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FAPEMA – FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA E AO DESENVOLVIMENTO
CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DO MARANHÃO
ESTÁGIO PÓS-DOUTORAL:
PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS
NA AMAZÔNIA BRASILEIRA – O MARANHÃO E O ACRE
RELATÓRIO FINAL
ESTAGIÁRIO: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA)
SUPERVISORA: Profa. Dra. Neide Esterci
Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia (PPGAS) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
São Luís
março de 2011
2
ÍNDICE
LISTA DE SIGLAS
3
1. AVALIAÇÃO DA SUPERVISORA
4
2. AVALIAÇÃO DO ESTAGIÁRIO
7
3. TRABALHOS REALIZADOS
12
4. TRABALHOS EM PREPARAÇÃO
14
ANEXOS
18
ANEXO I
19
ANEXO II
22
ANEXO III
27
ANEXO IV
45
ANEXO V
67
ANEXO VI
89
ANEXO VII
103
ANEXO VIII
124
ANEXO IX
130
ANEXO X
135
ANEXO XI
151
ANEXO XII
173
ANEXO XIII 192
3
LISTA DE SIGLAS
ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais
ANPPAS – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e
Sociedade
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique (France)
DAC – Departamentos de Antropologia Cultural (IFCS/UFRJ)
DESOC – Departamento de Sociologia e Antropologia (UFMA)
DS – Departamento de Sociologia (IFCS/UFRJ)
FAPEMA – Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico do Maranhão
GEDMMA – Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente
GPTEC – Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo
IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
NEPP-DH – Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos
PPGCS – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do
Pará
PPGCSoc – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal
do Maranhão
PPGSA – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
PROCAD-NF – Programa de Cooperação Acadêmica – Novas Fronteiras
SBS – Sociedade Brasileira de Sociologia
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFMA – Universidade Federal do Maranhão
UFMT – Universidade Federal do Mato Grosso
UFPA – Universidade Federal do Pará
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
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ESTÁGIO PÓS-DOUTORAL:
PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS
NA AMAZÔNIA BRASILEIRA – O MARANHÃO E O ACRE
RELATÓRIO FINAL
1. AVALIAÇÃO DA SUPERVISORA
O Estágio Pós-Doutoral do professor doutor Horácio Antunes de Sant`Ana
Júnior, que está sendo concluído neste mês de fevereiro de 2011, representa a
continuidade e consolidação de uma parceria acadêmica que foi iniciada no curso de
doutorado realizado sob minha orientação e concluído no ano de 2002.
Desde então, eu e o professor Horácio temos participado em várias atividades
acadêmicas como foi, por exemplo, o Boletim Rede Amazônia, que eu organizava e
para o qual ele contribuiu como autor; o professor Horácio participou também dos
encontros e seminários realizados pela Rede Amazônia do qual participavam vários
pesquisadores da Amazônia, brasileiros e de outros países. Os investimentos em
discussão e a rede criada nessas atividades se desdobraram na organização de Grupos de
Trabalho (GT) e Mesas Redondas (MR) em vários Congressos e Encontros de
Associações Nacionais (ANPOCS, SBS, ABA e ANPPAS) e nessas iniciativas, que têm
sempre reunido vários membros da Rede Amazônia, agora, desativada, o professor
Horácio tem tido um papel importante. Também fizemos um trabalho de coorientação,
embora de caráter informal, na dissertação de Arinaldo de Souza Martins – aluno do
professor Horácio, na UFMA, Arinaldo fez seu trabalho de campo na RDS Mamirauá -
AM, onde eu já trabalhava. Seu trabalho resultou na publicação do livro de sua autoria,
sob o título “Arribando aos Mururus: os pescadores de Tefé, o conflito e a busca pelo
desenvolvimento sustentável em Mamirauá”. Participamos, também, do Programa de
Colaboração Acadêmica (PROCAD), financiado pela CAPES, que, de 2006 a 2010,
envolveu o PPGCSoc/UFMA e o PPGSA/UFRJ. No âmbito desse Programa,
organizamos, conjuntamente, o dossiê “Amazônia e paradigmas de desenvolvimento”,
que foi publicado pela Revista Pós Ciências Sociais, em 2009. Toda essa trajetória de
trabalho conjunto deve ter motivado o professor Horácio a solicitar ao seu
Departamento licença para fazer seu Pós-doutorado e, solicitar o apoio da FAPEMA,
para o empreendimento.
5
Durante o ano de estágio pós-doutoral, houve intenso trabalho de colaboração do
professor Horácio comigo e outros professores dos Departamentos de Antropologia
Cultural (DAC) e do Departamento de Sociologia (DS) do IFCS. No âmbito do Grupo
de Pesquisa Relações de Trabalho, Poder e Ecologia, por mim coordenado, ministramos
juntos a disciplina Sociedades Camponesas no Curso de Graduação que inclui os
departamentos de Antropologia Cultural e de Sociologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da UFRJ; ministrou também comigo e com o professor José Ricardo
Ramalho, do Departamento de Sociologia, a disciplina Desenvolvimento Trabalho e
Ambiente, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ.
Nessa disciplina da Pós-Graduação, tivemos a oportunidade de reunir para palestra e
discussão com os alunos dois outros pesquisadores da Amazônia, antigos parceiros da
Rede anteriormente referida: o professor Ricardo Rezende Figueira, da Faculdade de
Serviço Social da UFRJ e o professor Philippe Léna, do CNRS. Nenhuma dessas
colaborações é esporádica e pontual, pois estão em curso várias formas de colaboração,
conforme se pode constatar no relatório apresentado pelo professor Horácio. De fato, foi
além das expectativas a atuação do professor Horácio junto ao Grupo de Pesquisa
Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC), coordenado pelo Prof. Dr. Ricardo
Rezende Figueira e vinculado ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos
Humanos (NEPP-DH), também da UFRJ, junto ao qual está organizando um livro.
Também tem sido bem sucedida nossa colaboração no âmbito do Projeto PROCAD-NF
que, desde março de 2010, envolve PPGCS/UFPA, PPGSA/UFRJ e PPGCSoc/UFMA,
cujas equipes são coordenadas respectivamente, por Maria José da Silva Aquino
(coordenadora geral), por mim e pelo professor Horácio.
Seguindo a programação do projeto de pesquisa que orientou o estágio pós-
doutoral, foram realizados três períodos de trabalho de campo, um no Acre e dois no
Maranhão.
Além dos resultados já referidos devo ainda destacar a publicação de dois artigos
em periódico científico, de três trabalhos completos em anais de eventos e dois artigos
em jornais; a organização de um grupo de trabalho e de um seminário temático em
eventos científicos; a realização de uma palestra em programa de pós-graduação e a
participação em uma mesa redonda em evento científico.
Além dos produtos já finalizados, estão em preparação: dois artigos a serem
publicados em periódicos científicos; seis capítulos de livros; quatro trabalhos
completos a serem apresentados em eventos científicos; uma resenha de livro em
6
periódico científico; participação na organização de dois livros; organização de dois
grupos de trabalho e de uma mesa redonda em eventos científicos.
O conjunto de atividades realizadas e da produção obtida ou em elaboração
permite avaliar que o Estágio Pós-Doutoral foi realizado com sucesso, colaborando
efetivamente para a consolidação do PPGCSoc/UFMA e da relação de cooperação que
este mantém com o PPGSA/UFRJ.
Profa. Dra. Neide Esterci (UFRJ)
Supervisora
7
2. AVALIAÇÃO DO ESTAGIÁRIO
O Estágio Pós-Doutoral realizado junto ao PPGSA/UFRJ, sob orientação da
Profa. Dra. Neide Esterci, entre março de 2010 a fevereiro de 2011, foi uma
oportunidade de novas experiências profissionais e de contatos importantes para minha
carreira acadêmica.
Durante o Estágio pude participar de reuniões e atividades do Grupo de Pesquisa
Relações de Trabalho, Poder e Ecologia, através do qual a professora Neide Esterci se
insere no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), e do
Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC), coordenado pelo Prof.
Dr. Ricardo Rezende Figueira e vinculado ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
em Direitos Humanos (NEPP-DH), ambos da UFRJ. Além desses grupos, já em
funcionamento, tive a oportunidade de participar das discussões visando à criação do
Núcleo de Estudos Trabalho, Desenvolvimento e Ambiente (NDTA), cuja instalação
oficial se fará no final de março próximo. O Núcleo será coordenado pelos Profs. Drs.
José Ricardo Ramalho e Neide Esterci, e integrado por outros membros da equipe como
o Prof. Dr. André Botelho e o Dr. Rodrigo Salles Pereira dos Santos. Participei ainda
das atividades do Projeto PROCAD-NF, na qualidade de coordenador da equipe do
PPGCSoc/UFMA, sendo as equipes do PPGCS/UFPA e do PPGSA/UFRJ
coordenadas, respectivamente, pelas Profas. Dras. Maria José da Silva Aquino
(coordenadora geral) e Neide Esterci.
Uma das boas experiências de trabalho acadêmico que o Estágio Pós-Doutoral
me propiciou foi a oportunidade de ministrar duas disciplinas eletivas: “Sociedades
Camponesas”, com a Professora Neide Esterci (carga horária de 60h, semestre 2010.1),
no Curso de Graduação em Ciências Sociais IFCS/UFRJ; e “Desenvolvimento,
Trabalho e Ambiente”, em conjunto com os Professores José Ricardo Ramalho e Neide
Esterci (carga horária de 60h, semestre 2010.2) no Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia (PPGSA/UFRJ). Nessas disciplinas, foi possível atualizar e
discutir o referencial bibliográfico utilizado na pesquisa prevista no Projeto e em outras
pesquisas em andamento. Foi importante também a oportunidade de partilhar a docência
com dois professores mais experientes e tendo como alunos formados por equipes de
professores de outras instituições brasileiras (não somente da UFRJ, mas também da
UFF e UFPB, por exemplo), o que ofereceu parâmetros para avaliarmos o trabalho que
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desenvolvido com nossos próprios alunos, enriquecendo, sobremaneira, nossa própria
atividade docente.
O Pós-doc foi também produtivo em termos de publicações. Publiquei, neste
período, os artigos “Taim: Conflitos Sócio-Ambientais e Estratégias de Defesa do
Território”, na Revista Pós Ciências Sociais, em coautoria com Sislene Costa da Silva, e
“Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais no Maranhão”, em coautoria
com Carla Regina Assunção Pereira e Elio de Jesus Pantoja Alves, publicado pela
Revista Teoria & Sociedade (UFMG); produzi três trabalhos completos, publicados em
anais de eventos científicos (“Conflitos sociambientais no Maranhão: os povoados de
Camboa dos Frades – São Luís-MA – e SalvaTerra – Rosário-MA”, Anais do V
Encontro Nacional da ANPPAS, em coautoria com Elio de Jesus Pantoja Alves; e “O
mesmo e o outro: jovens camponeses e a negação da cultura camponesa”, Anais do VIII
Congresso Latinoamericano de Sociologia Rural, em coautoria com Bartolomeu
Rodrigues Mendonça; e “Refinaria de Petróleo e Grupos Sociais locais: lógicas
confrontantes no Brasil e Angola, Anais do VIII Congreso Latinoamericano de
Sociologia Rural, em coautoria com Maria José da Silva Aquino) e, produzi também
dois artigos publicados na imprensa: “A criação da Resex de Tauá-Mirim e sua
importância para São Luís”, no Jornal Pequeno de 22/08/2010, em coautoria com Elena
Steinhorst Damasceno; e “Camboa dos Frades, Vila Madureira e Termelétrica do Porto
do Itaqui: grandes projetos de desenvolvimento e comunidades locais”, no Jornal Vias
de Fato de 01/03/2010, em coautoria com Ana Lourdes S. RIBEIRO. Essas publicações
constituíram-se em momentos de elaboração, a partir de informações obtidas na
pesquisa de campo e bibliográfica, de contribuições para maior compreensão do objeto
de estudo, de sua articulação com objetos semelhantes trabalhados pelos outros autores,
e de divulgação dos resultados obtidos.
A organização e participação do Grupo de Trabalho "Sociedade e Ambiente:
territórios, relações com natureza e conflitos socioambientais”, no II Encontro da
Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte, em Belém-PA, em conjunto com
Maria José da Silva Aquino, da UFPA, e Antônio Carlos Witkoski, da UFAM; e do
Seminário Temático "Ideologia do desenvolvimento, sujeitos sociais e conflitos
socioambientais", no 34º Encontro Anual da ANPOCS, em Caxambu-MG, em conjunto
com Flávia Maria GALIZONI, da UFMG, possibilitaram a ampliação de contados com
pesquisadores do país e do exterior e da reflexão em torno dos temas trabalhados.
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Ainda como atividades realizadas no correr do Estágio Pós-Doutoral, cabe
destacar a palestra “Grandes projetos de desenvolvimento e vulnerabilização para o
trabalho escravo”, proferida no Programa de Pós-Graduação em História da UFMT, em
Cuiabá; e a participação na Mesa Redonda "Territórios emergentes de desenvolvimento
sustentável na Amazônia Brasileira”, em conjunto com José Ricardo Ramalho (UFRJ) e
Neide Esterci (UFRJ), Marcelo Domingos Sampaio Carneiro (UFMA) e Maria José da
Silva Aquino (UFPA), no II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região
Norte, em Belém.
Além dos resultados já finalizados, uma série de outros trabalhos está em fase de
elaboração, conclusão ou foram encaminhados para publicação ou execução.
Em coautoria com Maria José da Silva Aquino, estão em elaboração dois artigos.
Encontra-se em fase de finalização o artigo “Amazônia brasileira e desenvolvimento:
identidades, redes e estratégias de marketing de atores não governamentais” (título
provisório), a ser enviado para, no Cadernos de Recursos Humanos (CRH). Em março
de 2011, o artigo “Refinarias de petróleo no Brasil e em Angola” (título provisório),
também em fase de finalização deve ser enviado ao Boletim do Museu Goeldi.
Encontra-se, também, em fase adiantada de elaboração, em coautoria com a Profa. Dra.
Neide Esterci, uma resenha do livro “Combatendo a Desigualdade Social; o MST e a
Reforma Agrária no Brasil”, a ser enviada para publicação em periódico científico.
Dois livros estão sendo organizados. O livro “Atores e Projetos ambientalistas
na Amazônia Brasileira”, em conjunto com a Profa. Dra. Neide Esterci. Em conjunto
com Ricardo Rezende Figueira e Adonia Antunes Prado, o livro “Trabalho Escravo
Contemporâneo: um debate transdisciplinar” foi encaminhado para a Editora Mauad e
deve ser publicado ainda em 2011.
Seis capítulos de livro foram elaborados ou estão em fase de conclusão.
O capítulo “Refinaria Premium: Presença da Petrobrás no Maranhão” foi
produzido em coautoria com Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Ana Lourdes da Silva
Ribeiro e Bruno Henrique Costa Rabelo e encaminhado para publicação no livro
“Petróleo no Brasil: impactos territoriais e desafios para transição a uma sociedade
menos dependente de combustíveis fósseis”, organizado por Oswaldo Sevá e Julianna
Malerba, devendo ser publicado pela FASE ainda em 2011. “Acre e modelo de
desenvolvimento” é o título do capítulo que será publicado, pela Editora da
UFMT, no livro “Olhares sobre a escravidão contemporânea: novas contribuições
críticas”, organizado por Ricardo Rezende Figueira e Adonia Antunes Prado, encontra-
10
se no prelo. Em coautoria com Karla Suzy Andrade Pitombeira, o capítulo “Projetos de
desenvolvimento, deslocamentos compulsórios e vulnerabilização de populações locais”
foi encaminhado para publicação no livro “Trabalho Escravo Contemporâneo: um
debate transdisciplinar”, organizado por Ricardo Rezende Figueira, Adonia Antunes
Prado e Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, que sairá pela Editora Mauad, em 2011.
Estão em fase de elaboração os seguintes capítulos: “Desenvolvimento e
Reservas Extrativistas no Acre e no Maranhão”, que comporá o livro “Atores e Projetos
ambientalistas na Amazônia Brasileira”, organizado por Neide Esterci e Horácio
Antunes de Sant‟Ana Júnior; “Injustiça Ambiental, Mineração e Siderurgia”, em
coautoria com Bruno Milanez, Gabriela Scotto, Dário Bossi e Karina Kato, que
comporá o “Livro do Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil”, a ser publicado
pela FIOCRUZ; “Políticas Públicas, Sociedade e Ambiente”, em coautoria com Elena
Steinhorst Damasceno, que será publicado no livro “Transformações Contemporâneas
do Capitalismo Periférico – A Particularidade do Maranhão e o Serviço Social”,
organizado por Josefa Batista Lopes, Nonata Santana e Marina Maciel Abreu.
O Grupo de Trabalho “Conflitos Socioambientais” foi organizado, em conjunto
com Cleyton Henrique GERHARDT (UFRGS), e aceito para ser realizado no XV
Congresso Brasileiro de Sociologia, a ser realizado no campus da UFPR, Curitiba, PR,
26 e 29 de julho de 2011. Em conjunto com Eder Carneiro (UFSJ), encontra-se em fase
de organização o Grupo de Trabalho “Conflitos ambientais e desenvolvimento” (título
provisório) a ser encaminhado para avaliação da Comissão Científica do 35ª Encontro
Anual da ANPOCS, a ser realizado em Caxambu, 24 e 28 de outubro de 2011. A Mesa
Redonda “Conflitos socioambientais: atores sociais, processos de (des)territorialização,
direitos específicos”, em conjunto com Neide Esterci e Cleyton Henrique GERHARDT
(UFRGS), foi organizada e encaminhada para avaliação da Comissão Científica do XV
Congresso Brasileiro de Sociologia, a ser realizado no campus da UFPR, Curitiba, PR,
26 e 29 de julho de 2011
Para publicação em anais de eventos científicos, um trabalho foi encaminhado e
dois estão em fase de preparação. O trabalho “A geografia política dos conflitos
ambientais no Maranhão: território, desenvolvimento e poder no relatório de
sustentabilidade da Vale 2009”, em coautoria com José Arnaldo dos Santos Ribeiro
Júnior, foi encaminhado para avaliação da Comissão Científica do II Simpósio Nacional
de Geografia Política, Território e Poder e I Simpósio Internacional de Geografia
Política e Territórios Transfronteiriços, a ser realizado em Foz do Iguaçu - PR, de 01 a
11
04 de maio de 2011. Estão em preparação os trabalhos “Conflitos sociais e a luta por
reconhecimento: o caso dos povos e comunidades tradicionais”, em coautoria com Ana
Caroline Pires Miranda, “As naturezas das produções e consumos de serviços e recursos
ecológicos de grupos ditos tradicionais”, em coautoria com Bartolomeu Rodrigues
Mendonça, a serem encaminhados para o XXVIII Congresso Internacional da
Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS), que será realizado em Recife-PE,
de 06 a 10 de setembro de 2011; “Análise do processo de criação de política pública: a
Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, São Luís-MA”, em coautoria com Elena Steinhorst
Damasceno, a ser encaminhado para o XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências
Sociais, que será realizado em Salvador-BA, de 07 a 10 de agosto de 2011.
O conjunto de atividades realizadas e em andamento demonstra que o Estágio
Pós-Doutoral constituiu-se em período importante para minha carreira acadêmica. Os
objetivos previstos no projeto foram cumpridos e outras atividades ainda puderam ser
incorporadas. A convivência com professores e alunos do IFCS/UFRJ, tanto na
graduação quanto na pós-graduação, foi bastante proveitosa e marcada por
receptividade bastante positiva e calorosa. Ter um ano dedicado à pesquisa propiciou
um incremento na minha produção científica que se revelará mais claramente nos
próximos anos, na medida em que os resultados forem sendo publicados em periódicos,
livros e anais de eventos científicos.
Pelos motivos acima elencados, manifesto meu agradecimento ao
PPGCSoc/UFMA e ao DESOC/UFMA, pelas indicação e licença necessárias para a
realização do citado Estágio; ao PPGSA/UFRJ, pela boa acolhida ao Projeto; em
especial, registro a disponibilidade e competência das funcionárias do PPGCSoc,
DESOC e PPGSA no atendimento às demandas deste Projeto; à FAPEMA, por ter
propiciado as condições financeiras; ao Prof. Dr. José Ricardo Ramalho, pela
convivência na disciplina Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente e pelas agradáveis e
proveitosas conversas; e, especialmente, à minha Supervisora, Profa. Dra. Neide Esterci,
pela amável convivência nas disciplinas, no Grupo de Pesquisa e no cotidiano da
realização das tarefas, mostrando-se sempre disponível para partilhar a vida acadêmica.
Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior (UFMA)
Estagiário
12
3. TRABALHOS REALIZADOS
Trabalho de Campo
1. São Luís-MA – de 15 de junho a 14 de julho de 2010
2. Rio Branco-AC – de 29 de julho a 14 de agosto de 2010
3. São Luís-MA – de 04 a 09 de novembro de 2010
Disciplinas Ministradas
1. Na graduação (Curso de Graduação em Ciências Sociais da UFRJ)
Nome da disciplina: Sociedades Camponesas (em conjunto com a Profa. Neide
Esterci)
Carga horária: 60h
Semestre: 2010.1
2. Na Pós-Graduação (PPGSA/UFRJ)
Nome da disciplina: Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente (em conjunto com
os Professores José Ricardo Ramalho e Neide Esterci)
Carga horária: 60h
Semestre: 2010.2
Artigo em Periódico Científico
1. SANT'ANA JÚNIOR, Horácio Antunes e SILVA, Sislene Costa da. Taim:
Conflitos Sócio-Ambientais e Estratégias de Defesa do Território. Revista Pós
Ciências Sociais. EDUFMA, v.7 nº 13. 2010. p. 159-172.
2. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., PEREIRA, Carla Regina Assunção, ALVES, Elio
de Jesus Pantoja. Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais no
Maranhão. Teoria & Sociedade (UFMG), nº 18.1, janeiro-junho, 2010. p. 94-
113.
Trabalhos em Anais de Evento
1. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., ALVES, Elio de Jesus Pantoja. Conflitos
sociambientais no Maranhão: os povoados de Camboa dos Frades (São Luís -
MA) e SalvaTerra (Rosário - MA). V Encontro Nacional da ANPPAS.
Florianópolis-SC, 2010. p. 1-19.
(http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT2-419-350-
20100903205558.pdf).
2. MENDONÇA, Bartolomeu Rodrigues, SANT'ANA JÚNIOR, H. A. O mesmo e
13
o outro: jovens camponeses e a negação da cultura camponesa. VIII Congreso
Latinoamericano de Sociologia Rural - América Latina: realineamientos
políticos y proyectos en disputa. Porto de Galinhas-PE, 2010. p. 1-14.
(www.alasru.org/cdalasru2010/1%20trabalhos%20completos/GT-13/26-
8/GT13%20Bartolomeu%20Rodrigues%20Mendonça.pdf).
3. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., AQUINO, Maria José da Silva. Refinaria de
Petróleo e Grupos Sociais locais; lógicas confrontantes no Brasil e Angola. VIII
Congreso Latinoamericano de Sociologia Rural - América Latina:
realineamientos políticos y proyectos en disputa. Porto de Galinhas-PE, 2010. p.
1-20. (http://www.alasru.org/cdalasru2010/1%20trabalhos%20completos/GT-
7/1SET/GT7%20Horácio%20Antunes%20de%20SantAna%20Júnior.pdf).
Artigos em Jornais
1. SANT'ANA JÚNIOR, H. A. e DAMASCENO, Elena Steinhorst. A criação da
Resex de Tauá-Mirim e sua importância para São Luís. Jornal Pequeno. São
Luís, 22/08/2010. p. 6 (http://www.jornalpequeno.com.br/2010/8/22/a-criacao-
da-resex-de-taua-mirim-e-sua-importancia-para-sao-luis-128997.htm).
2. RIBEIRO, Ana Lourdes S. e SANT'ANA JÚNIOR, H. A. Camboa dos Frades,
Vila Madureira e Termelétrica do Porto do Itaqui; grandes projetos de
desenvolvimento e comunidades locais. Vias de Fato. São Luís, 01/03/2010. p.
12. (http://www.viasdefato.jor.br).
Organização de Grupo de Trabalho em Evento Científico
1. AQUINO, Maria José da Silva, WITKOSKI, A. C., SANT'ANA JÚNIOR, H. A.
Grupo de Trabalho "Sociedade e Ambiente: territórios, relações com natureza e
conflitos socioambientais” no II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia
da Região Norte. Belém-PA, 2010.
(http://www.sbsnorte2010.ufpa.br/site/index.php)
Organização de Seminário Temático em Evento Científico
1. GALIZONI, F. M., SANT'ANA JÚNIOR, H. A. Seminário Temático "Ideologia
do desenvolvimento, sujeitos sociais e conflitos socioambientais", no 34º
Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu-MG, 2010.
(http://www.encontroanpocs.org.br/2010/?page=4&menu=Programação).
Palestra
1. SANT'ANA JÚNIOR, H. A. Título: Grandes projetos de desenvolvimento e
vulnerabilização para o trabalho escravo. Palestra no Programa de Pós-
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Graduação em História da UFMT. Cuiabá, 2010.
Mesa Redonda
1. RAMALHO, J. R. G. P., ESTERCI, Neide, CARNEIRO, Marcelo Domingos
Sampaio, AQUINO, Maria José da Silva, SANT'ANA JÚNIOR, H. A. Mesa
Redonda "Territórios emergentes de desenvolvimento sustentável na Amazônia
Brasileira”. II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte.
Belém, 2010.
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4. TRABALHOS EM PREPARAÇÃO
Artigos em Periódicos Científicos
1. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., AQUINO, Maria José S. Ambientalismo na
Amazônia brasileira e desenvolvimento: identidades, redes e estratégias de
marketing de atores não governamentais (título provisório). Cadernos de
Recursos Humanos (CRH). 2012. Situação: artigo em preparação, para ser
enviado à revista no primeiro semestre de 2011.
2. SANT'ANA JÚNIOR, H. A., AQUINO, Maria José S. Refinarias de petróleo no
Brasil e em Angola (título provisório). Boletim do Museu Goeldi. 2012.
Situação: artigo em preparação, para ser enviado à revista em março de 2011.
Organização de Livros
1. FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes; SANT‟ANA
JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.). Trabalho Escravo Contemporâneo: um
debate transdisciplinar. Rio de Janeiro: Mauad, 2011. Situação: no prelo.
2. ESTERCI, Neide; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.). Atores e
Projetos ambientalistas na Amazônia Brasileira, 2011. Situação: em processo de
finalização de versão final e negociação com editoras.
Resenha em Periódico Científico
1. ESTERCI, Neide; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de. Resenha do livro:
Combatendo a Desigualdade Social; o MST e a Reforma Agrária no Brasil.
Situação: em elaboração.
Capítulos de Livros
1. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; MENDONÇA, Bartolomeu
Rodrigues; RIBEIRO, Ana Lourdes da Silva; RABELO, Bruno Henrique Costa.
Refinaria Premium: Presença da Petrobrás no Maranhão. In: SEVÁ, Oswaldo;
MALERBA, Julianna (Org.). Petróleo no Brasil: impactos territoriais e desafios
para transição a uma sociedade menos dependente de combustíveis fósseis. Rio
de Janeiro: FASE, 2011. Situação: no prelo.
2. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de. Acre e modelo de
desenvolvimento. FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes
(Org.). Olhares sobre a escravidão contemporânea: novas contribuições críticas.
Cuiabá: Editora da UFMT, 2011. Situação: no prelo.
3. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; PITOMBEIRA, Karla Suzy
Andrade. Projetos de desenvolvimento, deslocamentos compulsórios e
vulnerabilização de populações locais. In: FIGUEIRA, Ricardo Rezende;
PRADO, Adonia Antunes; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.).
Trabalho Escravo Contemporâneo: um debate transdisciplinar. Rio de Janeiro:
Mauad, 2011. Situação: no prelo.
4. MILANEZ, Bruno; SCOTTO, Gabriela; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio
Antunes de; BOSSI, Dário; KATO, Karina. Injustiça Ambiental, Mineração e
Siderurgia. In: PACHECO, Tania; FIRPO, Marcelo; LEROY, Jean Pierre (Org.).
16
Livro do Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 2011. Situação: em preparação.
5. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; DAMASCENO, Elena Steinhorst.
Políticas Públicas, Sociedade e Ambiente. In: LOPES, Josefa Batista;
SANTANA, Nonata; ABREU, Marina Maciel (Org.). Transformações
Contemporâneas do Capitalismo Periférico – A Particularidade do Maranhão e o
Serviço Social. São Luís: 2011. Situação: em preparação.
6. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de. Desenvolvimento e Reservas
Extrativistas no Acre e no Maranhão. In; ESTERCI, Neide; SANT‟ANA
JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.). Atores e Projetos ambientalistas na
Amazônia Brasileira, 2011. Situação: em preparação.
Organização de Grupos de Trabalho em Eventos Científicos
1. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; GERHARDT, Cleyton Henrique.
Organização do GT “Conflitos socioambientais”, no XV Congresso Brasileiro
de Sociologia, a ser realizado no campus da UFPR, Curitiba, PR, 26 e 29 de
julho de 2011. Situação: GT aceito e organizado.
2. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; CARNEIRO, Eder. Organização do
GT “Conflitos ambientais e desenvolvimento” (título provisório), no 35ª
Encontro Anual da ANPOCS, a ser realizado em Caxambu, 24 e 28 de outubro
de 2011. Situação: proposta em elaboração.
Organização de Mesa Redonda em Eventos Científicos
1. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; ESTERCI, Neide; GERHARDT,
Cleyton Henrique. Organização da Mesa Redonda “Conflitos socioambientais:
atores sociais, processos de (des)territorialização, direitos específicos”, no XV
Congresso Brasileiro de Sociologia, a ser realizado no campus da UFPR,
Curitiba, PR, 26 e 29 de julho de 2011. Situação: Em avaliação pela Comissão
Científica do Evento.
Trabalhos Eventos Científicos
1. RIBEIRO JUNIOR, José Arnaldo dos Santos; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio
Antunes de. A geografia política dos conflitos ambientais no Maranhão:
território, desenvolvimento e poder no relatório de sustentabilidade da Vale
2009. II Simpósio Nacional de Geografia Política, Território e Poder e I
Simpósio Internacional de Geografia Política e Territórios Transfronteiriços. Foz
do Iguaçu, PR, 01 a 04 de maio de 2011. Situação: em avaliação pela Comissão
Científica do Evento.
2. SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; MIRANDA, Ana Caroline Pires.
Conflitos sociais e a luta por reconhecimento: o caso dos povos e comunidades
tradicionais. XXVIII Congresso Internacional da Associação Latino-Americana
de Sociologia (ALAS). Recife, PE, 06 a 10 de setembro de 2011. Situação: em
preparação.
3. MENDONÇA, Bartolomeu Rodrigues; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes
de. As naturezas das produções e consumos de serviços e recursos ecológicos de
grupos ditos tradicionais. XXVIII Congresso Internacional da Associação
17
Latino-Americana de Sociologia (ALAS). Recife, PE, 06 a 10 de setembro de
2011. Situação: em preparação.
4. DAMASCENO, Elena Steinhorst; SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de.
Análise do processo de criação de política pública: a Reserva Extrativista de
Tauá-Mirim, São Luís – MA. XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências
Sociais. Salvador, BA, 07 a 10 de agosto de 2011. Situação: em preparação.
18
ANEXOS
19
ANEXO I
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Departamento de Antropologia Cultural
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Disciplina: SOCIEDADES CAMPONESAS
Professores: Neide Esterci e Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior
Estágio Docente: Karine Narahara
Monitora: Mariana Porto
1º Semestre de 2010; Segunda-feira, 10h20min às 13h40min
PROGRAMA
O curso tem como objetivo pensar os conceitos que têm orientado a produção
antropológica sobre as sociedades camponesas. A partir de textos clássicos e
contemporâneos visa à discussão da especificidade da organização da unidade
camponesa, sua inserção nas diversas formações sociais e sua persistência em contextos
atuais. Serão examinadas situações que se configuram no Brasil em geral, com
referência especial a situações que ocorrem na Amazônia brasileira.
Unidade 1: O que é campesinato?
WOLF, Eric. O campesinato e seus problemas. In: _______ . Sociedades camponesas.
Rio de Janeiro: Zahar, 1970. p. 9-34.
FOSTER, George. What is a peasant? In: ____; POTTER, J.; DIAZ, M. Peasant
society. Boston: Little, Brown and Company, 1967. p. 2-14.
PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. O sitiante brasileiro e o problema do
campesinato. In: _______ . O campesinato Brasileiro. Vozes, R.J., 1976, cap. 1: p. 7-
32.
Unidade 2: Formação social e econômica: a especificidade da organização
camponesa.
HEREDIA, Beatriz e GARCIA Jr., Afrânio. Trabalho familiar e campesinato. América
Latina, 14 (1-2), 1971. p.10-19.
CHAYANOV, Alexander V. Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas.
In: SILVA, José Graziano da; STOLCKE, Verena (orgs.). A Questão Agrária -
Weber, Engels, Lenin, Kautsky, Chayanov, Stalin. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.
133-163.
ESTERCI, Neide. Roças comunitárias; projetos de transformação e formas de luta. In:
_____ (org.) Cooperativismo e coletivização no campo: questões sobre a prática da
Igreja popular no Brasil. Cadernos do ISER. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984. p. 34-
63.
Unidade 3: Família, trabalho e divisão social do trabalho.
CÂNDIDO, Antonio. A vida familiar do caipira. In: _______ . Parceiros do Rio
Bonito. São Paulo: Duas Cidades, 1971. p. 229-253.
20
GARCIA JUNIOR, Afrânio. Trabalho familiar: autonomia e subordinação. In: _______
. Terra de Trabalho, Trabalho Familiar e Pequenos Produtores. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1983. Cap. 1. p. 58-100.
Unidade 4: Relações com terra: diferentes formas de domínio.
ESTERCI, Neide. Campesinato e Igreja na Fronteira – o sentido da lei e a força da
aliança. In: FERNANDES, Bernardo M.; MEDEIROS, Leonilde S. de & PAULILO, Mª
Ignez (orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: condições dilemas e conquistas –
o Campesinato como sujeito político (1950 a 1980), v.1. São Paulo: UNESP, 2009. p.
223-244.
BENATTI, José Heder. Aspectos jurídicos e fundiários da utilização social, econômica
e ambiental da várzea. Boletim Rede Amazônia, ano 3, n. 1, IRD, PPGSA/UFRJ,
NAEA/UFPA – Rio de janeiro/Belém, 2004. p.107-118.
Unidade 5: Etnicidade: as novas faces do campesinato.
BARTH, Fredrik. Etnicidade e o conceito de cultura. Antropolítica. Niterói, n. 19, p.
15-30, 2005.
O´DWYER. Os quilombos e as fronteiras da Antropologia. Antropolítica. Niterói, n.
19, p. 91-111, 2005.
Unidade 6. Campesinato, grandes projetos e agronegócio
DELGADO, Guilherme Costa. A questão agrária e o Agronegócio no Brasil. In:
CARTER, Miguel (org.). Combatendo a Desigualdade Social – o MST e a Reforma
Agrária no Brasil. São Paulo: UNESP e NEAD/MDA, 2010. p. 81 a 112.
SANT'ANA JÚNIOR, Horácio Antunes. O centro de lançamento de Alcântara e a
segurança alimentar de populações agro-extrativistas: o povoado de Trajano. In:
PAULA ANDRADE, Maristela & SOUZA FILHO, B. (orgs.). Fome de farinha:
deslocamento compulsório e insegurança alimentar em Alcântara. São Luís:
EDUFMA, 2006. p. 145-178.
SANT'ANA JÚNIOR, Horácio Antunes; SILVA, Sislene Costa da. Grandes projetos de
desenvolvimento, conflito socioambiental, reserva extrativista e o povoado do Taim.
Revista de Ciências Sociais. v. 40, nº 1, 2009. p. 31-42.
Unidade 7: Campesinato, participação política e identidade.
PALMEIRA, Moacir. Desmobilização e conflito: relações entre patrões na agroindústria
pernambucana. FERNANDES, Bernardo M.; MEDEIROS, Leonilde S. de &
PAULILO, Mª Ignez (orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: condições dilemas
e conquistas – o Campesinato como sujeito político (1950 a 1980), v.1. São Paulo:
UNESP, 2009. p. 171-200.
SIGAUD, Lygia. A luta de classes em dois atos: notas sobre um ciclo de greves.
FERNANDES, Bernardo M.; MEDEIROS, Leonilde S. de & PAULILO, Mª Ignez
(orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: condições dilemas e conquistas – o
Campesinato como sujeito político (1950 a 1980), v.1. São Paulo: UNESP, 2009. p.
287-306.
Unidade 8: Movimentos sociais no campo
CARTER, Miguel. Origem e consolidação do MST no Rio Grande do Sul. In: ______.
(org.). Combatendo a Desigualdade Social – o MST e a Reforma Agrária no Brasil.
São Paulo: UNESP e NEAD/MDA, 2010. p. 199-136.
21
MEDEIROS, Leonilde S. de. Movimentos sociais no campo, lutas por direitos e
reforma agrária na segunda metade do século XX. In: CARTER, Miguel (org.).
Combatendo a Desigualdade Social – o MST e a Reforma Agrária no Brasil. São
Paulo: UNESP e NEAD/MDA, 2010. p. 113-137.
SIGAUD, Lygia. Debaixo da Lona Preta: Legitimidade e dinâmica das ocupações de
terra na Mata Pernambucana. In: CARTER, Miguel (org.). Combatendo a
Desigualdade Social – o MST e a Reforma Agrária no Brasil. São Paulo: UNESP e
NEAD/MDA, 2010. p. 237-256.
Unidade 9: Narrativas, festas e rituais.
GALVÃO, Eduardo. Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá. Baixo
Amazonas. São Paulo: Nacional, INL, 1976. p. 1-87.
PRADO, Regina de P. Santos. Todo Ano Tem. As Festas na estrutura social
camponesa. São Luís: EDUFMA/GERUR, 2006. p. 25-58.
Unidades 10 e 11: Campesinato Amazônico e políticas de conservação - I
ALMEIDA, Mauro B.; WOLFF, Cristina S.; COSTA, Eliza L.; FRANCO, Mariana C.
Pantoja. Habitantes: Os seringueiros. In: CUNHA, Manoela C.; ALMEIDA, Mauro B.
(orgs.) Enciclopédia da Floresta. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 105-146.
ALMEIDA, Mauro W. Barbosa de. Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e
suas lutas. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, nº55, 2004. p. 33-53.
DIAS, Carla de Jesus; ALMEIDA, Mauro W. Barbosa. A floresta como mercado: caça
e conflito na reserva extrativista do alto Juruá (AC). Boletim Rede Amazônia, ano 3,
n.1, IRD, PPGSA/UFRJ, NAEAUFPA – Rio de janeiro/Belém, 2004. p. 9-27.
PANTOJA, Mariana Ciavatta; COSTA, Eliza Lozano; POSTIGO, Augusto. A presença
do gado em reservas extrativistas: algumas reflexões. Revista Pós Ciências Sociais,
v.6, n.12 jul/dez, São Luis/MA, 2009. p. 115-130.
Unidade 12: Campesinato Amazônico e políticas de conservação - II
LIMA, Deborah. Equidade, Desenvolvimento Sustentável e Preservação da
Biodiversidade: algumas questões sobre a parceria ecológica na Amazônia. In:
CASTRO, Edna & PINTON, Florence. Faces do Trópico Úmido - conceitos e
questões sobre desenvolvimento e meio ambiente. Belém: Cejup, 1997.
LIMA, Deborah de Magalhães. Ribeirinhos, pescadores e a construção da
sustentabilidade nas várzeas dos rios Amazonas e Solimões. Boletim Rede Amazônia,
ano 3, n.1, IRD, PPGSA/UFRJ, NAEAUFPA – Rio de Janeiro/Belém, 2004. p.57-65.
LIMA, Deborah. A economia doméstica em Mamirauá. In: ADAMS, Cristina;
MURRIETA, Rui & NEVES, Walter. Sociedades caboclas amazônicas: modernidade
e invisibilidade. São Paulo: Editora Senac. p. 145 – 172.
ESTERCI, Neide. Conflitos ambientais e processos classificatórios na Amazônia
brasileira. In: Boletim Rede Amazônia: diversidade sociocultural e políticas
ambientais, ano 1, n. 1, 2002. p.51-62.
As sessões 13, 14 e 15 estão reservadas à atividades de complementação de leituras
e avaliação.
22
ANEXO 2
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Disciplina: Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente
Professores: Neide Esterci, Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior, José Ricardo
Ramalho
Semestre: 2010-2
Quintas-feiras, 9h às 12h
EMENTA
A proposta do curso é discutir questões relativas ao desenvolvimento, ao
território e às dinâmicas de territorialização, considerando questões relativas ao trabalho
e aos trabalhadores e ao meio ambiente, a partir de textos escolhidos para subsidiar
pesquisas em andamento, nas regiões norte e sudeste do país, focalizando situações nas
quais projetos de desenvolvimento e processos de territorialização estão em curso,
sendo objeto de disputa e negociação entre atores sociais locais, empresas e agências do
Estado.
Serão observadas as dinâmicas de reconfiguração territorial desencadeadas por
processos econômicos e sociopolíticos e consideradas as ações públicas tanto externas
quanto de âmbito local, visando à criação de novos espaços de produção industrial, mas
também territórios de proteção ambiental (desenvolvimento sustentável), a demarcação
de territórios étnicos, assim como projetos de assentamento de pequenos produtores, em
atendimento a reivindicações de movimentos sociais.
Será também considerado que os novos territórios são espaços de construção
de um poder político e, neste sentido, a emergência desses novos territórios é
acompanhada da criação de novas instituições que entram em concorrência ou conflito
com as instituições tradicionais de poder local. Desse estado de concorrência decorre a
importância dos debates sobre a legitimidade destas novas instituições e critérios de
territorialização.
Na região norte, a construção das grandes obras de infra-estrutura como as
rodovias (Transamazônica, Perimetral Norte e Cuiabá-Santarém) e as hidrelétricas de
Tucuruí e Balbina, com o apoio financeiro de organismos internacionais, deixaram
conseqüências ainda não sanadas, ao provocarem o deslocamento de trabalhadores para
a região. Esta concepção de desenvolvimento tornou-se ainda mais dramática ao obrigar
os antigos habitantes a deixarem suas terras. Nas décadas seguintes, esse processo
alcançou também as cidades da região, em função das ações do Estado e das empresas
nesses territórios transformados por novas atividades econômicas e novas formas de
poder político. A relevância do tema se confirma e se complexifica na atualidade, com a
expansão da geografia do setor produtivo devida à exploração do minério de Carajás em
virtude da qual se deu inclusive a construção da estrada de ferro que percorre
municípios importantes e interfere na vida dos moradores dos estados do Pará e do
Maranhão. O setor siderúrgico ativo coloca permanentemente problemas, não apenas
sociais, mas também relativos ao meio ambiente, tendo em vista que sua matriz
energética está baseada no carvão vegetal. Do lado social, as formas de trabalho
acionadas pelo tipo de exploração praticada expõem o desacerto de uma proposta de
desenvolvimento econômico que não leva em conta nem a legislação trabalhista do país,
23
nem as convenções internacionais relativas aos direitos humanos, criando situações de
trabalho degradantes.
No caso do sudeste industrializado, o debate sobre desenvolvimento e território passa
pela introdução de novas estratégias produtivas, pela flexibilização das relações de
trabalho e pela participação dos atores sociais em instâncias de decisão política que de
certa forma, recria a necessidade de publicizar decisões e aprofundar os mecanismos de
funcionamento da democracia.
PROGRAMA
1ª sessão (26/08/2010)
Apresentação do curso
2ª sessão (02/09/2010)
Tema: Desenvolvimento
De Sardan, Jean-Pierre Olivier (1997). Anthropologie et développment. Paris:
Apad-Kartala. Introdução (pp. 5-23), Cap. 10 (pp. 173-185) e Conclusão (pp.
189-202).
De Sardan, Jean-Pierre Olivier (2001). Les trois approches en anthropologie du
développement. Tiers-Monde. V. 42, Numéro 168. pp 729 – 754.
3ª sessão (09/09/2010)
Tema: Desenvolvimento
Escobar, Arturo (2005) O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização
ou pós-desenvolvimento? In A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências
sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur
Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. setembro 2005.
pp.133-168.
Baré, Jean-François (1997). L‟anthropologie et les politiques de développement.
Terrain, n. 28 [En Ligne]. http://terrain.revues.org./document3180.html
Esteva, Gustavo. Desenvolvimento. In: Sachs, Wolfgang (editor). Dicionário do
desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Trad. Vera Lúcia M
JOSCELYNE, Susana de GYALOKAY e Jaime A. CLASEN. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2000. pp. 59-83.
4ª sessão (23/09/2010)
Tema: Desenvolvimento sustentável
Sachs, Ignacy (2002). Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de
Janeiro: Garamond. Disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=Evor4GwUmg4C&printsec=frontcover&d
q=Ignacy+sachs&source=bl&ots=S3HR__KiO2&sig=M_EMRuOnJPK8j2sovy
6kmTa8Gpk&hl=pt-
BR&ei=6410TPegIcOB8gaez9GRBw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnu
m=4&ved=0CCYQ6AEwAzgK#v=onepage&q&f=false)
Sant‟Ana Júnior, Horácio Antunes de; Muniz, Lenir Moraes (2009).
Desenvolvimento Sustentável: uma discussão crítica sobre a proposta de busca
24
da sustentabilidade global. In: SANT‟ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de;
PEREIRA, Madian de Jesus Frazão; ALVES, Elio de Jesus Pantoja; PEREIRA,
Carla Regina A. (Org.). Ecos dos conflitos socioambientais: a Resex de Tauá.
São Luís: Edufma.
Lená, Philippe (2006). Desenvolvimento sustentável: entre a economia e a ética.
Belém, MPEG. Pp 1-45.
Leff, Enrique (2001). La insoportable levedad de la globalización de la
naturaleza y las estrategias fatales de la sustentabilidad. In Revista Venezolana
de Economía y Ciencias Sociales, vol. 7, nº 1 (ene.-abr.), p. 149-160.
5ª sessão (30/09/2010)
Tema: Relações Estado e populações locais
Geertz, Clifford. Negara – o estado teatro no século XIX – trechos selecionados.
6ª sessão (07/10/2010)
Tema: Territórios em questão
Haesbaert, Rogério (2006), “Concepções de território para entender a
desterritorialização”, in Milton Santos e Berta Becker (Orgs), Território,
territórios – ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A.
(Pp 43-70).
Pecqueur, Bernard (2005). O Desenvolvimento Territorial: uma nova abordagem
dos processos de desenvolvimento para as economias do Sul. Raízes, Vol 24, Ns
1 e 2, jan-dez 2005. Pp 10-22.
http://www.ufcg.edu.br/~raizes/volumes.php?Rg=14
7ª sessão (14/10/2010)
Tema: Território e conflito social
Gluckman, Max (1987). Análise de uma situação social na Zululândia moderna.
In Antropologia das Sociedades Contemporâneas – Bela Feldman-Bianco. São
Paulo, Global. Pp 227-344.
Little. Paul E. (2002). Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: Por
uma antropologia da territorialidade. Disponível em:
http://www.unb.br/ics/dan/serie_antro.htm.
__________(2001). Os conflitos socioambientais: um campo de estudo e de
ação política. In: BURSZTYN, M. (org.). A difícil sustentabilidade: política
energética e conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Garamond.
8ª sessão (21/10/2010)
Tema: A noção de região e a Amazônia
Bourdieu, Pierre (1998). O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz (português
de Portugal). 2ª ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. Capítulo 5 (A identidade e a
representação – elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região).
Sant‟Ana Júnior, Horácio Antunes (2004). Florestania: a saga acreana e os
Povos da Floresta. Rio Branco-AC, EDUFAC. Cap. 1 – Amazônia e
Modernidade. Pp. 55-129.
25
Hébette, Jean (2004). Impacto Social dos Grandes Projetos na Amazônia. In:
HÉBETTE, Jean. Cruzando Fronteiras: 30 anos de estudo do campesinato na
Amazônia. Belém: EDUFPA, V. 3. Os Grandes Projetos. A Questão Ambiental:
problemas e propostas. Pp. 149-154.
9ª sessão (04/11/2010)
Tema: Unidades de Conservação: Um novo critério de territorialização
Benatti, José Heder & Fischer, Luly Rodrigues da Cunha (2008). As áreas
protegidas no Brasil: uma estratégia de conservação dos recursos naturais. In
Direitos humanos em concreto / Coord. Paulo Sérgio Weyl A. Costa. Curitiba,
Juruá, 2008, pp. 225-256.
Almeida, Mauro W. Barbosa de. (2004). Direitos à floresta e ambientalismo:
seringueiros e suas lutas. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, nº55,
2004. p. 33-53.
10ª sessão (11/11/2010)
Tema: Mineração e siderurgia na Amazônia
Rodrigo Santos
Monteiro, Maurílio (1997). A siderurgia e a produção de carvão vegetal no
corredor da Estrada de Ferro Carajás. COELHO, M. C. N. e COTA, R. G.
(Orgs.). 10 anos da Estrada de Ferro Carajás. Belém: UFPA/NAEA. Pp 183-
222.
Carneiro, Marcelo D. S (1989). Estado e empreendimentos guseiros no
Programa Grande Carajás. In: CASTRO E. e MARIN, R. A. (Orgs.). Amazônias
em tempo de transição. Belém: UFPA/NAEA/ARNI/CELA, pp. 151-192.
_______________(1995). Relações de trabalho, propriedade da terra e poluição
urbana nas atividades de carvoejamento para a produção de ferro-gusa em
Açailândia. In: GONÇALVES, F (Org.). Carajás: desenvolvimento ou
destruição? São Luís: CPT/Estação Gráfica, pp 107-134.
11ª sessão (18/11/2010)
Tema: Terra de trabalho e campesinato na Amazônia
Carter, Miguel (2010). Combatendo a desigualdade social – MST e a Reforma
Agrária no Brasil. São Paulo, Unesp-Nead-MDA-University of Oxford.
(Introdução – pp 27-79 e Capítulo 8 “De posseiro a sem terra” – pp 257-285).
Esterci, Neide (2009). Campesinato e Igreja na Fronteira – o sentido da lei e a
força da aliança. In: FERNANDES, Bernardo M.; MEDEIROS, Leonilde S. de
& PAULILO, Mª Ignez (orgs.). Lutas camponesas contemporâneas: condições
dilemas e conquistas – o Campesinato como sujeito político (1950 a 1980), v.1.
São Paulo: UNESP. Pp. 223-244.
12ª sessão (25/11/2010)
Tema: Trabalho sob coerção e grandes empreendimentos na Amazônia
Resende, Ricardo (2004). Pisando fora da própria sombra – a escravidão por
dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
26
Esterci, Neide (2009). Escravos da Desigualdade. Rio de Janeiro, Centro
Edelstein. http://www.bvce.org/LivrosBrasileirosDetalhes.asp?IdRegistro=52
13ª sessão (02/12/2010)
Tema: Terra, trabalho e a noção de tradição na Amazônia
Almeida, A.W.B. de. (2004). “Terras Tradicionalmente Ocupadas”, in Revista
Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, volume 6, número 1. Maio de 2004.
___________.(2006). Terras de quilombo, terras indígenas, “babaçuais livres”,
“castanhais do povo”, faxinais e fundos de pasto: terras tradicionalmente
ocupadas. Manaus: PPGSCA-UFAM, 2006.
___________.(2004). Amazônia: a dimensão política dos “conhecimentos
tradicionais”. In: ACSELRAD, Henri. Conflitos ambientais no Brasil. Rio de
Janeiro: Relume Dumará/ Fundação Heinrich Böll, 2004.
Almeida, Mauro Willian Barbosa de & Cunha, Manuela Carneiro da. (2001).
