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Família e Poder na Amazônia Setecentista: A trajetória dos Oliveira Pantoja
Marília Cunha Imbiriba dos Santos
A análise sobre a família Oliveira Pantoja segue a partir de seu processo de
chegada e inserção na capitania do Pará, onde começa a criar notoriedade em meados do
século XVIII. O objetivo deste texto é apontar, em linhas gerais, as estratégias
acionadas pelos Oliveira Pantoja, para estabelecerem-se como uma das maiores famílias
da Capitania do Pará no século XVIII. Descortinando alguns dos planos, as estratégias1
e as redes2 que esta família aciona para acessar, em um primeiro momento; e depois
manter-se enquanto privilegiados de status social diferenciado em uma sociedade de
Antigo Regime3.
Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós graduação em História Social da Amazônia na Universidade Federal do Pará (PPHIST/UFPA) e financiada pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Mestranda em História Social da Amazônia (PPHIST/UFPA). Correio eletrônico:
[email protected] 1 Entendemos por estratégia - As ações dos atores sociais são resultado deliberadamente das escolhas e
das estratégias que eles adotam, observando os recursos de que dispõem. A sociedade seria formada por
sistemas sociais que são fraturados por incoerências, onde o comportamento social não é resultado de
uma obediência mecânica a um sistema de normas, tendo em vista as escolhas dos atores dependerem dos
recursos permeados pelas incertezas e imprevisibilidades das interações entre os indivíduos. Podemos
pensar os atores sociais para além do indivíduo, uma vez que em algumas sociedades corpos sociais são
os responsáveis pela tomada de decisões ou pela concepção de estratégias. Por conta disso não se pode fugir do conceito de escolha na análise, pois o problema central torna-se quais são as restrições e os
incentivos que canalizam escolhas. Cf. BARTH, Process and social form in life. Vol. 1. London:
Routledge & Kegan Paul, 1981. É possível, portanto, admitir que toda ação social é resultado de
escolhas, decisões do indivíduo ou ainda do grupo familiar e, por conta disso, implica uma constante
negociação diante de realidades normativas. De acordo com Bourdieu o conceito de estratégia é produto
do senso prático como em um jogo, onde o bom jogador faria a todo o momento o que o jogo demanda;
acarretando em mudanças permanentes, em um senso de adaptação a situações indefinidamente variadas.
BOURDIEU, Pierre. Da regra às estratégias”. IN: Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 19901990. 2 Michel Bertrand atribui ao conceito de rede social três aspectos interdependentes, onde: “ O primeiro
refere-se ao seu aspecto morfológico: a rede é uma estrutura constituída por um conjunto de pontos e
linhas que materializam laços e relações mantidas entre um conjunto de indivíduos. O segundo refere-se ao seu conteúdo relacional: a rede consiste em um sistema de trocas que permite a circulação de bens e
serviços. Finalmente, a rede consiste em um sistema submetido à dinâmica relacional regida por um
princípio de transversalidade, e suscetível de mobilizar-se em torno de uma finalidade precisa” Bertrand,
Michel. Elites y configuraciones sociales em Hispanoamérica colonial. In: Revista de História, Nicarágua,
13, 1999 3 Caracterizado por uma sociedade dividida hierarquicamente, fundamentada na ideia do privilégio, na
prerrogativa básica de desigualdade natural entre os homens; baseada em valores e práticas que derivam
de uma visão corporativa da sociedade onde o monarca representaria, simbolicamente, a cabeça de um
corpo social e político, mantendo seu equilíbrio e harmonia, zelando pela ordem, garantindo a justiça que
Da Freguesia de Nossa Senhora de Loures em Lisboa para a Capitania do Pará
A primeira geração da família Oliveira Pantoja na Capitania do Pará4
corresponde aos dois irmãos que aportaram em Belém em finais do século XVII.
Manoel de Oliveira Pantoja e José de Oliveira Pantoja saíram da freguesia de Nossa
Senhora de Loures, em Lisboa. Filhos de Jerônimo de Oliveira Pantoja e sua mulher D.
Clara da Silva; bisnetos de um físico-mor de D. João III5. O que os levaram à Capitania
do Pará por volta do ano de 1680, não sabemos. Nesse período a circulação de pessoas
entre o Reino e a América Portuguesa não era novidade; configurava-se, aliás, como um
problema para a Coroa que, desde 1645, anunciava leis proibitivas6 no afã de regular a
saída de portugueses para as empreitadas de Além-mar.
Por outro lado, o que parecia ser um problema para o Estado do Brasil, era a
solução para o Estado do Maranhão, posto que é, também, na década de 1640, mais
especificamente no ano de 1644 que, D. João IV determinou ao Conselho da Fazenda
que todas as pessoas que quisesses passar as partes do Estado do Maranhão, o governo
garantiria passagem e mantimentos para a jornada. Tudo isto em função da invasão
holandesa a São Luís7. Havia um interesse grande em fomentar a migração para a
Amazônia, por ser um espaço de fronteira, por ter grandes potencialidades econômicas
e por ser uma região estratégica para a Coroa. Portanto, podemos partir da própria
situação de fronteira da região Amazônica, e suas especificidades, para repensar o lugar
do Estado do Maranhão e Grão Pará dentro das políticas de colonização da América
Portuguesa.
deveria corresponder ao princípio de dar cada um o que é seu, respeitando direitos, desigualdades e
privilégios; baseada na “economia da mercê”; com atribuição de benefícios materiais, honras e distinções
em troca de serviços prestados e de vassalagem . Conf. Xavier & Hespanha. A representação da sociedade
e do poder. In: Matoso, José (org.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4 Lisboa.
Ed. Estampa, 1993. pp. 121-15; Olival, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno. Honra,
Mercê e Venalidade em Portugal (1641 – 1789). Lisboa. Estar Editora, 2001, pp. 16-17; Monteiro. Nuno
G. “Trajetórias sociais e governo das conquistas: Notas preliminares sobre os vice-reis e governadores do
Brasil e da Índia nos séculos XVII e XVIII”. In: Fragoso, Bicalho & Gouvêa (org.), O Antigo Regime nos
Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
2001. pp. 249-283. 4 O Estado do Maranhão e Grão Pará passa a ser denominado Grão Pará e Maranhão em decreto de 31 de julho de 1751; Quando fizermos referência ao Pará, ou ao Grão-Pará, estaremos tratando da Capitania,
observando o desmembramento com a criação da Capitania do Rio Negro em Carta Régia de 03 de março
de 1755; no entanto, também poderemos nos referir ao Estado cuja Capitania do Pará estava inserida. 5 Informação retiradas das justificações de nobreza de Amandio José de Oliveira e seu irmão Lourenço de
Oliveira Pantoja; Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos findos, justificação de nobreza, Mç 1, nº
23. 6 Alvará de 06 de setembro de 1645 que proibia a saída do Reino sem passaporte. 7 Chambouleyron, Rafael. Um conquista tão dilatada. A coroa portuguesa e a migração voluntária para a
Amazônia (século XVII). In: Entre Mares o Brasil dos Portugueses. 2009, p. 88
Neste sentido, podemos pensar a vinda dos irmãos Oliveira Pantoja ao mesmo
tempo em que, no período de uma política especifica para incentivar a migração para o
Estado do Maranhão, por outro lado, como partícipes de um fluxo populacional baseado
na iniciativa, ou necessidade, individual. Afinal, o Rei pagava passagem e provimento a
quem quisesse passar àquelas partes. E os irmãos Oliveira Pantoja quiseram buscar uma
vida nova em novas terras.
Manoel e José de Oliveira Pantoja saem de Lisboa, da Freguesia de Nossa
Senhora de Loures, região de Estremadura, na segunda metade do século XVII. Estudos
sobre migração portuguesa revelam que o maior contingente populacional de saída de
Portugal para “as partes do Brasil” provinha da região chamada Entre - douro e Minho,
norte de Portugal8. Ou seja, a migração dos irmãos Oliveira Pantoja não acompanha a
tendência da emigração nortista.
