felizmente há luar!
DESCRIPTION
O presente trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de Português e visa concretizar as competências desenvolvidas ao longo do Módulo 11 – Textos de Teatro II, permitindo apresentar com rigor e exactidão os principais conteúdos relativos ao estudo da obra Felizmente Há Luar! de Luís de Sttau Monteiro.TRANSCRIPT
ESCOLA PROFISSIONAL AGOSTINHO ROSETA
Pólo de Albufeira
Trabalho de Pesquisa
Curso Profissional de Técnico de Turismo 13 de
Fevereiro de 2012
11.º Ano de Escolaridade Ano
Lectivo 2011/2012
Disciplina: Português Módulo 11 – Textos
de Teatro II
Felizmente Há Luar!Luís de Sttau Monteiro
Nome dos Discentes: Nome da Docente
responsável
Ana Cláudia Véstia, N.º2 pela disciplina:
André Santos, N.º4 Prof.ª Ivone de
Almeida e Sousa
12.º Ano Turma TT
Índice
1. Introdução...........................................................................................3
2. Biografia do Autor...............................................................................4
3. Bibliografia do Autor...........................................................................5
4. Características do Texto Dramático....................................................6
5. Influência Brechtiana..........................................................................7
6. A Acção................................................................................................9
7. O Espaço (Físico, Social e Psicológico)...............................................9
7.1. Espaço Físico....................................................................................9
7.2. Espaço Social..................................................................................10
7.3. Espaço Psicológico..........................................................................10
8. Tempo da História.............................................................................11
9. Tempo da História.............................................................................12
10.Paralelo entre o Tempo da História e o Tempo da Escrita................14
11.Resumo da Obra................................................................................17
11.1...................................................................................................Acto I
17
11.2..................................................................................................Acto II
18
12.Características da Obra.....................................................................19
13.Personagens......................................................................................20
14.Universo Simbólico............................................................................21
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 2
15.Elementos Paratextuais.....................................................................23
15.1...........................................................................................Didascálias
23
15.2...........................................................................................Linguagem
23
16.Conclusão..........................................................................................24
17.Bibliografia........................................................................................25
1. Introdução
O presente trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de
Português e visa concretizar as competências desenvolvidas ao longo do
Módulo 11 – Textos de Teatro II, permitindo apresentar com rigor e
exactidão os principais conteúdos relativos ao estudo da obra Felizmente
Há Luar! de Luís de Sttau Monteiro.
A obra Felizmente Há Luar! de Luís de Sttau Monteiro, que retrata a
situação de Portugal nos alvores da revolução liberal de 1820, pode ser
interpretada como uma metáfora política do país durante os anos 60.
Partindo dos factos históricos e de personagens que tiveram um
papel de relevo nesses acontecimentos da vida política do país no século
XIX, o autor denuncia o regime ditatorial do Estado Novo. Aliás, esta crítica
não passou despercebida à censura, que rapidamente apreendeu a obra,
proibindo sempre a sua encenação.
Se o texto de Sttau Monteiro pode ser visto como intemporal, na
medida em que mostra a necessidade de o homem ser um agente
transformador da sociedade que não pode acomodar-se a situações de
injustiça e de repressão, por outro lado, é certo que esta obra, actualmente,
não terá a mesma “eficácia didáctica”, como afirma José Oliveira Barata,
uma vez que os factos referidos remetem para um contexto histórico muito
situado no tempo.
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 3
As profundas transformações que a sociedade portuguesa sofreu nas
últimas décadas obrigam o leitor/espectador dos nosso dias a munir-se de
referentes históricos, culturais e sociais sem os quais a compreensão da
mensagem pode sair coarctada.
2. Biografia do Autor
Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro, nasce a 3 de Abril de 1926,
em Lisboa, e morre a 23 de Julho de 1993, em Lisboa. Foi dramaturgo,
ficcionista, encenador e romancista, formou-se em Direito (exercendo a
advocacia por pouco tempo), mas optou pelo jornalismo. De descendência
espanhola, viveu, durante a juventude, em Inglaterra, o que lhe facilitou o
contacto com movimentos de vanguarda da literatura anglo-saxónica e que
foram fundamentais na sua formação intelectual.
Nos anos 70 do século XX, Sttau Monteiro trabalhou como jornalista,
tendo colaborado com o Diário de Notícias e com o Expresso e, na década
seguinte, colaborou como guionista de uma novela televisiva.
