fascículo 4 - justiça sociedade e cultura - uane

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  • Joyceane Bezerra de Menezesjustia, sociedade e cultura

    Esta publica

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    er

    comercializ

    ada.

    Gratuito

    UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE - ensino a distncia

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  • 50 Fundao Demcrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste

    OBJETIVOS Entender o processo de surgimento do Direito na sociedade. Compreender a importncia da cultura, das foras polticas e econmicas para a formao do Direito.

    Conhecer o processo de formao do Direito nacional.

    SUMRIO1. Introduo........................................................................................................................512. Direito um fenmeno social ..................................................................................513. Como o Direito surgiu? ...............................................................................................544. H direitos universais e inatos ao homem? ........................................................575. A formao do brasileiro e os aspectos da cultura nacional .......................59

    Sntese do fascculo ............................................................................................................63Referncias .............................................................................................................................63Sobre a autora ......................................................................................................................63

  • CURSO CIDADANIA JUDICIRIA 51

    1.INTRODUO Este fascculo aborda a correlao entre os conceitos de direito, cultura e socie-dade. Parte-se do pressuposto de que o direito decorre da prpria vivncia do homem em sociedade, constituindo um instrumento de soluo de con itos. Visa dar a cada um o que seu, ou melhor, a tratar de modo igual os iguais e de modo diferente os diferentes, na medi-da em que essa diferena os inferioriza.

    Por ser resultado de interaes so-ciais, haver o direito onde houver so-ciedade. como expresso da cultura, corresponde manifestao da razo humana uma criao do homem. O homem d sentido ao mundo e ex-pressa esse sentido pela linguagem, manifestando a sua natureza cultural. Quando procura estabilizar as relaes sociais, estabelecendo modelos ideais de conduta para o bem viver, experi-menta o direito. Na medida em que a convivncia social se torna mais com-plexa, o direito se institucionaliza e as-sume as suas caractersticas atuais.

    Para tratar o tema, dividiremos o texto em quatro partes. Em primeiro lugar, analisaremos o direito enquanto um fenmeno social e apresentaremos as doutrinas que explicaram o seu sur-gimento. Em seguida, discutiremos a possibilidade da existncia de direitos inatos e universais, enfocando a proble-mtica dos direitos humanos. Por m, uma breve retrospectiva sobre a forma-o do direito brasileiro e sobre a par-ticipao de brancos, ndios e negros (aqui entendidos como atores sociais) na sua consolidao.

    2.DIREITO UMFENMENO SOCIALcompreendendo o Direito como um fe-nmeno social, podemos rea rmar a as-sertiva de Ulpiano, registrada no corpus juris civilis1, qual seja a de que onde est o homem h sociedade; onde h sociedade, h Direito (no latim,Ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus). O direito nasce junto com as socieda-des, estabelecendo-se os modelos de conduta a serem estabilizados e repro-duzidos, o que repercute na prpria ca-pacidade de conservao e perpetuao destas sociedades.

    No entanto, ao perguntar sobre os registros acerca das instituies jurdi-cas do mundo pr-histrico no tere-mos explicaes cient cas e respostas conclusivas. Mas se sabe que os primei-ros textos jurdicos surgiram no mesmo perodo do aparecimento da escrita2 (WOLKMER, 2012, p.2).

    Ante a falta de informaes con -veis, seria pretensioso supor que nas so-ciedades mais primitivas no havia direito ou que apenas o nosso tempo apresenta um direito racional, necessrio e de niti-vo (hESPANhA, 2005, p. 21). Se nos dias de hoje, chegarmos a uma comunidade isolada que vive no interior da Amaznia brasileira, poderemos perceber a existn-cia de regras de convivncia social ela-boradas a partir do costume local. Ainda que seus membros ignorem as leis brasi-leiras s quais esto sujeitos, conhecem um ncleo comum a todo sistema jurdico que basicamente: dar a cada um o que seu, buscando a equidade e a justia.

    1 O Corpus Juris Civilis (Corpo de Lei Civil) uma obra fundamental da jurisprudncia, publicada por ordem do imperador bizantino Justiniano (482-565) [...]Justiniano foi imperador romano do Oriente, de 527 at sua morte. Assim que assumiu o poder, ordenou a compilao de leis que compem o Corpus Juris Civilis (Revista Superinteressante, on-line)

    2 A ausncia de documentos escritos no su ciente para negar a presena do direito nas sociedades pr-histricas. Veja que, em pleno sculo XXI, ainda h homens vivendo de acordo com direitos a que chamamos arcaicos ou primitivos, a exemplo dos aborgenes, na Austrlia ou na Nova Guin, dos povos da Papusia ou de Bornu e at mesmo dos que vivem em algumas comunidades indgenas no norte do Brasil.

  • 52 FUNDAO DEMCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

    SAIBA MAIS

    Nesse aspecto, nas manifestaes mais antigas do direito, as sanes legais esto profundamente associadas s sanes rituais. A sano assume um carter tanto repressivo, quanto restritivo, na medida em que aplicado um castigo ao responsvel pelo dano e uma reparao pessoa injuriada. Para alm do forma-lismo e do ritualismo, o direito arcaico manifesta-se no por um contedo, mas pelas repeties de frmulas, atravs dos atos simblicos, das palavras sagradas, dos gestos solenes e da fora dos rituais desejados. Os efeitos jurdicos so deter-minados por atos e procedimentos que, envolvidos pela magia e pela solenidade das palavras, transformam-se num jogo constante de ritualismos. Entretanto, o direito primitivo de matriz sagrada e revelado pelos reis-legisladores (ou chefes religiosos-legisladores) avana, historicamente, para o perodo em que se impe a fora e a repetio dos costumes. (WOLKMER, Antnio carlos. O direito nas so-ciedades primitivas. In Fundamentos da histria do Direito. WOLKMER, Antnio carlos. (Organizador). Belo horizonte: Del Rey, 2012, p. 4).

    Sabe-se, porm, que nas socieda-des primitivas, as normas jurdicas se misturavam com as normas religiosas e morais3. No raro, consideravam o di-reito como um produto da vontade dos deuses. Somente aos sacerdotes cabia a tarefa de sua interpretao e de solu-o dos con itos que envolviam ques-tes jurdicas4. hoje, cada um desses grupos de normas tem suas caracte-rsticas e campo de aplicao melhor delimitados. Todas so, contudo, instru-mento de controle social.

    As prticas primrias de controle so-cial, fundamentadas nas crenas religio-sas (em revelaes divinas e sagradas) eram transmitidas oralmente. O dever de obedincia estava associado ao temor da vingana dos deuses, pois o ilcito se con-fundia com a quebra da tradio ou com a desobedincia vontade da divindade. Em paralelo, desenvolviam-se as prticas habituais que se consolidavam como costumes dotados de obrigatoriedade. O direito era apreendido pelas pessoas desde os primeiros anos de vida. Todas as instituies, especialmente a famlia, tinham o papel educador neste sentido. Quando as sociedades se tornaram mais complexas, esse sistema jurdico passou

    a ser organizado por leis. Era preciso dei-xar muito bem explcitos os modelos de conduta ideal e as consequncias deriva-das de sua desobedincia. Assim, foram se desenvolvendo os sistemas jurdicos formais e surgindo o Direito tal qual nos apresentado nos dias de hoje.

    O direito antigo pode ser classi ca-do em trs grandes estgios: o direito que vinha dos deuses; o direito prove-niente dos costumes e o direito identi -cado com a lei. Mais tarde a lei assumiria um papel to importante que no raro seria confundida com o prprio direito.