Não sabemos por que razão os irmãos vieram, no entanto, temos uma pista, e esta
pista está na genealogia da família Oliveira Pantoja. Manoel e José de Oliveira Pantoja
são parentes, por parte materna, de Manoel da Mota Siqueira. Na década de 1730, um
filho de José de Oliveira Pantoja é mandado, pelo então governador da capitania do
Pará, a servir na Fortaleza do Tapajós9 sob responsabilidade do tio, Manoel da Mota de
Siqueira. O tio já estava bem estabelecido na região, afinal, neste período, ele já era
governador da Fortaleza do Tapajós. 10
De Manoel da Mota Siqueira, temos o nome do
pai, Francisco da Mota Falcão, que foi construtor da Fortaleza do Tapajós, após a sua
morte, o filho assume o governo da fortaleza. 11
Esse “tio” pode ser o elo entre a família
Oliveira Pantoja da freguesia de Nossa Senhora de Loures, em Lisboa, e a família
Oliveira Pantoja estabelecida na capitania do Pará.
Nossa hipótese é que, talvez, tenha sido através de Francisco da Mota Falcão, pai de
Manoel da Mota Siqueira, que os irmãos Oliveira Pantoja aportaram na região, uma vez
que entendemos como importante para a migração o papel das chamadas relações
sociais primárias. Osvaldo Truzzi reporta alguns tipos de migração, entre eles, a
migração em cadeia, que seria aquela que envolveria o deslocamento de indivíduos
8 Volpi Scott, Ana Silvia. Velhos Portugueses ou novos Brasileiros? Reflexões sobre a família Luso
Brasileira setecentista. Anais da V jornada setecentista. Curitiba, 2003; Volpi Scott, Ana Silvia. Os
Portugueses. São Paulo, Editora Contexto, 2010. 9 Construída na região onde hoje é Santarém no Pará. Por ordem do Alvará Régio de 15.12.1684. 10 Arquivo Histórico Ultramarino, Pará, Avulsos AHU Caixa. 18, documento 1681. 11 Arquivo Histórico Ultramarino, Pará, Avulsos – AHU, Caixa. 3, documento 269; Arquivo Histórico
Ultramarino, Pará, Avulsos – AHU, Caixa. 3, documento 274.
motivados por uma série de arranjos e informações, fornecidas por parentes e
conterrâneos já instalados no local de destino. 12
Nesse sentido, as redes migratórias seriam compostas por intrincadas relações
interpessoais baseadas nos vínculos de parentesco, amizade e conterraneidade; que
ligariam migrantes, áreas de origem e destino. Os emigrantes confiavam nas
informações fornecidas, ao vivo ou por carta, por um parente, vizinho ou amigo,
fazendo com que os mapas mentais daqueles que pensam em emigrar sejam bem
diferentes dos mapas geográficos; pois mesmo que em outros continentes, mas habitado
por parentes e amigos, tornavam-se emocionalmente e materialmente mais próximos. 13
Em 1723 Manoel de Oliveira Pantoja faz requerimento de uma justificação de
nobreza onde as testemunhas que o conheceram em Portugal dizem que
Manoel de Oliveira Pantoja assiste em o Pará para onde foi com menos idade,
sabe que o suplicante tem parentes muito chegados que são moços da câmara
dos de número de Sua Majestade e do Senhor Infante Dom Francisco como he Miguel Pinheiro de Oliveira, primo segundo, e outro sem parentes que tem nesta
cidade de Lisboa, como são o desembargador José de Caminha Falcão que é
professo na ordem de cristo e Manoel Miranda de Caminha que foi juiz dos
órfãos14
.
Também não coaduna com a pecha da “migração dos miseráveis”, afinal,
bisnetos de um físico mor do rei e com parentes tão gabaritados na Corte, deveriam ter
algum cabedal. Não sabemos por que razão os irmãos vieram, o que sabemos é que os
Oliveira Pantoja não escolheram começar uma nova vida no mundo do nordeste15
açucareiro. Eles aportaram no mundo da exploração das “drogas do sertão” 16
, do
cultivo dos gêneros da terra, da disputa entre colonos e padres pela mão de obra
indígena. Ao descerem em terras da Capitania do Pará, traçaram planos e estratégias; e,
como já sabemos, logo se estabelecem entre os maiores da região.
Sesmaria e Cacau: Primeira e segunda geração dos Oliveira Pantoja
12 TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, v. 20, n.1. pp. 199-218. 13 TRUZZI, Redes em processos migratórios, p. 207. 14 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos Findos, Justificação de Nobreza do Capitão Amândio
José de Oliveira Pantoja, Maço 1, nº 23 (está inclusa a justificação de Manoel de Oliveira Pantoja, seu tio
avô). 15 Utiliza-se o termo nordeste para dar fluidez à escrita, sabemos que nordeste é um anacronismo para a
época. 16 Especiaria local representada por várias espécies vegetais, dentre as quais cravo grosso, cravo fino,
cacau, urucu, canela, baunilha.
Manoel de Oliveira Pantoja, em um pedido de sesmaria no ano de 1725, afirma
estar estabelecido desde finais do século XVII às margens do Moju17
. O padre João
Daniel ao navegar pelo rio Moju, na década de 1740, apresenta o que vê na paisagem,
pinta uma tela com palavras; descrevendo os sítios que ficavam às margens do rio, que
mais mereceriam o nome de grandes quintas:
Esmeram-se porém tanto nas suas moradias os donos destas quintas, ou sítios,
que fazem uma muito alegre prerspectiva [sic] aos navegantes; e com mais razão se podem chamar grandes, soberbos e magníficos palácios do que casas
de campo: e em muitos tem os seus moradores boas capelas e igrejas [...]. E
posto que alguns moradores tem tantos escravos, ou fâmulos, que podiam constituir uma pequena vila [...]
18
Nas primeiras décadas de colonização lusa na Amazônia, a ocupação se deu nas
terras próximas a Belém, às margens dos rios. Este espaço recebeu os primeiros
sesmeiros, os índios descidos, foi alvo da política de povoamento e incentivos
agrícolas19
. É, portanto, neste espaço, às margens dos rios próximos à Belém,
principalmente na região denominada de Baixo Tocantins20
, que a família Oliveira
Pantoja pedirá suas terras, cultivará e se estabelecerá na capitania do Pará.
Manoel de Oliveira Pantoja, homem que no ano de 1724 já era considerado
partícipe de uma das “melhores famílias” 21
da Capitania do Pará, em carta ao Conselho
Ultramarino, pede confirmação de sesmaria destinada à produção de Cacau no rio Moju.
Porém, algo logo nos chama atenção neste documento. Na petição inicial, Manoel
afirma que ele “cidadao desta cidade possue há mais de vinte e seis anos tres quartos
de legoa de terra em que tem fabricado hum cacauzal como tambem outras lavouras”
22. Este trecho de documento nos indica a prévia ocupação da terra. O que nos aponta
que o cultivo e a ocupação, de algumas terras, se deram antes do próprio pedido de
sesmaria.
17 Requerimento. Manoel de Oliveira Pantoja. AHU_ACL_CU_013, Cx. 8,D. 678 18 Pe. João Daniel. Tesouro descoberto no Rio Amazonas, Tomo I. p, 286. 19 Acevedo Marin. Camponeses, donos de Engenho e Escravos na região do Acará nos séculos XVIII e
XIX. Papers do NAEA. 20 Alguns autores como Vicente Sales e Alana Souto denominam a região das freguesias de Moju, Acará,
Guamá, Capim e Bujarú de atual zona Guajarina. E Cametá, Mocajuba, Baião, Limoeiro do Ajuru e
Igarapé – Miri, atual Vale do Tocantins. Porém denominaremos daqui por diante as duas zonas de região
do Baixo-Tocantins. 21 O termo “melhores famílias”, “principais famílias” aparecem recorrentemente na habilitação de
Amândio José de Oliveira Pantoja, ANTT 22 Requerimento. Manoel de Oliveira Pantoja. AHU_ACL_CU_013, Cx. 8,D. 678
A carta de sesmaria constitui o ato legal da legitimação da posse da terra23
;
porém, estudos mostram que a ocupação é o componente que, muitas vezes, antecede a
legitimação, onde a anterior exploração do espaço legitima a concessão de uma terra24
.
Manoel de Oliveira Pantoja se enquadra nesta situação, porque, ao pedir sua sesmaria
utiliza a expressão “ocupando e cultivando” as terras. Nos pedidos de sesmaria que
encontramos no Rio Moju, dos 57 indivíduos que as solicitaram, 12 afirmam que já as
lavravam, o que perfaz o valor de, aproximadamente, 21% dos pedidos de terra
caracterizados pela prévia ocupação do território.