Populações tradicionais e conservação ambiental. In: CAPOBIANCO, João
Paulo Ribeiro, et.al. (org.) Biodiversidade na Amazônia Brasileira: avaliação e
ações prioritárias para conservação, uso sustentável e repartição de benefícios.
São Paulo: Estação Liberdade: Instituto Socioambiental, 2001, p.92-107.
Castro, Edna (2000). Território, Biodiversidade, e Saberes de Populações
Tradicionais. In: DIEGUES, Antonio Carlos. Etnocoservação: novos rumos
para a proteção da natureza nos trópicos. São Paulo: HUCITEC, 2000. pp.165-
182.
14ª sessão e 15ª sessão (09/12/2010) – horário estendido
Apresentação dos trabalhos e avaliação do curso
27
ANEXO III
Artigo publicado em:
Revista Pós Ciências Sociais/Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais. v. 7 nº 13. São Luís: EDUFMA, 2010. p. 159-172.
ISSN 1983-4527 (Continuação de Caderno Pós Ciências Sociais – ISSN: 1807-3492)
Taim: Conflitos Sócio-Ambientais e Estratégias de Defesa do Território
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior
1
Sislene Costa da Silva2
Resumo: Trata-se, neste artigo, de uma situação de conflito sócio-ambiental, entre
povoados localizados na Zona Rural do município de São Luís-MA e grandes
empreendimentos industriais, decorrente de formas diferenciadas de percepção, controle
e utilização do território. O conflito teve início a partir do final da década de 1970, com
a instalação de grandes projetos de desenvolvimento, o que implicou no deslocamento
compulsório de vários povoados e em alterações nos ecossistemas e modos de vida dos
que ali permaneceram. No início de 2001, anunciou-se a instalação na área de um
grande pólo siderúrgico, o qual implicaria em novos deslocamentos e mais intensas
alterações sócio-ambientais. Abordam-se, aqui, principalmente, as motivações e
estratégias do povoado Taim para resistir ao empreendimento do pólo, pois suas
lideranças assumiram destaque na luta de resistência por suas ações e discursos
contrários ao referido empreendimento.
Palavras-chave: Povoado do Taim. Grandes Projetos de Desenvolvimento. Defesa
territorial. Conflito Sócio-Ambiental.
1 Doutor em Ciências Humanas (Sociologia) pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia e
Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ); Professor do Departamento de
Sociologia e Antropologia (DESOC), do Quadro de Professores Permanentes do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e do Quadro de Professores Colaboradores do Programa de
Pós-Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas (PPGSE) da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA). 2 Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do Maranhão (PPGCSoc/UFMA).
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Abstract: This article deals with a situation of socio-environmental conflict between
people in the rural zone of the municipality of São Luís-MA and large industrial
companies, stemming from different forms of perception, control and use of the
territory. The conflict began at the end of the 1970‟s with the installation of large
development projects which implied compulsory relocation of people in several villages
and alterations in ecosystems and ways of life that had previously existed. At the
beginning of 2001 the installation of a large steel refinery was announced, implying
new forced relocations in the area as well as intense socio-environmental disruption.
Here we deal principally with the motivations and strategies of the people of Taim in
resisting this refinery, their leaders have assumed leadership roles in the resistance fight
and in the discourse against the Project referred to.
Key words: Taim Village. Large Development Projects. Territorial Defense. Socio-
Environmental Conflict.
1. O pólo siderúrgico e seus desdobramentos
Em 2001, começou a ser divulgado pela imprensa de São Luís que o Governo do
Estado do Maranhão tinha a pretensão de construir, nas proximidades do Complexo
Portuário de São Luís, um Pólo Siderúrgico que seria empreendido por gigantes da
fabricação de aço tais como Baosteel Shanghai Group Corporation (chinês), Arcelor
(francês), Pohang Steel Company-Posco (sul-coreano) e ThyssenKrupp (alemão), as
quais estariam capitaneadas pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)3, como era
conhecida na época (ZAGALLO, 2005). Nesse mesmo ano, o Governo do Estado do
Maranhão deu sinais de apoio ao projeto através da assinatura de um primeiro protocolo
de intenções com a Companhia Vale do Rio Doce (AUGUSTO e SILVESTRE, 2006).
O projeto do pólo previa a instalação de três usinas siderúrgicas e duas unidades de
fabricação de ferro-gusa para exportação aos mercados norte-americanos e europeus. A
área pretendida para a implantação do pólo está localizada ao Sudoeste da Ilha do
Maranhão e iria desde o Porto do Itaqui (na Baía de São Marcos) até o povoado de Rio
dos Cachorros, contando com 2.471,71 hectares. Nesta área, doze povoados seriam
deslocados: “Vila Maranhão, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Taim, Porto Grande,
3 Desde 2007, a CVRD assumiu o nome de fantasia Vale.
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Limoeiro, Anandiba, São Benedito, Vila Conceição, Parnuaçu, Madureira e Camboa
dos Frades, que juntos somam uma população de mais de 14.400 habitantes”
(AUGUSTO e SILVESTRE, 2006. Grifo nosso).
O presente artigo tem como pano de fundo uma situação de conflito sócio-
ambiental, ora latente, ora manifesto, entre povoados locais e grandes empreendimentos
industriais. Esse conflito decorre de formas diferenciadas de percepção e utilização de
uma área formada por um mosaico de territórios4 que mantêm, entre si, as mais diversas
relações. O conflito teve início, a partir do final da década de 1970, com a instalação de
grandes projetos de desenvolvimento, o que implicou no deslocamento compulsório5 de
vários povoados e em alterações nos ecossistemas dos que ali permaneceram. Estes
empreendimentos foram instalados como desdobramento do Programa Grande Carajás,
implantado pelos governos ditatoriais brasileiros (1964 a 1985) com o objetivo de
explorar e exportar os recursos minerais (ferro, bauxita, manganês, caulim, ouro etc) da
Amazônia Oriental e promover a inserção da região na dinâmica capitalista
contemporânea (CARNEIRO, 1989, 1995 e 1997; MONTEIRO, 1995 e 1997). A
instalação do pólo siderúrgico, anunciada desde o início do ano de 2001, implicaria em
novos deslocamentos compulsórios e mais alterações sócio-ambientais. A perspectiva
de deslocamento, associada com as promessas de indenizações, empregos e
desenvolvimento (termo utilizado sempre de forma vaga, mas associado diretamente à
expansão do modo de vida urbano-industrial e à promessa de melhoria da qualidade de
vida), dividiu os povoados acima citados e seus moradores entre aqueles que eram a
favor do empreendimento e aqueles que eram contra.
O povoado Taim, através de suas lideranças, foi um dos que mais se destacou
por suas ações e discursos contrários ao referido empreendimento. Interessa-nos abordar
as motivações e estratégias acionadas pelas lideranças do povoado Taim, e
compartilhadas por boa parte de seus moradores, para resistir ao referido
empreendimento.
4 Segundo Little (2002, p. 03), território é o resultado das condutas de territorialidade de um grupo social,
isto é, “o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma
parcela específica de seu espaço bio-físico ... qualquer território é um produto histórico de processos
sociais e políticos”. 5 Operamos, aqui, com a definição de deslocamento compulsório de Almeida (1996, p. 30): “o conjunto
de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a
deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante
constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal
decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.
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O projeto de instalação do pólo siderúrgico encontrou um empecilho legal, pois
a área pretendida para a implantação do pólo estava situada, de acordo com a Lei de
Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís, em vigor desde 1992,
na Zona Rural II. Esta Lei, em consonância com a legislação brasileira sobre
ordenamento territorial dos municípios, prevê que empreendimentos industriais somente
podem ser instalados em áreas classificadas legalmente como zona industrial
(SANT‟ANA JÚNIOR; ALVES; MENDONÇA; 2005).
Visando eliminar o empecilho ao empreendimento e ignorando as demandas
legais e constitucionais – as quais exigem que alterações no uso do território e
intervenções nas propriedades existentes sejam precedidas pela apresentação de um
Projeto de Lei do Plano Diretor do Município, o que não foi feito – a Prefeitura
Municipal de São Luís encaminhou à Câmara Municipal projeto para alterar a Lei de
Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís, convertendo os
2.471,71 hectares almejados para instalação do pólo em zona industrial (AUGUSTO e
SILVESTRE, 2006).
Entre os argumentos elencados em mensagem encaminhada, em dezembro de
2004, à Câmara dos Vereadores pelo, então, Prefeito Tadeu Palácio para justificar o
projeto de reformulação da Lei, destacou-se assertiva que mencionava tentativa de
corrigir erro ocorrido na Lei de Zoneamento, nº 3.253, de 29 de dezembro de 1992, ao
classificar como zona rural uma área que teria “vocação natural nitidamente industrial”,
apresentando, inclusive, todo um aparato favorável à industrialização como um
complexo portuário, malha ferroviária e localização privilegiada. Quanto aos povoados
existentes, a mensagem encaminhada à Câmara Municipal argumentava que seriam
“comunidades que, levadas por pressões sociais as mais diversas, instalaram-se na área
ao longo dos últimos quarenta anos”.
Através dos argumentos apresentados, buscou-se justificar, no plano do discurso,
a apropriação territorial apelando para uma suposta vocação “natural” da área para a
industrialização. Nessa perspectiva, o ambiente é focalizado apenas a partir do seu
potencial material e energético – recursos, localização, logística – de proporcionar
ganhos para a indústria. As formas sociais e práticas culturais de apropriação e
significação territorial são desconsideradas, invisibilizadas ou, até mesmo,
desqualificadas. Nessa luta pela legitimação de uma forma que justifique a apropriação
ambiental ao mesmo tempo em que amenize os conflitos daí decorrentes, entra em jogo
o que Acserald (2004, p. 28) chama de “tendência à especialização funcional de
31
determinadas porções do território nacional, com sua inserção seletiva nos mecanismos
do mercado mundializado”. Tal modelo estaria fundamentado em duas concepções de
“natureza”: uma “natureza natural”, logo, para ser conservada, contando com o apoio
instrumental das práticas, técnicas e valores das populações tradicionais ou com o
imaginário criado acerca dessa natureza; e uma “natureza ordinária” a ser apropriada
economicamente (ACSERALD, 2004).
Quando o Estado, por meio de instância municipal, tenta se apropriar de
determinada porção territorial através da construção de uma imagem que apela para uma
suposta funcionalização industrial, corrobora a segunda concepção de “natureza” e
evidencia a intenção de implantação do pólo siderúrgico ou de outro empreendimento,
desde que industrial, na área. Na imprensa local, as vantagens da área para a
industrialização eram ressaltadas e reforçadas por representantes do Governo do Estado,
do Município e por empresários locais que davam destaque, sobretudo, aos ganhos
econômicos que a alteração proporcionaria àqueles que instalassem empreendimentos
na referida localidade, além de aludirem ao pólo siderúrgico e demonstrarem
desconhecimento e até desprezo pelo modo de vida daqueles que ali residem:
É no mínimo idiotice que essa área não seja utilizada como zona industrial. Essa é uma área de
retroportos o que é estratégico em qualquer lugar do mundo (Ronaldo Braga, à época, Secretário
da Indústria, Comércio e Turismo do Estado do Maranhão).
Não podemos perder um projeto de onze bilhões de dólares por causa de meia dúzia de casas de
taipa (Edinho Lobão, concessionário local da rede de TV SBT e, atualmente, Senador da
República pelo Maranhão) (DIREITOS HUMANOS, 2009).
Além da funcionalização da área para a industrialização, as justificativas ainda
tentaram desqualificar a forma de ocupação e homogeneizar os povoados presentes ao
tratá-los como ocupações dos últimos quarenta anos. Dessa forma, ignora-se que há
povoados que ocupam a área há mais de cem anos e que apresentam modos específicos
e diferenciados de se apropriar do território e de se relacionar culturalmente com o
mesmo. Também ignora-se que a área é formada por um mosaico de povoados que se
interligam e se relacionam afetivamente (via relações de parentesco, compadrio,
amizade), economicamente (através de um complexo sistema de trocas de produtos e
serviços), religiosa e culturalmente (através de seus santos festejados, crenças religiosas,
manifestações culturais diversas) e ecologicamente (na medida em que os recursos
ambientais específicos de um dado território podem complementar as necessidades de
outro).
32
Os defensores da não alteração da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e
Ocupação do Solo, representados por diversas entidades civis, confessionais,
organizações não governamentais e movimentos sociais, sobretudo através do
Movimento Reage São Luís6, tentaram desconstruir os argumentos estatais que
enfatizavam a vocação “industrial” da área evocando uma série de contra argumentos
que se referiam tanto aos impactos sociais provocados pela alteração da Lei e,
consequente implantação do pólo, quanto aos impactos ambientais. Os argumentos
referentes aos impactos ambientais, de certa forma, estavam subentendidos pela
concepção de “natureza natural”, pois enfatizavam a ameaça que o Projeto representava
para uma área rica em recursos ambientais, como manguezais e mais de 120 nascentes
de rios, protegidos por lei, através de Código Florestal (Lei 4.771/65). Cientes de que a
existência das nascentes poderia interferir na modificação da lei, durante as audiências
públicas, a prefeitura de São Luís apresentou mapa que as omitia, fato que, de um lado,
levou os representantes do Movimento Reage São Luís a contestarem a validade das
audiências. De outro, as referências à diversidade hídrica da área deram um novo tom à
discussão porque, a partir da explicitação da importância das nascentes para toda a Ilha,
a discussão adquiriu uma dimensão maior, uma vez que, a alteração da área não
colocava mais em risco apenas os povoados que seriam deslocados, mas a qualidade de
vida de toda a Ilha, que perderia em reserva de recursos hídricos, podendo sofrer
futuramente ainda mais com problemas decorrentes da falta d‟água7.
Em função da pressão popular contra a mudança da Lei, a mesma sofreu
alteração. Foram excluídas do projeto inicial as áreas de preservação permanente,
constituídas das nascentes e cursos d‟água, e reduziu-se a área a ser convertida em zona
industrial para 1.068 hectares. Esta redução suspendeu, pelo menos momentaneamente,
as ações para a instalação do pólo siderúrgico, pois a área convertida é insuficiente para
execução do que havia sido planejado, no entanto, não inviabilizou a instalação de
futuros empreendimentos industriais.
A situação decorrente da possibilidade de implantação do pólo siderúrgico, que
teve como desdobramento a modificação da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e
Ocupação do Solo de São Luís – mesmo que essa reformulação não ocorresse dentro
dos limites pretendidos pelos interessados no empreendimento (Governo Municipal,
6 Rede que reúne entidades de organização da sociedade civil maranhense que surgiu envolvida nas
discussões acerca da implantação do pólo siderúrgico em São Luís, no ano de 2004. 7 Atualmente, o abastecimento de água potável é insuficiente para satisfazer as necessidades da população
de São Luís e vários bairros da cidade recebem água de forma bastante irregular.
33
Estadual, Federal e empreendedores) – deu visibilidade à situação de incerteza em que
vivem os moradores dos povoados e a desconsideração com que são tratados. Sob o
discurso de erro de classificação de uma área definida como de “vocação industrial”,
mais de 14.400 pessoas não são levadas em conta na tentativa de adequação da referida
área às exigências do projeto do pólo siderúrgico.
Situação de invisibilidade social e desrespeito aos moradores locais, decorrente
da industrialização não é recente. Vem ocorrendo, em maior ou menor grau, de forma
explícita (como no caso citado) ou mais dissimulada (impactos ambientais e sociais
decorrentes da poluição de rios, igarapés, ar e solo causados pelas indústrias; falta de
políticas públicas adequadas que garantam serviços de saneamento básico, saúde,
transporte, etc) no Sudoeste8 da Ilha desde final da década de 1970, quando começaram
a ser instalados estradas, ferrovias, portos e as indústrias Companhia Vale do Rio Doce
e Alumar. Com o advento da industrialização e de sua infra-estrutura de apoio, diversos
povoados foram deslocados compulsoriamente ou tiveram suas formas de reprodução
social impactadas. Os problemas ocasionados pela industrialização dão-se mediante a
disputa por recursos territorializados cuja apropriação material e simbólica ocorre por
atores diferenciados com formas igualmente diferenciadas de percepção desses
territórios. Enquanto os Governos Municipal, Estadual e Federal e os grandes
investidores vêem os territórios como uma oportunidade de bons negócios, por
apresentar uma logística formada pelo Complexo Portuário do Itaqui9, estradas e
ferrovia e por sua localização privilegiada, mais próxima dos centros de comércio norte-
americanos e europeus; as populações locais os vêem como o lugar em que “nasceram,
cresceram, se criaram”, em que construíram uma história, em que mantêm relações de
vizinhança, compadrio, amizade, e que lhes é provedor dos meios de sobrevivência
obtidos com o trabalho na terra, no mar e nos rios, cuja mão-de-obra é mobilizada
através de uma imbricada rede de solidariedade.
Apesar do projeto do pólo não ter se concretizado com a alteração da Lei de
Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís, os moradores dos
8 O processo de industrialização dessa área começou no final da década de 1970 com a construção de
infra-estrutura para atender às indústrias Alumar (responsável por transformar a bauxita extraída do
estado do Pará em alumina e alumínio) e a Companhia Vale do Rio Doce, atualmente denominada de
VALE (encarregada da estocagem e/ou transformação e exportação do minério de ferro extraído de
Carajás). A instalação dessas indústrias em São Luís faz parte do Programa Grande Carajás (PGC) que
objetivou transformar as áreas em torno da Estrada de Ferro Carajás (EFC), da Serra dos Carajás até São
Luís num grande complexo agroindustrial (MENDONÇA, 2006). 9 Formado pelos portos da Ponta da Madeira – pertencente à Vale; porto da Alumar e pelo porto do Itaqui,
administrado pela Empresa Maranhense de Administração Portuária, do Governo do Maranhão.
34
povoados ameaçados não saíram ilesos de todo o processo que antecedeu a tentativa de
instalação do empreendimento. Antes mesmo da aprovação do projeto do pólo, os
gestores do empreendimento iniciaram a demarcação dos povoados e o cadastro das
famílias que seriam deslocadas, o que causou mais insegurança nos moradores.
As demarcações e os cadastros das famílias foram feitos pela empresa paulista
Diagonal Urbana Consultoria LTDA (contratada pelo Governo do Estado e pela Vale),
que tentou impor aos moradores restrições quanto ao uso de suas residências, como
proibição de reforma e ampliação de casas, além de marcar com números pichados com
tinta preta as residências das famílias que supostamente seriam removidas (AUGUSTO
e SILVESTRE, 2006). Somente os povoados Rio dos Cachorros e Taim resistiram e
impediram a (de)marcação.
As ações de (de)marcação territorial e o debate público gerado nas audiências
para a alteração da Lei de Zoneamento e suscitado pela mídia, que divulgava quase que
rotineiramente notícias favoráveis à implantação do pólo, impactaram os povoados
gerando expectativas e temores quanto à permanência no território, além de abalarem o
relacionamento entre moradores de um mesmo povoado ou de povoados vizinhos, na
medida em que provocaram a divisão entre os moradores ou povoados que eram a favor
ou contra o projeto.
2. Motivações
O povoado Taim foi um dos que se destacou nesse conflito sócio-ambiental10
através das ações e discursos de seus representantes contrários ao empreendimento.
Houve uma articulação entre essas lideranças e movimentos sociais contrários à
implantação do pólo em São Luís, principalmente com o movimento Reage São Luís,
que atuou nos povoados difundindo informações sobre como os moradores seriam
atingidos pelo pólo siderúrgico. As informações difundidas pelos representantes dos
movimentos sociais contribuíram para a percepção de que corriam o risco de serem
deslocados de seu lugar de habitação e trabalho, assim como, no caso de permanência
no território, terem como vizinhas usinas altamente poluidoras que acabariam por
expulsá-los, uma vez que a vida se tornaria impossível com mais poluição.
10
Conjunto complexo de embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de inter-
relacionamento ecológico (LITTLE, 2006).
35
Os povoados cotados para serem deslocados em decorrência do pólo siderúrgico
constantemente são atingidos pelas externalidades decorrentes das indústrias locais de
grande ou pequeno porte, através das emissões poluentes disseminadas pelo ar ou pela
água. No que concerne ao Taim, o destaque é dado para a Alumar, cujas instalações
portuárias, localizadas na confluência do Estreito do rio do Coqueiro com o rio dos
Cachorros, encontram-se mais próximas do povoado. Na percepção dos moradores,
práticas relacionadas à utilização e ampliação desse porto têm interferido na dinâmica
do povoado e diminuído os recursos pesqueiros. As práticas citadas referem-se a
assoreamento de igarapés por entulhos retirados no processo de dragagem (serviço que
garante a profundidade do porto e o tráfego de navios) do canal desse porto; ao
lançamento de dejetos industriais não identificados pelos moradores locais no rio dos
Cachorros (rio bastante utilizado para a pesca); ao aumento da circulação de
embarcações, as quais interferem diretamente em um dos imperativos do trabalho na
pesca, o silêncio; e também a provocação da perda de utensílios de pesca por
embarcações a serviço da empresa ou por instrumentos de sinalização dos navios, como
bóias. Também causam tensões entre moradores locais e servidores do porto, as
advertências verbais reclamando da pesca na área próxima do porto.
Além disso, no Taim, o convívio com pessoas que já haviam sido deslocadas
compulsoriamente de seus povoados de origem deu aos moradores a dimensão do que
lhes poderia acontecer. Foram entrevistados quatro moradores que haviam sido
deslocados compulsoriamente de seus lugares de nascença: dois do povoado Paquatiua
(deslocamento provocado pela instalação da Alumar na década de 1980), um do
povoado Itaperuçu (também deslocado pela Alumar) e um do povoado Limoeiro
(devido à sua suposta venda). A experiência mais mencionada pelos moradores refere-se
à senhora Flor de Liz Santana, hoje com setenta e quatro anos, que foi deslocada do
povoado Paquatiua. Sua família foi indenizada e mudou para o bairro Vila Sarney: “Foi
a Alumar que tirou a gente de lá. Tinha gente que até morreu, só de pressionada”. Seu
marido usou o dinheiro da indenização na compra de um carro e como não sabia dirigir
contratou um motorista. Com o tempo, o carro se deteriorou e o dinheiro acabou. A
família, então, mudou-se para o Taim, sendo acolhida pela família da filha que residia
ali, e precisou da ajuda dos vizinhos pra reconstruir sua vida. As recordações de D. Flor
remetem à insuficiência da indenização, assim como à inabilidade para lidar com
dinheiro em outro local, que apresentava características e suscitava necessidades
diferentes das que a família estava acostumada a enfrentar: “Cada qual pegou uma
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mixaria, não deu para enriquecer, não deu para hoje em dia ter nada de lá. Eu não tenho
vontade e não penso em sair. Nós já estamos acostumados, nós dorme tranqüilo, é uma
comunidade muito unida” (entrevista realizada em 17/06/2008), assinala D. Flor de Liz,
rememorando o deslocamento do povoado Paquatiua e relatando o porquê de querer
permanecer no povoado Taim.
A experiência de deslocamento da vizinhança ajudou no processo de resistência
ao empreendimento, pois, em geral, os deslocados acentuavam a forma truculenta com
que tiveram que deixar seus povoados de origem; a dificuldade para conseguir uma
colocação no mercado de trabalho, uma vez que, para aqueles que sempre trabalharam
na roça ou pesca, faltava a habilitação profissional exigida pelo meio urbano e a
insuficiência das indenizações para possibilitar a inserção no modo de vida citadino.
Ainda contribuiu para a resistência ao empreendimento, a experiência
acumulada ao longo dos anos vivendo próximos aos mais diversos empreendimentos
industriais, de grande ou de pequeno porte, cuja forma de apropriação dos recursos
territorializados vêm interferindo ao longo dos anos no modo de vida dos moradores,
que vêem os recursos utilizados no seu dia-a-dia escassearem. Apesar disso, não pensam
em sair, pois o território apresenta-se como o ambiente em que estão acostumados a
viver; provedor das condições de sustento; considerado tranqüilo, onde podem dormir
sem se preocupar com seus bens materiais, sem a violência que o meio urbano
apresenta: “Aqui, a gente ainda dorme de porta aberta e ainda amanhece tudinho. Ainda
segundo Sr. Inaldo (46 anos, pescador):
[...] os governantes, os interesses deles é só pra eles. Então, fica ruim pra gente que é
acostumado num sistema desse aqui, num ambiente. A situação fica precária porque realmente se
eles precisassem do terreno, rapaz, negociasse, nós vamos precisar do terreno porque vai
beneficiar a nossa geração. Tudo bem. Aí desse outro terreno igual, mas aí não, aí eles querem é
tomar e recompensa nada. Eu aqui, saio daqui, sempre gostei de fazer isso, boto o cofo na cintura
e saio por aí. Eu posso mandar botar o arroz no fogo, aí, pegar os peixes. Chego de lá com eles
vivinhos, pulando, e o arroz ainda não tá pronto (entrevista realizada em 18/06/2008).
Alguns se opuseram ao empreendimento por reconhecerem que, se fossem
deslocados e tivessem que mudar para a cidade, não teriam condições de trabalho, pois
vivem da roça e da pesca e seria inviável morar na cidade e se locomover todos os dias
para a zona rural para trabalhar:
[...] eu não sou empregado, trabalho na zona rural, eu sou lavrador, sou pescador. Então, não
adianta eu ir lá pro centro e vir trabalhar aqui. Eu me dou muito bem aqui no Taim, na zona
rural, se eu mudar daqui pro Limoeiro, pro Rio dos Cachorros, pra Porto Grande, eu vou
trabalhar no mesmo ramo. Agora, se eu mudo pra cidade, vou ficar desempregado (Sr.
Waldemir, 56 anos, entrevista realizada em 25/05/2008).
37
Outros, apesar da oposição ao empreendimento, demonstram não saber se
conseguiriam resistir durante muito tempo às investidas da empresa, temem o
deslocamento compulsório e, ainda, que sejam levados a sair com uma indenização
inferior ao valor da casa e benfeitorias construídas devido à demora na aquiescência ao
deslocamento.
Eu não sou contra nem a favor, mas também não sou contra muito não, porque se aí vier, eu acho
que, na nossa opinião, tem que aceitar nas devidas condições porque se a gente for botar o pé na
parede, vai fazer que nem o caso do moço que aconteceu ali no Itaqui11
, que eles queriam,
queriam indenizar as outras famílias só ficou esse senhor lá. Daí eles vinham, fizeram o trabalho
tudinho. Depois esse senhor tava se reclamando, dizendo que tava se dando mal, que queria se
mudar de lá. Aí ele foi pedir um preço pra eles, eles não quiseram aceitar o que ele pediu, porque
no tempo que quiseram tirar, ele não quis. Todo mundo saiu, menos ele (D. Claudia, 30 anos,
lavradora, entrevista realizada em 25/06/2008).
Assim como a experiência de deslocamentos vizinhos é utilizada por alguns para
justificar a resistência ao empreendimento, os casos de resistência frustrados também
podem ser emblemáticos para outros para explicar uma possível negociação com o
empreendedor.
Além das motivações para justificar a resistência ao pólo, a forma como se
mobilizaram para participar das audiências suscitadas pelo projeto de alteração da Lei
de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís; como se reuniram
para tentar entender de que forma seriam atingidos pelo empreendimento; como
impediram a (de)marcação de suas casas pelos técnicos contratados pelo Governo do
Estado e pela Vale são momentos enfatizados nas entrevistas, em que ressaltam o
processo decorrente da possibilidade de implantação do pólo como mais uma ocasião
em que tiveram que se unir em defesa do território:
Nós saía daqui, eu e minha filha, nós fazia era comida, levava logo daqui feita, garrafa com
água, comida, garrafa com café, tudo nós levava pra passar o dia todinho se possível. Essa daqui
era menor [aponta sua filha], ainda era gurizinha, a gente levava tudinho... Aqui no Taim não
ficava era ninguém, todo mundo ia (refere-se às Audiências Públicas e demais mobilizações),
nós já lutamos demais por causa desse pedaço de chão aqui do Taim... Mas quem sabe um dia
nós não somos favoritos (D. Maria Paula, 55 anos, lavradora, entrevista realizada em
16/06/2008).
Essa vinda dessa siderúrgica aqui, nessa época, as comunidades tudo se uniram, uma com as
outras, pra poder debater (Sr. Inaldo, entrevista realizada em 17/02/2009).
Para Leite Lopes (2004), muitas vezes nos discursos marcadamente visíveis por
referências ao “meio ambiente” ou “questão ambiental” podem encontrar-se problemas
sociais antigos, advindos, sobretudo da multiplicidade de questões a que se referem
11
Referência a povoado deslocado para a construção do Porto do Itaqui.
38
essas noções, assim, as de “risco” e “poluição” propiciam diferentes interpretações e
apropriações. No caso do povoado Taim, as motivações que subentendem os discursos
contrários ao pólo siderúrgico são entrecortadas por referências à implantação de outro
grande empreendimento industrial (Alumar) instalado nas proximidades do povoado na
década de 1980. Então, retomam a memória do deslocamento compulsório e dos
problemas advindos da instalação daquela indústria, comparam o discurso do pólo
siderúrgico em relação à promessa de empregos ao discurso proferido pela Alumar, que
na sua concretização somente absorveu a mão-de-obra local na fase de construção do
empreendimento.
3. Estratégias de controle territorial
A percepção de encontrarem-se localizados em área visivelmente cobiçada por
grandes empreendimentos industriais, cuja tentativa de implantação do pólo siderúrgico
demonstra que sua apropriação para a industrialização ainda se constitui em projeto das
instâncias municipais, estaduais e federal, levou os representantes comunitários dos
povoados locais a buscar alternativa voltada para a sua proteção, de forma a impedir que
o avanço industrial traga mais danos sociais e ambientais, mas também que resguarde o
direito dos moradores aos seus territórios e modos de vida. Foi a partir de 1996, nos
espaços de discussão criados pela Igreja Católica, na Paróquia São José do Bonfim, em
Vila Nova12
, que vários representantes comunitários começaram a discutir sobre a
possibilidade de implantação de uma Reserva Extrativista. Sendo que, posteriormente,
as discussões sobre a Reserva foram realizadas nos povoados que seriam contemplados
na proposta. Contribuíram para a discussão, através de consultorias sobre a constituição
de Unidades de Conservação, o CNPT/IBAMA (Centro Nacional de Populações
Tradicionais, então vinculado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis13
), o CNS (Conselho Nacional de Seringueiros), o GTA (Grupo de
Trabalho Amazônico), o Fórum Carajás, a COIABE (Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira), dentre outros movimentos.
12
Bairro inserido no que o Governo do Estado do Maranhão denomina de área Itaqui-Bacanga e cuja
paróquia da Igreja Católica abrange o povoado Taim. 13
Atualmente o CNPT está vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio).
39
As visitas de representantes comunitários a outras Unidades de Conservação
(Maracanã e Alter do Chão, no Pará; Cururupu e Frechal, no Maranhão) também
contribuíram para a decisão sobre a Reserva. A opção por uma Unidade de Conservação
de Uso Sustentável, na modalidade Reserva Extrativista, deu-se porque esta modalidade
de área protegida assegura a permanência das pessoas em seus territórios e lhes
possibilita dialogar acerca do uso dado ao mesmo, mas também, devido ao
entendimento mais amplo, engendrado no âmbito dos movimentos sociais, mais
especificamente baseado no GTA, de que as Unidades de Conservação apresentam-se
como uma via para diminuir a tensão sobre a terra, onde há conflito decorrente da
disputa por sua posse.
A proposta de criação de uma Reserva Extrativista na Ilha do Maranhão,
consoante Alberto Cantanhede, está inserida dentro de projeto do GTA voltado para o
Norte do país que visa o fechamento da fronteira do Acre até o Maranhão como área de
conservação. Essa proposta baseia-se na visão da entidade de que as Reservas
Extrativistas contribuem para a redução do desmatamento, assim como o plano de
manejo14
ajuda a manter a biodiversidade da floresta, uma vez que os grupos que fazem
uso dos recursos naturais devem encontrar a melhor maneira de continuar a utilizá-los
sem sobre-explorá-los.
A discussão em torno do pedido de implantação de uma Reserva Extrativista foi
sendo engendrada aos poucos, a priori, nos espaços de discussão criados pela Igreja
Católica, na medida em que esses espaços proporcionavam o diálogo entre
comunitários. Posteriormente, a discussão se expandiu para os povoados, sendo que o
povoado Taim destaca-se como protagonista nessa discussão devido, principalmente, à
participação de Alberto Cantanhede15
nos mais diversos movimentos sociais que
discutem a questão ambiental. Dando suporte a essa discussão, estavam diversos
movimentos sociais, que contribuíram para a decisão sobre o pedido de implantação de
uma Reserva Extrativista.
14
Plano que deve ser realizado nas Unidades de Conservação para regular o uso de seus recursos e
espaços. 15
Integra o Movimento Estadual dos Pescadores, chegando, por volta de 1994/1995, a ser coordenador do
Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE), no Maranhão. Ajudou a fundar a COPAMA
(Cooperativa de Pescadores Artesanais do Maranhão) e o CAPPAM (Centro de Apoio e Pesquisa ao
Pescador Artesanal do Maranhão). Em 1995, através do MONAPE, ingressou no GTA (Grupo de
Trabalho Amazônico), movimento em que atuou como delegado, conselheiro fiscal, vice-presidente e
presidente. Atualmente, é secretário do GTA. Também é membro do Conselho Deliberativo da Reserva
Extrativista de Cururupu – MA.
40
O pedido de instalação de uma Reserva Extrativista em área adjacente a grandes
empreendimentos industriais, que põem em risco a permanência dos povoados na
localidade, assim como, as suas formas de reprodução social, apresentou-se como
alternativa após tentativa de diálogo com esses mesmos empreendimentos na busca de
soluções para reparar e frear os danos sociais e ambientais sofridos. A impossibilidade
de diálogo com os empreendimentos fez com que os representantes comunitários
buscassem outro meio para resguardar seus territórios e modos de vida. Assim, em 08
de agosto de 2003, a União de Moradores do Taim encaminhou documento oficial ao
IBAMA pedindo a criação de uma Reserva Extrativista, a qual abrangeria os povoados
Taim, Limoeiro, Rio dos Cachorros, Porto Grande, parte da Vila Maranhão, Cajueiro,
Portinho, Embaubal, Jacamin, Amapá e Tauá-Mirim16
. A Reserva teria como limites: ao
Norte, o igarapé Buenos Aires e o povoado Cajueiro; ao Sul, o povoado Tauá-Mirim; a
Leste, o povoado Rio dos Cachorros; e a Oeste, a Baía de São Marcos (IBAMA, 2007).
Abrangeria uma área de, aproximadamente, 16.663,55 hectares, com perímetro de 71,21
km.
4. Considerações Finais
O processo que culminou no pedido de construção da Resex do Taim não pode
ser visto separadamente dos conflitos sociais e ambientais que vêm ocorrendo no
Sudoeste da Ilha do Maranhão desde o final da década de 1970, a partir da inserção
dessa porção do território ao Programa Grande Carajás. Associado a esse Programa,
como mencionado anteriormente, produziu-se na área em questão uma série de ações
voltadas para a viabilização industrial que resultou em processos de reordenamento
territorial com o deslocamento compulsório de diversos povoados; cercamento de
grandes áreas de mata até então utilizadas pelos grupos sociais para a extração de
recursos naturais; impactos sobre os recursos hídricos com assoreamento de igarapés e,
consequente diminuição de peixes e mariscos; aumento da pressão sobre os recursos de
um mesmo território; aumento da densidade demográfica da área, resultante da
especulação imobiliária etc.
16
Os cinco últimos povoados citados solicitaram a sua inclusão na área da Resex quando o pedido de
criação da mesma já havia sido encaminhado ao CNPT/IBAMA. Esta solicitação foi aceita após a
ampliação dos estudos necessários e as devidas consultas públicas nos povoados.
41
Como desdobramento contemporâneo daquele Programa, tentou-se implantar o
pólo siderúrgico, que foi rejeitado por vários povoados que seriam atingidos, direta ou
indiretamente, por essa instalação. A tentativa de implantação do pólo reforçou nos
moradores do Taim a insegurança em relação à permanência no território habitado e
levou à percepção, por parte das lideranças locais, da necessidade de articulação com os
demais povoados em torno de um projeto único para a área no que a proposta de
Reserva Extrativista apresentou-se como a mais adequada para aquela dada situação.
O processo de instalação da Reserva cumpriu as fases legais para a sua
elaboração: laudo biológico e sócio-econômico e a consulta pública à população para
saber se, de fato, a demanda pela Reserva representa a vontade dos moradores locais.
Encontra-se, atualmente, em uma das últimas fases previstas que é o exame do processo
pelo Ministério do Meio Ambiente, após o que, dependerá apenas da sanção do
Presidente da República Todavia, há forte pressão por parte dos setores empresariais
que atuam na área (dentre eles a Vale), para a não aquiescência do Presidente ao decreto
de criação da Resex, pois esta, além de contrariar o interesse de instalação de novos
empreendimentos, seria um instrumento legal para forçar a adequação dos
empreendimentos já instalados a procedimentos mais atinentes à conservação ambiental,
em função da zona de amortecimento que seria obrigatoriamente ali criada.
O confronto de lógicas diferenciadas de apropriação territorial verificado na Ilha
do Maranhão é mais uma das situações que se espalham pelo país em momentos de
expansão capitalista. O caso que aqui se apresenta é ilustrativo da possibilidade de
organização e resistência de grupos sociais normalmente invisibilizados pela lógica
dominante. Independentemente dos desdobramentos futuros com relação à criação da
Resex de Tauá-Mirim, há aqui uma demonstração de que grupos sociais considerados
como descartáveis, nos planejamentos estatais e privados com vistas ao chamado
desenvolvimento, reivindicam ativamente a possibilidade de intervenção nos processos
decisórios e buscam conquistar a efetivação de direitos.
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42
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44
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45
ANEXO IV
Artigo publicado em:
Teoria & Sociedade (UFMG), nº 18.1, janeiro-junho, 2010. p. 94-113.
PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO
MARANHÃO17
Resumo: O trabalho é resultante da preocupação do Grupo de Estudos:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) em examinar projetos
de desenvolvimento e modernização econômica e suas conseqüências sociais e
ambientais. Os impactos desses projetos provocam o confronto de lógicas diferenciadas
de apropriação do ambiente, dos grupos sociais atingidos e dos grupos que gerenciam os
projetos de desenvolvimento e daqueles que se aliam aos mesmos, conduzindo a
“conflitos socioambientais”, que envolvem diferentes formas de significação do modo
de vida, a partir das diferentes categorias, representações e atores sociais que neles
buscam legitimidade. Neste trabalho busca-se identificar e analisar conflitos
socioambientais no Maranhão decorrentes de projetos de desenvolvimento instalados a
partir do final da década de 1970 e, atualmente, em vias de instalação, com destaque
para um estudo de caso relacionado à instalação da Usina Termelétrica do Porto do
Itaqui, na Ilha do Maranhão, e suas conseqüências para os moradores dos povoados de
Camboa dos Frades e Vila Madureira.
Palavras-chave: Conflitos socioambientais. Projetos de desenvolvimento. Maranhão
DEVELOPMENT PROJECTS AND SOCIO-ENVIRONMENTAL CONFLICTS IN
MARANHÃO
Abstract: This work is the result of the concerns of the Study Group: Development,
Modernity and Environment (GEDMMA) which examined development and economic
modernization projects and their social and environmental consequences. The impact of
these projects provokes a confrontation of differentiated logic regarding appropriation
of the environment from social groups affected and the groups which generate the
development projects and those allied to same who conduct “socio-environmental
conflicts” which involve different forms of meaning of way of life, coming out of the
different categories, representations and actors who seek legitimacy. This paper seeks to
identify and analyze socio-environmental conflicts in Maranhão stemming from
development projects installed from the end of the 1970‟s and presently highlighting a
case study related to the installation of the Thermoelectric Plant at Itaqui Port, on
Maranhão Island, and its consequences for the habitants of the towns of Camboa dos
Frades and Vila Madureira.
17
Versão preliminar do foi artigo apresentado ao 33º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-
Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), realizado em Caxambu-MG, entre os dias 26 a 30 de outubro
de 2009.
46
Key words: Socio-environmental conflicts. Development projects. Maranhão
1 INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto da pesquisa “Projetos de Desenvolvimento e Conflitos
Socioambientais no Maranhão”18
, resultante da preocupação do Grupo de Estudos:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)19
em examinar projetos
de desenvolvimento e modernização econômica e suas consequências sociais e
ambientais.
A compreensão desses processos indica sua relação com o surgimento e
desdobramentos do modelo de desenvolvimento decorrente das investidas dos governos
ditatoriais instalados após o golpe militar de 1964, no sentido da industrialização e
consequente modernização do país e que previa, concomitante e associadamente, a
integração da Amazônia à dinâmica econômica nacional e internacional (Sant‟Ana
Júnior 2004). Dessa forma, o governo federal planejou a instalação de infraestrutura
básica (construção de grandes estradas de rodagem, ferrovias, portos, aeroportos, usinas
hidroelétricas) que permitisse a rápida ocupação da região, entendida então como um
grande vazio demográfico (D‟Incao e Silveira 1994). Entendimento que desconsiderou a
existência de inúmeros grupos sociais e povos que milenar ou secularmente ocupavam a
região e aí constituíram relações produtivas, sociais e culturais, com características
próprias. Estes povos, em maior ou menor intensidade (o que somente pode ser
verificado em cada caso empírico) reagem, enfrentam e, em algumas situações,
propõem alternativas ao modelo de desenvolvimento que os atingia ou, ainda, atinge20
.
Essas reações, em boa parte dos casos, se iniciam como um conflito de caráter social em
torno da posse de territórios (Almeida 1996) e passam, crescentemente, a ser
configurados como “conflitos ambientais” (Acselrad 2004) ou “conflitos
18
Pesquisa apoiada pelo CNPq, através do Edital MCT/CNPq 02/2009 – Ciências Humanas, Sociais e
Sociais Aplicadas, e pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), através do Edital FAPEMA 010/2009 Universal. 19
Vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC) e ao Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais (PPGCSoc) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). 20
Dois exemplos notáveis de grupos sociais que, ao reagirem a projetos de desenvolvimento,
demonstraram uma grande capacidade propositiva são os seringueiros da Amazônia ocidental (Esteves
1999; Sant‟Ana Júnior 2004) e quebradeiras de coco babaçu, nos estados do Maranhão, Pará, Tocantins e
Piauí (Almeida 2004; Cordeiro 2008).
47
socioambientais”, na medida em que seus agentes se apropriam do discurso ambiental e
buscam demonstrar a relação entre seus interesses locais e lutas mais amplas pela
conservação ecológica.
Essas situações conflitivas podem tanto se manter como conflitos pelo acesso e uso dos
recursos naturais (em especial pelo controle do território), quanto incorporar,
principalmente nos casos vinculados à industrialização ou à agricultura com uso
intensivo de produtos químicos, a dimensão de conflitos em torno do que é chamado
pela ciência econômica de externalidades21
, isto é, conflitos suscitados por situações em
que “o desenvolvimento de uma atividade comprometa a possibilidade de outras
práticas se manterem” (Acselrad 2004: 25) devido a seus efeitos. Consoante Acselrad
(2004: 26), os conflitos ambientais são
“aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e
significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a
continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por
impactos indesejáveis ... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O
conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de
bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela
atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.”.
Neste trabalho, procuramos centrar o foco nos conflitos socioambientais vinculados a
grandes projetos de desenvolvimento na porção mais oriental da Amazônia Legal
brasileira, localizada no Maranhão, com destaque para um estudo de caso relacionado à
instalação da Usina Termelétrica do Porto do Itaqui, na Ilha do Maranhão, e suas
conseqüências para os moradores dos povoados de Camboa dos Frades e Vila
Madureira.
2 PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO
Na Amazônia Oriental, o Projeto Grande Carajás (Carneiro 1997; Monteiro 1997),
“concebido para garantir a exploração e comercialização das ricas jazidas de minério
localizadas no sudeste do Pará” (Aquino e Sant‟Ana Júnior 2009: 47) e com
21
Na ciência econômica, externalidade pode ser definida como aqueles fatores que não entram no cálculo
do processo produtivo, como, por exemplo, os efluentes líquidos e gasosos de um empreendimento
industrial ou fertilizantes e herbicidas que atingem cursos d‟água em função de sua utilização na
agricultura, fazendo com que os ganhos do processo produtivo sejam mantidos privadamente pelos
empreendedores e seus custos ambientais sejam socializados (Martínez Alier 2007).
48
conseqüências em uma grande área de influência e vários ramos de atividade
econômica, constituiu-se na expressão mais visível do modelo de desenvolvimento
implementado a partir do regime ditatorial de 1964. Ao ser apresentado por seus
propositores como modelo de desenvolvimento baseado em projetos de
desenvolvimento, obscurece-se o objetivo principal desse amplo processo que é a
acumulação e expansão do capital, subordinando territórios e grupos sociais.
Fundamentando o modelo de desenvolvimento baseado em grandes projetos, está uma
leitura da Amazônia e do Maranhão como regiões de grandes potencialidades
econômicas, porém com atrasos e déficits que devem ser supridos numa atuação
conjunta de Estado e iniciativa privada. Esta atuação é percebida como um eficiente
instrumento de promoção do desenvolvimento e da modernidade (Sant‟Ana Júnior
2004).
No Maranhão, os desdobramentos deste projeto e de outras grandes iniciativas
desenvolvimentistas levaram à implantação da infraestrutura necessária para a
exploração mineral, florestal, agrícola, pecuária e industrial. Desde o final da década de
1970, foram implantados: estradas de rodagem, cortando todo o território estadual e
ligando-o ao restante do país; a Estrada de Ferro Carajás, ligando as grandes minas do
sudeste do Pará ao litoral maranhense; o Complexo Portuário de São Luís, formado
pelos Portos do Itaqui (administrado pela estatal estadual Empresa Maranhense de
Administração Portuária - EMAP), da Ponta da Madeira (pertencente à Cia Vale do Rio
Doce, hoje conhecida como Vale) e da Alumar (pertencente ao Consórcio Alumar,
subsidiária da multinacional do alumínio Alcoa Corporate).
Associadamente a essas grandes obras de infraestrutura, foram instalados neste mesmo
período: oito usinas de processamento de ferro gusa às margens da Estrada de Ferro
Carajás; uma grande indústria de alumina e alumínio (ALUMAR) e bases para
estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do Maranhão;
um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de Alcântara –
CLA), em Alcântara; projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho) no sul e
sudeste do estado; projetos de criação de búfalos, na Baixada Maranhense; ampliação da
pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão; projetos de carcinicultura, no litoral;
projetos de turismo, principalmente em São Luís e nos Lençóis Maranhenses.
Encontram-se, atualmente, em fase de planejamento ou construção grandes
empreendimentos de infraestrutura, como a duplicação da Estrada de Ferro Carajás;
ampliação do Porto do Itaqui e do Porto da Ponta da Madeira; a Hidrelétrica de Estreito,
49
com construção bastante avançada; seis termelétricas, sendo que a Termelétrica do
Porto do Itaqui encontra-se em fase de terraplanagem da área em que será instalada.
Além dessas obras de infraestrutura, merecem destaque as ações iniciais para a
instalação da Refinaria Premium da Petrobrás e da Companhia Siderúrgica do Mearim,
resultante do consórcio entre a chinesa Boalsteel e a brasileira Vale, e a duplicação, já
concluída, das estruturas industriais produtoras de alumínio e alumina da Alumar.
Os impactos desses projetos provocam o confronto de lógicas diferenciadas de
apropriação do ambiente, seja dos grupos sociais atingidos, seja dos grupos que
gerenciam os projetos de desenvolvimento ou daqueles que se aliam aos mesmos,
conduzindo esse cenário de disputas para “conflitos ambientais”, que envolvem
diferentes formas de significação do modo de vida, a partir das diferentes categorias,
representações e atores sociais que neles buscam legitimidade (Acselrad 2004). No
Maranhão, um expressivo número de conflitos socioambientais se configuram em
decorrência de projetos de desenvolvimento instalados a partir do final da década de
1970 e, atualmente, em vias de instalação, exigindo o aprofundamento da discussão
sobre as concepções vigentes de modernidade (Domingues 1999; Einsenstadt 1987;
Polanyi 2000); de desenvolvimento (Escobar 1996; Sachs 2000) e desenvolvimento
sustentável (Leff 2001; Zhouri, Laschefski e Pereira 2005), que se constituem em
fundamentos justificadores destes projetos, procurando problematizar essas concepções
tão presentes e influentes na formulação de políticas públicas, na iniciativa empresarial
e no cotidiano dos grupos sociais atingidos.
3 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: um estudo de caso
O conjunto de iniciativas decorrente dos planejamentos governamentais e/ou
envolvendo a iniciativa privada tem provocado profundos impactos socioambientais,
alterando biomas e modos de vida de populações locais (que em alguns casos
reivindicam a condição de populações tradicionais), através do reordenamento
socioeconômico e espacial de áreas destinadas à implantação dos mesmos. As
populações tradicionais (Almeida e Cunha 2001; Little 2002; Sant‟Anna 2003), por seu
turno, constituem um modo de vida peculiar (cultura, sociabilidade, trabalho) que tende
a ser adaptado às condições ecológicas, predominando economia polivalente, ou seja,
agricultura, pesca, extrativismo, artesanato, com um calendário sazonal anual, conforme
50
os recursos naturais explorados, normalmente, sob o regime familiar de organização do
trabalho (Sant‟Ana Júnior, Alves e Mendonça 2007; Bezerra 2007).
Nesse sentido, busca-se discutir as condições sociais de dois povoados do município de
São Luís-MA: Vila Madureira, recentemente deslocada para o município de Paço do
Lumiar, e Camboa dos Frades, que permanece com o seu modo de vida ameaçado22
. Os
territórios originários destes povoados localizam-se na região administrativa municipal
Itaqui Bacanga. Esta região é marcada pela proximidade com o Porto do Itaqui, com a
BR-135, com a Estação de Passageiros da Estrada de Ferro Carajás e com vários
empreendimentos industriais, entre eles, dois de grande porte: Vale do Rio Doce e
Alumar, o que a torna cada vez mais estratégica para a instalação de projetos industriais
e de infraestrutura. A situação apresentada reflete os conflitos decorrentes da disputa
pelo controle da área originalmente ocupada pelos povoados acima citados, que passou
a ser alvo de interesse por parte do projeto de instalação da Usina Termelétrica Porto do
Itaqui, que é de propriedade da empresa paulista MPX Mineração e Energia Ltda. e
integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal.
O impacto social decorrente de ameaças e/ou efetivação de deslocamento
compulsório23
de famílias, pelo histórico de ocupação industrial na área do Itaqui
Bacanga, tem sido uma tragédia anunciada que se inicia nos anos de 1980, quando o
Porto de Itaqui foi construído e incorporado à dinâmica econômica dos projetos de
desenvolvimento da Amazônia e foram instaladas as estruturas industriais e de
transporte da Alumar e da Vale na região. Esses projetos, ao se justificarem usando o
argumento do “vazio demográfico”, vêm tornando invisível a história social de
populações locais em nome de uma determinada concepção de progresso,
desenvolvimento e modernidade e promovendo sucessivos processos de deslocamentos
populacionais, mas também são estímulos para a organização, resistência e luta por
22
As fontes consultadas foram: relatórios de pesquisa de estudantes de graduação e de pós-graduação da
UFMA; artigo intitulado Caracterização Sócio-Ambiental do Povoado de Camboa dos Frades, resultado
de trabalho de campo realizado em outubro de 2008 por alunos do curso de geografia da UFMA e
coordenado pela Profa. Dra. Ediléia Dutra Pereira (Departamento de Geografia/UFMA) (Pereira, Oliveira
e Amorim 2008); trabalho de campo na Vila Madureira e Camboa dos Frades para realização de
entrevistas com informantes dos povoados; participação em reuniões da Associação de Moradores de
Camboa dos Frades; estudo sobre populações em outras regiões do Estado, como o caso de Alcântara –
MA (Paula Andrade e Souza Filho 2006). 23
Almeida (1996: 30) define deslocamento compulsório como “o conjunto de realidades factuais em que
pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais,
seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos,
sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses
circunstancialmente mais poderosos”.
