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FALEC – FACULDADE DR. LEOCÁDIO JOSÉ CORREIA
RODRIGO FÉDER PARANÁ
CONECTIVIDADE LINGÜÍSTICA E
FATORES DESENCADEANTES
NO ENSINO-APRENDIZAGEM:
PARAMETRIZAÇÃO DE UMA REDE DE PALAVRAS
CURITIBA
2007
RODRIGO FÉDER PARANÁ
CONECTIVIDADE LINGÜÍSTICA E
FATORES DESENCADEANTES
NO ENSINO-APRENDIZAGEM:
PARAMETRIZAÇÃO DE UMA REDE DE PALAVRAS
CURITIBA
2007
Monografia apresentada à disciplina de Redação na Metodologia da Pesquisa, como requisito parcial à conclusão do Curso de Pós-Graduação da Formação Pedagógica do Docente de Nível Superior, da Faculdade Doutor Leocádio José Correia. Orientador: Prof. Rui Simon Paz
RESUMO
A linguagem verbal é apresentada como um sistema dinâmico complexo não-linear estruturado em rede. A participação da mentalidade e da cultura no fluxo de informação conduzido pela linguagem na sociedade é abordada. A autopoise, padrão de organização de sistemas complexos, é atribuída como característica da linguagem, principalmente em seus aspectos de conectividade, auto-organização e acoplamento estrutural. O aspecto da hipertextualidade da linguagem verbal é enfocado. A não-linearidade do discurso é enfatizada, como possibilitadora de estímulos através de cruzamentos polissêmicos ocorrendo pelo acontecimental e pelo acaso, mas orientados no conjunto. É explicitado o potencial pedagógico destas características da linguagem. Uma rede de palavras da língua portuguesa é parametrizada através de metodologia utilizada para redes sociais. Dois programas distintos são utilizados na obtenção dos parâmetros. Os resultados apresentam grande concordância. A rede analisada dispõe de característica estrutural semelhante a uma rede de palavras da língua inglesa, utilizada como referência.
LISTA DE FIGURAS
Figura 3.1 – Bacia de atração para os atratores da equação z4-1=0 ............................ 32
Figura 3.2 – Ampliação da fronteira entre bacias de atração ........................................ 32
Figura 4.1 – Distribuição de quantidade de nós por número de vínculos para uma
rede lingüística. ............................................................................................................. 52
Figura 4.2 – Distribuição de quantidade de verbetes em relação ao número de
vínculos na rede analisada............................................................................................ 64
Figura 4.3 – Probabilidade de distribuição da quantidade de verbetes em relação ao
número de vínculos na rede analisada.......................................................................... 64
Figura 4.4 – Aproximação exponencial e por lei de potência aos dados da rede de
palavras analisada. ....................................................................................................... 65
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Classes de signos ......................................................................................... 21
Tabela 2: Resultados para a rede de palavras da língua inglesa.................................. 50
Tabela 3: Dados da rede de palavras analisada ........................................................... 58
Tabela 4: Parâmetros calculados para a rede de palavras ........................................... 62
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 7
2 LINGUAGEM, SOCIEDADE E ENSINO-APRENDIZAGEM .............................. 10
2.1 INFORMAÇÃO, COMUNICAÇÃO E PROCESSAMENTO NA
CONTEMPORANEIDADE............................................................................................. 10
2.1.1 A saturação da informação e o papel da memória ............................................. 10
2.1.2 Redes de informação, proximidade e ensino-aprendizagem.............................. 11
2.1.3 Referenciais e processo de transformação social .............................................. 13
2.2 MENTALIDADE, CULTURA E LINGUAGEM ..................................................... 14
2.2.1 Formação de mentalidade e molduras ............................................................... 14
2.2.2 Linguagem: meio difusor de pensamentos e molduras ...................................... 15
2.2.3 Princípios de uma nova moldura e de uma diferente abordagem para a
linguagem...................................................................................................................... 16
2.3 LINGUAGEM E ESLÉTICA ................................................................................ 18
2.3.1 Linguagem, sistema vivo .................................................................................... 18
2.3.2 Eslética na cultura: fluxo da informação na sociedade....................................... 23
2.3.3 Linguagem, docência e transdisciplinaridade ..................................................... 25
3 REDES LINGÜÍSTICAS E COMPLEXIDADE .................................................... 27
3.1 REDES, ESTRUTURA DE SISTEMAS COMPLEXOS....................................... 27
3.1.1 Características de sistemas complexos.............................................................. 27
3.1.2 Complexidade, dinâmica não-linear e caos ........................................................ 29
3.1.3 Redes e complexidade ....................................................................................... 33
3.2 AUTOPOIESE, PADRÃO DE ORGANIZAÇÃO DE SISTEMAS COMPLEXOS . 35
3.2.1 Epistemologia e biologia..................................................................................... 35
3.2.2 Acoplamento estrutural e evolução .................................................................... 36
3.2.3 Conectividade, coordenação comportamental e comunicação........................... 37
3.3 DINÂMICA NÃO-LINEAR DA LINGUAGEM....................................................... 40
3.3.1 Abordagem instrucionista-representacionista e abordagem reconstrucionista... 40
3.3.2 Acoplamento estrutural lingüístico: dinâmica não-linear..................................... 41
3.3.3 Dinâmica não-linear do discurso ........................................................................ 42
4 PARAMETRIZAÇÃO DE REDES LÍNGÜÍSTICAS ............................................ 46
4.1 PARAMETRIZAÇÃO DE REDES ....................................................................... 46
4.1.1 Alguns parâmetros utilizados.............................................................................. 46
4.1.2 Redes mundo-pequeno ...................................................................................... 49
4.1.3 Redes sem-escala.............................................................................................. 51
4.2 POTENCIAL DE VÍNCULO EM REDES LINGÜÍSTICAS................................... 53
4.2.1 Multiplicidade e simultaneidade relacional.......................................................... 53
4.2.2 Campo semântico............................................................................................... 54
4.2.3 Jogos de linguagem............................................................................................ 55
4.3 PARAMETRIZAÇÃO DE UMA REDE DE PALAVRAS....................................... 57
4.3.1 Rede utilizada..................................................................................................... 57
4.3.2 Procedimentos de cálculo................................................................................... 58
4.3.3 Resultados.......................................................................................................... 61
5 CONCLUSÃO .................................................................................................... 67
7
1 INTRODUÇÃO
O vínculo professor-aluno constitui um fundamento do processo pedagógico.
A qualidade e a responsabilidade na efetuação desta conexão, nos seus diversos
aspectos: cognitivos, afetivos, psicomotores, conativos, espirituais, configuram a
função do professor como facilitador, orientador e indutor do conhecimento. O
estabelecimento de um vínculo concreto dinamiza uma relação educando-educador
efetiva capaz de promover processos transformacionais.
As tecnologias da informação vêm transformando o mundo
exponencialmente. O telefone, o rádio, a televisão, os satélites de comunicação, o
microcomputador, a telefonia móvel, a internet integraram-se na sociedade, na
mentalidade, na cultura humana, de forma progressiva e irreversível, encurtando
distâncias, conectando o mundo inteiro e promovendo uma verdadeira avalanche
informacional.
Vive-se cotidianamente à exposição de um fluxo intenso e diverso de
informação. O acontecimental mundial é transmitido com vivacidade, intensidade,
rapidez. A rede mundial de computadores, a rede de telefonia móvel e as redes de
televisão, substratos de uma rede mundial de informação, são hoje os principais
catalisadores e exemplos desta realidade.
As estruturas em rede afirmam-se e confirmam-se como características
fundamentais da sociedade atual.
As diversas linguagens, verbais e não-verbais – neste contexto, mais
especificamente a linguagem verbal, oral e escrita –, são mais que instrumentos e
meios de vinculação, são sistemas dinâmicos complexos de informação que
codificam a cultura pelo espírito e o espírito pela cultura. Sendo o espírito o “ator e
portador da cultura” (CRUZ, 1996, p.45), as linguagens representam a interface
entre o espírito e a cultura.
A alta conectividade e associatividade da informação circulante nas redes
lingüísticas, isto é, nas redes formadas por conjuntos de palavras vinculadas entre si
através de determinado sentido (MOTTER et al., 2002) são aspectos fundamentais
destes sistemas, permitindo o cruzamento de informação, códigos e interpretações
as mais distintas, de forma rápida.
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A estrutura organizacional da informação na internet na forma de hipertexto é
metáfora mais que apropriada para a linguagem em si. A linguagem é hipertextual e
o saber-navegar neste mar de vínculos é um saber social e pedagógico.
No processo ensino-aprendizagem o educador só pode intervir na etapa da
informação. Não há transmissão de conhecimento, mas sim transmissão de
informação. A comunicação, o processamento, o conhecimento, o saber e o saber-
fazer são atribuições do espírito, ou seja, do fator processante (CRUZ, 2001a).
Na facilitação para a comunicação, o discurso é fator preponderante. As
características do bom educador podem ser facilmente vinculadas às características
do domínio do discurso. A empatia, a capacidade de vinculação do ensino à vida
prática, o exercício da autoridade sem autoritarismo, o domínio dos conteúdos, o
entusiasmo, o fascínio pela matéria contaminam e estimulam o processamento do
conhecimento. O papel do educador é de estimular, desafiar, facilitar, possibilitar a
construção do aprendizado (PIMENTA, 2002).
O discurso é uma rede de sentenças; uma sentença, uma rede de palavras;
uma palavra, uma rede de significações que compartilha uma rede de informação. O
discurso interconexo, polissêmico, hipertextual, plural, quando organizado, pode
alcançar a singularidade do aluno na simultaneidade da exposição ao fazer
estímulos ressonantes diversos nos registros informacionais do interlocutor.
O entendimento destas estruturas e processos é de suma importância para o
educador em todos os tempos e especialmente na sociedade contemporânea.
O objetivo deste trabalho é levantar a importância pedagógica da
conectividade lingüística no estimulo, na geração e processamento de informação.
Especificamente, almeja-se expor as redes lingüísticas como sistemas dinâmicos
complexos, parametrizando uma rede de palavras como exemplo.
No capítulo 2 aborda-se o contexto do papel da informação na
contemporaneidade, a formação de redes sociais de informação, a linguagem em
sua relação com a mentalidade, a semiótica e a dinâmica complexa do fluxo social
da informação.
No capítulo 3 descreve-se características da estrutura e comportamento de
sistemas complexos, onde a estrutura em rede e a auto-organização são
enfatizados. A linguagem é descrita como um sistema dinâmico não-linear.
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No capítulo 4 apresenta-se os fundamentos de parametrização de redes e o
exemplo de uma rede de palavras da língua portuguesa com parâmetros calculados.
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2 LINGUAGEM, SOCIEDADE E ENSINO-APRENDIZAGEM
2.1 INFORMAÇÃO, COMUNICAÇÃO E PROCESSAMENTO NA
CONTEMPORANEIDADE
2.1.1 A saturação da informação e o papel da memória
Evidencia-se o fato de atualmente vivenciarmos uma profunda crise
educacional. Na sala de aula apresenta-se normalmente um cotidiano de alunos
alienados, pois aparentemente desinteressados, com dificuldade de concentração,
sem prazer para aprender e bastante ansiosos (CURY, 2003).
Esta crise tem uma de suas raízes na maneira como a sociedade, ao longo
das últimas décadas, através dos meios de comunicação, tem bombardeado de
estímulos a própria sociedade. Tal situação tem gerado, paradoxalmente,
dificuldades de relacionamento e comunicação no nível social e no campo
pedagógico, especificamente. “A qualidade e a velocidade dos pensamentos
mudaram” (CURY, 2003, p.58). A quantidade, intensidade e velocidade da
informação transmitida na contemporaneidade, através das redes de televisão, da
indústria cultural e da internet têm causado uma saturação mental social. É possível
descrever este fenômeno através da “síndrome do pensamento acelerado” (SPA)
(CURY, 2003, p.59). O excesso de informação e de estímulos visuais gera
ansiedade, que por sua vez gera compulsão por novos estímulos, na tentativa de
satisfazer, de aliviar a ansiedade que se originou. É o mecanismo de um vício,
alimentado e amplificado pelo consumismo. Esse círculo vicioso causa uma
psicoadaptação, elevando o limiar do prazer e gerando a necessidade de mais
estímulos, que excitam a construção de grande quantidade de pensamentos
desorganizados.
Analisar aspectos da manifestação da faculdade mental humana da memória
é de extrema significação para o entendimento dessa síndrome e para a proposição
de abordagens pedagógicas capazes de atenuá-la, administrá-la.
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O registro na memória é involuntário e é conhecido como fenômeno RAM,
registro automático da memória (CURY, 2003, p.106). São registradas
involuntariamente as informações, imagens, palavras, que podem ser utilizadas no
futuro.
A emoção é um peso ponderador do registro na memória. A carga emocional
vivenciada no momento do registro da informação pode amplificá-lo ou atenuá-lo.
Outra característica da faculdade da memória é o fato de não poder ser
apagada, mas poder ser reescrita, reinterpretada, sendo que não existe lembrança
pura, mas sim contextualizada numa rede de outras lembranças, vivências,
raciocínios, emoções, valores, intenções. Em síntese, a memória atua como
background para a construção de novas idéias.
A crise apresentada pela SPA pode ser interpretada como oportunidade para
transformação. Através do conhecimento do papel da memória e da consciência de
que os alunos estão saturados de informações é possível elaborar abordagens
pedagógicas que se beneficiem desse contexto. Questões colocadas em sala de
aula podem ser utilizadas como meio de cruzar informações, de maneira análoga a
uma busca na internet; contar histórias, de forma semelhante, é um meio de
trabalhar com a memória, a emoção e a imaginação na construção de soluções e no
estímulo à sabedoria.
Fundamental é a colocação de que a carga informacional, apresentada
através da memória, seja sempre orientada para a computação, a interpretação
através do fator processante que é o aluno.
2.1.2 Redes de informação, proximidade e ensino-aprendizagem
O contexto social contemporâneo é marcado pela presença da rede mundial
de computadores, internet, e todo o conjunto de serviços e conteúdos associado a
ela. Este ciberespaço vem alterando drasticamente a difusão de informação e
influenciando significativamente as relações ensino-aprendizagem.
O ciberespaço é conceituado como um novo meio de comunicação
emergente das tecnologias de informação e comunicação em rede (ALAVA, 2002).
