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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DISCUTINDO A ALFABETIZAÇÃO
FATORES QUE INFLUENCIAM A ALFABETIZAÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA
SIMONE GONÇALVES FIGUEIREDO FARIA
ORIENTADOR: NILSON GUEDES FREITAS
Rio de Janeiro, RJ, agosto / 2002
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DISCUTINDO A ALFABETIZAÇÃO
FATORES QUE INFLUENCIAM A ALFABETIZAÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA
SIMONE GONÇALVES FIGUEIREDO FARIA
Trabalho monográfico apresentado
como requisito para obtenção do grau
de Especialista em Supervisão Escolar.
Rio de Janeiro, RJ, agosto / 2002
3
Agradeço a todos que direta e
indiretamente contribuíram para a
execução desta pesquisa.
4
Dedico o resultado desta pesquisa à
minha filha Nicoly com quem muito
aprendi nos seus sete anos.
5
TECENDO A MANHÃ
Um galo sozinho não tece uma manhã:
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
E o lance a outro; de um outro galo
Que apanhe o grito que um galo antes
Que com muitos outros galos se cruzem
Os fios de sol de seus gritos de galo,
Para que a manhã, desde uma teia tênue,
Se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando entre tela, entre todos,
Se erguendo tenda, onde entrem todos,
Se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
Que, tecido, se eleva por si: luz balão. 1
1 NETO, João Cabral de Melo. (1997) p.15
6
RESUMO
Este trabalho discute as possíveis causas do fracasso
escolar na alfabetização das escolas públicas. Reflete sobre a relação
escola/aluno das classes populares. Aponta as velhas teorias criadas para
justificar o fracasso, atribuindo ao aluno toda a responsabilidade sobre o seu
insucesso. Aborda a importância da afetividade como instrumento de
estabelecimento de diversas relações em sala de aula.
7
SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................8
CAPÍTULO I
1.1- Do Mundo Fantástico da Pré-Escola ao Mundo Real da Alfabetização.....10
1.2- Vidros e Formas .........................................................................................12
1.3- Alfabetização na Escola Pública: Quando Começa? ................................14
1.4- A Escola, A Escrita E a Criança ................................................................16
1.5- O Aluno Visto Como Uma Página em Branco ............................................17
1.6- O Papel do Sentido na Aprendizagem .......................................................19
CAPÍTULO II
2.1- a Escola E Suas Novas Atribuições ..........................................................20
2.2- Classe Social: Influencia na Aprendizagem? ...........................................21
2.3- A Pirâmide Educacional Brasileira ............................................................23
2.4- Dificuladdes de Aprendizagem na Alfabetização: A Medicalização do
Fracasso Escolar.......................................................................................25
CAPÍTULO III
3.1- Aprendizagem Temperada com Emoção ...............................................26
CAPÍTULO IV
3.2- Onde a Pesquisa Aconteceu ........................................................................29
CONCLUSÃO .......................................................................................................31
ANEXOS ...............................................................................................................32
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................33
8
INTRODUÇÃO
Muito se tem discutido sobre o fracasso escolar. Este
trabalho discute de forma reflexiva as possíveis causas do fracasso escolar que
apontam o aluno como único responsável pelo seu insucesso. Este problema
inquieta vários pesquisadores. Sabe-se que não faz mais sentido usar muitas
dessas desculpas para justificar o fracasso escolar.
O primeiro capítulo identifica aspirações e frustrações
do aluno pobre em relação a escola, e também, o que algumas escolas
esperam e pretendem desse aluno, ao enchergá-lo como uma página em branco.
Algumas escolas se julgam detentoras do conhecimento legítimo e não oferecem
conteúdos aplicáveis à vida dos alunos das classes menos favorecidas.
O segundo capítulo, discute a escola democrática,
as dificuldades dos alunos pobres em se manterem na escola e a medicalização
do fracasso escolar.
O terceiro capítulo aponta de forma reflexiva o papel da
afetividade como ponto de partida para uma educação voltada para o resgate dos
alunos ditos incapazes, fracassados.
O quarto e último capítulo revela o local onde a
pesquisa foi realizada.
9
Na conclusão desta pesquisa dá-se ênfase às algumas
mudanças necessárias para se reverter o quadro de fracasso escolar existente
nas classes de alfabetização das escolas públicas.