Iniciou a sua carreira literária com a narrativa Um Homem Não
Chora, obra saudada como uma revelação da ficção portuguesa
contemporânea, a que se seguiu um romance de grande êxito, Angústia
para o Jantar.
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 4
Situado na geração neorrealista, foi sobretudo pela sua obra
dramática que viria a ser reconhecido, recebendo com Felizmente Há
Luar!, em 1962, o Grande Prémio de Teatro da Associação Portuguesa de
Escritores. Essa peça histórica, que recorda a revolta do general Gomes
Freire de Andrade, foi proibida pela censura tendo sido representada no
nosso país apenas em 1978.
As suas sátiras sobre a ditadura e a guerra colonial tornaram-no
objeto de perseguição política, chegando a ser preso pela Pide após a
publicação das peças de teatro A Guerra Santa e A Estátua.
Homem essencialmente de teatro, Sttau Monteiro foi ainda autor de
uma adaptação da novela O Barão, de Branquinho da Fonseca, e de várias
traduções de autores dramáticos como Shakespeare ou Ibsen.
3. Bibliografia do Autor
De espírito disperso, mas combativo e com uma enorme capacidade
imaginativa, dedica-se à escrita, primeiro como jornalista – na revista
Almanaque – em actividades publicitárias,mais tarde como romancista e
drmaturgo.
Em 1960, incentivado pelo seu amigo José cardoso Pires, publica a
sua primeira obra Um Homem não chora, a que se seguiu Angústia para o
Jantar, em 1961, obras denunciadoras dos comportamentos típicos da
burguesia do seu tempo e onde é já visível o seu humor mordaz.
Em 1961, publica Felizmente Há Luar!, sempre estimulado pelos
seus amigos do meui literário e artístico (José Cardoso Pires, augusto
Abelaira, Alexandre O’Neill, José Cutileiro, Vasco Pulido Valente, Batista-
Bastos, João Abel Manta, Nikias Skapinakis).
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 5
Declaradamente opositor ao regime fascista e sempre defensor da
liberdade, sai de Portugal entre 1962 e 1967, continuando, no entanto, a
escrever de forma compulsiva e sempre satirizando a ditadura portuguesa
e a sua acção política. Todos os anos, pela Primavera (1963), O Barão
(1965), Auto da Barca do Motor Fora de Borda (1966) e Duas Peças em um
Acto – A Guerra e A Estátua (1967) continuaram a dar-lhe problemas com a
censura, tendo mesmo Luís Sttau Monteiro voltado à prisão.
Como jornalista e já ligado ao Diário de Lisboa, que dirige até 1979,
escreve as Redacções da Guidinha, no suplemento A Mosca.
Em 1968, publica a obra As Mãos de Abraão Zacut, a sua primeira
peça levada a cena, em 1969, no Teatro-Estúdio de Lisboa.
Em 1971, publicou Sua Excelência e é já reconhecida a sua
importância no panorama literário e sobretudo teatral de Portugal.
4. Características do Texto Dramático
Tratando esta sequência do estudo de um texto dramático, alguns
aspectos devem ser considerados, embora de uma forma muito breve.
O texto dramático é entendido como aquele que se integra na forma
literária do drama e implica uma comunicação direta das personagens
entre si e com os recetores do enunciado. Serve, com frequência, o teatro,
que tem como objetivo específico a representação e o espetáculo. Por isso o
texto teatral obriga à concentração dos elementos essenciais do texto
dramático em linhas de força que garantam um ritmo vivo e uma
progressão capaz de prender a atenção do espectador. O teatro permite
uma comunicação específica entre autor, ator e público; entre as
personagens da obra; entre o placo e a plateia. O conflito ou o drama
oferece-se à contemplação do espectador.
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 6
O texto dramático distingue-se da sua transformação em teatro como
espetáculo (representação). A representação é o ato de apresentar ao
espectador uma ação fictícia. E enquanto a narrativa permite que o
narrador transmita uma certa história ou ação, a representação teatral
presentifica a mesma história através do cenário, da luz, do som, das
atitudes, dos gestos, das palavras, entre outras.
Ou seja, nesta arte directa que é o teatro, aparece a sociedade
recriada em arte diante dos olhos do espectador que, assim, desfruta do
espectáculo resultante da leitura/interpretação do encenador e dos actores
e que é apenas isso – uma leitura possível entre outras (e nem sempre
coincidente com a do autor do texto).
Na sua dupla função – função lúdica e função catártica – o texto
dramático contribui de forma extraordinária para o enrequecimento
cultural da sociedade, veiculando mensagens, valores universais, moldando
caracteres, fazendo agir.