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Este espaço é caracterizado pela intensa diversidade e pelo grande volume de
informações disponíveis. Além disso, o volume e a conectividade destas informações
crescem exponencialmente. Esta realidade acarreta em uma modificação da relação
com o saber, pressionando o estudante a aumentar a autonomia na sua formação
(ALAVA, 2002). Ressalva-se que o acesso facilitado à informação não garante
necessariamente melhor aprendizagem, pois o vínculo entre professor e aluno e
entre alunos é condição essencial para a comunicação e conseqüente prontidão
para o processamento do conhecimento. A proximidade é, portanto, fundamental
não só para a difusão da informação nas diversas redes sociais mas também para
facilitar e estimular o processamento. Essa proximidade pode ser melhor
caracterizada através do conceito de distância transacional (FRANCO et al., 2003).
O conceito de distância transacional diz respeito à distância comunicativa
entre os interlocutores, colocando em segundo plano a distância física:
A distância transacional atinge seu auge quando docentes e discentes não têm qualquer intercomunicação e quando o programa de ensino está pré-programado em todos os detalhes e prescrito compulsoriamente, sendo que, conseqüentemente, necessidades individuais não podem ser respeitadas. (FRANCO et al., 2003).
Pode-se inferir que a constituição das redes sociais se faz de maneira
predominante através da proximidade comunicacional, podendo ocorrer a distâncias
físicas grandes como, por exemplo, através da internet. A distância física pequena
pode amplificar a comunicação através de outras linguagens, visuais, gestuais,
interativas, mas não é pré-requisito para a constituição de uma rede. Grupos que
mantenham uma distância física pequena podem apresentar uma grande deficiência
comunicativa, como ocorre muitas vezes no contexto escolar, onde o ensino
presencial é feito, em grande medida, de uma distância transacional muito grande.
Entretanto, não se faz apologia ao ensino a distância. A utilização do ciberespaço
com o intuito de se diminuir a distância transacional é ineficaz, pois, ao invés de se
melhorar a relação social em nível humano e pedagógico intenciona-se substituir
uma interface homem-homem atualmente deficitária por uma interface homem-
máquina-homem que se pretende de melhor qualidade e eficiência.
Colocam-se como mudanças trazidas pela utilização do ciberespaço na
sociedade o estímulo à autoformação, o acesso facilitado à informação e a alteração
do papel do professor para funções de orientação, estímulo e acompanhamento.
13
2.1.3 Referenciais e processo de transformação social
Todo homem está vinculado a redes de informação. A ação do homem nas
redes sociais desencadeia processos de transformação social. Esses processos de
transformação podem ser caracterizados através do encadeamento informação-
comunicação-processamento-conhecimento-sabedoria-ação (CRUZ, 2001a).
As palavras, como unidades informacionais da linguagem verbal, transitam
nas redes sociais, auxiliando na constituição de toda uma estrutura referencial que
impulsiona transformações na sociedade pela ação do homem.
Na aquisição de dados contínua do meio em que o homem está inserido, a
instrumentação e o conjunto de instruções adequados são elementos fundamentais
para importar, percepcionar a informação, mapeando assim todo um sistema exo-
referencial.
Através da polimerase, a reação em cadeia de aglutinação e estruturação das
unidades informacionais (CRUZ, 2001a), forma-se a comunicação em rede, que
disponibiliza o acesso à memória, às comparações e significações.
O processamento dos sinais, das informações coletadas, é sempre operado
pelo espírito. O juízo crítico advindo constrói e fundamenta conhecimento pelo auto-
referencial.
A essencialidade da sabedoria, através da composição de outros elementos
como a intuição e a imaginação promovem a internalização do conhecido, fazendo
endo-referencial (CRUZ, 2005).
A concretude da ação realiza o processo cultural da inovação, descoberta,
invenção ou criação quando, por estratégias de ação promovidas pelo sujeito, o
saber-fazer promove o indivíduo e a sociedade.
O processo generativo, de geração de novas informações, realimenta as
redes fazendo transdisciplinaridade, renovando, inseminando, cruzando, marcando
(CRUZ, 2005).
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2.2 MENTALIDADE, CULTURA E LINGUAGEM
2.2.1 Formação de mentalidade e molduras
A formação de mentalidade é um processo sistêmico de realimentação
complexa estruturado em rede. Surge primordialmente da interatuação homem-
natureza. O acoplamento estrutural entre o natural e o cultural significa contínua
interferência mútua que, na rede social humana, modula o direcionamento da
dinâmica organizacional-social para sucessivos novos equilíbrios. Estes estados de
equilíbrio vinculam-se a um macroconjunto conceptual que promove enorme força
atratora, em determinada época e local, sobre indivíduos. Assim, os indivíduos são
atores e portadores de mentalidade.
A conectividade da rede social é feita pela linguagem e é através dela que os
indivíduos e cada grupo local cruzam permanentemente todo um arcabouço
predisponente – que é tão somente um histórico de sucessividade transformacional
estrutural e organizacional da unidade em questão – com o emergente da época, o
conjunto atual de interferências e suas interações, para, pode-se dizer, reorganizar a
própria linguagem. É na linguagem que se encontra, de maneira conjunta,
interdependente e complexa o lógico e o axiológico. É pela linguagem, e
principalmente na linguagem oral, coloquial do povo, pois esta expressa a
espontaneidade da mentalidade, que se constrói gradativamente a justificação dos
valores – a lógica do axiológico – e a fundamentação, a diretriz, o axiomático do
conjunto de regras inferenciais válidas – a axiológica do lógico.
No processo de difusão da transformação de mentalidade, a tensão mental
social alcança capacitores, indivíduos que tem o potencial de fazer todo o processo
exposto em um nível pessoal íntimo e, pela necessidade de traduzir explicitamente
para si a mudança, traduzem para o grupo o que o grupo concebia mas não
conceituava formalmente, ou, se conceituava, não de maneira coerente ou
consistente.
Quando ocorre a realimentação do grupo e este se vê munido de um
arcabouço formal, teórico-explicativo, sobre a realidade, devido ao seu grande poder
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instrumental e instrucional de transformação, na dinâmica social de conservação do
equilíbrio político-econômico – ou seja, na conservação do poder –, são feitas
seleções, filtragens, e o filtrado termina se instituindo como moldura. Vale ressaltar
que as seleções, as filtragens, ocorrem em todos os níveis, justamente pelo aspecto
de conservação da adaptação da unidade, seja do indivíduo ou do grupo, ao meio
natural ou social.
Molduras são filtros. O filtro nada mais é que a resposta padrão de uma
determinada estrutura a impulsos do entorno e depende, essencialmente, da
estrutura excitada, no caso, a estrutura de pensamento. É na convolução da
perturbação, informação, com a estrutura interna, que se forma o padrão de resposta
do homem, do grupo, do indivíduo. Para alterar o filtro, a moldura, é imprescindível
mudar a estrutura. Portanto, é necessário alterar os valores dos parâmetros que
configuram esta estrutura de pensamento.
Quando se fala em estrutura do pensamento entende-se inteligência em
sentido amplo, ou seja, os aspectos cognitivos, afetivos, psicomotores, conativos,
são integrantes da análise.
Nesse contexto, a prensa de Gutemberg, por exemplo, foi um fator
desencadeante que permitiu um intenso aumento da conectividade social, da
plasticidade da língua, da interpretação própria, da difusão de idéias e
conseqüentemente da cultura do humanismo, das letras, do pensamento, da
filosofia. É o símbolo de um imenso atrator, de uma galáxia na qual grande parte da
atividade humana começa a girar ao redor na Idade Moderna.
2.2.2 Linguagem: meio difusor de pensamentos e molduras
Como exemplo do processo de evolução de uma moldura na rede social,
apresenta-se a descrição de aspectos da maneira como Descartes concebeu o
método que transformou a mentalidade da humanidade, construindo uma nova
moldura de pensamento:
Após muitas horas de intensa concentração [...], percebeu, num lampejo de intuição, os alcances de uma ciência maravilhosa [...] e não duvidou que sua visão resultara de uma inspiração divina, [...] convicção reforçada por
16
um sonho extraordinário na noite seguinte, na qual a nova ciência lhe foi apresentada de forma simbólica (CAPRA, 1982)
Provoca-se à reflexão com estas passagens, a idéia de que o método que
Descartes utilizou para chegar ao chamado método de Descartes não é cartesiano,
da maneira como entende-se hoje, ou seja, um método fundamentalmente racional-
analítico. Da mesma forma pode-se dizer que Newton não era newtoniano, Marx não
foi comunista, Jesus não era católico. Essa análise pode ser validada verificando-se
que o impulso cognitivo que Descartes promoveu na estrutura de pensamento da
humanidade, ao longo do tempo, criou sua própria ontogenia, derivando
naturalmente, adaptando-se às necessidades, possibilidades e interesses de cada
pessoa e grupo com que entrou em contato. Essas pessoas e grupos, de acordo
com suas próprias estruturas de pensamento, modularam a informação, através da
linguagem, filtrando alguns aspectos, amplificando outros, direcionando e
adulterando ainda outros. Em síntese, é o que pode-se chamar de “crise discipular”,
o auto-entendimento sem fundamentação que cria vieses dogmáticos em idéias e
teorias tornando-as ideologismos ao longo da história.
A linguagem, como interface entre o homem e a cultura, é o meio difusor e
emoldurador do pensamento nas redes sociais através da história, reorganizando
assim a moldura lógica-axiológica em cada época.
2.2.3 Princípios de uma nova moldura e de uma diferente abordagem para a
linguagem
Na mentalidade constituinte da ciência moderna geraram-se cláusulas
fundamentais a respeito do conhecimento e do conhecer, tais como: independência
entre observador e objeto, determinismo, causalidade local, continuidade,
matematicidade, reprodutibilidade dos dados experimentais, objetivismo (MORIN,
1996). Estes fundamentos, vinculados ao mito da ordem e justificados pela lógica
dialética levaram ao mecanicismo reducionista. São desdobramentos de uma macro-
estrutura de pensamento com bases lógico-axológicas relacionadas à filosofia
positivista.
17
No tocante à concepção de ordem, o positivismo operou a substituição da
concepção medieval de Deus como ordenador no Universo pela concepção da
ordem em si, mantendo a tendência dogmática e absolutista.
A desordem foi, repetidamente, ao longo dos séculos, recusada como
princípio, pois não se ajustou à moldura, à estrutura de pensamento, à construção
do edifício lógico-axiológico em cada época e ainda hoje. A oposição à conceituação
da desordem e sua inclusão em uma concepção de mundo é, portanto, também uma
oposição estético-filosófica. A desordem é descrita como irracional, feia e má.
A compreensão de que a desordem e, mais apropriadamente, a incerteza,
são fundamentos da realidade, dos fenômenos, é importante para a construção de
uma nova mentalidade. Essa concepção inclui na interpretação do mundo, de si e da
sociedade, o acontecimental, a contingência, o acidental, o acaso, a incerteza.
Essas concepções-conceitos são atualmente necessárias para a
compreensão e descrição do mundo natural e cultural. Assim, é proposta a
integração e complementação dos conceitos de ordem e desordem, ou, de maneira
mais precisa, a percepção de que eles são inseparáveis (MORIN, 1996). A dinâmica
complexa da organização dos sistemas vivos expressa o binômio ordem-desordem.
Para se fazer uma diferente abordagem à linguagem verbal, oral e escrita,
pode-se explorar o binômio ordem-desordem na dinâmica complexa das redes
lingüísticas.
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2.3 LINGUAGEM E ESLÉTICA
2.3.1 Linguagem, sistema vivo
A linguagem pode ser conceituada como um conjunto “incrivelmente
intrincado de formas sociais de comunicação e de significação” (SANTAELLA, 2005,
p.11). Assim, identifica-se com todos os sistemas de produção de sentido. A ação
humana no meio social é mediada por uma rede complexa de linguagem,
compreendendo leitura, produção de formas, imagens, movimentos, sons, músicas,
gestos, olhares, símbolos, objetos, números, expressões corporais, sentimentos,
ações, reações etc.
A língua é um subconjunto da linguagem e representa o conjunto organizado,
organicamente estruturado, de signos lingüísticos, ou seja, de signos relacionados à
linguagem verbal. A língua é um conjunto sistêmico de regras combinatórias,
estabelecida por convenção ou pacto coletivo, carregado e compartilhado pelos
indivíduos falantes de determinada comunidade.
Analogamente, assim como a lingüística é a ciência da linguagem verbal, a
semiótica é a ciência de todas as linguagens. A semiótica “tem por objeto de
investigação todas as linguagens possíveis, o exame dos modos de constituição de
todo fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido”
(SANTAELLA, 2005, p.13).
A análise e entendimento das potencialidades, estrutura e função social das
redes lingüísticas vincula-se à compreensão da potencialidade de manifestação de
significação e sentido das diversas linguagens, pois estas permeiam o uso da
linguagem verbal, contextualizando-a, exemplificando-a, intensificando-a, em um
processo concomitante de significação. Assim, a semiótica lança luz sobre os
fenômenos de significação que se processam particularmente nas redes lingüísticas.
A cultura também é um fenômeno de comunicação estruturado em
linguagens. Assim, todo fato cultural, todo ato social constitui-se como processo de
produção de sentido. O homem, como ator e portador da cultura, é operador do
processo de transformar sinais naturais em culturais, isto é, em signos e linguagens.
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Em escala social, a dinâmica complexa desse contínuo fluxo e transformação,
organiza-se de maneira a se reproduzir, adaptar, evoluir, transformar e regenerar.
Assim, “todos os sistemas e formas de linguagem tendem a se comportar como
sistemas vivos” (SANTAELLA, 2005, p.14).
A semiótica indica algumas vias de acesso para a análise e compreensão da
simbiose homem-linguagem e, particularmente, homem-linguagem verbal. Um ponto
fundamental da teoria formulada por Charles Sanders Peirce, um dos principais
estruturadores da semiótica, é o entendimento de que fenômeno é tudo aquilo que
aparece à mente. Ao considerar experiência como tudo que se depara conosco,
forçando o nosso reconhecimento, Peirce estabelece que tudo aquilo que se
apresenta à consciência o faz numa gradação de três propriedades, três categorias
ou modalidades de apreensão que formalizam toda e qualquer experiência.
As categorias propostas por Peirce são (SANTAELLA, 2005):
a) primeiridade: o que está imediatamente presente à consciência de alguém,
o conjunto de puras qualidades que compartilham com a consciência o instante
presente, ou mais precisamente, que constituem para a consciência o fenômeno do
instante presente;
b) secundidade: a reação, relação, resistência, comoção do eu para com o
estímulo, a sensação, impressão, percepção da qualidade, ou seja, da primeiridade;
c) terceiridade: o pensamento, o processo, mediação, interpretação efetuada
da qualidade percepcionada.