10
1.1- “DO MUNDO FANTÁSTICO DA PRÉ-ESCOLA AO MUNDO REAL DA
ALFABETIZAÇÃO.
(..) a alegria começa onde a escola termina:
pode-se fazer o que quiser, como se quiser,
não há mais sanções.
Alguns guardam rancor dentro da escola, mas
o pior talvez seja o fato de que a maioria dos
alunos se resigna docemente a monotonia da
escola, esperando que ela termine ao final de
cada dia, ai final de cada ano, ao final de cada
juventude (...). A escola de hoje, onde não há
mais palmatória, onde quase não castigo, não
tem imagem melhor, em relação à alegria, do
que a mais rude escola do passado.2
Não é possível entender porque ocorre uma mudança
tão drástica na transição “pré - escola / ensino fundamental” , entendendo-se ser
a aprendizagem um processo contínuo.
Na pré - escola são partes da rotina, atividades que valorizam o conhecimento
do aluno, que lhe dão vez e voz. Vejamos algumas contradições:
ü A organização física da sala de aula tende a se tornar mais fria, rígida à
medida que o aluno avança na seriação escolar.
2 SNYDERS (1993) p.14
11
A arrumação da sala de aula vai perdendo o caráter
coletivo, assumindo um modelo de enfileiramento de carteiras, voltadas para o
quadro-negro e para a professora. “Cada indivíduo no seu lugar e em cada lugar
um indivíduo. “ 3
ü Na pré - escola a ação pedagógica é enriquecida metodologicamente e
através de recursos audiovisuais. Porém, à medida que a escolarização
avança, tais recursos ficam reduzidos a giz, quadro-negro, livro didático e
folhas, quando elas existem.
ü A vivência do aluno tão valorizada na pré-escola, nas séries seguintes fica
do lado de fora da sala de aula.
A atuação do aluno se diferencia na pré-escola e no
ensino fundamental. A interação professor / aluno, aluno / aluno é
“desencantada” dando lugar ao silêncio.
ü Quanto à disciplina, há uma tentativa de criar regras de convivência,
visando garantir a ordem, mais do que promover o exercício de cidadania.
Atos de indisciplina parecem estar intimamente ligado à
inadequação do trabalho pedagógico, à inadequação do espaço ao número de
alunos atendidos.
3 FOCAULT (1977) p.130
12
1.2- “VIDROS E FORMAS”
A maioria das escolas contribui para que a evasão dos
alunos ocorra. Seu ambiente não é propício para a aprendizagem e não atende
as diferenças culturais dos alunos. Isso ocorre quando a escola não aceita e trata
seus alunos como deficientes culturais. É pretenção das escolas formatar seus
alunos, pregando uma cultura hegemônica que vai em sentido oposto ao
conhecimento do aluno. A escola é vista pelo aluno, por sua família e pela
sociedade como única forma de ascenção e muitas vezes, quando se vê excluído
da escola, o aluno se dá por vencido e desiste.
A evasão escolar, muitas vezes funciona como uma
seleção. Os alunos que continuam na escola, o fazem por entrarem nas “formas”
da escola, e aquelas que evadem são porque não se encaixem nessas “formas” .
Nesse instante, a escola seleciona indiretamente. Os alunos que permaneceram
na escola serão aqueles que escaparem da seleção.
O livro de Ruth Rocha, “Admirável Mundo Louco”
retrata essa situação no texto: “Quando a Escola é de Vidro”. A autora mostra
com clareza as imposições colocadas aos alunos pala escola, com o objetivo de
formatá-los. “...tinha menino que tinha até que sair da esola porque não havia jeito
de se acomodar nos vidros. ”4
Se o aluno não adequar-se ao sistema, regras
impostas pela escola ele corre o risco de ser “convidado”a retirar-se, recebendo
sua transferência escolar.
4 ROCHA, Ruth (1986)
13
É uma tendência da escola a atribuir a seus
usuários a responsabilidade por todos os
defeitos e dificuldades de sua aprendizagem e
de seu ajustamento escolar. 5
Quando um aluno fala ao professor: “Não entendi”, o
professor o repreende e lhe cobra mais atenção, pois se ele não entendeu foi
porque não quis, já que o professor acredita ter feito uma ótima explicação. Uma
das causas para a criança pobre não se sentir bem na escola, está na dificuldade
que ela encontra em entender e falar a língua da escola. O tempo vai passando,
e ela, a criança, vai se calando, deixando de perguntar e responder.