5. Influência Brechtiana
Felizmente Há Luar! é um texto que sofre influências da concepção
dramatúrgica de Brecht, uma vez que pretende levar o leitor/espectador a
pensar sobre o que vê e ouve. Aquilo que é apresentado deve suscitar-lhe
uma tomada de posição.
Para este dramaturgo alemão (1898-1956), o teatro tem um papel
decisivo no processo de transformação da sociedade.
Ele designa por teatro épico o tipo de texto que valoriza a narração e
que recusa a ilusão. Para atingir esse objectivo, socorre-se do efeito de
distanciação. O actor nunca deve abandonar a atitude do narrador e deve
manter uma certa distância emocional em relação à personagem que
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 7
encarna. A sua função é apenas a de apresentar os acontecimentos ao
público, a quem cabe assumir uma atitude activa na representação teatral.
O leitor/espectador é testemunha do que lhe é narrado. A
personagem que o acto mostra deve ser encarada como uma terceira
pessoa. O actor “não deve transformar-se na personagem descrita”, como o
próprio Brecht afirma. Não se pretende, portanto, que haja uma simbiose
entre o actor e a personagem.
O actor tem de conseguir fazer com q eu o espectador se distancie
dos acontecimentos e das personagens, como um historiador que reage
racionalmente. O leitor/espectador não deve identificar-se com o que lhe é
apresentado, deve compreender que aquilo que está a assistir não pode
voltar a acontecer. Esta concepção não-aristotélica da arte dramática apela
a uma atitude crítica, estando-lhe subjacente uma intenção didática e
pedagógica.
Assim, pretende-se que o leitor/espectador compreenda que a
sociedade tem de mudar e que os factos apresentados funcionam como
uma fábula histórica ou parábola teatral: o exemplo do passado serve para
reflectir sobre o presente.
A encenação e o trabalho dos actores devem suscitar o espírito
crítico do público e a sua capacidade de avaliar o que é narrado.
Na senda do teatro brechtiano, este efeito de distinção, ou seja, esta
nova concepção de texto dramático, deve ser visto como um jogo entre o
texto, a música, a luz e os adereços.
De facto, em Felizmente Há Luar! esta intenção didáctica é
perfeitamente perceptível e o que na obra contribui para a criação daquilo
a que Sttau Monteiro apelidou de “apoteose trágica” está intimamente
relacionado com o carácter de determinadas personagens, com a sua
movimentação em cena, com alguns elementos simbólicos e com o cenário.
Quanto às personagens, é de destacar o carácter grandioso de
Matilde, que a faz suportar um sofrimento lancinante e a conduz a uma
evolução que culminará na tomada de consciência da importância da sua
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 8
luta. O grito final de Matilde, carregado de esperança, é um apelo à luta e
traduz a compreensão do seu novo papel agora que o general foi morto.
Também a personagem Gomes Freire de Andrade, pela nobreza do
seu carácter e pela grandeza do seu sacrifício, contribui para a criação
desse tom apoteótico, reforçado ainda pela forma como o seu destino
encerra os dois actos: primeiro, a sua prisão e, no final, a sua morte. É
assim que, ao longo do texto, esta figura, apesae de ausente fisicamente,
vai ganhando heroicidade. Gomes Freire é um herói que vai sendo
construído à medida que o poder o vai aniquilando.
Para adensar esta atmosfera apoteótica, coincidente com o final dos
actos, o autor joga com elementos simbólicos, com o som e com a luz. Por
isso, o rufar dos tambores, ameaçadores e que impoem o silencio; os sinos
a tocar o rebate, anunciando as prisões e acentuando o clima de medo; os
efeitos luminosos; a agitação das personagens; o clarão da fogueira e o luar
são elementos fundamentais para reiterar o ambiente épico de esta peça
está imbuída.
Também os grupos de populares que, na rua, manifestam o seu
desespero e que, amedrontados, fogem às autoridades, são uma forma de
sublinhar a intencionalidade do autor , que coloca estes aglomerados num
espaço despojado, de modo a que a atenção do pública não se disperse,
focalizando-se unicamente nas falas e gestos das personagens.
6. A Acção
Felizmente Há Luar!, recria em dois atos a tentativa frustrada de
revolta liberal de outubro de 1817, reprimida pelo poder absolutista do
regime de Beresford e Miguel Forjaz, com o apoio da Igreja. Ao mesmo
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 9
tempo, chama a atenção para as injustiças, a repressão e as perseguições
políticas no tempo de Salazar, nos anos 60 do século XX (tempo de escrita).