Luís de Oliveira Pantoja, filho de José de Oliveira Pantoja, também cidadão e
morador de Belém, no ano de 1738 recebe concessão de sesmaria no rio Moju25
. Em
1749 assina uma carta dos oficiais da câmara de Belém solicitando a concessão de
tropas de resgates, pois “achase toda esta capitania no deplorável estado de hua
rigoroza epidemia, que a toda ela tem reduzido a mizeria e penúria, sendo mais
considerável o estrago na escravatura” 26
. Luís de Oliveira Pantoja vale-se de ser
oficial da câmara e passa por cima da ordem do Governador, comunicando-se
diretamente com o Conselho Ultramarino, pedindo permissão para as tropas de resgate;
defendendo, na cidade, interesses que também eram seus e de seus pares, proprietários
rurais.
Em 1751 Luís de Oliveira Pantoja, mesmo possuindo e cultivando terras no
Moju, era Juiz Ordinário da Câmera de Belém. Ele é preso durante um mês pelo
Governador, por ordem do Conselho Ultramarino, por ter assinado, ao lado de Marcello
de Alfaya, uma denúncia (que é tida como falsa) contra o padre Caetano Eleutério de
Bastos. Quando é emitida a ordem de prisão, Luís de Oliveira Pantoja “tendo noticia
desta Real Ordem veyo da sua rossa em que se achava”27
. O que estes documentos
mostram é que o proprietário rural vivia o mundo da “rossa” e, também, o mundo da
cidade, exercendo cargos públicos, comunicando-se com o Reino, participando
ativamente da politica da cidade e, claro, defendendo seus interesses, do seu grupo
político e de sua família. Ter propriedades rurais não impedia os moradores da capitania
do Pará de possuírem casas na cidade, e de se dizerem cidadãos dela. Participar da vida
23 Santos, Marcio Roberto Alves dos. Fronteiras do Sertão Baiano (1640-1750). São Paulo, Tese de
doutorado (História), USP, 2010. p. 188. 24 Chambouleyron, op. cit. 2011 25 Requerimento de Luís de Oliveira Pantoja. AHU_ACL_CU_013, Cx. 24, D. 2228. 26 Carta dos Oficiais da Câmara da cidade de Belém do Pará. AHU_ACL_CU_013, Cx. 31, D. 2917. 27 Carta do governador e capitão-general do Estado do Maranhão e Pará Francisco Xavier de Mendonça
Furtado. AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3060.
política da cidade, escoar sua produção, manter contato com os outros moradores,
acertar casamentos, enfim, os moradores da Capitania do Pará, que possuíam suas
lavouras nos rios que circundavam Belém, viviam entre dois “mundos” onde um não
excluía, necessariamente, o outro, ao contrário, conectavam-se.
Algo que chama atenção nos pedidos de sesmaria da família Oliveira Pantoja é o
tamanho das propriedades. O que Rafael Chambouleyron já nos aponta para as
concessões de terras no Estado do Maranhão é a clara opção pelo tamanho de pequeno e
médio das terras que, geralmente, não passavam de duas léguas em quadro28
. Para
percebermos o mundo das sesmarias em que os Oliveira Pantoja se inseriram, fizemos
um levantamento das concessões no rio Moju e seus igarapés.
Dividimos as extensões rurais em pequena propriedade (até 5.999 hectares),
média propriedade (de 6.000 até 13.000 hectares) e grande propriedade (acima de
13.001 hectares); com o propósito de apreender o perfil das terras cedidas em sesmaria
nos rios Moju e Acará, durante o século XVIII. Objetivando perceber mudanças e
permanências na estrutura agrária da região, dividimos as concessões, e portanto, nossa
análise, em dois períodos distintos: o primeiro que vai até 1750 e outro que abrange as
concessões entre 1751 e 1824.Podemos observar no gráfico 1, que as concessões no
Moju que vão até o ano de 1750, são, primordialmente, de pequenas extensões de terra;
onde 73,81% das sesmarias tinham até 5.999 hectares. Ao analisarmos a tabela 1
percebemos que, de fato, o tamanho máximo que elas possuíam era duas léguas por
duas léguas:
TABELA 01 SESMARIAS CONCEDIDAS NO RIO MOJU ENTRE OS ANOS DE 1724 E 1750
28 Chambouleyron, Rafael. Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia colonial (1640 – 1706),
Editora Açai, Belém, 2010. p.113
FONTE: Coleção Iterpa – Sesmarias. Livros de 01 a 20
Se compararmos, por exemplo, com o que diz a historiografia sobre as sesmarias
concedidas no Estado do Brasil, principalmente nas capitanias do Norte - Bahia e
Pernambuco - serão concedidas terras com oito, dez e até vinte ou cinquenta léguas nas
décadas iniciais da colonização 29
.
GRÁFICO 01 EXTENSÃO DAS SESMARIAS CONCEDIDAS NO RIO MOJU ENTRE OS ANOS DE 1724 E 1750
29 Nozoe, EconomiA, Brasília (DF), v. 7, n. 3, p 587 – 605, set/dez 2006.
Referência
Livro de Sesmaria Sesmaria Confirmação Total Km2 Hectare
Nº 03, pg. 174 15/09/1727 Manoel Ferreira de Morais Farinha, Cacau e Tabaco 1/2 légua - - - -
Nº 06, pg. 65 08/04/1732 Sebastião Pinto de Matos Cacau e Café 1 1/2 légua - - - -
Nº 08, pg. 93 verso 20/08/1738 01/03/1739 José da Costa Jordão 1/2 légua - - - -
Nº 10, pg. 158 verso 18/09/1742 Alexandre da Costa Frª Lavouras 2 légua - - - -
Nº 05, pg. 159 verso 26/09/1730 Miguel da Costa do Vale Lavouras 1/2 légua 1/4 légua 5,45 544,50
Nº 02, pg. 55 06/03/1725 Manoel de Oliveira Pantoja Cacau, Anil e Lavouras 1 légua 500 braças 7,26 726,00
Nº 09, pg. 83 verso 05/09/1738 02/05/1740 José da Veiga Tenório Farinha e Cacau 3/4 légua 1/4 légua 8,17 816,75
Nº 05, pg. 18 08/03/1728 Baltazar de Rego Barbosa Cana 600 braças 1 légua 8,71 871,20
Nº 04, pg. 21 09/02/1728 Domingos Serrão de Castro 1/2 légua 1/2 légua 10,89 1.089,00
Nº 05, pg. 32 24/08/1728 Cláudio Antonio de Almeida Agricultura 1/4 légua 1 légua 10,89 1.089,00
Nº 02, pg. 101 verso 03/02/1725 Dona Portazia Bitancourt Cacau e Lavouras 1/2 légua 1 légua 21,78 2.178,00
Nº 02, pg. 59 09/05/1724 14/07/1725 Domingos de Araújo Cultivos 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 05, pg. 22 verso 17/05/1727 Domingos Monteiro de Noronha Engenho 1/2 légua 1 légua 21,78 2.178,00
Nº 06, pg. 179 verso 28/11/1730 10/02/1732 José Gonçalves Agricultura 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 06, pg. 78 11/07/1732 07/04/1734 Joseph Roiz Cacau e Lavouras 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 08, pg. 158 21/10/1737 18/03/1740 Mateus Marques Culturas Rurais 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 08, pg. 159 verso 05/09/1738 11/05/1740 Ignácio Vas Chaves Lavouras 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 09, pg. 43 verso 09/02/1738 Sebastião de Oliveira Pantoja Culturas 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 09, pg. 87 05/04/1738 Luiz de Oliveira Pantoja Lavouras 1/2 légua 1 légua 21,78 2.178,00
Nº 10, pg. 104 verso 18/04/1741 10/07/1745 Antonio Gonçalves Cacau 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 10, pg. 166 14/09/1742 23/05/1743 Verissimo Gomes Cana 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 09, pg. 44 verso 20/02/1738 Jerônimo Luiz Freire Agricultura 1 1/2 légua 1/2 légua 32,67 3.267,00
Nº 12, pg. 110 11/05/1745 Hilário Gomes Pereira Algodão e Outras Lavouras 1 1/2 légua 1/2 légua 32,67 3.267,00
Nº 05, pg. 105 10/11/1729 Antonio da Costa Botelho Cana 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 05, pg. 110 verso 21/11/1729 Amador Loureiro da Costa Engenho 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 06, pg. 118 27/02/1733 Capitão Luiz Fagundes Machado Roças 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 06, pg. 165 19/01/1734 Manoel Jorge Cacau e Café 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 06, pg. 168 verso 06/02/1734 Estácio da Silva Agricultura 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 07, pg. 54 13/11/1734 17/04/1736 Domingos Pereira 2 légua 1/2 légua 43,56 4.356,00
Nº 08, pg. 98 verso 09/10/1737 16/07/1738 Leandro Correa Henrique Agricultura 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 09, pg. 152 04/09/1739 11/05/1740 João Coelho da Silva 2 légua 1/2 légua 43,56 4.356,00
Nº 09, pg. 16 verso 11/10/1737 27/03/1738 José Matos Lavouras 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 09, pg. 18 verso 16/10/1737 Manoel Gonçalves Lavoura 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 09, pg. 82 verso 05/09/1738 Amaro Pinto Vieira Abricultura 2 légua 1/2 légua 43,56 4.356,00
Nº 14, pg. 07 verso 08/04/1747 Antonio dos Santos Aula Roça e Cacau 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 10, pg. 179 10/04/1743 Tereza Maria de Jesus 1 1/2 légua 1 légua 65,34 6.534,00
Nº 07, pg. 67 17/12/1734 25/04/1736 Francisco Xavier Lobato Mantimentos para os Escravos 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 09, pg. 147 02/09/1739 Francisco Lopes Bastos Engenho 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 10, pg. 176 verso 07/04/1739 Henrique Sanches de Brito Lavouras 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 12, pg. 171 verso 27/11/1746 José Antunes Viegas Culturas 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 14, pg. 06 verso 21/03/1747 Manoel Borges de Goes Agricultura 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 14, pg. 07 06/04/1747 João Fris' Passos Lavouras da Terra 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 06, pg. 164 verso 20/01/1734 27/11/1737 Belchior Mendes de Moraes 1 1/2 légua 1 1/2 légua 98,01 9.801,00
Nº 06, pg. 173 verso 18/02/1734 Domingos Pereira Lima Lavouras 2 légua 2 légua 174,24 17.424,00
Nº 06, pg. 178 verso 10/04/1734 Francisco Xavier de Moraes Cultivos 2 légua 2 légua 174,24 17.424,00
Nº 07, pg. 11 verso 12/06/1734 30/09/1735 João de Freitas 2 légua 2 légua 174,24 17.424,00
TotalUn.