Mais uma vez a história de Ruth Rocha nos ajuda a
entender o que a escola faz com os alunos:
... Aliás, nunca ninguém se preocupou em saber
se a gente cabia nos vidros.
E pra falar a verdade, ninguém cabia direito.
... a gente não escutava direito o que os
professores diziam, os professores não
entendiam o que a gente falava...6
Parece que os únicos lugares de maior liberdade se
restringisse as aulas de Educação Física e ao recreio: “A gente só podia respirar
direito na hora do recreio ou na sala de Educação Física.” 7
5 GIFFONI (2000) p.37 6 ROCHA, Ruth (1986) 7 IBIDEM
14
1.3- ALFABETIZAÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA: QUANDO COMEÇA?
Na maioria das escolas públicas brasileiras, o processo
de alfabetização fica limitado a apenas um ano letivo. Sendo assim, a
alfabetização não é vista como um processo contínuo, ficando sobre a
responsabilidade do professor alfabetizador realizar a alfabetização de seus
alunos num período determinado. Caso o professor não cumpra as “metas”
estabelecidas, e se o aluno não conseguir se alfabetizar, ele é condenado a
reprovação, o que significa voltar ao ponto de partida do ano seguinte.
O que o aluno aprendeu no ano anterior é desprezado,
ele é obrigado a rever vogais, junções, etc. O professor não considera que o
aluno não sabe nada, e ele passa as mesmas lições que já viu no ano anterior,
então é possível considerar que a reprovação significa uma simples e enfadonha
repetição. Isso no remete a um questionamento: qual é a lógica da “pedagogia
da repetência” ?
Supõe-se que um aluno, ao repetir a série, deverá
recuperar os conteúdos e habilidades que não adquiriu. Porém, isso não
acontece, pois os professores continuam trabalhando da mesma forma com os
alunos repetentes e não repetentes. Isso faz com que o alunos repetente tenha
grande possibilidade de ser novamente reprovado. É possível que esse fato seja
ocasionado pela incapacidade de muitos professores em lidar com
heterogeneidade em sala de aula.
A repetência é em si mesma, uma das principais
causas da ocorrência. A reprovação escolar, entendida pedagogicamente,
deveria ter a finalidade de possibilitar ao aluno, condições de refazer seu
aprendizado, superando as possíveis dificuldades.
15
É importante ressaltar que as classes de alfabetização
nas escolas públicas são vistas como castigo. São destinadas aos professores
recém formados, sem nenhuma bagagem sobre alfabetização. Salvo em alguns
municípios, como Araruama, localizado no Estado do Rio de Janeiro, que
atribui aos professores alfabetizadores uma gratificação de 30% sobre o seu
salário, 8 o que muitas vezes age como uma “faca de dois gumes” pois não
existindo critério específico para selecionar o professor alfabetizador, prevalece o
critério da antigüidade, ou melhor dizendo, o professor com mais tempo de
serviço. Isso ocorre muitas vezes em virtude da gratificação, o que não é garantia
de uma bom trabalho.
8 Lei Complementar n.15 de 30 de dezembro de 1997. Título III Atr. 27 Parágrafo 4o .
16
1.4- A ESCOLA, A ESCRITA E A CRIANÇA
Existirá sempre, entre alfabetizador e
alfabetizando, a distância imposta pela escrita.
Quem escreve particularmente, quem escreve
há muito tempo, tem toda uma prática de
reflexão sobre a própria escrita, condicionada
por segmentações que essa pressupõe, pela
expectativa das estruturas, das formas “certas”,
em termos absolutos. “ 9
O professor alfabetizador esquece que, apesar das
diferenças entre linguagem oral e escrita, suas atividades fazem parte de um
mesmo processo cognitivo no qual um determinado conhecimento dá origem a
outro, ou seja, é possível que nesse período transitório, conhecimentos da
linguagem oral sejam usados para o entendimento da linguagem escrita.