    A institucionalizao do direito oci-dental atribuda s civilizaes grega e romana. Mas a sistemtica tal qual se nos apresenta hoje um legado que se constri ao longo do tempo, com o destaque atribudo aos compiladores do direito positivo5, na Europa do sculo XII. Eram os chamados jurisconsultos prticos, bons conhecedores do direito positivo vigente. compilaram os estatu-tos municipais, os costumes e as deci-ses jurisprudenciais, rmando-se como precursores da dogmtica6 jurdica. Embora conhecedores do conjunto das normas vigentes, no tinham qualquer preocupao com o seu fundamento.

    3 Para conhecer um pouco mais, vale a penas visitar o site: Histria do Direito:

    Direito nas sociedades primitivas (http://hisdireito.blogspot.com.br/2012/02/2-

    o-direito-nas-sociedades-primitivas.html)

    4 Fustel de Coulanges ilustra o processo espontneo de surgimento do direito antigo, a partir dos antigos princpios que constituram a famlia, derivando

    das crenas religiosas universalmente admitidas na idade primitiva desses povos e exercendo domnio sobre

    as inteligncias e sobre as vontades (COULANGES, 2005, p. 74)

    5 Direito positivo o conjunto de normas e princpios que

    disciplinam a convivncia social de um povo em certo momento.

    (ALBUQUERQUE; UCHOA, 1982, p.202).

    6 Dogmtica Jurdica: parte da cincia jurdica que critica e classi ca os

    princpios que constituram a fonte do direito positivo de determinado pas.

  • CURSO CIDADANIA JUDICIRIA 53

    Aquelas compilaes tambm no tiveram a preocupao de separar os di-versos campos do direito. Em conjunto, conjugavam as normas reguladoras dos mais variados interesses. A exemplo, se observarmos as chamadas ordenaes portuguesas, aplicadas no Brasil no pe-rodo colonial, nelas se reuniam matria de direito administrativo, de direito pe-nal, de direito civil etc.

    Tributa-se s codi caes do s-culo XIX a tarefa de uma mais especia-lizada separao temtica do direito. Embora utilizassem o material deixado pelo direito romano, tinham a tarefa de promover:

    A uni cao das fontes do direito, pois se aplicava, poca, alm do di-reito escrito de origem romana, leis nacionais, o direito cannico, vrios costumes e praxes jurisprudenciais;

    A sistematizao dos institutos e cate-gorias jurdicas para facilitar a compre-enso e aprendizagem do Direito por todos os integrantes da vida social;

    A adaptao dos antigos institutos realidade da poca.

    Pretendia-se ainda, atribuir ao Di-reito uma cienti cidade semelhante que se veri cava nas cincias naturais. com essa inteno, as grandes codi -caes que se sucederam nos sculos XIX e XX favoreceram a identi cao do direito com o direito positivo, posto e vigente em um determinado estado nacional. cada Estado teria, por assim dizer, o seu prprio direito.

    Roberto Lyra Filho diz que mais difcil do que conceituar o direito, dissolver as falsas ideias que exis-tem a seu respeito. Uma delas a de considerar o direito como sinnimo de lei ou de ordenamento jurdico. Direi-to est muito mais relacionado ideia de justia do que ideia de lei. A lei sempre emana dos poderes do Esta-do, do conjunto de rgos que regem sociedade politicamente organizada.

    Para o pensamento marxista, a lei um instrumento da classe dominante para dominar a classe trabalhadora.

    Nem mesmo os juristas gostam de conceituar o direito. A tarefa no f-cil e j foi comparada caminhada por estrada montanhosa. Por esta razo, al-guns juristas preferiram o curto caminho mais fcil de identi car o direito com a armao do Estado, uma condio b-sica para a estabilidade da vida em so-ciedade (cARNELUTTI, 2000, p. 13).

    Os regimes totalitrios como a Ale-manha nazista ou a Itlia fascista come-teram a infelicidade de identi car direi-to e Estado. Assim, melhor evitar uma conexo to profunda entre esses dois conceitos, at porque o direito tambm no sinnimo de Estado.

    Podemos compreender o direito para alm da lei, observando as presses coletivas que surgem na sociedade civil e foram posies de vanguarda. Por esta via, o direito pode surgir indepen-dente da lei. Os sindicatos, as igrejas, os partidos polticos, as associaes ci-vis em geral tm esse poder de presso para a defesa de seus interesses espe-c cos. O movimento de Lsbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgneros (LGBTT) e sua luta pelo reconhecimento da igualdade e da liberdade um dos exemplos. Apesar de a lei brasileira no lhes permitir casar ou celebrar a unio estvel, os tribunais j vem assegurando essa possibilidade. A heterossexualida-de dos cnjuges ou dos conviventes j no o nico pressuposto para que haja casamento ou unio estvel.

    A lei apenas uma das fontes do Di-reito. Ela pode transportar grandes con-quistas histricas ou mesmo lhes ser con-trrias. h leis brasileiras, cujo, contedo dissonante dos avanos produzidos pe-los direitos humanos. A exemplo, tem-se um antigo decreto-lei, criado em 1921 para disciplinar a entrada de imigrantes no pas (Dec. Lei n 4.247). Se o aplicsse-mos hoje, um heri de Guerra que hou-

    vesse perdido a perna por lutar contra o regime nazista, na 2 Guerra Mundial, poderia ser proibido de entrar no pas. De acordo com aquele decreto-lei, o es-trangeiro mutilado e maior de 60 anos de idade no poderia entrar no Brasil. Em-bora essa norma no tenha sido revoga-da expressamente, no tem e ccia nos dias de hoje. caiu em total obsoletismo. Tantas outras leis so simplesmente ina-plicveis pela absoluta falta de propsito. A ttulo de exemplo, tem-se a lei n 1.542, de 1952 que exige autorizao ministerial para a celebrao de casamentos de fun-cionrios da carreira diplomtica.

    h outras leis que atrasam as con-quistas da liberdade e da igualdade, como se veri ca no tratamento das pessoas com de cincia. Muitas vezes a lei agrava a limitao imposta pela de cincia, trazendo novas limitaes. Um cego, por exemplo, ainda que seja muito bem instrudo, no tem a mesma liberdade que uma pessoa que enxer-ga para fazer um testamento. Enquanto esta pode testar por trs formas dis-tintas, o cego somente poder faz-lo atravs de testamento pblico, ou seja, aquele que feito por tabelio.

    Apesar de muitos juristas no gosta-rem de de nir o Direito, usaremos a de- nio proposta por Miguel reale7. Se-gundo ele, o direito a vinculao que existe entre os indivduos, atribuindo di-reitos a uns e deveres a outros, com vista realizao dos valores de convivncia.

    7 Miguel Reale (1910-2006) foi um lsofo do direito e jurista brasileiro muito conhecido por sua Teoria Tridimensional do Direito. Segundo esta teoria, o direito seria composto de trs elementos centrais: fato, valor e norma.

  • 54 FUNDAO DEMCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

    Relembra a dimenso social do direito, destacada na frase que ini-ciou esse fascculo. Por certo o direito constitui um mecanismo regulador do comportamento dos indivduos e dos grupos, mecanismo esse que es-tabelece a harmonia, delimitando os interesses, freando os impulsos e con-jugando as esferas de atividade dos membros do grupo(ALBUQUERQUE; UchOA, 1982, p. 46).