51
parte de alguns povoados e lideranças locais mais mobilizados (Bezerra 2007;
Mendonça 2006).
Para compreender melhor a situação atual de Camboa dos Frades e Vila
Madureira, faz-se necessário recuperar processos históricos recentes relacionados à
tentativa de instalação de um grande projeto industrial. Em 2001, o Governo do Estado
do Maranhão assinou um protocolo de intenções com a então denominada Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD) com vistas à construção de um pólo siderúrgico. No projeto
original do pólo, a área destinada às instalações físicas de três usinas de fabricação de
placas de aço e duas guseiras seria de 2.471,71 hectares, localizados entre o Porto do
Itaqui e o povoado de Rio dos Cachorros, na região do Itaqui Bacanga. Em 2004, essa
área foi declarada de utilidade pública para fins de desapropriação pelo governo do
Estado do Maranhão (Decretos nº 20.727-DO, de 30-08-2004, e nº 20.781-DO, de 29-
09-2004), o que implicaria o deslocamento compulsório de seus moradores e/ou
daqueles que a utilizam de forma produtiva. Esses moradores foram estimados em mais
de 14.400 pessoas distribuídas em doze povoados - Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio
dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição, Anandiba,
Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira (Sant‟Ana Júnior, Alves e Mendonça
2007, grifo nosso).
Porém, a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do
Município de São Luís, em vigor desde 1992, situava a área pretendida na Zona Rural II
do município de São Luís, constituindo-se num empecilho legal para a efetivação de
projetos industriais, pois, segundo a Lei acima citada, empreendimentos industriais
somente poderiam ser implantados em Zona Industrial. Visando a eliminar essa
dificuldade legal, a Prefeitura Municipal de São Luís encaminhou à Câmara Municipal
um projeto de alteração da Lei, convertendo a área em Zona Industrial. Essa ação da
Prefeitura provocou a realização de audiências públicas e intensas mobilizações
envolvendo várias associações e uniões de moradores das localidades ameaçadas de
deslocamento e o Movimento Reage São Luís, que além destas organizações locais,
incorporou movimentos sociais e ambientais, intelectuais e profissionais liberais da
cidade de São Luís. Após votação na Câmara Municipal, somente 1.068 hectares foram
convertidos para Zona Industrial, pois foi levado em consideração o argumento técnico
de que o restante da área é zona de recarga de aquíferos e de nascentes, o que seria um
impedimento para instalação de estruturas industriais que a tornem impermeável
(Sant`Ana Júnior, Alves e Mendonça 2007).
52
Com a conversão dos 1.068 hectares em Zona Industrial, mas, ao mesmo tempo, com a
inviabilidade de efetivação do projeto de construção de um grande pólo siderúrgico, a
área em questão passou a ser visada por outros empreendimentos industriais. Dentre
esses empreendimentos, encontra-se a Termelétrica do Porto do Itaqui.
O processo de licenciamento da termelétrica junto aos órgãos ambientais iniciou-se em
2007. O valor do empreendimento está estimado em R$ 1,5 bilhão e o início das
operações planejado para 2011. A MPX anunciou inicialmente a ocupação de 50
hectares (correspondentes ao território ocupado pela Vila Madureira) e o tempo de
operação da termelétrica foi previsto para até 30 anos.
Em 2007, revelou-se o interesse de instalação da termelétrica e desde a fase inicial do
processo de licenciamento ambiental24
até o início da instalação do empreendimento,
em 2009, o referido projeto tem sido alvo de profundas contestações, tanto no plano
técnico-científico, quanto no âmbito de sua transparência política, gerando
questionamentos quanto à sua legitimidade por famílias diretamente atingidas, por
povoados vizinhos e por grupos de ambientalistas e estudiosos da questão ambiental e
pelo Ministério Público.
Do ponto de vista jurídico, o empreendimento foi motivo de ajuizamento de três ações
civis públicas pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal. Do ponto de vista técnico,
nas audiências públicas, estudiosos contestaram os dados apresentados no EIA-RIMA
quanto à emissão de poluentes, pois o processo de produção de energia elétrica da usina
terá como base o carvão mineral e não existem comprovações de que os filtros previstos
para serem utilizados são suficientemente eficazes no controle da emissão de gases
(Óxido de Nitrogênio - NO e Dióxido de Enxofre – SO2). Foram contestados também
estudos apresentados sobre a direção dos ventos que dispersarão esses poluentes, na
medida em que tomaram por parâmetro somente dois meses do ano, não levando em
conta a variação sazonal da região. Além disso, o projeto prevê a utilização de águas do
mar por meio de um processo de dessalinização, sendo que não deixa claro como
ocorrerá o retorno destas águas ao mar e quais podem ser seus efeitos.
Existe o processo nº 1494.000161/2008-17 do IPHAN (Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional) referente ao Programa de Prospecção Arqueológica na
área de Implantação da Usina Termelétrica Porto de Itaqui - São Luís-MA. Esse
24
Concluído pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) no
mês de março de 2009.
53
documento aponta insuficiência e irregularidades no EIA-RIMA, no que se refere à
prospecção arqueológica.
Quanto à ocupação da área, é possível constatar pelo menos duas consequências mais
imediatas vivenciadas pelo processo de sua privatização: a) o deslocamento das famílias
da Vila Madureira, que ocorreu em abril de 2009, para o Residencial Vila Nova Canaã,
construído com este fim pela MPX e localizado a 30 km da capital maranhense, no
município de Paço do Lumiar, permanecendo a incerteza do futuro no que tange à
reprodução social daquelas famílias e de seu modo de vida; b) o comprometimento da
liberdade de ir e vir dos moradores de Camboa dos Frades, pois o único acesso ao
povoado é através de estrada de chão (ramal) que se iniciava na BR- 135 e cortava a
Vila Madureira, até o extremo litoral, onde está localizado; esse ramal atualmente está
ocupado pelas obras da termelétrica.
3.1 Vila Madureira e Camboa dos Frades
O histórico de deslocamentos dos povoados da área Itaquí Bacanga, como afirmamos
anteriormente, remonta ao processo de instalação do Porto de Itaqui e do complexo
industrial da Alumar e da Companhia Vale do Rio Doce, nos anos 1980. Esse histórico
ajuda a compreender o paradoxo em que se encontram os mais antigos moradores da
extinta Vila Madureira e de Camboa dos Frades e, mesmo, das famílias recém-
chegadas.
Os moradores mais antigos procuram se diferenciar daqueles recém-chegados,
demonstrando a relação afetiva com o lugar, fundamentalmente, através da forma dos
processos de territorialização que incluem as condições para a reprodução material das
famílias e o sentido atribuído à vida comunitária: festas religiosas (católicas e de
terreiros de culto afro-brasileiros) e rituais de trocas e intercâmbio cultural que se
misturam às relações de parentesco e de compadrio, refletindo modos específicos de uso
social e apropriação coletiva do meio. Quanto aos recém-chegados, são denominados
“invasores”, devido à alegação de que teriam ocupado terrenos com o intuito de receber
indenizações para instalação de projetos industriais ou de infraestrutura, prometidas por
intermediários entre moradores dos povoados e candidatos a cargos eleitorais, que
utilizavam as promessas de indenizações como forma de garantir votos em ano eleitoral.
Os terrenos ocupados por “invasores”, normalmente, são facilmente perceptíveis ao
54
observador externo, devido à ausência de moradias, notando-se pequenos casebres
abandonados e placas com aviso de proibição de acesso aos mesmos.
Nos povoados Vila Madureira (antes do deslocamento) e Camboa dos Frades, o uso
comum da terra é bastante generalizado, ocorrendo, principalmente, através das relações
de parentesco. Parentes cultivam plantações, como a mandioca para fabrico da farinha,
em um mesmo terreno, embora sendo residentes em povoados diferentes. Além disso,
partilham rituais e trocas de serviços, ultrapassando o critério fisiográfico e de
mapeamento exclusivamente econômico da exploração dos recursos ali existentes. Por
outro lado, encontram-se várias famílias vivendo no mesmo terreno, usando a terra
coletivamente, assim como trocando trabalho, através de mutirões, com parentes
residentes em outras localidades. É nesse sentido que esses grupos não podem ser
pensados isoladamente, dissociados do convívio e da interação com os demais povoados
rurais localizados na área em questão.
A presença dos “invasores”, por seu turno, embora quantitativamente representativos25
,
não elimina a dimensão histórica e social por meio da qual os antigos moradores
constituíram, naquele contexto, um modo de vida, uma forma específica de apropriação
do meio. Nesse modo de vida, os limites geográficos dos povoados não se superpõem às
inter-relações comunitárias. Estudos realizados em outros povoados rurais vizinhos
(Cajueiro e Taim) mostram a existência de um sistema tradicional de trocas comerciais
e de serviços (mutirões, trocas de dias de trabalho) e fortes vínculos sociais de
reciprocidades por meio do parentesco, compadrio e amizade (Mendonça 2006; Bezerra
2007). A reciprocidade entre os povoados pode ser ilustrada através do depoimento de
um antigo morador da Vila Madureira:
“É importante, porque, vamos dizer, tem dia que a gente não tem o dinheiro pra comprar
o quilo de comida no mercado, pagar uma passagem, porque pra gente ir até no Anjo da
Guarda [bairro localizado a cerca de 7 Km da localidade] tem que pagar três e oitenta.
Porque agora a passagem aumentou. Às vezes, a gente não tem esse dinheiro. Nem todo
dia a gente tem esse dinheiro. Aí, a gente apanha uma galinha, chega um: „me vende
uma galinha!‟. Eu vendo uma galinha, eu compro o arroz, eu compro a farinha, eu
compro o café, eu compro o açúcar. Daqui do terreiro. Mato uma pra mim comer, dou
outra pra, vamos dizer, um sobrinho, um parente meu que chegar: „Ah! eu estou com
fome, não tenho!‟. Mando pra ele uma, dou. Assim que é minha vida” (M. 46, Morador
da Vila Madureira, entrevista realizada em 03/07/2008).
25
Para o processo de deslocamento e indenização dos moradores de Vila Madureira, a MPX contabilizou
85 famílias, considerando que 36 seriam dignas de receberem as indenizações por serem antigos
moradores, enquanto as demais eram consideradas invasoras.
55
Verifica-se a ajuda mútua entre moradores numa mesma condição social (horizontais),
aqueles que se juntam para troca de dia de trabalho (denominada localmente de traça de
dias), por meio da qual se confirmam relações de compadrio e de amizade entre
vizinhos. Podemos considerá-las parte de um sistema de reciprocidade entre moradores,
que fortalece seus vínculos com o lugar em que vivem. De outra forma, constatam-se
relações verticais entre moradores antigos e de menor poder aquisitivo em relação a
moradores de bairros próximos, com maior poder aquisitivo (comerciantes,
proprietários de terras, pequenos e médios empresários que exploram os recursos
minerais – areia e pedra – abundantes na região). Estas, em muitas circunstâncias,
revestem-se em relações do tipo patrão-cliente, no intuito de barganhar serviços de
interesses imediatos com os moradores mais antigos.
3.2 Trajetórias e modos de vida
Os moradores mais antigos de Camboa dos Frades e Vila Madureira guardam em suas
memórias o processo pelo qual os povoados foram se constituindo, sendo que os mais
velhos afirmam que eles próprios ou seus pais chegaram por volta do início do século
XX. Observa-se na trajetória dos informantes que a opção por morar nessa área está
diretamente associada à possibilidade de a família localizar-se proximamente a um
centro urbano (a capital do estado), mas continuar desenvolvendo atividades antes
realizadas nos seus locais de origem. Os dados indicam que a maioria não possui nível
de escolaridade satisfatório para desempenhar ocupações ou funções próprias ao
contexto urbano, o que em tese poderia garantir sua permanência na cidade. A vinda
para as proximidades da cidade de São Luís representa, num primeiro momento da
trajetória, a aproximação com os equipamentos urbanos, os serviços de saúde e de
educação para os filhos e outros atrativos que a cidade poderia oferecer.
Na maioria dos casos, as expectativas contrastam com a realidade com a qual se
depararam na cidade de São Luís. Nesse sentido, o processo de ocupação do território
nos povoados aqui estudados representa uma possibilidade de adaptação, tanto do ponto
de vista das atividades produtivas (agricultura, pesca, coleta e extrativismo), quanto no
âmbito da sociabilidade construída e/ou ressignificada (manutenção das relações de
parentesco, organização familiar do trabalho, práticas e manifestações religiosas).
A Vila Madureira, até o início dos anos de 1970, era considerada terra do Estado ou
terra devoluta, sendo que seu gradual processo de ocupação se deu com a apropriação
56
familiar ou comunitária dos terrenos e sem que houvesse regularidade na ocupação,
como, também, títulos de propriedade. Desde o momento em que as terras passaram a
ser utilizadas por algumas famílias, vieram parentes de seus locais de origem que
passavam a dividir partes dos terrenos e a formar outras famílias, ampliando as áreas
ocupadas. Cruzando informações sobre a trajetória dessas famílias com as atividades de
seus pais no local de origem, pode-se perceber que o processo de ocupação do território
na Vila Madureira está associado às estratégias de reprodução social desses grupos,
tendo em vista as dificuldades encontradas na cidade. As atividades ali desenvolvidas,
as formas de organização do trabalho, a sociabilidade com parentes e vizinhos
significam a inserção em um universo que lhes facultam uma identificação com o
espaço e que tem garantido a reprodução social de suas famílias. Segundo o depoimento
de um morador:
“Eu não tinha nada quando eu cheguei aqui. Quando a gente se separa da família, a
gente pode ter tudo na vida, mas larga tudo. Eu saí só com uma bolsinha com duas
roupinhas dentro. Aí, vim pra cá e ela (antiga moradora) me acolheu. Aqui não tinha
nada, aqui não se via um pé de planta, não tinha nada, era só o mato grande. Aí, ela me
acolheu, ela trazia a comida pra mim, ela me deu duas galinhas, me deu um galo, me
deu um pato e duas patas, me deu um porco, pra mim fazer minha vida. Aí, eu fui
fazendo minha vida, fui fazendo, fui fazendo. Aí, fui cavando poço, fui fazendo casa, fui
plantando e hoje estou aqui. E daqui pra mim sair mesmo, só se Deus quiser” (R. 48,
Morador da Vila Madureira, entrevista realizada em 03/07/2008).
Outra situação é ilustrada por uma moradora de 49 anos que veio com os pais do
município de Alcântara para São Luís, em 1960. No local de origem, os pais eram
lavradores, criavam animais e possuíam embarcações que transportavam passageiros
para São Luís. Na Vila Madureira, encontraram a possibilidade de manter a família
unida em função do acesso à terra. Essa moradora, após o falecimento de seus pais,
continuou trabalhando na produção de carvão vegetal (utilização de galhos de árvores
após a poda), extrativismo (coco babaçu e produção de azeite), criação de animais e
coleta de frutas.
Dentre as atividades desenvolvidas na Vila Madureira (antes do deslocamento) e em
Camboa dos Frades, a extração do azeite do coco de babaçu tem uma importância
crucial, principalmente no que tange à participação das mulheres nessa atividade. Outra
atividade importante é a coleta da castanha de caju, feita por mulheres e crianças,
frequentemente vendida nas feiras e mercados de São Luís. Destaca-se também a
criação de galinhas caipiras, patos e porcos. São cultivados bananais e uma infinidade
57
de árvores frutíferas. Roças de mandioca e macaxeira, além de plantação de feijão e
legumes como maxixe, quiabo e verduras variáveis são realizadas na modalidade roça
de toco, que implica a necessidade do pousio, isto é, uma área cultivada deve ser
deixada em descanso por vários anos seguidos. Essa prática agrícola encontra crescentes
dificuldades em função da especulação fundiária, que reduz o estoque de terras
disponíveis para o revezamento das roças. Todas essas práticas são voltadas para o
consumo das famílias e, também, para um pequeno circuito de comercialização, tal
como se observa no seguinte depoimento de um morador de Vila Madureira.
“A banana eu levo pro Anjo da Guarda. Aí, eu boto aqui duas caixas no carro de mão,
vou pra parada, deixo o carro de mão escondido, aí eu levo de ônibus. Chego lá, eu
entrego pro revendedor, ele me dá meu trocado e fica se virando por lá” (I. 58, Morador
da Vila Madureira, entrevista realizada em 03/07/2008).
Sendo localizada nos limites com o mar, cujo acesso é direto, a atividade pesqueira se
destaca como a principal fonte de renda e de alimento para aquela população. As
atividades de pesca foram um dos principais atrativos para a formação dos povoados,
devido à alta piscosidade de seus igarapés e praias. O nome dado ao povoado Camboa
dos Frades associa-se à existência das “camboas”, armadilhas de pesca indígena em
forma circular, construídas de pedra, de modo que na vazante das marés o pescado é
aprisionado e retirado na baixa-mar. Ainda é possível observar resquícios dessas
armadilhas no local, embora bastante dispersos em função do deslocamento de areias
provocado pelas máquinas de dragagem do Porto de Itaqui.
Nos povoados estudados, as fainas pesqueiras são intercaladas às atividades
praticadas na terra, de modo que durante o ano os moradores exploram os diferentes
ecossistemas, configurando-se o que pode ser chamado de uma economia polivalente.
As variadas atividades produtivas e de manutenção enriquecem a dieta alimentar,
conforme quadro a seguir:
Quadro 1: Atividades desenvolvidas na área da pesquisa e produtos - 2008
Pesca Marisca-
gem
Coleta
de
frutas
Agricult
u-ra
Criação
de
Animais
Extrativi
s-mo
Vegetal
Extrativis-
mo
Mineral
Peixes Siri Manga Mandioca Galinha Palha Areia
Camar
ão
Sururu Maracuj
á
Macaxeir
a
Pato Coco
Babaçu
Barro
Carangue
jo
Coco Cana Porco Caju Pedra
58
Ostra Banana Quiabo Peru Lenha
Jenipapo Maxixe Galinha
d‟Angola
Madeira
Caju Vinagreir
a
Gado
Bovino
Cipó
Cajá Feijão Ervas
Medicina
is
Goiaba Batata
Doce
Mamão
Murici
Babaçu
Juçara
Abacaxi
Fonte: Trabalho de campo
Essas atividades, contundo, têm sido comprometidas devido à poluição produzida pelas
empresas próximas, que atinge os igarapés, o mar, o ar e as plantações, o que,
consequentemente, reduz quantitativa e qualitativamente seus produtos. Sobre o efeito
da poluição nas plantações, um morador de Camboa dos Frades afirma:
“aquela ali é uma empresa de refinaria (Codomar), dessa firma bem ali detrás de Porto
Grande. Ela é negócio de adubo químico, produto químico. Então, esse produto de lá,
que cai aqui, as folhas ficam da cor de uma folha amarela. Recomeçou um projeto, que
teve ali perto do gás butano, aquela indústria que tem de pelotização. Tem dia que nós
não podemos enxergar aqui, porque parece tudo uma luz negra, aquela fumaça, aquilo
ali tudo na vista da gente. As mangueiras ficam amarelinhas do minério que cai. As
mangueiras já não botam mais, vamos dizer, se uma botava duzentas mangas, hoje elas
não botam nem cem. Porque os galhos ficam todos moles, vai secando tudo” (H. 39,
Morador da Camboa dos Frades, entrevista realizada em 03/07/2008).
3.3 Tempos de incertezas
Desde as primeiras notícias, em 2007, sobre a possível instalação da termelétrica na área
do Itaqui Bacanga, a Vila Madureira tornou-se o foco das ações da MPX, pois a área
almejada para instalação do empreendimento correspondia exatamente ao local com
maior concentração das casas desse povoado. Camboa dos Frades não era visibilizada
nas discussões e/ou materiais técnicos e de divulgação publicados pela empresa e
mesmo nos debates dos movimentos sociais. Até o final de 2008, os moradores de
Camboa dos Frades não se organizavam de forma autônoma e eram representados pela
União de Moradores da Vila Madureira.
59
Camboa dos Frades possui entre 35 e 40 famílias e essa variação no quadro
demográfico relaciona-se à sazonalidade das atividades produtivas (pesca e agricultura).
Segundo levantamento de Pereira, Oliveira e Amorim (2008), num universo composto
por 35 informantes, as famílias apresentam uma renda variável entre 1 e 2 salários
mínimos e 82% são analfabetos e semianalfabetos ou apresentam escolaridade
correspondendo ao ensino fundamental incompleto. Esse perfil abrange mais da metade
dos moradores, levando em conta que se trata de um universo geral de 35 a 40 famílias.
A pesquisa indica ainda que 73% dos entrevistados não apresentam formação
profissional específica e que as aposentadorias aparecem como fonte de renda
importante. Além dessas condições, as instalações de energia elétrica no local são muito
precárias e os moradores também não possuem água encanada. No povoado não há
escolas nem posto de saúde, pois a permanente possibilidade de deslocamento
populacional fez com que os sucessivos governos estaduais e municipais se eximissem
da responsabilidade de prestar estes serviços aos moradores dos povoados, contribuindo
para facilitar os processos de negociação para possíveis deslocamentos.
No processo de negociação entre a MPX e os moradores, quanto ao deslocamento dos
mesmos da área, a União de Moradores da Vila Madureira apresentava-se como
representante dos dois povoados e, efetivamente, moradores dos dois povoados
participavam das reuniões promovidas pela União. No entanto, como somente a Vila
Madureira localizava-se nos 50 hectares planejados para a instalação da Termelétrica, as
especificidades de Camboa dos Frades não eram contempladas nos debates e
negociações. Um exemplo dessa situação está relacionado ao fato de que uma grande
parte da área de mangue26
que separa os dois povoados seria ocupada pela MPX, pois
ali seriam instalados os equipamentos para transportar o carvão mineral dos navios até o
local de seu beneficiamento. A instalação desses equipamentos iria interromper
definitivamente o ramal de acesso ao povoado e isolar os moradores de Camboa dos
Frades. Pelas informações obtidas no trabalho de campo, tratava-se de uma situação que
2626
Sobre o ecossistema local, Pereira, Oliveira e Amorim (2008) relatam o seguinte: “Observar-se na
área as mais variadas espécies de mangue como: mangue vermelho (Rizophora mangle L.), mangue
branco (Laguncalaria racemosa) e mangue de botão (Conocarpus erectus) que vem sofrendo degradação,
sobretudo ocasionada pela retirada de vegetação para a construção de casas e dos empreendimentos”.
60
não havia sido esclarecida aos moradores de Camboa dos Frades durante as reuniões
com representantes da empresa.
Todo o processo de negociação referente ao deslocamento da Vila Madureira foi
conduzido pelo Setor de Responsabilidade Social da MPX, que muito habilmente
aproximou-se da diretoria da União de Moradores, em especial de seu presidente, e,
através de seus sociólogos, assistentes sociais e psicólogos, passou a fazer visitas
constantes ao povoado, visitando casa por casa e realizando um trabalho sistemático de
convencimento da conveniência do deslocamento. As promessas feitas aos moradores
consistiam em: indenizações (que na maioria dos casos foi de cerca de R$ 1.200,00) e
uma casa titulada em conjunto residencial a ser construído com este fim, mobiliada e
com um computador, além do transporte para o deslocamento. Sem maiores
resistências, em abril de 2009, ocorreu o deslocamento para o Residencial Vila Nova
Canaã, construído pela MPX no município de Paço do Lumiar, a cerca de 40 Km do
antigo povoado.
Após a aprovação do licenciamento ambiental e o início da implantação da termelétrica
(maio de 2009), os moradores de Camboa dos Frades, como referido anteriormente,
testemunham uma condição dramática no exercício básico de sua cidadania: a restrição
do direito de ir e vir. Na medida em que a estrada de acesso a Camboa dos Frades
passava pela Vila Madureira, com o controle privado da área, para entrar e/ou sair do
povoado, seus moradores passaram a ser submetidos ao controle e a constrangimentos
por parte dos seguranças da empresa, que se apresentavam armados. Além disso,
estavam sujeitos ao perigo de transitarem por via tomada por caminhões, maquinários
pesados e materiais, dificultando a passagem dos moradores e, como era período
chuvoso, viam suas vias de acesso tomadas pela lama, devido às obras de terraplanagem
que se iniciavam.
As crianças, para tomarem o transporte para a escola, passaram a ter que andar por cerca
de 30 minutos até a BR 135, ficando expostas aos perigos representados pelas
atividades de construção da termelétrica.
A criação da Associação de Moradores de Camboa dos Frades, no final de 2008, deu-se
em função da necessidade de a comunidade se organizar politicamente para reivindicar
direitos e resistir às agressões que a atingiam. A partir de então, através dos diretores da
Associação recém-formada, foram levantados elementos que questionaram o processo
de licenciamento da termelétrica, bem como a situação em que se encontra o povoado
de Camboa dos Frades:
61
1) A empresa iniciou nova estrada de acesso à Camboa dos Frades, por dentro do
mangue, com um trajeto desaprovado pelos moradores devido ao aumento da distância
com relação à BR-135, além do que desmatou uma área considerável da vegetação de
mangue. O IBAMA, em função do impacto no mangue, não autorizou esta obra, que se
encontra embargada.
2) Durante o processo de licenciamento para a construção da termelétrica, os moradores
de Camboa dos Frades não foram comunicados sobre a situação, prevalecendo
informações distorcidas e manipuladas pela União de Moradores. O povoado foi
ignorado tanto pelos empreendedores quanto pelos próprios moradores da Vila
Madureira, que foram orientados pelos técnicos do Setor de Responsabilidade Social da
MPX a não manter diálogo e não passar informações do que viria a acontecer mais
tarde.
3) Os moradores reclamam que estão sendo prejudicados mais recentemente por dois
problemas: o primeiro, diz respeito aos dejetos que, sem qualquer tratamento, são
despejados nos igarapés pela empresa “Ecodiesel”, o que tem reduzido a produção de
pescados; o segundo, refere-se ao assoreamento dos igarapés em que pescam, pois o
desmatamento e aterramento feito pela MPX para instalação das obras estaria causando
a descida de areia, barro e lama.
4) No povoado não tem escola e posto de saúde, o que implica deslocamentos para
obtenção destes serviços.
Na memória dos mais antigos, paira a lembrança de um “tempo de fartura”,
contrastando com a situação atual, que compromete as possibilidades de reprodução
social do povoado. O recente processo de organização da Associação dos Moradores de
Camboa dos Frades e a disposição de suas lideranças de buscar informações sobre seus
direitos, principalmente no que se refere às possibilidades de controle do território e
implantação/manutenção de condições de vida dignas, geram problemas para o
empreendimento da termelétrica.
A permanência de Camboa dos Frades entre o empreendimento e o mar apresenta duas
ordens de problemas para a MPX: dificuldades para a instalação dos equipamentos de
transporte do carvão mineral, da água do mar e da água resultante do processo
produtivo; possíveis denúncias futuras quanto aos efeitos da poluição sobre a população
local, após a entrada em funcionamento do empreendimento.
Em função dos embates relacionados, atualmente, com a possibilidade de permanência e
controle do território e com as consequências ambientais já constatadas após o início
62
das obras de terraplanagem, somados aos possíveis confrontos decorrentes da
continuidade das obras e do funcionamento da termelétrica, podemos afirmar que se
encontra em andamento o confronto de duas lógicas de ocupação do território, aquela
dos moradores que pretendem permanecer nele e a do empreendedor que o percebe
como recurso produtivo para a acumulação de capital, o que configura uma situação de
conflito socioambiental.
4 CONCLUSÃO
A implantação na Amazônia brasileira de um modelo de desenvolvimento que atingiu
diretamente populações e ambientes, concebido no regime ditatorial de 1964, resultou
no confronto com lógicas diferenciadas de ocupação e uso de territórios e recursos. Este
modelo, ainda hoje, é mantido em boa parte com suas características usuais e continua a
atingir grupos sociais que reagem, na busca de manter seus modos de vida. Se não conta
mais com o poder de repressão direta assegurado no período militar, recorrentemente
utilizado nos processos de deslocamento compulsório de grupos que mantinham
territórios almejados pelos projetos a serem implantados ou para a contenção de
protestos resultantes de externalidades geradas por estes mesmos projetos, hoje é
crescente a utilização de processos de manipulação dos instrumentos legais, previstos na
legislação brasileira (tais como os Relatórios de Impactos Ambientais), e da organização
social dos grupos sociais atingidos por seus impactos. E, ainda assim, quando esses
processos não funcionam, não são raros os casos de uso da força física (ameaças,
assassinatos, pressões), tanto pelo aparato estatal quanto por grupos privados.
No Maranhão, conflitos socioambientais se configuram desde o início dos anos 1980 e
continuam a surgir novos, na medida em que as características impactantes do modelo
de desenvolvimento dominante se renovam com a retomada da capacidade de
investimento do Estado brasileiro (abalada pela última crise econômica mundial, mas
não comprometida em seus fundamentos) e são permanentemente anunciados novos
projetos de desenvolvimento ou ampliação dos já existentes, que envolvem a iniciativa
privada e são de infraestrutura ou produtivos, referidos a atividades ligadas à
industrialização, à agropecuária, à pesca industrial, à carcinicultura, ao turismo. Mesmo
que os impactos sejam discursivamente amenizados, por exemplo, através da
incorporação de noções como desenvolvimento sustentável, sustentabilidade,
responsabilidade social e ambiental, no momento em que a discussão da questão
63
ambiental toma uma crescente importância no cenário internacional, esses conflitos
continuam a surgir e/ou a aprofundarem-se, exigindo que sejam ampliados os estudos
sobre impactos socioambientais e suas consequências.
No caso de Camboa dos Frades e Vila Madureira, é possível verificar como dois
povoados próximos reagiram de formas diferenciadas à ação de um grande projeto. Vila
Madureira, a partir de um competente trabalho realizado pela empresa empreendedora,
que lançou mão de tecnologias sociais de manipulação de conflitos, cedeu com relativa
facilidade ao deslocamento. Em Camboa dos Frades, a organização política tem sido
instrumento na busca de garantir o controle sobre o território e de recuperar os “tempos
de fartura”. Para tanto, a Associação de Moradores demanda a necessária presença do
Estado, porém, não para negar sua história, seu modo de vida, mas para garantir que
seus moradores tenham respeitados os direitos que lhes são constitucionalmente
assegurados. Os desdobramentos desta situação se encontram em aberto e exigem um
permanente acompanhamento.
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ANEXO V
Artigo publicado nos anais do:
V Encontro Nacional da ANPPAS. Florianópolis-SC, 2010. p. 1-19.
(http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT2-419-350-20100903205558.pdf).
Conflitos Socioambientais no Maranhão: os Povoados de Camboa dos Frades (São Luís – MA) e Salvaterra (Rosário –
MA)
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior (UFMA) Sociólogo, Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais, em Políticas Públicas e Sustentabilidade de
Ecossistemas e Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA). [email protected]
Elio de Jesus Pantoja Alves (UFMA) Sociólogo, Doutorando em Ciências Humanas (Sociologia) pela UFRJ, Professor do
Departamento de Sociologia e Antropologia e Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).
Resumo
Tendo como pano de fundo os conflitos socioambientais no Maranhão em decorrência
da instalação de grandes projetos ditos de desenvolvimento, o foco específico do
presente trabalho incide sobre a situação de conflitos resultantes da instalação de dois
projetos industriais, a Termelétrica do Porto do Itaqui e a Refinaria Premium I, que
provocam consequências socioambientais e/ou ameaça de deslocamento compulsório
de dois povoados rurais, respectivamente: Camboa dos Frades, no município de São
Luís – MA, e Salvaterra, no município de Rosário – MA. Visa, também, discutir os
desdobramentos dessas conseqüências e ameaças no processo de mobilização de
importantes segmentos da sociedade civil maranhense e sua repercussão no debate
público, bem como a atuação governamental como agente intermediador. Os dois
empreendimentos têm como uma de suas justificativas para instalação na região a
proximidade da mesma como o Complexo Portuário de São Luís, condição
infraestrutural privilegiada para esse tipo de ação econômica. Moradores dos
povoados e seus aliados, por seu turno, lutam para manutenção de um modo de vida
68
e de seus territórios e para a conservação ambiental, provocando o confronto de
lógicas diferenciadas de relação com a natureza.
Introdução
Este trabalho apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa e extensão
“Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão”,
implementado pelo Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio
Ambiente (GEDMMA), da UFMA e financiado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo a
Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). A
pesquisa e extensão têm como foco geral os conflitos socioambientais no Maranhão
em decorrência da instalação de projetos ditos de desenvolvimento.
O foco da análise deste trabalho incide sobre dois aspectos. O primeiro refere-
se à situação de conflitos resultantes da instalação de dois projetos industriais, a
Termelétrica do Porto do Itaqui e a Refinaria Premium I, envolvendo, respectivamente,
os povoados de Camboa dos Frades, no município de São Luís – MA, e Salvaterra, no
município de Rosário – MA. Estes empreendimentos vêm provocando situações de
permanente ameaça de convivência no interior dos povoados e consequências
socioambientais e/ou de deslocamento compulsório dos moradores dessas áreas. O
segundo aspecto diz respeito aos desdobramentos dessas ameaças quanto à
mobilização dos moradores através de seus processos de organização locais. Aliando-
se a outros movimentos sociais, eles buscam o reconhecimento de seus direitos lutam
para manutenção do modo de vida e territórios (LITTLE, 2002) e para a conservação
ambiental. Com relação aos empreendedores, uma de suas justificativas técnicas para
instalação das indústrias na região é a proximidade ao Complexo Portuário de São
Luís, condição infraestrutural privilegiada para esse tipo de ação econômica. Por parte
dos empreendedores, temos notado as articulações com agentes políticos locais e os
seus interesses nos interstícios dos órgãos estatais. No entanto, na medida em que a
situação desses povoados repercute na esfera pública, importantes segmentos da
sociedade civil maranhense se incorporam nos fóruns de discussão, fortalecendo as
lutas sociais e exigindo a atuação do poder público como agente intermediador. Cabe
destacar a relevância do papel exercido pelo ministério público.
O trabalho aqui apresentado resulta dos seguintes procedimentos:
acompanhamento de audiências públicas e reuniões convocadas por órgãos
69
governamentais (Secretaria Estadual de Meio Ambiente, IBAMA, Secretaria Estadual
de Indústria e Comércio) ou pelas empresas responsáveis pelos empreendimentos;
acompanhamento de reuniões, oficinas, assembléias realizadas nos povoados em
questão, promovidas por entidades de organização local ou por movimentos sociais e
entidades de assessoria popular; exame de notícias veiculadas por jornais ou páginas
eletrônicas, através de banco de dados mantido pelo GEDMMA; entrevistas com
agentes sociais envolvidos.
Camboa dos Frades é um povoado que possui em torno de 40 famílias e teve
seu cotidiano profundamente afetado pelo processo de instalação da Usina
Termelétrica do Porto do Itaqui em sua vizinhança. Essa termelétrica é um
empreendimento da empresa MPX, de propriedade do empresário Eike Batista, e tem
como uma de suas características a produção de energia elétrica a partir de carvão
mineral que será, segundo o empreendedor, importado da Colômbia. O povoado está
localizado às margens da Baia de São Marcos, vizinha ao Porto do Itaqui. Com as
primeiras notícias da instalação da termelétrica, as famílias passaram a sofrer
ameaças de deslocamento. Informações imprecisas sobre a inclusão ou não da área
do povoado na extensão das instalações da usina termelétrica chegavam até os
moradores, o que de certa forma, do ponto de vista do impacto social, já apresentava
por si só, um importante sinal de desarticulação e desmantelamento das relações
sociais ali estabelecidas. Situação essa que se agravou em abril de 2009, com o
deslocamento do povoado vizinho, Vila Madureira, em cuja localidade está sendo
construído o empreendimento. Embora observando os limites e fronteiras entre ambos
os povoados, antes do deslocamento da Vila Madureira, foi possível registrar o forte
vínculo entre ambos, testemunhado pelo fato de que, além de relações de parentesco,
os povoados estavam unidos por meio de uma mesma Associação de Moradores. No
caso de Camboa dos Frades, a principal via de acesso passava pela Vila Madureira, e
com o deslocamento deste povoado, aquele ficou isolado entre a área da comunidade
deslocada e já privatizada pela MPX, e o mar, demandando, de imediato, a construção
de outra estrada que a ligasse à rodovia mais próxima. A partir do início das obras, os
moradores passaram a perceber também impactos ambientais imediatos como
desmatamento de manguezais e assoreamento de igarapés, provocando a redução de
suas fontes de alimentos. A precipitação dessa ameaça tem provocado conflito interno
ao povoado, implicando em um dilema significativo quanto ao futuro e à reprodução
social de grupos familiares que têm uma relação histórica com o lugar (ALVES E
SANT‟ANA JÚNIOR, 2009).
70
O outro caso, objeto de discussão neste trabalho é do povoado de Salvaterra,
cuja situação de conflito iniciou-se com a construção de estradas para a preparação
do terreno almejado pela Refinaria Premium I da Petrobrás, nas áreas de roça das
famílias. Trata-se de uma comunidade com mais de 200 anos, ocupando uma área de
450 hectares, sendo herança sem partilha de quatro herdeiros, constituindo-se um
grupo de pelo menos 34 famílias de pescadores e agricultores. Esses dados, no
entanto, não representam a totalidade do universo de pessoas que direta ou
indiretamente fazem uso social dos recursos, pois, como se trata de terras de
propriedade coletiva, em pesquisa de campo pudemos registrar a presença de
agregados e parceiros que usam essas terras sem, no entanto, estabelecer moradia
fixa no povoado, o que sinaliza a importância daquele território para esses grupos. Em
setembro de 2009, os moradores receberam uma intimação da Secretaria Estadual de
Indústria e Comércio do Maranhão para, em vinte dias, deixarem seu território e a
informação de que seriam alocados em um galpão na cidade de Bacabeira, até que
fosse encontrado um terreno para instalá-los definitivamente. Essa intimação gerou
uma forte reação e, buscando construir alianças com movimentos sociais críticos à
instalação de grandes projetos de desenvolvimento, os moradores construíram formas
próprias de organização e resistência.
As duas unidades de análise em questão merecem atenção, sobretudo, pelo fato de
que a história social e a lógica de reprodução social do modo de vida em questão
estão ameaçados. Esses processos conflituosos remontam ao início dos anos de
1980, com a implantação de grandes projetos de desenvolvimento no Maranhão, a
partir do Programa Grande Carajás (ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR; MENDONÇA,
2007), a partir do qual vários grupos sociais vêm sendo impactados. A situação dos
povoados aqui estudados tem sido alvo de ação dos Ministérios Públicos Federal e
Estadual e de Promotorias e, em alguns casos, geram liminares que suspendem as
obras, se não permanentemente, pelo menos, temporariamente. Na análise dessas
situações, se percebe que em grande parte a preocupação principal relaciona-se à
defesa do território que por sua vez é indissociável da defesa do modo de viver e das
formas sociais de uso dos recursos naturais. As pesquisas em andamento sobre a
situação desses povoados, em reuniões restritas e audiências públicas, têm permitido
constatar que diversos agentes envolvidos nos processos assumem discursos que
levam em conta a questão ambiental (LEITE LOPES, 2004) bem como revelar as
contradições nas intervenções do poder público e o modo como os diversos grupos de
agentes se mobilizam visando a realização de seus interesses e provocando o
confronto de lógicas diferenciadas de relação com a natureza (ACSELRAD, 2004).
71
Maranhão: Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais
Nessa primeira década do século XXI, é possível constatar, na Amazônia brasileira,
em geral, e no Maranhão, em particular, uma significativa retomada de projetos ditos
de desenvolvimento que se originaram nos governos ditatoriais decorrentes do golpe
de 1964 e a elaboração e implementação de novos projetos, com destaque para
aqueles que compõem o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), capitaneado
pelo Governo Federal. Esses velhos e novos projetos e programas são retomados ou
elaborados sob o controle de agências governamentais e/ou privadas, com uma ampla
justificação na busca de superação dos baixos Índices de Desenvolvimento Humano
(IDH) que, no caso do Maranhão, em especial, apresenta-se recorrentemente entre os
piores, comparando-se às demais unidades federativas do Brasil.
Na Amazônia Oriental, o Projeto Grande Carajás (CARNEIRO, 1997; MONTEIRO,
1997), “concebido para garantir a exploração e comercialização das ricas jazidas de
minério localizadas no sudeste do Pará” (AQUINO e SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 47)
e com conseqüências em uma grande área de influência e vários ramos de atividade
econômica, constituiu-se na expressão mais visível do modelo de desenvolvimento
implementado a partir dos governos ditatoriais.
No Maranhão, os desdobramentos deste projeto e de outras iniciativas
desenvolvimentistas levou à constituição de uma ampla rede de infraestrutura com o
objetivo de permitir a exploração e/ou escoamento da produção mineral, florestal,
agrícola, pecuária e industrial do próprio Maranhão e de estados vizinhos. Essa
infraestrutura consiste em uma extensa rede de rodovias; a Estrada de Ferro Carajás,
ligando as grandes minas do sudeste do Pará27 ao litoral maranhense; além do
Complexo Portuário de São Luís, e mais recentemente, a Hidrelétrica de Estreito e os
empreendimentos mencionados acima objetos de nossa pesquisa. Associado a essa
infraestrutura, existem oito usinas de processamento de ferro gusa ao longo da
Estrada de Ferro Carajás, além de uma indústria de alumina e alumínio (Alumar), as
bases para estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do
Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de
Alcântara – CLA), em Alcântara; projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho)
no sul e sudeste do estado; projetos de criação de búfalos, na Baixada Maranhense;
27
No sudeste do Pará estão localizadas gigantescas jazidas de minério de ferro, além de outros minérios, controladas pela Companhia Vale do Rio Doce, atualmente, autodenominada apenas Vale.
72
ampliação da pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão; projetos de
carcinicultura, no litoral.
Esse cenário desenvolvimentista no Maranhão tem provocado a expulsão de milhares
de agricultores de suas terras e o desmantelamento da produção familiar rural, como
consequência nefasta de um modelo de desenvolvimento excludente. Observando os
indicadores sociais, percebe-se que, apesar de grandes investimentos nos últimos
anos em projetos de desenvolvimento econômico, o Maranhão permanece sendo um
dos estados mais pobres do Brasil, com elevados índices de concentração de terras,
riquezas e poder político e importando grande parte do que consome.
Por outro lado, como esses projetos colocam em evidência as diferentes lógicas de
apropriação dos territórios, provocam a formação de conflitos, na medida em que os
questionamentos das decisões políticas e das ações associadas aos projetos de
desenvolvimento se expressam em forma de resistência por meio da mobilização
coletiva. Dentre as diferentes lógicas de ocupação e uso territorial, destacam-se duas
diametralmente confrontantes: 1) a lógica do empreendimento, que torna invisíveis os
grupos sociais locais e percebe o território como “espaço vazio” e disponível para
fortes intervenções ambientais e sociais; 2) a lógica dos grupos locais, que percebe o
território como sendo pleno de significados, fonte de subsistência e espaço de
realização de modos de vida próprios, tradicionalmente estabelecidos e relativamente
pouco impactantes ao meio. A expansão do processo de acumulação de capital
através de processos produtivos apresentados como sendo de desenvolvimento,
resultando no confronto de lógicas diferenciadas de ocupação e uso de territórios e
recursos, leva a processos conflitivos que podem ser associados àqueles que
Acselrad (2004, p. 26) denomina de conflitos ambientais e define como sendo
aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis ... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.
A Refinaria Premium no Maranhão e o Povoado de Salvaterra28
28
Na elaboração deste item, contou-se com informações obtidas, também, por Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Bruno Henrique Costa Rabelo, pesquisadores do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
73
O rio Itapecuru, um dos maiores rios do Maranhão, tem aproximadamente 1.500 Km,
corta o estado de sul ao norte e fornece grande parte da água potável consumida na
capital, São Luís, e em vários outro municípios. Antes de desaguar na Bahia de São
José, passa pelo município de Bacabeira, onde encontram-se em andamento estudos
e ações iniciais para a instalação de uma grande refinaria de petróleo. A Petrobras, ao
anunciar a construção da Refinaria Premium, planejada para ser a maior refinaria já
construída no Brasil e uma das maiores do mundo, por um lado, cria um fato político e
midiático de grandes proporções no Maranhão, na medida em que vem acompanhada
do anúncio da criação de milhares de empregos, do incremento e dinamização da
economia local, da expansão das oportunidades, enfim, do anúncio de uma nova onda
de desenvolvimento. Por outro lado, no entanto, encontra a resistência no povoado de
SalvaTerra, cujos moradores se opõem ao deslocamento compulsório29 de seu
território ancestralmente ocupado e almejado para construção da refinaria, e em
movimentos sociais e ambientais, críticos ao modelo de desenvolvimento
representado pela instalação de grandes projetos com significativo potencial de
impactos socioambientais negativos.
A expansão da estrutura de refino de petróleo indica possibilidades de alterações nos
modos de vida de grupos sociais tradicionalmente identificados com atividades como a
agricultura, caça, pesca e criação de animais, portanto, com fortes relações com o
ambiente natural. Esses modos de vida são ameaçados pelas atividades comumente
identificadas com a modernidade e o desenvolvimento em função da alta inversão de
capital em novas tecnologias, caso das estruturas de produção de combustíveis
fósseis. Além do que, a questão dos riscos ambientais se amplia.
A Petrobrás, em 2008, tornou público seu projeto de construção da Refinaria Premium
I no município de Bacabeira, vizinho ao município de São Luís, capital do estado do
Maranhão. Um dos principais motivos alegados para a escolha do local é a rede de
infraestrutura implantada na região, em especial, a proximidade com o Complexo
Portuário de São Luís, que garantiria o abastecimento do petróleo e a exportação de
seus derivados. Segundo o EIA/RIMA (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009)
apresentado no processo de licenciamento do empreendimento, os derivados de
petróleo a serem obtidos por essa refinaria serão de qualidade superior quanto à
emissão de poluentes em sem uso (daí a denominação Premium), de forma a atender
às exigências do mercado europeu, sendo, portanto, destinados à exportação.
29
Operamos, aqui, com a definição de deslocamento compulsório formulada por Almeida (1996, p. 30): “o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.
74
Assim como o Projeto Carajás, de quarenta anos atrás, a Refinaria Premium I vem
sendo apresentada por órgãos do governo estadual e pela Petrobrás como um projeto
que seria redentor do Maranhão, indutor de desenvolvimento e instrumento para
solução dos graves problemas econômicos e sociais do estado.
O planejamento de construção de novas refinarias de petróleo no Brasil decorre da
estratégia montada pelo Governo Federal para reduzir a exportação de petróleo in
natura e aumentar a exportação de derivados, agregando valor ao produto. Visa,
também, reduzir a importação de diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP, conhecido
popularmente como gás de cozinha) e nafta petroquímica, de forma a garantir o
combustível necessário para o crescimento em curso da economia nacional.
A Refinaria Premium I, uma vez em pleno funcionamento, faria o refino de 600 mil
barris por dia (bpd), o que é quase o dobro dos 365 bpd de capacidade da REPLAN, a
maior refinaria em operação no Brasil, e aumentaria a capacidade nacional de refino
para 2.600 bpd. Segundo os dados apresentados pela Petrobrás, de cada barril, seria
extraído 50% de diesel, 20% de nafta petroquímica, 11% de querosene de avião, 8%
de coque, 5% de GLP e 3% de bunker (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009).
No processo de licenciamento ambiental coordenado pela Secretaria Estadual de Meio
Ambiente (SEMA), em novembro de 2009, ocorreram cinco audiências públicas em
quatro municípios que seriam diretamente afetados pela Refinaria Premium I. Uma
audiência nos municípios de Bacabeira, Rosário e Santa Rita, respectivamente, e duas
audiências no município de São Luís.
Como afirmamos anteriormente e como foi confirmado nas audiências públicas pelos
representantes da Petrobrás, o principal destino dos derivados de petróleo a serem
produzidos seria o mercado externo, principalmente europeu, atendendo às
especificações e necessidades deste, e não as locais. Desta forma, os preços dos
derivados de petróleo no Maranhão, por exemplo, não sofreriam alterações em função
do abrigo da refinaria. Maurício Martins, representante da Petrobrás na Audiência
Pública de Rosário-MA, ao ser questionado sobre a possibilidade de redução do preço
do combustível a partir do seu refino no estado, afirmou que “A Petrobrás não pode
regular o preço do combustível nas bombas...”.
Durante as audiências públicas e no material de divulgação da Refinaria Premium I,
constata-se, como forma de legitimação discursiva do empreendimento, uma grande
ênfase na geração de empregos. Segundo os empreendedores, cento e trinta mil
empregos, direitos, indiretos e por efeito renda seriam gerados ao longo de sua
implantação. No entanto, o que se verifica, a partir de um estudo mais minucioso do
75
EIA/RIMA (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009), e da resposta dada por
Maurício Martins na segunda Audiência Pública realizada em São Luís, esses
empregos chegariam a um pico anual de dez mil, na fase de construção, constituindo-
se majoritariamente de postos de trabalho braçal, na construção civil. Após a entrada
em funcionamento da refinaria, seriam reduzidos a cerca de dois mil e quinhentos
empregos de caráter permanente e, na sua maioria, exigindo qualificação técnica, o
que excluiria boa parte dos moradores dos municípios que serão afetados pelo
processo de construção e dos trabalhadores envolvidos nesse mesmo processo. Nas
cinco audiências públicas realizadas, chamou atenção, também, o destaque que era
dado a atividades como jardinagem ou venda de sorvetes e outros produtos
alimentares nas imediações da Refinaria, apresentados com possibilidades de
envolvimento dos moradores locais no empreendimento.
Para garantir a construção da refinaria no Maranhão, o Governo do Estado se
comprometeu a desapropriar o terreno de 20 km2, necessário à construção da
Refinaria, e transferir gratuitamente sua propriedade à Petrobrás. No entanto, como
dito antes, este terreno ainda é o território sociocultural de mais de trinta famílias de
trabalhadores da agricultura familiar que se encontram, assim, ameaçadas de
deslocamento compulsório (ALMEIDA, 2006), além de que, constata-se que se trata
de terras de herança, nas quais as redes de parentela asseguram a reprodução social
não somente das famílias nucleares ali fixadas em mais de três gerações, mas
também, de uma ampla capacidade de absorção da mão de obra familiar de outros
grupos que mantém vínculos seja de parentesco, seja de afinidade. Além disso, a área
possui inúmeras nascentes, riachos, igarapés que possibilitam o livre acesso de
pessoas de outras comunidades que se deslocam cotidianamente. A desarticulação
desses laços e a promessa de inclusão desses moradores como mão de obra “a ser
qualificada” com a instalação dos empreendimentos, pelo menos para uma grande
parte dos moradores, não tem legitimidade, sobretudo pelo modo violento como essa
mudança tem sido proposta.
Segundo denúncia apresentada por representantes do povoado nas audiências
públicas acima referidas, funcionários da Secretaria de Indústria e Comércio, em
setembro de 2009, procuram os moradores do povoado de Salva Terra (um dos
povoados ameaçados de deslocamento) afirmando que teriam vinte dias para
deixarem suas terras e que seriam alojados em um galpão na cidade de Bacabeira,
até que fosse encontrada uma solução definitiva para sua situação, isto é, uma nova
área para realização de seu assentamento. Ainda segundo a denúncia, alguns
representantes dos moradores foram levados para conhecer o galpão e foram
76
informados que, a partir de então, estavam proibidos de realizar novas plantações ou
benfeitorias em suas terras, pois somente seriam indenizados pelo que tinham até
aquela data. Estas medidas estavam sendo tomadas para a efetivação da doação do
terreno à Petrobrás e para que o mesmo ficasse desobstruído para a realização das
obras iniciais de construção da refinaria.