Através dessas modalidades, o homem, para conhecer e compreender um
fenômeno, produz um signo em sua consciência, um pensamento que faz a
mediação entre a consciência e o fenômeno.
É de extrema importância a percepção de que o homem só pode traduzir um
pensamento em outro pensamento, ou seja, para conhecer as coisas, o mundo, o
outro e a si mesmo o homem interpreta signos traduzindo-os em outros signos. A
interpretação, a compreensão, é um processo de tradução ininterrupta de
pensamentos em outros pensamentos, de signos em outros signos. “O significado é
aquilo que se desloca e esquiva incessantemente” (SANTAELLA, 2005, p.52).
Em relação às redes lingüísticas, percebe-se que para esclarecer o
significado de qualquer palavra, sempre é necessário recorrer a outras palavras.
Esse entendimento é fundamental para a compreensão e exploração das
20
potencialidades de redes lingüísticas, de redes de palavras, e portanto de redes de
significação mental.
Um signo, uma palavra, é um complexo de relações. O significado de um
signo é outro signo. O significado de uma palavra está acoplado a uma rede de
outras palavras.
Um signo representa um objeto para um intérprete. Por exemplo: a palavra
cadeira, a fotografia de uma cadeira, o desenho de uma cadeira, o olhar para uma
cadeira são signos do objeto cadeira. O signo produz na mente do intérprete algo
que está relacionado ao objeto por sua mediação.
A partir da relação de representação que o signo mantém com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado do primeiro, é o interpretante do primeiro (SANTAELLA, 2005, p.58).
Reitera-se que o significado de um signo é outro signo, pois o que é criado
pela mente do intérprete, através da mediação do signo, é um outro signo, a
tradução do primeiro.
Genericamente, um signo é composto por um objeto imediato e um
interpretante imediato.
O objeto imediato é o modo, suporte material com que o signo representa o
objeto. No caso de uma palavra, a aparência gráfica e acústica; no caso de uma
figura, é a aparência do desenho. Para as palavras o objeto imediato caracteriza um
“pacto coletivo ou convenção social” (SANTAELLA, 2005, p.60) que estabelece a
relação entre um conjunto gráfico-acústico específico que não apresenta
semelhança com o objeto e este objeto, o qual a palavra intenciona representar.
O interpretante imediato é o potencial de significado de um signo, é aquilo que
o signo está apto a exprimir.
O interpretante dinâmico é o que o intérprete efetivamente apreende do signo.
O interpretante em si é a generalização do interpretante dinâmico, isto é, aquilo que
determinado signo produz efetivamente na mente de diversas pessoas. Por
exemplo, um sinal de trânsito com a inscrição “PARE”.
Os signos representam uma interface entre o sujeito e o objeto. O sujeito age
no objeto através do signo, bem como sofre sua ação. Assim é possível afirmar que
o signo tem a função sintática de verbo na relação sujeito-objeto.
21
Peirce estabeleceu, baseando-se nas categorias e na composição dos signos,
um conjunto classificatório composto pelas combinações de relações que se
apresentam nos signos.
As classificações mais gerais e às quais Peirce dedicou mais análise são
apresentadas na tabela abaixo:
Tabela 1: Classes de signos (SANTAELLA, 2005, p.62)
Signo em si mesmo Signo com seu objeto Signo com seu interpretante
1º quali-signo ícone rema
2º sin-signo índice dicente
3º legi-signo símbolo argumento
Essa classificação apresenta as relações do signo consigo mesmo, com seu
objeto e com seu interpretante em níveis de primeiridade, secundidade e
terceiridade.
O quali-signo diz respeito ao signo como pura qualidade, uma cor intensa
comunicando um sentimento, por exemplo.
Um ícone é a relação do signo com seu objeto em nível de qualidade. Os
ícones, por representarem apenas formas ou sentimentos, têm um alto poder de
sugestão. O interpretante que um ícone está apto a produzir em uma mente
interpretadora é também uma mera possibilidade. No nível do raciocínio, ou seja,
numa relação de terceiridade, um ícone passa a ser um rema, uma hipótese ou
conjectura. Assim, diversos ícones apresentados em um computador são
interpretados: “parece uma impressora”, “lembra um alto-falante”, “parece uma pasta
sendo aberta”, “lembra um disquete”, “parecem duas pessoas próximas,
comunicando-se” etc.
Em relação aos ícones existe ainda a modalidade dos hipoícones, os signos
que representam seus objetos por semelhança. Uma imagem é um hipoícone de
primeiro nível, pois a qualidade de sua aparência é semelhante à qualidade do
objeto que representa. Todas as formas de desenhos e figuras são imagens. Um
diagrama é um hipoícone de segundo nível, pois representa seu objeto através da
exposição das relações dos componentes que fazem parte deste objeto.
22
É interessante ressaltar a importância dos hipoícones de terceiro nível para a
conectividade lingüística e o fluxo de informação na sociedade. Os hipoícones de
terceiro nível são as metáforas verbais. Elas se originam da sobreposição de
palavras, colocando em cruzamento seus significados convencionais. Este
cruzamento gera uma conexão por semelhança entre os significados, ampliando a
interpretação de ambos os termos.
Um índice é um signo que indica um objeto ao qual está factualmente
conectado. Semióforos são índices, indicam algo através de sua existência concreta.
Por exemplo: pegadas, fotografias, itens culturais em geral etc.
No nível de terceiridade, os signos, em relação a si mesmos, são
considerados leis (SANTAELLA, 2005, p.67). Assim, em relação ao seu objeto,
esses signos são classificados como símbolos. O poder de representação do
símbolo advém do fato dele estar ligado, por convenção ou pacto coletivo, portanto
por uma lei, ao seu objeto. O símbolo é um geral, e aquilo que representa, seu
objeto, também o é.
As palavras são símbolos, pois são signos que estão ligados, por convenção
ou pacto coletivo, aos seus respectivos objetos, de maneira genérica. Por exemplo:
a palavra “porta” representa todos os tipos possíveis e imagináveis de objetos-porta.
Os símbolos, e no caso, as palavras, são genéricos. Esse fato potencializa
intensamente sua valência, ou seja, sua capacidade de estabelecer ligações com
outros signos, símbolos e seus objetos.
O objeto de uma palavra é uma idéia abstrata, lei de associação armazenada
no psicossocial e no psico-individual. Esta lei capacita a palavra “porta” a representar
qualquer porta, independentemente da singularidade desta ou daquela porta. Na
construção de uma frase construímos símbolos indiciais, palavras que indicam um
particular, para referenciarmos nossas explicações. Assim, em um discurso, é
possível trabalhar a simultaneidade da singularidade, referenciando objetos
particulares para interlocutores diferentes através da mesma construção.
Os símbolos e as palavras vivem nas mentes daqueles que os utilizam
(SANTAELLA, 2005, p.68). Além disso, criam redes entre si, pois necessitam de
outros símbolos para se explicarem, para serem interpretados, em um processo sem
fim. Pelas suas características, os símbolos em geral, e as palavras em particular,
23
são capazes de gerar um fluxo sígnico desenfreado, apenas limitado pela ideosfera,
pelos paradigmas da cultura e da inteligência, da complexidade e da contingência.
Para Saussurre “a língua não está em nós, nós é que estamos na língua”
(apud SANTAELLA, 2005, p.78). A língua é fenômeno social, um sistema abstrato
formal de regras arbitrárias socialmente aceitas. Essa visão encara a língua como
sistema autônomo e objeto de uma ciência específica, a lingüística.
Já para Peirce (apud SANTAELLA, 2005), toda ação humana está vinculada à
linguagem e a semiótica é uma teoria sígnica do conhecimento. Nesse contexto, a
Lingüística pode ser encarada como um caso particular, específico, de estudo da
língua, inserido em um contexto sígnico de linguagem muito mais amplo.
2.3.2 Eslética na cultura: fluxo da informação na sociedade
A informação-palavra flui na sociedade pela linguagem e, portanto, pela
cultura.
Nos diversos eixos, pólos do social, o social, o político, o econômico e o
cultural, uma palavra, ou seja, um item cultural, sempre caracterizado por forma,
significado, uso e função, através de um processo cultural específico – inovação,
invenção, criação ou descoberta – difunde-se pela linguagem, adquirindo um nível
de participação na cultura, individual, alternativo, especialista ou universal. Esse
processo dinâmico e complexo, quando se aborda a linguagem verbal como um todo
e suas intrincadas relações com as demais linguagens, apresenta um padrão
individual e social, fundamentado na transdisciplinaridade e caracterizado pela
eslética.
No nível pessoal, apresenta-se um padrão transdisciplinar de resolução de
problemas (CRUZ, 2001b). No momento em que o indivíduo depara-se com uma
situação-problema, procede uma busca em todos os seus referenciais para
estabelecer um diagnóstico da situação e propor a construção de uma solução. Essa
busca, baseada nos instrumentos e instruções que acumulou, pode resultar, através
de processamento crítico, em uma combinação de elementos conhecidos com
técnicas conhecidas disponíveis, para efetuar inovação cultural. No caso específico
24
da linguagem verbal, é feito um mapeamento mental lingüístico que,
operacionalizado, reflete em uma nova metáfora, uma nova expressão, uma nova
palavra, uma nova explicação. Essa inovação tem o potencial de transformar o
próprio social ao atender e adaptar-se às necessidades do momento sócio-cultural.
No nível social pode-se verificar um padrão de pesquisa, desenvolvimento e
difusão (CRUZ, 2001b). Este padrão é caracterizado por um fluxo de pesquisa,
desenvolvimento, difusão, experimentação, instalação, instituição e adjudicação.
No nível de pesquisa, individualmente e em grupos busca-se trabalhar,
aumentar o conhecimento, colocar o conhecimento em processo de progresso. No
desenvolvimento, como resultado da pesquisa, da manutenção de uma mentalidade
crítica, os processos culturais da invenção, descoberta, inovação e criação formulam
novos instrumentos e instruções para a resolução de problemas. Ainda no
desenvolvimento, a organização, avaliação e sistematização procuram dar unidade
ao novo, sendo que o produto que agregue mais valor em termos de racionalidade,
inteligibilidade e efeito será difundido com mais eficácia (CRUZ, 2001b). O produto
lingüístico pode ser, da mesma forma, uma nova metáfora, uma nova expressão,
uma nova palavra, uma nova explicação científica, filosófica ou religiosa, uma
concepção ou conceito diferenciado, uma expressão coloquial ou gíria que atenda a
demanda social de um determinado momento.
Na difusão do produto, ocorre sua propagação pelo meio social, ocorrendo
primeiramente em núcleos específicos e difundindo-se para alcançar mais
publicidade, maior nível de participação cultural através de capacitores. Neste nível a
adaptação, os vínculos transdisciplinares, a lógica de possibilidade e necessidade
de determinado grupo serão os critérios de sucesso na difusão do produto. O
processo de experimentação do produto, quando recebido, ou seja, quando lido,
ouvido, realiza o teste, a comprovação da eficácia da nova solução. Assim, quando
se faz uso de um produto lingüístico ajuda-se a difundi-lo também. Na medida em
que o produto se difunde e é experimentado no meio social, ocorre sua adaptação,
sua operacionalização em diversos meios e contextos. Esse processo de
sedimentação social é a instalação. Com o passar do tempo, o produto refinado,
constituído por esse processo dinâmico complexo constituinte, pode se instituir
através, por exemplo, de um dicionário ou de uma alteração gramatical. Nesse ponto
o novo produto já se encontra inserido na vida prática e pode ser facilmente
25
adjudicado, integrado, somado ao arcabouço lingüístico individual e social, de forma
sustentável, portanto em condições de continuidade. Assim o produto flui no meio
social, sendo ensinado aos neófitos como se sempre tivesse sido parte integrante da
língua, da cultura.
É importante ressaltar que este padrão de fluxo não é necessariamente linear,
sendo não só circular e realimentado, mas também exibindo características de várias
etapas em um momento específico. Assim, na experimentação ocorre adjudicação
pessoal e na instituição continua existindo difusão, por exemplo.
A eslética é a característica destes padrões. Eles representam um processo
dinâmico que busca no meio social, na situação apresentada, sempre o que há de
melhor, ultrapassando a simples oposição e confronto de idéias ou opiniões.
Diversos lados da situação são examinados e o possível de cada envolvido se
manifesta, efetivamente participando da construção de uma solução, ou de sua
adaptação e difusão (CRUZ, 2000). A verdade emana e flui em todos.
2.3.3 Linguagem, docência e transdisciplinaridade
No processo pedagógico, é de extrema significação a forma e conteúdo da
linguagem oral do docente, no momento do encontro docente-discente. “A docência
utiliza uma linguagem transdisciplinar” (CRUZ, 2005) possibilitando que o
conhecimento novo adapte-se ao emergente do momento pedagógico de forma
sistêmica. O professor, sendo o “agente que sensibiliza o indivíduo a fazer atos
reflexivos” (CRUZ, 2005), deve promover o estímulo ao processamento crítico das
informações recebidas pelo aluno no decorrer do processo pedagógico mas,
principalmente, das informações já adquiridas e em contínua aquisição no dia-a-dia.
O estímulo para o processamento crítico e conseqüentes inovações, descobertas,
invenções e criações por parte dos alunos resulta no registro de informações,
avaliadas e processadas, que passam a integrar o arcabouço lingüístico-cognitivo
dos alunos. O estímulo é feito pelo docente através da linguagem oral, da estrutura
de seu discurso, pontuado por explicações, expressões, frases e palavras que atuam
como fatores desencadeantes do processo pessoal de interpretação do aluno. O
26
discente é o fator processante e o docente, através da linguagem oral, das palavras,
o capacitor de fatores desencadeantes do conhecimento em construção.
A dinâmica da linguagem oral no encontro docente-discente é
necessariamente composta por uma tríade (CRUZ, 2005):
a) O sujeito que fala, e que, na expressão da linguagem oral, materializa seu
existente possível, criando um conjunto de vetores lingüísticos – frases, palavras,
combinações, metáforas etc. – capazes de atuar como fatores desencadeantes,
estruturando ou desestruturando.
b) O objeto de que se fala, a referência que conecta sígnica e cognitivamente
os dois sujeitos, amplificando sua relação. O exemplo, na explicação, caracteriza
melhor o objeto, possibilitando a formação de mais combinações sígnicas que
contribuem para o interpretativo-conceptual do sujeito que ouve.
c) O sujeito que ouve, e que, mesmo sem falar, interage, dialoga com o
sujeito que fala, expressando sua prontidão, anseios, dúvidas, consentimentos,
discordâncias.