DataSesmeiro Cultivo Frente Un. Fundo
Fonte: Coleção Iterpa – Sesmarias. Livros 01 a 20.
A sesmaria recebida por Manoel de Oliveira Pantoja, em 1724, não é das
maiores, acompanha a tendência das pequenas propriedades no Moju, medindo 726
hectares. Sabemos pela leitura da carta passada por Bernardo Pereira de Berredo em
1718 que além de cacau, nesta sesmaria, Manoel fará plantação e fábrica de anil. Esta
informação aponta para mais uma questão que podemos observar nas sesmarias
concedidas no rio Moju: o tipo de produção que será aplicada a terra.
Apenas uma sesmaria é pedida com a justificativa de cultivar cacau sem que esta
cultura esteja acompanhada de outro cultivo. Podemos analisar que das oito sesmarias
que cultivavam cacau, sete acompanhavam o cultivo do cacau com outras lavouras.
Aliás, a policultura estava largamente presente nas sesmarias do rio Moju, uma vez que,
das 46 sesmarias analisadas, 33 são declaradamente destinadas a mais de um cultivo.
Algumas se referem a roças, lavouras, culturas de gêneros da terra. Outras especificam o
quê seria cultivado, como farinha, tabaco, anil, cacau e café.
No entanto, nem só de agricultura e extrativismo vive o rio Moju. Na Primeira
metade do século XVIII é erigida, no Rio Moju, a Ribeira das Naus, onde se fabricava
embarcações, arcos, pranchas, estacas, tabuados para forros, dentre outros produtos
onde a madeira era matéria-prima. A composição da força de trabalho da fábrica de
madeiras era diversa, comportando desde trabalhadores que chegavam do Reino, como
mestres, maquinistas, construtores, ferreiros, carpinteiros; passando pela mão de obra
indígena que vinha, principalmente, das vilas e lugares de índios do Marajó; e,
posteriormente, também, será introduzido o trabalho africano 30
.
30 Batista, Regina Célia Corrêa. Dinâmica Populacional e atividade madeireira em uma vila da Amazônia:
a Vila de Moju (1730-1778). Dissertação em História. Universidade Federal do Pará. 2013.
73,81%
19,05%
7,14%
Até 5.999 ha
De 6.000 até 13.000 ha
Acima de 13.001 ha
A partir das análises feitas com os pedidos de terras em sesmaria, a
caracterização deste proprietário, que também tinha seus chãos de terras e casas em
Belém; podemos pensar o Moju como um lugar de movimento, com engenhos, sítios e
suas lavouras, a fábrica de madeiras e o vai e vem de canoas que subiam e desciam o rio
com produtos e pessoas.
Nesse sentido, o mundo da agricultura não exclui o mundo do extrativismo e
vice-versa, bem como mundo das “roças” não exclui o mundo da cidade.
Compreendemos que há uma aliança e uma ideia de complementariedade entre esses
dois mundos, o que rompe com a imagem de “ciclo” das drogas do sertão, e, até mesmo
de “preponderância” do extrativismo. Há uma íntima relação entre estas atividades, para
além da dicotomia extrativismo-agricultura. E esta é mais uma razão para não
pensarmos o Maranhão e Grão Pará como “marginal”, “pobre”, “periférico”; posto que
é preciso apreender a especificidade da região que engendrou politicas diferenciadas a
partir das experiências vivenciadas na Amazônia Colonial. Mais do que “atrasado” em
relação aos “centros” de colonização, o Pará e Maranhão devem ser compreendidos
dentro de sua própria lógica31
.
Cacau e os Oliveira Pantoja
Podemos caracterizar as duas primeiras gerações da família Oliveira Pantoja
como, proprietários rurais que adquiriam terras através da prévia ocupação e posterior
pedido em Sesmaria. As terras dos Oliveira Pantoja, das duas primeiras gerações,
podem ser caracterizadas como pequenas propriedades rurais. No estabelecimento da
família na Capitania do Pará, na primeira metade do século XVIII, o cacau e o anil
foram as duas atividades agrícolas nas quais eles se dedicaram, principalmente o cacau.
Em 26 de janeiro de 1725 Manoel de Oliveira Pantoja emite um requerimento ao
Rei solicitando a reserva de terras, consideradas devolutas, concedidas pelo então
governador Bernardo Pereira de Berredo no ano de 1718 no sítio Tucumanduba. O
31 Sobre a discussão do Estado do Maranhão e Grão Pará como área periférica conferir Schwartz, Stuart
B. O Brasil Colonial, c. 1580 – 1750: As Grandes Lavouras e as Periferias. In: Bethell, Leslie. História da
América Latina – A América Latina Colonial, v. II. Edusp, São Paulo, 2012, pp. 339-422. Novas
abordagens e estudos mais recentes em História da Família e da População têm contribuído para uma
nova plataforma de compreensão para a História da Amazônia; conferir BARROSO, Daniel Souza. “Por
uma História da Família e da População na Amazônia brasileira: percursos historiográficos”. In:
CICERCHIA, Ricardo; BACELLAR, Carlos & IRIGOYEN, António (Coords.). Estructuras, coyunturas y
representaciones. Perspectivas desde los estudios de las formas familiares. Murcia: Ediciones de la
Universidad de Murcia, 2014, pp. 51-66.
requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja nos diz muito sobre a produção e
agricultura da região.
Manoel começa o requerimento alegando que “tratando de empregarse nas
lavouras de cacao e anil que Vossa Majestade tanto recomenda”. E por achar que as
terras do Tucumanduba eram devolutas, as pediu em sesmaria, e lhe foi concedido uma
légua. Nesta légua Manoel fez fazenda de cacau, plantou boa quantidade de anil “de que
fez já bastante e poderia ser melhor o rendimento se houvesse pessoa sciente nesta
fabrica” 32
.