Essa situação provocou intensa indignação nos moradores mais antigos, que
passaram a buscar apoio na Defensoria Pública do Maranhão, no Ministério Público
Estadual e Federal e junto a movimentos sociais envolvidos com a questão
socioambiental, procurando garantir o controle sobre o território que ocupam
tradicionalmente. Mesmo com a reação de moradores e, sem considerar as denúncias
feitas nas audiências públicas (denúncias que se estendiam também a aspectos
técnicos do EIA/RIMA), a SEMA expediu a Licença Prévia (LP) do empreendimento.
Esta situação tem gerado insegurança, medo, instabilidade e conflitos no interior dos
povoados ameaçados de deslocamento, criados pelas ações da Petrobrás e do
Governo do Estado do Maranhão. Um de seus efeitos é o risco à segurança alimentar
dessas famílias uma vez que, desde setembro de 2009, estão com suas atividades
produtivas comprometidas, na medida em que vivem permanentemente sob o risco de
terem de deixar suas terras.
A Termelétrica do Itaqui e o Povoado de Camboa dos Frades30
Camboa dos Frades é um povoado do município de São Luís-MA. O território localiza-
se na região administrativa municipal Itaqui Bacanga, próximo ao Porto do Itaqui, com
a BR-135, com a Estação de Passageiros da Estrada de Ferro Carajás e com vários
empreendimentos industriais, entre eles, dois de grande porte: Vale do Rio Doce e
Alumar, o que a torna cada vez mais estratégica para a instalação de projetos
industriais e de infra-estrutura. A situação apresentada reflete os conflitos decorrentes
da disputa pelo controle da área originalmente ocupada que passou a ser alvo de
interesse por parte do projeto de instalação da Usina Termoelétrica Porto do Itaqui, da
empresa paulista MPX Mineração e Energia Ltda, do empresário Eike Batista, e
integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal.
30
As principais fontes consultadas para elaboração desse item foram: relatórios de pesquisa de estudantes de graduação e de pós-graduação da UFMA; artigo intitulado Caracterização Sócio-Ambiental do Povoado de Camboa dos Frades, resultado da pesquisa de campo realizada em outubro de 2008 por alunos do curso de geografia da UFMA e coordenada pela professora Dra. Ediléia Dutra (Departamento de Geografia/UFMA) (PEREIRA, OLIVEIRA e AMORIM, 2008); relatório de trabalho de campo na Vila Madureira e Camboa dos Frades para realização de entrevistas com informantes dos povoados (ALVES e SANT‟ANA JÚNIOR, 2009); relatos de participação em reuniões da Associação de Moradores de Camboa dos Frades; estudo sobre populações em outras regiões do Estado, como o caso de Alcântara – MA (PAULA ANDRADE e SOUZA FILHO, 2006).
77
O impacto social decorrente de ameaças e/ou efetivação de deslocamento
compulsório de famílias, pelo histórico de ocupação industrial na área do Itaqui
Bacanga, remonta aos anos de 1980, quando o Porto de Itaqui foi construído e
incorporado à dinâmica econômica dos grandes projetos da Amazônia e foram
instalados as estruturas industriais e de transporte da Alumar e da Vale na região.
Estes projetos, ao se justificarem usando o argumento do “vazio demográfico”,
tornaram invisível, no âmbito das políticas públicas, a história social de populações
locais em nome de uma determinada concepção de progresso, desenvolvimento e
modernidade e promovendo sucessivos processos de deslocamentos populacionais.
Ao mesmo tempo, ressurgem a organização, a resistência e a luta por parte de alguns
povoados e lideranças locais mais mobilizados (BEZERRA, 2007; MENDONÇA,
2006).
Para compreender melhor a situação atual de Camboa dos Frades, faz-se
necessário recuperar processos históricos recentes relacionados à tentativa de
instalação de um grande projeto industrial. Em 2001, o Governo do Estado do
Maranhão assinou um protocolo de intenções com a, então denominada, Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD) com vistas à construção de um pólo siderúrgico. No projeto
original do pólo, a área destinada às instalações físicas de três usinas de fabricação
de placas de aço e duas guzeiras seria de 2.471,71 hectares, localizados entre o Porto
do Itaqui e o povoado de Rio dos Cachorros, na região do Itaqui Bacanga. Em 2004,
esta área foi declarada de utilidade pública para fins de desapropriação pelo governo
do Estado do Maranhão (Decretos nº 20.727-DO, de 30-08-2004, e nº 20.781-DO, de
29-09-2004), o que implicaria no deslocamento compulsório de seus moradores e/ou
daqueles que a utilizam de forma produtiva. Estes moradores foram estimados em
mais de 14.400 pessoas distribuídas em doze povoados - Vila Maranhão, Taim,
Cajueiro, Rio dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição,
Anandiba, Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira (SANT‟ANA JÚNIOR,
ALVES e MENDONÇA, 2007, grifo nosso).
Mas, a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do
Município de São Luís, em vigor desde 1992, situava a área pretendida na Zona Rural
II do município de São Luís, constituindo-se num empecilho legal para a efetivação de
projetos industriais, pois, segundo a Lei acima citada, empreendimentos industriais
somente poderiam ser implantados em Zona Industrial. Visando eliminar esta
dificuldade legal, a Prefeitura Municipal de São Luís encaminhou à Câmara Municipal
um projeto de alteração desta Lei, convertendo a área em Zona Industrial. Este fato
resultou em audiências públicas e intensas mobilizações envolvendo associações e
uniões de moradores das localidades e o Movimento Reage São Luís, além de
78
movimentos sociais e ambientais, intelectuais e profissionais liberais da cidade de São
Luís. Após votação na Câmara Municipal, somente 1.068 hectares foram convertidos
para Zona Industrial, pois foi tecnicamente comprovado que o restante da área é zona
de recarga de aquíferos e de nascentes, o que é um impedimento para instalação de
estruturas industriais que a tornem impermeável (SANT‟ANA JÚNIOR, ALVES e
MENDONÇA, 2007).
Com a conversão dos 1.068 hectares em Zona Industrial, mas ao mesmo tempo, com
a inviabilidade de efetivação do projeto de construção de um grande pólo siderúrgico,
a área em questão passou a ser visada por outros emprendimentos industriais. Dentre
estes emprendimentos, encontra-se a Termelétrica do Porto do Itaqui.
O processo de licenciamento da termoelétrica junto aos órgãos ambientais iniciou-se
em 2007. O valor do empreendimento foi estimado em R$ 1,5 bilhão e o início das
operações planejado para 2011. A MPX anunciou inicialmente a ocupação de 50
hectares (correspondentes ao território ocupado pela Vila Madureira) e o tempo de
operação da termelétrica foi previsto para até 30 anos (PEREIRA, 2010).
E desde a fase inicial do processo de licenciamento ambiental31 até o início da
construção do empreendimento, em 2009, o referido projeto tem sido alvo de
profundas contestações, tanto no plano técnico-científico, quanto no âmbito de sua
transparência política, gerando questionamentos quanto à sua legitimidade por
famílias diretamente atingidas, por povoados vizinhos e por grupos de ambientalistas e
estudiosos da questão ambiental e pelo Ministério Público (PEREIRA, 2010).
Do ponto de vista jurídico, o empreendimento foi motivo de ajuizamento de três ações
civis públicas pelo Ministério Público Estadual e Federal. Do ponto de vista técnico,
nas audiências públicas, estudiosos contestaram os dados apresentados no EIA-RIMA
quanto à emissão de poluentes, pois, o processo de produção de energia elétrica da
usina terá como base o carvão mineral e não existem comprovações de que os filtros
previstos para serem utilizados são sufientemente eficazes no controle da emissão de
gases (Óxido de Nitrogênio - NOx e Dióxido de Enxofre – SO2). Foram contestados
também estudos apresentados sobre a direção dos ventos que dispersarão estes
poluentes, na medida em que tomaram por parâmetro somente dois meses do ano,
não levando em conta a variação sazonal da região. Além disso, o projeto prevê a
utilização de águas do mar por meio de um processo de dessalinização, sendo que
não deixa claro como ocorrerá o retorno destas águas ao mar e quais podem ser seus
efeitos.
31
Concluído pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) no mês de março de 2009.
79
Existe o processo nº 1494.000161/2008-17 do IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional) referente ao Programa de Prospecção Arqueológica na área de
Implantação da Usina Termoelétrica Porto de Itaqui - São Luís-MA. Este documento
aponta insuficiência e irregularidades no EIA-RIMA, no que se refere à prospecção
arqueológica, devendo constituir-se, portanto, em objeto de avaliação e revisão quanto
a este aspecto.
O histórico de deslocamentos dos povoados da área Itaquí-Bacanga, como afirmamos
anteriormente, remonta ao processo de instalação do Porto de Itaqui e do complexo
industrial da Alumar e da Companhia Vale do Rio Doce, nos anos 1980. Esse histórico
ajuda a compreender o dilema em que se encontram os mais antigos moradores da
extinta Vila Madureira, já deslocados, e de Camboa dos Frades e, mesmo, das
famílias recém-chegadas.
Em entrevistas e conversas informais com moradores de Camboa dos Frades, é
notória a diferenciação que os antigos moradores estabelecem com relação aos
moradores recém-chegados. Numa demonstração de afetividade com o lugar apontam
as benfeitorias e plantações, depreendendo-se a construção social do território e o
sentido de comunidade atribuído ao patrimônio familiar e as relações ali estabelecidas.
A importância desse aspecto reflete não somente um apego simples ao mundo
material, mas fundamentalmente, pelo fato de indicar a reprodução material e
simbólica das condições de existência social no “lugar”. Festas religiosas (católicas e
de terreiros de culto afro-brasileiros) e rituais de trocas e intercâmbio cultural que se
misturam às relações de parentesco e de compadrio, refletindo modos específicos de
uso social e apropriação coletiva do meio. Quanto aos recém-chegados, são
denominados “invasores”, devido à alegação de que teriam ocupado terrenos com o
intuito de receber indenizações para instalação de projetos industriais ou de
infraestrutura prometidas por intermediários entre moradores dos povoados e
candidatos a cargos eleitorais, que utilizavam as promessas de indenizações como
forma de garantir votos em ano eleitoral. Os terrenos ocupados por “invasores”,
normalmente, são facilmente perceptíveis ao observador externo, devido à ausência
de moradores, notando-se pequenos casebres abandonados e placas com aviso de
proibição de acesso aos mesmos.
Nessas áreas, o uso comum da terra é bastante generalizado, ocorrendo,
principalmente, através das relações de parentesco. Parentes cultivam plantações,
como a mandioca para fabrico da farinha, em um mesmo terreno, embora sendo
residentes em povoados diferentes. Além disso, partilham rituais e trocas de serviços,
ultrapassando o critério fisiográfico e de mapeamento exclusivamente econômico da
80
exploração dos recursos ali existentes. Por outro lado, encontram-se várias famílias
vivendo no mesmo terreno, usando a terra coletivamente, assim como trocando
trabalho através de mutirões com parentes residentes em outras localidades. É nesse
sentido que esses grupos não podem ser pensados isoladamente, dissociados do
convívio e da interação com os demais povoados rurais localizados na área em
questão.
A presença dos “invasores”, por seu turno, embora quantitativamente
representativos32, não elimina a dimensão histórica e social por meio da qual os
antigos moradores se constituíram, naquele contexto, como um modo de vida. Nesse
modo de vida, os limites geográficos dos povoados não se superpõem às interrelações
comunitárias. Estudos realizados em outros povoados rurais vizinhos (Cajueiro e
Taim) mostram a existência de um sistema tradicional de trocas comerciais e de
serviços (mutirões, trocas de dias de trabalho na roça) e fortes vínculos sociais de
reciprocidades por meio do parentesco, compadrio e amizade (MENCONÇA, 2006;
BEZERRA, 2007). A reciprocidade entre os povoados pode ser ilustrada através do
depoimento de um antigo morador.
É importante, porque olha, vamos dizer, tem dia que a gente não tem o dinheiro pra comprar o quilo de comida no mercado, pagar uma passagem, porque pra gente ir até no Anjo da Guarda tem que pagar três e oitenta. Porque agora a passagem aumentou. Aí, às vezes a gente não tem esse dinheiro. Nem todo dia a gente tem esse dinheiro. Aí a gente apanha uma galinha, chega um: me vende uma galinha! Aí eu vendo uma galinha, eu compro o arroz, eu compro a farinha, eu compro o café, eu compro o açúcar. Daqui do terreiro. Mato uma pra mim comer, dou outra pra, vamos dizer, um sobrinho, um parente meu que chegar: Ah! eu estou com fome, não tenho! Mando pra ele uma, dou. Assim que é minha vida (M. 46, Morador)
Verifica-se a ajuda mútua entre moradores numa mesma condição social (horizontais),
aqueles que se juntam para troca de dias de trabalho na roça, por meio da qual se
estabelecem relações de compadrio e de amizade entre vizinhos. Podemos considerá-
las parte de um sistema de reciprocidade entre moradores, que fortalece seus vínculos
com o lugar em que vivem. De outra forma, constatam-se relações verticais entre
moradores antigos e de menor poder aquisitivo em relação a moradores de bairros
próximos, com maior poder aquisitivo (comerciantes, proprietários de terras, pequenos
e médios empresários que exploram os recursos minerais – areia e pedra –
abundantes na região). Estas, em muitas circunstâncias, revestem-se em relações do
32
Para o processo de deslocamento e indenização dos moradores de Vila Madureira, a MPX contabilizou 85 famílias, considerando que 36 seriam dignas de receberem as indenizações por serem antigos moradores, enquanto as demais eram consideradas invasoras.
81
tipo patrão-cliente, no intuito de barganhar serviços de interesses imediatos com os
moradores mais antigos.
Os mais velhos afirmam que eles próprios ou seus pais chegaram por volta do início
do século XX. Observando a trajetória dos informantes, percebe-se que a opção por
morar nessa área está diretamente associada à possibilidade da família localizar-se
próximo a um centro urbano (a cidade de S. Luis), mas continuar desenvolvendo
atividades produtivas antes realizadas nos seus locais de origem. Os dados indicam
que a maioria não possui nível de escolaridade satisfatório para desempenhar
ocupações ou funções próprias ao contexto urbano, o que em tese poderia garantir
sua permanência na cidade. A vinda para as proximidades da cidade de São Luís
representa, num primeiro momento da trajetória, a aproximação com os equipamentos
urbanos, os serviços de saúde e de educação para os filhos e outros atrativos que a
cidade poderia oferecer.
Na maioria dos casos, as expectativas se contrastam com a realidade com a qual se
depararam na cidade. Nesse sentido, o processo de ocupação do território nos
povoados aqui estudados representa uma possibilidade de adaptação, tanto do ponto
de vista das atividades produtivas (agricultura, pesca, coleta e extrativismo), quanto no
âmbito da sociabilidade construída e/ou ressignificada (manutenção das relações de
parentesco, organização familiar do trabalho, práticas e manifestações religiosas).
Desde as primeiras notícias, em 2007, sobre a possível instalação da termoelétrica na
área do Itaqui Bacanga, a Vila Madureira tornou-se o foco das ações da MPX, pois a
área almejada para instalação do empreendimento correspondia exatamente ao local
com maior concentração das casas deste povoado. Camboa dos Frades não era
visibilizada nas discussões e/ou materiais técnicos e de divulgação publicados pela
empresa e mesmo nos debates dos movimentos sociais. Até o final de 2008, os
moradores de Camboa dos Frades não se organizavam de forma autônoma e eram
representados pela União de Moradores da Vila Madureira.
Camboa dos Frades possui entre 35 e 40 famílias e essa variação no quadro
demográfico relaciona-se à sazonalidade das atividades produtivas (pesca e
agricultura). Segundo levantamento de Pereira, Oliveira e Amorim (2008), num
universo composto por 35 informantes, as famílias apresentam uma renda variável
entre 1 e 2 salários mínimos e 82% são analfabetos e semi-analfabetos ou
apresentam escolaridade correspondendo ao ensino fundamental incompleto. A
pesquisa indica ainda que 73% dos entrevistados não apresentam formação
profissional específica e que as aposentadorias aparecem como fonte de renda
82
importante. Além dessas condições, as instalações de energia elétrica no local são
muito precárias e os moradores também não possuem água encanada. Neste
povoado não existem escolas nem posto de saúde e os sucessivos governos
estaduais e municipais não têm prestado estes serviços nessa área, dificuldade
mediante a qual, segundo informações de moradores têm contribuído para facilitar os
processos de negociação para possíveis deslocamentos.
No processo de negociação entre a MPX e os moradores, quanto ao deslocamento
dos mesmos da área, a União de Moradores da Vila Madureira apresentava-se como
representante dos dois povoados e, efetivamente, moradores dos dois povoados
participavam das reuniões promovidas pela instituição. No entanto, como somente a
Vila Madureira localizava-se nos 50 hectares planejados para a instalação da
Termelétrica, as especificidades de Camboa dos Frades não eram contempladas nos
debates e negociações. Um exemplo desta situação está relacionado ao fato de que
uma grande parte da área de Mangue33 que separa os dois povoados seria ocupada
pela MPX, pois, ali seriam instalados os equipamentos para transportar o carvão
mineral dos navios até o local de seu beneficiamento. A instalação desses
equipamentos iria interromper definitivamente o ramal de acesso ao povoado e isolar
os moradores de Camboa dos Frades. Pelas informações obtidas no trabalho de
campo, tratava-se de uma situação que não havia sido esclarecida aos moradores de
Camboa dos Frades durante as reuniões com representantes da empresa.
Todo o processo de negociação referente ao deslocamento da Vila Madureira foi
conduzido pelo Setor de Responsabilidade Social da MPX, que muito habilmente
aproximou-se da diretoria da União de Moradores, em especial de seu presidente, e,
através de seus sociólogos, assistentes sociais e psicólogos, passou a fazer visitas
constantes ao povoado, visitando casa por casa e realizando um trabalho sistemático
de convencimento da conveniência do deslocamento. As promessas feitas aos
moradores consistiam em: indenizações (que na maioria dos casos foi de cerca de R$
1.200,00) e uma casa titulada em conjunto residencial a ser construído com este fim,
mobiliada e com um computador, além do transporte para o deslocamento. Sem
maiores resistências, em abril de 2009 ocorreu o deslocamento para o Residencial Vila
Nova Canaã, construído MPX no município de Paço do Lumiar, a cerca de 40 Km do
antigo povoado.
33
Sobre o ecossistema local, Pereira, Oliveira e Amorim (2008) relatam o seguinte: “Observar-se na área as mais variadas espécies de mangue como: mangue vermelho (Rizophora mangle L.), mangue branco (Laguncalaria racemosa) e mangue de botão (Conocarpus erectus) que vem sofrendo degradação, sobretudo ocasionada pela retirada de vegetação para a construção de casas e dos empreendimentos”.
83
Após a aprovação do licenciamento ambiental e o início da implantação da
termoelétrica (maio de 2009), os moradores de Camboa dos Frades, como referido
anteriormente, testemunham uma condição dramática no exercício básico de sua
cidadania: o direito de ir e vir. Na medida em que a estrada de acesso a Camboa dos
Frades passava pelo meio da Vila Madureira, com o controle privado da área, para
entrar e/ou sair do povoado, seu moradores passaram a ser submetidos ao controle e
a constrangimentos por parte dos seguranças da empresa, que se apresentavam
armados. Além disso, estavam sujeitos ao perigo de transitarem por via tomada por
caminhões, maquinários pesados e materiais, dificultando a passagem dos moradores
e, como era período chuvoso, viam suas vias de acesso tomadas pela lama, devido às
obras de terraplanagem que se iniciavam. As crianças, para tomarem o transporte
para a escola, passaram a ter que andar por cerca de 30 minutos até a BR 135,
ficando expostas aos perigos representados pelas atividades de construção da
termelétrica.
A criação da Associação de Moradores de Camboa dos Frades, no final de 2008, deu-
se em função da necessidade da comunidade se organizar politicamente para
reivindicar direitos e resistir às agressões das quais se viam vítimas. A partir de então,
através dos diretores da Associação recém formada foram levantados elementos que
questionaram o processo de licenciamento da termelétrica, bem como, a situação em
que se encontra o povoado de Camboa dos Frades:
1) A empresa iniciou nova estrada de acesso à Camboa dos Frades, por dentro do
mangue, com um trajeto desaprovado pelos moradores devido ao aumento da
distância com relação à BR-135, além do que desmatou uma área considerável da
vegetação de mangue. O IBAMA, em função do impacto no mangue, não autorizou
esta obra, que encontra-se embargada.
2) Durante o processo de licenciamento para a construção da termoelétrica, os
moradores de Camboa dos Frades não foram comunicados sobre a situação,
prevalecendo informações distorcidas e manipuladas pela União de Moradores. O
povoado foi ignorado tanto pelos empreendedores, como pelos próprios moradores da
Vila Madureira, que foram orientados pelos técnicos do Setor de Responsabilidade
Social da MPX a não manter diálogo e não passar informações do que viria a
acontecer mais tarde.
3) Os moradores reclamam que estão sendo prejudicados mais recentemente por dois
problemas: o primeiro, diz respeito aos dejetos que, sem qualquer tratamento, são
despejados nos igarapés pela empresa “Ecodiesel”, o que tem reduzido a produção de
84
pescados; o segundo, refere-se ao assoreamento dos igarapés em que pescam, pois,
o desmatamento e aterramento feito pela MPX para instalação das obras estaria
causando a descida de areia, barro e lama.
4) No povoado não tem escola e posto de saúde, o que implica em deslocamentos
para obtenção destes serviços.
Na memória dos mais antigos, paira a lembrança de um “tempo de fartura”,
contrastando com a situação atual, que compromete as possibilidades de reprodução
social do povoado. O recente processo de organização da Associação dos Moradores
de Camboa dos Frades e a disposição de suas lideranças de buscar informações
sobre seus direitos, principalmente no que se refere às possibilidades de controle do
território e implantação/manutenção de condições de vida dignas, para o
empreendimento tem sido um problema.
A permanência de Camboa dos Frades entre o empreendimento e o mar apresenta
duas ordens de problemas: dificuldades para a instalação dos equipamentos de
transporte do carvão mineral, da água do mar e da água resultante do processo
produtivo; possíveis denúncias futuras quanto aos efeitos da poluição sobre a
população local, após a entrada em funcionamento do empreendimento.
Em função dos embates relacionados, atualmente, com a possibilidade de
permanência e controle do território e com as consequências ambientais já
constatadas após o início das obras de terraplanagem, somados aos possíveis
confrontos decorrentes da continuidade das obras e do funcionamento da termelétrica,
podemos afirmar que se encontra em andamento o confronto de duas lógicas de
ocupação do território.
Conclusão
A implantação na Amazônia brasileira de um modelo de desenvolvimento altamente
impactante sobre populações e ambientes, concebido no regime ditatorial de 1964,
resultou no confronto com lógicas diferenciadas de ocupação e uso de territórios e
recursos. Este modelo, ainda hoje, é mantido em boa parte de suas característica e
continua a impactar grupos sociais que reagem, na busca de manter seus modos de
vida. Se não conta mais com o poder de repressão assegurado no período militar,
recorrentemente utilizado nos processos de deslocamento compulsório de grupos que
mantinham territórios almejados pelos projetos a serem implantados ou para a
contenção de protestos resultantes de externalidades geradas por estes mesmos
85
projetos, hoje é crescente a utilização de processos de manipulação dos instrumentos
legais, previstos na legislação brasileira (tais como os Relatórios de Impactos
Ambientais), e da organização social dos grupos sociais atingidos por seus impactos.
No Maranhão, conflitos sócio-ambientais se configuram desde o início dos anos 1980
e continuam a surgir novos, na medida em que as características impactantes do
modelo de desenvolvimento dominante se renovam com a retomada da capacidade de
investimento do Estado brasileiro (abalada pela última crise econômica mundial, mas
não comprometida em seus fundamentos) e são permanentemente anunciados novos
grandes projetos de desenvolvimento ou ampliação dos já existentes, que envolvem a
iniciativa privada e são de infra-estrutura ou produtivos, referidos a atividades ligadas à
industrialização, à agropecuária, à pesca industrial, à carcinicultura, ao turismo.
Mesmo que os impactos sejam discursivamente amenizados, por exemplo, através da
incorporação de noções como desenvolvimento sustentável, sustentabilidade,
responsabilidade social e ambiental, no momento em que a discussão da questão
ambiental toma uma crescente importância no cenário internacional, estes conflitos
continuam a surgir e/ou a aprofundarem-se, exigindo que sejam ampliados os estudos
sobre impactos sócio-ambientais e suas consequências.
Nas duas situações analisadas, há recorrência de denúncias junto ao Ministério
Público sobre a violação dos Direitos Humanos por parte das ações dos
empreendedores. Em Camboa dos Frades, os moradores foram impedidos de se
deslocar do povoado, ficando isolados e sendo ameaçados pela segurança da MPX.
No caso de Salvaterra, os moradores têm reclamado da presença de maquinários
(caminhões, tratores, máquinas) que ameaçam invadir as áreas de plantios (roças)
para ampliação das vias de acesso da Refinaria Premium I. Há notícias de
enfrentamentos físicos entre os trabalhadores rurais de Salvaterra e funcionários das
empresas terceirizadas dos serviços de terraplenagem. Por outro lado, temos
constatado com muita recorrência a presença de profissionais ligados ao setor de
“responsabilidade social” das empresas ou a órgãos estatais intencionados em forjar
situação de consenso na decisão de deixar as terras em troca de indenizações.
Observando a situação de grupos já deslocados, percebemos que as pessoas relatam
com arrependimento em ter aceitado o valor indenizatório, muitas vezes,
insignificantes se valorados em termos de serviços ambientais e sociais para esses
grupos (STEINHORST DAMASCENO, 2009) e se dizem “lesados”, além de que
relatam a perda de seus referenciais, pois, raramente, após o deslocamento, as
pessoas permanecem juntas aos seus parentes.
86
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89
ANEXO VI
Artigo publicado nos anais do:
VIII Congreso Latinoamericano de Sociologia Rural - América Latina: realineamientos
políticos y proyectos en disputa. Porto de Galinhas-PE, 2010. p. 1-14.
(www.alasru.org/cdalasru2010/1%20trabalhos%20completos/GT-13/26-
8/GT13%20Bartolomeu%20Rodrigues%20Mendonça.pdf)
O MESMO E O OUTRO: jovens camponeses e a negação da cultura
campesina34
Bartolomeu Rodrigues Mendonça - [email protected]
Sociólogo, mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas, prof. do COLUN/UFMA e coordenador do GEDMMA/UFMA.
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior - [email protected]
Sociólogo, doutor em Ciências Humanas [Sociologia], prof. do DESOC/PPGCS/UFMA e coordenador do GEDMMA/UFMA.
Introdução
Os modos e estilos de vida que se convencionou chamar de urbano e de
rural, com suas tensões, conflitos, disputas, distâncias, dissensos, consensos,
acordos, aproximações, têm sido bases de inúmeras pesquisas e,
consequentemente, resultado em produções acadêmico-literárias que buscam
demonstar as supostas distinções existentes entre esses mundos.
Diversos artigos, livros, reportagens podem ser consultados sobre a
temática incitando entendimentos os mais variados; como a ideia de que essa
relação urbano-rual está superada, que os campos sibólicos desses dois
espaços socioculturais foram aproximados pela moderna prática da circulção
34
Ponencia presentada al VIII Congreso Latinoamericano de Sociología Rural, Porto de
Galinhas, 2010
90
de infomações. Entretanto, o que se pode perceber é que essa circulação de
informações, ao aproximar esses mundos distintos, ao invés de diminuir as
diferenças, fez com que elas se afirmassem, se confrontassem e se tornasem
mais visíveis (GUIMARÃES, 2002; SILVA, 2008; CASTRO, 2008).
Neste artigo, pretendemos discutir e problematizar as proximidades e
distanciamentos existenes entre campo e cidade. Para tanto, utilizamos os
dados e informações constuídos a partir de pesquisa de campo e bibliográfica
quando da elaboração do trabalho de pesquisa de mestrado realizado nos anos
de 2007 e 2008 em três povoados (Salgado, Bom Gosto e Porto da Roça) de
dois municípios do Estado do Maranhão (Icatu e Humberto de Campos).
Durante a pesquisa, percebemos que o número de jovens nos povoados
em estudo era desproporcional à quantidade de filhos que as famílias
informavam ter. Buscando invetigar o porquê dessa desproporcionlidade, o que
se percebeu foi que há uma idade em que os adolescentes são “obrigados” a
sairem para as áreas mais urbanizadas para continuar estudando; entretanto
esse “continuar estudando” não nos satisfez e nos gerou perguntas, questões:
o que se busca ao sair de casa para estudar? Seria somente a necessidade
por novos conhecimentos? E por que os conhecimentos locais não são/eram
suficientes? Em que esse sair contribuiu para a reprodução material e
simbólica do grupo?
Frente a estas questões resolvempos ajustar as lentes em busca de
compreensões sobre esse fato que diz muito sobre a relação simbólica entre o
campo e a cidade.
1. A organização social
Iniciemos com uma breve caracterização das famílias e dos jovens
desses povoados.
O estrato etário dos entrevistados mostra predominância de adultos,
já que os questionários foram direcionados para os provedores do grupo
familiar. As faixas etárias de 26 a 55 anos somam 64% da amostra. Ainda
assim, a participação dos jovens é significativa, 16% entre 12 e 25 anos
participam da estrutura produtiva dos povoados, os idosos, acima de 66 anos,
representam pouca participação, apenas 4% (Gráfico 1).
91
Distribuição dos entrevistados por sexo
54
47%60
53%
Masculino
FemininoN = 114
Distribuição dos entrevistados por
faixa etária
16%
23%
23%
18%
16%
2%
2%12 a 25
26 a 35
36 a 45
46 a 55
56 a 65
66 a 75
Acima 76
lllll
N = 114
Gráfico 1. Distribuição dos entrevistados por faixa etária, 2008.
A amostra revelou um número maior de mulheres, sendo 53% de
sexo feminino contra 47% do sexo masculino (Gráfico 2). Isto pode explicar-se
pelo fato que elas ficam mais tempo em casa durante o horário diurno, período
utilizado para a aplicação dos questionários e, por isso mesmo, tenham
aparecido mais vezes, mas também as resposta demonstram suas
participações no processo produtivo dos povoados.
Gráfico 2. Distribuição dos entrevistados por sexo, 2008.
A maioria dos moradores é constituída por pessoas casadas ou que
moram junto. Estas duas categorias representam 81% das situações civis dos
moradores dos povoados, conforme a amostra tomada para análise, que
aponta, ainda, que 13% são solteiros, 4% e 2% são viúvos e separados,
respectivamente. A maioria dos entrevistados, também tem filhos, sendo que
86% responderam que têm filhos e 14% disseram que não (Gráficos 3 e 4).
92
Distribuição dos entrevistados em
função do estado civil
13%
21%
60%
2%
4%Solteiro
Casado
Mora junto
Separdo
ViúvoN = 114
Se o entrevistado tem filhos
86%
14%
Sim
Não
N = 114
Número de filhos por entrevistado
15%
27%
32%
18%
8% Nenhum
1 a 3
4 a 6
7 a 10
Acima 10N = 114
Gráfico 3. Distribuição dos entrevistados em função do estado civil, 2008.
Gráfico 4. Se o entrevistado tem filhos, 2008.
Gráfico 5. Número de filhos por entrevistado, 2008. Gráfico 6. Número de filhos que residem fora do povoado, 2008.
Número de frilhos que reside fora
56%25%
18%1%
Nenhum
1 a 3
4 a 6
8 a 10
N = 114
A média de filhos é de 4,5 por casal. Sendo que 32% dos
entrevistados têm entre 4 e 6 filhos; 15% não têm filhos e 8% têm acima de 10
filhos. As famílias, geralmente, são numerosas, entretanto, boa parte dos
adolescentes e jovens não vive com os pais. 44% dos entrevistados têm pelos
menos um filho morando fora do povoado e destes 18% têm de 4 a 6 filhos
residindo fora. Os principais motivos, geralmente, são para estudar e/ou
trabalhar; sendo que, em 43% dos casos, os jovens saíram do povoado para
estudar e trabalhar; 16% só para estudar e 37% apenas em busca de postos
de trabalho (Gráficos 5 e 6).
Como as famílias não dispõem de recursos para manter os jovens
nos centros mais urbanizados, onde se oferece educação gratuita até o ensino
médio e, em tese, mais oportunidades de emprego, estes jovens co-habitam
com parentes, em alguns casos, de parentesco distante (68% dos que moram
93
Motivo de residir fora do povoado
16%
37%
43%
4%Estudar
Trabalhar
Estudar e
trabalhar
Outros
Com quem reside fora do povoado
68%6%
4%
20%2%
Parentes
Amigos
Conhecidos
Sozinho
Outros
N = 114
N = 114
fora dos povoados vivem com parentes). Mesmo aqueles que saem para
trabalhar, terminam co-habitando com amigos ou parentes, porque,
geralmente, os empregos que conseguem não lhes auferem renda suficiente
para o provimento de alimentação, transporte, vestuário, aluguel ou mesmo
financiamento de um imóvel (Gráficos 7 e 8).
2. Sonhos de criança e de adulto também
“Quando achavam que a educação é ter diplomas, seguindo uma definição econômica da instrução, não tiveram professores nem escolas” (ETEVA, 2000).
Nos casos em que crianças, adolescentes e jovens que são
obrigados a saírem das casas dos pais para continuar estudando, o apoio de
familiares é fundamental, mas há casos que os adolescentes migram para os
centros urbanos para morar com “amigos da família” e, em situações extremas,
as crianças (na maioria meninas) deixam seus familiares e aventuram-se em
casas, na cidade, servindo de trabalhadoras domésticas, em troca de comida e
de abrigo próximo a uma escola pública.
Da amostra qualitativa realizada na pesquisa, constatamos que,
por algum motivo, 44% dos entrevistados têm filhos morando em outro
povoado, município ou estado. Fizemos um esforço no sentido de consultar a
literatura sobre informações semelhante, mas não obtivemos sucesso; a idéia
era comparar este percentual com outras realidades. Mas, em conversas
informais com outros pesquisadores que também estudam situações análogas,
há uma certa convergência no sentido de perceber que os povoados mais
distantes das sedes dos municípios do interior do Estado tendem a apresentar
94
um corte na estratificação etária, sendo que a presença de adolescentes e
jovens não corresponde à proporcionalidade de adultos e a média de filhos por
família. De todo modo, se ficarmos apenas com a regularidade e
representatividade dos números, embora não desmerecendo sua importância,
a capacidade analítica, ao nosso juízo, fica comprometida, podendo impedir
algumas inferências, afinal a frieza numérica não mede nem expressa os
sentimentos, as expectativas e os sonhos que habitam os imaginários de filhos
e pais que se inserem nesse cenário.
Sendo assim, a descrição de situações de crianças que deixaram
suas famílias para estudar, no município de São José de Ribamar35, nos serviu
como referência para compreensão das “maneiras de agir, de pensar e de
sentir” (DURKHEIM, 2001, p. 32). Ou conforme sugere Jara (2001, p. 260): “As
pessoas movimentam-se a partir de pensamentos, sentimentos, referências e
representações elaboradas no cotidiano da vida social”, ou seja, é importante
discutir e problematizar as motivações que fazem com que os pais de um
grande número de crianças optem por enviar seus filhos a aventurarem-se nas
escolas públicas dos centros urbanos e quais as expectativas destes meninos
e meninas.
A família de João36 vive no povoado de Bom Gosto, Icatu,
Maranhão. João tem nove irmãos, seis dos quais já saíram de casa, ficando
apenas os mais novos. João tem doze anos, estudou na escola municipal do
povoado até a 4ª série do ensino fundamental, pela metodologia do
multisseriado37.
A vez de João, seguindo o histórico familiar de migração para
estudar ou trabalhar, coincidiu com nossa etapa de trabalho de campo de 09 a
12/02/2008. Nos primeiros dias de campo, a Sra. Teresa, mãe de João, nos
indagou se poderíamos levá-la no carro que estávamos; a viagem seria para
deixar seu filho na casa de um conhecido, em São José de Ribamar, para
35
São José de Ribamar é um dos quatro municípios que compõem a Ilha do Maranhão, onde fica a Capital do Estado, São Luís. 36
João é o pseudônimo de um adolescente que migrou de Bom Gosto para São José de Ribamar, esta opção tem o objetivo de preservar a identidade do menino. Os nomes dos seus familiares, quando aparecerem, também gozarão deste artifício. 37
Numa mesma sala de aula e com uma única professora, estudam alunos de várias série escolares diferentes.
95
continuar os estudos, nos revelando, mais tarde, que já havia uma filha sua
morando na referida residência.
A Sra. Teresa (entrevista concedida em 11/02/2008) manifestou
em várias ocasiões preocupações com os filhos que estão distantes. Pergunta-
se se eles estão bem, se vão conseguir “ser alguém na vida”. Para ela, seria
bom que seus filhos estivessem juntos, mas afirma: “é melhor para eles, aqui é
essa coisa de sempre, não tem futuro”. E, chorando, já começa lamentar a falta
que João fará no dia-a-dia, nos afazeres domésticos: “quando o menino tá
começando a ajudar, ele tem que ir embora, ele já fazia mandados, ia no
Salgado dar um recado, comprar uma coisa, já ajudava o pai dele na roça.
Agora vai ficar só nós e esses dois pequeninos, mas eu sei que é o melhor
para ele”.
Na mesma ocasião que a Sra. Teresa deixou seu filho na casa de
amigos, no município de São José de Ribamar, ela iria a São Luís para visitar
outra filha que também estava em casa de amigos da família, mas que,
conforme afirmara, “estava dando problema”. Segundo a Sra. Teresa, na casa
em que morava sua filha “a dona não estava lhe dando nada”, embora elas
tivessem firmado acordo que a menina seria remunerada em R$ 100,00 (cem
reais) por mês. Dona Teresa se mostrou muito ofendida, afirmando que não
entendia porque aquela senhora estava fazendo isso com sua filha, pois
conforme nos revelou: “ela sempre foi muito boa, eu morei muitos anos na casa
dela e nunca tive problemas”.
A segunda situação, diz respeito a Maria38, uma adolescente de
quatorze anos que vive há dois anos com o tio, também em São José de
Ribamar, cujos pais residem em Porto da Roça, Humberto de Campos,
Maranhão.
Na primeira etapa de trabalho de campo, conheci os pais de
Maria. Eles falavam muito sobre sua filha que está estudando, é muito
inteligente e sonha ser juíza. Quando retornei ao Porto da Roça, nos dias 16 a
19/11/2007, por ocasião da Festa de Nossa Senhora da Vitória, em uma
viagem de seis horas de barco, tive a oportunidade de observar o retorno de
diversos jovens em função da festa, inclusive Maria.
38
Neste caso, também, utilizamos pseudônimos.
96
Como que querendo aproveitar cada momento daquele retorno, a
adolescente não parou um instante. Durante o dia, visitava os amigos e à noite
estava na festa, mas no último dia consegui uma conversa com ela. Nesta
ocasião, ela e sua mãe já estavam começando a sentir a distância e choravam
porque iam se separar novamente.
Maria (entrevista concedida em 19/11/2007) informou que cursara
da 5ª à 7ª série na sede do município de Humberto de Campos, mas como
havia muita falta de professores e a qualidade do ensino não era boa, a família
resolveu que a menina fosse para São José de Ribamar. Do bairro em que
mora, Maria precisa andar, todos os dias, quarenta minutos para chegar à
escola, depois mais quarenta minutos para retornar para casa. Ela pensava
que seria melhor sua ida para um município que faz fronteira com a capital,
mas revela que “é muito cansativo, meus pais não têm como mandar dinheiro
para pagar passagem todo dia e também falta professor na escola”.
A necessidade de sair de um lugar em busca de melhores
condições39 para uma criança, adolescente ou jovem, parece totalmente
naturalizada no imaginário dos moradores destes povoados, inclusive tem
quem afirme que não manda seus filhos estudarem em centros urbanos porque
não tem condições financeiras de mantê-los. Mas, como pano de fundo,
aparece uma questão talvez óbvia: por que o imaginário desses moradores é
preenchido com a firme idéia de que, fora dali, há a redenção para as
dificuldades, principalmente das gerações mais jovens? De onde vem esta
certeza? Há casos que reforçam esta idéia?
Relação campo-cidade: o desejo, a ideia e o discurso
Séculos de propaganda de um discurso sobre um suposto estilo
de vida urbano40= civilizado = cortez, com vestuário, linguagem,
39
No caso em análise, essa suposta melhoria de condição vida tão sonhada tanto pelos pais dessas crianças e jovens quanto por elas mesmas refere-se a buscar mecanismo que garantam seus acessos ao que é produzido material e simbólicamente na cidade. Não se pensa na possibilidade de se deparar, na capital São Luís, com a periferização, com as condições duras e desumanas, que gravitam em torno de um núcleo urbano imaginado como chique, charmoso e glamoroso (Montanaro, 2010). 40
Ao consultar o dicionário Houaiss & Villar (2001) da língua portuguesa veremos que urbano coincide, é sinônimo, de “afável, civilizado, cortez, polido, fino, relativo ou pertencente à cidade”, e antônimo de “abrutalhado, descortês, inurbano, rural, rústico, caipira, malcriado e tolo”.
97
comportamento, etiqueta próprios fizeram com que fosse eleito como “O” modo
de vida humano, por excelência.
Afinal, conforme sugere Foucault (1996, p. 10):
Por mais que o discurso seja pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é também, aquilo que é o objeto do desejo; visto que o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo quê se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.
Os enredos discursivos dos moradores dos povoados pesquisados
são direcionados pelo discurso da cidade e para apoderarem-se deste discurso
dominante é preciso viver a objetividade dominante.
Vive-se em um mundo permeado por informação, tecnologia e consumo, e a sociedade do espetáculo apresenta-se como capaz de combinar o inconciliável, o injustificável, de criar e recriar necessidades ou carências fundamentais não-realizáveis (GUIMARÃES, 2002, p. 296).
As mentes, as subjetividades têm sido atravessadas por códigos
discursivos e etiquetas sociais que valorizam hábitos, atitudes e estilos de vida
que, além de serem contrários a uma suposta mudança de paradigma de
produção e de consumo, fazem com que os mercados se mantenham
sobrepostos aos outros aspectos da vida. Jara (2001, p. 259) tem contribuído
para compreendermos estas questões quando diz que:
Os potenciais invisíveis, energias e pulsões inerentes aos códigos cultural e emocional, precisam ser integrados ao processo de desenvolvimento local. Esses potenciais vêm sendo utilizados pela publicidade na estruturação da subjetividade totalitária que molda o comportamento da massa de consumistas pelo prazer a curto prazo. Há especialidade exitosa na manipulação dos sentimentos, criando ou suprimindo identidades em favor do mercado.
Para muitos, então, é melhor viver nas periferias das cidades41 do
que longe delas. Ter a sensação de compartilhar do mesmo espaço simbólico e
discursivo e de acesso às benesses urbanas dos mercados, em certa medida,
é o que move milhares de pessoas para as cidades e os jovens são especiais
41
Embora seja arriscado conceitual e metodologicamente utilizar uma suposta dicotomia entre cidade/urbano e outros espaços físicos e simbólicos, quando falamos de cidade não se trata de lugar físico apenas, mas principalmente como espaço sociosimbólico que guarda códigos morais, estéticas e etiquetas que têm sido difundidas como “arbitrário cultural dominante” (BOURDIEU; PASSERON, 1992), tanto é que muitos, consumindo a estética e a lógica citadina, não precisam viver na cidade fisicamente constituída.
98
nesse processo, uma vez que servem como reprodutores do sistema, como
sucessão geracional do ideal de cidade supostamente almejado pelo campo.
Por outro lado, há casos, é evidente, dos que, não precisando estar perto
fisicamente da cidade, relacionam-se por outros meios: têm o estilo de vida
urbano, formaram-se nos centros renomados, acumularam bens materiais e
agora levam a tecnologia (inclusive de transmissão de dados e informações
ditos de última geração) e todo o simbolismo do mundo urbano para conviver
geograficamente distante das cidades.
Há, portanto, não apenas a busca por melhoria objetiva de uma
suposta condição de vida nem uma migração espontânea para o espaço físico
das cidades, mas o que se deseja é o reconhecimento da condição humana,
que muitas vezes é negado aos estilos que estão fora do escopo discursivo
e/ou objetivo da civilização do consumo, materializada na cidade. Para tanto,
há uma forte tendência por parte das gerações que se sucedem em negar os
códigos morais e de conduta, os vocabulários, os gestos e as técnicas
corporais que definem o ser campesino em oposição ao citadino. Essa
negação de si e dos seus aperece como uma estratégia em busca de aceitação
pelo espaço urbano.
Entretanto, isso não ocorre de modo linear, fácil e definitivo. Há,
entre os jovens dos povoados base desta pesquisa, certa dualidade em se
sentir pertencente ao campo, mas respeitado e inserido no escopo simbólico da
cidade, de sair da suposta condição de inferioridade por ser do mundo rural.
Nesta direção, poderíamos recorrer às proposições de Elias e
Scotson (2000, p. 24):
Afirmar o rótulo de “valor humano inferior” a outro grupo é uma das armas mais usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social, o estigma social imposto, costuma-se penetrar na auto-imagem e com isso enfraquecê-la e desarmá-la.
Há uma busca de sair da condição de indolente, bárbaro, ignorante
para a condição humana, ser reconhecido, e nada melhor do que transitar e ser
aceito na instituição escolar que tem como objetivo transmitir e reforçar os
acordos sociais, as comovisões, os estilos aceitos ou rejeitados no contexto
social dominante (BOURDIEU; PASSERON, 1992). Então, com relação às
99
crianças, adolescentes e jovens que saem de suas casas para estudar nos
centros urbanos, supõe-se que também buscam apoderar-se do plano teórico,
prático e discursivo próprio do grupo de maior poder na sociedade, o grupo
urbano.
Geralmente nas cidades, ainda que naquelas chamadas de
“modelo”, há um núcleo com toda estrutura que disponibiliza conforto e
comodidade e ao mesmo tempo uma região, bem maior que o núcleo, que
carece de infraestrutura mínima de abastecimento de água, de coleta de lixo,
sistema de esgoto, com moradias precárias, ou seja, as cidades (o lugar da
realização dos sonhos) jamais foram justas com todos os seus moradores. Mas
uma coisa é verdade: ela sempre aponta para a possibilidade (ainda que
fictícia) de ascensão social, e isso move vidas e gerações inteiras. Há casos
que os pais transferem a missão, o sonho, o desejo para os filhos; nesta
pesquisa de campo mesmo, certo interlocutor dizia que: “eu já estou velho,
cansado, mas os meninos podem ainda ir para a cidade, estudar, trabalhar e
ter uma vida melhor”.
Mesmo com as suas contradições, os aspectos interditados da
cidade conseguem ser camuflados e a matemática dos valores tem sido
favorável à conduta e à etiqueta urbana. O que leva, em alguns casos, aqueles
grupos ou pessoas que não compartilham deste território simbólico a
vivenciarem “afetivamente sua inferioridade de poder como um sinal de
inferioridade humana” (ELIAS; SCOTSON, 2000, p. 28).
Os grupos com pouco ou nenhum poder de consumo da estética, da
gramática e da etiqueta da porção dominante da sociedade são, em alguns
casos, “vistos – coletiva e individualmente – como anômicos” (ELIAS;
SCOTSON, 2000, p. 26); em outros casos, pela sua condição próxima à
natureza, pela sua inocência são lidos como detentores de poder de salvação
da humanidade que se afastou da mãe natureza (DIEGUES, 1996), mas, em
ambos os casos, opera a idéia de tutela, de que se faz necessária a
intervenção dos donos do conhecimento e da técnica para direcionar os
caminhos dos grupos de menor poder.
No primeiro caso, os centros de referência acadêmica e tecnológica
e as instituições governamentais de planejamento agem com programas e
projetos capazes de remediar tal condição, já na segunda possibilidade estes
100
centros e instituições defendem a preservação da cultura do grupo local
(SOUSA; FURTADO, 2004 e BUARQUE, 2002).
Como há uma aceitação tácita de que é necessário às crianças e
aos jovens irem para a escola, parece que o simples preenchimento desta falta
seria o suficiente ou, como alguns advogam, é preciso ir por partes, primeiro
escola para todos, depois se pensa que tipo de escola pode atender às
demandas. Mas será que uma escola distante espacial e simbolicamente dos
territórios socioculturais dos povoados de pescadores e lavradores atende às
suas demandas? O simples fato das crianças saírem para estudar na cidade ou
mesmo levar o modelo de escola universal (leia-se com os códigos e objetivos
dos grupos dominantes) para os povoados atende às necessidades objetivas e
simbólicas destes grupos?
Ou seria conforme sugere Freitag (1980, p. 38):
[...]„toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica‟: no caso da hegemonia burguesa, trata-se essencialmente do processo de aprendizado pelo qual a ideologia da classe dominante se realiza historicamente, transformando-se em senso comum. É uma pedagogia política, que visa a transmissão de um saber, com intenções práticas.
A proposição de uma educação deslocada da realidade dos
povoados aqui investigados leva a resultados que geralmente são
negligenciados pelos agentes e instituições educacionais, ou seriam esses
resultados os realmente pretendidos por estas instituições? No caso de João,
por exemplo, sua mãe reclama que o menino tem muita dificuldade de
concentração, de acompanhar o ritmo das aulas, e os conteúdos; do mesmo
modo ao retornar para o povoado sente dificuldade com o trabalho da roça ou
da pesca, pois o corpo perdeu o condicionamento das técnicas apreendidas na
labuta diária, gerando uma certa liminaridade, ou seja, o menino desaprende
técnicas essenciais para o modo e meio de vida (MAUSS, 2003) nos povoados
ao mesmo tempo que não consegue assimilar as novas técnicas intelectuais e
comportamentais da escola tipicamente urbana.
Conclusão
Ao sair do espaço material e simbólico rural, os jovens dos povoados
Salgado, Bom Gosto e Porto da Roça, negam, ainda que implicitamente, a si e
ao grupo, bem como seu modo de ser e compreender o mundo.
101
O desejo pelo consumo estético do urbano em contraposição ao
rural, faz com que a dicotomia rural-urbana se mantenha objetiva e é reforçada
por instituições como a escola, que tem em seu escopo curricular os
paradigmas do urbano. Isso faz com que se crie e reforce, no âmbito do
simbólico, o lugar do bem viver, da melhoria de vida, ainda que não se confirme
materialmente nos centros urbanos. Porque, embora se tenham as cidades
imersas em violências, poluições, periferizações, os símbolos do bom lugar
ainda são mantidos no âmbito do discursos como também dos lugrares
referência: shopingg, bairros nobre, ruas e avenidas largas e iluminadas.
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102
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MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. In: Sociologia e antropologia. Tadução: Paulo Neves, São Pulo: Cosac Naify, 2003.
MENDONÇA, Bartolomeu. A natureza “é mina, não acaba nunca”: uma avaliação da sustentabilidade na Baía do Tubarão na percepção dos seus moradores. São Luís, 2008. 92 p. Programa de Pós Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas, mestrado. Universidade Federal do Maranhão.
MONTANARO, Silvestro. Não vale. Filme, 75 min, São Luís: JnT, 2010.
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103
ANEXO VII
Artigo publicado nos anais do:
VIII Congreso Latinoamericano de Sociologia Rural - América Latina: realineamientos políticos y
proyectos en disputa. Porto de Galinhas-PE, 2010. p. 1-20.
(http://www.alasru.org/cdalasru2010/1%20trabalhos%20completos/GT-
7/1SET/GT7%20Horácio%20Antunes%20de%20SantAna%20Júnior.pdf).
REFINARIAS DE PETRÓLEO E GRUPOS SOCIAIS LOCAIS; LÓGICAS
CONFRONTANTES NO BRASIL E EM ANGOLA
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, Dr. em Ciências Humanas (Sociologia)
Universidade Federal do Maranhão. [email protected]
Maria José da Silva Aquino, Dra. em Ciências Humanas (Sociologia).