A linguagem estabelece um vínculo transdisciplinar, abrangendo a matéria, a
disciplina, mas também as relações humanas, o momento presente, as expectativas,
transbordando em significação e interpretação para demais matérias e disciplinas,
com o fundamental objetivo de desencadear o processo reflexivo com qualidade.
27
3 REDES LINGÜÍSTICAS E COMPLEXIDADE
3.1 REDES, ESTRUTURA DE SISTEMAS COMPLEXOS
3.1.1 Características de sistemas complexos
Complexidade pode ser entendida como um conjunto de propriedades,
características que determinados sistemas manifestam ou expressam. O conceito de
sistema é aplicado nas mais variadas e diversificadas áreas do conhecimento.
Assim, deparamo-nos com a concepção de sistema quando nos referimos, por
exemplo, ao sistema solar, a sistemas mecânicos, ao sistema de distribuição de
energia elétrica, a ecossistemas, sistemas climáticos, ao sistema celular, aos
sistemas respiratório, circulatório, digestório, imunológico, esquelético, aos órgãos
como sistemas, a sistemas de comunicação como a telefonia móvel, redes de TV e
rádio, a própria língua, a sistemas operacionais de computador, a sistemas de
idéias, de pensamentos, a sistemas rodoviários, sistemas políticos, jurídicos, bem
como a uma molécula, um átomo ou um grupo de moléculas.
Dos exemplos citados pode-se inferir que existem sistemas naturais, físicos e
biológicos, sistemas artificiais e sistemas culturais. Esses sistemas apresentam
características em comum.
É possível encontrar sistemas complexos em qualquer escala. A
complexidade independe da escala. Entretanto pode-se trabalhar com níveis de
organização sendo que a complexidade transita e se expressa através e em todos
os níveis. Os sistemas complexos demonstram tendência para formar estruturas
multiniveladas de sistemas dentro de sistemas. Estes níveis de organização não são
hierárquicos, mas formam uma rede (CAPRA, 2003). Assim, ecossistemas são
regulados pela dinâmica do sistema solar, o sistema solar é regulado pela dinâmica
de uma reação química. Em cada nível os fenômenos observados exibem
propriedades que não existem em outro nível, essas propriedades são emergentes.
Portanto, cada nível é irredutível em relação aos demais. A interdependência é
28
intensa entre os níveis de organização, significando interação, integração, inter-
relação. Vários exemplos são encontrados em biologia, tais como a regulação da
digestão executada por bactérias, a simbiose e as diversas relações entre espécies
etc.
Estas características são integrantes de uma concepção filosófica sistêmica,
contextual, relacional, conectiva, para a qual não se pode decompor o mundo em
unidades elementares que existem independentemente.
Os sistemas complexos apresentam dinamicidade, estão em movimento, há
constante fluxo de energia. Esta dinamicidade está vinculada a uma estabilidade. Os
sistemas complexos estão em equilíbrio dinâmico estável, no qual a mudança de
estado é dificultada. Um sistema alcança o processo do equilíbrio dinâmico através
da auto-regulação. Esta auto-regulação é feita através de realimentação, de um
processo de causalidade circular.
A teoria, hoje considerada clássica, de controle de sistemas, consolidou-se na
década de 1940 com métodos analíticos de estabilidade, resposta de sistemas e
projetos de controle. A partir de 1960, com o advento da computação, tornou-se
possível a análise de sistemas mais complexos, com múltiplos graus de liberdade
(OGATA, 1998). A partir desse período também começou-se a estudar o controle
adaptativo e o controle com "aprendizado", como nas redes neurais artificiais. Estas
teorias levantam todo um arcabouço conceptual-conceitual que permite o melhor
entendimento e análise de sistemas complexos. Assim, os sistemas podem ser
descritos por equações dinâmicas matemáticas, sendo que os sistemas que
apresentam um nível diferenciado de complexidade, demonstrando comportamentos
específicos, são descritos por equações dinâmicas não-lineares.
É relevante e significativa a afirmação de que “todo comportamento que
envolva auto-regulação em sistemas físicos ou biológicos pode ser chamado de
propositado, pois é comportamento direcionado para um objetivo” (CAPRA, 2003,
p.61).
A descrição e análise de sistemas complexos, em biologia principalmente,
levam em conta a característica de abertura dos sistemas. Em sistemas fechados,
há entropia, ou seja, tendência à desordem, tendência a um estado de equilíbrio
estável. Já em sistemas abertos, o fluxo de energia entre sistemas torna-se uma
fonte de ordem. A dissipação de energia de um sistema age como ruído perturbador
29
em outro. O sistema pode manter-se em equilíbrio dinâmico, afastado do ponto de
equilíbrio estável e evoluir, quando o fluxo de matéria e energia residual interage
com o sistema. Este sistema pode conseqüentemente experimentar novas
instabilidades e transformar-se em novas estruturas de complexidade crescente,
sendo que instabilidades e saltos para novas formas de organização são o resultado
de flutuações amplificadas por realimentação.
Esse conjunto de propriedades fundamenta o conceito de auto-organização
em sistemas: “emergência espontânea de novas estruturas e novas formas de
comportamento em sistemas abertos, afastados do equilíbrio, caracterizados por
laços de realimentação” (CAPRA, 2003, p.80).
3.1.2 Complexidade, dinâmica não-linear e caos
O arcabouço conceitual referente ao estudo da dinâmica de sistemas voltado
para a análise de sistemas não-lineares é diretamente relacionado à física e à
matemática. Os sistemas são descritos em termos de equações diferenciais ou
equações a diferenças finitas, respectivamente para sistemas contínuos ou discretos
no tempo. Nesta forma, dado um estado inicial das variáveis, a equação especifica a
taxa de variação dessas em um determinado momento, para que a evolução das
variáveis possa ser calculada para os tempos sucessivos (CHUA et al,. 1987).
Equações diferenciais lineares modelam sistemas nos quais as taxas de variação
das variáveis são funções lineares dessas mesmas variáveis, ou seja, variam
proporcionalmente (KAPLAN e GLASS, 1995).
Uma análise qualitativa de um dado sistema pode ser feita através do estudo
do espaço geométrico formado por suas variáveis de estado. Dadas condições
iniciais para as equações, a seqüência contínua no tempo dos estados das variáveis
projetadas em um plano configuram uma trajetória para as equações (CHUA et
al.,1987) (KAPLAN e GLASS, 1995). A trajetória é composta por um transiente e um
estado assintótico, sendo que um ponto no plano é dito estado estacionário ou ponto
fixo quando, dado um estado inicial, a trajetória projetada no plano é um ponto, ou
seja, não varia com o tempo. Em função de valores de parâmetros do sistema,
30
vários tipos de comportamento são possíveis. Para sistemas lineares continuamente
excitados, o comportamento qualitativo da trajetória é atraído para um ciclo-limite, ou
seja, um ciclo periódico após um transiente. Um atrator é uma região limitada do
espaço de fase para a qual trajetórias são atraídas assintoticamente no decorrer de
tempos longos o suficiente (SCHUSTER, 1984). Para os casos já expostos são
atratores os pontos fixos estáveis e os ciclos periódicos estáveis.
Para sistemas não-lineares pode existir maior quantidade de atratores. Com a
presença da não-linearidade – ou seja, de relações não diretamente proporcionais
entre as taxas de variação das variáveis e as próprias variáveis do sistema –, os
sistemas podem exibir um conjunto de comportamentos qualitativamente diferentes
dos mostrados por um sistema linear. Dentre eles encontra-se a duplicação de
período e a dinâmica caótica.
A possibilidade de ocorrência de caos em sistemas dinâmicos já era
conhecida pelo matemático francês Henri Poincaré no final do século XIX. Edward
Lorenz, em 1963, através do estudo por simulação numérica de equações
diferenciais não-lineares que modelam a dinâmica de um fluido livre entre duas
placas a temperaturas diferentes – equações estas utilizadas para extrapolar
interpretações para estudos meteorológicos –, descobriu características inerentes à
dinâmica caótica. O termo “caos” foi introduzido por Li e Yorke em 1975 através da
análise do mapa logístico, formado pelas iterações de uma equação a diferenças
não-linear. A partir desta data o estudo e a pesquisa de dinâmicas caóticas nos mais
variados campos da ciência expandiu-se começando a sistematizar-se (KAPLAN e
GLASS, 1995).
A dinâmica caótica pode ser conceituada como sendo uma dinâmica “limitada
e aperiódica em um sistema determinístico com dependência sensível às condições
iniciais” (KAPLAN e GLASS, 1995, P.27). Com isso o atrator caótico, trajetória para a
qual tende assintoticamente esta dinâmica, apresenta necessariamente as seguintes
características (KAPLAN e GLASS, 1995) (SCHUSTER, 1984) (NUSSE e YORKE,
1997).
a) aperiodicidade: os estados nunca se repetem, a trajetória não se
intercepta;
b) limitação: a trajetória nunca tende ao infinito, permanece confinada a uma
região do espaço e portanto a um conjunto limitado de estados;
31
c) determinismo: cada estado é absolutamente determinado pelo precedente
através de uma regra definida, um sistema de equações determinístico onde não há
elemento aleatório nem ruído como interferência externa;
d) dependência sensível às condições iniciais: para duas condições iniciais
bastante próximas as trajetórias respectivas afastam-se rapidamente ao longo do
tempo implicando em obstrução à previsibilidade da dinâmica do sistema a longo
prazo, pois as condições iniciais exatas de um sistema físico não são nunca
conhecidas.
É importante fazer a distinção entre ruído de medição e ruído dinâmico na
análise do comportamento de sistemas dinâmicos. O ruído de medição diz respeito à
limitação da precisão do processo de medição de uma variável do sistema e é
caracterizado por flutuações aleatórias em torno da média do valor medido. Já o
ruído dinâmico representa pequenas influências de fatores internos no sistema, que
interferem na evolução da dinâmica (KAPLAN e GLASS, 1995).
Um sistema não-linear pode ter mais de um atrator. Quando coexistem dois
ou mais atratores, sejam eles ciclos periódicos ou atratores caóticos, o sistema é dito
multi-estável e o conjunto de condições iniciais que levam a cada atrator é
denominado bacia de atração. Os pontos de fronteira entre duas bacias podem
formar um conjunto fractal (FREITAS, 2003). Um fractal é um objeto geométrico que
exibe a propriedade de auto-similaridade e possui dimensão fracionária (FREITAS,
2003).
Como exemplo ilustrativo, a figura 3.1 mostra as bacias de atração para as 4
soluções possíveis da equação 4
1 0z − = , geradas pelo método recursivo de Newton-
Raphson (TATHAM, 2004). As coordenadas das soluções da equação representam
no plano os pontos fixos do sistema. Cada ponto no plano representa um valor inicial
que é a entrada do método iterativo e a cor marcada indica para qual das soluções
as iterações convergem.
32
Figura 3.1 – Bacia de atração para os atratores da equação z4-1=0 Fonte: adaptado (TATHAM, 2004)
As fronteiras entre as bacias apresentam geometria fractal, o que pode ser
observado pela auto-similaridade do objeto mostrado pela ampliação na figura 3.2.
Figura 3.2 – Ampliação da fronteira entre bacias de atração Fonte: (TATHAM, 2004)
Sistemas dinâmicos não-lineares admitem bifurcações, mudanças qualitativas
bruscas no estado final do sistema em função da variação de um parâmetro
(FREITAS, 2003). A duplicação de período é um dos fenômenos que podem ocorrer
em sistemas dinâmicos não-lineares em função de bifurcações. Com a variação de
um determinado parâmetro do sistema um atrator periódico bifurca-se em um atrator
de período duplicado, que por sua vez pode bifurcar-se em um atrator de período
33
quadruplicado e assim sucessivamente. Essa rota de bifurcações normalmente leva
a um atrator caótico (NUSSE e YORKE, 1997).
É relevante ressaltar que o comportamento caótico é um comportamento
ordenado, complexamente estruturado, que pode manifestar-se em sistemas
dinâmicos não-lineares, sendo que, para sistemas biológicos, esses são a regra e
não a exceção.
3.1.3 Redes e complexidade
Uma rede pode ser definida como um conjunto de elementos simples
interconectados, sendo que cada elemento pode ter uma ou mais entradas e uma ou
mais saídas (KAPLAN e GLASS, 1995). Cada elemento é uma unidade processante
da rede, na medida em que suas respostas estão relacionadas com suas entradas
em alguma extensão. Essa correlação é realizada através de uma regra ou processo
específico. A principal característica de uma rede é sua conectividade. Assim, as
respostas de um elemento são entradas de outros, podendo ocorrer circularidade de
conexão. Nessa configuração uma rede pode ser descrita como tendo um conjunto
de nós, os elementos, ligados por um conjunto de elos ou conexões.
Redes compostas de elementos bastante simples podem manifestar
comportamentos complexos. Assim, modelos de redes são aplicados em diversos
segmentos da ciência, no intuito de se modelar ou descrever a dinâmica de um
sistema.
No campo biológico, o fluxo de matéria e energia nos ecossistemas é
compreendido como um prolongamento em rede das vias metabólicas celulares dos
organismos (CAPRA, 2003). Os próprios ecossistemas formam uma rede de
relações de espécies entre si e de espécies com fatores abióticos. No nível
intercelular, células formam redes para constituir órgãos. Órgãos formam redes para
constituir um organismo.
Organismos também podem constituir redes para formar redes sociais. Essa
tendência é explicada pela facilidade na disseminação da informação e pela
manutenção da coesão do conjunto (MATURANA e VARELA, 2005).
34
No campo filosófico, os objetos podem ser entendidos como redes de
relações, implicando numa compreensão sistêmica do Cosmo na qual há ausência
de níveis fundamentais, pois o fundamental são as relações.
No campo físico-matemático a ferramenta matemática de redes neurais
artificiais (RNA) está sendo utilizada na obtenção de modelos para sistemas de alta
complexidade. Notadamente, RNA podem ser empregadas na identificação e
controle de sistemas não-lineares (NARENDRA e PARTHASARATHY, 1990)
(NARENDRA, 1996). Uma RNA é uma rede formada de unidades simples de
processamento não-linear inspirada no funcionamento básico de uma rede de
neurônios biológicos.