Neste documento podemos observar algumas questões importantes para
compreender o estabelecimento da Família Oliveira Pantoja nas cabeceiras do Rio
Moju, uma área próxima de Belém e destinada, principalmente, à produção de cacau,
anil e outras lavouras. Mas também podemos perceber outras questões como a
preocupação da Coroa Portuguesa em ocupar o território da Conquista Ultramarina
incentivando a agricultura. “Vossa Majestade tanto recomenda” o emprego na lavoura
do cacau e do anil; não recomenda apenas a “extração” do cacau, mas o seu cultivo.
Conceder terra em sesmaria era duplamente importante para a Coroa porque se tratava
de aproveitar a terra e ocupa-la; e, de acordo com a análise das fontes, a agricultura era
um meio de fixar e promover essa ocupação, além de garantir rendimentos para os
moradores e para a Fazenda Real, através de pagamento de dízimos.
Havia já, claramente, na segunda metade do século XVII uma preocupação da
Coroa com o corte predatório das árvores para extrair o cravo, o cacau e outros gêneros;
aplicando-se regimentos que incentivassem a cultura do cacau, do cravo e do anil, além
de afirmar ser preciso aproveitar os frutos sem prejuízo das árvores. No ano de 1680 era
proibido que os governadores cultivassem e comercializassem qualquer gênero; no
entanto, foi permitido ao governador Inácio Coelho Silva cultivar cacau para dar
exemplo aos moradores33
·.
Em termos de incentivos da Coroa à agricultura, ressaltamos que a produção
açucareira era incentivada com a isenção de impostos e direitos, com a importação de
escravos africanos, com privilégios judiciais e com a administração particular de índios.
Para os produtores de tabaco, a Coroa concedeu ao longo do século XVII diversos
privilégios proibindo a circulação de tabaco estrangeiro em Portugal e diminuindo ou
32 Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 26 de janeiro de 1725. AHU_ACL_CU_013, Cx. 8,
D. 741. 33 Chambouleyron, Rafael. As várias utilidades do Maranhão: Reflexões sobre o desenvolvimento da
Amazônia no século XVII. In: Faces da História da Amazônia. Editora Paka Tatu, Belém, 2006 p. 160
isentando as taxas alfandegárias 34
. A produção de café também foi incentivada, por
exemplo, no ano de 1731, com isenção de impostos por um período de doze anos 35
.
O cacau, escolha dos irmãos Oliveira Pantoja, também recebeu incentivos da
Coroa. Fato é que a Coroa Lusa estimula de modo peculiar o plantio de cacau. Peculiar
em comparação ao incentivo a outras culturas (que obtiveram isenção ou diminuição de
impostos); no entanto, bastante apropriada a uma sociedade de Antigo Regime: através
da distribuição de mercês.
Em um requerimento no ano de 172636
Luiz de Faria Esteves, morador da cidade
de Belém e um grande lavrador de cacau, solicita mercê ao Rei por ter se dedicado ao
plantio do gênero. Alega Luiz Esteves que, por ordens de oito de dezembro de 1677 e
vinte e quatro de novembro de 1686, “os moradores que se empregassem na cultura dos
ditos frutos haviam de ser premiados com prêmios condignos as qualidades das suas
pessoas” 37
. Luiz Esteves afirma que tinha por volta de dezenove mil pés de cacau além
de outros frutos que “cultivava em abundância em grande utilidade para os dízimos
reais” 38
. Aqui podemos observar a importância que a Coroa dava à agricultura na
região. Luiz Esteves justifica o seu pedido de mercê dizendo que se o recebesse
estimularia “os ânimos daqueles a tomarem o exemplo do suplicante aplicando-se a
cultura não só das plantas do cacau, mas dos mais frutos que podem ser úteis a Real
Fazenda e a República” 39
.
De acordo com Rafael Chambouleyron em muitas ocasiões a Coroa concedeu
privilégios aos produtores de açúcar, tabaco e cacau. Privilégios estes que vinham na
isenção de impostos, benefícios jurídicos e ajuda para a obtenção de escravos africanos
e indígenas40
.
Novamente uma manifestação da importância e incentivo que a Coroa dava à
agricultura na capitania do Pará é outro trecho do mesmo documento de Luiz Esteves.
Dessa vez é a escrita do governador José da Serra. O governador afirma que o Rei deve
passar mercê ao suplicante e conclui alegando que isso estimulará os outros lavradores.
Dá como exemplo o estímulo à produção de café, que ocorreu no ano de 1731, quando a
34 Chambouleyron, Rafael. Op. cit. 2010 35 Vide Requerimento de Luís Esteves que informa sobre a isenção de impostos cobrados sobre o café
durante que no ano de 1731 foi dispensado pelo tempo de 12 anos. AHU_ACL_CU_013, Cx. 17, D.
1610. 36 O documento começa em 1926 e estende-se até o ano de 1735 37AHU_ACL_CU_013, Cx. 17, D. 1610. 38 AHU_ACL_CU_013, Cx. 17, D. 1610. 39 O mesmo documento acima. 40 Chambouleyron, Rafael. Op. cit, 2010, p. 101
Coroa dispensou os direitos sobre o produto pelo prazo de 12 anos. De acordo com José
da Serra, se o Rei concedesse o Hábito de Cristo aos lavradores que na metade do prazo
dos 12 anos, remetessem ao Reino uma grande quantidade de café, a fabricação
dispararia a ponto de passar a produção de Caiena.
Luiz Esteves não consegue o Hábito de Cristo, mas recebe o Foro de Cavaleiro
Fidalgo, o que o nobilitava e tinha reconhecida sua importância para o “aumento” desta
Capitania do Pará41
. Mais uma vez encontramos o estímulo à agricultura na Capitania;
não a agricultura da plantation, mas uma agricultura de diversos produtos da terra, que
seriam cultivados em pequenas e médias propriedades (que variavam de um quarto de
légua a duas léguas, conforme os pedidos de sesmaria que encontramos).
Sobre o plantio de cacau na Capitania do Pará, as tentativas precursoras
principiaram na década de 1670 iniciadas por moradores e incentivadas pela Coroa.
Segundo Daril Alden, de acordo com carta do Príncipe Regente de Portugal, futuro
Pedro II, a primeira pessoa que plantou cacau na área foi João de Ornellas da Câmara;
homem que conheceu a cultura do cacau nas Índias de Castela quando fez uma viagem e
lá aportou na condição de náufrago42
.
É nesse contexto que a Família Oliveira Pantoja aporta na Capitania do Pará e
entende que será por meio da ocupação e pedido de terras, em forma de sesmarias; e
pelo plantio de cacau que fincará mais fortemente suas raízes na região.
Mas o quê fazia do cacau um produto tão importante? Sabemos que da semente
do cacau era feito o chocolate que, durante os séculos XVII e XVIII passa a competir
com o café e o chá nos mercados de luxo da Europa43
. Em meados do século XVIII o
cacau já era uma bebida apreciada entre a aristocracia portuguesa uma vez que o
Governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado escolta suas correspondências, com
amigos e autoridades portuguesas e estrangeiras, com mostras de cacau, como em carta
que envia ao pai dele, em 22 de dezembro de 1751;
Como me lembra que V. Sª costuma tomar chocolate, e que minha mãe o costuma dar aos seus frades, tomo a confiança de
oferecer a V. Sª esse par de arrobas de cacau, para o mandar
fazer e podê-lo tomar sem escrúpulo (...)44
41 AHU_ACL_CU_013, Cx. 17, D. 1610 42 Dauril Alden, op. cit. p. 25 43 Dauril Alden, op. cit. p. 09 44 A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. P. 183
Temos uma terra pedida por um Oliveira Pantoja chamado Luís, filho de José de
Oliveira Pantoja, no ano de 1729, no mesmo Rio Moju, destinada, também, a produção
de cacau e outras lavouras. Retomando o requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja, é
perceptível que essa política de incentivo ao plantio de cacau por parte da Coroa, não foi
infrutífera, afinal, desde meados de 1690, Manoel já lavrava seus cacauais. E não só ele.
Ao mapear a palavra “cacau” no índice de resumos do Projeto Resgate/ Arquivo
Histórico Ultramarino, é possível constatar o quanto ele figurava como assunto nas
correspondências entre os moradores, governantes e Conselho Ultramarino; observando
a pauta de exportação da Capitania do Pará entre os anos de 1730 e 1755, onde o cacau
figurava em primeiro lugar, verificamos a importância desse produto para a região.