    Distintamente dos objetos naturais que so originrios de fenmenos na-turais, o direito uma criao humana voltada para a realizao de propsi-tos espec cos. Quando mencionamos algo sobre o direito brasileiro, podemos lembrar o conjunto de ideias que foram geradas por mentes humanas e se ma-terializaram em atos legislativos, regras costumeiras ou decises judiciais. Para facilitar o seu conhecimen-

    to, a sua aprendizagem e o proces-so de sua aplicao, as sociedades mais complexas utilizam um sistema jurdico externo, que se compem daquelas normas aplicveis para solucionar o conflito de interesses. Chamamos esse sistema de ordena-mento jurdico. Em geral, os Estados ocidentais como o Brasil organizam essas normas de modo muito bem ar-ticulado e hierarquizado. Uma norma de hierarquia superior fundamenta aquela de hierarquia inferior. O pro-cesso legislativo brasileiro envolve a elaborao de Emendas constitucio-nais, Leis complementares, Leis Or-dinrias, Medidas Provisrias e Decre-tos. A elaborao de cada tipo dessas normas segue um procedimento es-peci co. Sobre todas elas est a cons-tituio da Repblica Federativa do Brasil, a norma de superior hierarquia.

    O conjunto dessas normas constitui a fonte primria do direito. Mas se dele no surgir a soluo para um determina-do problema apresentado ao aplicador do direito (ao juiz, por exemplo)? De

    algum modo, a soluo dever ser pro-duzida. Diz-se que o juiz no pode se recusar a responder sobre um con ito que lhe submetido, alegando inexistir resposta legal. Assim, ele vai procurar soluo nas medidas integradoras do sistema jurdico: nos princpios gerais de direito, na analogia e nos costumes.

    certamente, haver uma in uncia de fatores culturais nesse processo de aplicao do direito. Por isso, neces-srio que o sistema externo do direito (o direito posto, positivo, escrito) tenha correlao com o sistema interno que realmente funciona naquela sociedade espec ca. Sejam esses ltimos o con-junto de conhecimentos originrios da histria, da poltica, da cultura, dos cos-tumes, do viver daquela sociedade.

    Vivemos em um mundo globali-zado, no qual as pessoas interagem continuamente. A despeito da posio geogr ca que ocupam, diferentes culturas se in uenciam mutuamente. Os diversos meios de comunicao e informao contribuem para a forma-o de valores culturais em comum. Nesse contexto, constitumos normas de contedo e dimenso internacio-nais, ou seja, aquelas normas que v-rios Estados reconhecem como neces-srias boa convivncia. Referimo-nos especialmente aos documentos inter-nacionais que divulgam os chamados direitos humanos.

    Os terrveis saldos das guerras mundiais ocorridas no sculo XX re-percutiram de modo semelhante para diversas sociedades nacionais. Nes-ta perspectiva, torna-se mais factvel compreender a importncia de se re-conhecerem direitos essenciais pes-soa humana. Estes so os direitos a que todo indivduo deve ter acesso para melhor realizar-se como pessoa humana. Esses direitos se vinculam aos ideais de liberdade, igualdade e dignidade. O mais importante, toda-via, o direito a ter direitos.

    3.COMO O DIREITOSURGIU?No decorrer da histria, houve diversas explicaes para justi car o surgimento do direito. Mas importante lembrar que ele surge de maneira espontnea, como resultado da convivncia social. conviver signi ca interagir, colocar-se no lugar do outro. E nesse processo de convivncia, aprendem-se limites e regras bsicas do bem viver, indispensveis ao sucesso das relaes interpessoais, conservao e reproduo de uma sociedade.

    A origem do direito institucionaliza-do, no entanto, difere da origem natural do direito por meio da convivncia so-cial. As explicaes sobre a origem do direito institucionalizado se dividem em trs grupos de doutrinas:

    As doutrinas voluntaristas, que expli-cam o direito como um produto da vontade humana;

    As doutrinas naturalistas, que expli-cam o direito como um fenmeno natural, independente do arbtrio ou da vontade humana;

    As doutrinas histrico-sociolgicas que compreendem o direito como um fato resultante da associao humana.

    No grupo da doutrina voluntarista, incluem-se as escolas autocrticas e as contratualistas. Para os adeptos das es-colas autocrticas, o direito fruto da vontade do chefe do grupo social - do rei, do ditador. Essa ideia bem repre-sentada pela famosa frase do rei Luiz XIV que dizia o Estado sou eu (em Francs, Ltat cest moi).

    Os adeptos das escolas contratu-alistas compreendem o direito como o resultado de um acordo celebrado entre os membros da sociedade. Para eles, os homens viviam no estado de

  • CURSO CIDADANIA JUDICIRIA 55

    natureza, sem conhecer qualquer for-ma de associao para ns de gover-no. Movidos pela necessidade de so-marem foras para melhor se proteger e prover suas necessidades,teriam de-cidido estabelecer um pacto de unio. Por meio desse pacto ou contrato so-cial, teriam limitado suas vontades in-dividuais, criado o Estado, o governo e estabelecido o direito (ALBUQUER-QUE; UchOA, 1982, p. 70-71).

    As escolas naturalistas, por sua vez, entendiam o direito como uma criao natural. Dentre elas, havia as correntes teolgicas para as quais o direito fruto da vontade de Deus. E h tambm as correntes racionalistas, para as quais o direito fruto da razo humana. Essas ltimas contriburam para laicizao8 das concepes jus-naturalistas. Explicam que, por meio da razo, os homens identi cam os va-lores universais que orientam sua vida em sociedade e com base neles cons-troem os seus sistemas jurdicos.

    As escolas histrico-sociolgicas propem a formao do direito a partir da conscincia coletiva dos povos expres-sa por meio de suas tradies, costumes e crenas. A escola sociolgica considera o direito como um fato ou um fenmeno social, cujo fundamento est nas inter-re-laes sociais. Vivendo em sociedade, os homens vo formando consensos sobre certos valores e certos padres de con-duta ideais, institucionalizando-os como sistema normativo social. Era isso que os juristas romanos faziam quando de niam o costume dos antigos e lhes atribuam valor de norma (hESPANhA, 2005, p.26).

    Destaca-se a crtica oposta pelo pensamento marxista, segundo o qual, o Direito um instrumento ideolgi-co de dominao do proletariado pela burguesia. Por meio dele, mantem-se as estruturas de desigualdade e os pri-vilgios daquela classe que j domina os meios de produo. O direito bur-gus seria apenas a vontade da classe burguesa, elevada condio de lei.

    Quadro explicativodoutrinasVoluntarista

    correntes autocrticas: a vontade do rei

    correntes contratualistas: deciso coletiva

    doutrinasnaturalistas

    correntes teolgicas: direito como vontade divina

    correntes racionalistas: direito como produto da razo humana

    doutrinashistrico-sociolgicas

    Direito como produto dos costumes, crenas e tradies

    Direito como um produto das interaessociais

    O direito vem da necessidade de regulamentar e estabilizar interesses con-trapostos, de sorte a permitir a vida do homem num determinada sociedade. A forma e o contedo dessa regulamen-tao sempre ser espec ca para cada contexto social, considerando os valores correntes no tempo e no lugar, as foras e grupos hegemnicos, as vicissitudes sociais, econmicas, polticas, entre ml-tiplas outras condicionantes. As solues jurdicas so tendencialmente contingen-ciais a um certo contexto ou ambiente.

    Pases como o Brasil reagem, por exemplo, violncia contra a mulher com uma lei especial (a Lei Maria da Penha) que impe severas consequn-cias jurdicas ao seu agressor9.Por ou-tro lado, h pases como o Afeganisto onde as mulheres vtimas da violncia domstica so restritas em seu direito por lei. Essa lei afeg probe as mulheres e as crianas de testemunhar contra os parentes agressores10, que alm de in-viabilizar a punio dos agressores esti-mulam os homens a continuar violentos.