Universidade Federal do Pará. [email protected]
No município de Bacabeira, situado no estado do Maranhão, na
Amazônia Legal e na região Nordeste do Brasil, às margens do rio Itapecuru, e
na cidade do Soyo, província do Zaire ao norte de Angola, no estuário do rio
Congo, encontram-se em andamento estudos e ações iniciais para a instalação
de duas grandes refinarias de petróleo em territórios tradicionalmente
ocupados por grupos sociais rurais.
Essas refinarias, para serem instaladas, provocam o confronto de
lógicas de ocupação territorial diferenciadas. Dentre essas lógicas, o trabalho
apresentado focaliza seu interesse em duas diametralmente confrontantes: 1) a
lógica do empreendimento, que torna invisíveis os grupos sociais locais e
percebe o território como espaço vazio e disponível para fortes intervenções
ambientais e sociais; 2) a lógica dos grupos locais, que percebe o território
como sendo pleno de significados, fonte de sobrevivência e espaço de
realização de modos de vida próprios, tradicionalmente estabelecidos e
relativamente pouco impactantes ao meio. Visamos aqui fazer uma
comparação, com ênfase nas especificidades, de duas experiências societárias
que se desenrolam a partir de políticas desenvolvimentistas relacionadas ao
processamento de combustíveis fósseis em larga escala.
104
No caso de Angola, maior produtor de petróleo ao sul do Sahara,
recurso que responde por 80% das exportações daquele país, 70% deste
produto, explorado sob o comando da Chevron Texaco, vem da costa da
província de Cabinda na qual, até bem recentemente, grupos oposicionistas
locais, como a Frente de Libertação do Estado de Cabinda, disputaram pela
instalação da segunda refinaria angolana em seu território, alegando a
necessidade de investimentos na modernização da estrutura econômica com
vistas à ampliação de oportunidades de emprego para seus habitantes. As
atividades de refino em Angola são realizadas através de uma parceria entre a
estatal Sonangol e a Petrobras.
No caso do Maranhão, a Petrobras, ao anunciar a construção da
Refinaria Premium no município de Bacabeira, planejada para ser a maior
refinaria já construída no Brasil e uma das maiores do mundo, encontra a
resistência do povoado de Salva Terra, cujos moradores resistem ao
deslocamento compulsório de seu território ancestralmente ocupado, contando
com apoio de movimentos sociais e ambientais.
Em ambos os casos, porém, a expansão da estrutura de refino de
petróleo não tem indicado possibilidades de inclusão social de populações
tradicionalmente identificadas com atividades como a agricultura, caça, pesca e
a criação de animais, ameaçadas pelas atividades comumente identificadas
com a modernidade e o desenvolvimento pela alta inversão de capital em
novas tecnologias, caso das estruturas de produção de combustíveis fósseis.
Além do que, a questão dos riscos ambientais se amplia. Procuramos perceber
como, em cada uma das regiões estudadas, podem ocorrer confrontos,
alianças, distanciamentos e aproximações na relação entre empresas, Estado,
movimentos sociais e grupos locais.
Berlin e Simulambuco: Angola e o Enclave (“exclave”) de Cabinda:
Angola, segundo maior produtor de petróleo do continente africano,
conta na província de Cabinda, à margem norte do estuário do rio Congo, com
mais de 60% de toda a produção de petróleo do país. É uma província que
guarda, em relação ao bloco das outras províncias que compõem o Estado
angolano, um diferencial. Na divisão do ex-reino do Congo em possessões
105
portuguesa, belga e francesa, no quadro geral da Conferência de Berlim42
garantiu-se, uma saída para o mar para os domínios belgas até então
geopoliticamente desfavorecidos nesse sentido. E, para tanto, acionou-se o
argumento de defesa da garantia da liberdade de comércio, da navegação dos
rios Congo e Níger e da interdição de tráfico de escravos. Como refere
Venâncio (2000: 84), a Conferência de Berlin não contou com a participação de
nenhuma autoridade africana interlocutora dos europeus durante a fase
mercantilista. Arbitrariamente, entre si, as potências coloniais ratearam o
continente e Cabinda, que até aquela altura era um território soberano, assinou
com as autoridades portuguesas, em 02 de fevereiro de 1885, o Tratado de
Simulambuco, tornando-se um Protetorado de Portugal.
O território, hoje, continua sob a dominação política de Angola, porém,
na condição de “exclave”, ou seja, não mantendo com esta ligação por via
terrestre, pois é separada do resto do país pelo Estado do Congo. Apesar
dessa anexação remontar ao século XIX e desde então ter sido objeto de
questionamento, pois a anexação de Cabinda à Angola em 1974, segundo
Milando (2005), violou o Tratado de Simulambuco, importa para este momento
destacar o recrudescimento deste questionamento a partir do início do século
atual. Assim, grupos locais em Cabinda reivindicam independência em relação
à Angola desde 2002, quando o último acordo de paz encerrou a guerra civil
naquele país, mantendo-se, no entanto, na prática, uma estrutura de
organização de poder centralizado e de partido único.
Figura 2 Província de Cabinda e Angola
42
Conferência Africana ou do Congo, ocorrida no período de 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885, solicitada por Portugal e acolhida por Otto Von Bismarck, então chanceler alemão. Também conhecida por Conferência de Berlim, representa a organização das regras para ocupação da África de acordo com os interesses coloniais. Treze países europeus assinaram o ato resultante desta conferência que, de acordo com os especialistas, não reconheceu as culturas locais, a diversidade étnica, outras delimitações de territórios produzidas pelos povos lá estabelecidos. Estiveram lá presentes também delegações da Rússia, Estados Unidos e Turquia (Cf. Venâncio, 2000; Pain, 2007; Pereira, 2008).
106
Fonte: (www.cabinda.net). Acesso em 01/07/2010
De acordo com a Associação Cívica de Cabinda (Mpalabanda),
Angola e Cabinda foram governadas de forma diferenciada pelos portugueses
e, mesmo após a independência de Angola, essa diferenciação de tratamento
continuou, apesar e por causa da importância geopolítica de Cabinda.
Importância esta baseada na contribuição do petróleo de Cabinda ao PIB de
Angola, o que justificaria uma participação diferenciada da Província nos
rendimentos auferidos pelo Governo com exportações e royalties deste
produto. As relações entre a resistência em Cabinda representada pela Frente
de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), criada em 1963, e as forças
militares do Governo têm sido tensas. A repressão a este movimento tem sido
denunciada por lideranças locais, como o ex-padre Raúl Tati, atualmente
preso, junto ao colega Francisco Luemba, acusado de atentar contra a
Segurança do Estado. De acordo com a Anistia Internacional, a prisão foi
efetuada imediatamente após o atentado à Seleção do Togo, que resultou na
morte de duas pessoas, quando chegava à Cabinda onde participaria de um
jogo do CAN (Copa Africana das Nações). Raúl Tati, professor da Universidade
em Cabinda, liderança, militante dos direitos humanos, membro da ONG
“Associação pela Vida”, tem elaborado relatórios, desde 2002, sobre violação
dos direitos humanos na província, chamando a atenção em suas
manifestações para o autoritarismo do Estado Angolano através do MPLA,
assim como os métodos de resistência das FLEC, que não tem tido
107
sensibilidade para o diálogo, para o reconhecimento de outras frentes e
interesses43. A resolução pacífica do conflito entre as FLEC e o Estado
angolano é o que tem preconizado o movimento do qual participam as
lideranças acima referidas.
Enquanto isso o contingente populacional da capital da Província, a
cidade de Cabinda, cresce com a chegada constante das pessoas que
abandonam as áreas rurais mais próximas às florestas nas quais tanto estão os
guerrilheiros das FLEC quanto inúmeros destacamentos do controle militar do
Estado. Acorrem à cidade em busca de tratamento para a malária e na
esperança de encontrar trabalho nas construtoras partícipes da investida
modernizadora em marcha. Bem representativo deste estilo é o recentemente
estádio de futebol construído por uma empresa chinesa. O Estádio
Internacional de Chiazi, em Cabinda, um empreendimento orçado em 85
milhões de dólares, com capacidade para 20.000 pessoas, inaugurado a 30 de
dezembro de 2009, para recepcionar jogos da Copa Africana das Nações 2010.
Questão social e ambiental: da malária ao afastamento dos peixes
Nessa atmosfera, a ação militar repressora tem sido a maneira mais
marcante da relação do Estado com a população em Cabinda e, para o maior
produtor de petróleo de Angola, que conta também com a exploração da
madeira na Floresta do Mayombe, na fronteira com o Congo, a destituição
social e os prejuízos ambientais traduzem-se de forma flagrante na presença
quase “naturalizada” da malária, à qual as autoridades locais, segundo a
Agência Angola Press, em 21 de abril de 2010, assim têm reagido:
Cabinda - Dois mil e 452 casos de malária, 45 dos quais resultaram em óbito, foram registrados de janeiro a março do ano em curso, a nível da província de Cabinda, informou hoje (quarta-feira), à Angop, Maria Angelina Nunes, do programa provincial de combate à doença. (...)
Em 2009, foram distribuídas mais de 20 mil redes mosquiteiras às mulheres grávidas e crianças menores de cinco anos. Para as festividades do Dia Mundial da Malária, a comemorar-se a 25 deste mês, está prevista a realização de uma feira de mosquiteiros, no centro médico de Lombolombo (Notícia veiculada em 16 de março de 2010, consultada em www.portalangop.co.ao).
43
Violação dos Direitos Humanos Continua em Cabinda. Apostolado, 2003-04-21, disponível em www.cabinda.net/church2.htm. Ver também “Angola urged to free prisoners of conscience facing trial over Togo football team attack”, publicado no sítio da Anistia Internacional – www.amnesty.org). Acesso em 10 de julho de 2010.
108
A presença da malária, da tuberculose, de uma estrutura escolar,
habitacional e hospitalar insuficiente, iluminação pública e saneamento básico
também, compõe um território em cuja costa está instalada moderna estrutura
de produção de petróleo, blindada, independente: o autosuficiente Centro de
Operações de Produção da Chevron em Angola. Um centro administrativo
terrestre e campo marítimo de produção de petróleo, estrutura jamais afetada
pelos conflitos, guerra civil, movimentos armados, precariedade social e política
que lhes rodeia. Mas, os segmentos populacionais agricultores, extrativistas e
pescadores, esses sim, têm seus modos de vida alterados nestas
circunstâncias. A pesca, por exemplo, é uma das atividades mais afetadas.
Recentemente, a Associação dos Pescadores do município do Cacongo, que
representa mais de 1000 pescadores, manifestou-se apontando o derrame de
petróleo na costa e a destruição dos mangues na foz do rio Chiloango como
causas do desaparecimento dos peixes.
Em 08 de julho de 2010, foi veiculada uma matéria na Televisão Pública
de Angola sobre a situação dos pescadores no mar de Cacongo, litoral de
Cabinda, onde está situada a foz do rio Chiloango, cujo manguezal encontra-se
em elevado estado de degradação produzido pelos derrames de petróleo e
pelo fechamento de manilhas sobre a estrada que liga Cacongo a outros
municípios. Essas manilhas permitiam a comunicação da área de mangue com
o mar e, por consequência, garantiam condições adequadas à reprodução dos
peixes. Fechadas as manilhas, a água estagnou, a vegetação segue morrendo
e o volume de pescado é afetado. Estudos realizados por pesquisadores da
Universidade de Atlanta (EUA), apoiados pela Chevron, sobre a situação
ambiental da foz do rio Chiloango têm sido feitos atribuindo-se as causas à
ação do homem. Assim como alguns pescadores têm obtido da empresa
indenizações que têm variado de 150 a 1000 dólares, o que, segundo José dos
Santos, presidente da Associação dos Pescadores de Cacongo, não é
suficiente para compensar os prejuízos causados pelos derrames de óleo às
atividades de pesca artesanal (www.jornaldeangola.sapo.ao abrigado em
www.angonoticias.com. Acesso em 28 de junho de 2010).
Evidentemente, os acidentes com derrame de óleo no mar são mais
visíveis e às reações a estes, ainda que de maneira tímida, restrita à
verbalização da insatisfação dos diretamente atingidos quando demandados,
109
são colocadas de imediato. Mas, sabe-se que a indústria do petróleo e do gás,
cuja fronteira avança continuamente, desde as atividades de prospecção, seja
no mar ou em terra, faz parte do conjunto de atividades econômicas
consideradas mais impactantes nos sistemas de vida, com desdobramentos
em conflitos sociais que vão dos países amazônicos até a Birmânia, passando
pela África, onde a Nigéria é paradigma da relação entre violação dos direitos
humanos e produção de petróleo. Produção de conflitos nos quais se
combinam a defesa dos direitos humanos e a defesa do meio ambiente. Como
refere Martinez Allier em O Ecologismo dos Pobres (2007: 157-58), os conflitos
relativos à produção de petróleo nas zonas tropicais podem, a partir de
experiências com a democracia em muitos países, se apresentar em termos de
demandas a tribunais internacionais por pagamentos de passivos ambientais
gerados, medidas compensatórias aos danos causados às pessoas que
perdem em capacidade de provisão de seu sustento em decorrência desse tipo
de atividade sob o comando de companhias transnacionais, às quais os
governos têm optado geralmente por não enfrentar.
As províncias de Cabinda e Zaire estão na área de influência da Bacia
do rio Congo, zona marítima de Angola. Trata-se de zonas compostas por
ecossistemas frágeis dos quais depende a sobrevivência de grupos locais com
modos de vida e relações com os recursos naturais orientados pela lógica da
subsistência. A esse nível, a capacidade de regeneração dos recursos não é
comprometida. O rio Congo é o nono maior rio do mundo em extensão e o
segundo em caudal; o único que atravessa duas vezes a linha do Equador.
Como a bacia do Amazonas, a bacia do rio Congo, é reconhecida pela
presença de exuberante diversidade de flora e fauna além de recursos
pesqueiros de alta importância, embora já apresentando indicadores de
ameaça significativos. Ao exemplo do Delta do Níger, na Nigéria, onde a
degradação ambiental e social agudizada pelo avanço da fronteira de produção
de petróleo atingiu níveis preocupantes. Mas, ao contrário da situação de
Angola, na Nigéria, um movimento social encontrou lugar desde fins dos anos
de 1990 e tem resistido combinando estratégias e discursos da proteção do
ambiente, do respeito aos direitos humanos e dos direitos territoriais indígenas
Martinez Alier (2007: 148-154).
110
O avanço dessa fronteira da indústria petrolífera, o que indica que o
consumo desse tipo de energia continua a se expandir, apesar de todas as
advertências colocadas pelos especialistas na questão dos riscos da produção
e utilização deste tipo de energia (Jernelov, 2010), está certamente relacionado
às mudanças no equilíbrio ecossistêmico do delta do Congo. A pressão da
exploração dos recursos naturais levou em 2001, o biólogo da conservação,
José Márcio Ayres44 afirmar ser o caso da Bacia do Congo preocupante do
ponto de vista da degradação ambiental. O que justificava em boa medida o
trabalho de conservação de ecossistema de várzea no médio Solimões com a
criação e a gestão das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e
Amanã. De acordo com este pesquisador, o que se buscava na Amazônia era
justamente evitar as situações já atingidas tanto naquela região da África
quanto na China, onde incidia representantes ecossistêmicos equatoriais
correspondentes, cujo equilíbrio, de acordo com este especialista,
encontravam-se já bastante comprometidos.
Refinar gás natural no Soyo – como, por quê e para quem?
Os depósitos de petróleo e gás da bacia do Congo vem sendo
explorados desde os anos de 1970. Atualmente o petróleo constitui-se em
componente a contribuir com 45% do PIB de Angola. 70% desta produção é
realizada na zona costeira de Cabinda, um dos motivos pelos quais grupos
locais reinvindicam a independência da Província assim como também colocou
em causa, a construção da refinaria na província do Zaire, levando para fora da
maior produção do gás, os empregos que seriam gerados com a instalação da
terceira refinaria45. A Chevron (ex-Texaco) é a empresa que detém o controle
das atividades petrolíferas, e tem como sócia a estatal Sonangol (Sociedade
Nacional de Combustíveis de Angola). Parte significativa dessa riqueza
produzida é exportada e as rendas obtidas de acordo com os estudos de Pain
44
Entrevista concedida a Maria José da Silva Aquino em abril de 2001. Capítulo 7 da tese “A Casa dos nossos gens”: um estudo sobre ONGs ambientalistas na Amazônia. Referência completa ao final do artigo. 45
A primeira refinaria construída em 1958 está localizada em Luanda, tem hoje capacidade para processar 65 mil barris/dia. A segunda está sendo construída em Lobito, província de Benguela, a Sul de Luanda. Para a de Lobito, projetada para processar 200.000 barris/dia, prevê-se o início das operações para 2014.
111
(2007) e o BTI 2010, Angola Country Report (2010)46, ainda não significou
mudança na estrutura da distribuição da riqueza.
Ainda de acordo com as fontes já referidas, nos períodos de guerra, que
começou nos anos de 1960, com a venda de óleo e diamantes financiou-se
armamentos. Mesmo depois da independência em 1974/75, as elites locais,
representantes dos interesses da antiga metrópole continuaram a gerir os
negócios do Estado de modo não democrático. E em mais de três décadas de
conflitos condições não houveram para organizar no país uma democracia
traduzida numa participação política e econômica de diversos segmentos
sociais, sem o peso do autoritarismo, do clientelismo, e de um capitalismo
predatório. Ao contrário, reconhecem os analistas que,
“Shortly after independence, the MPLA47
regime formed strategic alliances with multinational oil corporations. It financed its military and economic projects almost entirely throug oil revenues, which rendered the productive capacities of mosto f the population” (BTI 2010 - Angola Country Report, p. 4)
Diante de um quadro político controlado quase que absolutamente pelo
MPLA e, já há mais de trinta anos, os esforços modernizadores, do que vem
sendo referido como “petro-diamond capitalism”, e de manutenção do último
acordo de paz obtido em abril de 2002 após a morte do líder da UNITA Jonas
Savimbi, de acordo com o relatório em análise pode ser assim apresentado.
The overall political regime remained the same and was extended to the previously UNITA-dominated areas, but as early as 2003 a transformation process that has since been defined as “authoritarian reconversion” began. Its main thrust was a consolidation of the macroeconomic situation, accompanied by a construction boom (infraestructure, housing, Office buildings and hotels, sometimes in Dubai style), an expansion and diversification of the service sector, increased state efficiency, a number of social measures and an administrative “deconcentration (BTI 2010 - Angola Country Report, p. 6).
Mesmo que haja disputas entre grupos e territórios locais pela instalação
de uma unidade de refino de petróleo, convém refletir na capacidade de uma
iniciativa como esta reunir condições de imprimir mudanças no sentido da
inserção social através da abertura de oportunidades de trabalho para a
46
Este relatório faz parte do Transformation Index (BTI 2010). Trata-se de uma classificação considerando o estado da democracia os sistemas econômicos de mercado tanto quanto a gestão política de um conjunto de 128 países em desenvolvimento e transformação. Projeto do Centro de Pesquisa Aplicada da Universidade de Munique. 47
O Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) foi criado em 10 de dezembro de 1956. Um partido resultante da fusão de outros partidos e movimentos que assume o poder, orientando-se pelo marxismo-leninismo, algumas vezes também referido como afro-stalinista, o MPLA, com a Independência em 1975, assume o poder instalando um regime inspirado no modelo soviético do partido único e da economia planejada e coordenada pelo Estado. O MPLA, a Frente Nacional pela Libertação de Angola (FNLA) e a União pela libertação Total de Angola (UNITA), foram as forças em combate, tanto entre si quanto contra o regime colonial, que nutriram 27 anos de Guerra Civil (Pain, 2007; BTI 2010).
112
populações locais, que faz parte de um universo a apresentar os menores
indicadores de desenvolvimento humano de todos os países. Da mesma
maneira que a estrutura de produção de petróleo até hoje tanto na Nigéria
quanto em Angola constituem-se em enclaves econômicos quase que
absolutamente desconectados de uma rede de produção, distribuição e
consumo. É o que revela o paradoxo de uma economia que tem crescido a
25% ao ano e apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano colocando-a
na 143a posição em relação aos outros países e em expectativa de vida na
190a posição. Autoritarismo colonial, autoritarismo stalinista, MPLA e o
movimento por uma sociedade mais plural, os efeitos das guerras em termos
de esgarçamento social; os indicadores sociais atuais e o significado disso para
a operacionalização de estruturas produtivas utilizadoras de tecnologias
distantes das referencias tecnológicas de sociedades mais agrícolas, pastoras,
coletoras, pescadoras, diversas portanto, é preocupante; coloca em cheque a
capacidade desta lógica a integrar favoravelmente a biodiversidade e a
sociodiversidade.
Está a se colocar em discussão a lógica de estruturas econômicas e
sociais consumidoras de energia fóssil sob o comando de empresas
transnacionais responsáveis por desastres ecológicos significativos, o que
tende a se tornar ainda mais freqüente com o avanço da fronteira da indústria
de petróleo a exigir a exploração em jazidas localizadas em áreas de acesso
cada vez mais difíceis e no fundo do mar. É o que aponta o especialista em
bioquímica ambiental Arne Jernelöv, do Instituto de Estudos Futuros de
Estocolmo em artigo publicado na revista Nature (tomo 466, n° 7303, p.182-
183).
Um avanço de fronteira que mesmo antes de terminar a guerra em
Angola não sofreu solução de continuidade. É elucidativo, neste sentido
perceber nos relatórios dos estudos para a construção da Refinaria do Soyo
que quatro anos antes de se estabelecer o acordo de paz, que se encontra em
vigência, um contrato para a construção da refinaria tenha sido assinado pelas
empresas estrangeiras que operam no país, tendo a Chevron como acionista
majoritária. Pois,
“Em 1998, a Texaco (actualmente Chevron) assinou com a Sonangol um Contrato de Planeamento Conjunto. Este Contrato foi posteriormente r eformulado em Abril de 2002, de modo a incluir novos investidores (BP, ExxonMobil, Total e Norsk Hydro). A
113
Norsk Hydro retirou-se do Projecto em Junho de 2003, deixandoa BP Exploration (Angola) Limited, a Esso Angola Gas Company Limited e aTotal LNG Angola com as respectivas quotas de 13,6% cada. Nos termos do Contrato reformulado, a Cabinda Gulf Oil Company Limited (uma subsidiária da Chevron) e a Sonangol foram nomeadas Co-Líderes com quotas de 36,4 por cento e 22,8 por cento respectivamente” (Angola, 2006, p. 3).
O governo angolano, de acordo com os estudos de impacto e
estabelecimento de ações compensatórias ambientais e sociais, através do
projeto Petróleo LNG (gás natural liquefeito), estabeleceu como meta encerrar
toda a queima de gás até o ano de 2006 (Angola, 2006: p. 5)
Ao se avaliarem as alternativas, foram tomados em consideração vários factores, incluindo os ambientais, socioeconómicos, de saúde e protecção, operabilidade, segurança, custo, calendário de actividades, potencial para promoção de crescimento económico, assim como os pontos de vista das partes interessadas. O trabalho inicial de selecção do local concluiu que o Projecto devia estar localizado na margem sul do estuário do Rio Congo, no município do Soyo da Província do Zaire.
Em construção a refinaria do está situada no noroeste de Angola a 481 km de
Luanda, no Zaire, província identificada como território da FNLA, por quase três
décadas. Com o fim da guerra civil o MPLA passou a controlar a região sem
uma oposição tão ostensiva o quanto é o caso das FLEC, em Cabinda. em
Cabinda, o que facilita as ações de um governo que assumiu publicamente em
discurso pronunciado em 2004 na cidade de Namibe, por ocasião do 29o.
aniversário da Independência
Eu penso que a maior parte da equipa governamental vai trabalhar nesta frente que resolve as questões materiais, pois a democracia e os direitos humanos, embora essenciais, não enchem a barriga de ninguém. São um alimento espiritual e moral ou político que apenas pode criar novas condições para o trabalho (José Eduardo dos Santos).
De acordo com Milando (2005), nesse ambiente político podem até ter
mudado os atores sociais mas as dinâmicas próprias do colonialismo
permanecem. Pois, evidentemente, não desapareceriam magicamente, a partir
da instituição de uma República formal, e dessa maneira, empreendimentos de
alto impacto como obras ligadas à indústria do petróleo comandada pelo capital
transnacional encontram, nas experiências societárias frágeis do ponto de vista
da democracia e das práticas republicanas “reais”, acolhida quase
incondicional.
A obra, destinada ao refino de gás natural a ser exportado para os EUA,
está sendo executada pela Bechtel, empresa dos Estados Unidos e ocupa 180
hectares, o que equivale a 150 campos de futebol, na qual foram empregados
114
na primeira etapa 1500 trabalhadores. A essa estrutura, cuja acionista
majoritária é a Chevron, está vinculado, com estudos já encerrados e
aprovados pelo Governo, um projeto rodoviário com uma ponte de 17 km sobre
o rio Congo ligando Soyo a Cabinda. São empreendimentos apresentados
pelos representantes governamentais como iniciativas claras de compromisso
com a modernização.
São empreendimentos apresentados pelos representantes
governamentais, através dos estudos realizados por empresas de consultorias
em ambiente e energia, como iniciativas claras de compromisso com a
modernização. No entanto, pelo que se pôde observar nos estudos, que prevê
e realiza inventários faunísticos, botânicos, exaustivos, para a implantação do
projeto, o tratamento que merece as populações indígenas nestes processos
tenha sido algo para ser gerido depois de definida a implantação. Senão,
observe-se:
Na seção Capital Humano
Nesta fase, apenas foram efectuadas estimativas abrangentes sobre os níveis de população por cada agrupamento de construções na Área de Estudo associadas a potenciais localizações durante o processo de selecção de locais. Além disso, apenas foram obtidas informações gerais sobre saúde, educação e níveis de competência através de consultas com pessoal de cuidados de saúde, professores da escola de formação ADPP e recolha de dados secundários. Serão recolhidos dados adicionais específicos para o local seleccionado relativamente a padrões demográficos e de migração, capacidades locais disponíveis e níveis de educação e saúde. Estes dados serão relevantes para o exercício de rastreio, a fim de determinar se as Populações Indígenas serão ou não afectadas pelo desenvolvimento, bem como para a limitação do âmbito do Planos de Populações Indígenas e Acções de Reassentamento, se necessário.
Na seqüência, na seção Impactos Indirectos e Cumulativos, lê-se
A potencial do futuro desenvolvimento económico a ser proporcionado pelo Projecto Angola LNG e a proximidade da fonte de gás para o complexo foi um factor importante para a selecção do Soyo como local geral para o desenvolvimento (consultar a Secção 2.0). É provável que o Projecto Angola LNG contribua para impactos cumulativos significativamente importantes tendo em Documento de Apoio da Fase de Delimitação do Âmbito do Projecto Angola LNG ENSR – Março de 2005.
E logo depois, na seção Impactos Indirectos e Cumulativos,
É provável que o Projecto Angola LNG contribua para impactos cumulativos significativamente importantes tendo em conta o papel catalizador que se prevê venha a ter para esse desenvolvimento. Estes impactos cumulativos podem ser muito mais significativos do que alguns dos impactos directos acima descritos, nomeadamente em termos de perda de habitat, uso de terras, oportunidades de emprego, desenvolvimento económico, imigração, alterações a nível cultural e de saúde. Dependendo da dimensão de qualquer desenvolvimento industrial e das taxas de imigração, a extensão destes impactos pode ser suficientemente grande para alterar o Soyo ao longo do
115
tempo, que pode passar de uma economia fortemente baseada na subsistência de pequena escala para uma área industrial urbana (Projecto Angola LNG, 2005: 6-3 e 6-4).
No entanto está-se discutindo grandes empreendimentos em infra-
estrutura em um pais cuja média de vida em 2005 atingia 42 anos e em 2007
apresentava uma taxa de mortalidade da ordem de 150 para cada mil
nascimentos. Apenas 3,45% do orçamento anual do pais é destinado a
políticas sociais. Embora o OECD‟s African Economic Outlook 2008 (Apud BTI
2010: 24) tenha já referido queda no desemprego e aumento dos investimentos
públicos em educação e saúde. São portanto indicadores a pôr em causa a
soberania desse modelo de desenvolvimento que parece desconhecer certos
traços de uma identidade econômica na região assentada na pesca, na
agricultura de subsistência, no extrativismo. E assim, é de fato, difícil de
visualizar seja qual for a escala temporal a integração das populações na
determinação de seus destinos.
Maranhão: Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais
Na Amazônica brasileira, em geral, e no Maranhão, em particular, há
uma significativa retomada, nos últimos anos, de projetos de apresentados
como de desenvolvimento e planejados, principalmente, nos governos
ditatoriais decorrentes do golpe de 1964. Além desses, novos projetos e
programas são elaborados e implementados e todos envolvem agências
governamentais e/ou privadas.
A expansão do processo de acumulação de capital através de processos
produtivos apresentados como sendo de desenvolvimento, cujos efeitos se
fazem sentir pela alteração do modo de vida de populações locais e fortes
alterações ambientais, tem resultado no confronto com lógicas diferenciadas de
ocupação e uso de territórios e recursos e levado a processo conflitivos que,
por serem referidos à questão ambiental, Acselrad (2004, p. 26) denomina de
conflitos ambientais e define como sendo
aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis ... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou
116
de bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.
Na Amazônia Oriental, o Projeto Grande Carajás (CARNEIRO, 1997;
MONTEIRO, 1997), “concebido para garantir a exploração e comercialização
das ricas jazidas de minério localizadas no sudeste do Pará” (AQUINO e
SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 47) e com conseqüências em uma grande área
de influência e vários ramos de atividade econômica, constituiu-se na
expressão mais visível do modelo de desenvolvimento implementado a partir
dos governos ditatoriais.
No Maranhão, os desdobramentos deste projeto e de outras iniciativas
desenvolvimentistas levou à constiição de uma ampla rede de infraestrutura
com o objetivo de permitir a exploração e/ou escoamento da produção mineral,
florestal, agrícola, pecuária e industrial do próprio Maranhão e de estados
vizinhos. Essa infraestrutura consiste em uma extensa rede de rodovias; a
Estrada de Ferro Carajás, ligando as grandes minas do sudeste do Pará48 ao
litoral maranhense (administrada pela Cia. Vale do Rio Doce, autodenominada
atualmente apenas como Vale); o Complexo Portuário de São Luís, formado
pelos Portos do Itaqui (administrado pela estatal estadual Empresa
Maranhense de Administração Portuária - EMAP), da Ponta da Madeira
(pertencente à Vale) e da Alumar (pertencente ao Consórcio Alumínio do
Maranhão, subsidiária da multinacional do alumínio Alcoa); a hidrelétrica de
Estreito e a Termelétrica do Porto do Itaqui (essas últimas em fase de
construção). Paralelo e associadamente a essa infraestrutura, foram instalados:
oito usinas de processamento de ferro gusa nas margens da Estrada de Ferro
Carajás; uma grande indústria de alumina e alumínio (Alumar) e bases para
estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do
Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de
Lançamento de Alcântara – CLA), em Alcântara; projetos de monocultura
agrícola (soja, sorgo, milho) no sul e sudeste do estado; projetos de criação de
búfalos, na Baixada Maranhense; ampliação da pecuária bovina extensiva, em
todo o Maranhão; projetos de carcinicultura, no litoral.
48
No sudeste do Pará estão localizadas gigantescas jazidas de minério de ferro, controladas pela Vale, além de outros minérios.
117
Esse conjunto de iniciativas, decorrentes de planejamentos
governamentais e/ou envolvendo a iniciativa privada, tem provocado profundos
impactos socioambientais, alterando biomas e modos de vida de populações
locais, através de reordenamento sócio, econômico e espacial de áreas
destinadas à implantação dos mesmos. Após quarenta anos de instalação do
Projeto Grande Carajás e dos projetos de desenvolvimento a ele associados, o
Maranhão continua sendo um dos estados mais pobres do Brasil, com os
piores indicadores sociais, com altos índices de concentração de terras,
riquezas e poder político.
A Refinaria Premium no Maranhão49
A Petrobrás, desde 2008, vem tornando público seu projeto de
construção da Refinaria Premium I, que se beneficiaria da rede de
infraestrutura implantada na região, em especial, da proximidade do Complexo
Portuário de São Luís, que garantiria o abastecimento do petróleo e a
exportação de seus derivados. Segundo o EIA/RIMA (FUNDAÇÃO
SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009) apresentado no processo de licenciamento do
empreendimento, os derivados de petróleo a serem obtidos por essa refinaria
serão de qualidade superior quanto à emissão de poluentes em sem uso (daí a
denominação Premium), de forma a atender as exigência do mercado europeu,
sendo, portanto, destinados à exportação.
Assim como o Projeto Carajás, de quarenta anos atrás, a Refinaria
Premium I vem sendo apresentada por órgãos do governo estadual e pela
Petrobrás como um projeto que seria redentor do Maranhão, indutor de
desenvolvimento e instrumento para solução dos graves problemas
econômicos e sociais do estado.
O planejamento de construção de novas refinarias de petróleo no
Brasil decorre da estratégia montada pelo Governo Federal para reduzir a
exportação de petróleo in natura e aumentar a exportação de derivados. Visa,
também reduzir a importação de diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP,
49
Na elaboração deste item, contou-se com informações obtidas, também, por Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Bruno Henrique Costa Rabelo, Elio de Jesus Pantoja Alves, pesquisadores do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
118
conhecido popularmente como gás de cozinha) e nafta petroquímica, de forma
a garantir o combustível necessário para o crescimento em curso da economia
nacional.
A Refinaria Premium I, uma vez em pleno funcionamento, faria o
refino de 600 mil barris por dia (bpd), o que é quase o dobro dos 365 bpd de
capacidade da REPLAN, a maior refinaria em operação no Brasil, e aumentaria
a capacidade nacional de refino para 2.600 bpd. Segundo os dados
apresentados pela Petrobrás, de cada barril seria extraído 50% de diesel, 20%
de nafta petroquímica, 11% de querosene de avião, 8% de coque, 5% de GLP
e 3% de bunker (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009).
No processo de licenciamento ambiental coordenado pela Secretaria
Estadual de Meio Ambiente (SEMA), em novembro de 2009, ocorreram cinco
audiências públicas em quatro municípios que seriam diretamente afetados
pela Refinaria Premium I. Uma audiência nos municípios de Bacabeira, Rosário
e Santa Rita, respectivamente, e duas audiências no município de São Luís,
capital do Maranhão50.
Como afirmamos anteriormente e como foi confirmado nas
audiências públicas pelos representantes da Petrobrás, o principal destino dos
derivados de petróleo a serem produzidos seria o mercado externo,
principalmente europeu, atendendo às especificações e necessidades deste, e
não as locais. Desta forma, os preços dos derivados de petróleo no Maranhão,
por exemplo, não sofreriam alterações em função do abrigo da refinaria.
Maurício Martins, representante da Petrobrás na Audiência Pública de Rosário-
MA, ao ser questionado em sobre a possibilidade de redução do preço do
combustível a partir do seu refino no estado, afirmou que “A Petrobrás não
pode regular o preço do combustível nas bombas...”.
Durante as audiências públicas e no material de divulgação da
Refinaria Premium I, constatasse, como forma de legitimação discursiva do
empreendimento uma grande ênfase na geração de empregos. Segundo os
empreendedores, cento e trinta mil empregos, direitos, indiretos e por efeito
renda seriam gerados ao longo de sua implantação. No entanto, o que se
verifica, a partir de um estudo mais minucioso do EIA/RIMA (FUNDAÇÃO
50
Essas audiências foram acompanhadas por pesquisadores GEDMMA/UFMA e seu registro é uma das fontes desse artigo.
119
SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009), e da resposta dada por Maurício Martins na
segunda Audiência Pública realizada em São Luís, esses empregos chegariam
a um pico de dez mil, na fase de construção, e constituindo-se majoritariamente
em postos de trabalho braçal, na construção civil. Após a entrada em
funcionamento da refinaria, seriam reduzidos a cerca de dois mil e quinhentos
empregos de caráter permanente e, na sua maioria, exigindo qualificação
técnica, o que excluiria boa parte dos moradores dos municípios que serão
impactados pelo processo de construção e dos trabalhadores envolvidos nesse
mesmo processo.
Para garantir a construção da refinaria no Maranhão, o Governo do
Estado se comprometeu a desapropriar o terreno de 20 km2, necessário à
construção da Refinaria, e transferir gratuitamente sua propriedade à
Petrobrás. No entanto, este terreno ainda é o território sociocultutal de mais de
trinta famílias de trabalhadores da agricultura familiar que encontram-se, assim,
ameaçadas de deslocamento compulsório (ALMEIDA, 2006).
Segundo denúncia apresentada nas várias audiências públicas
realizadas no processo de licenciamento, funcionários da Secretaria de
Indústria e Comércio, em setembro de 2009, procuram os moradores do
povoado de Salva Terra (um dos povoados ameaçados de deslocamento)
afirmando que teriam vinte dias para deixarem suas terras e que seriam
alojados em um galpão na cidade de Bacabeira, até que fosse encontrada uma
solução definitiva para sua situação, isto é, uma nova área para realização de
seu assentamento. Alguns representantes dos moradores foram levados para
conhecer o galpão e foram informados, também, que a partir de então estavam
proibidos de realizar novas plantações ou benfeitorias em suas terras, pois
somente seriam indenizados pelo que tinham até aquela data. Estas medidas
estavam sendo tomadas para a efetivação da doação do terreno à Petrobrás e
para que ficasse desobstruído para a realização das obras iniciais de
construção refinaria.
Essa situação provocou intensa indignação nos moradores mais
antigos, que passaram a buscar apoio na Defensoria Pública do Maranhão, no
Ministério Público Estadual e Federal e junto a movimentos sociais envolvidos
com a questão socioambiental.
120
Mesmo com a reação de moradores e, sem considerar as denúncias
feitas nas audiências públicas (denúncias que se estendam também a aspectos
técnicos do EIA/RIMA), a SEMA expediu a Licença Prévia (LP) do
empreendimento, demonstrando insensibilidade em relação àquelas famílias.
Esta situação tem gerado insegurança, medo, instabilidade e conflitos no
interior dos povoados ameaçados de deslocamento, criados pelas ações da
Petrobrás de do Governo do Estado do Maranhão. Um de seus efeitos é o risco
à segurança alimentar dessas famílias, uma vez que foram instados a
cessarem suas atividades produtivas.
Encerrando o texto, continuando a discussão...
O entendimento de regiões habitadas por populações locais e por seus
modos de vida como um vazio demográfico e cultural (MENDONÇA, 2006) que,
em grande medida, compõe os discursos de justificação de projetos de
desenvolvimento, e nos casos aqui estudados, de grandes refinarias de
petróleo, desconsidera a existência de inúmeros grupos sociais e povos que
milenar ou secularmente ocupam seus territórios e aí constituem relações
produtivas, sociais e culturais, com características próprias. Esses grupos,
quando chegam a ser considerados, principalmente quando ocupam territórios
almejados pelos empreendimentos, normalmente são percebidos como
arcaicos, atrasados, empecilhos para o desenvolvimento. As populações locais,
no entanto, constituem um modo de vida peculiar (cultura, sociabilidade,
trabalho), em grande medida adaptado às condições ecológicas, predominando
economia polivalente, ou seja, agricultura, pesca, extrativismo, artesanato, com
um calendário sazonal anual, conforme os recursos naturais explorados,
normalmente, sob o regime familiar de organização do trabalho (ALMEIDA e
CUNHA, 2001; LITTLE, 2002; ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR e MENDONÇA,
2007).
Quando confrontados, esses grupos sociais e povos, em maior ou
menor intensidade, conforme o caso, reagem, enfrentam e propõem
alternativas ao modelo de desenvolvimento que os atinge. Conflitos
socioambientais se configuram na medida em que as características do modelo
de desenvolvimento dominante permanecem, mesmo que discursivamente
121
amenizadas, por exemplo, através da incorporação de noções como
desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, responsabilidade social e
ambiental. No momento em que a discussão da questão ambiental toma uma
crescente importância no cenário internacional, estes conflitos exigem que
sejam ampliados os estudos sobre impactos socioambientais e suas
consequências.
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124
ANEXO VIII
Artigo publicado em:
Jornal Pequeno. São Luís, 22/08/2010. p. 6.
(http://www.jornalpequeno.com.br/2010/8/22/a-criacao-da-resex-de-taua-mirim-e-sua-
importancia-para-sao-luis-128997.htm)
A CRIAÇÃO DA RESEX DE TAUÁ-MIRIM E SUA IMPORTÂNCIA
PARA SÃO LUÍS
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior51
Elena Steinhorst Damasceno52
As Reservas Extrativistas são unidades de conservação previstas em lei
federal (SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei Nº 9.985
de 18 de julho de 2000) nas quais a permanência de populações extrativistas
tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e,
complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de
pequeno porte, está aliada aos objetivos básicos de proteger os meios de vida
e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade.
A criação Reserva Extrativista de Tauá-Mirim (ou RESEX de Tauá-Mirim)
é uma reivindicação antiga de moradores de povoados localizados na porção
sudoeste do município de São Luís, porém, seu processo de implantação está
parado na Casa Civil do Governo Federal desde 2007 e encontra forte
oposição por parte do Governo Estadual do Maranhão e de grandes
empreendimentos industriais, como o Consórcio Alumar e a Vale (nome pelo
qual se apresenta a Companhia Vale do Rio Doce).
51Sociólogo, Professor Doutor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Políticas Públicas; Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. Atualmente realiza seu Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. 52
Bióloga, Mestre em Saúde e Ambiente, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e pesquisadora do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão.
125
A área proposta para a Reserva abrange os povoados Cajueiro,
Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros e Taim; engloba também parte da
Vila Maranhão e a Ilha de Tauá-Mirim, na qual localizam-se os povoados
Amapá, Embaubal, Jacamim, Portinho e Tauá-Mirim, e um amplo espelho
d‟água na Baia de São Marcos, totalizando 16.663,55 hectares e perímetro de
71,21 km. Essa é uma área com forte presença de manguezais, além de
várzeas e nascentes, sendo local de reprodução de várias espécies marinhas,
dentre elas o Peixe-Boi (Trichechus manatus) e o Mero (Epinephelus itajara),
que estão ameaçados de extinção. Especificamente na região da RESEX, são
encontrados também o macaco-cuxiú (Chiropotes satanas), o guariba (Alouatta
alouatta) e o tamanduaí (Cyclopes didactylus), todos ameaçados de extinção,
segundo o IBAMA.
Desde o ano de 1996, as lideranças dos moradores da área vêm
aprofundando seus conhecimentos sobre as reservas extrativistas e discutindo
a possibilidade de criação dessa modalidade de unidade de conservação, o
que resultou no abaixo assinado coordenado pelas organizações sociais locais
solicitando a criação da RESEX, protocolado no IBAMA em 2003. Os estudos
socioambientais e socioeconômicos realizados pelo IBAMA foram concluídos
em 2007, atestando a viabilidade e demonstrando a importância de criação
dessa unidade de conservação.
Desde então, os moradores dos povoados envolvidos aguardam sua
efetivação e buscam aprimorar suas práticas produtivas e sociais no sentido de
garantir a conservação ambiental da área, uma vez que estes estão
conscientes da corresponsabilidade de uso e conservação dos recursos ali
existentes, destacando a pesca como a principal atividade extrativista
realizadas pelas comunidades.
O processo de criação da RESEX de Tauá-Mirim cumpriu todas as
exigências legais e técnicas previstas na legislação vigente e sua implantação
depende, atualmente, apenas da vontade política dos governantes.
Em um momento de forte expansão urbana e industrial, é importante
para a saúde e qualidade de vida das populações da Ilha do Maranhão e de
seu entorno a presença de áreas destinadas à conservação ambiental e à
garantia da territorialidade de populações tradicionais. É também um valioso
instrumento para a conservação de biomas e ecossistemas ameaçados, já que
126
pela legislação ambiental vigente haveria a necessidade de criação de uma
zona de amortecimento contígua à RESEX, o que minimizaria os impactos das
atividades industriais e de infraestrutura na região.
A área em questão sofre disputas antigas devido a interesses
diferenciados em relação ao seu uso, provocando o choque entre aqueles a
planejam para fins industriais (o que gera degradação para o ambiente e para a
vida das pessoas) e aqueles que desejam a manutenção do modo de vida
secular e da segurança alimentar de populações tradicionais (principalmente
através da pesca, do extrativismo e da agricultura familiar).
Desta forma, a criação da RESEX de Tauá-Mirim seria a efetivação de
uma política pública que garantiria aos grupos sociais que ali vivem a
possibilidade de sair da situação conflitiva em que se encontram e de buscar
revigoramento de suas relações sociais, culturais e produtivas, articulando-as
com a defesa e manutenção do ambiente em que sempre viveram.
Por outro lado, a recorrente postergação do ato que criaria oficialmente a
RESEX de Tauá-Mirim permite-nos constatar que a manutenção da qualidade
de vida, proveniente da manutenção da qualidade ambiental, não é uma
prioridade na agenda política nem do Governo Federal nem do Governo
Estadual. A prática governamental prioriza os grandes empreendimentos. No
entanto, o histórico dos últimos trinta anos de projetos de desenvolvimento no
Maranhão tem demonstrado que nem mesmo a criação de novos postos de
trabalho, utilizada como justificativa para novos empreendimentos, é uma forma
eficiente de oferecer emprego à população maranhense, já que esta, em sua
grande maioria, não possui qualificação suficiente para ocupá-los: vide os
índices de IDH tão utilizados como referência e o baixíssimo índice de pessoas
das comunidades em questão empregadas nas indústrias já implantadas em
seu entorno.
Um dos principais motivos que as lideranças dos povoados que
pleiteiam a criação da RESEX de Tauá-Mirim alegam para resistirem à
instalação de novos projetos industriais e de infraestrutura na região – e
igualmente resistirem aos consequentes deslocamentos populacionais, já que
são terras secularmente ocupadas por populações tradicionais – é a
constatação da desestruturação comunitária e familiar que um deslocamento
desses provoca. Essa constatação advém da experiência de seus vizinhos, que
127
foram deslocados na década de 1980 para instalação do Complexo Portuário
de São Luís, da Alumar e da Vale do Rio Doce. Caso haja novamente a
necessidade de deslocamentos, as populações desalojadas, provavelmente,
terão dificuldades em encontrar novas ocupações e terminarão por engrossar
ainda mais o caldo de marginalizados na periferia do centro urbano de São
Luís, o que se constituiria em uma tremenda injustiça social e ambiental.
Dentre as motivações para se criar unidades de conservação no entorno
de São Luís, existe a necessidade de contornar a problemática ambiental
presente na Ilha do Maranhão, por possuir as fragilidades inerentes a qualquer
ambiente insular e por possuir máxima sensibilidade ambiental para as áreas
de manguezais, principalmente quanto à prevenção de impactos ambientais
oriundos de derramamento de óleo, produtos químicos altamente
comprometedores (uréia, aldeídos, pesticidas, herbicidas, adubos, fertilizantes),
além dos impactos ocasionados pelo esgoto doméstico jogado ao mar sem
tratamento, já que a capital não possui estações de tratamento de esgoto ativas
e muito menos redes para transportar os dejetos. Tal fato corrobora ainda mais
a importância de conservação da região de estudo, na medida em que tal
degradação ambiental leva à diminuição da produtividade da pesca em todos
os ambientes aquáticos.
Deve-se lembrar, ainda, que as regiões estuarinas, onde ocorre o
mangue (ecossistema manguezal), são consideradas área de preservação
permanente pelo Código Florestal (Lei Nº 4771 de 15 de setembro de 1965), e
estão também contempladas na Convenção Internacional de Ramsar – sobre a
preservação de áreas úmidas, da qual o Brasil é signatário. O Maranhão é
contemplado com dois sítios Ramsar dentre os oito sítios brasileiros: a Área de
Proteção Ambiental da Baixada Maranhense e as Reentrâncias Maranhenses.
A Declaração de Changwon – um convite para ação do 10° Encontro da
Conferência das Partes (no contrato para a Convenção de Ramsar sobre
Zonas Úmidas), que foi realizada em Changwon, na República da Coréia, de
28 de outubro a 04 de novembro de 2008 – destaca a importância de impedir
que as zonas úmidas do planeta sejam degradadas ou perdidas e de restaurar
as que já estão degradadas, além de administrá-las sabiamente, baseado no
reconhecimento claro de que todos dependemos de zonas úmidas preservadas
para a manutenção da qualidade de nossa água, no que se reflete ao
128
abastecimento (de água e de alimentos), à saúde, à agricultura, à pesca e à
proteção da biodiversidade, além da minimização dos impactos das mudanças
climáticas, já que as zonas úmidas ajudam na atenuação de enchentes, na
retenção de carbono e na redução de emissões de gases estufa.
Segundo essa declaração, os tomadores de decisão precisam
reconhecer a “infra-estrutura natural” como um recurso principal no combate e
adaptação às mudanças climáticas. Água e zonas úmidas funcionais têm um
papel chave na resposta às mudanças climáticas e na regulação de processos
climáticos naturais. A preservação e uso inteligente das zonas úmidas ajudam a
reduzir os efeitos negativos que possam ocorrer, tanto sociais e ecológicos
quanto na economia. Neste caso, a RESEX de Tauá-Mirim seria um exemplo
de política ambiental consonante com estes princípios e recomendações, já
que a área proposta para a RESEX é rica em manguezais e possui inúmeras
nascentes e olhos d'água, além de ser, em função de suas características
geológicas, uma área de recarga de aqüíferos (isto é, águas subterrâneas
potáveis) que abastecem boa parte dos municípios localizados na Ilha.
O Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente
(GEDMMA), vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC)
e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), desde 2005, realiza estudos na
área, tendo produzido monografias de final de cursos de graduação,
dissertações de mestrado, relatórios de pesquisa, artigos publicados em
periódicos científicos e apresentados em congressos. A relevância destas
produções resultou na publicação, em 2009, pela EDUFMA, do livro “Ecos dos
conflitos socioambientais: a RESEX de Tauá-Mirim”. Os estudos realizados
atestam que as populações dos povoados envolvidos na criação da RESEX
são efetivamente populações tradicionais, algumas famílias moram na área há
mais de cem anos, gerando modos de vida próprios e, historicamente, têm
contribuído para a conservação ambiental do território que constituem.
Desta forma, as vésperas do aniversário de criação do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do Governo
Federal encarregado da gestão de unidades de conservação, a ser celebrado
no dia 27 de agosto de 2010, e por todos os motivos acima apontados,
estamos confiantes que a criação da RESEX de Tauá-Mirim se constituirá em
129
mais uma justa homenagem à memória de um dos formuladores da concepção
de Reserva Extrativista, Chico Mendes, e àqueles que lutam cotidianamente,
no Maranhão, para conservar seu modo de vida e o ambiente no qual foram
criados e vivem.
130
ANEXO IX
Artigo publicado em:
Jornal Vias de Fato. São Luís, 01/03/2010. p. 12. (http://www.viasdefato.jor.br)
CAMBOA DOS FRADES, VILA MADUREIRA E TERMELÉTRICA DO
PORTO DO ITAQUI
Ana Lourdes da Silva Ribeiro
Geógrafa, aluna do Curso de Especialização em Educação Ambiental da UEMA.
Pesquisadora do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente
(GEDMMA)
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior
Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da UFMA. Coordenador do Grupo de Estudos:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)
Grandes projetos de desenvolvimento e comunidade locais
Desde a década de 1980, as ondas do tão falado desenvolvimento chegam ao
Maranhão. A implantação da ALUMAR e da VALE no município de São Luís
provocou impactos socioambientais na área do Itaqui-Bacanga e na atual zona
industrial. Muitas comunidades foram atingidas e, em vários casos, deslocadas de seu
território, deixando para trás seu modo de vida: a pesca, o extrativismo, a agricultura
familiar e atividades afins.