Aspectos interessantes surgem na utilização de RNA para identificação de
sistemas dinâmicos não-lineares. A identificação é feita em sistemas sobre os quais
se disponha apenas de dados experimentais de excitação e resposta. A arquitetura
sugerida para identificação e controle de sistemas dinâmicos não-lineares é ela
mesma um sistema dinâmico não-linear com realimentação. RNA, assim, admitem
os mesmos tipos de comportamentos dinâmicos não-lineares como bifurcações e
caos.
Na identificação, a rede é ligada ao sistema a ser identificado de tal modo a
monitorar constantemente as entradas e saídas do sistema. Esses dados são
entradas da rede. A saída da rede é constantemente comparada com a saída do
sistema. Um algoritmo de "treinamento" é utilizado para minimizar a diferença entre
as saídas através da modulação de parâmetros internos da rede. Assim, ao final do
treinamento, a rede é apta a reproduzir, com determinado grau de semelhança, o
comportamento do sistema. Entretanto, o processamento interno da rede, em
comparação com o do sistema, é totalmente distinto. O processamento da rede
adapta-se de tal forma a "imitar" o comportamento do sistema.
Redes podem ser consideradas como a arquitetura, a estrutura de sistemas
complexos vivos (CAPRA, 2003).
35
3.2 AUTOPOIESE, PADRÃO DE ORGANIZAÇÃO DE SISTEMAS COMPLEXOS
3.2.1 Epistemologia e biologia
A forma como o homem interpreta o processo do conhecer está intimamente
relacionada à moldura de mentalidade dominante em cada período histórico. O
arcabouço conceitual vinculado à complexidade revela uma nova epistemologia.
Nesse contexto, a noção de inseparabilidade entre sujeito e objeto é um princípio
fundamental para a construção desse arcabouço. Segundo essa concepção, não se
pode separar sujeito e objeto na interpretação da realidade, do mundo, de si, ou do
conhecimento (MATURANA e VARELA, 2005) (CAPRA, 2003) (MORIN, 1996).
Existe um encadeamento circular no fluxo percepção-memória-conhecimento-ação,
ou seja, percebe-se para conhecer e conhece-se para perceber. A experiência está
intimamente relacionada à estrutura interna do sujeito, pois “os estados de atividade
neuronal deflagrados por diferentes perturbações estão determinados em cada
pessoa por sua estrutura individual, e não pelas características do agente
perturbador” (MATURANA e VARELA, 2005, p.27). O vínculo entre conhecimento e
ação se dá por um sistema de realimentação complexo, o fenômeno do conhecer
não é apenas captação e processamento de dados, depende da estrutura humana;
é uma convolução em que toda reflexão faz surgir um mundo.
O processo do conhecer está intimamente vinculado ao processo biológico. O
elo entre vida e inteligência é construído e apresentado conceitualmente de maneira
bastante lógica e didática em (MATURANA e VARELA, 2005). Assim, é proposta
como chave da caracterização do ser vivo sua organização autopoiética. Autopoiese
é auto-construção, auto-organização em rede. É a organização em rede de uma
cadeia de processos de produção, onde a função de cada componente é participar
da transformação de outros componentes da rede. Conceituando organização como
o conjunto harmônico-dinâmico dos diferentes meios de coordenação e co-
adaptação das atividades funcionais, individuais e coletivas que caracterizam uma
unidade estrutural específica (CRUZ, 2001a) pode-se induzir que: se o que
caracteriza um ser vivo é sua autopoiese, auto-organização; se o conceito de
36
organização pode ser estendido à organização social, organização cultural; se o
social e o cultural, em suas diversas manifestações em unidades funcionais (escola,
empresa, família, grupo etc.) sofrem o processo reflexivo “auto”; então o social e o
cultural, bem como todas as suas unidades, considerando essa abordagem, estão
vivos. Entretanto, para cada classe de unidades pode-se relacionar uma série de
fenômenos particulares. Portanto, cada classe de unidades especifica uma
fenomenologia particular, sendo que, genericamente, toda fenomenologia está
estruturada sobre um fundamento comum de complexidade autopoiética.
Outra característica dos sistemas complexos vivos pode ser exemplificada
através da reprodução celular, que ocorre por “fratura de uma unidade distribuída”
(MATURANA e VARELA, 2005), gerando outra da mesma classe, de estrutura
similar, não-idêntica, mas com mesma organização. A célula, no processo de auto-
reprodução, promove a distribuição de sua estrutura, e, quando ocorre a fratura, as
novas unidades herdam aspectos estruturais – a hereditariedade não ocorre
somente no nível genético, mas também no nível epigenético, ou seja, há herança
da configuração da rede metabólica celular, ocorre memória celular – bem como
ocorre variação estrutural.
3.2.2 Acoplamento estrutural e evolução
Todo sistema tem uma ontogenia, uma história de mudanças estruturais.
Essa mudança acontece a cada momento, em função de perturbações, interações
externas provenientes do meio, ou da dinâmica interna do sistema. Ocorre
acoplamento estrutural entre duas ou mais unidades autopoiéticas quando há
interações recorrentes entre elas gerando alterações estruturais coordenadas e co-
adaptadas. As células e organismos unicelulares são unidades autopoiéticas de
primeira ordem. Os seres vivos pluricelulares, sistemas autopoiéticos de segunda
ordem, também estão acoplados estruturalmente ao meio, ou seja, ocorrem
mudanças coordenadas e co-adaptadas dos sistemas com o meio. As variações dos
tipos de acoplamento estrutural representam momentos na deriva natural da
filogenia à qual pertence o sistema e significam não mais que a conservação desse
37
acoplamento (MATURANA e VARELA, 2005). O aumento da ordem do sistema
enriquece a dinâmica e a complexidade do mesmo, aumentando seus graus de
liberdade.
O meio não instrui a unidade a fazer alterações estruturais, mas sim
desencadeia, através de perturbações, mudanças que são determinadas pela
estrutura do sistema perturbado. Os sistemas são ditos estruturalmente
determinados (MATURANA e VARELA, 2005, p.110). Sistemas estruturalmente
determinados e acoplamento estrutural entre sistemas são noções válidas para
qualquer tipo de sistema. No caso dos sistemas vivos elas se expressam na
sucessiva conservação da autopoiese que os caracteriza. Pode-se conceituar
adaptação como a contínua manutenção da compatibilidade dos organismos ou
sistemas, na forma de sistemas dinâmicos, com seu meio. A conservação da
autopoiese e da adaptação são as condições necessárias para a sobrevivência dos
seres vivos. A evolução pode ser entendida como uma deriva filogenética natural na
qual se conserva a autopoiese e a adaptação dos organismos que compõe uma
determinada linhagem enquanto ela existe (MATURANA e VARELA, 2005, p.128). A
evolução é uma lei natural de conservação, sendo que essa deriva natural gera
inúmeras e diversas trajetórias no plano complexo dos estados estruturais.
A adaptação não é resultado de um processo evolutivo, adaptação é o próprio
processo evolutivo.
3.2.3 Conectividade, coordenação comportamental e comunicação
O funcionamento do sistema nervoso é função de sua conectividade. A
coordenação comportamental de um organismo é descrita como uma correlação
sensório-motora interna. Além disso, as transformações ocorridas por perturbações
na estrutura do sistema do organismo – no caso, o sistema nervoso – em sua
ontogenia, principalmente nos estágios iniciais de desenvolvimento desse sistema,
determinam sua estrutura subseqüente influenciando no comportamento do
organismo (MATURANA e VARELA, 2005).
38
O aparecimento do sistema nervoso dos organismos é uma decorrência
natural do acoplamento estrutural entre sistemas de primeira ordem, que tornando-
se sistemas de segunda ordem, na necessidade de adaptação contínua, e, portanto,
de coesão interna, formam uma rede de conexões internas que aumenta as
possibilidades de flexibilidade, o surgimento de novos estados estruturais na
dinâmica deste organismo.
A coordenação sensório-motora responsável pelo movimento dos organismos
é um sistema de controle realimentado. Nos organismos multicelulares é o sistema
nervoso que promove o acoplamento estrutural celular interno responsável pela
facilitação da coordenação sensório-motora e, portanto, pela diversidade
comportamental. Este sistema de potencialização do acoplamento é ele mesmo
constituído de células, neurônios. A rede neural se estabelece no organismo no
sentido de facilitar a conservação do equilíbrio das relações internas, quando
perturbadas. Sua organização interna é independente das perturbações a que está
exposta. Ela opera para manter constante algumas atividades de seus
componentes, quando expostos a perturbações auto-excitadas ou externas,
considerando sempre o acoplamento estrutural interno e do organismo com o meio.
A dinâmica das unidades de terceira ordem é originada do acoplamento
estrutural entre organismos, unidades de segunda ordem. A fenomenologia deste
tipo de acoplamento diz respeito às interações sociais entre organismos. No caso
dos insetos sociais: vespas, formigas, abelhas, cupins, o mecanismo de
acoplamento é a interação química. Este intercâmbio, difundido no grupo, orienta a
ontogenia dos indivíduos, pois promove um histórico de interações sociais seletivas.
Da mesma forma, os papéis dos indivíduos no grupo são mantidos pela rede de
interações. Quando há um desequilíbrio na dinâmica a própria rede encarrega-se de
compensá-lo. Entre os vertebrados ocorrem ainda outros modos de interação: visual,
auditivo, gestual, postural. O desencadeamento da coordenação de comportamentos
entre indivíduos no social é dito comunicação (MATURANA e VARELA, 2005).
Nesse processo de comunicação a expressão “transmitir informação” deve ser
questionada. A informação não é “passada” de um “emissor” para um “receptor”
mas, na coordenação de comportamentos, uma mutualidade de perturbações
desencadeia processos internos próprios, determinados pela própria estrutura dos
39
agentes comunicativos, acoplados estruturalmente. A mensagem é uma interface no
acoplamento dos mensageiros.
40
3.3 DINÂMICA NÃO-LINEAR DA LINGUAGEM
3.3.1 Abordagem instrucionista-representacionista e abordagem reconstrucionista
A abordagem tradicional para o processo da comunicação baseia-se em um
desencadeamento linear de eventos onde um emissor, pessoa ou o próprio meio,
transmite uma mensagem, uma informação, para um receptor, que a processa de
determinada maneira, fornecendo uma representação daquilo que o emissor
transmitiu. Essa abordagem linear é, portanto, baseada na consideração da
existência de uma instrução e de uma representação.
Um raciocínio similar é desenvolvido física e matematicamente no estudo de
dinâmica de sistemas e processamento de sinais. Nessa abordagem um sinal
emitido por um sistema fonte é amostrado, filtrado e processado para se obter a
resposta de um sistema a este sinal. É possível considerar todos esses processos
como sendo decorrentes de um único filtro. A resposta do sistema pode ser obtida
através da operação matemática convolução, que representa o produto de todo o
espectro de informação do sinal com toda a possibilidade de resposta devido à
estrutura do sistema excitado (OPPENHEIM, 1997).
As abordagens acima se diferem nas suas interpretações. Enquanto a
abordagem tradicional, linear, fornece um peso grande à informação, delegando um
papel de distorcedor ao receptor, a abordagem matemática, também linear, além de
considerar o efeito de atenuação e amplificação que pode ocorrer na resposta do
sistema, determina como fundamental à resposta, a estrutura do próprio sistema.
No campo filosófico, há tendências que defendem o extremo de um dos dois
componentes, informação ou estrutura. Essa polaridade conceitual entre um
representacionismo – que entende o comportamento determinado pelas informações
obtidas do meio, sendo o sistema nervoso apenas um sistema sensorial – e um
solipsismo – que afirma só existir a dinâmica interna do sujeito – na interpretação do
fenômeno da ação humana, pode ser resolvida através da concepção de um
equilíbrio instável entre os dois atratores. Assim, há uma convolução entre a
informação como perturbação do meio e a estrutura interna do sistema para
41
obtenção de uma resposta de qualquer tipo, bem como uma complexidade
objetividade-subjetividade no desencadeamento das respostas devido ao
acoplamento estrutural dinâmico e não-linear existente. Essa abordagem não
considera apenas uma representação de informações recebidas, como uma foto que
se borra ou se amplifica e atenua cores, mas toda uma reconstrução da informação
– ou a construção de nova informação – desencadeada por perturbações, onde há
papel determinante da estrutura e contínua adaptação e auto-organização em redes
não-lineares de vínculos, devido ao permanente acoplamento estrutural.
A polaridade conceitual nas concepções tradicionais pode ser traduzida pelas
polaridades objetivismo-subjetivismo, objetivismo-relativismo ou ainda determinismo-
relativismo, frutos de todo um arcabouço mental dialético.
3.3.2 Acoplamento estrutural lingüístico: dinâmica não-linear
Organismos e sociedades são metassistemas, ou seja, sistemas de sistemas,
sendo a sociedade uma unidade de sistemas componentes dotados de grande grau
de autonomia. O acoplamento estrutural entre os componentes da sociedade é feito
através de um domínio lingüístico. A linguagem amplia o domínio comportamental da
sociedade ampliando a criatividade, a criticidade, a autonomia de seus
componentes. Ela surge da necessidade do sistema social manter sua auto-
organização e sua adaptação. A linguagem é uma rede neurossocial. Nessa
perspectiva, percebe-se que o controle da língua significa controle de pensamento,
como, por exemplo, na ditadura imaginada por George Orwell em “1984”, na qual o
lançamento de uma nova versão de um dicionário contendo um número cada vez
menor de verbetes da “novilíngua” era visto, e preparado intencionalmente para ser
visto, como um acontecimento social da maior importância.
A cultura pode ser entendida como a conduta e aquisição de comportamentos
ao longo do tempo, ao longo de gerações, exercidas na comunicatividade, na
dinâmica comunicativa do meio social. Nesse contexto, papel importante é atribuído
à imitação, à moda, na conectividade social, pois promovem nova comunicação
desencadeando transformações de configurações comportamentais.
42
As palavras, como designadoras de objetos, como vetores, têm sua própria
ontogenia. Essa ontogenia é provinda da maneira como se estabelece,
recursivamente, iterativamente, adaptativamente, o acoplamento estrutural entre o
homem e o meio e entre o homem e o homem. Quando se observa a referência ao
natural através da palavra efetiva-se o acesso ao domínio lingüístico. Quando se
refere ao domínio lingüístico através do domínio lingüístico faz-se linguagem, e um
domínio semântico é acessado (MATURANA e VARELA, 2005).
