente a de
jaez antecipatório, o Poder Judiciário deverá sopesar os bens em jogo no
processo, isto é, os bens/interesses que estão sendo discutidos pelas partes, de
forma a priorizar um em detrimento do outro, contanto que exista justificativa
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plausível para a sua escolha.
“À primeira vista, seria fácil concluir que a tutelaantecipatória não poderá ser concedida quando pudercausar um dano maior do que aquele que se pretendeevitar. Contudo, para que o juiz possa concluir se éjustificável ou não o risco, ele necessariamentedeverá estabelecer uma prevalência axiológica de umdos bens em vista do outro, de acordo com os valoresde seu momento histórico. Não se trata de estabeleceruma valoração abstrata dos bens em jogo, já que os benstêm pesos que variam de acordo com as diversas situaçõesconcretas.” (MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação daTutela na Reforma do Processo, 2ª edição, MalheirosEditores, São Paulo, 1996, pp. 82-3)
Além disso, a resposta do Poder Judiciário, para realizar o
objetivo da jurisdição, em seu tríplice aspecto (jurídico, político e social)5, e mais
5 “4. a função estatal pacificadora (jurisdição)Pelo que já ficou dito, compreende-se que o Estado moderno exerce o seu poder para a solução de
conflitos interindividuais. O poder estatal, hoje, abrange a capacidade de dirimir os conflitos que envolvemas pessoas (inclusive o próprio Estado), decidindo sobre as pretensões apresentadas e impondo asdecisões. No estudo da jurisdição, será explicado que esta é uma das expressões do poder estatal,caracterizando-se este como a capacidade, que o Estado tem, de decidir imperativamente e impordecisões. O que distingue a jurisdição das demais funções do Estado (legislação, administração) éprecisamente, em primeiro plano, a finalidade pacificadora com que o Estado a exerce.
Na realidade, são de três ordens os escopos visados pelo Estado, no exercício dela: sociais, políticos ejurídico.
A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por consequência, de todo o sistema processual (umavez que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escoposocial, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre avida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um.
A doutrina moderna aponta outros escopos do processo, a saber: a) educação para o exercício dospróprios direitos e respeito aos direitos alheios (escopo social); b) a preservação do valor liberdade, aoferta de meios de participação nos destinos da nação e do Estado e a preservação do ordenamentojurídico e da própria autoridade deste (escopos políticos); c) a atuação da vontade concreta do direito(escopo jurídico).
É para a consecução dos objetivos da jurisdição e particularmente daquele realcionado com apacificação com justiça, que o Estado institui o sistema processual, ditando normas a respeito (direitoprocessual), criando órgãos jurisdicionais, fazendo despesas com isso e exercendo através deles o seupoder.
A partir desse conceito provisório de jurisdição e do próprio sistema processual já se podecompreender que aquela é uma função inserida entre as diversas funções estatais. Mesmo na ultrapassadafilosofia política do Estado liberal, extremamente restritiva quanto ás funções do Estado, a jurisdiçãoesteve sempre incluída como uma responsabilidade estatal.
E hoje, prevalecendo as ideias do Estado social, em que ao Estado se reconhece a função fundamentalde promover a plena realização dos valores humanos, isso deve servir, de um lado, para pôr em destaquea função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhestrazem angústia; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto á necessidade de fazer do
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do que correta e justa, precisa ser célere, sob pena de se tornar ineficaz e
inefetiva em virtude das modificações provocadas pelo tempo na realidade
factual inicialmente apresentada.
Ao abordar a efetividade do processo e da jurisdição, a
doutrina nacional de ponta, em deferência ao princípio constitucional do direito
de ação, estabelecido no art. 5º, XXXV, da Carta Política, apregoa:
“XXXV: 21. Direito de ação. Todos têm acesso à justiçapara postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatóriade um direito individual, coletivo ou difuso. Ter direitoconstitucional de ação significa poder deduzir pretensão emjuízo e também poder dela defender-se. O princípioconstitucional do direito de ação garante ao jurisdicionado odireito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicionaladequada (Nery, Princípios, n. 18). Por tutela adequadaentende-se a que é provida da efetividade e eficácia quedela se espera. Caso o jurisdicionado necessita de atuaçãopronta do Poder Judiciário, como, por exemplo, a concessãode medida liminar, pelo princípio constitucional do direito deação tem ele direito de obter essa liminar. (...)” (NERYJUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Ob. Cit.,p. 131)
“Para consecução do objeto maior do processo, que é a pazsocial, por intermédio da manutenção do império da lei, nãose pode contentar com a simples outorga à parte do direitode ação. Urge assegurar-lhe, também, eprincipalmente, o atingimento do fim precípuo doprocesso, que é a solução 'justa' da lide. Não ésuficiente ao ideal de justiça garantir a soluçãojudicial a todos os conflitos; o que é imprescindível éque essa solução seja efetivamente 'justa', isto é,apta, útil e eficaz para outorgar à parte a tutelaprática a que tem direito, segundo a ordem jurídica
processo um meio efetivo para a realização da justiça. Afirma-se que o objetivo-síntese do Estadocontemporâneo é o bem-comum e, quando se passa ao estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeçãoparticularizada do bem-comum nessa área é a pacificação com justiça.” (CINTRA, Antonio Carlos deAraújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 22ª edição,São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 30-1)
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vigente.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de DireitoProcessual Civil, v. 2, 20ª edição, Ed. Forense, Rio deJaneiro, 1996, p. 359 (grifo colocado)
De rigor, portanto, a concessão da tutela (provisória) de
urgência antecipada e incidental na presente ação civil pública.