Alfabetizar é visto como combater e controlar “erros”,
enquadrar o aluno num método escolhido” : primeiro, a palavra-chave, depois,
a sílaba-chave, as famílias ba-be-bi,..., as palavras e, finalmente
aproximadamente em meados do ano em diante, as frases. No final do ano, os
alunos começam a formular composições, que não passam de frases compostas
de palavras estudadas, fora de um contexto. É bom mencionar que esta escrita
mecânica não é culpa do aluno, é simplesmente resultado de uma aprendizagem
mecânica.
9 ABAURRE (1984) p.13
17
1.5- “O ALUNO VISTO COMO UMA PÁGINA EM BRANCO”
A alfabetização é um processo que, ainda que
se inicie formalmente na escola, começa de
fato, antes da criança chegar à escola, através
de diversas leituras que vai fazendo do mundo
que a cerca, ...10
A escola a tudo isso ignora. Trata o aluno como uma
página em branco a ser escrita por ela. Ignora e despreza o conhecimento que a
criança já traz consigo, pois só o seu saber elitizado é que é considerado
relevante.
Quando a criança chega na escola ela deve esquecer
ou pelo menos deixar a sua cultura do lado de fora. O que ela aprendeu na sua
comunidade, na sua convivência familiar é visto pela escola como parte não
pertencente de uma cultura, ou pelo menos da cultura valorizada pela escola.
Sendo assim, a escola anula a bagagem que a criança acumulou em sua
experiência de vida anterior a sua entrada na escola.
A escola, no cumprimento do seu papel, acaba por
negar a criança basicamente em dois momento: o primeiro se dá quando julga
irrelevante o conhecimento da criança, buscando “esvaziá-la” e “preenchê-la”
com o que julga importante; o segundo momento em que a criança é negada é
quando se evidencia no instante em que a escola faz “vista grossa” ao esforço que
a criança desempenha para se enquadrar nas regras da escola.
10 GARCIA, Regina (1997) p.66
18
Praticando uma pedagogia da exclusão, a escola vai
construindo uma história de discriminação de classes e culturas, linguagens e
saberes, submetendo o alunado a inúmeras e sucessivas seleções. Afinal, a
escola segue cumprindo fielmente o seu papel na manutenção do modelo
excludente e reprodutora de classe social. Ela segue selecionando quem pode
ou não aprender a ler, em seguida quem deve ou não permanecer na escola.
19
1.6- O PAPEL DO SENTIDO NA APRENDIZAGEM
... as crianças aprendem facilmente sobre a
linguagem falada, quando estão envolvidas em
sua utilização, quando esta lhe faz sentido. E
da mesma forma, tentarão compreender a
linguagem escrita se estiverem envolvidas em
sua utilização, em situações onde esta lhe faz
sentido e onde podem gerar e testar hipóteses.11
Infelizmente a escola não preconiza aprendizagem com
sentido para o aprendiz. Ao fazer uso das cartilhas de alfabetização que sugerem
texto compostos por frases do tipo: “Ivo viu a uva.” A escola não estimula a
criticidade de seus alunos e desconsidera o saber popular.
Tais textos não apresentam sentido para o aluno, só
servem para reforçar a idéia de que a leitura e a escrita fazem parte de uma
aquisição de utilidade única para o âmbito escolar. A escola não cria um paralelo
entre a vida dentro e fora dela. Com isso, não torna significativos e aplicáveis os
conteúdos escolares. “ A escola precisa, para ter sentido, sintonizar com o
mundo, dele retirar os “conteúdos pedagógicos”...” 12
Não só na alfabetização em todas as etapas da vida
escolar da criança, o ambiente de aprendizagem deve ultrapassar as quatro
paredes da sala de aula, os muros da escola e ir para as ruas. A alfabetização é
um processo e não deve ser reduzido a momentos estanques dentro da escola e
da sala de aula.
11 SMITH (1989) p.237 12 GARCIA, Regina (1991) p.42
20
2.1- A ESCOLA E SUAS NOVAS ATRIBUIÇÕES
Atualmente a escola tem sido um espaço de várias
atribuições. Não mais apenas um espaço de ensino / aprendizagem. Caiu sobre
ela a obrigação de prestar serviços sociais antes prestados pelo Estado. São
campanhas para detectar deficiências visuais, auditivas, etc. Como se o tempo
de aula já não fosse ínfimo para o professor realizar sua tarefa de educador.
É como se todos conspirassem para transformar a
escola num lugar pré-destinado para dar errado, para fracassar e gerar fracasso.