Em 2003, ressurgem as discussões sobre novos empreendimentos na Ilha do
Maranhão. Dessa vez, um grande pólo siderúrgico é anunciado e, junto com ele, o
deslocamento compulsório de 12 povoados. A empresa paulista de consultoria
Diagonal, a serviço do Governo estadual e da Vale, iniciou o cadastramento das
famílias a serem deslocadas e fez a marcação de casas que, até então, estavam
localizadas na Zona Rural II do município de São Luís.
Para atender aos interesses do empreendimento, o Prefeito Municipal de então,
Tadeu Palácio, encaminhou um projeto de lei à Câmara Municipal, alterando a Lei de
Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís (Lei Municipal nº
3.253/1992) com vistas a transformar a área pretendida em zona industrial. Depois de
131
amplo debate público e forte e mobilizada resistência por parte de lideranças dos
povoados ameaçados e do Movimento Reage São Luís, o projeto foi votado e, através
da Lei Municipal nº 4.548/2005, parte da área foi convertida em Zona Industrial. Como
eram pleiteados 2.471,71 hectares para a implantação do pólo siderúrgico e somente
1.063,60 hectares foram convertidos em Zona Industrial, o projeto do pólo foi frustrado.
As comunidades dessa região estão sendo permanentemente ameaçadas e
atingidas pelos empreendimentos, contudo uma significativa quantidade de pessoas luta
em seus locais de moradia para que os moradores continuem em suas casas e com seu
modo de vida. Através da organização comunitária, conseguem resistir e realizar
mobilizações visando à permanência das suas comunidades bem como das vizinhas.
Resistem e, apesar de estarem tão perto do “centro urbano” de uma capital, conseguem
manter características peculiares ao seu modo de vida.
A Termelétrica do Porto do Itaqui
Com a conversão dos 1.063,60 hectares em Zona Industrial, a área em questão
passou a ser visada por outros empreendimentos industriais. Dentre estes
empreendimentos, encontra-se a Termelétrica do Porto do Itaqui, que está sendo
construída pela MPX, do grande empresário Eike Batista – um dos homens mais ricos
do Brasil.
O processo de licenciamento da termelétrica junto aos órgãos ambientais
iniciou-se em 2007. O valor do empreendimento está estimado em R$ 1,5 bilhão e o
início das operações planejado para 2011. A termelétrica ocupa 50 hectares e seu tempo
de operação foi previsto para até 30 anos. Dois povoados são atingidos diretamente
pelas operações do empreendimento: Vila Madureira, que se localizava nos 50 hectares
ocupados e foi deslocada para o município de Paço do Lumiar, e Camboa dos Frades,
que ficou imprensada entre as obras e as águas da Baia de São Marcos.
Desde a fase inicial do processo de licenciamento ambiental o referido projeto
tem sido alvo de profundas contestações, tanto no plano técnico-científico, quanto no
âmbito de sua transparência política, gerando questionamentos quanto à sua
legitimidade por famílias diretamente atingidas, por povoados vizinhos, por grupos de
ambientalistas e estudiosos da questão ambiental e pelo Ministério Público.
Do ponto de vista jurídico, o empreendimento foi motivo de ajuizamento de três
ações civis públicas pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal. Do ponto de vista
técnico, nas audiências públicas, estudiosos contestaram os dados apresentados no EIA-
132
RIMA quanto à emissão de poluentes, pois, o processo de produção de energia elétrica
da usina terá como base o carvão mineral e não existem comprovações de que os filtros
previstos para serem utilizados são suficientemente eficazes no controle da emissão de
gases (Óxido de Nitrogênio e Dióxido de Enxofre). Foram contestados também estudos
apresentados sobre a direção dos ventos que dispersarão estes poluentes, na medida em
que tomaram por parâmetro somente dois meses do ano, não levando em conta a
variação sazonal da região. Além disso, o projeto prevê a utilização de águas do mar por
meio de um processo de dessalinização, sendo que não deixa claro como ocorrerá o
retorno destas águas ao mar e quais podem ser seus efeitos.
Camboa dos Frades e Vila Madureira
Desde as primeiras notícias, em 2007, sobre instalação da termelétrica, a Vila
Madureira tornou-se o foco das ações da MPX. Camboa dos Frades não era citada nas
discussões e/ou materiais técnicos e de divulgação publicados pela empresa. Até o final
de 2008, os moradores de Camboa dos Frades não se organizavam de forma autônoma e
eram representados pela União de Moradores da Vila Madureira.
No processo de negociação com a MPX, a União de Moradores da Vila
Madureira apresentava-se como representante dos dois povoados. No entanto, como
somente a Vila Madureira localizava-se nos 50 hectares planejados para a instalação da
termelétrica, as especificidades de Camboa dos Frades não eram contempladas nos
debates e negociações.
Todo o processo de negociação referente ao deslocamento da Vila Madureira foi
conduzido pelo Setor de Responsabilidade Social da MPX, que muito habilmente
aproximou-se da diretoria da União de Moradores, em especial de seu presidente, e,
através de seus sociólogos, assistentes sociais e psicólogos, passou a fazer visitas
constantes ao povoado, indo de casa em casa, com um trabalho sistemático sobre a
conveniência do deslocamento. As promessas feitas consistiam em indenizações (que na
maioria dos casos foi de cerca de R$ 1.200,00) e uma casa titulada, mobiliada e com um
computador, além do transporte para a mudança.
Sem maiores resistências, em abril de 2009, ocorreu o deslocamento para o
Residencial denominado Vila Nova Canaã, explorando a ideia de “Terra prometida”,
construído MPX a cerca de 40 Km do antigo povoado.
Após a aprovação do licenciamento ambiental e o início da implantação da
termelétrica (maio de 2009), os moradores de Camboa dos Frades, como referido
133
anteriormente, vivenciaram uma condição dramática no exercício básico de sua
cidadania: o comprometimento do direito de ir e vir. Na medida em que a estrada de
acesso à Camboa dos Frades passava pela Vila Madureira, com a privatização da área,
para entrar e/ou sair do povoado, seu moradores passaram a ser submetidos ao controle
e a constrangimentos por parte dos seguranças da empresa, que se apresentavam
armados. Além disso, estavam sujeitos ao perigo de transitarem por via tomada por
caminhões e maquinários pesados, dificultando a passagem e, como era período
chuvoso, viam suas vias de acesso tomadas pela lama, devido às obras de terraplanagem
que se iniciavam.
As crianças, para tomarem o transporte para a escola, passaram a ter de andar
por cerca de 30 minutos até à BR 135, ficando expostas aos perigos representados pelas
atividades de construção da termelétrica.
A criação da Associação de Moradores de Camboa dos Frades, no final de 2008,
deu-se em função da necessidade da comunidade se organizar politicamente para
reivindicar direitos e resistir às agressões das quais se viam vítimas. A partir de então,
foram levantados elementos que questionaram o processo de licenciamento da
termelétrica, bem como, a situação em que se encontra o povoado de Camboa dos
Frades:
1) A empresa iniciou nova estrada de acesso à Camboa dos Frades, por dentro do
manguezal, com um trajeto desaprovado pelos moradores devido ao aumento da
distância com relação à BR-135, além de ter desmatado uma área considerável da
vegetação de mangue. O IBAMA, em função do impacto, não autorizou a obra, que foi
embargada.
2) Durante o processo de licenciamento para a construção da termelétrica, os moradores
de Camboa dos Frades não foram comunicados sobre a situação, prevalecendo
informações distorcidas e manipuladas pela União de Moradores de Vila Madureira. O
povoado foi ignorado tanto pelos empreendedores, como pelos próprios moradores da
Vila Madureira, que foram orientados pelos técnicos do Setor de Responsabilidade
Social da MPX a não manter diálogo e não passar informações do que viria a acontecer.
3) Os moradores reclamam que estão sendo prejudicados mais recentemente por dois
problemas: o primeiro, diz respeito aos dejetos que, sem qualquer tratamento, são
despejados nos igarapés pela empresa “Ecodiesel”, o que tem reduzido a produção de
pescados; o segundo, refere-se ao assoreamento dos igarapés em que pescam, pois, o
134
desmatamento e aterramento feito pela MPX para instalação das obras estaria causando
a descida de areia, barro e lama.
4) No povoado não tem escola e posto de saúde, o que implica em deslocamentos para
obtenção desses serviços.
Na memória dos mais antigos, paira a lembrança de um “tempo de fartura”,
contrastando com a situação atual, que compromete as possibilidades de reprodução
social do povoado. O recente processo de organização da Associação dos Moradores de
Camboa dos Frades e a disposição de suas lideranças em buscar informações sobre seus
direitos, principalmente no que se refere às possibilidades de controle do território e
implantação/manutenção de condições de vida dignas, geram problemas para o
empreendimento da termelétrica.
Em função dos embates relacionados, atualmente, com a possibilidade de
permanência e controle do território e com as consequências ambientais já constatadas
após o início das obras de terraplanagem, somados aos possíveis confrontos decorrentes
da continuidade das obras e do funcionamento da termelétrica, podemos afirmar que se
encontra em andamento o confronto de duas lógicas de ocupação do território: aquela a
do empreendedor, que o percebe como recurso produtivo, e a dos moradores, que
pretendem permanecer nele, lutando pelo seu território e pelo seu reconhecimento
enquanto população tradicional, por sinal, de maioria afrodescendente.
135
ANEXO X
Capítulo a ser publicado em:
SEVÁ, Oswaldo; MALERBA, Julianna (Org.). Petróleo no Brasil: impactos territoriais
e desafios para transição a uma sociedade menos dependente de combustíveis fósseis.
Rio de Janeiro: FASE, 2011.
REFINARIA PREMIUM: PRESENÇA DA PETROBRÁS NO MARANHÃO53
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior54
Bartolomeu Rodrigues Mendonça55
Ana Lourdes da Silva Ribeiro56
Bruno Henrique Costa Rabelo57
No município de Bacabeira (situado no estado do Maranhão, na
Amazônia Legal e na região Nordeste do Brasil), às margens do rio Itapecuru,
estão em andamento estudos e ações iniciais para a instalação de uma grande
refinaria de petróleo em território tradicionalmente ocupado por grupos sociais
rurais.
A Petrobras, o Ministério de Minas e Energia e o Governo do Estado do
Maranhão, em 2009, anunciaram publicamente, através da imprensa
53
Apresentam-se aqui resultados da pesquisa “Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). 54
Sociólogo, Doutor em Ciências Humanas (Sociologia), pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Políticas Públicas; Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. Atualmente realiza seu Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. 55
Sociólogo, Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas pela Universidade Federal do Maranhão; Professor do Colégio Universitário (COLUN); Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. 56
Geógrafa, Especialista em Educação Ambiental pela Universidade Estadual do Maranhão; Pesquisadora do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. 57
Graduando em Direito pela Faculdade Dom Bosco. Pesquisador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão.
136
maranhense e nacional, a construção da Refinaria Premium I, planejada para
ser a maior refinaria já construída na América Latina e uma das maiores do
mundo. Esse anúncio, por um lado, cria um fato político e midiático de grandes
proporções no Maranhão, na medida em que vem acompanhada do anúncio da
criação de milhares de empregos, do incremento e dinamização da economia
local, da expansão das oportunidades, enfim, do anúncio de uma nova onda de
desenvolvimento. Por outro lado, no entanto, encontra resistência tanto no
povoado de Salva Terra II, cujos moradores se opõem ao deslocamento
compulsório58 de seu território ancestralmente ocupado e almejado para a
construção da refinaria, quanto nos movimentos sociais e ambientais críticos
ao modelo de desenvolvimento baseado na expansão de projetos
agropecuários e industriais de grande impacto social e ambiental.
Essa refinaria, portanto, desde os primeiros passos dados com vistas a
sua instalação, em 2007, provoca o confronto de lógicas de ocupação e uso
territorial diferenciadas. Dentre essas lógicas, destacam-se duas
diametralmente confrontantes: 1) a lógica do empreendimento, que torna
invisíveis os grupos sociais locais e percebe o território como espaço vazio e
disponível para fortes intervenções ambientais e sociais; 2) a lógica dos grupos
locais, que percebe o território como sendo pleno de significados, fonte de
sobrevivência e espaço de realização de modos de vida próprios,
tradicionalmente estabelecidos e relativamente pouco impactantes ao meio. A
expansão da acumulação de capital através de processos produtivos
apresentados como sendo de desenvolvimento, resultando no confronto de
lógicas diferenciadas de ocupação e uso de territórios e recursos, leva a
situações conflitivas que, por serem referidas à questão ambiental, Acselrad
(2004, p. 26) denomina de conflitos ambientais e define como sendo
aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis ... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou
58
Operamos, aqui, com a definição de deslocamento compulsório formulada por Almeida (1996, p. 30): “o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.
137
de bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.
A expansão da estrutura de refino de petróleo indica possibilidades de
alterações nos modos de vida de grupos sociais tradicionalmente identificados
com atividades como a agricultura, caça, pesca e criação de animais, portanto,
com fortes relações com o ambiente natural. Esses modos de vida são
ameaçados pelas atividades comumente identificadas com a modernidade e o
desenvolvimento em função da alta inversão de capital em novas tecnologias,
caso das estruturas de produção de combustíveis fósseis. Além do que, a
questão dos riscos ambientais se amplia. Visamos, aqui, fazer uma
aproximação com a experiência societária que se desenrola a partir de uma
dada política desenvolvimentista relacionada com o processamento de
combustíveis fósseis em larga escala.
Maranhão: Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais
Desde a década de 1990, com a formulação dos projetos Avança Brasil,
nos mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), os mandatos do Presidente Luís Inácio Lula
da Silva, na Amazônia brasileira, em geral, e no Maranhão, em particular, há
uma significativa retomada de projetos apresentados como de desenvolvimento
e planejados, principalmente, nos governos ditatoriais decorrentes do golpe de
1964, através de seus Planos de Integração Nacional (PIN). Além desses,
novos projetos e programas são elaborados e implementados envolvendo
agências governamentais e/ou privadas.
Na Amazônia Oriental, o Projeto Grande Carajás (CARNEIRO, 1997;
MONTEIRO, 1997), “concebido para garantir a exploração e comercialização
das ricas jazidas de minério localizadas no sudeste do Pará” (AQUINO e
SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 47) e com conseqüências em uma grande área
de influência e vários ramos de atividade econômica, constituiu-se na
expressão mais visível do modelo de desenvolvimento que marcou os
governos ditatoriais.
No Maranhão, os desdobramentos deste projeto e de outras iniciativas
desenvolvimentistas levaram à constituição de uma ampla rede de
138
infraestrutura com o objetivo de permitir a exploração e/ou escoamento da
produção mineral, florestal, agrícola, pecuária e industrial do próprio Maranhão
e de estados vizinhos. Essa infraestrutura consiste em uma extensa rede de
rodovias; a Estrada de Ferro Carajás, ligando as grandes minas do sudeste do
Pará59 ao litoral maranhense, e que está em processo de duplicação e
expansão, constituindo a Ferrovia Norte-Sul; o Complexo Portuário de São
Luís, em permanente expansão, com a construção e planejamento de novos
píeres e portos; a hidrelétrica de Estreito e a Termelétrica do Porto do Itaqui
(essas últimas em fase de construção) e mais uma série de termelétricas em
planejamento ou processo de licenciamento ambiental.
Esse conjunto de iniciativas, decorrentes de planejamentos
governamentais e/ou da iniciativa privada, permitido a instalação de um grande
conjunto de empreendimentos agropecuários, industriais, madeireiros, de
transporte, de exploração marítima, tem provocado profundos impactos
socioambientais, alterando biomas e modos de vida de populações locais,
através de reordenamento social, econômico e espacial de áreas destinadas à
implantação dos mesmos. Após quarenta anos de instalação do Projeto
Grande Carajás e dos projetos de desenvolvimento a ele associados, o
Maranhão continua sendo um dos estados mais pobres do Brasil, com os
piores indicadores sociais, com altos índices de concentração de terras,
riquezas e poder político.
A Refinaria Premium no Maranhão60
Seguindo o planejamento da Petrobrás, a construção Refinaria Premium
I cumpre seus primeiros estágios, ocupando uma área de 20 Km² do recém
criado Distrito Industrial de Bacabeira (DIBAC), município vizinho a São Luís,
capital do estado do Maranhão. O investimento total previsto é de 19 bilhões e
oitocentos mil dólares.
59
No sudeste do Pará estão localizadas gigantescas jazidas de minério de ferro, além de outros minérios, controladas pela Companhia Vale do Rio Doce, atualmente, autodenominada apenas Vale. 60
Na elaboração deste item, contou-se com informações obtidas, também, por Ana Lourdes da Silva Ribeiro, Bartolomeu Rodrigues Mendonça, Bruno Henrique Costa Rabelo, Elio de Jesus Pantoja Alves, pesquisadores do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
139
Um dos principais motivos alegados para a escolha do local é a rede de
infraestrutura implantada na região e, em especial, a proximidade com o
Complexo Portuário de São Luís, que garantiria o abastecimento do petróleo e
a exportação de seus derivados, com custos reduzidos. Segundo o EIA/RIMA
(FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009) apresentado no processo de
licenciamento ambiental do empreendimento, o petróleo bruto e os produtos
finais de seu refino seriam conduzidos através de uma faixa de dutos de 54
Km, ligando a Refinaria a um terminal de tancagem (tanques para
armazenamento) a ser construído em uma área de 3 Km² no Distrito Industrial
de São Luís, proximamente ao Complexo Portuário.
Outros motivos utilizados para justificar sua instalação no Maranhão,
além dos citados acima, são: a Refinaria contribuiria para aumentar do Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro e maranhense; contribuiria com a geração de
empregos, ao fomentar a indústria metal-mecânica e a melhoria da
infraestrutura existente na região; contribuiria decisivamente para a melhoria da
renda, elevação da escolaridade e da saúde dos moradores de seu entorno.
Tudo isso em uma dos estados mais pobres da Federação.
O planejamento de construção de novas refinarias de petróleo no Brasil
decorre da estratégia montada pelo Governo Federal para reduzir a exportação
de petróleo in natura e aumentar a exportação de derivados, agregando valor
ao produto. Visa, também, reduzir a importação de diesel, gás liquefeito de
petróleo (GLP, conhecido popularmente como gás de cozinha) e nafta
petroquímica, de forma a garantir o combustível necessário para o crescimento
em curso da economia nacional.
Os derivados de petróleo a serem obtidos pela Refinaria Premium I
seriam de qualidade superior quanto à emissão de poluentes em seu uso (daí a
denominação Premium), de forma a atender às exigências do mercado
europeu, sendo, portanto, destinados à exportação, com alto valor agregado. A
título de exemplo, podemos, com base nos dados do EIA-RIMA (FUNDAÇÃO
SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009) citar que, atualmente, o diesel usado no
Maranhão contém 2 mil partes por milhão (ppm) de enxofre, enquanto o diesel
a ser produzido na Refinaria Premium I deverá conter 10 ppm de enxofre.
A Refinaria Premium I, uma vez em pleno funcionamento, faria o refino
de 600 mil barris por dia (bpd), o que é quase o dobro dos 365 bpd de
140
capacidade da REPLAN, a maior refinaria em operação no Brasil, e aumentaria
a capacidade nacional de refino para 2.600 bpd. Segundo os dados
apresentados pela Petrobrás, de cada barril, seria extraído 50% de diesel, 20%
de nafta petroquímica, 11% de querosene de avião, 8% de coque, 5% de GLP
e 3% de bunker (FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009).
Assim como o Projeto Carajás, de quarenta anos atrás, e outros projetos
de desenvolvimento relacionados a esse Projeto ou não61, a Refinaria Premium
I vem sendo apresentada por órgãos do governo estadual e pela Petrobrás
como um projeto que seria redentor do Maranhão, indutor de desenvolvimento
e instrumento para solução dos graves problemas econômicos e sociais do
estado.
No processo de licenciamento ambiental coordenado pela Secretaria
Estadual de Meio Ambiente (SEMA), em novembro de 2009, ocorreram cinco
audiências públicas em quatro municípios que já vêem sendo diretamente
afetados pela Refinaria Premium I. Uma audiência, respectivamente, nos
municípios de Bacabeira (dia 09/09/2009), Rosário (dia 10/09/2009) e Santa
Rita (dia 11/09/2009), e duas audiências no município de São Luís, sendo que
uma Bairro Renascença I, em região nobre da cidade (dia 12/09/2009), e outra
na Vila Maranhão, Zona Rural de São Luís e próxima ao Complexo Portuário
(dia 13/09/2009). Essas audiências foram acompanhadas por pesquisadores
GEDMMA/UFMA e seu registro é uma das fontes desse trabalho.
Como afirmamos anteriormente e como foi confirmado nas várias
audiências públicas pelos representantes da Petrobrás, o principal destino dos
derivados de petróleo a serem produzidos seria o mercado externo,
principalmente europeu, atendendo às especificações e necessidades deste, e
não às locais. Desta forma, quando questionado sobre o impacto que a
presença da Refinaria teria sobre os preços dos derivados de petróleo no
Maranhão, por exemplo, Maurício Martins, executivo e representante na
Petrobrás na mesa condutora dos trabalhos nas cinco audiências, afirmou que
61
Como exemplo, podem ser citados: oito usinas de processamento de ferro gusa nas margens da Estrada de Ferro Carajás; uma grande indústria de alumina e alumínio (Alumar) e bases para estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale) na Ilha do Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de Alcântara – CLA), em Alcântara; projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho) no sul e sudeste do estado; projetos de criação de búfalos, na Baixada Maranhense; ampliação da pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão; projetos de carcinicultura, no litoral.
141
os mesmos não sofreriam alterações, pois “A Petrobrás não pode regular o
preço do combustível nas bombas...”.
Durante as audiências públicas e no material de divulgação da Refinaria
Premium I, constata-se, como forma de legitimação discursiva do
empreendimento, uma grande ênfase na geração de empregos. Segundo os
empreendedores, cento e trinta mil empregos, direitos, indiretos e por efeito
renda seriam gerados ao longo de sua implantação. O que se verifica, no
entanto, a partir de um estudo mais minucioso do EIA/RIMA (FUNDAÇÃO
SOUSÂNDRADE; UFMA, 2009), e da resposta dada por Maurício Martins na
segunda Audiência Pública realizada em São Luís, esses empregos chegariam
a um pico anual de dez mil, na fase de construção, constituindo-se
majoritariamente de postos de trabalho braçal, na construção civil.
Esses empregos estariam relacionados a atividades como: transporte de
pessoal; apoio administrativo (secretaria, copiadora, arquivo); hospedagem;
serviços de mensageiros; fornecimento de refeições; manutenção predial e de
equipamentos diversos; fornecimento de vale-refeição; vigilância; despachos
aduaneiros; serviços de recepção e portarias; serviços de agência de viagens;
serviços de coleta de lixo; construção civil (auxiliar de obras civis na construção
de galpões, prédios administrativos, urbanização, arruamento, pavimentação,
plantio, drenagem e dragagem, fundações, cravação de estacas, execução de
blocos e pilares, sondagem, topografia, movimentação de terras, fornecimento
e montagem de andaimes, pintura industrial).
Após a entrada em funcionamento da refinaria, seriam reduzidos a cerca
de um mil e quinhentos empregos diretos, de caráter permanente, e, na sua
maioria, exigindo qualificação técnica, o que excluiria boa parte dos moradores
dos municípios que serão afetados pelo processo de construção e dos
trabalhadores envolvidos nesse mesmo processo e, em grande parte, atraídos
de outras regiões do país atrás de postos de trabalho. Nas cinco audiências
públicas realizadas, chamou atenção, também, o destaque que era dado, por
parte de técnicos da Petrobrás, a atividades como jardinagem ou venda de
sorvetes e outros produtos alimentícios nas imediações da Refinaria,
apresentados como possibilidades de envolvimento dos moradores locais no
empreendimento.
142
Para garantir a construção da refinaria no Maranhão, o Governo do
Estado se comprometeu a desapropriar o terreno de 20 km2, necessário à
construção da Refinaria, e transferir gratuitamente sua propriedade à
Petrobrás. No entanto, este terreno ainda é o território sociocultutal de mais de
trinta famílias de trabalhadores da agricultura familiar que se encontram, assim,
ameaçadas de deslocamento compulsório (ALMEIDA, 2006).
Segundo denúncia apresentada nas audiências públicas acima referidas,
por Rosemeire Botetuit de Assis, sobrinha de uma das moradoras mais antigas
de Salva Terra II, e por outros moradores do povoado, funcionários da
Secretaria Estadual de Indústria e Comércio, em setembro de 2009, procuram
os moradores do povoado afirmando que teriam vinte dias para deixarem suas
terras e que seriam alojados em um galpão na cidade de Bacabeira, até que
fosse encontrada uma solução definitiva para sua situação, isto é, uma nova
área para realização de seu assentamento. Ainda segundo a denúncia, alguns
representantes dos moradores foram levados para conhecer o galpão e
constataram que não eram oferecidas condições mínimas de permanência,
recusando prontamente a proposição dos funcionários da Secretaria.
Os moradores ainda foram informados que, a partir de então, estavam
proibidos de realizar novas plantações ou benfeitorias em suas terras, pois
somente seriam indenizados pelo que tinham realizado até aquela data. Um
dos efeitos dessa ação governamental denunciado nas audiências é o risco à
segurança alimentar dessas famílias uma vez que, desde setembro de 2009,
estão com suas atividades produtivas comprometidas, na medida em que
vivem permanentemente sob o risco de terem de deixar suas terras.
As iniciativas dos funcionários da Secretaria visavam garantir a
desobstrução do terreno para que houvesse a efetivação da doação do terreno
à Petrobrás e para a realização das obras iniciais de construção da refinaria.
Essa situação provocou intensa indignação nos moradores mais antigos,
que passaram a buscar apoio na Defensoria Pública do Maranhão, no
Ministério Público Estadual e Federal e junto a movimentos sociais envolvidos
com a questão socioambiental, procurando garantir o controle sobre o território
que ocupam tradicionalmente, ou, no mínimo, condições dignas em seu
deslocamento.
143
O povoado de Salva Terra II é uma comunidade com mais de 200 anos
que ocupa uma área de cerca de 450 hectares. Essa área é herança sem
partilha de quatro herdeiros, cujos descendentes constituem um grupo de, pelo
menos, 34 famílias de pescadores e agricultores. No entanto, a totalidade do
universo de pessoas que direta ou indiretamente fazem uso social dos recursos
naturais ali existentes é muito maior, pois, como se trata de terras de
propriedade coletiva, durante a realização de trabalho de campo no povoado,
pudemos registrar a presença de agregados e parceiros que usam essas terras
sem, no entanto, estabelecer moradia fixa no povoado, o que sinaliza a
importância daquele território para esses grupos.
As denúncias apresentadas nas Audiências Públicas com relação à
forma como a Secretaria de Indústria e Comércio conduziu o processo de
anúncio do deslocamento e as primeiras tentativas de realizá-lo, provocavam
muito constrangimento na mesa coordenadora dos trabalhos. Os técnicos e
representantes da Petrobras chegaram a afirmar que não tinham conhecimento
de tais fatos e que as orientações da companhia era que, se houvessem
necessidades de deslocamentos, que eles fossem feitos com a participação e
concordância dos moradores a serem deslocados. Diante disso, vários
moradores de Salva Terra II se posicionaram, afirmando que deveriam ser
buscadas soluções que não implicassem em seu deslocamento. Lembrando a
ancestralidade do povoamento, o apego afetivo ao território constituído,
representantes dos moradores sugeriam que a área de seu povoado fosse
excluída do perímetro da Refinaria.
Na audiência pública de Rosário, os moradores de Salva Terra II
receberam apoio de outros trabalhadores rurais, a exemplo de Zeca Pereira,
que é diretora do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de
Rosário, que compôs a poesia abaixo e a leu no plenário da Audiência:
"Salve a Terra" Salva, Salva terra
Vives o teu tempo de guerra Não construístes armas
Plantastes cupuaçu Salva, Salva Terra
Quantas papas de farinha mimosa Fizestes para alimentar
Raimundo, Timóteo, Maria e Rose Salva, Salva Terra Teu piqui com café
Tua Juçara com camarão
144
teu povo querido, amigo e irmão Salva, salva Terra refinaria te ocupou
o teu povo sente dor Pau d'arco cai a flor
Salva Terra, Salva terra Quantos sonos os teus filhos Angustiados não tem perdido
Pensando nos dias que serão vividos Salva, Salva Terra
Quem salvará tua terra? O que será do teu povo?
Salva Terra, Salva Terra, Salva terra
Os representantes dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais dos municípios diretamente afetados que tomaram a palavra, assim
como outros moradores dos municípios, manifestaram também preocupações
com relação à qualidade da água do rio Itapecuru, aos efeitos da poluição nas
práticas agrícolas e pesqueiras e o aumento da especulação imobiliária, que já
se faz sentir em função do aumento brusco dos preços dos aluguéis e dos
imóveis postos à venda. Na quarta Audiência Pública, realizada em São Luís,
alguns funcionários de uma imobiliária distribuíam panfletos anunciando a
venda de lotes em loteamento próximo à Refinaria e destacando a rápida
valorização financeira como um de seus principais atrativos.
Na última Audiência Pública, ocorrida no município de São Luís, na Vila
Maranhão, os debates foram intensos, pois foi retomada a discussão sobre
Salva Terra II, mas foram discutidas, também, as consequências da Refinaria
na Zona Rural de São Luís, pois seu projeto prevê que a faixa de dutos corte
vários povoados. Dentre esses povoados, alguns como Rio dos Cachorros,
Cajueiro e parte da Vila Maranhão estão incluídos no perímetro reivindicado
para criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, cujo processo encontra-se
em fase de finalização na Casa Civil do Governo Federal (SANT‟ANA JÚNIOR,
PEREIRA, ALVES e PEREIRA, 2009). No debate sobre os dutos, foi levantada
uma falha do EIA-RIMA, que não faz referência direta ao Terminal de
Tancagem, a ser construído no Distrito Industrial de São Luís, e nem aos
impactos ambientais e sociais da faixa de dutos.
As cinco audiências públicas que discutiram o licenciamento ambiental
para a construção da Refinaria Premiu I foram marcadas, além da reação de
moradores, por pronunciamentos de estudiosos que se estendiam também ao
145
questionamento e/ou contestação de aspectos técnicos do EIA/RIMA. Uma das
questões levantadas refere-se às alterações na qualidade das águas
superficiais e subsuperficiais e processos erosivos e assoreamentos que
podem atingir os municípios de Bacabeira, Rosário e São Luís, envolvendo as
bacias dos rios Itapecuru, Mearim, Estiva, Inhaúma, Cachorros, Bacanga e
Itaqui e a baía de São Marcos. Além disso, serão diretamente atingidas as
comunidades de pescadores e quilombolas de Bacabeira e Rosário que estão
localizadas ao logo de todo o sistema de captação de água para uso do
empreendimento e do duto de efluentes, compreendendo uma zona tampão de
5 km a partir dos limites da área da refinaria e um trecho do Rio Itapecuru à
jusante da adução/descarte de efluentes até sua foz na baía de São José.
Em seus processos produtivos diretos, a Refinaria prevê a utilização de
água retirada do rio Itapecuru, no qual serão, também, descartados os
efluentes (resíduos, sujeira). O rio Itapecuru fornece, hoje, cerca de 50% da
água consumida em São Luís, para o que são captados aproximadamente 1,8
metros cúbicos por segundo (m³/s). Para a Refinaria, está prevista a captação
de 2 m³/s, equivalente a 7.200 metros cúbicos por hora (m³/h). A previsão de
descarte de efluentes da Refinaria, no período chuvoso e médio é de 0,74 m³/s,
equivalendo a 2.653 m³/h. No período seco, a previsão é de descarte de 0,56
m³/s, equivalendo a 2.013 m³/h. Atualmente o rio Itapecuru tem elevada
concentração de matéria orgânica, com altos teores de Fosfato e Ferro
dissolvidos, duas a três vezes superiores aos limites aceitos pelo CONAMA. Os
efluentes da Refinaria viriam a agravar esse fato.
Outro aspecto abordado foi a relação entre o refino de petróleo e a
poluição atmosférica. No EIA-RIMA e na fala dos responsáveis por sua
apresentação nas Audiências Públicas, houve sempre o destaque para o uso
de tecnologias avançadas na elaboração de filtros poderosos para o controle
da poluição. As refinarias, no entanto, possuem vários tipos de fontes
emissoras de poluentes atmosféricos: chaminés de fonte de combustão;
chaminés de exaustão de gases de processo; fontes difusas como tanque de
estocagem de líquidos orgânicos; vazamentos em válvulas; e outros
componentes como tochas e tratamento de efluentes. Assim, na atividade de
refino ocorre a emissão de material particulado (MP), de óxidos de enxofre
(SOx), de monóxido de carbono (CO), de hidrocarbonetos (HC), de gases
146
resultantes da queima de combustíveis fósseis (os óxidos de nitrogênio – NOx),
dos gases de efeito estufa (dióxido de carbono – CO2 –, óxido nitroso – N2O – e
metano – CH4 –, e mais as emissões de solventes, de gás sulfídrico, de metais
e de Benzeno. Países e regiões do planeta que possuem maior experiência
com esse tipo de empreendimento e possuem legislações e políticas
ambientais mais rígidas não aceitam mais sua implantação, fazendo com que
processos industriais altamente poluidores sejam destinados a regiões e
países cujas políticas públicas estão baseadas na concepção de que a
melhoria de vida de suas populações somente pode ocorrer a partir do
crescimento econômico baseado em processos de industrialização.
Nos pronunciamentos lembrou-se que o próprio EIA-RIMA elenca
impactos ao meio físico e biótico que são irreversíveis, na medida em que as
alterações provocadas pelo empreendimento não podem ser revertidas por
ações de recuperação ou mitigação: contaminação das águas subterrâneas e
dos corpos hídricos; perda da camada orgânica do solo; redução da recarga do
aqüífero suspenso e da Formação Itapecuru e perdas totais ou parciais das
nascentes intermitentes; deterioração da qualidade do solo e das águas
superficiais e subterrâneas; geração de chuva ácida e intensificação de efeito
estufa; alteração da paisagem com modificação dos aspectos fisiográficos
locais; perda de indivíduos da flora; efeitos nocivos sobre a vegetação em
decorrência de emissões atmosféricas.
Quanto aos impactos no meio antrópico, são considerados irreversíveis:
interferências e alteração do cotidiano da população; interferências e
alterações no uso e ocupação do solo; pressão sobre a infraestrutura de
serviços públicos essenciais; aumento do tráfego de veículos; interferências no
cotidiano das populações tradicionais (quilombolas e ribeirinhos do rio
Itapecuru).
Apesar das denúncias e pronunciamentos contrários à instalação do
empreendimento, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) expediu a
Licença Prévia (LP) para o início das obras, que começa a ocorrer. Mesmo com
a permanente divulgação de notícias contraditórias na imprensa maranhense
sobre a efetivação ou não da Refinaria Premium I, principalmente em função de
questões relacionadas ao orçamento federal para o ano de 2011, foram
iniciadas obras cercamento do terreno e de terraplanagem que, apesar de
147
descontínuas, ajudam a consolidar em Salva Terra II, a concepção de que o
deslocamento é inevitável.
Como os moradores do povoado nunca tinham passado por situação de
ameaça de deslocamento de seu território nem de demanda coletiva por
políticas públicas (em relação às quais sempre foram desassistidos), seu
processo de organização interna era baseado na estrutura de autoridade
familiar, tradicionalmente estabelecida. Assim, não foi produzida uma
organização formal que pudesse organizar a resistência às ameaças de
deslocamento. Essas ameaças, por um lado, e as promessas que, após a
resistência inicial de locação no galpão em Bacabeira, passaram a ser feitas de
indenização financeira e de boas condições de reassentamento, por outro,
levaram a confrontos internos em Salva Terra II e em relação a povoados
vizinhos, mais suscetíveis às propostas apresentadas por funcionários da
Secretaria Estadual de Indústria e Comércio.
Os moradores de Salva Terra II já receberam o pagamento de
indenizações referentes aos territórios que ocupam e recebem cestas básicas
para compensar as perdas por um ano sem investimentos na agricultura, mas
ainda não saíram de suas terras, pois, estão esperando a liberação do terreno
e a construção das casas que irão ocupar. No entanto, as desastrosas
experiências de deslocamento de populações no Maranhão, fazem com que a
expectativa de uma vida com mais qualidade seja obscurecida pelo temor da
não adaptação do novo modo de vida, de doenças psicossociais ou de
migração para os grandes centros, com os riscos consequentes de
marginalização. Rosemeire Botetuit de Assis, uma das pessoas que lutaram e
lutam pela permanência da sua família no seu território, expressa o sentimento
de amedrontamento e perda: “perdemos pra eles não temos forças para lutar
mais, eles ganharam (...)”.
A efetivação da Refinaria Premium I em Bacabeira, Maranhão, contudo,
é ainda incerta. Seus impactos, porém, são sentidos desde seu anúncio. O
comprometimento do modo de vida dos moradores de seu entorno já é um
impacto irreversível.
Encerrando o capítulo, ampliando a discussão...
148
O entendimento de regiões habitadas por populações locais e por seus
modos de vida como um vazio demográfico e cultural (MENDONÇA, 2006) que,
em grande medida, compõe os discursos de justificação de projetos de
desenvolvimento, e no caso aqui estudado, de uma grande refinaria de
petróleo, desconsidera a existência de inúmeros grupos sociais e povos que
milenar ou secularmente ocupam seus territórios e aí constituem relações
produtivas, sociais e culturais, com características próprias. Esses grupos,
quando chegam a ser considerados, principalmente quando ocupam territórios
almejados pelos empreendimentos, normalmente são percebidos como
arcaicos, atrasados, empecilhos para o desenvolvimento. As populações locais,
no entanto, constituem um modo de vida peculiar (cultura, sociabilidade,
trabalho), em grande medida adaptado às condições ecológicas, predominando
economia polivalente, ou seja, agricultura, pesca, extrativismo, artesanato, com
um calendário sazonal anual, conforme os recursos naturais explorados,
normalmente, sob o regime familiar de organização do trabalho (ALMEIDA e
CUNHA, 2001; LITTLE, 2002; ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR e MENDONÇA,
2007).
Quando confrontados, esses grupos sociais e povos, em maior ou menor
intensidade, conforme o caso, reagem, enfrentam e propõem alternativas ao
modelo de desenvolvimento que os atinge. Conflitos socioambientais se
configuram na medida em que as características do modelo de
desenvolvimento dominante permanecem, mesmo que discursivamente
amenizadas, por exemplo, através da incorporação de noções como
desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, responsabilidade social e
ambiental.
No caso de Salva Terra II, é possível verificar, que apesar da resistência
buscada por parte de seus moradores, tudo indica que, no momento atual, será
muito difícil evitar deslocamento. Contudo, a luta de resistência forçou os
órgãos do governo estadual envolvidos na questão a buscarem soluções
negociadas com a população, na medida em que não conseguiram impor sua
orientações iniciais. Os desdobramentos desta situação, no entanto,
encontram-se em aberto e demandarão um acompanhamento permanente.
149
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insustentável leveza da política ambiental – desenvolvimento e conflitos
socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
151
ANEXO XI
Artigo a ser publicado no livro:
FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes (Org.). Olhares sobre a
escravidão contemporânea: novas contribuições críticas. Cuiabá: Editora da UFMT,
2011. Situação: no prelo.
ACRE E MODELO DE DESENVOLVIMENTO
Introdução
O Estado do Acre localiza-se no extremo ocidental da Amazônia brasileira, faz
fronteiras internacionais com o Peru e a Bolívia e nacionais com os Estados do
Amazonas e de Rondônia (ACRE, 2000, v.2, p.10). Na segunda metade do séc. XIX, foi
gradativamente invadido e ocupado por brasileiros e, na primeira década do séc. XX,
incorporado definitivamente ao território nacional do Brasil. A história de sua invasão,
ocupação e incorporação62
ao território nacional é intimamente relacionada à instalação
da empresa seringalista. Esta empresa tinha por objetivo extrair e exportar a borracha
produzida com o látex da seringueira (hevea brasiliensis) para os países que, a partir de
meados do séc. XIX, graças à consolidação da aliança entre conhecimento científico,
tecnologia e processos produtivos63
, passam a incorporar cada vez mais a borracha em
suas indústrias.
62
Utilizamos as noções de invasão, ocupação e incorporação para lembrar que todo o processo não
aconteceu em um espaço vazio, mas que implicou em intensas disputas por territórios e conseqüentes
massacres de povos que milenarmente ocupavam aquelas terras, com suas práticas produtivas e culturais.
Além disso, “os termos invasão, ocupação e incorporação ajudam a deixar claro que não se trata de
processos autônomos, frutos de um desenvolvimento histórico auto-gerado e inexorável... trata-se do
desempenho de atores sociais, individuais e coletivos, que estabelecem arranjos societários/institucionais
e práticas sociais, políticas, econômicas, culturais relativamente adaptados à busca de satisfação de seus
desejos e necessidades” (SANT‟ANA JÚNIOR, 2004, p. 67). 63
Principalmente a partir da segunda metade do século XIX, os produtores de conhecimentos científicos
passam a receber fortes incentivos da crescente indústria moderna. Estes incentivos aumentam à medida
que estes conhecimentos fornecem as bases para a elaboração de novas tecnologias, cada vez mais
aprimoradas e voltadas para atender o crescimento da produção industrial e agrícola, principalmente na
Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Para o que nos interessa neste artigo, é importante destacar que a
relevância econômica da borracha ocorre a partir de estudos sobre suas possibilidades de uso que
culminaram na descoberta da técnica da vulcanização (composto de borracha e enxofre, em quantidade
própria e temperatura adequada), de forma que o produto deixava de ser quebradiço quando exposto a
uma temperatura baixa, e não se tornava viscoso a um calor elevado, podendo ser, então, plenamente
incorporado, com grande proveito, na atividade industrial (TOCANTINS, 1979, v.I, p.133).
152
Para pensar a instauração da empresa seringalista, em outros momentos tenho
me inspirado (SANT‟ANA JÚNIOR, 2004) nas reflexões de Bauman (1998 ), de
Benjamin (1985) e de Adorno e Horkheimer (1985) a respeito da ascensão do nazi-
facismo na primeira metade do século XX. Estes autores apontam que a retomada do
totalitarismo e da intolerância, enquanto marcas do exercício do poder, não era um
desvio no processo crescente de racionalização das práticas societárias no Ocidente.
Pelo contrário, seria um desdobramento possível de potencialidades encerradas no
mesmo processo de racionalização e não um desvio casual do percurso de constituição
do mundo moderno. Bauman (1998) afirma ainda que somente em condições de
modernidade um empreendimento de tal monta como o nazismo alemão poderia
acontecer, pois o mundo moderno, cuja feição assumida no século XX é fruto do
casamento entre ciência, tecnologia e indústria, forneceu a técnica necessária para o
controle midiático das massas; as impensáveis, até então, máquinas de guerra; as
técnicas de administração de massa e a aparelhagem técnica necessária para transporte,
controle e eliminação higiênica (câmaras de gás) de milhares de pessoas, em tão curto
espaço de tempo.
A empresa seringalista, da mesma forma, somente pode ser pensada a partir da
lógica da racionalidade moderna. Uma vasta região do planeta terra, em boa parte, até
então, desconhecida, passa a ser ocupada em função de interesses que estão
relacionados ao mais avançado processo industrial do séc. XIX que, para garantir um
determinado tipo de matéria-prima (a borracha), fundamental para seu aprimoramento,
arregimentou forças e recursos em grande monta.
Para ser implantada, a empresa seringalista exigiu que se fizesse o transporte de
milhares de nordestinos para a Amazônia64
e de grande quantidade de equipamentos e
mercadorias necessários para seu funcionamento e para fornecer as condições de
sobrevivência àqueles nela envolvidos. Exigiu, também, que se estabelecesse o fluxo
contínuo da produção dos seringais até as indústrias européias e norte-americanas. Para
tanto,
“foram mobilizados recursos tecnológicos e administrativos
dentre os mais avançados da época como, por exemplo, os
navios a vapor, que eram os meios de navegação mais modernos
64
As estatísticas deste período são muito imprecisas, mas estima-se que cerca de 500.000 a 1.500.000 de
pessoas foram transportadas entre 1875 e 1910, a partir de iniciativa da empresa seringalista (SANT‟ANA
JÚNIOR, 2004).
153
de então; a utilização de alimentos enlatados, remédios
industrializados e equipamentos bélicos avançados; relações
financeiras e comerciais internacionais implantadas segundo os,
então, mais modernos princípios de administração; a
disponibilidade de capital para implantação de todo o sistema.
Enfim, pode-se afirmar que somente em função das
necessidades do mundo moderno e das condições tecnológicas e
administrativas geradas por este mesmo mundo é que foi
possível a implantação de tão vultosos empreendimentos que
viabilizaram a empresa seringalista amazônica” (SANT‟ANA
JÚNIOR, 2004, 89).
A relação direta com o núcleo da modernidade ascendente não exigiu, no
entanto, que fossem implementadas, também, “modernas” formas de emprego da mão-
de-obra. Ao invés do trabalho assalariado, que se consolidava como a forma típica do
trabalho no mundo capitalista e que recebia, por parte dos economistas clássicos, a
denominação de “trabalho livre”65
, a produção da borracha na Amazônia, desde seus
primórdios, aconteceu a partir do já bastante estudado sistema “de aviamento”
(ALMEIDA, 1992; CUNHA, 1946 e 1994; PAULA, 1991; TOCANTIS, 1979, v.I), que,
em linhas gerais
consistia na manutenção da dependência do produtor direto, no
caso o seringueiro, através do fornecimento, a crédito, de bens
de consumo e instrumentos de trabalho. O seringueiro ficava
obrigado a vender sua produção ao barracão do seringalista
(dono do seringal) que lhe aviava (fornecia) as mercadorias de
que necessitava (DUARTE, 1987, p.19; grifo do autor).
Boa parte dos seringueiros não conseguia saldar (“tirar saldo”, como se dizia na
época) suas dívidas com o barracão, que começavam nos custos com o transporte para a
Amazônia e se estendiam graças aos altos preços cobrados pelas mercadorias a eles
destinados; às proibições de produção de alimentos em suas colocações66
e de
comercialização com outros agentes67
; à manipulação das contas.
65
Desde a demonstração que Marx (1983) fez de como é extraída a mais-valia no trabalho assalariado,
esta denominação pode ser fortemente questionada. 66
Unidade individualizada de produção de borracha, no interior da floresta. 67
Desde o início da empresa seringalista, é possível encontrar registros da presença de regatões, que eram
comerciantes que navegavam pelos rios amazônicos estabelecendo trocas com produtores diretos de
borracha ou outros produtos florestais, em condições mais vantajosas que aquelas impostas pelo barracão.
O comércio com os regatões era uma forma de fugir aos rigores do controle por parte dos seringalistas e,
por isso mesmo, era proibido, implicando em fortes sansões quando descoberto.
154
Segundo uma frase famosa de Euclides da Cunha, “... o seringueiro realiza uma
tremenda anomalia: é o homem que trabalha para escravizar-se” (CUNHA, 1994, p.36).
O sistema criado para a produção de borracha era garantido pela manutenção dos
seringueiros sob estrita vigilância, através de capangas contratados para este fim, e os
mesmos eram severamente castigados, se não mortos, nas tentativas de fuga ou de burla
das regras estabelecidas, sob o argumento de que tinham uma dívida a pagar
(ALMEIDA, 1992, p.20-26; CUNHA, 1994, p.35-38; DUARTE, 1987, p.23-24;
FRANCO, 1994, p.190-191; PAULA, 1991, p.36-39).
O empreendimento seringalista,
“impulsionado a partir de interesses e necessidades do mundo
moderno e do empenho de agentes que, em uma primeira
instância – a indústria européia –, faziam parte no núcleo
gerador deste mundo, ao invés de promover autonomia e
liberdade, recria relações sociais e de trabalho que são
instrumentos de cerceamento e constrangimento” (SANT‟ANA
JÚNIOR, 2004, p. 85)
As relações de trabalho criadas neste empreendimento não podem ser
consideradas, portanto, pré-modernas ou pré-capitalistas ou tradicionais, pois foram
criadas (e este é o termo mais correto) como produtos da modernidade, atendendo a
interesses surgidos no núcleo centro da industrialização moderna. Portanto, a
reprodução ou criação de novas formas de trabalho compulsório não são desvios
momentâneos, erros de rota, que marcam indevidamente certos processos de
modernização. São, sim, frutos da mesma modernidade e não têm nada de incompatível
com a mesma. A manutenção contemporânea de formas variadas de trabalho escravo
deve ser pensada como um instrumento para repensar o sinal positivo que normalmente
é apensado à própria modernidade. Esta, por mais que tenha promovido liberdade e
autonomia em algumas partes do planeta e para alguns grupos sociais, na medida em
que se espalha pelo mundo, tem difundido, também, instrumentos de coerção, de
destruição e apropriação de bens naturais, de ampliação e criação de novas formas de
exploração do trabalho.
A década de 1910 foi marcada por uma forte queda no preço internacional da
borracha, devido à concorrência da borracha de cultivo explorada pelos ingleses em
suas colônias do sudeste asiático. Isto teve significativos impactos na produção de
155
borracha natural na Amazônia68
, gerando a primeira grande crise da empresa
seringalista brasileira. Esta primeira crise foi sucedida por um breve período de
recuperação da produção durante a Segunda Grande Guerra, de 1939 a 1945. Os
seringais de cultivo do sudeste asiático foram dominados pelos japoneses, que eram
inimigos dos países que formavam bloco dos aliados (Inglaterra, França e EUA) e o
preço internacional do produto cresceu rapidamente. O Governo brasileiro, em aliança
com os EUA, patrocinou a chamada “Batalha da Borracha”, procurando restabelecer a
produção nacional. Esta retomada não passou, no entanto, de um rápido surto, pois, com
o fim da guerra, a concorrência da borracha asiática é retomada e intensificada com a
produção de borracha sintética, feita a partir de subprodutos do petróleo. A crise na
produção seringalista brasileira se agrava e assume contornos irreversíveis.
Mauro Almeida (1992) e Cristina Wolff (1999) demonstram que, ao contrário do
que enuncia o discurso da decadência da empresa seringalista, nem todos os segmentos
sociais do mundo dos seringais foram atingidos negativamente pela crise da borracha.
Para os seringueiros, produtores diretos, os momentos de crise representaram um
afrouxamento dos controles que pesavam sobre eles. A decadência dos barracões
diminuía a sua capacidade de fornecimento de mercadorias, mas, ao mesmo tempo,
diminuía, também, sua capacidade de fiscalização e de exigência de lealdades com
relação aos seringueiros. Esta situação permitiu que os mesmos pudessem diversificar
suas atividades produtivas, ampliar seus conhecimentos dos produtos da floresta,
incorporar novos elementos em sua dieta alimentar e novos remédios de origem vegetal
e animal. Tudo isso proporcionou uma melhoria na qualidade de vida dos seringueiros
que, como lembra Wolff (1999), puderam associar os conhecimentos que traziam de sua
terra natal (na maioria dos casos, o Nordeste), com os conhecimentos que aprendiam
com nativos mais adaptados à floresta. Essa soma de conhecimentos permite gerar uma
nova forma de viver e produzir que Almeida (1992) denomina de “campesinato
florestal”.
No Estado do Acre, todo este processo, aqui apresentado em linhas gerais e
como um tipo ideal (WEBER, 2001), teve desfechos diferenciados no Vale do Rio Acre
e no Vale do Rio Juruá. A partir das políticas de desenvolvimento concebidas e
68
Dados sobre a exportação de borracha entre 1821 e 1920 podem ser obtidos em Benchimol (1977, p.
252).
156
implantadas pelos sucessivos governos da ditadura civil/militar69
que se abateu sobre o
Brasil entre 1964 e 1985 e repercutidos pelos nomeados governos estaduais, e das
condições de implementação destas políticas, encontraremos ações diferenciadas das
elites locais e importadas e reações, também, diferenciadas dos grupos sociais
marginalizados no processo, em especial, dos seringueiros.