De acordo com Dauril Alden durante o século XVIII o principal mercado para o
cacau amazônico era a Espanha. Como exemplo dessa entrada do produto amazônico
em terras espanholas, Alden aponta diversos decretos proibitivos da entrada do “cacao
de Marañon que vênia de Portugal”; porque quantidades consideráveis desse gênero
estavam sendo contrabandeadas para a Espanha45
. Por outro lado, a tese de Dauril Alden
é que quando começaram as exportações de cacau, este provinha, majoritariamente, do
cacau silvestre ao invés do cultivado.
De acordo com Alden o cacau só se torna um produto importante “para
exportação” na região amazônica, na década de 1730. No entanto, esse cacau seria
proveniente da floresta, do cacau bravo (extraído) e não do manso (cultivado). Segundo
o autor, os governadores do Estado do Maranhão, obtiveram sucesso no estímulo a
produção de cacau, porque facilitaram o sistema de licenças para que as canoas
pudessem subir o rio e colher o cacau bravo do sertão. Por conta disso, a produção de
cacau teria majorado a rebote do aumento das licenças que pularam de 80 a 110 por ano
entre 1723 e 1729; passando no início dos anos de 1730 a media anual de 250 e, em
1736, pularam para 320 licenças concedidas46
.
Por outro lado há, também, como já foi dito anteriormente, um aumento na
concessão de sesmarias, e uma grande parte delas destinadas a plantação de cacau. De
acordo com Rafael Chambouleyron, entre 1690 e meados de 1720, ou seja, antes do
chamado “incremento da economia cacaueira na Amazônia”, há referência a 65
sesmarias dedicadas ao cultivo de cacau (muito embora muitas destas não eram
dedicadas exclusivamente ao cacau). Ou seja, há de se matizar essa importância
45 Dauril Alden, op. cit. p. 29 46 Idem
acentuada no cacau bravo; uma vez que estudos mais recentes demonstram a
distribuição de terras para o cultivo de cacau, antes do incremento de 1730, revelando a
importância do cacau manso, cultivado para a Capitania do Pará. Aliás, sendo estes
pedidos de terras no início da década de 1720 (uma boa parte dos pedidos e
confirmações de sesmarias trazem as informações que a terra já era lavrada há anos)
explicariam, também, o incremento na década de 1730 na produção de cacau, uma vez
que a planta cultivada só começa a proporcionar colheitas a partir do quinto ano.
Se voltarmos à tabela 1, percebemos que são oito sesmarias doadas, só no Rio
Moju, para a produção de cacau. Oportuno destacar, que a tabela em questão refere-se
apenas a um rio, o rio Moju e seus igarapés. Para entendermos melhor esse mundo do
cacau, onde os Oliveira Pantoja se inseriram, vamos observar a exportação deste gênero
entre os anos de 1730 e 1755. Construímos um gráfico para nos ajudar a compreender a
produção de cacau em comparação a todos os outros produtos da pauta de exportação.
Antes, fazemos uma observação, o ano de 1748 está representado em exportação zero
porque, neste ano, não houve frota saindo do porto de Belém, conforme consta no
documento utilizado como fonte.
GRÁFICO 02 COMPARATIVO ENTRE A EXPORTAÇÃO DE CACAU E A SOMATÓRIA DE TODOS OS OUTROS
PRODUTOS NA CAPITANIA DO PARÁ (1730-1755)
FONTE: Mappa dos Diferentes Generos, que dos Livros da Alfandega no anno de 1730 athé o de 175547
47 Projeto Resgate, Capitania do Grão-Pará, 31 de agosto de 1778. Utilizamos esta fonte, no entanto,
algumas observações se fazem necessárias. Este mapa está contido em um ofício que o então governador
do Pará, João Pereira Caldas, envia ao Conselho Ultramarino em 1778, contendo os números das
exportações desde o ano de 1730 até o ano de 1777. Aqui só utilizamos os dados até 1750 por ser o
período em que a família Oliveira Pantoja pede terras para produzir cacau. Portanto, os valores
apresentados precisam ser problematizados e os indicadores de exportação relativizados; afinal, o objetivo
O gráfico acima demonstra, em parte, a razão pela qual o cacau era um assunto
tão recorrente nas correspondências de moradores e autoridades da Capitania do Pará.
Em todos os anos, de 1730 até 1755, o cacau ultrapassou (em arrobas) a quantidade de
todos os outros gêneros somados. E dizemos que demonstra em parte a importância do
cacau porque, os dados da exportação não revelam outras nuances como o consumo
interno e a sua utilização como moeda.
Como exemplo da utilização do cacau como moeda e da valorização desta,
temos em 1740 uma carta do Governador João de Abreu ao Conselho Ultramarino
queixando-se da recusa dos almoxarifes, depositários dos resgates e tesoureiros dos
ausentes, que serviam na Capitania do Pará, em receber pagamento com outros gêneros
que não fosse o cacau. Eram três os gêneros, de acordo com o documento, utilizados
como moeda corrente da terra (de valor certo e determinado pelo Rei) – o cravo, o
açúcar e o cacau. No entanto, o cacau tinha mais saída e era muito mais valorizado,
tanto que os funcionários não queriam receber de outra maneira que não em cacau 48
.
Componente importante para pensarmos a produção de cacau nas sesmarias era a
mão de obra. Temos claramente, ao mapear a documentação do arquivo histórico
ultramarino referente ao Pará, uma constante: Os pedidos de licença, dos moradores,
para resgatar indígenas nos sertões, ou solicitando indígenas forros e livres para
trabalhar nas fazendas de cacau.
Temos vários exemplos, como o caso de João Correia da Guarda, padre do
hábito de São Pedro, morador de Belém, que em 1725 pedia autorização para resgatar
40 casais de índios dos sertões49
. Também José de Souza Azevedo, no mesmo ano de
1725, solicita a concessão de servos indígenas livres e casados para trabalhar em suas
fazendas de cacau50
. Não queremos aqui esmiuçar as questões pertinentes ao trabalho
indígena na Capitania do Pará, isto já foi feito antes, de forma sistemática e aprofundada
por outros pesquisadores. No entanto, não podemos deixar de apontar que, ao lado das
sesmarias e da cultura de cacau, o trabalho indígena era parte basilar do mundo onde,
em finais do século XVII e início do século XVIII a família Oliveira Pantoja se inseriu.
Extraído dos sertões ou cultivado, utilizado como moeda, motivo de discórdias e
disputas. Em nome das plantações de cacau pedia-se autorização para descer índios,
do ofício parecia ser a demonstração do “avanço” nas exportações sob a égide do governo de João Pereira
Caldas. 48 AHU_ACL_CU_013, Cx. 23, D. 2191. 49 AHU_ACL_CU_013, Cx. 8, D.746. 50 AHU_ACL_CU_013, Cx. 9, D.786
pedia-se escravos de África, mercês e hábitos de ordens militares, trocavam farpas
padres e colonos; e, em torno do cacau girou a história dos Oliveira Pantoja neste
período de estabelecimento e consolidação da família, até meados do século XVIII.
A terceira geração dos Oliveira Pantoja
Em 1826 morre no Pará um homem importante. Familiar do Santo Ofício, com
justificação de nobreza, detentor do direito de usar brasão de Armas. Participou
ativamente da invasão de Caiena e dos movimentos de independência na província do
Pará ao lado de Batista Campos51
. Em seu velório, de acordo com Baena, muitas
pessoas se despediam realmente sentidas52
. Deixou uma mulher viúva, dois filhos, dois
enteados e alguns netos... Deixa também um expressivo patrimônio devidamente
arrolado em seu inventário.
Antes de fechar os olhos, pela última vez, Amândio José de Oliveira Pantoja pôde
olhar seu leito em madeira escura com ornamentos dourados, os lençóis e fronhas de
linho. Estava em casa, no seu Engenho Nossa Senhora do Rosário no rio Acará. Em seu
quarto, ao pé do leito, um grande baú de madeira guardava roupas e segredos por entre
meias de linho, camisas de Bretanha vindas de França, coletes bordados, lenços
encarnados e redes brancas bordadas. Saindo do quarto, a sala ornada com tapetes,
marquesas, canapés, cômodas inglesas, enormes mesas e cadeiras de madeira e
palhinha. Em dias especiais, eram usados os jogos de talheres em prata e as seis dúzias
de pratos ingleses de beira verde. Xícaras inglesas e serviço completo em prata que
serviam café e chocolate, afinal, na cozinha havia algumas chocolateiras de cobre53
.