    8 Laicizao: que independente em face do clero e da Igreja, e, em sentido mais amplo, de toda con sso religiosa.

    9 certo que a violncia contra a mulher no Brasil no desapareceu, depois da promulgao da Lei Maria da Penha. Segundo dados consolidados por pesquisadores do IPEA Instituto dePesquisa Econmica Aplicada, cerca de 5 mil mulheres morrem todo ano, vtimas de violncia domstica. (BODIN DE MORAES, 2013, on-line)

    10 Nova lei afeg silencia mulheres em casos de violncia conjugal. (O GLOBO, on-line)

  • 56 FUNDAO DEMCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

    A unio entre pessoas do mesmo sexo e a adoo de crianas por pares ho-mossexuais tambm tem tratamento dis-tinto entre pases. At 2013, apenas cerca de dez pases reconheciam legalmente os efeitos jurdicos desse tipo de unio e per-mitiam a adoo de crianas por pares ho-moafetivos. Outros pases os negam textu-almente. A Rssia, por exemplo, aprovou um projeto de lei em uma das cmaras do Parlamento que probe a adoo de crian-as russas por casais homossexuais.

    O Relatrio sobre homofobia Pa-trocinada pelo Estado, divulgado pela Associao Internacional de Lsbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (ILGA), registra cerca de 113 pases que auto-rizam a homossexualidade. Outros 78 a consideram prtica ilegal. O Ir, a Arbia Saudita, o Imen, a Mauritnia, a Sudo, as regies do norte da Nigria e o sul da Somlia a consideram crime punvel com pena de morte (VEJA, on-line).

    O Brasil considerado um pas de-mocrtico e por isso se prope a respei-tar os direitos fundamentais da pessoa. Nesse aspecto, reconhecemos formal-mente esses direitos, mas ainda lutamos por sua plena efetivao. Ainda viven-ciamos severos problemas de ine c-cia de alguns direitos formalmente as-segurados, como sade e educao. Pessoas doentes so amontoadas nos corredores dos hospitais, sem o acesso efetivo ao tratamento adequado11. E muitas crianas ainda esto sem acesso educao de qualidade.

    Os problemas a que o povo brasi-leiro submetido pode ser distinto do que outros povos enfrentam, mas, cer-tamente, h muito em comum. Somos todos integrantes de uma grande fam-lia a humanidade, cuja condio nos traz preocupaes e interesses comuns.

    Para Re etirO que acontece quando uma lei ou um ato de um governante entra em choque com a constituio do pas? como resolver este aparente con ito de normas?

    SAIBA MAIS

    O ordenamento jurdico brasileiro segue uma hierarquia de normas. Dentro deste sistema, uma norma de hierarquia inferior deve se subordinar de posio supe-rior e no pode jamais ultrapassar os limites estabelecidos estas. Assim, uma lei no pode ir contra a contra a constituio e um decreto no pode ultrapassar os limites estabelecidos pela lei ou pela constituio. O Brasil reconhece diversas es-pcies de normas, mas algumas das mais importantes so: emenda constitucional, lei complementar, lei ordinria e decreto.

    emenda constitucional: a constituio brasileira foi promulgada em 1988, aps ser elaborada por um conjunto de representantes populares eleitos agrupados em torno do que se chamou Assembleia constituinte. Na prtica, nossos deputados federais e se-nadores receberam a incumbncia de elaborar uma nova constituio para o pas que fosse compatvel com a nascente democracia brasileira. Uma vez encerrado o trabalho de elaborao e promulgada a constituio, esta s poder ser modi cada por meio de um procedimento complexo e rgido. As emendas constitucionais so alteraes ou acrscimos ao texto da constituio. Estas emendas tm a mesma posio hierrquica da prpria constituio, contudo se sujeitam a algumas limitaes. A proposta de emen-da constitucional precisar ser discutida e votada em cada casa do congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, trs quintos dos votos dos respectivos membros. (constituio Federal de 1988, art. 60, pargrafo 2o).

    lei complementar: ao elaborar a constituio, os deputados e senadores opta-ram por no detalhar a regulamentao de algumas matrias mais polmicas den-tro do texto constitucional. Em casos mais complexos, sem grande acordo entre os parlamentares, preferia-se indicar na constituio que o tema seria tratado poste-riormente por meio de uma lei complementar ou de uma lei ordinria. A lei com-plementar trata de assuntos espec cos e expressamente previstos na constituio, como no caso de uma lei que viesse a criar um Estatuto da Magistratura brasileira (art. 93). As lei complementares so aprovadas por maioria absoluta (art. 69), ou seja, por mais da metade dos membros de cada casa. O qurum quali cado, pois no basta a maioria dos presentes sesso de votao.

    lei ordinria: as leis ordinrias representam a imensa maioria das leis utilizadas por ns. Quando falamos em leis aprovadas pelo congresso, normalmente, es-tamos falando das leis ordinrias. Sua aprovao exige apenas a maioria simples. De forma simpli cada, podemos dizer que, cumpridas as regras para abertura das sesses de votao no congresso Nacional, o voto da maioria dos presentes su- ciente para aprovao. Este procedimento apresenta algumas nuances, mas pre-valece sempre a regra da maioria simples.

    continuao >>

    11 No incomum se ler nos jornais de grande circulao nacional,

    notcias sobre a precariedade da sade pblica no pas.

    (FOLHA DE SO PAULO, on-line).

  • CURSO CIDADANIA JUDICIRIA 57

    >> concluso

    SAIBA MAIS

    Medida provisria: em caso de relevncia e urgncia, o Presidente da Repblica pode editar uma medida com fora de lei, mas que se sujeita a aprovao posterior do congresso Nacional. A medida provisria entra imediatamente em vigor aps edio pelo Presidente e pode permanecer vlida, mesmo sem aprovao pelo legislador, por at 120 dias. Algumas matrias como direito penal ou direitos po-lticos no podem ser regulados por medida provisria. Sua posio hierrquica equivalente ao de uma lei ordinria.

    decreto: os chefes do Poder Executivo federal, estadual ou municipal possuem a competncia de elaborar normas chamadas de decretos. Estes decretos subme-tem-se aos limites das leis e da constituio e servem para regulamentar matrias, concretizar aes espec cas, entre outras possibilidades. A principal funo desta modalidade de norma viabilizar o exerccio daquilo que est prevista na lei ou na constituio, no podendo ultrapassar seus limites ou violar as mesmas.

    4.H DIREITOSUNIVERSAIS E INATOS AO HOMEM? difcil falar em um direito universal ou mesmo imutvel, aplicvel para todas as sociedades, independentemente da poca e do lugar. A historicidade do direito um ponto de partida que fa-vorece qualquer anlise mais crtica do fenmeno jurdico.

    Na trajetria histrica por que pas-sa cada sociedade, os direitos so esta-belecidos medida de suas necessida-des. Em perodos de maior violncia e opresso, a reao de luta pela liberda-de e pela igualdade consolidou a cultu-ra dos direitos humanos, na sociedade ocidental. medida que os consensos se formam, estes de nem um conjunto de direitos humanos dos quais j no abrimos mo. conquistamos os direitos individuais, dentre os quais o direito vida, igualdade, liberdade, pro-priedade. consolidamos um conjunto

    compartilhados, justi cando a aplicao de normas em comum. Muitas mulheres do continente africano, por exemplo, lu-tam pelo direito integridade corporal e contra as prticas de mutilao genital feminina. h tambm mulheres de pa-ses islmicos que no aceitam ser sub-metidas violncia no mbito familiar e autoridade desptica dos maridos.