5. PEDIDOS
Com essas considerações, o MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL requer:
A) O recebimento, a autuação e o processamento da presente ação na forma e
no rito preconizados em lei (art. 19 da Lei nº 7.347/1985 c/c art. 318 do Novo
Código de Processo Civil), juntamente com o Inquérito Civil nº
1.34.012.000312/2017-05, em anexo;
B) A concessão inaudita altera pars da tutela provisória de urgência
antecipatória e incidental, nos termos do art. 12 da Lei nº 7.347/85, c/c os
arts. 294 e 300, ambos do Novo Código de Processo Civil, para o fim de (B.1)
declarar a nulidade do Concurso Público para provimento dos cargos de
Especialista Portuário – Administrador, Especialista Portuário – Advogado,
Especialista Portuário – Analista de Sistemas, Especialista Portuário Arquiteto,
Especialista Portuário – Assistente Social, Especialista Portuário – Contador,
Especialista Portuário – Controlador de Tráfego Marítimo, Especialista Portuário –
Economista, Especialista Portuário – Engenheiro de Segurança do Trabalho,
Especialista Portuário – Engenheiro Eletricista, Especialista Portuário – Jornalista,
Especialista Portuário – Médico do Trabalho, Especialista Portuário – Psicólogo,
Especialista Portuário – Técnico de Comunicação Social, Enfermeiro do Trabalho,
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Técnico de Segurança do Trabalho, Técnico Portuário – Administrativo, Técnico
Portuário – Eletricista, promovido pela COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE
SÃO PAULO – CODESP por meio do Edital nº 001/2017; (B.2) desconstituir
com eficácia ex tunc os vínculos institucionais eventualmente formalizados com
esteio no referido edital, sem prejuízo da remuneração até o momento recebida
pelo trabalho prestado, em obséquio à vedação ao enriquecimento sem causa 6 7 ;
(B.3) determinar à CODESP que, em prazo razoável, a ser fixado por Vossa
Excelência, adote, no plano fático/concreto/operacional, as providências
necessárias para o desligamento dos empregados ali admitidos por meio do
6 “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURDO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO POPULAR. REQUISITOS. LESIVIDADE AOPATRIMÔNIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADEEM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS PAGAMENTOS REALIZADOS. SERVIÇOSEFETIVAMENTE PRESTADOS. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. 1. Reexame defatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. 2. Nocaso dos autos, a devolução dos pagamentos realizados pela Municipalidade a título de remuneração porserviços efetivamente prestados implicaria em locupletamente indevido da Administração. Princípio davedação do enriquecimento sem causa. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, 2ª Turma, RE594354 AgR/SP, rel. Min. Eros Grau, j. 18/8/2009, v.u., publ. DJe 11/9/2009)
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC.CONTRATO ADMINISTRATIVO NULO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE O ENTE PÚBLICOEFETUAR O PAGAMENTO PELOS SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTOILÍCITO.1. Não há violação dos arts. 458 e 535 do Código de Processo Civil quando a prestação jurisdicional é dadana medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso.2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, 'ainda que o contrato realizado com a AdministraçãoPública seja nulo, por ausência de prévia licitação, o ente público não poderá deixar de efetuar opagamento pelos serviços prestados ou pelos prejuízos decorrentes da adminitração, desde quecomprovados, ressalvada a hipótese de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade (AgRg noAg 1056922/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJ de 11 de março de 2009).3. Hipótese em que comprovada a existência da dívida, qual seja, prestado o serviço pela empresacontratada e ausente a contraprestação (pagamento) pelo município, a ausência de licitação não é capazde afastar o direito da ora agravada de receber o que lhe é devido pelos serviços prestados. Oentendimento contrário faz prevalecer o enriquecimento ilícito, o que é expressamente vedado peloordenamento jurídico brasileiro.Agravo regimental improvido.” (STJ, 2ª Turma, AgRg no Resp 1383177/MA, Proc. 2013/0138049-9, rel.Min. Humberto Martins, j. 15/8/2013, v.u., DJe 26/8/2013)