Interessante descrição do Engenho Nossa Senhora do Rosário, com seus canaviais,
pés de urucu, café, cacau, arroz, mandioca e algodão. As grandes rodas de prensar
mandioca na casa de farinha supriam a necessidade do alimento considerado o “pão
ordinário”, alimento principal dos trabalhadores. 54
Na casa de purgar haviam todos os
apetrechos necessários para o fabrico do açúcar, além de um hábil e valioso mestre
açucareiro, o escravo Braz da Cunha, avaliado em 230$000. Mas nem só de açúcar vivia
51 Familiatura do Santo Ofício – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação de Amândio, Maço 1,
documento 10; Souza Jr, José Alves. Dissertação (Códice Nº 744: Agraciados com a Ordem do Cruzeiro.
1805 - 1826. Arquivo Público do Pará, documentação manuscrita.). 52 BAENA, João Ladislau Monteiro. O Compêndio das eras da Província do Pará. Belém: UFPA, 1969. 53 Todos os objetos descritos fazem parte da descrição de bens do Inventário de Amândio José de Oliveira
Pantoja. APEP, Inventário. Amândio José de Oliveira Pantoja, 1826. 54 RAVENA, Nívia. Abastecimento: Falta, escassez do “pão ordinário” em Vilas e Aldeias do Grão
Pará. Dissertação de Mestrado. Belém, Pará: PLADES/NAEA, UFPA, 1994 (mímeo).
o Engenho de Amândio; posto que continha seis alambiques de cobre e muitas
frasqueiras com seus frascos para engarrafar e transportar aguardente.
O transporte era bem provido com um batelão, um igarité e diversos botes que
carregavam cana, açúcar, farinha e gentes. O dia a dia parecia agitado com o “vai” e
“vem” dos mais de 220 escravos que dividiam o espaço e o tempo entre a colheita da
cana e outras lavouras, o fabrico do açúcar, o plantio do arroz, do café e suas casas e
famílias. O plantel de escravos do Capitão Amândio José de Oliveira Pantoja era,
realmente, significativo. Escravos de diversas nações africanas e escravos nascidos já no
Engenho do Rosário. No inventário do Coronel Amândio é possível visualizar famílias
escravas que remontam avós, pais e filhos todos descritos e devidamente avaliados.
Uma capela com uma imagem de Nossa Senhora do Rosário de mais de quatro
palmos em madeira entalhada, com um rico manto bordado e coroa de prata. Nesta
capela, no dia trinta de agosto de 1753, a esposa de Amândio foi batizada sob as
bênçãos de mais de nove imagens de santos, todos com mais de dois palmos e ricamente
ornados; por entre os paramentos para “dizer missa” com casulas, estolas e toalhas de
altar em linho. Diversas joias compunham o patrimônio de Amândio e sua família, um
relógio em ouro com corrente em prata e muitas fivelas, salvas de prata, espadas em
ouro e cruzes cravejadas de pedras preciosas.
É nesse engenho, no Rio Acará que Amândio será mandado quando foi banido de
Belém, no ano de 1823, por ordem do Brigadeiro Moura e da Junta Provisória, que
deportaram os membros do grupo independentista liderados por Batista Campos, do
qual Amândio fazia parte. 55
Muitas sortes de terra no mesmo rio Acará, onde ficava o Engenho do Rosário,
fazenda no Marajó, casa de sobrado e chãos sem edificações em Belém, na Rua do
Açougue. Era um homem de muitas posses, dezenove bens imóveis, terras e grandes
engenhos, compunham seu dilatado patrimônio. A somatória de seus bens entre
escravos, animais, terras, dinheiro, joias, dinheiro a receber, chegam a quantia de
73:247$997.
“Homem de bem”, “capaz de segredos e grandes negócios”, que “vive limpa e
abastadamente”, “dos melhores da terra”, “família das principais”, “gente nobre”... são
os adjetivos empregados por testemunhas que foram interrogadas por comissários do
55 Arquivo Histórico Ultramarino, Pará, Avulsos – Ofício, 18 de setembro de 1822. AHU, Caixa. 156,
documento 11934; Arquivo Histórico Ultramarino, Pará, Avulsos –, Carta, 5 de outubro de 1822. AHU,
Caixa. 156, documento 11953.
Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, entre os anos de 1789 e 1799, quando Amândio
José de Oliveira Pantoja teve sua vida e a vida de sua família revirada e devassada pela
Inquisição para tornar-se Familiar do Santo Ofício. 56
Em 8 de setembro de 1789, quando Amândio faz a petição inicial ao Santo Ofício,
solicitando o cargo de Familiar, a patente militar que ele ocupava era de Capitão. No
entanto, no dia 14 de agosto de 1794, Francisco Raimundo de Almeida, natural e
morador de Belém do Pará, lavrador de 45 anos de idade, ao ser interrogado pelo
Comissário do santo ofício acerca dos procedimentos e vida de Amândio, respondeu
que conheceu o habilitando desde a infância, e que foi soldado no mesmo regimento que
Amândio. A testemunha alega ter notado em Amândio “procedimentos muito alheios de
homem de bem”, com especialidade no “vício das cartas”. 57
João Guedes, natural da cidade de Belém e nela morador, de 57 anos de idade,
mestre carpinteiro, homem pardo, também foi inquirido pelo Comissário acerca dos
costumes de Amândio. Disse que quando Amândio era soldado “tivera uma vida muito
estragada” e que por seus costumes dentro e fora da milícia, não merecia o cargo de
familiar do Santo Ofício. 58
Interessante nesta habilitação a disparidade de informações. Todos os inquiridos que
tinham por ocupação negociantes, donos de engenho e propriedades afirmavam ser
Amândio “homem de bem”, “capaz de segredos e grandes negócios”, que “vive limpa e
abastadamente”, “capaz de servir com grandeza ao Santo Ofício”. Mas é justamente
lendo o depoimento dos carpinteiros, jornaleiros, lavradores, soldados e dos declarados
“sem ofício” que descobrimos peculiaridades da vida de Amândio e sua família,
confirmadas posteriormente com outras documentações.
56 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação para Familiar do Santo Ofício. Amândio José de
Oliveira Pantoja, ATT – TSO- CG – HAB – Mç1 – doc3 57 Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Elias Caetano de Matos. ATT-TSO-CG-HAB-mc1-doc3.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. 58 Habilitação Familiar do Santo Ofício de Amândio José de Oliveira Pantoja.
Ascendência de Amândio José de Oliveira Pantoja
Fonte: Genealogia montada a partir de habilitação para familiar do Santo Ofício de Amândio José de Oliveira Pantoja, justificação de nobreza de Lourenço de Oliveira Pantoja. 59
No ano de 1763 a Inquisição processa Manoel de Oliveira Pantoja, este fato é
relatado pelas testemunhas na habilitação de Amândio. Alguns dizem ter sido Manoel
processado pela inquisição por ter se coroado rei do Acará, outros relatam que Manoel
foi processado por ter se vestido de padre e casado uma senhora, em uma brincadeira;
esta ultima versão coaduna com o processo depositado na Torre do Tombo60
. Todas as
testemunhas que tocam no assunto, afirmam que Manoel morreu na prisão, envenenado.
Alguns dizem ter sido Manoel envenenado pelos filhos, outros afirmam ter o próprio
Manoel se envenenado tendo proferido a frase “antes morte que vergonha”61
. No
entanto, esses fatos sobre a família de Amândio parecem ter sido completamente
esquecidos pelas testemunhas que faziam parte da elite, tidas por gente nobre e
proprietários de terras e escravos.
59 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos Findos, Justificação de Nobreza do Capitão Amândio
José de Oliveira Pantoja, Maço 1, nº 23; Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos Findos,
Justificação de Nobreza de Lourenço de Oliveira Pantoja, Maço 1, nº 23; Arquivo Nacional da Torre do
Tombo, Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Amândio José de Oliveira Pantoja, Maço1, Doc, 10. 60 Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo contra
Manoel de Oliveira Pantoja nº 2698. 61 Habilitação de Amândio José de Oliveira Pantoja.