    Se voltarmos os olhares para as pri-meiras declaraes universais de direi-tos humanos, elaboradas ao longo do sculo XVIII, encontraremos dois impor-tantes documentos:

    a declarao de direitos da Virgnia12 (EUA), fruto da Revoluo Americana, no ano de 1776;

    a declarao dos direitos do homem e do cidado13, proclamada pela Re-voluo Francesa, no ano de 1789.

    de direitos sociais, como sade, ao pleno emprego, educao, mas ainda lutamos por sua implementao efetiva. Alm disso, j dispusemos sobre o di-reito ao meio ambiente ecologicamen-te equilibrado que pertence a esta e s futuras geraes.

    conquanto o direito sirva para le-gitimar o consenso social, ele tambm precisa ser legitimado pelo consenso social. Sem essa legitimidade, alcan-ada a partir da convico popular de que deve ser obedecido, o direito no cumprir o seu papel. No ter e c-cia. Por essa razo, o sistema jurdico externo no se realizar efetivamen-te, quando no tem correspondncia com o viver social.

    Para boa parte do mundo rabe, falar em direitos humanos equivale a se referir ao imperialismo americano. O povo rabe entende que o contedo de muitos direitos humanos no tem relao alguma com as caractersticas de sua cultura. Do contrrio, expressam muitas caractersticas da cultura ociden-tal. Mas, na medida em que aumentam as formas de interao entre as pesso-as das mais diversas partes do mundo, essas diferenas culturais tendem a ser reduzidas. Muitos interesses tornam-se

    12 Artigo 1 - Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, tm direitos certos, essenciais e naturais dos quais no podem, pr nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais so o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurana.

    13 Art.1. - Os homens nascem e so livres e iguais em direitos. As distines sociais s podem fundamentar-se na utilidade comum.Art. 2. - A nalidade de toda associao poltica a conservao dos direitos naturais e imprescritveis do homem. Esses direitos so a liberdade, a propriedade, a segurana e a resistncia opresso.

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    Inspiradas nos ideais iluministas, ambas as declaraes a rmavam di-reitos universais a todos os homens, garantindo-se lhes igualdade e liberda-de. Mas ser que aps a promulgao dessas declaraes, todas as pessoas foram realmente tratadas com igualda-de? Todos tiveram sua liberdade e dig-nidade respeitadas?

    Os proletrios americanos e euro-peus no conquistaram seus direitos a partir daquelas declaraes. Tampou-co as crianas, os negros, as mulheres, os ndios e os pacientes psiquitricos. Aqueles direitos chegaram primeiro s pessoas que tinham poder e voz para a rm-los em sua defesa: o homem burgus, livre, proprietrio, branco e do sexo masculino.

    No comeo do sculo XVIII, apenas o homem proprietrio participava ativa-mente nas relaes sociais e polticas, com direito a voz. Os negros ainda vi-viam o contexto da escravido, subme-tidos aos seus senhores. As mulheres perdiam sua capacidade plena pelo ca-samento e estavam integralmente sujei-tas ao domnio de seus maridos ou de

    sos temas e por suas ideias terem sido consideradas inaceitveis para poca, acabou sendo condenada morte em 1793,durante uma das fases da Revo-luo Francesa. Somente em 2004, os franceses resgataram sua histria para homenage-la publicamente, usando o seu nome para identi car uma praa.

    O fato importante, diz respeito situao dos judeus, na primeira par-te do sculo XX. como consequncia dos con itos e de perseguies diretas, muitos judeus foram expulsos dos seus pases, perdendo o vnculo de cidada-nia. No tinham vnculo poltico ou jur-dico com qualquer Estado que lhes ga-rantissem seus direitos. Sem ptria, no lhe restaria mais direito algum. Nesse contexto, o direito a ter direitos pas-sou a ser uma importante bandeira de luta. Para essa luta, a contribuio da lsofa hanna Arendt (2010) foi impor-tante: o homem deveria ter direitos assegurados, independentemente do vnculo cidado.

    nessa medida que se expandem os direitos humanos. A partir de con-quistas histricas, propem-se a sua proteo na esfera internacional, re-conhecendo-os por meio de tratados e convenes internacionais que so incorporadas ordem interna do pas. Aps o reconhecimento, o desa o se-guinte est na garantia de e ccia a es-ses direitos. Pode-se hoje se dizer que o Estado de Direito aquele que tem a capacidade de proteger e concretizar os direitos humanos.

    Aps as declaraes universais, o movimento dos direitos humanos pas-sou para uma segunda fase, atribuindo maior visibilidade aos direitos das mu-lheres, negros, ndios, crianas, idosos e de cientes. Nesta segunda fase, ob-servou-se a necessidade de proteo pessoa vulnerabilizada pelos efeitos da desigualdade social14.

    Ainda que esses grupos vulnerveis no tenham alcanado o pleno respeito

    seus pais. As crianas tambm no ti-nham qualquer poder de vontade, pois se submetiamde maneira total ao ptrio poder. Os ndios tinham a cidadania ne-gada e as pessoas com transtorno men-tal viviam a absoluta excluso, jogados nos asilos e manicmios.

    O homem branco proprietrio de terras e/ou detentor dos meios de produo era o senhor dos escravos, o marido das mulheres e o pai das crian-as. Era ele o sujeito que interagia so-cialmente para formar consensos que viriam a ser considerados os modelos normativos os padres ideais de conduta. Portanto, as normas conti-nham signi cados que garantiam seus prprios interesses.

    No entanto, a aplicao dessas normas resultou em alguma reao contrria de mulheres, negros ou n-dios? A histria registra que sim. Sem-pre houve alguma reao a essa condi-o de excluso. Porm, as mudanas ocorreram lentamente ao longo de um amplo perodo de tempo. At hoje, pessoas pertencentes a estes grupos sofrem algum tipo de discriminao ou violncia, se bem que menos intensa do que ocorria antigamente.

    A ttulo de exemplo, houve certa reao Declarao dos Direitos do homem e do cidado, de 1789, que nada mencionava em relao s mulhe-res. Mesmo aps a proclamao uni-versal da igualdade e da liberdade, as mulheres continuaram sem poder votar, sem o acesso s instituies pblicas, liberdade pro ssional, aos direitos de propriedade etc.

    Em 1791, Olympe de Gouges pro-ps Rainha da Frana que apresentas-se ao Parlamento, uma Declarao dos direitos da mulher e da cidad. Preten-dia instituir igualdade jurdica e legal entre homens e mulheres. Essa decla-rao nunca foi aprovada e a propo-nente completamente esquecida. Por suas posies pblicas rmes em diver-

    14 Ainda hoje a igualdade entre homens e mulheres no plena. Veja o que diz a e conomista americana, Janice

    Madden em entrevista disponvel no site da Folha de So Paulo:

    http://direito.folha.uol.com.br/6/post/2012/08/a-iluso-de-igualdade-no-tratamento-de-homens-e-mulheres-serve-para-justi car-o-preconceito.html

    Para Re etirNo Brasil, existe uma mxima popular que a rma: em briga de marido e mulher, no se mete a colher. Ser que no contexto atual e diante de lei como a Lei Maria da Penha, ainda possvel aceitar tal a rmao?

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    de seus direitos, no Brasil, a proteo formal por meio dos tratados e con-venes internacionais de especial valia para uma mudana de perspecti-va. Mantem-se a temtica em foco e se fortalece a sua fundamentao terica. Mas a batalha pela de sua e ccia con-creta ainda continua.