Além de tudo, a escola se intuitula “democrática”. É
evidente que essa democracia se restringe a garantir o acesso de alunos oriundos
de várias classes, inclusive os das classes populares. Porém, essa democracia
de desfaz na hora de garantir a permanência desses alunos, dando-lhes o direito
de se beneficiarem de educação de qualidade.
Grande parte dos alunos que ingressam na educação
infantil, são logo carimbados pelo fracasso. Muitos desistem, alguns continuam
lutando e poucos conseguem vencer e ultrapassar a “peneira” do sistema
chegando ao ensino médio.
21
2.2- CLASSE SOCIAL: INFLUENCIA NA APRENDIZAGEM?
Acredita-se que a criança de classe média se apropria
com facilidade da escrita por viver num ambiente letrado, onde há vários
estímulos para a escrita. Numa família de classe média, faz parte do dia-a-dia da
criança presenciar em vários momentos, o uso da leitura e da escrita sendo útil e
aplicável. Ela pode observar sua mãe fazendo uma lista de compras,
preparando uma receita lida num rótulo ou até mesmo aqueles pequenos bilhetes
que são afixados na geladeira.
Em contrapartida, para as crianças pobres,
provenientes das chamadas classes populares e que pouco presenciam atos de
leitura e escrita em suas casa, a aquisição desses atos mostra-se uma realidade
muito distante e com caminhos tortuosos e que dificilmente chegará ao nível dos
demais. Nessa concepção, o aluno da camada popular será o “diferente”, o
“carente”, o “sem condições”. Cometerá muitos “erros”. Será corrigido e
passivamente aceitará e acreditará em tudo e que a escola disser, distanciando
cada vez mais dos colegas e conseqüentemente, da leitura, da escrita e da
escola.
Embora a escola reconheça as diferenças sócio-
culturais como um dos fatores relevantes do fracasso e evasão escolar, continua
fazendo uso de procedimentos pedagógicos centrados na complexidade da
escrita. E com isso, vai contribuindo para o crescimento das diferenças sociais.
A escola deveria aproximar, ou pelo menos, promover maiores oportunidades
para que as crianças de classes populares possam ir além do que suas realidades
lhes proporcionam.
22
Infelizmente, a sociedade somente aceita a linguagem
que obedeça a norma culta da língua. Os alunos que fazem uso de uma
linguagem própria, coloquial, que foge as regras, é discriminado na escola e na
sociedade. “...é o uso da língua na escola que evidencia mais claramente as
diferenças entre grupos sociais e que gera discriminação e fracasso.” 13
A escola não se propões a fazer uso da linguagem
popular como instrumento para que o aluno de classe popular entre em contato e
se aproprie da língua culta, de uma maneira prazeirosa, sem discriminar
nenhuma delas, pois cada uma possui sua importância no alcance do objetivo
maior que é estabelecer comunicação.
13 SOARES, Magda (1985) p.17
23
2.3- PIRÂMIDE EDUCACIONAL BRASILEIRA
As altas taxas de repetência e evasão escolar, mostram
que as crianças que conseguem entrar na escolar, nela não conseguem
aprender, ou não conseguem permanecer nela muito tempo. Isso mostra que
“... a escola que existe é antes contra o povo do que para o povo” 14
A repetência ( a não aprendizagem ), e a evasão
( abandono da escola), explicam o afunilamento progressivo, que vai construindo
a intitulada “pirâmide educacional brasileira”. Essa construção se dá através da
seleção feita pela escola das camadas populares. Pesquisas revelam as relações
entre fracasso e origem social. Sendo assim, a escola que seria para o povo é,
na realidade contra o povo.
Algumas ideologias surgiram para explicar tal
contradição.
A primeira ideologia é a “Ideologia do Dom” 15, que
determina que o sucesso ou fracasso de cada um, depende de suas aptidões.
Cabendo a escola apenas direcionar o aluno, não sendo responsabilizada pelo
seu fracasso.
A Segunda ideologia é a “Ideologia da Deficiência
Cultural” 16, que responsabiliza as desigualdades sociais pelo baixo rendimento
dos alunos das classes populares, que apresentam desvantagens, ou “déficits”,
resultantes de problemas de “deficiência cultural”, “carência cultural” ou “privação
cultural”
14 SOARES, Magda (1992) p. 9 15 SOARES, Magda (1992) P.10 16 SOARES, Magda (1992) P.12
24
A terceira explicação: a “Ideologia das diferenças
culturais” 17, que qualifica determinados grupos sociais como “culturalmente
deficientes”, “privados de cultura” ou “carentes de cultura”.