Amandio José de Oliveira Pantoja
Manoel de Oliveira Pantoja
José de Oliveira Pantoja
Luís de Oliveira Pantoja
Jeronimo Fernandes de
Oliveira Pantoja
Pedro de Villa Nova
D. Clara da Silva
Catharina Siqueira
Doutor Manoel da Mota de Serqueira
D. Maria de Campos
Dona Luiza de Bitencourt
Antônio Ferreira Ribeiro
Agueda de Bittancourt
Feliciano Corrêa
D. Maria Ferreira
Pedro Teixeira
D. Catharina de Bittancourt
D. Tereza Maria de Atayde
Sebastião de Souza Muniz
Agata Josefa de Miranda
D. Tomazia Ferreira de
Ataide
Pedro Mendes Tomaz
D. Maria
No dia 17 de outubro de 1780 Amândio casa-se com Francisca Xavier de Siqueira e
Queirós. Francisca, com 27 anos, cinco anos mais velha que Amândio, era viúva e
possuía dois filhos varões, fruto de seu casamento com o capitão e Familiar do Santo
Ofício Gonçalo Pereira Viana. A família de Francisca, os Siqueira e Queirós eram
pertencentes a elite tradicional da capitania do Pará. O pai de Francisca, Francisco de
Siqueira e Queirós era proprietário de terras, Senhor de Engenho e morava em seu
engenho de Nossa Senhora do Rosário do Rio Acará, onde na capela foi batizada
Francisca.62
A propriedade de Nossa Senhora do Rosário aparece na descrição de bens
no inventário de Amândio.
O casamento com Francisca, talvez, abra para Amândio a possibilidade da
familiatura, o primeiro marido de Francisca foi Familiar do santo Ofício o que a tornava
já habilitada pela Inquisição. Oportuno sublinhar, que antes do casamento, não
encontramos documentos de Amândio pedindo terras ou patentes militares. É depois do
casamento que ele pede habilitação, é promovido a capitão e passa a figurar
constantemente na documentação oficial. É, também, através da aliança matrimonial
entre a família de Francisca e Amândio que os Oliveira Pantoja ampliam a base
territorial da família para o Rio Acará, que diferente do Moju, sempre teve as maiores
extensões de terra dadas em sesmaria e que, tradicionalmente, suas terras eram voltadas
para a produção açucareira.
A região do Acará, onde a família Oliveira Pantoja também fincou suas raízes,
igualmente próxima à cidade de Belém, já nas primeiras décadas da colonização começa
a ser povoada. Podemos caracterizar as concessões de Sesmaria no Rio Acará até a
primeira metade do século XVIII em pequenas propriedades com até 5.999 hectares
(66,67%). Porém, em comparação às terras do Moju, no mesmo período, as concessões
no Acará eram ligeiramente maiores. Destinavam-se a produção de cana, Engenhos,
lavouras de mantimentos, algodão e cacau. É no Acará que o senhor de Engenho João
Ferreira Ribeiro pede terras para cultivar mantimentos para os escravos que trabalhavam
em seu Engenho de Açúcar63
.
62 Conforme cópia do assento de batismo de Francisca Xavier de Siqueira e Queirós, contida na
Habilitação de Amândio José de Oliveira Pantoja. 63 Coleção Iterpa. Livro de Sesmarias Nº 15, Folha 39 verso
GRÁFICO 03 EXTENSÃO DAS SESMARIAS CONCEDIDAS NO RIO ACARÁ (1707-1750)
FONTE: Coleção Iterpa – Sesmarias. Livro 01 a 20
Em um pedido de sesmaria que foi passada em 11 de agosto de 1731, Raimundo
de Alfoya alega que “convém as ordens de Sua Majestade que Deus guarde por
facultarem aos engenhos até o número de três léguas e as vargens das terras sem
limitação”. E, desse modo, elas são concedidas “na parte que pede com as
confrontações nela declaradas” 64
. Ou seja, sesmarias destinadas a produção de açúcar
poderiam ser, de acordo com as ordens reais, maiores que as terras pedidas para outras
atividades.
Oito propriedades no Acará, na primeira metade do XVIII, têm o cultivo ligado
diretamente a produção açucareira. Quatro terras destinadas somente ao cultivo de cana
de açúcar, três sesmarias pedidas para construção de engenhos, e uma terra solicitada
para produção de mantimentos para os escravos do engenho. Portanto, podemos inferir
que a região do Acará estava mais voltada para a produção açucareira, o que pode
explicar as propriedades serem maiores no Acará que no Moju.
Agora, vamos analisar o Acará da segunda metade do século XVIII onde se
estabeleceu um membro importante da família Oliveira Pantoja. Amândio José de
Oliveira Pantoja possuía dois engenhos e algumas sortes de terras no rio Acará na
segunda metade do século XVIII.
64 Coleção Iterpa. Livro de Sesmarias 06, folha 23.
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
Até 5.999ha De 6.000
até13.000 ha
Acima de13.001 ha
66,67%
22,22% 11,11%
GRÁFICO 04 EXTENSÃO DAS SESMARIAS CONCEDIDAS NO RIO ACARÁ (1751-1824)
FONTE: Coleção Iterpa – Sesmarias. Livro 01 a 20.
Podemos observar que 60% das propriedades, pedidas em sesmaria no Acará na
segunda metade do XVIII, possuem até 5.999 hectares. Ou seja, mais da metade das
terras eram pequenas propriedades. Porém, o que mais nos chama atenção são as
grandes propriedades que antes de 1750 eram da ordem de 11,11% e, nas concessões
pós 1750, passam a 32%, um aumento significativo das grandes propriedades. O
Engenho de Nossa Senhora do Rosário do rio Acará, propriedade de Amândio, tinha a
medida, de acordo com a descrição de bens do inventário de Amândio, de 5.445
hectares, acompanhando a tendência das pequenas propriedades no rio Acará para o
período em tela, no entanto, bem maior que as propriedades de seu tio avô, Manoel.
Amândio José de Oliveira Pantoja em um ofício destinado ao governador sobre a
produção de açúcar e aguardente no Engenho que ele possuía no Rio Acará, afirma que
sua fazenda “até o presente he conta ter dado mais assucares do que os mais engenhos
de sorte que depois do falecimento de seu antecessor o capitam Gonçalo Pereira
Vianna, tem feito a esta parte duas mil novecentas e noventa e seis arrobas, fora muita
aguardente”65
. Nesse sentido, a produção de Amândio acompanha a tendência das
propriedades do Rio Acará que era a dedicação à fabricação de açúcar. Outro Engenho
pertencente a Amândio, no Rio Acará, é o Nossa Senhora do Rosário, que descrevemos
logo no início deste sessão. Com 5.445 hectares de terra, muitos escravos e uma
invejável estrutura para o fabrico de açúcar e aguardente; é mais uma terra da família
65 Arquivo Histórico Ultramarino. Ofício de Amândio José de Oliveira Pantoja, Ca. 1740.
AHU_ACL_CU_013. Cx. 23, D. 2216.
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
Até 5.999ha De 6.000
até 13.000ha
Acima de13.001 ha
60,00%
8,00% 32,00%
Oliveira Pantoja que acompanha a tendência das propriedades no Rio Acará, dedicadas
à produção açucareira.
Considerações Finais
A primeira geração da família Oliveira Pantoja finca raízes na capitania do Pará em
finais do século XVII, envolve-se na prévia ocupação e posterior pedido em sesmaria de
terras às margens do rio Moju, destinadas à produção de cacau. A segunda geração da
família, os primeiros nascidos no Pará, permanecem na estratégia de ocupar terras e
pedi-las em sesmaria, ainda para a produção de cacau e outras lavouras. A terceira
geração da família Oliveira Pantoja insere-se na produção do açúcar e amplia a base
territorial da família para o Acará, área tradicionalmente ligada à cultura canavieira,
através, principalmente, de aliança matrimonial entre os Siqueira e Queirós e os Oliveira
Pantoja, via casamento de Francisca Xavier e Amândio José.
O que sabemos é que a família Siqueira e Queirós insere os Oliveira Pantoja em uma
rede familiar tradicionalmente envolvida com o cultivo da cana de açúcar. Estas
questões podem confirmar que análises mais acuradas sobre as alianças matrimoniais
dessa elite, além da remontagem das genealogias, podem revelar caminhos que levem a
compreender a trajetória da formação e consolidação de fortunas no Pará colonial.