Este artigo centra sua atenção em um modelo de Unidade de Conservação
surgido do movimento socioambiental originado no Acre, como forma de enfretamento
ao modelo de desenvolvimento dos governos ditatoriais. Busca, então, recuperar a
trajetória de criação e constituição das duas primeiras experiências de Reserva
Extrativista70
criadas no Estado do Acre: a Reserva Extrativista do Alto Juruá e a
Reserva Extrativista Chico Mendes, procurando, à luz do histórico acima apresentado
como Introdução, refletir sobre os mecanismos acionados pelos seringueiros na busca
de superação de sua marginalização e os desafios contemporâneos que se apresentam,
tendo em vista a perspectiva de conquista de liberdade e autonomia e da, mais
recentemente incorporada, perspectiva de defesa ambiental.
1. O Vale do Rio Acre e o Vale do Juruá
Os Vales dos Rios Juruá e Acre são marcados por diferenças ambientais,
históricas e sociais.
Uma diferença ambiental relevante e com conseqüências imediatas nas
atividades extrativistas, é a ausência de castanheiras no Vale do Juruá, o que faz com
que a apropriação de produtos da floresta economicamente relevantes seja
predominantemente feita através do corte das seringueiras. É importante destacar
69
Adotamos, aqui, a denominação “ditadura civil/militar” por concordarmos com Gonçalves (2005a) ao
afirmar que a expressão “ditatura militar” isenta os setores civis que participaram do processo ditatorial. 70
As reservas extrativistas, constituem-se numa categoria de unidade de conservação ambiental prevista
no Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC – do Ministério do Meio Ambiente,
institucionalizado em 2004. O SNUC prevê dois grupos de unidade de conservação: Unidades de
Proteção Integral (“preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais”
– BRASIL, 2004, p 15) e Unidades de Uso Sustentável (“compatibilizar a conservação da natureza com o
uso sustentável de parcela de seus recursos naturais” – BRASIL, 2004, p 15). Compondo o segundo
grupo, a Reserva Extrativista é definida, no SNUC, como sendo: “(...) uma área utilizada por populações
extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na
agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos
proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade” (BRASIL, 2004, pp. 19-20).
157
também o fato geográfico de que os rios Juruá e Purus (o rio Acre é afluente deste rio)
correm paralelos e vão desaguar no rio Amazonas, no Estado dos Amazonas. Esta
característica geográfica sempre foi determinante para a dificuldade de comunicação
entre as duas regiões e um relativo isolamento mútuo. No início do século XX, uma
viagem entre Rio Branco (capital do Acre), localizada nas margens do rio Acre, e
Cruzeiro do Sul, localizada nas margens do rio Juruá, poderia chegar a 2 meses de
duração e, no período das secas, quando a navegabilidade dos rios diminui, poderia se
tornar praticamente impossível.
Este elemento geográfico foi significativo na constituição de histórias
diferenciadas entre as duas regiões do Estado. A partir da década de 1960, outro
interveniente histórico tornou-se relevante: as posições político-ideológicas da Igreja
Católica passam a ser bastante distintas. No Vale do Rio Juruá, na Prelazia de Cruzeiro
do Sul, com marcante presença de padres franciscanos de origem alemã, era mantida
uma linha pastoral que, nos confrontos internos da Igreja Católica, passou a ser
reconhecida como conservadora. Já no Vale do Rio Acre, na Prelazia de Rio Branco,
constatava-se a crescente influência de uma orientação pastoral que participava do que
viria a ser chamada de corrente progressista da Igreja, associada à, então em formação,
Teologia da Libertação.
A Igreja no Vale do Rio Acre estimulou a formação de Comunidades Eclesiais
de Base, com forte ênfase na formação, organização e atuação partidária e sindical de
seus membros. Desta forma, houve uma nítida aproximação de padres, freiras e agentes
pastorais com os núcleos de resistência de seringueiros à exploração no formato de
barracão e, principalmente, às ameaças de expulsão da floresta advindas com a nascente
perspectiva de pecuarização do Acre (PAULA, 1991; ALMEIDA, 1992, SANT‟ANA
JÚNIOR, 2004).
É também no Vale do Rio Acre que se iniciou a expansão das Rodovias, marca
típica das políticas de Integragão Nacional, implementadas a partir do final dos anos
1960, pelo regime ditatorial. A BR 317, que liga o Brasil ao Peru, segue paralela ao Rio
Acre, ligando as sedes dos municípios de Rio Branco, Senador Guiomard, Capixaba,
Xapuri, Epitaciolândia, Brasiléia e Assis Brasil. Já a BR 364, cujo trajeto liga as cidades
de Rio Branco e Cruzeiro do Sul, em função de dificuldades operacionais decorrentes
158
do grande número de rios71
e da ausência local de pedras aproveitáveis para confecção
do asfalto e de sua base, tem grande parte de seu percurso ainda sem asfaltamento,
tornando-se trafegável somente no período das secas.
Desta forma, as estradas que efetivamente ligam o Acre ao restante do país e
que, desde a sua construção lograram produzir um grande interesse em
empreendimentos pecuários, chegaram primeiro ao vale do Rio Acre e, nesta região,
provocaram, em primeiro lugar, os processos de desmatamento, a expulsão de
seringueiros da floresta e os conflitos daí resultantes. Os desmatamentos e expulsão de
seringueiros estavam diretamente relacionados com o projeto do Governo Federal,
encampado pelo Governo do Estado do Acre, de pecuarizar a economia acreana. Em
outras palavras, houve uma intensa campanha de divulgação no Centro-Sul do país que
estimulava a compra de terras daquele estado, que eram muito baratas, e incentivava o
investimento na pecuária, a partir de slogans como “Amazônia: uma terra sem homens
para homens sem terra” ou “Produza no Acre e exporte pelo Pacífico”, slogan esse que
associava terras baratas, incentivos fiscais e a construção de estradas que ligariam a
Amazônia ocidental aos portos peruanos do Oceano Pacífico.
A chegada dos primeiros fazendeiros vindos de outras regiões, denominados
localmente (independentemente de sua origem) de “paulistas”, e as conseqüentes
derrubadas de trechos da floresta, chamadas de “limpeza de áreas”, para implantação de
pastagens redundaram em amplos processos de expulsão de seringueiros que
sobreviviam nas e daquelas florestas.
A “limpeza de área” implicava, então, em retirar árvores, animais e pessoas.
Todo este processo gerou movimentos de resistência por parte dos seringueiros e
resultou em intensos e prolongados conflitos pelo controle e uso de territórios.
Perguntado sobre estes conflitos, Osmarino Amâncio, líder seringueiro, referindo-se ao
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e ao movimento de resistência às
derrubadas de floresta comandado inicialmente por este Sindicato e denominado
“empate”, lembra que
foi fundado o Sindicato em 1975 e o primeiro empate se deu em
1976. No Seringal Carmem, que tem uma história muito bonita.
Esse empate começou com 16 famílias e terminou com 92.
Então, teve uma adesão. E o que foi mais importante é que o
empate durou dois meses de conflito, de enfrentamento,
71
Além do grande número, vários rios, nesta região, possuem cursos instáveis, que se alteram com as
cheias anuais, o que dificulta a construção de pontes (Entrevista realizada em 20/12/2000, com Gilberto
do Carmo Lopes Siqueira, então Secretário de Estado de Planejamento e Coordenação).
159
trincheiras dos dois lados. Enfrentou-se o exército, polícia, tudo
e foi vitorioso. Então, isso foi assim como um querosene que
pingou e espalhou, porque aí virou ... deu uma infecção de
empate na Amazônia, no Acre, principalmente, porque aí foi
exportado os empates pra Boca do Acre, pra Assis Brasil,
Xapuri. Aí eles não podiam mais vencer, porque a resistência
começou em Brasiléia, já organizada. Porque antes a resistência
era desorganizada. Mas aí, com os sindicatos, o sindicato só
organizou essa resistência (Entrevista realizada em 05/08/1999).
Estes conflitos, com os empates, assumiram um contorno local e o nome dado à
esta modalidade de resistência foi criado por seus próprios agentes, mais precisamente,
e ainda segundo Osmarino Amâncio, pelo Presidente do Sindicato, Wilson Pinheiro,
líder sindical que viria a ser assassinado em 1980.
Foi o Wilson Pinheiro quem surgiu com a idéia do empate... O
quê que era o empate? Empatar significa nós para sobreviver
aqui na floresta, nós não precisamos desmatar, nos não
precisamos fazer o desmatamento. Mas, também, se eles
desmatarem nós não temos como ficar aqui, porque o que nós
sabemos fazer é cortar seringa, quebrar castanha, trabalhar no
extrativismo. Ninguém está adaptado à agricultura. Então,
vamos empatar: nem nós derrubamos nem eles derrubam, então
está empate. Nós não derrubamos, mas eles também não
derrubam. Só que para nós era uma vitória, porque se a floresta
ficasse em pé, nós sobrevivíamos (Entrevista realizada em
05/08/1999).
Nos conflitos resultantes da resistência à expulsão e contra a derrubada da
floresta, os seringueiros contaram com o apoio da Igreja Católica e com a presença da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), através de seu
delegado sindical, João Maia, que foi deslocado para aquele estado com a missão de
contribuir para a organização de sindicatos de trabalhadores rurais e, posteriormente, da
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Acre – FETACRE. Entre 1975 e 1977
foram fundados sindicatos nos sete municípios que, então, existiam no Acre (PAULA,
1991; SANT‟ANA JÚNIOR, 2004). Concomitantemente, à constituição do movimento
sindical e das comunidades eclesiais de base, acontece a discussão sobre a criação do
que viria a ser o Partido dos Trabalhadores. Segundo Osmarino Amâncio, “tanto fazia o
cara ser da Igreja, como ser do PT, como ser do sindicato, na hora de discutir estavam
ali as mesmas pessoas. Então, quando fazia uma reunião, para não perder tempo, fazia
logo as reuniões do sindicato, do partido e da Igreja” (entrevista realizada em
04\08\1999).
160
Abrigados sob a legenda do PT, além dos militantes ligados à Igreja Católica,
podemos destacar a presença de grupos e partidos clandestinos. Dentre estes, no Acre, o
Partido Revolucionário Comunista (PRC) teve bastante influência e contou entre seus
membros com Chico Mendes e Marina Silva72
, por exemplo. Toda esta mobilização
política e social era mais expressiva no Vale do Rio Acre, tendo os municípios de
Brasiléia e Xapuri, que estavam na rota de expansão da BR 317, como principais
centros das lutas dos seringueiros.
O movimento de seringueiros, ao insurgir-se contra os desmatamentos
necessários para implantação da pecuária extensiva, buscava garantir a manutenção das
condições da reprodução social e econômica da categoria. A luta contra os
desmatamentos, mesmo que inicialmente de forma não intencional, acabou
constituindo-se em um apelo forte de preservação ambiental o que redundou numa
aproximação cada vez maior com os movimentos ambientalistas que se fortaleciam em
todo o mundo na década de 1970.
O movimento dos seringueiros contou com muitos aliados e aspectos
conjunturais favoráveis, conseguindo um nível bastante significativo de organização, de
capacidade propositiva, de articulação com outras forças sociais e de obtenção de
resultados. A eficácia do movimento foi ampliada quando passou a incorporar, em
meados dos anos 1980, o discurso ambientalista, para justificar suas lutas e como
instrumento de consolidação de alianças políticas para além da Região Amazônica,
articulando seus interesses particulares e locais com características universais e
mobilizações globais.
Os “empates” tornaram-se emblemáticos na defesa da floresta. Na busca de
ampliar suas alianças e conseguir apoio externo para suas reivindicações, os
seringueiros do Vale do Acre trouxeram a questão ambiental para o cerne da luta
travada na região. Segundo Osmarino Amâncio,
quando esse movimento surgiu, agente não sabia o que era essa
história de ecologia, essa história de defender o meio ambiente.
Aí nós descobrimos que os ambientalistas e os ecologistas
estavam querendo uma coisa, porque eles explicavam pra gente
que se a mata fosse desmatada ia aumentar a temperatura, o que
72
Chico Mendes, e Marina Silva nasceram em seringais e cresceram cortando seringa, foram
alfabetizados depois de adultos e tornaram-se lideranças sindicais, partidárias e ambientais reconhecidas
internacionalmente. Chico Mendes, a mais expressiva liderança dos movimento dos seringueiros, foi
assassinado em 1988 e é um símbolo da defesa da Amazônia. Marina Silva foi eleita Senadora da
República em 1994, reeleita em 2002 e nomeada Ministra do Meio Ambiente no início de 2003, cargo em
que permanece até os dias atuais.
161
eles chamam de efeito estufa. Tinha uma camada de gelo
acumulada não sei onde e se o efeito estufa aumentasse a
camada de gelo ia se dissolver e as cidades na beira-mar iam
ficar debaixo d‟água, iam sumir, o mar ia subir 12 a 14 metros, o
sol ... tinha um buraco na camada de ozônio. A gente nem sabia
o que diabo era isso, essas coisas. Eles vinham falando essas
coisas e a gente mandava depois eles trocarem em miúdo, pra
gente, o que que era isso... Então esse pessoal veio e, aí, a gente
passou a ir descobrindo que eles eram os aliados importantes.
Porque a nossa briga aqui era pela reforma agrária. Agente
queria o direito de ficar na terra (Entrevista realizada em
05/08/1999)
O modelo de desenvolvimento econômico para o Acre, proposto a partir dos
governos ditatoriais, enfrentou uma oposição que, ao aliar-se com o crescente
movimento ambientalista, assumiu um caráter cada vez mais propositivo e começou a
elaborar alternativas de desenvolvimento que incluíssem o extrativismo, a qualidade de
vida dos extrativistas e a preservação ambiental. Desta forma, é a partir desta
organização que foi possível realizar o I Encontro Nacional de Seringueiros, realizado
em 1985, em Brasília. Este encontro decidiu pela criação do Conselho Nacional dos
Seringueiros e teve, entre seus resultados, a elaboração da proposta de criação das
reservas extrativistas.
Já na região do Vale do Juruá, o atraso na abertura de grandes estradas fez com
que a especulação imobiliária em torno das terras só chegasse posteriormente. Assim, o
processo de pecuarização da economia ainda não era verificável no final da década de
1970. O sistema de barracão continuava existindo e, como não há, aqui, a chegada de
fazendeiros do sul (“paulistas”), os velhos “patrões”, como eram chamados os
seringalistas, permaneceram ou mantiveram prepostos ou arrendatários, também
denominados de “patrões”. A economia do Vale do Juruá continuava sendo
dominantemente marcada pela extração da borracha e pela persistência de práticas de
exploração da mão-de-obra herdadas do modelo dos seringais implantados no final do
século XIX.
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, não era possível manter mais o
sistema de aviamento em sua integralidade, pois a perversidade do sistema já havia sido
por demais denunciada e as condições de manutenção da exclusividade da compra de
mercadorias necessárias para a sobrevivência dos seringueiros no interior da floresta e
da venda borracha no barracão do “patrão”, já não mais existiam. Apesar disso, ainda
era muito comum a prática do endividamento dos seringueiros, mantida através da conta
162
desigual entre o que ele consumia (mercadorias) e o que ele vendia (borracha e demais
produtos florestais) para o seringalista.
Numa região com fraca presença de órgãos fiscalizadores do Estado, com
dificuldades na difusão de informações e forte controle social e político exercido pelos
seringalistas, além do endividamento, a exploração da mão-obra dos seringueiros
persistia através da cobrança da “renda”. Como lembra Franco (1994), a capacidade dos
patrões de fornecer as mercadorias diminuiu, em função da crise da borracha, mas
continuavam a cobrar renda de terras, das quais em muitos casos, nem detinham a posse
cartorial. Isto é confirmado por Francisco Barbosa de Melo (Chico Ginu), Coordenador
do Conselho Nacional dos Seringueiros no Vale do Juruá e líder seringueiro naquela
região desde os anos 1980,
a cobrança da renda, que não era uma lei, era uma espécie de
acordo que tinha sido feito com os mateiros73
e depois foi
tomando força de lei... As pessoas que tinham título de terra,
como umas empresas que cobravam a renda no valor de 70.000
ha de terra que era ocupado pelos seringueiros, sendo que
documentado, com título definitivo eles só teriam 30.000 ha.
Isso aconteceu muito. Os seringueiros foram muito usados, com
a cobrança de renda em terras da união, 60 a 90 kilos de
borracha por estrada74
(entrevista realizada em 09/11/2006).
No Vale do Juruá, os conflitos envolvendo seringueiros, no final da década de
1970 e início da década de 1980, portanto, aconteciam majoritariamente em função da
persistência das práticas típicas do barracão e da cobrança de renda por parte dos
seringalistas. Naquela região, a cobrança de renda sem uma contrapartida em termos de
assistência, provocou cisões nos acordos tácitos que garantiam a legitimidade daquela
forma de dominação. Esta seria, então, a forma mais visível de conflito no qual estavam
envolvidos os seringueiros do Vale do Juruá.
Em 1976, foi criado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cruzeiro do Sul.
Este Sindicato, inicialmente, buscou organizar a resistência ao pagamento da renda. No
entanto, gradativamente, os “patrões” conseguiram “comprar” os Delegados Sindicais
através da sublocação da cobrança da renda. Segundo Chico Ginu
73
Especializados em abrir estradas de seringas, que são trilhas abertas na floresta ligando várias
seringueiras, e distribuí-las para os seringueiros. 74
Cada seringueiro explora, em média, 3 estradas de seringa. Normalmente, no período propício, cada
estrada de seringa é percorrida de três em três dias, para o corte e colheita do látex. A renda era cobrada
anualmente e correspondia a aproximadamente um terço da produção.
163
Os seringalista tiveram muita ousadia, que era de comprar os
delegados sindicais. Quando eu assumi nos anos 8075
, mas
quando foi em 85 e 86 eu estava sozinho, pois eles compraram
os outros delegados todos, ou pelo contrário, eles tinham se
vendido, que é como se chamava na época, aos patrões. Se
comprava um delegado, normalmente oferecendo emprego de
cobrador de renda. Então, por várias vezes, eles tentaram me
comprar da seguinte forma: naquela época, daria em torno de 60
a 90 toneladas de borracha, só de renda, eu ganharia em torno de
15%, se eu recebesse a renda como delegado sindical, eu
receberia em torno de 15% do valor. A mesma coisa eram as
contas, os débitos. Então, eles passavam a tentar me convencer
com isso. A gente assina aqui e se tu for no seringal e dizer que
o pessoal deve pagar a renda, então nós te damos tantas
toneladas de borracha (entrevista realizada em 09/11/2006).
A cooptação da grande maioria dos Delegados Sindicais por parte dos “patrões”
enfraqueceu o movimento de resistência dos seringueiros e desacreditou o Sindicato. A
partir de meados da década de 1980, o movimento dos seringueiros, bem como os
sindicatos de trabalhadores rurais já estavam bastante consolidados no Vale do rio Acre.
O Conselho Nacional dos Seringueiros decidiu, então, que deveria apoiar mais
firmemente a organização da resistência dos seringueiros no Alto Juruá. Segundo Chico
Ginu,
Em 1988 chegou o Conselho Nacional dos Seringueiros. Em
1987, eu tive algumas reuniões com o Mauro Almeida76
no
interior dos seringais e ele já me falava do Conselho Nacional
dos Seringueiros e já falava também nas reservas extrativistas,
um tipo de reforma agrária dos seringueiros, que tinha sido uma
coisa criada pelo idealista Chico Mendes. Aí o Chico Mendes
pega o Macedo77
e bota o Macedo para ir para o Juruá para
trabalhar a proposta. Nessa época, o Macedo cruza com o Mauro
e o Mauro me indica para o Macedo como o Delegado Sindical
que estava lá trabalhando. Eu não conhecia o Macedo, eu já
tinha ouvido falar do Macedo por rádio, porque ele trabalhava
na FUNAI nessa época, com comunidades indígena, e daí, eu
pego uma mensagem pelo rádio do Macedo para encontrar com
ele no Bajé. Eu digo: „eu não conheço esse cara, mas eu vou
encontrar‟. Tive que viajar um dia por dentro dos rios alagados
75
Chico Ginu se refere ao período em que foi eleito Delegado Sindical no Sindicato de Trabalhadores
Rurais de Cruzeiro do Sul. 76
Mauro Almeida é acreano e professor e pesquisador da UNICAMP. Sua tese de doutorado, intitulada
“Rubber Tappers of the Upper Jurua River, Brasil; the Making of a Forest Peasant Economy”, foi sobre
os seringueiros do Alto Juruá e, desde sua criação vem atuando como assessor do Conselho Nacional de
Seringueiros, com especial atenção ao movimento de seringueiros no Alto Juruá. 77
Antonio Luiz Batista de Macedo, atuou como indigenista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e
participou do processo de implantação do Conselho Nacional dos Seringueiros no Vale do Rio Juruá,
tendo sido o primeiro Coordenador daquela regional.
164
para poder encontrar. Daí nós começamos os trabalhos com as
comunidades (entrevista realizada em 09/11/2006).
Com a presença de Antonio Macedo e o envolvimento de Chico Ginu, foi criado
o Conselho Nacional dos Seringueiros/Vale do Juruá (CNJ/VJ), que era uma regional do
Conselho Nacional. Esta regional buscou articular o que havia de resistência dos
seringueiros e, em 1989, foi criada a primeira associação de seringueiros, a Associação
dos Seringueiros e Agricultores da Bacia do Rio Tejo. Esta associação consegui
articular um financiamento do BNDES para criação de micro-cooperativa, que pudesse
garantir o fornecimento de mercadorias para os seringueiros no interior da floresta e,
desta forma, criar alternativas ao controle que os “patrões” ainda exerciam sobre os
mesmos78
. No entanto, a criação da Cooperativa era um passo rumo ao objetivo
assumido pelo Conselho Nacional dos Seringueiros, que era a criação das Reservas
Extrativistas. Segundo Chico Ginu, “nesse período de 89, nós já trabalhávamos
totalmente com o propósito de criação da Reserva Extrativista” (entrevista realizada em
09/11/2006).
2. O processo de criação das RESEX (Chico Mendes e Alto Juruá) – da resistência
ao modelo de desenvolvimento ao desafio da sustentabilidade
Enfrentamentos constantes, conflitos, “empates”, mortes e perseguições intensas,
levaram os seringueiros à re-significar sua identidade, então ligada ao empreendimento
seringalista decadente e, portanto, desvalorizada. Procuraram, então, relacioná-la, cada
vez mais, com a defesa ambiental, apresentando-se como “guardiões da floresta” (Cf.
ESTEVES, 1999), de forma que permitiu uma rápida articulação com movimentos
ambientalistas e sociais locais, nacionais e internacionais. A crescente articulação entre
movimentos ambientais e sociais, num processo que pode ser pensado como
ambientalização dos conflitos sociais (LEITE LOPES, 2004), provocou o surgimento de
novas práticas e conceitos nestes mesmos movimentos, permitindo a emergência do que
hoje vem sendo chamado de socioambientalismo.
Os movimentos sociais no Estado do Acre assumiram um forte papel na
consolidação do socioambientalismo, como movimento, e atuaram como protagonistas
78
Para uma análise detalhada do processo de criação desta cooperativa, dos passos dados e dos problemas
surgidos, ver Franco (1994).
165
na construção de uma modalidade de Unidade de Conservação que se constituiu em
uma novidade jurídica, que é a Reserva Extrativista.
Em 1985, no I Encontro Nacional dos Seringueiros, a proposta de criação das
reservas extrativistas, que vinha sendo discutida nos encontros de base preparatórios
para este Encontro Nacional, foi aprovada como uma das principais reivindicações dos
extrativistas ali presentes79
. A idéia era que, a exemplo das Reservas Indígenas, os
extrativistas deveriam lutar para que o Estado brasileiro criasse uma modalidade de
ocupação de território na qual a propriedade da terra seria mantida sob controle do
Estado, mas seria dada a concessão do direito de uso a associações de extrativistas que
manteriam sua forma tradicional de uso do território. Desta forma, seria implantado um
novo modelo de reforma agrária: a reforma agrária do seringueiro. Este modelo se
distingue por acontecer sem a distribuição de lotes individuais ou familiares de terras,
como nos assentamentos de reforma agrária, mas pela apropriação coletiva do território
e pelo compromisso dos membros das associações beneficiadas com a prestação de
serviços ambientais, garantidos através de planos de manejo dos recursos naturais. Além
disso, o órgão federal encarregado de gerir o processo não seria o INCRA, mas o
IBAMA, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. A reforma agrária do seringueiro
é um mecanismo de ambientalização da luta pela permanência na terra e pela garantia
de acesso aos recursos naturais.
A primeira Reserva Extrativista do país foi criada no Acre. Trata-se da Reserva
Extrativista do Alto Juruá, criada, por decreto presidencial, em 23 de janeiro de 1990,
pelo Decreto Presidencial nº 98.863, abrangendo uma área de 506.186 ha, no recém
emancipado município de Marechal Thaumaturgo, desmembrado do município de
Cruzeiro do Sul. Chico Ginú, referindo-se a esta reserva afirma:
foi nos anos 90, ela foi criada. Foi um trabalho muito difícil, que
foi tentar desenhar um modelo de reforma agrária para os
seringueiros com características ambientais, ninguém tinha...
Então ali não foi feita nenhuma consulta pública, não foi feita
nenhuma reunião comunitária, não foi feito nenhum trabalho
preparatório, como a lei obriga que seja feito hoje. Então foi
feita uma coisa assim, porque, ou fazia daquele jeito ou então
não saía. Porque não tinha nenhuma modalidade de reservas
extrativistas. Daí, foi quando começou.
79
Apesar de ser denominado de Encontro Nacional dos Seringueiros, participaram do evento outras
categorias de extrativistas como quebradeiras de coco do babaçu, pescadores artesanais, ribeirinhos.
166
No dia 12 de março de 1990, portanto, no mesmo ano da anterior, foi criada,
pelo Decreto Presidencial nº 99.144, a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Vale do
Rio Acre, abrangendo 970.570 ha dos municípios de Xapuri, Brasiléia e Assis Brasil.
As primeiras Reservas Extrativistas (RESEX) foram criadas em um momento
em que o país passava pelo encerramento do processo de transição dos governos
ditatoriais para governos eleitos diretamente pelo voto popular. O primeiro presidente
eleito após a ditadura de 1964, Fernando Collor de Melo, assumiu como diretriz de seu
governo a orientação conhecida geralmente como neoliberal e que prevê o enxugamento
do tamanho do Estado, a redução de sua intervenção na economia e das políticas
públicas.
Houve um incentivo inicial à constituição das Reservas Extrativistas, em boa
parte assegurado pelo processo de preparação da Conferência das Nações Unidas para o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD)80
, prevista para ser realizada entre
03 e 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro, o que fazia com que o Governo brasileiro,
como anfitrião de evento tão importante, tivesse que apresentar resultados significativos
em termos de iniciativas de defesa ambiental. Mas, com o passar do tempo, predominou
a concepção de que o Estado deveria assumir um papel cada vez menos ativo na
sociedade, Assim, com relação à garantia de qualidade de vida e de condições de
produção econômica no interior das Reservas Extrativistas, aos extrativistas restaria a
alternativa de buscar criar as condições de sua própria sobrevivência, aprendendo a lidar
com o mercado (coisas que não foi feito antes, pois as relações comerciais feitas com o
mundo externo aos seringais se davam por mediação dos seringalistas e do barracão ou
através dos regatões). Hoje, enfrentam os desafios próprios de qualquer iniciativa
inovadora, buscando garantir as condições para sua consolidação (Cf. PINTON;
AUBERTIN, 1997, p. 268-283; FRANCO, 1996, p. 50).
3. As RESEX e os desafios contemporâneos – o modelo de desenvolvimento não
morreu e as ameaças da incorporação ao mercado.
80
Também conhecida pelos nomes ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra.
167
Os desafios de sobrevivência, num mundo hegemonizado pelo mercado e
em situação de monetarização crescente da vida81
, faz com que as pessoas se tornem
mais dependentes do acesso ao dinheiro, na forma de moeda. A falta de apoio estatal,
tanto no âmbito da fiscalização da ação de agentes externos às Reservas e que buscam
extrair seus recursos, quanto do incentivo às práticas produtivas previstas nos planos de
manejo, remete os extrativistas localizados em reservas à sua própria sorte. Segundo
Chico Ginu,
Não existe nenhuma política pública adequada às populações
tradicionais, que venha a possibilitar que as pessoas encontrem
entre eles mecanismos de sustentabilidade econômica e social e
ambiental, que evite, que possa prevenir a aceleramento do
desmatamento, provoque ação ao meio ambiente e que, acima de
tudo, venha a garantir uma vida digna para quem está dentro da
mata.
A constituição das Reservas Extrativistas não é garantia de que a conservação
ambiental se dará. Como lembra Becker (2007), assistimos atualmente uma retomada do
planejamento de grandes projetos de desenvolvimento do Estado brasileiro,
principalmente a partir do Programa Avança Brasil82
, elaborado nos governos
presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), e do Plano Pluri-Anual do
governo Luís Inácio Lula da Silva (a partir de 2003), que logrou obter o contorno da
acentuada crise econômica pela qual passava o país e, assim, ampliar a capacidade de
investimento do Estado nacional.
Não é difícil constatar, neste processo, a retomada intensiva de projetos
desenvolvimentistas concebidos no período ditatorial e relativos à construção de infra-
estrutura (principalmente estradas e hidroelétricas) para garantir as condições de
implementação de grandes projetos econômicos no país e, em especial, na Amazônia.
Retoma-se a perspectiva de integração da Amazônia à dinâmica capitalista. No caso do
Acre, há uma ênfase na extração de madeira e na pecuária.
O momento político é outro, há o acúmulo dos últimos anos, com constituição de
Reservas Indígenas e demais Unidades de Conservação, no entanto, o efeito objetivo
parece não mudar. A questão a ser pensada é a monetarização da vida. O inimigo
devastador não tem mais uma cara visível, imediatamente associada à truculência de
81
Isto é, a sobrevivência individual e familiar torna-se cada vez mais dependente do acesso à moeda,
forçando cada vez mais as pessoas e grupos sociais a se dedicarem à produção de valores de troca,
sobrando cada vez menos tempo para a produção de valores de uso (sobre valores de uso e de troca, ver
Marx, 1983). 82
Para uma análise crítica deste Programa, ver Nepstad et al (2000).
168
uma ditadura e seu aparato militar ou à impunidade de grandes fazendeiros e seus
capatazes ou jagunços. Ele está disfarçado em práticas cotidianas, movidas por motivos
simples e imediatos, que permitem transferir, sempre, a outrem, quase sempre um
homem genérico, sem cara e sem corpo (“o Homem está destruindo a natureza” –
Gonçalves, 2005b), e dissociando as práticas produtivas e de consumo imediatas dos
graves efeitos globais.
Não se coloca, assim, em questão o modo de vida. Há uma lógica que não
permite enfrentar efetivamente as causas do problema. Por parte das populações locais,
principalmente da crescente população urbana, a demanda por desenvolvimento,
modernização é cada vez maior e legitima ações modernizadoras governamentais e da
iniciativa privada. Estas ações, no entanto, normalmente, implicam em concentração de
renda e degradação ambiental.
As Reservas Extrativistas, aqui estudadas, têm sofrido um processo crescente de
pecuarização por dentro, na medida que, não tendo garantido outras possibilidades de
ganho financeiro, os extrativistas passam a investir na criação de gado bovino. É
comum ouvir, entre os seringueiros, que a criação de algumas cabeças de gado seria
uma espécie de constituição de uma poupança para o enfrentamento de necessidades
imediatas de dinheiro, pois há grande facilidade de transformação do gado em papel
moeda: é só colocar no varadouro83
e levar para cidade que se obtém o dinheiro
necessário e/ou desejado. É crescente a solicitação, por parte dos seringueiros, da
ampliação das áreas de desmate no interior das Reservas, com vistas à ampliação da
criação de gado. Segundo Rosildo Rodrigues de Freitas, Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Brasiléia,
Nós temos exemplo aqui de várias comunidades que está com
sua colocação inteirinha e tem dificuldade até para tomar o café
da manhã. Já outro que desmatou a área dele inteirinha, ele tem
o carro na porta, ele tem o seu crédito, ele tem o seu filho
estudando lá fora. Isso dá uma contradição muito grande e às
vezes isso ta chamando o próprio produtor a pensar desta forma:
„eu não tenho nada ainda porque não desmatei minha floresta,
mas até quando vou poder continuar a fazer isso?‟ Isso a gente
ouve todo dia. Isso eu ouço todo dia aqui na minha mesa
(entrevista realizada em 18/08/2004).
Em função desta situação, Rosildo afirma ainda que:
Nossos parceiros hoje estão dentro do Governo e o Governo tem
suas leis que têm que ser cumpridas e, aí, se limita na burocracia
83
Caminhos abertos no interior da floresta.
169
das leis do Estado, do país e às vezes as entidades não têm como
romper, porque estão desmobilizadas e com isso nós temos
sofrido muitos fracassos nesta questão da preservação
ambiental, da organização social. E se nós não tivermos uma
política voltada para esta questão, a Reserva Chico Mendes vai
estar ameaçada e, daqui há dez anos, nós não vamos ter mais a
Reserva. Isto nós temos comentado com muitas pessoas, já
fizemos audiência pública tocando esta questão, mas até agora
as coisas acontecem e parece que não aconteceu nada (entrevista
realizada em 18/08/2004).
A discussão atual sobre as Reservas Extrativistas não pode passar ao largo de
uma discussão sobre o papel do Estado na consolidação destas reservas enquanto espaço
de garantia da convivência entre produção e conservação ambiental. Tanto a atuação no
âmbito da fiscalização das práticas produtivas e das ações de agentes sociais externos às
reservas, quanto no âmbito do incentivo e suporte a práticas produtivas não degradantes
do meio e da remuneração por serviços ambientais, o estado não pode se ausentar, sob
pena de colocar em risco a viabilização das Reservas Extrativistas enquanto modelo de
conservação ambiental. Estes territórios não posem ser submetidos às leis do mercado,
pois o mercado moderno não é e, por suas características, não pode ser uma instância a
ser acionada para garantia da conservação.
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173
ANEXO XII
Artigo a ser publicado no livro:
1. FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes; SANT‟ANA
JÚNIOR, Horácio Antunes de (Org.). Trabalho Escravo Contemporâneo: um
debate transdisciplinar. Rio de Janeiro: Mauad, 2011. Situação: no prelo.
PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO, DESLOCAMENTOS COMPULSÓRIOS E
VULNERABILIZAÇÃO DE POPULAÇÕES LOCAIS
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior84
Karla Suzy Andrade Pitombeira85
1. INTRODUÇÃO
A Amazônia brasileira e, nela, o Maranhão, desde a década de 1960, têm sido
alvos de planejamentos governamentais que envolvem políticas desenvolvimentistas
promovidas pelos governos federal e estaduais, contando com a participação ativa de
grandes grupos econômicos privados e com o financiamento de agências multilaterais
de desenvolvimento. Estas políticas, quando implantadas, levam à instalação de grandes
projetos industriais, mineradores, pesqueiros, turísticos, agro-pecuários. Seus impactos
(políticos, sociais, culturais, ambientais, religiosos e étnico/raciais) são múltiplos,
levando a conflitos sociais que, mais recentemente, em grande medida, passam a ser
reconhecidos como conflitos socioambientais, na medida em que estão associados ao
domínio e uso de territórios e de seus recursos naturais.
Os grandes projetos de desenvolvimento provocam o confronto de lógicas
diferenciadas de apropriação do ambiente, seja dos grupos que os gerenciam e/ou
daqueles que se aliam aos mesmos, seja dos grupos sociais atingidos, conduzindo esse
cenário de disputas para conflitos socioambientais, que envolvem diferentes formas de
significação do modo de vida, a partir das diferentes categorias, representações e atores
sociais que neles buscam legitimidade. Existe uma tendência geral, verificada nestes
84
Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC), Professor Permanente do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Professor Colaborador do Programa de
Pós-Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas (PPGSE) da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA); Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente
(GEDMMA). 85
Mestranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do Maranhão (PPGCSoc/UFMA), bolsista do CNPq.
174
processos, de que os grupos sociais com menor poder de decisão sofram mais
diretamente com as possibilidades de cerceamento do acesso a territórios
tradicionalmente utilizados como fonte de sobrevivência, estando sujeitos mais
diretamente a deslocamentos compulsórios86
e/ou impedimentos de realização de
atividades produtivas e de manutenção familiar.
Deslocamentos compulsórios de populações locais e/ou impedimento de acesso
a recursos naturais (em função de seu cercamento, apropriação privada ou extinção)
para instalação de projetos industriais, mineradores, agropecuários, turísticos,
pesqueiros, ou de infra-estrutura, têm ampliado a vulnerabilização destes grupos, na
medida em que sua possibilidade de reprodução social fica comprometida pela
diminuição de sua capacidade produtiva. A necessidade de buscar meios de
sobrevivência diferenciados daqueles tradicionalmente acionados expõe,
principalmente, os homens adultos em idade produtiva à ação de
aliciadores/intermediadores de mão-de-obra, que arregimentam trabalhadores para as
mais variadas formas de trabalho, submetendo-os a exploração, coerção e violência,
com destaque para as atividades relacionadas ao roço da juquira87
, produção de carvão
vegetal e trabalho na cana de açúcar.
É recorrente na porção oriental da Amazônia brasileira a combinação de trabalho
escravo88
em fazendas, tráfico de seres humanos, conflitos de terra e desflorestamento, o
que demonstra o descompasso da lógica de produção dos grandes projetos com a
realidade local, na qual a riqueza socialmente produzida não é distribuída igualmente e
os ônus são socializados, sendo destinados principalmente aos grupos sociais mais
fragilizados social e economicamente (SCHERER, 2009).
Visa-se aqui analisar situações socioambientalmente conflitivas no Maranhão,
decorrentes de projetos de desenvolvimento instalados a partir do final da década de
1970 ou, atualmente, em vias de instalação, enfatizando a relação entre deslocamentos
86
Almeida (1996, p. 30) define deslocamento compulsório como “o conjunto de realidades factuais em
que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias
habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive
físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses
circunstancialmente mais poderosos”. 87
“Trata-se da derrubada do mato com a foice, caracterizando uma das últimas etapas de limpeza do
pasto para a criação de gado, com a retirada de ervas daninhas e demais tipo de vegetação que cresce em
meio ao capim, já plantado anteriormente” (MOURA, 2009, p. 25). 88
Para o aprofundamento do estudo de formas de exploração da mão-de-obra que podem ser interpretadas
como trabalho escravo, em suas várias modalidades e diferentes denominações (escravidão, servidão,
trabalho escravo, trabalho escravo contemporâneo, redução de pessoas a condições análogas à de escravo,
trabalho escravo por dívida, semi-servidão, trabalho forçado) no Brasil, ver Esterci (1994), Martins
(1994), Figueira (2004), Moura (2009), dentre outros.
175
compulsórios de grupos sociais locais, cerceamento de acesso a recursos naturais e
vulnerabilização para o trabalho escravo.
A compreensão desses processos indica sua relação com o surgimento e
desdobramentos do modelo de desenvolvimento decorrente das investidas dos governos
ditatoriais, instalados após o golpe militar de 1964, no sentido da industrialização e,
conseqüente, modernização do país e que previa, concomitante e associadamente, a
integração da Amazônia à dinâmica econômica nacional e internacional (SANT‟ANA
JÚNIOR, 2004). O Governo Federal planejou, então, a instalação de infraestrutura
básica (construção de grandes estradas de rodagem, ferrovias, portos, aeroportos, usinas
hidrelétricas) que permitisse a rápida ocupação da região, entendida então como um
grande vazio demográfico (D‟INCAO e SILVEIRA, 1994). Este entendimento
desconsiderou a territorialidade multifacetada da Amazônia brasileira, marcada pela
existência de inúmeros grupos sociais e povos que milenar ou secularmente vêem
ocupando a região e aí constituindo relações produtivas, sociais e culturais, com
características próprias. Estes grupos sociais e povos, em maior ou menor intensidade (o
que somente pode ser verificado em cada caso empírico) sucumbem, reagem, enfrentam
e/ou propõem alternativas ao modelo de desenvolvimento que os atingia ou, ainda,
atinge.
Lógicas de mercado, de representação, de vida se impuseram na Amazônia e são
retratadas através de variadas pesquisas que revelam a população, o trabalho, o trabalho
infantil, o espaço de reprodução da força de trabalho, a riqueza, a pobreza, os conflitos
agrários, o trabalho escravo, a questão étnico-racial em suas diferentes manifestações
(BECKER, 2007; CASTRO, 2008; ESTERCI, 1994; FIGUEIRA, 2008; SANT‟ANA
JÚNIOR, 2004; SCHERER, 2009), colocando às claras, o descompasso entre o
desenvolvimento pensado para essa região e a repercussão deste no cotidiano de seus
habitantes.
Nos últimos 30 anos, os vultosos projetos mínero-metalúrgicos e
agroexportadores têm causado o deslocamento, expropriação e/ou expulsão de inúmeras
famílias e povos tradicionais de seus lugares. A expansão da produção recompõe a
organização socioespacial dos municípios que sediam esses projetos, assim como
daqueles que estão em seu entorno, repercutindo nas condições de vida da população e
contrapondo mais uma vez o dueto capital e trabalho.
2. PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO
176
Na Amazônia Oriental, o Programa Grande Carajás89
, “concebido para garantir a
exploração e comercialização das ricas jazidas de minério localizadas no sudeste do
Pará” (AQUINO e SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 47) e com conseqüências em uma
grande área de influência e em vários ramos de atividade econômica, constituiu-se na
expressão mais visível do modelo de desenvolvimento implementado a partir do regime
ditatorial de 1964 (CARNEIRO, 1997; MONTEIRO, 1997).
Fundamentando o modelo de desenvolvimento baseado em grandes projetos,
está uma leitura da Amazônia e do Maranhão, como regiões de grandes potencialidades
econômicas, porém com atrasos e déficits que devem ser supridos numa atuação
conjunta de Estado e iniciativa privada. Esta atuação é percebida como um eficiente
instrumento de promoção do desenvolvimento e da modernidade (SANT‟ANA
JÚNIOR, 2004).
A instalação de um amplo pólo siderúrgico situado entre os estados do
Maranhão e Pará pode ser compreendida como uma das principais conseqüências do
processo de modernização da Amazônia brasileira levado a cabo pelo Programa Grande
Carajás. As indústrias siderúrgicas, segundo esse modelo de planejamento, ocupariam a
posição de principais protagonistas da modernização nessa região. Os impactos sociais e
ambientais referentes à atuação desses megaprojetos eram postos de lado frente ao
discurso inebriante de geração de trabalho e expansão de bens e serviços que tornariam,
portanto, a região mais “modernizada”. Na contra corrente desse discurso, evidenciou-
se uma crescente degradação ambiental, posta em xeque por organizações
ambientalistas e caracterizada pela poluição das áreas circunvizinhas às siderúrgicas,
que passam a ser impactadas com a emissão de poluentes na atmosfera e nos cursos
d‟água e pelo intenso desflorestamento, em função da produção de carvão vegetal,
principal redutor e fonte de energia utilizados na produção siderúrgica da região.
Há de se considerar que, antes mesmo da implantação do pólo siderúrgico, os
desmatamentos já ocorriam por conta do preparo da terra para a lavoura, posse de terra e
formação de pastagens sem “quaisquer controle ou mesmo sem o devido cuidado no
89
Segundo Sousa (2009, p. 24), o Programa Grande Carajás foi criado por decreto presidencial (Decreto-
Lei 1.813, de 24/11/1980) e “abrangia uma área de 900 mil Km² (10,6% do território nacional), e
abarcava os estados de Goiás (na região que atualmente é o Tocantins), Maranhão e Pará”. O Programa
previa a criação de pólos mínero-metalúrgicos, florestais, siderúrgicos e agrícolas. Foi oficialmente
extinto, enquanto política governamental, em 1991, no entanto seus efeitos continuam presentes e
atuantes na região, principalmente em função da infraestrutura gerada e do permanente estímulo à
implantação de atividades produtivas nele previstas.
177
tocante ao manejo florestal e reflorestamento” (IDESP, 1988, p. 02). Contudo, isso
ocorria em menores proporções comparado à atuação da siderurgia, que é tão predatória
quanto o desmatamento para fins agropecuários, mas com a agravante de ser uma
atividade regular ao longo dos anos. Ambas causam danos irreparáveis ao meio
ambiente ao destruírem o frágil equilíbrio dos ecossistemas regionais (IDESP, 1988).
Em menos de quarenta anos, a vasta floresta que caracterizava a pré-amazônia
maranhense foi praticamente extinta. Essa degradação passou a ser apontada pelo
discurso empresarial como sendo, exclusivamente, resultado da atividade pecuária e da
agricultura “itinerante”, funcionado como argumento para escusa da responsabilidade
ambiental que lhe cabe.
Outro aspecto derivado do Projeto Grande Carajás e associado diretamente à
implantação da Estrada de Ferro Carajás, é o processo de concentração fundiária com a
ampliação das ações de grilagem de terra e da expulsão de trabalhadores de sua área. A
Amazônia, fonte de fornecimento de matéria-prima e mão-de-obra barata, sofre a
apropriação de recursos que beneficiam o capital em detrimento das condições de
reprodução material e subjetiva dos grupos sociais locais. São vastos hectares de terra
voltados ao modelo de desenvolvimento pensado para essa região para atender,
principalmente, a exploração mineral, madeireira, agrícola e pecuária de grandes
proporções.
Este cenário reflete o avanço da fronteira agrícola regido pelos denominados
proprietários de terras tituladas, que amiúde são os representantes de empresas
transnacionais, madeireiras e grandes fazendeiros que se utilizam da logística dominante
na região para instaurar um modelo de desenvolvimento que vem de fora e beneficiam-
se ainda mais das injunções políticas locais, contribuindo para invisibilidade de grupos
sociais com pouco poder político e econômico diante do grande capital. Sendo-lhes útil
direcionar os holofotes quando convier aos protagonistas do desenvolvimento,
significativas são as iniciativas de responsabilidade social que se apresentam como
tendo o objetivo de neutralizar os impactos dessas atividades, embora de uma maneira
limitada e contraditória.
Longe de ser uma região de oportunidades – pelo menos, para aqueles que
produzem a riqueza de nosso país – a Amazônia destaca-se pela pauperização de sua
população contrastando com a riqueza dos recursos naturais, o que vem a contribuir
para a vulnerabilização dos agentes sociais, ocasionando deslocamentos de pessoas e
famílias inteiras a procura de melhores condições de vida.
178
No Maranhão, os desdobramentos do Projeto Grande Carajás e de outras
grandes iniciativas desenvolvimentistas levaram à implantação da infraestrutura
necessária para a exploração mineral, florestal, agrícola, pecuária e industrial. Desde o
final da década de 1970, foram implantados: estradas de rodagem cortando todo o
território estadual e ligando-o ao restante do país; a Estrada de Ferro Carajás, ligando as
grandes minas do sudeste do Pará ao litoral maranhense; o Complexo Portuário de São
Luís, formado pelos Portos do Itaqui (administrado pela estatal estadual Empresa
Maranhense de Administração Portuária - EMAP), da Ponta da Madeira (pertencente à
Cia Vale do Rio Doce, hoje conhecida como Vale) e da Alumar (pertencente ao
Consórcio Alumar, subsidiária da grande multinacional do alumínio, a Alcoa); a
hidrelétrica de Estreito e a Termelétrica do Porto do Itaqui (ambas em construção).
Paralelo e associadamente a estas grandes obras de infraestrutura, foram instalados neste
mesmo período: sete usinas de processamento de ferro gusa nas margens da Estrada de
Ferro Carajás (ver quadro 1); uma grande indústria de alumina e alumínio (ALUMAR,
que no ano de 2009 inaugurou a expansão de sua planta industrial, dobrando sua
capacidade produtiva) e bases para estocagem e processamento industrial de minério de
ferro (Vale) na Ilha do Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais
(Centro de Lançamento de Alcântara – CLA), em Alcântara; projetos de monocultura
agrícola (soja, sorgo, milho) no sul e sudeste do estado; projetos de criação de búfalos,
na Baixada Maranhense; ampliação da pecuária bovina extensiva, em todo o Maranhão;
projetos de carcinicultura, no litoral.
Quadro 1: Empresas siderúrgicas implantadas no Maranhão
Nome da Empresa Controle Origem
Viena Siderúrgica do
Maranhão S/A
Grupo Valadares Siderurgia/MG
Cia. Vale do Pindaré S/A Grupo Queiroz Galvão Construção/PE
Cia. Siderúrgica do Maranhão
S/A
Grupo Queiroz Galvão Construção/PE
Siderúrgica do Maranhão S/A Grupo Queiroz Galvão Construção/PE
Gusa Nordeste S/A Grupo Ferroeste Siderurgia/MG
Ferro Gusa do Maranhão Ltda Grupo Aterpa Siderurgia/MG
Maranhão Gusa S/A Grupo Calsete Siderurgia/MG
Fonte: Dados apresentados pelo Prof. Dr. Marcelo D. S. Carneiro na Mesa Redonda Impactos
Econômicos e Transformações nas Relações de Trabalho, VI Jornada Maranhense de Sociologia e II
Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, UFMA, de 06 a 09/10/2009.
179
A implementação dessa logística operacional voltada ao escoamento da
produção em grande escala trouxe uma série de transformações aos municípios que
estão em seu entorno. O abandono da agricultura (por parcela dos camponeses) e a
consequente venda de terra podem ser elencados como fatores que alteram a realidade
regional da atividade produtiva e do trabalho, uma vez que estes trabalhadores
encontram-se pressionados (por falta de alternativas) e atraídos pelo carvoejamento.
Acresce-se a isso o crescimento do latifúndio, o avanço da propriedade privada
sobre a floresta, os fluxos migratórios e “uma defasagem gritante entre a infra-estrutura
voltada ao desenvolvimento das atividades econômicas ligadas ao grande capital e a
infra-estrutura destinada ao bem estar da população em geral” (HÉBETTE et al, 2004,
p. 107)90
. O desenvolvimento da atividade carvoeira exemplifica um dos processos
desencadeados após a efetivação da Estrada de Ferro Carajás, devido à instalação das
empresas siderúrgicas, em que o trabalho nas carvoarias assume uma dimensão
relevante na cadeia de produção siderúrgica. “O carvão vem de milhares de grandes e
pequenas carvoarias espalhadas por um amplo território abrangendo os estados do
Maranhão, Pará, Tocantins e, em menor escala, do Piauí” (INSTITUTO
OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 19)
O processo de produção do carvão envolve um conjunto de etapas com funções
específicas:
Cada etapa da produção do carvão é feita por trabalhadores com funções características:
motoqueiros (operadores de motosserras) para o corte da madeira; carbonizadores e forneiros,
funções chave no processo, que lidam com a queima da madeira; batedor de tora e carregadores
de lenha, que transportam a madeira (INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 21).
As atividades relacionadas à agricultura, à extração da madeira e à produção de carvão
tem registrado inúmeros casos de trabalhadores em condições de trabalho não digno91
,
que também vem sendo denominado de trabalho escravo.
A utilização da força de trabalho sob forma repressiva e precarizada tem se
apresentado como uma questão recorrente no segmento siderúrgico, por adquirirem
carvão vegetal de fornecedores (terceirizados) que se utilizavam destas práticas, ações
que se tornaram mais conhecidas a partir das fiscalizações do Grupo Móvel de
90
Nesta, e nas demais citações, mantemos a ortografia original do texto, que é anterior ao Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa, que entrou em vigor em 2009, provocando algumas alterações na
ortografia utilizada no Brasil. 91
“O trabalho forçado é a antítese do trabalho digno” (INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009,
p. 05)
180
Fiscalização do Ministério do Trabalho e a atuação de entidades da sociedade civil e
organizada.