7 Em geral, as expressões “enriquecimento sem causa” e “enriquecimento ilícito” são utilizadas comosinônimos pela doutrina. Veja-se, por exemplo, R. Limongi França, que assim conceitua: “Enriquecimentosem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamente ilícito é o acréscimo de bens que se verifica nopatrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico.”(Enriquecimento sem Causa. Enciclopédia Saraiva de Direito, São Paulo: Saraiva, 1987). Contudo, háestudiosos que as diferenciam. Mencione-se, por todos, Marcus Cláudio Acquaviva, para quemenriquecimento ilícito é o “aumento de patrimônio de alguém, pelo empobrecimento injusto de outrem.Consiste no locupletamento à custa alheia, justificando a ação de in rem verso”. Ao passo queenriquecimento sem causa “é o proveito que, embora não necessariamente ilegal, configura o abuso dedireito, ensejando uma reparação”. (Dicionário Jurídico Brasileiro, 9ª edição, São Paulo: Editora JurídicaBrasileira, 1998).
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concurso público em questão; e (B.4) determinar à CODESP que, doravante,
adote as providências necessárias para adequar a forma de classificação nos
concursos (públicos) por ela promovidos, mediante a utilização de notas de corte
distintas para as listas reservadas por lei a candidatos negros, pardos e
deficientes, de modo a afastar o uso indevido de cláusulas de barreira que
impeçam o acesso de candidatos, nessas condições, aos cargos oferecidos, sob
pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia de não-
cumprimento/atraso, a ser revertida para o Fundo Federal de Direitos Difusos de
que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/85, regulamentado pelo Decreto nº
1.306/94.
C) A intimação da UNIÃO, para, assim o querendo, integrar a lide, na qualidade
de litisconsorte (rectius: assistente litisconsorcial8), de acordo com o disposto no
art. 5º, § 2º, da Lei nº 7.347/1985, tendo em vista a ofensa a bens e interesses
de tal ente público federal;
D) A citação da demandada para, querendo, contestar os pedidos judicializados,
sob pena de revelia e confissão, de acordo com os arts. 335, 336 e 344 do Novo
Código de Processo Civil;
E) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde
logo, à vista do disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/1985, esclarecendo que o
Ministério Público não faz jus a honorários advocatícios;
F) A intimação pessoal do autor, mediante a entrega e vista dos autos nesta
Procuradoria da República, tendo em conta o disposto no art. 180 do Novo
8 “23. Assistência. Como o nosso direito processual não admite a constituição superveniente delitisconsórcio facultativo unitário, instaurada a relação processual por um dos colegitimados, os outros quequiserem participar do processo terão que ingressar na qualidade de assistentes litisconsorciais (CPC 54).(...)” (NERY JUNIOR, Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada eLegislação Constitucional, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2006, p. 489)
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Código de Processo Civil, e no art. 18, II, h, da Lei Complementar nº 75/1993;
G) No mérito, a confirmação do s pedido s formulados em sede de tutela
provisória de urgência antecipatória e incidental (item B, supra );
H) A condenação da ré aos ônus da sucumbência.
I) Requer-se, ainda, a produção de todas as provas em Direito admitidas, a
serem oportunamente especificadas.
Informa não se opor à designação de audiência de
conciliação, nos termos do art. 334 do Novo Código de Processo Civil, para
eventual celebração de acordo e consequente elaboração de Termo de
Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) em face da ré.
Atribui-se à presente causa o valor de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais), para efeitos fiscais.
Nestes termos,
pede deferimento.
Santos (SP), 18 de agosto de 2017.
RONALDO RUFFO BARTOLOMAZIProcurador da República
Rafael Barros AlmeidaEstagiário do MPF
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Inquérito Civil nº 1.34.012.000312/2017-05
À Secretaria:
Encaminhe-se a petição inicial da ação civil pública à Justiça
Federal local, contendo 41 (quarenta e uma) laudas digitadas somente no
anverso, e instruída pelo presente inquérito civil, formado por 1 (um) volume e
1 (um) apenso.
Santos (SP), 18 de agosto de 2017.
RONALDO RUFFO BARTOLOMAZIProcurador da República
Rafael Barros AlmeidaEstagiário do MPF
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