A escola incorpora essas ideologias, estando ela a
serviço de uma sociedade extremamente capitalista, vai legitimando os padrões
culturais. Padrões esses que constituem uma cultura socialmente considerada
superior, sendo ela proveniente das classes dominantes. E assim, a classe
dominada é vista como portadora de padrões culturais inferiores frente a cultura
dominante, ou melhor dizendo, é vista por eles como uma “subcultura”.
A escola, não sabendo trabalhar as diferenças
culturais, segue transformando-as em deficiências culturais.
17 SOARES, Magda (1992) P.14
25
2.4- DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: A MEDICALIZAÇÃO DO
FRACASSO ESCOLAR
Partindo de uma visão preconceituosa das classes
menos privilegiadas, a escola confirma, lançando mão de um teste de prontidão,
suas hipóteses que justifiquem o fracasso escolar de determinados alunos. As
mais comuns são:
ü Famílias desestruturadas:
ü Dificuldades econômicas;
ü Problemas cognitivos;
ü Problemas orgânicos.
A medicalização do fracasso escolar ocorre quando
depois de várias tentativas de que seu aluno avance no processo de
aprendizagem, não obtendo o êxito esperado, o(a) professor(a) comunica a
família, com base num diagnóstico feito por ele(a), e recomenda aos familiares
que busquem a ajuda de um profissional da área médica: um psicólogo ou um
neurologista. Esse ato aproxima a escola e os pais, tornando-os aliados.
Nesse momento, a “culpa ”do fracasso desse aluno
deixa de ser da escola e da família. Todas as possíveis “causas” recaem sobre
um real ou imaginário, problema de saúde.
26
3.1- APRENDIZAGEM TEMPERADA COM EMOÇÃO
...O bom líder é o que emociona. Emocionando
é que ele envolve e, ao envolver
continuamente, torna-se esperado, aplaudido
( quando não por palmas, mas por palpitações ),
querido, admirado, desejado e, portanto, um
tipo inesquecível.
O grande professor é, sobretudo, o que “mora”
na alma do aluno. É aquele que “fica” na sala de
aula mesmo após ir embora dela com o toque do
sinal.18
Diariamente, professores, pesquisadores ou não, vão
chegando a uma opinião em comum a respeito da importância da afetividade em
sala de aula, e o seu papel no engrandecimento da valorização e auto-estima de
um aluno.
Percebe-se que os sujeitos não precisam de muito,
basta um simples “bom!”, “você é capaz!”, “você é importante!” ... um pouquinho
só de atenção, alguém para ouvir suas histórias particulares. Tudo isso é de
grande importância para um aluno, pequeno aprendiz, que vê no professor um
referencial de vida.
É possível observar no dia-a-dia de alguns
professores que é possível construir um ambiente amigável em sala de aula,
baseada num convívio recheado de carinho e respeito mútuo.
18 ALBUQUERQUE, João Pessoa. Texto recebido em uma capacitação de professores na cidade de Araruama.
27
Para ilustrar, relataremos a história que retrata o
relacionamento de uma professora com seu aluno.
A professora observava que o aluno Diego era um
menino bastante falante, que adorava contar histórias. Ele chegou a 1a série do
Ensino Fundamental depois de dois anos de alfabetização com um pouco de
“dificuldades”. Descobriu que o Diego era portador de uma deficiência auditiva,
passível de utilizar um aparelho, e que seu tratamento andava interrompido.
No dia-a-dia a professora incentivava-o e o seu
crescimento era visível. Ele já não “errava” como antes, e quando o “erro”
ocorria, ele percebia e realizava a auto-correção em seus trabalhos escolares.
Certa vez, Diego chegou em sala de aula,
acompanhado pela Orientadora Educacional que lhe acompanhava no ano
anterior. Ela mostrou-se surpreendida e feliz com o progresso do menino Diego.
É possível constatar que não houve por parte da
professora, nenhum empreendimento de recursos materiais, simplesmente a
utilização de recursos humanos. O saber ouvir, uma palavra gentil na hora certa,
um olhar diferente e mais atento. Nada que professores voltados para o
desenvolvimento de seus alunos não possam lançar mão.