É necessária a interação mental interna em nível sígnico para haver
recursividade lingüística, reflexão lingüística e portanto comportamento mental
reflexivo. Essa recursividade interior é indispensável para a conservação da
coerência, da adaptação na nossa constante dinâmica interativa do acoplamento
lingüístico social. O fenômeno mental pode ser então entendido como uma
coerência operacional do indivíduo na recursividade do acoplamento estrutural
lingüístico sociológico (MATURANA e VARELA, 2005). O fenômeno mental não está
no cérebro ou no corpo, mas no acoplamento social, é uma relação complexa. O
homem é o que é – em essência, consciência – na linguagem, no cultural.
Assim, existe uma circularidade cognitiva que caracteriza o próprio ser. Nessa
nova epistemologia circular, é necessário manter o rigor para questionar aparentes
certezas antigas bem como cultivar a abertura para compreender que o que vemos é
o mundo que construímos e apenas um mundo.
3.3.3 Dinâmica não-linear do discurso
Existem divergências em relação à possibilidade de extrapolação do conceito
de autopoiese, primeiramente definido para sistemas químicos e biológicos, para o
domínio social. Alguns autores sustentam que a autopoiese pode ser definida no
meio social através do processo de comunicação e linguagem (CAPRA, 2003). A
dinâmica de um grupo específico de pessoas pode ser descrita através de uma rede
de conversas. Os resultados das conversas freqüentes geram um contexto de
significados, crenças, valores e explicações compartilhadas que produzem mais
43
conversas, em um processo em rede de realimentação permanente, caracterizando
assim auto-sustentação, auto-produção, auto-organização (CAPRA, 2003, p.172).
A informação só é tal em um contexto de significações criado e construído
pela cultura, pela linguagem, pelas convenções. Não há informação fora do sujeito.
Ela é relativa à sua estrutura de pensamento e background cultural (MATURANA e
VARELA, 2005).
A comunicação é entendida como uma coordenação de comportamentos.
Portanto, um acoplamento estrutural de nível simbólico entre indivíduos, seja
diretamente ou indiretamente – através de um meio de comunicação sem a
presença de um dos participantes. A linguagem surge quando há comunicação a
respeito da comunicação, portanto é uma coordenação de coordenações de
comportamento. Nessa dinâmica complexa de segunda ordem, “o sistema social
amplifica a criatividade individual de seus componentes através da linguagem, pois
este sistema existe para esses componentes” (MATURANA apud CAPRA, 2003). A
linguagem é sempre dinâmica, realimentada e complexa.
Nesse contexto, "as palavras servem como indicações para a coordenação
lingüística de ações e também são usadas para criar a noção de objetos"
(MATURANA apud CAPRA, 2003, p.226). As distinções lingüísticas existem em uma
rede de acoplamento estrutural formada pela linguagem e o significado emerge
como um padrão de relações entre essas distinções.
Argumenta-se que toda a potencialidade de significação, comunicação, do
discurso, provindo da sua complexa rede de significações, é controlado na
sociedade, pela própria sociedade, com o objetivo de linearizá-lo, simplificá-lo.
Argumenta-se ainda sobre a necessidade de mudança de um discurso linear, causal
para um discurso descontínuo, cruzado, interconexo, aberto (FOUCAULT, 2006).
O controle do discurso pela sociedade é feito de forma explícita e implícita e
busca, através de limitações e orientações específicas, conduzir e condicionar a
dinâmica não-linear complexa da linguagem, e portanto a produção do discurso, a
simplificações, seleções e linearizações. A função deste controle, através de
diversos procedimentos, é limitar o poder da linguagem, além de "refrear-lhe o
acontecimento aleatório" (FOUCAULT, 2006).
Os "procedimentos de exclusão" fazem com que o sujeito que fala sinta-se
impedido de dizer o que pensa: "Temos consciência de que não temos o direito de
44
dizer o que nos apetece, que não podemos falar de tudo em qualquer circunstância,
que quem quer que seja, finalmente, não pode falar do que quer que seja"
(FOUCAULT, 2006). Este procedimento limita por simples interdição, mas também
através do "ritual da circunstância" ou do direito privilegiado ou exclusivo do sujeito
que fala (FOUCAULT, 2006).
A "negação da desordem" é considerado outro procedimento limitador do
discurso, contendo-o através de princípios de ordenação e classificação. Este
procedimento visa "dominar uma dimensão do discurso: a do acontecimento e a do
acaso" (FOUCAULT, 2006). O comentário sobre um discurso age com esse
procedimento, filtrando o acaso do discurso, linearizando-o. "Pelo princípio do
comentário, a multiplicidade aberta, os imprevistos, são transferidos daquilo que
corria o risco de ser dito para o número, a forma, a máscara" (FOUCAULT, 2006). O
princípio da verdade de um discurso estar vinculada a sua autoria também age de
maneira a limitar e negar outras possibilidades de uso e interpretação do que foi dito.
"Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas que se cruzam, que
às vezes se justapõem" (FOUCAULT, 2006).
Considerando a conectividade e polissemia da língua, bem como tendo em
mente os processos envolvidos na dinâmica não-linear de sistemas é possível traçar
aspectos do comportamento dinâmico não-linear do discurso. Condições iniciais
(palavras, sentenças) interagindo em um ambiente lingüístico não-linear que permita
cruzamentos, conexões, significações diversas, permitem desdobramentos,
bifurcações que podem convergir após muitas iterações, em um ou mais atratores de
significado. Isso é possível devido à operação e processamento feito pelo espírito,
na relação e fundamentação da sua experiência, vivência, gerando sentido religioso,
filosófico, científico. Mobilizações sutis dos fatores desencadeantes podem gerar
transformações de fase.
A linguagem pode ser descrita, analisada e vivenciada como um hipertexto,
no qual a conectividade entre palavras, expressões, sentenças, a polissemia ou
polivalência dessas conexões, desses links, e a complexidade do navegar nesse
multimeio, associado a imagens, símbolos etc. pode ser orientada pedagogicamente
segundo algumas abordagens.
No que se refere à autodidaxia, um discurso qualquer, lido ou ouvido, pode
ser encarado como não-linear hipertextual, buscando-se nele o desencadeamento
45
de significações paralelas, concomitantes ou bifurcantes. É possível também encarar
o discurso como a linguagem do ambiente natural e cultural para realização dessa
busca. A busca referida pode ser colocada em analogia a uma busca realizada na
internet através de um programa buscador.
Do ponto de vista didático, é possível realizar um discurso escrito ou oral
intencionalmente não-linear hipertextual para orientar o estímulo, a possibilidade de
ocorrência de desencadeamento de processos de significação no sujeito que ouve
ou que lê. Através dessa dinâmica podem ser desencadeados diferentes processos
de significação em diversas pessoas ao mesmo tempo. Ocorre, através desta
dinâmica não-linear do discurso, singularidade na simultaneidade.
O discurso não-linear, portanto, quando orientado, pode agir como "fármaco",
estimulando positivamente os processos naturais de significação do sujeito que
interpreta.
46
4 PARAMETRIZAÇÃO DE REDES LÍNGÜÍSTICAS
4.1 PARAMETRIZAÇÃO DE REDES
4.1.1 Alguns parâmetros utilizados
Recentemente observa-se que a aplicação de arquitetura de redes na
modelagem de sistemas é desenvolvida nas mais diversas áreas da ciência. Estudos
vêm sendo realizados a respeito da topologia de cadeias alimentares, redes de
distribuição de energia elétrica, metabolismo celular, a estrutura da internet, as
conexões entre páginas da world-wide web, redes neurais de parasitas, conjunto de
chamadas entre telefones, redes sociais, redes de co-autoria e citação entre
cientistas, entre outros (STROGATZ, 2001). O entendimento da estrutura dessas
redes é importante para a compreensão, por exemplo, da sua dinâmica de
funcionamento, a importância relativa de cada elemento, a propagação de
informação e a estabilidade da estrutura como um todo.
A análise de redes é baseada em ferramentas matemáticas. As redes,
conjunto de elementos vinculados, são abordadas analiticamente através da teoria
dos grafos e de álgebra linear. Assim, uma rede qualquer pode ser tratada como um
conjunto de nós ligados por vínculos bilaterais ou unilaterais, ou seja, vínculos nos
quais haja reciprocidade ou não. Utilizando-se de elementos de álgebra linear é
possível codificar matematicamente uma rede através de uma matriz quadrada, com
número de linhas e colunas correspondente ao número de nós e na qual cada célula
codifica a existência ou não de vínculo entre um nó e outro, podendo esse vínculo
ser ponderado. Caso todos os vínculos entre nós sejam recíprocos, a matriz é
simétrica; caso contrário ela á assimétrica. A matriz que codifica as relações entre
nós de uma rede é chamada matriz de adjacência.
Na análise de redes sociais são utilizados diversos parâmetros para se
verificar matematicamente a coesão de uma rede. Este conjunto de parâmetros
calculados pode fundamentar uma análise estrutural de redes sociais, focada na
47
rede como um todo. Alguns desses parâmetros são descritos a seguir (HANNEMAN
e RIDLLE, 2005):
a) Densidade
A densidade de uma rede é a razão entre os vínculos existentes e o total de
vínculos possíveis na rede. A densidade de uma rede pode estar relacionada com a
velocidade de propagação da informação.
b) Alcance
O alcance de um nó da rede diz respeito à existência de uma seqüência de
vínculos, de qualquer tamanho, que o ligue a outro nó. Em uma rede simétrica, caso
um nó não possa alcançar outro, a rede está dividida em duas ou mais sub-redes.
c) Conectividade
A conectividade entre dois nós de uma rede estabelece o número de nós que
deveriam ser retirados no caminho entre os dois nós originais pra eles deixarem de
ser alcançáveis. Quanto maior o número de nós, maior a conectividade entre os nós
originais, pois há existência de caminhos alternativos. Quanto menor o número de
nós, menor a conectividade e mais vulnerável e dependente é a ligação.
d) Distância geodésica, excentricidade e diâmetro
A distância entre dois nós é a quantidade de vínculos que os separam. Dois
nós podem estar separados por uma quantidade diferentes de vínculos caso haja
mais de um caminho para a conexão. Essa é uma característica importante da rede
como um todo. Distâncias longas entre nós significam dificuldade de difusão de
informação. Distâncias curtas com múltiplos caminhos de conexão significam maior
coesão da rede e facilidade na propagação da informação. A distância geodésica de
um nó a outro é o número de vínculos do caminho mais curto entre esses nós. Para
cada nó, pode-se calcular a distância geodésica média e o desvio padrão que o
relaciona a todos os outros. A maior das distâncias geodésicas de um determinado
nó é chamada excentricidade. É possível também calcular a distância geodésica
média de toda a rede. Redes com distâncias geodésicas curtas são capazes de
difundir informação para todos os nós de maneira rápida. A maior distância
48
geodésica encontrada na rede é definida como seu diâmetro. Um nó pode
apresentar mais de um caminho que possua a menor quantidade de vínculos a outro
nó. Essa redundância da rede é uma característica importante para a estabilidade da
propagação de sinais, influindo também em sua independência de nós de ligação,
que, se retirados, comprometeriam o fluxo da informação.
e) Fluxo
O conceito de fluxo em uma rede está relacionado com a conectividade da
rede como um todo. Para propagar informação a rede pode utilizar mais de um
caminho. A credibilidade da informação propagada pode, em diversos casos, estar
relacionada com a quantidade de vezes que ela atinge o destino através de
caminhos diferentes, e, portanto, estar vinculada a redundância da propagação. O
fluxo determina quantos nós na vizinhança de uma fonte levam ao destino da
conexão.
f) Transitividade
A transitividade avalia a quantidade de triangulações que ocorrem em uma
rede, ou seja, se um nó A está ligado a B e C, qual a probabilidade de B também
estar ligado a C. Esta propriedade também é chamada de agrupamento (clustering)
por alguns autores (STROGATZ, 2001) (MOTTER et al., 2002) Alguns teóricos de
redes argumentam que várias das mais interessantes características da dinâmica de
redes em estruturas sociais está baseada na relação de trios (HANNEMAN e
RIDLLE, 2005).
g) Reciprocidade
A reciprocidade em uma rede indica o percentual de ligações entre pares de
nós que são bilaterais, isto é, quando A está relacionado a B e B também está
relacionado a A.
Os parâmetros apresentados descrevem características estruturais de uma
rede. É possível também analisar características relacionais e posicionais,
identificando, por exemplo, nós críticos: nós que, caso retirados, dividem a rede em
sub-redes.
49
4.1.2 Redes mundo-pequeno
Redes regulares podem ser formadas pela disposição regular de nós em um
tipo particular de estrutura: círculo, camadas, malha etc. Entretanto, essas estruturas
não modelam de maneira apropriada diversos tipos de redes naturais. Para avaliar
as características de estruturas mais complexas de redes, estudou-se, a princípio,
características de redes randômicas (STROGATZ, 2001).
Redes formadas por processos randômicos podem ser modeladas
adicionando-se repetidamente a um grupo de nós inicialmente sem vínculos, elos de
ligação entre dois nós escolhidos aleatoriamente no conjunto. Em cada momento
adiciona-se mais um vínculo entre dois nós quaisquer. Assim, após a adição de
determinado número de vínculos, demonstra-se que a rede formada manifesta
certas características particulares. Redes formadas de tal maneira apresentam a
principal característica de ter uma distância geodésica média baixa, ou seja,
quaisquer dois nós da rede estão conectados entre si, em média, através de um
número reduzido de outros nós. Redes randômicas também apresentam um baixo
fator de agrupamento (clustering). (STROGATZ, 2001)
Na análise estrutural de vários tipos de redes naturais, oriundas de diversos
campos, observou-se a repetição de ocorrência de um tipo particular de padrão
estrutural. Esse padrão associa um alto fator de agrupamento (clustering) com uma
baixa distância geodésica média (STROGATZ, 2001) (MOTTER et al., 2002)
(HANNEMAN e RIDLLE, 2005). Este padrão foi encontrado em redes tais como:
redes metabólicas, redes de colaboração científica, a world-wide web, redes neurais,
entre outros (STROGATZ, 2001).
Essa característica confere aos nós de redes grandes a possibilidade de
estarem proximamente conectados. Em redes sociais, a grande probabilidade de
que, dado que uma pessoa conheça duas outras, essas duas também se conheçam,
associada a um número baixo de vínculos pessoais a qualquer outra pessoa da
rede, configura o fenômeno do "mundo pequeno".
O padrão estrutural de redes mundo-pequeno pode ser modelado através da
adição de um baixo número de vínculos aleatórios entre pares de nós em redes
regulares.
50
O fenômeno, como visto, é manifestado em diversos sistemas e também em
redes lingüísticas.