A ação na obra, centra-se na figura do general Gomes Freire de
Andrade e da sua execução: da prisão à fogueira, com descrições da
perseguição dos governos do Reino, da revolta desesperada e impotente da
sua esposa e da resignação do povo que a “miséria, o medo e a ignorância”
dominam. Gomes Freire de Andrade “está sempre presente embora nunca
apareça” e, mesmo ausente, condiciona a estrutura interna da peça e o
comportamento de todas as outras personagens.
A defesa da liberdade e da justiça, atitude de rebeldia, constitui a
hybris (desafio) desta tragédia. Como consequência, a prisão dos
conspiradores provocará o sofrimento (pathos) das personagens e
despertará a compaixão do espectador.
O crescendo trágico, representado pelas diversas tentativas
desesperadas para obter o perdão, acabará, em clímax, com a execução
pública do general e dos restantes presos.
Este desfecho trágico conduz a uma reflexão purificadora (cathársis)
que os opressores pretendiam dissuasora, mas que despertou os oprimidos
para os valores da liberdade e da justiça.
7. O Espaço (Físico, Social e Psicológico)
7.1. Espaço Físico
Com algumas referências a espaços físicos concretos da cidade
de Lisboa como cenário do desenrolar da acção e moviementação das
personagens, o autor confere ao texto Felizmente Há Luar! maior
verosimilhança.
Constata-se, assim, a referência a espaços como: Campo de
Ourique, Cais do Sodré, Rato, S. Julião da Barra e Campo de
Sant’Ana.
No entanto, o espaço físico não e essencial para o desenrolar
da acção. Aliás, as suas poucas referências permitem ao
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 10
leitor/espectador perceber que a acção de Felizmente Há Luar!
ocorre em Lisboa, mas poderia ocorrer em qualquer outro lugar,
sendo a tónica o facto de se querer mudar algum acontecimento num
tempo preciso – um hoje ou amanhã por analogia a um ontem.
Convém, contudo, salientar que se trata essencialmente de um
espaço exterior, a rua.
O espaço interior é aquele onde se definem os contornos da
actuação do poder (é, portanto, o seu espaço) e é perceptível apenas
pelas características cénicas. Tal como o espaço da prisão, na
referência ao Forte de S. Julião da Barra, local onde o general Gomes
Freire de andrade foi preso e onde permaneceu, em condições pouco
dignas, até morrer. É a esse espaço interior que acorrem os delatores
e, mais tarde, Matilde a quem é recusada a entrada.
É, ainda, de referir que quando Matilde aparece em cen pela
primeira vez, se encontra em casa, “para os lados do Rato”, e é nesse
espaço que se movimenta subjugada pelo sofrimento e falando
sozinha.
Há, ainda, um outro espaço mais do que referido é sugerido.
Trata-se, supostamente, da Igreja onde o Principal Sousa recebe
Matilde.
7.2. Espaço Social
É o espaço priviliegiado em Felizmente Há Luar!. É um espaço
marcado pelos contrastes entre o poder e o povo, povo esse que vive
nas ruas- espaço aberto, de liberdade, mas onde prevalece a miséria
e até a repressão da polícia sempre anunciada pelo rufo dos
tambores. É os espaço da cidade de Lisboa, cidade onde o
descontentamento é grande e onde a presença das fogueiras, que
relembram a acção do Santo Ofício, é constante. É, pois, o espaço da
opressão e da violência.
7.3. Espaço Psicológico
Trata-se de um espaço que se concentra na personagem de
Matilde de Melo e apenas perceptível quando esta presentifica as
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 11
suas vivências com Gomes Freire de Andrade: são memórias da sua
relação, da sua intimidade construída com base no amor e respeito
mútuos, vivências de uma felicidade que ela não quer acreditar que
tenha terminado, muito embora nos apareça como um passado.
8. Tempo da História
A acção desenrola-se no século XIX, mais especificamente em 1817,
época conturbada política e socialmente, e que antecede a Revolução
Liberal.
O rei D. João VI encontra-se no Brasil, para onde a Corte tinha ido na
sequência das Invasões Francesas.
Sente.se no país o descontentamento e a agitação social. O país,
marcado por profundas desigualdades, fruto de uma hierarquização forte
das classes, atravessava também uma grave crise económica. O povo vive
miseravelmente e o governo de Lisboa mostra-se incapaz de resolver esta
situação. A interferência britânica e a opressão do poder, agravam ainda
mais o descontentamento e um sentimento nacional antibritânico começa a
ganhar força.