28
3.2- ONDE A PESQUISA ACONTECEU
Esta pesquisa se deu na cidade de Araruama, um
município do Rio de Janeiro. Fica localizado na chamada Região dos Lagos.
Araruama era terra dos índios Mataruna que vieram
para esse local atraídos pela abundância de sal. Os portugueses chegaram por
volta de 1575, mas a freguesia de São Sebastião de Araruama foi fundada em
1799. Sua igreja matriz foi construída em 1857. A cidade passou pelos ciclos de
agricultura tradicionais no Brasil: primeiro o da cana-de-açúcar e depois o café.
Atualmente, Araruama é produtora de cítricos.
Sua principal atração turística é a Lagoa de Araruama –
Lagoa das Araras na língua indígena, local de inúmeras águas plácidas, ideais
para quem quer aprender a nadar. É a Segunda lagoa do estado, com extenção
de 300 km2 de superfïcie. Nas suas águas são encontradas todos os matizes de
verde e azul. Suas águas são claras e transparentes e pequenas praias pontilham
sua orla.
Araruama brotou deu uma antiga vila de pescadores.
Sobre a origem do nome, segundo Sylvio Lamas de
Vasconcelos, em seu livro “Apontamentos sobre Araruama”, “segundo a trilha de
Teodoro Sampaio, difundiram a explicação de que Araruama, em Tupi, quer
dizer “comedouro ou bebedouro das araras” 19
19 VASCONCELOS, Sylvio (1998) p.21
29
Vale Júnior 20, refere-se à explicação folclórica do
nome Araruama, baseada em uma historieta de amor indígena, segundo a qual
um valente índio foi tomado de violenta paixão pela bela arara, filha do cacique da
tribo. Julgando-a indiferente ao seu amor, dispunha-se a abandonar a taba,
quando uma índia lhe segreda: “É mau o jovem guerreiro que quer abandonar a
sua tribo quando a formosa “Arara o ama”. Após a revelação, o índio voltou para
a sua amada e desde então o lugar ficou conhecido como Araruama.
Atualmente, sua população é de 66.148 habitantes
aproximadamente.
Foi em meio a essa cidade de grandes histórias que se
deu a pesquisa para a realização desta monografia, que busca levantar reflexões
a respeito de questões que circundam o fracasso escolar.
20 JÚNIOR, Artur (1936) P.14
30
CONCLUSÃO
Levando-se em conta o que foi observado, o educador
necessita conscientizar-se de que as limitações do processo pedagógico existem,
mas não deverão ser suficientes para minimizar o processo de democratização da
escola pública.
Para que isso ocorra, faz-se necessário promover
mudanças de olhares, práticas pedagógicas, mudar os discursos, derrubar mitos
e principalmente entender e enchergar a criança como resultado de um sistema.
Por todos esses aspectos, faz-se necessário
mencionar a importância da afetividade como um instrumento que o professor
pode utilizar para resgatar os alunos ditos fracassados.
31
ANEXOS
32
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOWICZ, Anete. MOLL, Jaqueline (Orgs.) Para além do Fracasso Escolar.
5a ed. Campinas, SP: Papirus, 1997. (Coleção Magistério: Formação e
Trabalho Pedagógico).
ALVES, Nilda. GARCIA, Regina Leite (Orgs.). O Sentido da Escola. Rio de
Janeiro: DP&A, 1999.
FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir. 7a ed., Petrópolis: Vozes, 1997, 277p.
GARCIA, Regina Leite (Org.). Alfabetização dos Alunos das Classes Populares:
ainda um desafio. 3a ed. São Paul;o: Cotez, 1997.
GOMES, Maria de Fátima Cardoso(Org.). Dificuldades de Aprendizagem na
Alfabetização. Belo Horizonte: Autêntica, 2000 ( Linguagem & Educação).
JÜNIOR, Artur Vale. Monografia: “Ensaio de Levantamento Estatístico do
Município”. Publicado no Boletim de Informações Econômicas e Estatísticas
( ano I, 1936) do Departamento de Estatística e Publicidade do Antigo Estado
do R.J.
MARANHÃO, Diva. Ensinar Brincando: a aprendizagem pode ser uma
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