    Observe-se que os relatrios sobre violncia domstica ainda revelam um elevado nmero de agresses pratica-das contra idosos, mulheres e crian-as15. Muitos dos indgenas brasileiros tambm no tm seus direitos assegu-rados. Mais de trinta por cento das ter-ras indgenas no foram devidamente reconhecidas, como determina a cons-tituio Brasileira (POVOS INDGENAS NO BRASIL, on-line). E os negros? Ape-sar das leis que promovem a sua inclu-so social, com a garantia de quotas no ensino superior gratuito, por exemplo, as crticas so superiores aos saldos positivos. Somente nesta dcada reco-nhecemos os direitos do trabalhador domstico que, em sua grande maioria, so mulheres negras ou pardas16.

    5.A FORMAODO DIREITOBRASILEIRO E OS ASPECTOS DA CULTURA NACIONALA exceo das ex-colnias inglesas, os demais pases nascidos da colonizao europia foram in uenciadas pelo di-reito romano17. Aproveitamos os con-ceitos e as instituies jurdicas criadas

    sob um universo cultural e uma signi -cao moral que ressaltava:

    O mundo de produo escravagista; Uma profunda desigualdade (a classe patrcia exercia o controle dos meios de produo e dominava os escravos e os plebeus - livres, porm, pobres);

    O poder da gura masculina nas rela-es conjugais e nas relaes de lia-o. O poder do pai de famlia roma-no (pater famlias) chegou ao extremo de decidir sovre a vida ou morte dos lhos, sobre a deciso de abandon--lo ou reconhece-lo etc.

    Portanto, utilizamos instituies jur-dicas que foram formadas em no contex-to de uma sociedade agrcola, desigual, escravagista e patriarcal. Para aquelas instituies, os interesses das mulheres, das crianas, dos escravos e dos pobres no tinham qualquer importncia.

    Mas, o direito romano in uenciou Portugal e este nos in uenciou enquanto Estado colonizador. No perodo da col-nia, utilizvamos as mesmas leis que eram aplicadas na coroa. No ramos conside-rados como uma verdadeira nao, pois o objetivo primordial do colonizador era a prosperidade da coroa e o controle so-bre os domnios coloniais, que levavam ao desenvolvimento de um sociedade distante das concepes de autonomia poltica, liberdade ou igualdade.

    No Brasil, a construo de uma cul-tura e identidade nacionais no foi uma empreitada levada a srio pelos nossos colonizadores (cRISTIANI, 2012, p. 443).Muitas das instituies nacionais surgiram de forma imposta. No foram construdas na rotina das relaes sociais. A coloniza-o portuguesa representou um projeto totalizante que tinha por objetivo a ocu-pao do cho e a explorao das rique-zas do pas, subjugando seus nativos os ndios. E no haveria como ser diferente, levando em considerao a prpria orga-nizao da sociedade europeia.

    15 Pesquisa realizada pela Datasenado d conta que 99% das mulheres entrevistadas conhecem a Lei Maria da Penha, que traz normas de combate violncia domstica. Embora a lei j tenha sete anos de existncia e seja do conhecimento de quase toda a populaao, cerca de 5 milhes de brasileiras j sofreram esse tipo de violncia, enquanto 7 mil destas mulheres brasileiras continuam sofrendo violncia em suas casas. A cada ano, cerca de 5 mil mulheres so vtimas de homicdio por esse tipo de violncia. O conhecimento da lei no su ciente para a garantia de sua e ccia. (BRASIL, SENADO FEDERAL, 2013)

    16 No ano de 2009, o IBGE registrou que 94,5% dos empregados doms-ticos eram mulheres, sendo 62% negras ou pardas. (IBGE, on-line).

    17 A expresso direito romano usada para designar as regras jurdicas consolidadas no chamado Corpo do Direito Civil, conjunto ordenado de leis e princpios jurdicos reunidos em um s corpo por ordem do imperador Justiniano, de Constantinopla, no sculo VI da nossa era. (CRETELLA JR, 1998, p.9).

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    Assim como os ndios, os negros tambm no tiveram a mesma partici-pao dos brancos europeus na forma-o da cultura jurdica brasileira. Os na-tivos brasileiros viviam uma organizao social e poltica julgada rudimentar e atrasada. Os portugueses trataram logo de impor sua cultura, justi cando que os indgenas eram selvagens e ca-rentes do processo civilizatrio. O olhar no foi diferente em relao aos negros trazidos do continente africano. Foram jogados nas senzalas, tratados como objetos, sem que se respeitassem as suas razes, a sua cultura, seus costu-mes, suas crenas e suas tradies.

    As leis gerais vigentes em Portugal eram aplicadas no Brasil-colnia, salvo casos peculiares relacionados situao local. Nesse particular, incluam-se as leis sobre os direitos dos ndios, caracteriza-das pelo aspecto etnocntrico e integra-cionista. No guardavam qualquer preo-cupao com a garantia dos costumes, crenas, tradies e organizao social das comunidades indgenas.

    Sucessivamente, tivemos as Or-denaes Afonsinas (1466), as Orde-naes Manuelinas (1521) e as Orde-naes Filipinas (1603). cada uma das ordenaes representava a compilao de todas as leis vigentes poca, sem qualquer separao por tema ou por interesse sob regulamentao.

    As ordenaes Filipinas18, edita-das em 1603, foram as mais importantes para o Brasil. compunham-se das Orde-naes Manuelinas reformadas, somadas s demais leis em vigor. quela poca, j eram consideradas retrgradas, pois re-presentavam a Idade Mdia nos tempos modernos(GOMES, 2006, p.4). Mesmo assim, tiveram vigncia no Brasil por mais de trs sculos, at a promulgao dos diversos cdigos. Suas normas de direito civil, por exemplo, vigoraram at 1916, quando foi publicado o primeiro cdigo civil brasileiro, cujo contedo guardava

    delidade tradio do direito portu-gus. cerca de 900 de seus dispositivos repetiam as antigas Ordenaes Filipinas.

    O cdigo civil, que deveria expres-sar a realidade da populao do pas, re-negava a existncia e qualquer in uncia dos indgenas, dos negros e dos pobres. Suas normas re etiam os valores privatis-tas de uma sociedade agrria construda em torno da famlia patriarcal.

    De acordo com o recenseamento da populao brasileira feito no ano de 1872 dcadas antes da promulgao do cdi-go civil de 1916, registraram-se um total de 9.930.478 habitantes. Dentre eles, cer-ca de um milho e meio eram escravos, um milho eram ndios e cinco milhes eram agregados s fazendas e engenhos (GOMES, 2006, p. 24). Apenas um total de trezentas ou quatrocentas mil pessoas que pertenciam s famlias proprietrias (donas de escravos, das fazendas e dos engenhos), tiveram os seus interesses contemplados pelo novo cdigo19. Ex-clua-se ainda a capacidade de deciso e de participao das mulheres e crianas.

    A classe mdia, formada pelos in-tegrantes de famlias mal sucedidas nas fazendas e ou ligadas ao comrcio, tinha o papel de preservar os interes-ses dos fazendeiros e comerciantes, em troca de empregos burocrticos. caminhavam juntas a burguesia rural e mercantil, associadas aos servidores da burocracia administrativa. Pouco a pouco, organizavam a legislao bra-sileira, inspirando-se no direito estran-geiro e nas necessidades de controle social sobre negros e pobres.

    com a vinda da famlia real para o Brasil, a corte Real foi transferida para o Rio de Janeiro. Por meio do Alvar de 10 de maio de 1808, o Tribunal de Relao daquela cidade foi transfor-mado em casa de Suplicao e seria considerado um Superior Tribunal de Justia, a ltima instncia para onde os recursos poderiam seguir.