Uma rede lingüística é definida em (MOTTER et al., 2002) como sendo
formada pelo conjunto de conexões entre duas palavras de uma língua que
expressem concepções similares. É utilizado como base de dados um dicionário
thesaurus da língua inglesa. Cada verbete do dicionário é considerado um nó e os
verbetes relacionados são considerados vinculados por similaridade conceptual. São
utilizados somente os verbetes listados pelo dicionário, possíveis verbetes adicionais
relacionados são eliminados.
A base de dados utilizada contém 30244 verbetes, com número de vínculos
médio para cada verbete aproximadamente igual a 60.
Os resultados obtidos para a rede de palavras oriunda do dicionário thesaurus
da língua inglesa é apresentado na tabela abaixo, em comparação com os
resultados obtidos para uma rede randômica de mesmo tamanho. Detalhes a
respeito do cálculo dos parâmetros serão posteriormente abordados.
Tabela 2: Resultados para a rede de palavras da língua inglesa (MOTTER et
al., 2002)
N kmédio C L
Rede de palavras 30244 59,9 0,53 3,16
Rede randômica 30244 59,9 0,002 2,5
sendo:
N: número de nós;
k: número de vínculos;
C: coeficiente de agrupamento (clustering);
L: distância geodésica média.
Observa-se em relação aos resultados que a rede de palavras, mesmo sendo
esparsa, ou seja, tendo um número de vínculos médio muito menor que o número de
nós, apresenta grande agrupamento, cerca de 250 vezes maior que o agrupamento
de uma rede análoga formada por processo randômico. Além disso, o número de
passos mínimo médio entre os nós da rede é consideravelmente baixo, sendo da
51
mesma ordem que o calculado para a rede randômica. Este dado mostra que, em
média, para a língua inglesa, quaisquer duas palavras estão conceptualmente
vinculadas entre si através de apenas duas outras. A combinação dos valores destes
parâmetros caracteriza esta rede lingüística como sendo uma rede mundo-pequeno.
4.1.3 Redes sem-escala
Redes sem-escala apresentam outro tipo de padrão comum encontrado em
certos tipos de sistemas. Essa característica está relacionada com a distribuição do
número de vínculos que os nós possuem na rede. Em redes formadas naturalmente
existem nós que são mais densamente conectados do que outros, sendo que
poucos nós contêm muitos vínculos. A quantificação dessa propriedade caracteriza
uma rede sem-escala. Em uma rede randômica a relação entre a quantidade de nós
"n" com um número determinado de vínculos "k" e o número desses vínculos segue
uma distribuição de Poisson, em forma de sino. Já para redes tais como a Internet,
reações metabólicas e a world-wide web essa relação obedece a uma lei de
potência, com a quantidade de nós decaindo à medida que o número de vínculos
aumenta, caracterizando uma rede sem-escala (STROGATZ, 2001).
Outros tipos de rede apresentam decaimento exponencial, como a rede de
transmissão de energia elétrica do oeste americano (STROGATZ, 2001). Já a rede
lingüística formada por palavras da língua inglesa apresenta inicialmente um
decaimento exponencial e, a partir de determinado número de vínculos, decaimento
segundo uma lei de potência (MOTTER et al., 2002). O gráfico abaixo mostra essa
relação.
52
Figura 4.1 – Distribuição de quantidade de nós por número
de vínculos para uma rede lingüística. Fonte: (MOTTER et al., 2002)
A fração de nós "P(k)" com determinado número de vínculos "k" é plotada em
relação ao número de vínculos. A relação linear entre as variáveis para um gráfico
em escala logarítmica significa decaimento através de uma lei de potência:
P(k) = a kb
A relação linear mostrada na janela menor, para o mesmo gráfico em escala
logarítmica para o eixo das ordenadas e linear para o eixo das abscissas significa
decaimento exponencial, seguindo a função
P(k) = a ekb
onde "a" e "b" são constantes.
53
4.2 POTENCIAL DE VÍNCULO EM REDES LINGÜÍSTICAS
4.2.1 Multiplicidade e simultaneidade relacional
A maioria das técnicas apresentadas para parametrização de redes aborda
vínculos entre nós estabelecidos através de uma determinada característica, seja ela
um vínculo de amizade numa rede social, citação em uma rede de trabalhos
científicos ou similaridade conceptual em uma rede lingüística. Redes naturais,
entretanto, são formadas por múltiplas relações entre nós. Em uma rede social, o
papel social, o poder aquisitivo, a profissão, a etnia, a religião, a idade, entre
inúmeras outras características, são fatores que também determinam vínculo entre
indivíduos. As múltiplas relações estabelecidas operam simultaneamente,
dinamicamente – podem ser reforçadas, atenuadas, criadas ou rompidas com o
tempo – e de maneira interatuante. Assim, por exemplo, em uma rede social, um
vínculo entre indivíduos através de uma religião pode criar um vínculo de amizade,
que por sua vez pode reforçar vínculos de comportamento e atenuar vínculos sociais
específicos, alterando relações familiares e sociais.
Assume-se que o comportamento de atores de uma rede é fortemente
influenciado pelas contingências, oportunidades e limitações que surgem da
complexa e dinâmica interação concomitante de diversas características de vínculos
que este indivíduo mantém, inserido na rede social (HANNEMAN e RIDLLE, 2005).
Esse conjunto complexo de manifestações de vínculos existentes caracteriza a
transdimensionalidade da conexão entre indivíduos de uma rede. A
transdimensionalidade e a complexidade permitem que se formem vínculos em
diversos níveis, vínculos formados por vínculos. Assim, o vínculo de solidariedade,
por exemplo, pode ser estabelecido por vínculos de vizinhança, etnia, entre outros,
agindo simultaneamente.
54
4.2.2 Campo semântico
Em redes lingüísticas formadas por vínculos entre palavras, aplica-se a
mesma consideração de multiplicidade e simultaneidade dinamicamente complexa.
As palavras apresentam um campo semântico, podendo vincular-se a outras
de diversas formas. "Campo semântico é a área coberta, no domínio da significação,
por uma palavra ou por um grupo de palavras da língua" (DUBOIS, 1973). O campo
semântico de uma palavra representa o conjunto de possibilidades de interpretação
que esta palavra adquire em diversos contextos. As palavras relacionam-se quando,
de alguma forma, seus campos semânticos interceptam-se.
É possível também vincular palavras por sua característica homônima, ou
seja, palavras que possuam a mesma pronúncia (homônima homófona) ou grafia
(homônima homógrafa), sem ter o mesmo sentido. Assim são homônimas
homófonas: seção e sessão, caçar e cassar; homônimas homógrafas: jogo
(substantivo) e jogo (verbo); simultaneamente homônimas homófonas e homógrafas:
manga (fruta) e manga (parte do vestuário), são (santo) e são (sadio). Diversos
outros tipos de vínculo são possíveis, tais como: vínculos por sílaba tônica, por
número de sílabas, número de letras, letra inicial etc. Lewis Carroll inventou um jogo
em que é possível vincular uma palavra à outra de mesmo número de letras
alterando, em cada passo, uma única letra, formando um encadeamento de palavras
também válidas. Assim, por exemplo, "mar" está ligado a "lei" através de 4 passos:
mar – bar – lar – ler – lei.
A polissemia, "propriedade da palavra em ter muitas significações" (DUBOIS,
1973) é uma das principais características que permitem a construção de redes de
significação e interpretação em um discurso. O campo associativo, conjunto de
palavras agrupadas a partir de um termo-chave por associação de sentido, também
colabora simultaneamente para a elaboração de metáforas e analogias.
A concomitância, a ação conjunta, de todas estas possibilidades de vínculo,
na formulação e na interpretação de um discurso, capacita os participantes a fazer
bifurcações, multiplicações e complexificações de significação, enriquecendo,
individualizando e consubstanciando a interpretação.
55
4.2.3 Jogos de linguagem
A análise da linguagem pode ser abordada em seu aspecto de se constituir
pela prática. Nessa abordagem, a linguagem funciona em seus usos, múltiplos e
diversificados; não cabe indagar o significado da palavra, mas sim como, em
conjunto, elas são utilizadas na execução de atividades as mais diferenciadas.
Assim, os múltiplos sentidos e a ambigüidade da linguagem são considerados
bastante relevantes e de caráter fundamental na própria essência da linguagem
(WITTGENSTEIN, 1991).
Cada palavra tem um halo, um conjunto de possibilidades de emprego deste
termo fracamente esboçado, "as possibilidades de emprego de uma palavra, quando
se fala ou se ouve, pairam parcialmente em nosso espírito" (WITTGENSTEIN, 1991,
p.178). Entretanto, pairam de maneira singular para cada pessoa. Assim, na
comunicação, de alguma forma faz-se entendimento entre os comunicantes, ou,
mais precisamente, os comunicantes pensam fazer comunicação, sem ter certeza se
possuem as mesmas vivências capacitantes para o entendimento da mensagem.
Com isso, há possibilidade de diversificação da interpretação, bifurcação dos
diálogos e até mesmo a constituição de diálogos paralelos.
O emprego diferenciado que se pode fazer de um termo, por exemplo, pode
criar a sensação de desentendimento, pois se trabalha com regras não-explícitas
diferentes, regras de "jogos" diferentes. Para se aprender um jogo não é necessário
conhecer as regras, mas jogar, adaptando-se ao acoplamento de comportamento da
comunicação dos outros jogadores. Existem vários tipos de jogos de linguagem com
conjuntos dinâmicos de comportamentos esperados próprios, onde são empregados
de forma distinta palavras, expressões etc.
O conjunto de jogos de linguagem é utilizado como conjunto de ferramentas a
serem empregadas em determinada atividade. O jogo de linguagem pode ser
entendido como um acoplamento comportamental comunicativo para certo emprego
especifico, uma coordenação de coordenação de comportamentos, aproximando-se
significativamente da concepção de Maturana (MATURANA e VARELA, 2005).
Um objeto ou signo, inclusive uma palavra, pode ser observado, entendido de
diversas formas, intencionais ou não, dependendo do predisponente do signo e do
56
observador. Pode-se intencionalmente fazer a transdisciplinaridade dos jogos de
linguagem, transpondo palavras, expressões, para outros empregos, estimulando
comunicação diferenciada, aumentando a própria conectividade da linguagem.
Além disso, pela linguagem, o indivíduo tem a capacidade de transformar a
interpretação do acontecendo, como no jogo de uma criança afirmando que uma
caixa é, em determinado momento, uma casa, e desta maneira a caixa é entendida e
vista (WITTGENSTEIN, 1991).
Quando se trunca a polissemia, a multivalência das palavras, gera-se uma
"cegueira para o aspecto", a incapacidade de ver algo de forma diferente.
Para estar apto a fazer certos empregos de um conceito, necessita-se a
familiaridade com as sutilezas de aplicação deste conceito, sabendo enxergá-lo ora
em um aspecto, ora em outro. O domínio dessa técnica é constituído de um conjunto
de vivências. Podemos ver um símbolo de diferentes modos, "conforme a ficção com
a qual se cerca" o símbolo (WITTGENSTEIN, 1991, p.204). Assim, nessa
abordagem, a interpretação e o entendimento são encarados como um ajuste
ficcional, onde criamos a "vivência de significação de uma palavra", expressão,
conceito etc. criando um "contexto significativo", baseado em vivências passadas e
possibilidades presentes. Esta interpretação molda o acontecendo determinando a
interpretação do acontecido. "Vejo realmente cada vez algo diferente, ou apenas
interpreto o que vejo de modo diferente? Estou inclinado a ficar com o primeiro"
(WITTGENSTEIN, 1991, p.206).
As palavras farão sentido para quem fez vivência. É por isso que ao dizer:
"faça o download do que está escrito neste capítulo", pode-se desencadear
significado e entendimento, mesmo que as associações e traduções mais precisas
não o façam.
É possível orientar esta transformação da realidade através de estímulos
lingüísticos que criem a atmosfera daquela interpretação, principalmente através do
cruzamento de palavras, expressões. A interpretação não será determinística, mas
apenas orientada a uma nova ou diferenciada visão, seja ela qual for realizada pelo
observador. A imaginação e o predisponente são fatores cruciais.
Desta forma, os jogos de linguagem são entendidos como dinâmicas
complexas da intenção, significação e vivência das palavras e seus contextos, ou, de
forma mais apropriada, dos contextos e suas palavras.
57
4.3 PARAMETRIZAÇÃO DE UMA REDE DE PALAVRAS
4.3.1 Rede utilizada
Para exemplificação da conectividade lingüística e parametrização de uma
rede de palavras foi utilizado o "Thesaurus da Língua Portuguesa do Brasil"
(JORGE, 2006), uma publicação não-oficial disponibilizada na internet que é
assemelhada em concepção a um Thesaurus da língua inglesa. O termo thesaurus é
utilizado para designar listas ou dicionários cujas palavras são agrupadas por temas.
O "Thesaurus da Língua Portuguesa do Brasil" é estruturado em torno de
diversos "temas", tais como: frio, humor, islamismo, leite, molusco, músculo, ódio,
osso, pintura, Rússia, sabor. Ao tema são vinculados substantivos, adjetivos, verbos
e expressões relacionados.
"Thesaurus" oficiais da língua portuguesa não foram encontrados para
análise. Tesauros da língua portuguesa publicados na internet são raros e
direcionados a um domínio de conhecimento específico (STJ, 2007) (MINC, 2007).
Verifica-se a existência de diversos dicionários de sinônimos, impressos ou em
formato eletrônico. Um dicionário de sinônimos, entretanto, aborda um vínculo
semântico específico, o de similitude de significado, restringindo acentuadamente as
diversas possibilidades de associação entre palavras. Um Thesaurus, por abordar
vínculos de concepção entre palavras, possui espectro semântico muito mais amplo.
O "Thesaurus da Língua Portuguesa do Brasil" atende esse requisito.
Optou-se pela utilização para análise do referido "Thesaurus da Língua
Portuguesa do Brasil", portanto, pela inexistência de publicação assemelhada oficial,
pela restrição que a utilização de um dicionário de sinônimos acarretaria e, não
menos importante, pela indisponibilidade de uma base de dados aberta, em meio
eletrônico, de um dicionário de sinônimos.