O carvão, principal recurso usado para a fabricação do ferro-gusa, passou a
adquirir uma dimensão econômica relevante na área de influência da estrada de ferro,
pois as indústrias o consomem em larga escala, provocando desta forma a modificação
da realidade regional, compondo uma “vocação” imposta à região em razão dos
empreendimentos siderúrgicos. O preço reduzido em relação aos outros insumos, a
maior oferta e disponibilidade logística são os fatores que contribuem para que o carvão
vegetal seja, ainda, o mais utilizado como insumo energético na produção siderúrgica
(PITOMBEIRA, 2008).
Considerando a atividade de produção de carvão como um apoio ao parque
siderúrgico de Carajás, Monteiro (2004, p. 05) percebe a produção de carvão como:
o principal elo de articulação dessas indústrias com a socioeconomia da região (...) não só pelos
valores movimentados, mas principalmente pelo surgimento de variadas e diversas estruturas
sociais que passaram a viabilizar a produção do carvão vegetal. Esta demanda impulsiona
transformações sociais na região. Dentre elas o surgimento de um grande contingente de
trabalhadores dedicados à produção de carvão vegetal.
O carvão vegetal a baixos custos desempenharia certo controle sobre a margem
de lucro tanto das empresas siderúrgicas quanto dos empresários fornecedores de
carvão. A mão-de-obra barata e a madeira em abundancia retirada ilegalmente da
floresta sem licença ambiental são fatores que se coadunam para o complexo guseiro de
Carajás adentrar na concorrência de mercado de uma forma vantajosa, com baixos
custos em sua produção. A ampliação da capacidade de produção das siderúrgicas tem
contribuído para que muitos proprietários rurais voltem sua atenção para a produção de
carvão, o que os leva a investir na mobilização de trabalhadores através da estratégia de
subcontratação92
. Repete-se aqui, o que é conhecido internacionalmente: “São
particularmente vulneráveis as pessoas menos protegidas, incluindo as mulheres e os
jovens, os povos indígenas e os trabalhadores migrantes” (ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2009, p. 01).
O emprego da força de trabalho nas carvoarias está vinculado à condições
estruturais que viabilizam o delineamento de relações entre empregados e empregadores
sob conjunturas de dominação e exploração. No cotidiano dessas carvoarias ainda
92
A subcontratação pode ser citada como uma estratégia de garantia da força de trabalho para o complexo
siderúrgico dessa região, prática esta que tem dado margem ao descumprimento da legislação trabalhista
vigente.
181
persistem vivências de exploração humana, tema comumente recorrente na literatura
que trata do período escravidão no Brasil, que aparentemente parece ter cessado. Há de
se considerar, conforme é enfatizado pelo já referido relatório da OIT, o trabalho
forçado “não pode ser simplesmente conotado com baixos salários ou com más
condições de trabalho”, esta atrelado à violação de direitos humanos em suas variadas
nuanças, sendo considerado, portanto, uma grave infração penal.
Nas carvoarias da Amazônia vivem:
homens que perderam a liberdade, não recebem salários, dormem em currais, comem como
animais, não têm assistência médica e, em muitos casos, são vigiados por pistoleiros autorizados
a matar quem tentar fugir. Esses trabalhadores, em sua maioria, não sabem ler nem escrever. Em
geral, esqueceram a data do aniversário. Têm dificuldades de se expressar, sentem medo, vivem
acuados e não gostam de falar sobre si mesmos. Quase sempre, não possuem carteira de
identidade nem título de eleitor. São como fantasmas, com futuro incerto (INSTITUTO
OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2009, p. 12)
Embora haja legislação, declarações políticas, convenções coletivas de
trabalho93
, instrumentos regionais e planos de ação contra essas práticas que afrontam
os direitos humanos, ainda é persistente sua ocorrência. Em março de 2004, servindo
como um aliado ao trabalho desenvolvido pelo Grupo Móvel de Fiscalização da
Delegacia Regional do Trabalho (DRT-MA), foi constituído o Fórum de Erradicação do
Trabalho Escravo no Maranhão (FOREM)94
que, somado às ações realizadas pelo
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH)95
, Sindicatos de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), Organizações Não-Governamentais
(ONG) e demais entidades civis, vem realizando atividades de mobilização social junto
aos trabalhadores rurais, com vistas à prevenção e à denúncia de trabalho escravo.
O artigo 149, do Código Penal Brasileiro (CPB) considera trabalho escravo não
só a privação da liberdade, mas igualmente, a submissão do trabalhador a trabalhos
forçados ou á jornada exaustiva96
. Os artigos 203 e 207 do CPB também visam atribuir
punição a este crime, apesar de muitos casos não resultarem em efetiva punição, tendo
como agravante a indefinição da competência jurisdicional (Justiça Federal ou Justiça
93
A Convenção Coletiva de Trabalho 2009/2010, celebrada entre o Sindicato de Trabalhadores nas
Indústrias de Carvão Vegetal no Estado do Maranhão e o Sindicato das Indústrias de Carvão Vegetal do
Estado do Maranhão, Piauí e Tocantins, é significativa no setor siderúrgico, pois estipula as condições de
trabalho para as categorias de trabalhadores e empregadores nas indústrias e reflorestamento para carvão
vegetal do estado do Maranhão. 94
Moura (2009) ressalta que algumas denúncias encaminhadas à DRT-MA partiram deste Fórum. 95
Instituição sediada em Açailândia-MA, e que tem como uma de suas principais características o
combate ao trabalho escravo contemporâneo na região em que atua. 96 Quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
182
comum dos estados?) para se julgar esses casos (CERQUEIRA, FIGUEIRA, PRADO e
COSTA, 2008).
Das 29 operações regionais de fiscalização realizadas no Maranhão pelo grupo
Móvel de Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho, entre janeiro de 2005
e setembro de 2009, ao todo foram resgatados 1.093 trabalhadores em situação de
análoga a de escravo (ver Tabela 1). Moura (2009) salienta que a maioria das ações de
fiscalização foram realizadas na Região Tocantina (ao Sul do estado), com destaque aos
municípios de Imperatriz, Açailândia e adjacências, ou seja, na região de influência da
Estrada de Ferro Carajás.
Tabela 1: fiscalizações da Superintendência Regional do Trabalho no estado do Maranhão
Ano Operações realizadas Trabalhadores
resgatados
2005 05 264
2006 05 287
2007 08 381
2008 08 87
2009* 03 74
TOTAL 29 1.093 Fonte: Superintendência Regional do Trabalho/MA
*Dados até setembro de 2009.
A utilização da força de trabalho sob condições degradantes e repressiva passou
a ser um aspecto recorrente na Amazônia Oriental, levando-se em consideração a
tendência “fabricada” a partir da instalação de empreendimentos siderúrgicos para a
fabricação do ferro gusa. As desigualdades sociais que destoam da riqueza de recursos
minerais e florestais na região é apontada por Esterci (1994) como o vetor responsável
pela utilização de práticas degradantes da força de trabalho. As denúncias que tratam da
exploração da mão-de-obra rural, da coerção e da violência despertaram um interesse
público graças às ações de entidades de mobilização social que contribuíram de forma
decisiva para ações mais efetivas por parte do estado.
No caso específico das situações de trabalho escravo na cadeia de produção
siderúrgica da região Carajás, destaca-se a atuação de combate e denúncia do Centro de
Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), do Grupo Móvel de
Fiscalização do Ministério do Trabalho, do Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo
no Maranhão (FOREM), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e, por parte das
empresas siderúrgicas, o Instituto Carvão Cidadão (ICC).
183
Criado em 2004, o Instituto Carvão Cidadão é uma entidade que representa os
interesses das empresas siderúrgicas de Carajás97
, uma espécie de porta-voz das
experiências dessas empresas na questão da repressão ao trabalho escravo na produção
de carvão vegetal, embora haja iniciativas de tornar a produção autossustentável, com o
reflorestamento, com eucalipto, das áreas devastadas.
As siderúrgicas98
não possuem fornecedores fixos de carvão. As
carvoarias produzem para distintas siderúrgicas e o processo de produção (por ser
terceirizado) nesses termos apresentava-se como um dado sem grande relevância.
A criação do ICC tem sido apresentada como uma tentativa de acompanhar o
cumprimento da legislação por parcela de seus fornecedores. É com este intuito
que o ICC audita somente os fornecedores das indústrias guseiras associadas a
este99
. Assim como o Ministério do Trabalho, o Instituto Carvão Cidadão emprega em
suas auditorias questionários para diagnosticar as condições de trabalho nas carvoarias,
de forma a avaliar o desempenho dos fornecedores e das empresas siderúrgicas na área
de sua atuação.
Os dados quantitativos que esses questionários sintetizam oferecem um meio
privilegiado de apreensão da realidade social da produção carvoeira que abastece o Pólo
Siderúrgico de Carajás. A diversidade de indicadores mensura as irregularidades
cometidas pelos fornecedores de carvão.
Vale destacar que a seleção dos indicadores que o ICC leva em consideração
está em consonância com as exigências do Ministério do Trabalho e Emprego. São
esses indicadores que vão permitir ao Instituto a aproximação com a realidade do
trabalho na atividade carvoeira. O ICC, portanto, é apresentado como:
fruto da necessidade das Siderúrgicas de ter entre seus fornecedores, produtores de carvão
vegetal responsáveis e cumpridores da legislação trabalhista. O Ministério do Trabalho e
Emprego iniciou em 1996 um trabalho intensivo de fiscalizações nas carvoarias do Maranhão,
que resultou, em 1999, no Termo de Ajuste de Conduta firmado entre as Siderúrgicas do
Maranhão, Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego, instrumento
que regulamenta até a presente data as relações de trabalho nas carvoarias do Maranhão
(http://www.carvaocidadao.org.br/empresa/).
97
O ICC foi criado pelas siderúrgicas que compõem o Pólo Carajás, sendo o seu capital produto
exclusivo de aplicações dessas empresas voltadas para o desempenho de suas funções. 98
Essas siderúrgicas têm como principais consumidores de ferro gusa os Estados Unidos. Esse gusa
movimenta um mercado de aços especiais, requisito indispensável para fabricação de artigos de alta
tecnologia. 99
As siderúrgicas associadas ao ICC são: Cikel Siderurgia Ltda, Cosima, Fergumar, Gusa Nordeste,
Ibérica, Margusa, Pindaré, Sidepar, Simasa, Sinobrás, Viena e Vale.
184
Depreendemos, portanto, que o Instituto carvão Cidadão tem sido um mediador
importante entre as siderúrgicas que compõem o Pólo Carajás e o segmento mobilizado
da sociedade civil que luta contra o trabalho escravo contemporâneo. É o ICC quem
traduz aos produtores mínero-metalúrgicos as pressões externas decorrentes da
execução das atividades no setor carvoeiro (PITOMBEIRA, 2008, p. 55).
Segundo Carneiro (2008), a explicação para a maior adesão das siderúrgicas
localizadas no Maranhão ao ICC pode estar relacionada com a maior pressão exercida
pelo movimento de combate ao trabalho escravo na cadeia da produção siderúrgica
nesse estado, o que depois irá ocorrer também no estado do Pará.
O consumo da mata nativa, com impactos sobre os biomas locais, é a outra face
do tão almejado e difundido desenvolvimento industrial. Um dos pilares da
industrialização, a siderurgia é expressiva na economia brasileira dada sua inevitável
importância na viabilização de outras indústrias, como, por exemplo, as de materiais de
transporte, bens de capital e equipamentos elétricos.
O volume de matéria-prima demandado impressiona. Somente em 2007, segundo a Associação
Mineira de Silvicultura (AMS), o consumo de carvão vegetal no Brasil foi de 9,2 milhões de
toneladas - mais de 90% destinou-se ao setor siderúrgico. Para se ter uma idéia, são necessárias
48 árvores, conforme parâmetros do Ministério do Meio Ambiente (MMA), para produzir
apenas uma tonelada de carvão. Em outras palavras, naquele ano mais de 440 milhões de árvores
foram para o forno (http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1611).
Muitos empresários desse setor compraram e ainda compram terras para a
plantação de eucalipto, ampliando a especulação imobiliária e fazendo com que muitos
trabalhadores migrem para grandes centros urbanos ou para os municípios
circunvizinhos.
O trabalho escravo na região Amazônica, relacionado ao roço da juquira, está
atrelado a constituições de condições prévias ao estabelecimento de atividades
produtivas. É no processo de formação das fazendas que subsidiam os empreendimentos
na chamada região de fronteira agrícola que se cria a complexa rede de relações sociais
que transformam a super-exploração em escravidão (MOURA, 2009). É no interior
dessas fazendas, que abrangem uma imensidão de hectares, que muitos dos
trabalhadores em situação de desemprego buscam trabalho, submetendo-se a super-
exploração, que pouco a pouco passa a se configurar como escravidão. Muitos destes
encontram-se longe de seus locais de moradia e foram aliciados por contratos verbais
com promessas de emprego que favorecem a imobilização do trabalhador diante da
necessidade de reproduzir-se material e socialmente.
185
Convém destacar que os objetivos postos pelo Instituto Carvão Cidadão não
são intrínsecos a esse espaço, mas emergentes de uma conjuntura situada
historicamente. O seu sentido atrela-se ao engajamento (relacional e engendrado) do
setor empresarial com as questões sociais reclamadas pelos agentes (ou grupo de
agentes) atingidos por suas ações.
As estratégias acionadas pelos trabalhadores que, expulsos de suas terras,
submetem-se às condições precárias de trabalho100
alteram as condições de
funcionamento da economia familiar assim como sua organização, reconstituindo os
papéis sociais envoltos nesse processo. A subordinação ao trabalho que se aceita por
questão de sobrevivência e/ou ausência de alternativas, que no interior do Maranhão é
conhecido como “a necessidade” (MOURA, 2009), em muitas situações é vivenciada
como superexploração da força de trabalho, em que diversos mecanismos são postos em
ação para imobilizar a força de trabalho.
Considerando esse aspecto, a relação estabelecida entre estes trabalhadores e
suas atividades podem, por vezes, dar um sentido específico às interações entre os
aliciadores/intermediadores da força de trabalho, fazendeiros, trabalhadores e outros
agentes envolvidos nessa trama.
Os deslocamentos de trabalhadores em busca de trabalho têm transformado o
contexto de vários municípios formadores de um exército de mão-de-obra que é
distribuído em diversos setores da economia. Timbiras, assim como, Codó e São José
dos Basílios são municípios maranhenses que se destacam por fornecer trabalhadores
para o desempenho de funções nas usinas de cana-de-açúcar de São Paulo e de outras
regiões do centro-sul brasileiro.
Muitos dos agentes envolvidos nessa conjuntura expressam aquiescência pelas
situações de exploração vivenciadas no trabalho101
, uma vez que estas denotam
possibilidade de aquisição102
, conforme salienta Marinho (2007).
A repercussão desses deslocamentos na região de origem e suas representações
(nuançadas pelas experiências individuais) criam laços que deixam em aberto a
possibilidade de retornar ao destino que lhes propicia oportunidade de emprego,
conjecturando, portanto, uma complexidade na representação que os trabalhadores
100
Moura (2006) designa esses trabalhadores de escravos da precisão. 101
Experiência também vivenciada no transporte desses trabalhadores em ônibus clandestinos que,
comumente encontra-se em péssimas condições de conservação. 102
Aquisição de bens materiais e de dinheiro que proporcionariam a sensação de que o “esforço”
empregado foi compensatório, embora se tenha vivenciado exploração da força de trabalho.
186
formam a respeito das atividades que desempenham e o custo-benefício atreladas a
estas, neutralizando, por vezes, a problemática do trabalho escravo e a superexploração
do trabalho (preponderantemente rural) e constituindo, assim, uma peculiaridade
relacional que varia conforme a conjuntura local.
A relação de exploração formatada sob diversas nuanças103
acrescida da
formação de grandes empreendimentos agrícolas na Amazônia brasileira constitui uma
rede de relações104
que caracterizam a chamada escravidão contemporânea. É no
mosaico dessas relações que a vulnerabilidade a que estão sujeitos esses trabalhadores
passa a ser um aspecto marcante.
A atividade agrícola, não obstante as condições precárias em que é realizada,
continua a ser a principal fonte de rendimentos, mesmo considerando outras atividades
que geralmente são apontadas como complementação de renda, sendo, também, um
meio de se adquirir recursos para serem aplicados no roçado que garantirá (por algum
tempo) a reprodução do grupo familiar (MOURA, 2009).
Esse conjunto de iniciativas, decorrentes de planejamentos governamentais e/ou
envolvendo a iniciativa privada, tem provocado profundos impactos socioambientais,
alterando biomas e modos de vida de populações locais (conhecidas também como
populações tradicionais), através de reordenamento socioeconômico e espacial de áreas
destinadas à implantação dos mesmos.
3. CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS, À GUISA DE CONCLUSÃO
Apesar das permanentes relações de exploração/complementariedade que
ocorrem entre trabalhadores rurais vulnerabilizados pela concentração das terras e
graves limitações às suas formas de reprodução social e grandes empreendimentos
agropecuários e industriais e seus intermediários (os “gatos”, por exemplo), os impactos
de grandes projetos podem provocar o confronto de lógicas diferenciadas de
apropriação do ambiente, seja dos grupos sociais atingidos, seja dos grupos que
gerenciam os grandes projetos de desenvolvimento ou daqueles que se aliam aos
mesmos, conduzindo esse cenário de disputas para “conflitos ambientais”, que
envolvem diferentes formas de significação do modo de vida, a partir das diferentes
103
A escravidão por dívida, alojamento inadequado, falta de equipamentos de segurança são bastante
esclarecedoras nesse sentido. 104
Relações estas que, em muitos casos, são retratadas como uma experiência traumática.
187
categorias, representações e atores sociais que neles buscam legitimidade (ACSELRAD,
2004). Na medida em que alguns grupos sociais incorporam em sua luta e em seus
discursos a questão ambiental, como instrumento de universalização de sua luta
particular, podemos identificar um processo de “ambientalização dos conflitos sociais”
(LEITE LOPES, 2004). No Maranhão, um expressivo número de conflitos
socioambientais se configuram em decorrência de projetos de desenvolvimento
instalados a partir do final da década de 1970 e, atualmente, em vias de instalação.
Dentre os principais conflitos sócio-ambientais que marcaram e/ou marcam a
história recente do Maranhão, podemos destacar os conflitos em torno da criação de
búfalos nos campos de uso comum da Baixada Maranhense, que ficou conhecido na
imprensa local como a “matança dos búfalos” (MUNIZ, 2009); a luta dos povoados
quilombolas do município de Alcântara contra as ações do Centro de Lançamentos de
Alcântara (centro de lançamento de artefatos espaciais), que para se implantar na década
de 1980 deslocou compulsoriamente vinte e três povoados e ameaça deslocar mais seis
para expandir sua área de atuação (PAULA ANDRADE e SOUZA FILHO, 2006); o
movimento de quebradeiras de coco babaçu contra a expansão da pecuária bovina
extensiva e contra o cercamento e interdição de acesso às florestas de babaçuais
(CORDEIRO, 2008); o conflito envolvendo povoados da Zona Rural do município de
São Luís contra a instalação de um pólo siderúrgico que implicaria no deslocamento de
doze povoados (ALVES; SANT‟ANA JÚNIOR; MENDONÇA, 2007), conflitos em
função da expansão da sojicultura no sul e leste maranhenses (SCHLESINGER;
NUNES; CARNEIRO, 2008), os conflitos nos municípios de Bacabeira e Rosário em
torno da instalação da Refinaria Premium da Petrobrás. Além destes, inúmeros outros
conflitos vão se configurando com a implantação de projetos de carcinicultura no litoral;
a construção da Hidrelétrica de Estreito, na divisa com o Tocantins; a ampliação da
indústria turística, principalmente nos Lençóis Maranhenses; dentre outros. Esses
conflitos revelam que, além da subordinação e ajustamento a uma ordem injusta, vários
grupos sociais podem vir a acionar instrumentos de resistência e, buscando estabelecer
alianças com outros grupos sociais na mesma condição e com movimentos sociais os
mais variados, lutar pela garantia do acesso à terra e aos recursos naturais utilizados
ancestralmente, procurando superar sua condição de vulnerabilidade.
188
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192
ANEXO XIII
Artigo enviado para ser publicado nos anais do:
II Simpósio Nacional de Geografia Política, Território e Poder e I Simpósio
Internacional de Geografia Política e Territórios Transfronteiriços. Foz do Iguaçu, PR,
01 a 04 de maio de 2011.
A GEOGRAFIA POLÍTICA DOS CONFLITOS AMBIENTAIS NO
MARANHÃO: TERRITÓRIO, DESENVOLVIMENTO E PODER NO
RELATÓRIO DE SUSTENTABILIDADE DA VALE 2009
THE POLITICAL GEOGRAPHY OF ENVIRONMENTAL
CONFLICTS IN MARANHÃO: TERRITORY, DEVELOPMENT AND POWER IN THE VALLEY SUSTAINABILITY REPORT 2009
Autor: José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior
Vínculo Institucional: Universidade Federal do Maranhão
Atividades Profissionais: Discente do Curso de Geografia Licenciatura Plena e
Bacharelado (UFMA). Professor da Rede Pública de Ensino no Colégio José
Justino Pereira e do Programa de Educação Pré-vestibular Comunitário para
Jovens Afro-descendentes "Agadá”. Membro do Grupo de Estudos:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e colaborador do
Núcleo de Estudos e Pesquisa do Sindicalismo (NEPS). Estagiário do Instituto
Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC)
E-mail: [email protected]
Autor: Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior
Vínculo Institucional: Universidade Federal do Maranhão
Atividades profissionais: Doutor em Ciências Humanas (Sociologia) pelo
Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ); Coordenador do Grupo de Estudos:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA); Professor do
Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC), dos Programas de Pós-
Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Políticas Públicas (PPGPP) da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
193
E-mail: [email protected]
Resumo: o presente trabalho, a partir de um ponto de vista crítico, identificado
com a ecologia política, visa analisar a distribuição dos conflitos ambientais no
Maranhão, através do discurso contido no documento intitulado Relatório de
Sustentabilidade 2009 da Vale, quando possível, redarguir as afirmações
presentes no documento com casos concretos.
Palavras-chave: Relatório de Sustentabilidade da Vale. Ecologia Política.
Conflitos Ambientais no Maranhão.
ABSTRACT: the present work, from a critical point of view, identified with
political ecology, aims to analyze the distribution of environmental conflicts in
Maranhao, through the speech contained in the document entitled Valley‟s
Sustainability Report 2009, where possible, reprove the affirmations gifts the
document with specific cases.
Key-Words: Valley‟s Sustainability Report. Political Ecology. Environmental
Conflicts in Maranhao.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: estabelecendo o contexto
A Vale105 é uma das maiores transnacionais e uma das maiores
mineradoras do mundo. Seu grupo empresarial é composto por pelo menos 27
empresas coligadas, controladas ou joint-ventures distribuídas em mais de 30 países,
dentre eles Canadá, Moçambique e Nova Caledônia, nos quais desenvolve atividades
de prospecção e pesquisa mineral, mineração, operações industriais e logística. É
uma empresa multinacional sediada no Brasil que conta com 60 mil
empregados próprios e 80,6 mil terceirizados, totalizando mais de 140 mil
empregados.
Desde a década de 1970, a Vale tem atuado direta e indiretamente no
território maranhense, haja vista o Corredor Norte da Companhia ser formado
por um complexo mina-ferrovia-porto, a saber: a província mineral de Carajás,
105
Desde 2007, a Companhia Vale do Rio Doce utiliza o termo Vale como nome fantasia.
194
no Pará; a Estrada de Ferro Carajás, que corta os Estados do Pará e
Maranhão, e, finalmente, o Terminal Marítimo Ponta da Madeira, localizado na
capital São Luís-MA. A estruturação desse complexo tem contribuído
decisivamente para a promoção de impactos socioambientais: deslocamento
de populações, poluição atmosférica, mudanças na articulação e apropriação
do território, reorganização da economia e crescimento urbano desordenado.
No decorrer deste artigo, objetivamos analisar o documento intitulado
“Relatório de Sustentabilidade 2009” da Companhia Vale do Rio Doce, que
está disponível no sítio www.vale.com. O documento compõe-se de três
seções principais: OPERADOR SUSTENTÁVEL, CATALISADOR DO
DESENVOLVIMENTO LOCAL e AGENTE GLOBAL DE SUSTENTABILIDADE.
2 O perfil de uma empresa moderna, “eco-eficiente” e (in)sustentável
A Vale se apresenta no relatório como uma empresa que preza 1) pela
ética nos negócios, 2) pelo respeito ao meio ambiente, 3) pela qualidade de
vida nos territórios onde atua e 4) por buscar contribuir para a construção de
um legado positivo para as gerações futuras (VALE, 2010a, p.2 ). Este
pequeno perfil da empresa já nos permite ter uma noção do que esperar da
leitura do relatório: um escrito que se apresenta como a fonte da verdade
objetiva, que servirá como prova inquestionável e de legitimação de suas
ações. Mas, continuemos com o documento:
Somos uma empresa global com atuação direcionada ao setor de mineração. Promovemos a pesquisa, a produção e a comercialização de um amplo portfólio de produtos que hoje inclui minério de ferro e pelotas, níquel, cobre, carvão, bauxita, alumina, alumínio, potássio, caulim, manganês, ferroligas, cobalto, metais do grupo da platina e metais preciosos. Nossos negócios incluem, ainda, os segmentos de logística, energia, siderurgia e fertilizantes, que consideramos estratégicos e integrados à mineração. Nossos produtos e serviços estão presentes em todas as áreas da sociedade moderna, como componentes fundamentais para a garantia da qualidade de vida das pessoas. Três de nossos principais produtos – minério de ferro, carvão e manganês – são insumos essenciais para a fabricação do aço, presente na indústria de base, nos transportes, nas construções e em milhares de itens do nosso dia a dia. O níquel é utilizado na produção de aço inoxidável e também integra equipamentos eletrônicos e médico-hospitalares. O cobre está presente nas redes de telecomunicação e também nos aparelhos de TV e celulares. A bauxita é insumo para a produção de alumínio, material que compõe tanto embalagens como peças de aviões. Já o uso do potássio e da rocha fosfática aumenta a produtividade da agricultura, enquanto o caulim é utilizado nas indústrias de papel, cerâmica e farmacêutica (VALE, 2010a, p.2, os grifos são nossos).
195
Para pensar criticamente uma descrição tão alvissareira da atividade
minerária realizada pela Vale é preciso, antes de mais nada, lembrar que a
atividade de mineração é extremamente agressiva ao meio ambiente. Este
fator, aliado aos segmentos de logística (principalmente a Estrada de Ferro
Carajás, com seus 892 km, por onde a Vale escoa a sua produção), energia
(uma demanda cada vez mais crescente para que o trabalho possa ser
realizado), siderurgia (metalurgia do ferro e do aço que cada vez mais expõe
seus riscos) e fertilizantes (um dos muitos símbolos da Revolução Verde106)
constituem a esfera de ação da Companhia. A justificativa para toda essa ação,
para todo esse portfólio estratégico, está arraigada na modernização da
sociedade: todos os produtos e serviços oferecidos pela Vale se fazem
extremamente necessários para a garantia da qualidade de vida das pessoas.
É como se fora desse âmbito, da modernidade, a vida não fosse de
qualidade ou qualificada: todos seriam tradicionais107.
No espaço dedicado a mensagem do diretor-presidente Roger Agnelli lê-
se:
Frente à retração da demanda por minerais e metais, em função da redução sem precedente na produção da indústria siderúrgica, tivemos de realizar iniciativas voltadas à redução de custos e ao aumento da eficiência. No entanto, tomamos medidas para manter os talentos internos, entre as quais a recolocação e a requalificação dos nossos funcionários. Fizemos os ajustes necessários para enfrentar a situação imediata, mas realizamos, em 2009, investimentos de US$ 9 bilhões, fundamentais para o nosso crescimento orgânico e para a sustentabilidade econômica no médio e no longo prazos (VALE, 2010a, p.6, os grifos são nossos).
Em virtude da recessão econômica mundial, iniciada no final de 2008, na
qual a Vale reduziu os investimentos de US$ 14 bilhões para US$ 9 bilhões,
como também demitiu 2 mil trabalhadores diretos e 13 mil terceirizados, a
empresa economizou com essa demissão de trabalhadores diretos
aproximadamente US$ 200 milhões e US$ 616 milhões com os terceirizados,
totalizando US$ 816 milhões (RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2010).
106
Foi chamado de revolução verde um amplo processo internacional de incorporação de sementes manipuladas geneticamente, insumos agrícolas, fertilizantes, maquinário pesado na agricultura, alterando formas tradicionais e locais de produção (MUNIZ; SANT‟ANA JÚNIOR, 2009, p. 256). 107
A noção de modernidade está atrelada diretamente a de colonialidade: a história moderna nada mais é do que a universalização de uma história local: aquela da Europa. Modos de produzir e consumir de origem européia são considerados modernos; em contrapartida, o que não é europeu é considerado atrasado, bárbaro, tradicional (DUSSEL, 2005).
196
Creio que este exemplo ilustra bem o que a Vale entende por redução de
custos e aumento da eficiência. Agora vem o mais interessante:
[...] a Vale contabilizou, em 2009, um lucro líquido de US$ 5,3 bilhões, realizando uma remuneração total ao acionista de US$ 2,75 bilhões. Em meio a toda a incerteza nos mercados globais, realizamos, em 2009, extensos investimentos socioambientais, totalizando US$ 781 milhões, destinando US$ 580 milhões para ações ambientais e US$ 201 milhões a projetos sociais (VALE, 2010a, p.7, os grifos são nossos).
Nas palavras do diretor-presidente Roger Agnelli, presume-se que a
Vale investiu maciçamente em meio ambiente e projetos sociais. Só que este
dado por si só mascara uma realidade. Se fizermos o cálculo sobre a
porcentagem dos investimentos socioambientais sobre o lucro líquido da
companhia temos como resultado: 0,15%. Ou seja, não atingiu sequer 1% do
lucro líquido da Vale. Ressalte-se ainda que este é o valor disponibilizado para
todas as unidades da companhia.
Muito desse sucesso econômico alcançado pela Vale reflete o seu
posicionamento no mercado mundial (exportadora de matéria-prima), no qual a
sua transnacionalização e o seu crescimento assombroso deve-se, em parte, a
demanda industrial da China (GODEIRO et al, 2007). Com efeito, as
negociações entre as mineradoras mundiais com a Baosteel chinesa tornam-se
referência para o preço anual do minério de ferro no mercado internacional
(FIGURA 01).
Figura 01. Vendas de minério de ferro para China. Fonte: Vale, 2010b.
Em matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, David
Friedlander escreve que depois de dobrar o preço do minério de ferro (em abril
197
de 2010), a Vale o reajustará em 35%. Com o novo reajuste, a previsão é que a
Vale dobre o faturamento este ano e, consequentemente, as siderúrgicas já se
preparam para repassar o aumento de custos. O novo preço começou a vigorar
a partir de 1º de julho de 2010 e, segundo os analistas, o faturamento da Vale
deve dobrar, fechando o ano em mais de US$ 40 bilhões (RIBEIRO JUNIOR;
SANT‟ANA JÚNIOR, 2010).
O reajuste foi feito em consonância com o mercado chinês: a cotação do
minério de ferro no mercado chinês bateu em US$ 189,50 a tonelada, enquanto
a mineradora brasileira vendia seu produto por cerca de US$ 110 - que foi o
preço fixado pela Vale para o trimestre que vai de abril a junho. Nesse sentido
a Vale está tentando recuperar a defasagem adquirida em relação à China.
Começou em julho de 2010 quando o preço do minério de ferro da Vale
foi reajustado de US$ 110 para algo em torno de US$ 140 e US$ 145 a
tonelada. É significativo o reajuste, ainda mais se considerarmos que antes da
crise econômica global, que desencadeou um período de recessão nas mais
diversas economias do mundo, em setembro de 2008, a Vale vendia a tonelada
de minério de ferro por US$ 80 (RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2010).
É interessante perceber como a empresa que se diz comprometida com
o “desenvolvimento dos empregados”, por serem “dinâmicos e persistentes”,
não levou em consideração que poderia estar sendo descompromissada ao
não destacar que, ao aumentar o preço do minério de ferro, a Vale promoveu o
fechamento das portas da Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré. No início
da década, o preço de cada tonelada de ferro valia US$ 30. Atualmente varia
entre US$ 130 e US$ 150. Isso é aproximadamente um aumento de cinco
vezes em 10 anos. Com a alta no preço, a Vale contribuiu negativamente para
a produção de ferro gusa no Distrito Industrial de Pequiá, em Açailândia - MA.
Com efeito, não apenas a Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, mas
também a Siderúrgica do Maranhão, que juntas geram cerca de 500 empregos
diretos e 2000 indiretos, foram diretamente afetadas. Relativamente a tal
impasse, a ex-Deputada Helena Heluy (PT-MA) convocou junto a uma comitiva
de metalúrgicos, uma audiência pública na Assembléia Legislativa do
Maranhão, que, infelizmente, não teve resultados positivos e se transformou
em pouco mais do que um desabafo e algumas falas de consolo. O fato é que
198
os impactos no setor de empregos chegaram a 3 mil diretos e 6 mil indiretos
(RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2010).
3 OPERADOR “SUSTENTÁVEL”... E LUCRATIVO
Um dos três pilares da Vale é o operador sustentável. “Operar com
sustentabilidade é atuar com consciência e responsabilidade socioeconômica e
ambiental em todo o ciclo de vida das nossas atividades. É criar “V.A.L.O.R.”
(VALE, 2009a, p. 1). Para demonstrar com mais clareza o que a empresa
entende por criar valor, o relatório segue afirmando:
Nos últimos dez anos, entre 2000 e 2009, a Vale foi a empresa de mineração diversificada que mais gerou valor para o acionista, com retorno total (TSR, na sigla em inglês de Total Shareholder Return) de 33,2%, em média, por ano, desempenho que se repetiu também nos últimos cinco anos, entre 2005 e 2009, com TSR médio de 35,3%. [...] o valor de mercado da Vale passou de US$ 61,9 bilhões, em 31 de dezembro de 2008, para US$ 146,9 bilhões, ao final de 2009. [...] Nos últimos cinco anos, a Vale distribuiu aos seus acionistas, sob a forma de dividendos e juros sobre o capital próprio, o valor de US$ 10,075 bilhões, sendo US$ 2,75 bilhões apenas em 2009 (VALE, 2010a, p.19).
Em apenas um espaço de tempo de 01 ano (2008-2009), a Vale
aumentou seu valor de mercado em US$ 85 bilhões! O que se esconde por trás
desse número é uma exploração brutal da natureza e dos seus trabalhadores
que se converte em dividendos para os acionistas. Apenas para 2009, a Vale
repassou mais de 27% do seu lucro para os acionistas. “Este dinheiro poderia
pagar todos os salários da empresa em todo o mundo e ainda sobrar 25% deste valor
para entregar aos acionistas [...] dinheiro suficiente para pagar a folha de
pagamento anual dos 42 mil trabalhadores da Vale no Brasil (ORGANIZAÇÕES,
2010, p.40, os grifos são nossos).
Não obstante, ateste-se que, quando se fala em “controle de emissões”,
as plantas de alumínio possuem 22% de suas emissões por processo e 78%
originadas da queima de combustíveis fósseis. Para este último, o
consumo de carvão mineral foi 40% maior para o ano de 2009. Além disso,
as locomotivas e equipamentos de mineração correspondem a cerca de 70%
das emissões globais da Vale e, por mais que a empresa advogue que estão
“predominantemente, em áreas não habitadas ou com baixo índice de
ocupação, o que reduz significativamente os impactos na qualidade do ar”
199
(VALE, 2010a, p.64), ela ignora, por exemplo, as vibrações produzidas pelo
trem quando passa por algumas localidades, como é o caso de Arari-MA, o que
provoca muitas rachaduras nas casas próximas, colocando em risco suas
estruturas.
Em Arari, a Vale está implantando uma Estação Conhecimento. As
Estações Conhecimento são Núcleos de Desenvolvimento Humano e
Econômico idealizados pela Fundação Vale que seguem o modelo rural ou
urbano. Os núcleos são organizações da sociedade civil de interesse público
(OSCIP), viabilizadas por meio de parcerias locais com o poder público e
entidades da sociedade civil organizada. Seu objetivo divulgado é contribuir
para a melhoria da qualidade de vida e para o desenvolvimento integrado e
sustentável das comunidades tendo como público prioritário crianças e jovens,
estimulando-os em práticas esportivas, atividades culturais e
empreendedorismo. No dizer de Pantoja (2010, p. 8-9):
Este é o grande projeto da Fundação atualmente, ainda que o cronograma de implantação das Estações esteja atrasado.
Trata-se de um novo modelo de intervenção social da empresa, focado no desenvolvimento individual dos participantes e voltado ao esporte individual. A empresa já tem páginas da web dedicadas ao programa, onde se vêem principalmente crianças, e ao marketing do desenvolvimento individual de seus participantes, através das conquistas de medalhas em competições pelo Brasil (o “Programa Brasil Vale Ouro” começa nas Estações Conhecimento e funciona em suas instalações). Além das atividades esportivas, são oferecidas atividades voltadas à “vocação produtiva local”, onde “o conhecimento adequado à região é trabalhado, elegendo cadeias produtivas de maior valor agregado, que possam ganhar escala de produção”, e para isso é oferecido apoio técnico aos produtores, além de estímulo ao comércio dos bens produzidos. Um exemplo deste tipo de produção é a de biojóias (colares e outras peças feitas com sementes da região), em Tucumã-PA. A previsão é de que sejam instaladas 15 Estações Conhecimento, sendo 9 delas no Maranhão, ao longo da EFC. Os recursos vêm da Lei do Esporte (1% do I.R. da pessoa jurídica da empresa e 6% dos empregados, o que somaria cerca de R$ 23 milhões, segundo apresentação da empresa) e do Projeto Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, pelo qual cada cidade que implementar um centro destes recebe R$300 mil por ano.
Ressalte-se que esta iniciativa da empresa se transforma em apenas um
paliativo, pois dentre os principais problemas em Arari podem ser destacados:
1) a poluição sonora produzida pelo trem; 2) o pó de ferro que o trem deposita
nas casas e na atmosfera e é inalado pelas moradores; 3) os atropelamentos
de pessoas e animais; 4) transtornos pelas paradas contínuas e demoradas
dos trens nos lugares de cruzamento; 5) as enchentes provocadas por causa
200
da elevação da estrada de ferro que retém as águas em época de inverno; e 6)
o transporte de passageiros que é ausente de qualidade, tanto no atendimento,
quanto no serviço.
Outro conflito existente refere-se à ampliação do Terminal Marítimo
Ponta da Madeira. Tal obra já fora autorizada pela Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq). O anúncio foi publicado pela Agência em
março de 2010, no Diário Oficial da União. A Vale, operadora do terminal,
entrou com pedido para implantar o Píer IV e aumentar o Pátio I de estocagem,
mas não entregou à Agência a certidão de cessão de uso oneroso de espaço
físico em águas públicas, emitida pela Secretaria de Patrimônio da União
(SPU). Por esta razão, a mineradora somente poderá dar início à atividade
econômica na parte off shore após comprovar a obtenção do documento junto
à SPU. Já as obras de implementação do Píer IV e de ampliação do Pátio I de
estocagem têm o aval para serem iniciadas em breve (ORGANIZAÇÕES,
2010).
A obra está estimada em R$ 386 milhões e aumentará para
aproximadamente 100 milhões de toneladas/ano a capacidade de exportação
de granéis sólidos. A obra também habilitará a instalação para receber os
maiores navios graneleiros em operação no mundo, o Berge Stahl108 (356 mil
toneladas) e o Chinamax109 (400 mil toneladas).
4 CATALISADOR DO DESENVOLVIMENTO LOCAL OU EMPRESA
GLOBAL (DES)RETERRITORIALIZADORA?
A Vale se apresenta como um “Catalisador do desenvolvimento local”,
pois informa que quer “ir além da gestão dos impactos de nossas operações e
projetos, contribuindo voluntariamente e através de parcerias com governo e
sociedade para o desenvolvimento L.O.C.A.L.” (VALE, 2009a, p. 2). Segundo o
relatório:
108
Este graneleiro opera com capacidade plena no Complexo Portuário de São Luís e no porto de Roterdã (Holanda). Ele possui 343 metros de comprimento, 65 de largura e calado de 23 metros. O navio tem peso bruto de 364.767 toneladas. 109
Os ChinaMax serão conhecidos agora como ValeMax. E o primeiro de uma série de 16 supergraneleiros deverá aportar no Brasil em março de 2011. Suas dimensões são as seguintes: 365 metros de comprimento por 66 metros de boca (largura), com calado de 23 metros (quilha) e capacidade de carga de 400 mil toneladas.
201
A Vale, ciente da sua responsabilidade social perante os impactos causados com a implantação do Píer IV do Terminal Portuário de Ponta da Madeira, em São Luís, está realizando o Programa de Desenvolvimento Socioeconômico da Comunidade de Pescadores Artesanais da Praia do Boqueirão. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) definiu as áreas afetadas pelo empreendimento. Por isso, por meio da Fundação Vale, propusemos a construção participativa de um programa de apoio à pesca artesanal na praia do Boqueirão. Foram realizadas reuniões com pescadores e lideranças comunitárias e também articulações com o sindicato, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e o Estaleiro Escola, assim como visita às instalações da Vale no porto. A equipe da Fundação participou das audiências públicas em que foram apresentados os eixos do programa: valorizar e conservar a cultura da pesca artesanal, colaborar para a geração de renda e contribuir para o exercício da cidadania. A primeira etapa do programa, desenvolvida em 2009, incluiu a realização de uma pesquisa que classificou os pescadores em três grupos, de acordo com a atividade de pesca na praia para melhor definir o atendimento. Além disso, uma especialista em biologia marinha acompanhou a produção local e analisou as potencialidades de geração de renda dos grupos. Desde dezembro de 2009, os 51 pescadores inscritos no programa, junto com suas famílias, participam da qualificação, por meio de um convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), e recebem mensalmente uma bolsa-auxílio vinculada à participação nos cursos. O programa inclui ainda a distribuição de materiais de pesca artesanal, kit de segurança e apoio para obtenção de documentos pessoais. Até 2012, tempo previsto para a duração dessa ação, a comunidade da praia de Boqueirão terá oportunidade de conhecer outras experiências comunitárias de desenvolvimento local, por meio de visitas técnicas (VALE, 2010a, p.78).
Mais uma vez, para analisar o relatório, é de vital importância saber
pensar o espaço: a geógrafa inglesa Doreen Massey nos ensina que o espaço
molda as nossas cosmologias estruturantes, nosso entendimento do mundo,
nossa política (MASSEY, 2008). O conflito entre a Vale e os pescadores, além
de ser um conflito ambiental, é um conflito espacial, na medida em que os
agentes envolvidos possuem diferentes cosmologias que se chocaram neste
encontro de trajetórias e de histórias. A forma como ambos imaginam o espaço
está posta: a Vale enxerga na implantação do píer IV mais uma operação
comercial e mercantil que lhe trará cada vez mais lucros; na outra ponta, os
pescadores, depois de terem sido desqualificados, são agora segmentados em
valores monetários: sua existência e sua vida estão dispostas em cifras.
A Companhia informa também em seu relatório que na capital
ludovicense, foi implementado o programa de formação de mão de obra local
para a construção do Píer IV do Porto de Ponta da Madeira, que formou 300
jovens da área do Itaqui Bacanga, vizinha às instalações da empresa (VALE,
2010a).
202
Deve-se ter em mente que essa prática da Vale é uma forma de
anestesiar o conflito em que ela está diretamente inserida, além de que é uma
forma de dividir a comunidade: como questionar os pescadores se a Vale está
oferecendo a qualificação de mão-de-obra para o competitivo mercado de
trabalho? Por que defender a causa de 50, 70 pescadores se a Vale qualificou
300 jovens? São questões importantes nas entrelinhas do processo.
5 AGENTE GLOBAL DE SUSTENTABILIDADE... ECONÔMICA
Até agora pode-se perceber que o “operador sustentável” e a função de
“catalisador do desenvolvimento local” são altamente questionáveis, posto que
as práticas concretas da Companhia Vale do Rio Doce deflagraram uma série
de conflitos ambientais que desembocam, sem nenhum exagero, numa
verdadeira cadeia produtiva de disputas territoriais. Esta é a última seção
principal no qual gravitam os demais tópicos no Relatório. Nesta parte, a Vale
se intitula um “Agente Global de Sustentabilidade”, em suas próprias palavras:
A atuação G.L.O.B.A.L. parte do reconhecimento de que determinados temas globais de sustentabilidade podem afetar nossos negócios, e de que a Vale - como uma das empresas líderes globais no setor de Mineração - pode contribuir para a promoção internacional de boas práticas de sustentabilidade (VALE, 2009a, p. 2).
De fato, a atuação da Vale é global, assim como também são seus
impactos. Mais do que reconhecer-se enquanto tal, mais do que apenas se
preocupar com a capacidade que um determinado tema tem de afetar os seus
negócios, especialmente o setor de mineração, as “boas práticas de
sustentabilidade” da Vale sustentam apenas os seus negócios; enquanto
que uma verdadeira prática de sustentabilidade requer uma teoria sustentável,
que implica, por conseguinte uma racionalidade ambiental (LEFF, 1998), ao
contrário da racionalidade crematística da qual está impregnada a referida
empresa.
Um fato curioso perceptível ao longo da análise foi constatar que a Vale
foi signatária junto com outras dezenas de empresas (FIGURA 02) da “Carta
Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas”. De forma sintética a “Carta” é um
documento que mostra a visão, os compromissos e as propostas ao governo
brasileiro de sugestões para o “drama climático”.
203
Figura 02. Signatárias da Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas. Fonte:
Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas.
Tal carta está longe de ser a “carta de alforria” da sociedade brasileira e
muito menos da sociedade ocidental. Curioso mesmo é a assinatura da Vale,
uma vez que ela foi a empresa que encabeçou as negociações do pretendido
Pólo Siderúrgico de São Luís que implicaria na emissão de 35,6 milhões de
toneladas/ano de Dióxido de Carbono (CO2), principal responsável pelo efeito
estufa (AQUINO; SANT‟ANA JÚNIOR, 2009). Ou ainda como atesta o
advogado Guilherme Zagallo (2010, p.15):
Estudo de Impacto Ambiental na cidade de São Luís-MA elaborado pela Vale em 2005 informa a emissão de 15.549 toneladas anuais de poluentes, sendo 3.014 t de material particulado (PTS) assim como 8.002 t de dióxido de enxofre (SO2), 4.317 t de óxido de nitrogênio (NOx), 129 t de monóxido de carbono (CO) e 28 t de hidrocarbonetos (HCT), poluentes esses gerados em 210 fontes fixas para uma produção de 6,1 milhões de toneladas de pelotas e embarque de 72,4 milhões de toneladas de minério de ferro.
Isso significa que trabalhadores, pessoas que moram próximas às
unidades operacionais da Vale em São Luís, provavelmente sofrem impactos
na saúde como consequência da emissão de partículas em suspensão.
Obviamente, a emissão destes materiais particulados não é um prejuízo
centrado apenas na capital maranhense: em Açailândia – MA, as carvoarias
vinculadas à Vale poluem o assentamento Califórnia (FIGURA 03).
204
Figura 03. Carvoarias da Vale poluem ao lado do assentamento Califórnia-Açailândia-MA. Fonte: Organizações, 2010.
Ateste-se que a própria Companhia reconhece que as suas atividades
suprimiram áreas consideráveis na Floresta da Costa Leste Africana (16,7 km2)
e na Floresta Amazônica (8,6 km2), em virtude da implantação e da expansão
dos empreendimentos localizados em Moçambique (Projeto Moatize) e no
Brasil (especialmente Complexo Sossego, Projeto Paragominas, Projeto
Salobo e Complexo de Carajás). Ressalte-se que o Projeto Salobo, que
objetiva a extração e transformação de minério de cobre, localizado em
Parauapebas-PA, trouxe como “frutos do desenvolvimento”: expulsão de
comunidades, poluição de igarapés, aterramento de nascentes,
desmatamentos, aumento da prostituição (principalmente infantil), poluição
sonora e aumento de doenças (ORGANIZAÇÕES, 2010). Tudo isso para
vender minério de ferro e transportar o ferro gusa produzido por 8 gusarias
situadas no municípios de Marabá, além de 8 usinas localizadas nos
municípios Açailândia, Santa Inês e Rosário, no Estado do Maranhão
(ORGANIZAÇÕES, 2010).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: UM RELATO DA NATUREZA DESTRUÍDA E
TRABALHADORES EXPLORADOS
A sustentabilidade é o grande desafio do século XXI. Para onde quer
que olhemos e nos debrucemos, a temática ambiental está e deve estar
sempre posta. O desafio ambiental com o qual nos deparamos hoje é,
indubitavelmente, fruto da crise do capitalismo, que o leva a procurar meios
205
cada vez mais espinhosos de reproduzir as suas condições e relações de
produção.
A Vale busca, com o seu relatório de sustentabilidade, apresentar para
sociedade o seu perfil de empresa socioambientalmente responsável. E, para
isso, o documento é a fonte de validade, pois ele visa tornar legítimas as ações
de modernização que a Companhia desenvolve nos territórios onde atua. E,
por ela ser “descobridora110”, traz a luz todos os produtos e serviços
necessários para um nível de vida “satisfatório”. Só que em contrapartida, ela
demite de maneira eficiente seus trabalhadores e impacta gravemente os que
estão em torno de sua área de atuação.
O seu “operador sustentável” transforma-se paulatinamente em um
operador insustentável (pelo menos do ponto de vista ambiental). É
explorando a natureza e seus trabalhadores que a Vale consegue ampliar o
seu valor de mercado a cifras astronômicas. Mas, para anestesiar as situações
de conflitos, ela lança mão de estratégias de responsabilidade social, como é o
caso da Estação Conhecimento em Arari que, como vimos, não atende às mais
básicas necessidades da população, geradas pela própria Vale, que são o
ruído, a poluição, as rachaduras nas habitações e os atropelamentos.
Claro está que a sustentabilidade da Vale é questionável. Logo também
é a sua “atuação enzimática”. Ao “catalisar o desenvolvimento local” a Vale fez
entrar em choque as formas como se pensam o espaço. Uma empresa que
visa o lucro pensa o espaço de uma maneira; enquanto os pescadores do
boqueirão (São Luís - MA) pensam o espaço de outra maneira. E esse outro é
extremamente importante em nossa análise posto que a Vale constrói para si
uma auto-imagem de empresa responsável que traz o desenvolvimento e o
progresso para os territórios nos quais atua, mas, em compensação,
desqualifica pescadores e as relações sociais que possuem com seu território.
Simultaneamente a globalidade da Vale, tem-se a sua impactabilidade.
Todavia, como o escopo do trabalho limitou-se a ação da Vale no território
maranhense, coube destacar que a “agente global de sustentabilidade”, em
verdade, desenvolve uma cadeia produtiva de disputas territoriais que, aí
sim, pouco se restringem ao Maranhão, pois atravessa os Oceanos Atlântico,
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É como a Vale se apresenta em peça publicitária difundida em praticamente todos os canais de
televisão aberta no Brasil.
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Pacífico e Índico, se reproduzindo no Canadá, Austrália, Moçambique,
Indonésia, Nova Caledônia e em quaisquer países nos quais ela se instala. A
sua globalidade econômica é reflexo do seu processo de internacionalização,
no qual suas “boas práticas de sustentabilidade” apenas pretendem sustentar
as condições de reprodução do mesmo.
Pelo que foi exposto, faz-se necessário reavaliar a “sustentabilidade
valiana”, uma vez que, tal sustentabilidade, assim como toda e qualquer
sustentabilidade de matriz capitalista, visa em primeira instância reproduzir as
relações de produção. No Maranhão, assim como no Brasil, muitos conflitos
ambientais pululam e, apesar da existência de leis que buscam impor limites e
normatizar a sociedade, são pouco eficientes quando se trata de gigantes
econômicas, como é o caso da Vale.
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