    Para Re etirTodos os pases do mundo contem-porneo reconhecem, em alguma medida, os chamados direitos humanos. Isso implica em considerar que possumos um conjunto bsico de direitos em comum. Mas o que acontece quando um pas pune com a morte por apedrejamento uma mu-lher que resolve iniciar um novo rela-cionamento sem ainda ter concludo formalmente o processo de divrcio? como proteger algum quando o seu prprio Estado age para violar os direitos humanos?

    18 Em sua estrutura, Ordenaes Filipinas eram compostas por cinco livros: Livro I,

    do Direito administrativo e da Organizao Judiciria; Livro II, tratava do Direito dos Eclesisticos, do Rei, dos Fidalgos e dos

    Estrangeiros; Livro III, sobre Processo Civil; Livro IV, dispunha sobre Direito Civil e

    Direito Comercial; Livro V, sobre Direito Penal e Processo Penal.

    19 Na explicao de Orlando Gomes, quele tempo no se iniciar o processo

    de transformao da economia brasileira, que a Primeira Guerra Mundial viria a desencadear. A estrutura agrria

    mantinha no pas o sistema colonial, que reduzia a sua vida econmica ao binmio

    da exportao das matrias-primas e gneros alimentares e da importao

    de artigos fabricados. A indstria nacional no ensaiara os primeiros

    passos. Predominavam os interesses dos fazendeiros e dos comerciantes, aqueles produzindo para o Mercado

    internacional e estes importando para o comercio interno. Esses interesses

    eram coincidentes. No havia, em consequncia, descontentamentos que suscitassem grandes agitaes sociais.

    (GOMES, 2006, p.25).

  • CURSO CIDADANIA JUDICIRIA 61

    Para garantir o domnio sobre a co-lnia e sufocar as pretenses locais, a corte trouxe de Portugal os agentes p-blicos que comporiam, juntamente com magistrados e funcionrios j em atua-o no Brasil, a burocracia do judicirio. Mas sua tentativa de blindar os agentes pblicos da in uncia da populao lo-cal no foi exitosa. Pois a formao e a organizao do poder Judicirio durante a colnia, em semelhana do que ocor-reu com o governo-geral, cedia cama-radagem das relaes cordiais e de pa-rentesco (cRISTIANI, 2012, p. 451).

    houve intensa aproximao entre a elite local e os magistrados que vinham de Portugal, instaurando-se um ambien-te de troca de favores, clientelismo e fa-vorecimento, no muito diferente do que j ocorria na metrpole. Longe desse acordo, permaneciam os interesses dos indgenas e dos negros. como a elite brasileira representava uma aristocracia rural, proprietria de largas faixas de ter-ra, com engenhos e fazendas de cana--de-acar, o acordo tcito celebrado com os magistrados, acabava por carrear para estes alguma propriedade. No era incomum o casamento entre lhos dos magistrados com os herdeiros da aristo-cracia brasileira. Nessa intensa interao entre a burocracia do Judicirio e a elite brasileira, at o sculo XIX, forjaram-se aspectos importantes da estrutura e do modo de funcionamento do Estado brasileiro, aps a independncia. Suas prticas rotineiras e as expectativas da elite para o seu funcionamento coloca-vam o Estado e, em particular, o Judici-rio longe de um modelo igualitrio de proteo dos direitos do cidado.

    com essas novas caractersticas, o Brasil seguiu at o perodo da Re-pblica. De acordo com Jos Murilo de carvalho (1987, p. 9), a grande massa da populao assistiu a pro-clamao da Repblica sem sequer compreender o seu verdadeiro sig-nificado. Pensavam tratar-se de mais

    uma marcha militar. Nesse alheamen-to prosseguimos, enquanto uma elite dominante continuaria exercendo a tarefa de dizer o direito.

    O Estado tornava-se forte e a socie-dade civil no tinha uma autonomia signi- cativa em relao ao poder pblico. At mesmo o processo de industrializao nacional, se desenvolveu mediante forte nanciamento, dependncia e in uncia do setor pblico. No se viu no Brasil, a atuao de uma classe burguesa inde-pendente liderando o processo de indus-trializao nacional como se assistiu nos pases europeus. Ao nal das guerras do sculo XX, o Estado brasileiro se tornara um grande empresrio. E essa poltica de interveno na economia continuaria em vigor durante os governos seguintes, passando pela Era Vargas e funcionando como um dos pilares da doutrina da se-gurana nacional, praticada pelos milita-res ps-1964 (SARAIVA, 2004).

    Em meio a um Estado forte, at os direitos dos trabalhadores tinha origem em atos unilaterais do governo. A con-solidao das Leis do Trabalho (Decreto Lei n 5.452, de 1 de maio de 1943) tem origem no Governo Vargas, aps a cria-o da Justia do Trabalho, em 1939.

    Ainda que as mulheres houvessem conquistado o direito de votar na dca-da de trinta, continuavam subjugadas autoridade do marido ou dos prprios pais. No tinham o reconhecimento dos seus direitos civis. Toda a disciplina jur-dica da famlia favorecia o ptrio poder e o poder marital. cabia aos maridos, administrar o patrimnio e o salrio de suas mulheres. At mesmo para viajar, elas precisavam de sua autorizao. E mesmo que tivessem formalmente di-reitos polticos, sua participao na vida poltica era insigni cante.

    com uma singela participao da mulher no cenrio poltico20, o movimen-to feminista exerceu alguma presso de sorte que a constituio de 1934 proibiria o privilgio ou a distino por motivo de

    sexo. Em 1936, Bertha lutz21 foi investida no cargo de Deputada Federal, gerando expectativa de maior expresso para o movimento feminista. Infelizmente, o gol-pe de 1937 determinou o fechamento do congresso Nacional e no permitiu que as propostas fossem adiante.

    Entre os anos de 1940 e 1960, o mo-vimento feminista ganharia vigor. Arti-cularam-se para fazer valer a igualdade prevista na Declarao Universal dos Di-reitos do homem, promulgada pela ONU em 1948. Aps tramitar por dez anos no congresso Nacional, promulgou-se, em 1962, o Estatuto da Mulher casada (Lei n 4.121), de agrando-se os direitos huma-nos das mulheres no Brasil. Entre as im-portantes conquistas estaria o reconheci-mento de sua capacidade plena.

    As conquistas seguintes envolve-riam a paulatina ocupao do mercado de trabalho e o ingresso nas universida-des para concluso do curso superior. A despeito da franca participao que a mulher alcanou na economia e nos es-paos polticos, ainda sofre problemas com violncia domstica.A participao dos indgenas bra-

    sileiros na consolidao dos direitos foi marcada pela resistncia a uma polti-

    20 Entre 1950-1962, das 39 (trinta e nove) candidatas a cargo eletivo constantes dos dados doTribunal Superior Eleitoral, apenas 8 (oito) foram eleitas (AVELAR, 2001, p. 58).

    21 Bertha Lutz foi cientista, pesquisadora, uma das fundadoras do movimento feminista brasileiro e uma das primeiras mulheres a ocupar um cargo de Deputada Federal, em 1936. Teve intensa atuao em instituies de pesquisa, bem como nos debates nacionais e internacionais que levaram ao reconhecimento jurdico da igualdade entre homens e mulheres pela ONU e em vrios documentos.