Do rol original integrante do "Thesaurus da Língua Portuguesa do Brasil"
foram considerados para cálculo apenas os verbetes listados, isto é, não foram
considerados os verbetes que constam como vínculos de outros verbetes, mas que
não aparecem na lista alfabética. Assim, a rede formada pelo conjunto de vínculos
58
entre palavras é composta apenas pelos verbetes "de entrada", listados
alfabeticamente. Esse procedimento foi também adotado na literatura consultada
(MOTTER et al., 2002). As expressões vinculadas a cada tema, como por exemplo:
calor humano, energia térmica, calor latente, fonte térmica, associadas ao tema
"calor", foram, sem exceção, retiradas do rol original. A exclusão foi necessária pois
as expressões são palavras compostas, que impossibilitariam a execução dos
cálculos de parâmetros da rede, não sendo também listadas alfabeticamente.
A tabela a seguir apresenta dados sobre a rede de palavras resultante.
Tabela 3: Dados da rede de palavras analisada
Número de verbetes 18180
Número de vínculos mínimo 1
Número de vínculos máximo 993
Número de vínculos médio 2,6
Verbete com número de vínculos máximo "defeito"
4.3.2 Procedimentos de cálculo
A rede de palavras utilizada como base de dados para análise teve sua
estrutura parametrizada através do auxílio de dois programas distintos. O programa
LabVIEWTM (NATIONAL INSTRUMENTS, 2004) – projetado para realizar
simulações, medições, automação e controle de processos e sistemas utilizando
linguagem de programação gráfica baseada em fluxo de dados e diagrama de
blocos – foi utilizado para implementação de fórmulas, rotinas de cálculo e
algoritmos. Com o auxílio desse programa obtiveram-se dados tais como o número
total de verbetes da rede, o número de vínculos mínimo, máximo e médio, o verbete
com número de vínculos máximo, além de serem obtidos os parâmetros:
a) Distância geodésica para a rede randômica equivalente (Lrand)
Considerando como rede randômica equivalente uma rede de mesmo número
de nós N e mesmo número de vínculos médio kmédio, mas formada por processo
59
aleatório, a distancia geodésica para esta rede é estimada pela relação (MOTTER et
al., 2002):
Lrand = (Ln N) / (Ln kmédio)
b) Coeficiente de agrupamento (clustering) para a rede randômica equivalente
(Crand)
Obtido pela expressão (MOTTER et al., 2002):
Crand = kmédio / (N -1)
c) Coeficiente de agrupamento (clustering) para a rede analisada (Cmédio)
O coeficiente de agrupamento foi obtido através do seguinte procedimento:
Para cada palavra da base de dados foram listados todos os seus vínculos;
para cada vínculo listaram-se seus próprios vínculos; caso houvesse um mesmo
verbete pertencente às duas listagens, contabilizaria-se uma triangulação. Assim,
para cada verbete foi contabilizado o número de triangulações T das quais este
verbete faz parte.
Para cada verbete também foi calculado o número de triangulações máximas
permissíveis em função do número de vínculos. Essa quantia é calculada através de
um combinatório de k vínculos associados dois a dois. A forma simplificada deste
combinatório, que calcula o número de triangulações máximas Tmax para cada
verbete é:
Tmax = (k2 – k) / 2
Dividindo-se o número de triangulações existentes pelo número de
triangulações máximas de cada verbete obtém-se o coeficiente de agrupamento c
para este verbete:
c = T / Tmax
60
O coeficiente de agrupamento (clustering) C para toda a rede é dado pela
média de todos os coeficientes individuais:
C = cmédio
É possível também obter um coeficiente de agrupamento geral Cgeral para a
rede através da razão entre todas as triangulações da rede ΣT e o número de
triangulações máximas possíveis ΣTmax. Assim, analisa-se este parâmetro de forma
mais significativa, em termos do percentual de triangulações possíveis que
efetivamente se manifestam (HANNEMAN e RIDLLE, 2005). Desta forma:
Cgeral = (ΣT / ΣTmax) x 100 %
Foram calculados os coeficientes de agrupamento geral da rede de palavras
considerando a somatória do número de triangulações efetivas de cada verbete e
também o número total de triangulações, que inclui as possibilidade de triangulação:
A – B – C – A e A – C – B – A, por exemplo.
d) Densidade (D)
Calculada como sendo a razão entre os vínculos existentes e o total de
vínculos possíveis na rede (HANNEMAN e RIDLLE, 2005). O total de vínculos da
rede é dado pela somatória dos vínculos k de cada verbete. O total de vínculos
possíveis representa cada verbete relacionado a todos os outros N -1 verbetes, ou
seja, uma matriz de ordem N totalmente preenchida, menos a diagonal. Assim:
D = Σk / (N2 – N)
Como kmédio = Σk / N , temos que:
D = kmédio / (N -1)
61
Portanto a densidade de uma rede é igual ao coeficiente de agrupamento
para a rede randômica equivalente.
Com o programa LabVIEWTM também foi obtida a Distribuição de quantidade
de nós por número de vínculos para a rede de palavras analisada.
O outro programa utilizado na análise da rede de palavras foi o UCINET 6
(BORGATTI et al., 2002). Este programa é disponibilizado gratuitamente na internet
e contém um extenso conjunto de ferramentas para análises de redes sociais. As
rotinas de cálculo deste programa são fechadas, apresentando apenas os resultados
calculados para a base de dados selecionada. Com este programa, foram calculados
os parâmetros de densidade, coeficiente de agrupamento e reciprocidade R da
mesma rede de palavras.
O coeficiente de agrupamento C calculado pelo UCINET é obtido como a
média das densidades calculadas para a vizinhança de cada nó (HANNEMAN e
RIDLLE, 2005).
4.3.3 Resultados
Os procedimentos de cálculo adotados resultaram no conjunto de valores de
parâmetros apresentados na tabela a seguir:
62
Tabela 4: Parâmetros calculados para a rede de palavras
parâmetro LabVIEWTM UCINET 6
Lrand 10,264 –
Crand 0,000143 –
C 0,148 0,136
D 0,000143 0,000143
R – 0,7804
ΣTtotal 5892 5892
ΣT 3571 –
ΣTmax 3283118 6713912
Cgeral 0,11% –
Cgeral total 0,18% 0,09%
O padrão estrutural de redes mundo-pequeno associa um alto fator de
agrupamento (clustering) – em comparação com o fator de agrupamento de uma
rede equivalente randômica – com uma baixa distância geodésica média. A rede de
palavras analisada apresenta coeficiente de agrupamento C cerca de 1000 vezes
maior que a rede equivalente, com mesmo número de nós e mesmo número de
vínculos médio, formada por processo randômico. Os coeficientes de agrupamento
C calculados pelos dois programas resultam em valores próximos. A densidade da
rede equivalente randômica D, matematicamente idêntica ao coeficiente de
agrupamento Crand, foi calculado nos dois programas utilizados e resultou
exatamente no mesmo valor.
A rede equivalente randômica apresenta distância geodésica de
aproximadamente 10 passos, ou seja, para uma rede equivalente formada por
processos randômicos necessitam-se, em média, 10 passos para se conectar um
verbete a outro qualquer. O número relativamente baixo de vínculos médio da rede
analisada, (2,6), em comparação com a rede de palavras da língua inglesa
mencionada anteriormente, cerca de 60, explica uma distância geodésica
comparativamente maior, pois apenas, em média, aproximadamente 3 passos
separam um verbete de qualquer outro na rede de palavras da língua inglesa.
63
Procurou-se mensurar a distância geodésica da rede em ambos os
programas. Com o programa LabVIEWTM não se conseguiu implementar um
algoritmo eficiente que calculasse o número de passos mínimo entre um verbete e
outro, sendo que o programa somente calculava distâncias de até 4 passos. A rotina
de cálculo de distância geodésica do programa UCINET 6 não foi capaz de calcular
este parâmetro para a rede estudada, após 4 dias de cálculo em um computador
Pentium IV DualCore, utilizando 2,3Gb de memória RAM.
Desta maneira, ficou apenas parcialmente caracterizada a rede analisada
como apresentando o padrão estrutural de uma rede mundo-pequeno.
Para efeito demonstrativo de indicação da confiabilidade dos cálculos
efetuados, além do mesmo valor encontrado para a densidade da rede em ambos os
programas, obteve-se, da mesma forma, exatamente o mesmo número total de
triangulações existentes na rede, 5892 triangulações. As discrepâncias encontradas
entre os valores do coeficiente de agrupamento geral devem-se a diferenças na
contabilização do número máximo total de triangulações possíveis ΣTmax, bastante
diferentes para os dois programas. Essas discrepâncias não tiveram suas causas
esclarecidas, pois o programa UCINET 6 não descreve detalhadamente os
algoritmos utilizados. A pequena diferença encontrada entre os valores de
coeficiente de agrupamento C para os dois programas foi originada pela diferença
no procedimento de cálculo adotado nos dois programas, não sendo também
totalmente explicada.
A reciprocidade R calculada demonstra que 78% dos verbetes da rede são
biunívocos em suas relações.
Com o auxílio do programa LabVIEWTM, também foram obtidos gráficos
relacionando a ocorrência de verbetes com o mesmo número de vínculos.
A figura a seguir mostra a distribuição de ocorrências de verbetes com mesmo
número de vínculos. Assim, percebe-se que a rede de palavras estudada possui
mais de 10000 verbetes com um único vínculo, cerca de 1000 verbetes com 3
vínculos, aproximadamente 50 verbetes com 6 vínculos e sempre menos de 10
verbetes com número de vínculos maior que 7.
64
Figura 4.2 – Distribuição de quantidade de verbetes em
relação ao número de vínculos na rede analisada.
É possível calcular a probabilidade de ocorrência de um verbete com
determinado número de vínculos dividindo-se os valores mostrados no gráfico pelo
total de verbetes da rede. Obtêm-se assim a distribuição normalizada a seguir.
Figura 4.3 – Probabilidade de distribuição da quantidade
de verbetes em relação ao número de vínculos na rede analisada.
65
Observa-se que mais de 60% da rede é constituída por verbetes de um único
vínculo e que a soma de verbetes com até sete vínculos totaliza 18018 ocorrências,
representando mais de 99% do total desta rede de palavras.
Para verificar outra característica estrutural de uma rede, qual seja, se ela é
uma rede sem-escala, quantifica-se o decaimento de ocorrências de verbetes com
mesmo número de vínculos em termos de uma lei de potência. Essa quantificação
foi realizada para a rede de palavras em questão, sendo calculada para os verbetes
com até sete vínculos. O resultado mostrado no gráfico a seguir demonstra que a
melhor aproximação para os dados da rede de palavras é feita através de uma
função exponencial com constantes a = 1,83 e b = -1,02, não sendo, portanto, a rede
estudada uma rede sem-escala. Entretanto, a rede apresenta a mesma
característica estrutural que a rede de palavras da língua inglesa, referenciada
anteriormente, com comportamento inicial descrito também por uma função
exponencial.
Figura 4.4 – Aproximação exponencial e por lei de
potência aos dados da rede de palavras analisada.
66
Com o programa LabVIEWTM também foi elaborado um algoritmo que
determina, dados uma palavra de origem e uma palavra de destino quaisquer
pertencentes a lista alfabética da rede de palavra, a menor trilha de vínculos que
conecta essas palavras.
São apresentadas algumas destas trilhas, nas quais a primeira palavra é a
origem e a última o destino.
a) amor # sentimento # dor
b) céu # astronomia # ciclo # ensino # cadeira
c) dinheiro # economia # choque # sentimento # felicidade
d) guerra # retirada # dinheiro
e) água # chuveiro # habitação # casa
f) ferramenta # lima # fruta # abóbora
g) luz # física # foco # doença
h) sol # astronomia # anel # ornamento # marfim
67
5 CONCLUSÃO
Considerou-se através da massificação da informação, o bombardeio de
informação a que se está exposto cotidianamente, a interpretação otimista de que os
nós de uma rede lingüística estão postos. Afirma-se como importante o ato de lincá-
los, estabelecer elos para estimular concepções e induzir interpretações. O estudo
do papel, caracterização e dinâmica da transinformação e das províncias de
significação é de grande relevância nesse sentido.
A linguagem foi apresentada como um sistema dinâmico complexo não-linear,
enfatizando-se a conectividade, auto-organização e não-linearidade do discurso, que
possibilita cruzamentos polissêmicos.
Procurou ser demonstrada a possibilidade de utilização da conectividade
lingüística como catalizadora, organizadora, potencializadora de estímulos no
ensino-aprendizagem. A alta conectividade lógica-axiológica da língua, quando
operada e processada pelo espírito, na relação e fundamentação da sua
experiência, vivência, possibilidades e necessidades, proporciona a polimerase da
informação e do conhecimento, o desencadeamento de transformações, em sentido
amplo, na cultura científica, filosófica, religiosa e portanto no âmbito existencial.
Explanou-se sobre as características e potencialidades do discurso não-
linear. O exercício do discurso é um exercício de poder, pois discurso é informação
pelo tempo, poder é energia pelo tempo, palavra é informação e informação é
energia. Assim, exerce-se poder pelo discurso. Como espaço é poder e a função do
professor é ocupar espaços, fica explícita a responsabilidade na utilização do
discurso, que, com intencionalidade e ética, utilizando-se das potencialidades do
discurso não-linear, transforma pessoas.
A rede lingüística estudada demonstrou ser bastante esparsa e possuir alta
reciprocidade de associação entre termos, sendo estas características parcialmente
devidas à própria maneira de constituição da rede, com uma grande quantidade de
verbetes associados em temas. Ficou parcialmente caracterizada a rede como tendo
estrutura de uma rede mundo-pequeno, sendo bastante plausível, entretanto, esta
confirmação. A rede de palavras analisada apresentou a mesma característica
estrutural que uma rede de palavras da língua inglesa utilizada como referência.
68
Grande proximidade de resultados foi atingida na parametrização da rede
utilizando-se dois programas distintos.
Os objetivos almejados para o desenvolvimento deste trabalho: levantar a
importância pedagógica da conectividade lingüística e expor introdutoriamente as
redes lingüísticas como sistemas dinâmicos complexos foram alcançados. A
parametrização da rede de palavras, utilizada como exemplo, não alcançou todos os
resultados esperados, entretanto os parâmetros calculados mostraram valores
coerentes e consistentes.
Como possibilidade de estudos futuros sugere-se a parametrização de uma
rede de palavras oriunda de um dicionário de sinônimos da língua portuguesa e a
implementação de algoritmos para cálculo de distância geodésica em redes de
palavras. Outrossim, extremamente significativo é o aprofundamento da análise do
aspecto hipertextual da linguagem verbal, incluindo suas conexões com demais
linguagens, e o desenvolvimento de metodologias de acesso e uso deste potencial,
no campo epistemológico de maneira geral e em específico na prática pedagógica.
69
REFERÊNCIAS
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