  • 62 FUNDAO DEMCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE

    ca intensamente etnocntrica e inte-gracionista. Grande parte da legislao brasileira sobre a matria at a consti-tuio de 1988 mantinha a inteno de aculturar os ndios. Por todo este pero-do, muitas comunidades foram esbulha-das e expulsas de suas terras, sofrendo abalos na sua organizao social. Mui-tos, porm, no perderam sua identida-de tnica e o de vinculo histrico-cultural com as comunidades pr-colombianas.

    O movimento indigenista conseguiu in uenciar o constituinte de 1988, quan-do obteve o reconhecimento constitucio-nal de sua etnia, organizao social, tradi-es e costumes. Tambm conquistaram o direito sobre as terras tradicionalmente ocupadas por eles. A luta pelo exerccio da etnia, reconstruo da cultura e ocu-pao territorial ganhou vigor a partir de 1990. E muitas comunidades passam a re-querer o reconhecimento o cial.

    Em 2010, dados do Instituto Brasilei-ro de Geogra a e Estatstica (IBGE, 2012) registram um total de 817.963 indgenas no Brasil. Embora com os direitos reco-nhecidos, vivem um quadro de excluso que tem alto custo para o desenvolvimen-to, segundo informaes coletadas pela Organizao Nacional. No cenrio de ex-cluso, as mulheres indgenas so ainda mais prejudicadas no Brasil e nos demais pases da Amrica Latina (ONU, on-line).

    Relativamente aos negros brasileiros, embora a escravido haja sido abolida no ano 1888, o quadro de completa desi-gualdade social e econmica se estendeu por todo o sculo XX. Segundo informa-es do IBGE, no perodo de 2003 a 2013, a renda da populao negra e parda cresceu 51,4%, enquanto a da populao branca aumentou 27,8%. Apesar desse crescimento, a renda dos negros ainda corresponde a apenas 57,4% da dos bran-cos. Enquanto a populao que se de-clara branca teve rendimento mdio de R$ 2.396,74 em 2013, a populao preta e parda (seguindo a designao adotada pelo IBGE) recebeu em mdia R$ 1.374,79

    por ms (AGNcIA BRASIL, on-line). A despeito do quadro de desigualdade so-cial, h leis que probem a discriminao, criminalizando o racismo. Porm, no se pode a rmar que h efetiva igualdade entre as pessoas brancas, negras e ind-genas, no Brasil. Basta observarem-se as condies gerais em que vivem.

    No tocante s pessoas com de ci-ncias, tambm no lhes foi dada uma ateno devida. Sujeitos que precisavam de tratamento e cura para se integrar melhor vida coletiva e ao trabalho, somente com a Emenda constitucional n 1, de 1969, os de cientes alcanam a ateno do texto constitucional, com um dispositivo voltado para garantir o ensi-no especial para excepcionais. Posterior-mente, em 1978, Emenda constitucional n 12, dedicaria maior ateno matria, assegurando a melhoria das condies sociais para as pessoas de cientes.

    Atualmente, h uma conveno da ONU, rati cada pelo Brasil, que reco-nhece aos de cientes fsicos, psquicos e intelectuais, igualdade de direitos. Essa conveno ingressou no ordenamento jurdico brasileiro de modo especial. Foi aprovada pelo congresso Nacional com um qurum quali cado, fazendo com que suas normas tenham a mesma hie-rarquia de norma constitucional.

    Percebe-se em todo este percurso que leva ao reconhecimento de direi-tos de diversos grupos, a necessidade de compreender o direito como um

    SAIBA MAIS

    A redao do projeto que deu origem ao cdigo civil de 1916 coube ao cearense clvis Bevilqua. Nascido na cidade de Viosa do cear, em 1859, graduou-se na Faculdade de Direito de Recife e participou ativamente de diversos movimen-tos intelectuais e literrios, escrevendo livros e artigos. Foi professor, membro fundador da Academia Brasileira de Letras e consultor jurdico do Ministrio das Relaes Exteriores. Em 1901, a pedido do Ministro da Justia, redigiu o projeto do cdigo civil que somente foi aprovado em 1916. Dentre as vrias homenagens feitas ao jurista cearense, podemos citar o nome dado ao principal Frum da cida-de de Fortaleza e praa situada em frente ao prdio da Faculdade de Direito, da Universidade Federal do cear.

    grande produto histrico no se limita de maneira estreita nas leis. As normas produzidas por um determinado Esta-do representam apenas uma frao do grande e complexo fenmeno que o direito. Leis podem signi car, como regra geral, um esforo para regular e estabilizar padres de comportamento e convivncia, contudo podem tambm levar reproduzir e manter preconcei-tos, vcios, desigualdades e injustias.

    A ttulo exempli cativo, podemos observar este problema com muita cla-reza na maneira como as mulheres fo-ram tratados pela legislao brasileira (ou em outros pases ainda hoje). Lon-ge de expressar de forma equilibrada e igualitria o novo papel das mulheres conquistado nas sociedades industriais, a leis serviam para perpetuar ferramen-tas de controle e opresso masculina. Assim, cumpre a ns olhar de maneira cuidadosa e crtica os processos que levam construo de nossas leis e a maneira como lidamos com as diversas normas que compem o ordenamento jurdico, a m de evitar que condene-mos pessoas ou grupos a viver apri-sionados nos valores sociais e culturais produzidos em contextos completa-mente diferentes dos atuais. nessa perspectivas que a compreenso sobre a realidade do pas pode servir para re-construir as normas e os sentidos que damos a elas de maneira a superar pre-conceitos e desigualdades sociais.

  • SNTESE DO FASCCULO

    O direito precisa ser compreendido como um fenmeno social inserido nos proces-so histricos, culturais e econmicos das diversas sociedades. As formas atuais de regulao da vida social representam apenas uma das mltiplas formas utiliza-das por ns, ao longo da histria. Mesmo nos dias atuais, pases, grupo tnicos ou comunidades indgenas ainda utilizam e maneiras diversi cadas de ordenar juridi-camente suas vidas. O modelo predomi-nante, compreenso do direito contem-porneo, consiste na associao deste com as normas produzidas por um Esta-do. Esta institucionalizao da normati-vidade marca as sociedades contempo-rneas. O Brasil, de maneira semelhante grande maioria dos pases do mundo, adota um sistema hierarquizado de nor-mas jurdicas em que a constituio gura como norma mais importante do ordena-mento, seguido de outras espcies nor-mativas, como as leis ou os decretos. Mui-to se discutiu e discute sobre as origens destas normas e sistemas, especialmente para tentar encontrar o fundamento e o contedo das mesmas. No obstante, prevalece hoje o entendimento de que o direito um produto histrico condicio-nado fortemente por contingncias, valo-res e processo sociais. Isso signi ca que aspectos como o papel social designado para as mulheres, a escravido ou os pre-conceitos dirigidos contra grupos costu-mam se expressar nas normas jurdicas, da mesma forma como acontece com valores como a liberdade ou a proteo livre iniciativa. Nesse contexto, devemos ser capazes de compreender e analisar criticamente a maneira como reproduzi-mos valores e representaes sociais so-bre pessoas e grupos para tentar superar preconceitos, desigualdade e injustias, como no caso das mulheres, negros e das populaes indgenas.

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    SOBRE A AUTORAJoyceane Bezerra de Menezes tem ps-doutorado em Direito pela Univer-sidade do Estado do Rio de Janeiro, doutorado em Direito pela Universida-de Federal de Pernambuco e mestrado em Direito pela Universidade Federal do cear. professora titular da Univer-sidade de Fortaleza, atuando no Pro-grama de Ps-Graduao Stricto Sen-su, professora adjunto da Universidade Federal do cear, editora cient ca da Pensar: revista de cincia Jurdica.

    CURSO CIDADANIA JUDICIRIA 63

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