Os governadores do Reino tentam, através da repressão e do medo,
pôr o fim a esta conjuntura.
Por esta ocasião, as sociedades secretas assumem um papel crucial,
pois polarizam o descontentamento social e político que alastrava por todo
o país.
O general Gomes Freire de Andrade, grão-mestre da Maçonaria,
constituía uma ameaça aos privilégios do Conselho de Regência, e, como
tal, é apontado como líder de um movimento conspirativo que prentendia
libertar o país do poder tirânico e do domínio inglês, e exigir o regresso do
rei a Lisboa.
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 12
9. Tempo da História
É o tempo que é verdadeiramente o objecto da intencionalidade do
autor – o final da década de 50 e o início de 60, época marcada pela
instabilidade e por alguma contestação social e política.
Portugal, país colonista há longas décadas, experimentava, por esta
altura, as primeiras manifestações de revolta nas colónias africanas,
impondo uma guerra que nada dizia aos jovens que eram obrigados a partir
para África para lutar em nome de um país passadista, de regime
totalitário. A esperança trazida pelas eleições de 1958, com a candidatura
do General Humberto Delgado e os ares de mudança pareceram animar a
sociedade portuguesa, mas rapidamente a ditadura, que não estava nada
interessada em perder o poder, controlou esta manifestação de desejo de
mudança.
O país miserável, rural, fechado ao resto do mundo e, por isso,
parado no tempo, que era Portugal, assim continuou. Uma sociedade
marcada pela intensa miséria e em que as perspectivas de melhores
condições de vida eram reduzidas, senão nulas, abriram as portas à
migração e muitos foram os que partiram, sobretudo para a Europa, na
tentativa de abraçarem as oportunidades que no país lhes eram negadas.
Não é, pois, de estranhar que alguns jovens tenham saído do país em busca
de uma outra vida, escapando até à questão do recrutamento militar.
Nesta alltura, a contestação no meio estudantil era já visível e a onda
de descontentamento crescia. A falta de liberdade de expressão e a
opressão cada vez mais evidente do poder político, agora a operar com um
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 13
polícia política – a PIDE – especialista em perseguir e torturar, deixaram
marcas incontornáveis na sociedade da época.
No entanto, a oposição ao regime existia e fazia-se através do Partido
Comunista Português que actuava clandestinamente e ia mantendo
nalgumas cidades europeias, nomeadamente Paris, ligações importantes
com os exilados políticos.
Aqueles que ousavam manifestar o eu descontentamento iam sendo
controlados e feitos prisioneiros, o mesmo acontecendo àqueles que,
através da sua arte (literatura, música, artes plásticas, teatro,…) tentaram
apontar o dedo ao regime.
Enganar a censura tornou-se uma arte desenvolvida entre os
diferentes artistas portugueses desta época que laboriosamente tentavam
comunicar, criando uma linguagem de subentendidos, metafórica.
Todo este clima de opressão e suspeição é acentuado pela forte
ligação do regime político à Igreja, o que tornava a sociedade portuguesa
ainda mais tradicional e controlada.
Felizmente Há Luar! surge, então, neste contexto sem contudo ter,
como diz o próprio autor, um “intuito político imediato”. Tornou-se, no
entanto, e muito rapidamente, um êxito logo censurado pelo regime
salazarista.
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 14
10. Paralelo entre o Tempo da História e o Tempo da Escrita
Felizmente Há Luar!, tem como cenário o ambiente político dos
inícios do século XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada pelo general
Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João
VI e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e
reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à
pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir.
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 15
Luís de Sttau Monteiro marca uma posição, pelo conteúdo
fortemente ideológico, e denúncia a opressão vivida na época em que
escreveu a obra (1961), precisamente sob a ditadura de Salazar.
O recurso à distanciação história e à descrição das injustiças
praticadas no início do século XIX em que decorre a ação permitiu-lhe,
assim, colocar também em destaque as injustiças do seu tempo e a
necessidade de lutar pela liberdade.
Em Felizmente Há Luar!, podemos, neste paralelismo entre duas
épocas, observar:
Tempo da História
Século XIX - 1817
Tempo da Escrita
Século XX – 1961
Agitação social que levou à revolta liberal de 1820 – conspirações internas; revolta contra a presença da Corte no Brasil e a influência do exército britânico;
Agitação social dos anos 60 –conspirações internas; principal irrupção da guerra colonial;
Regime absolutista e tirânico; Regime ditatorial de Salazar; Classes sociais fortemente
hierarquizadas; Classes dominantes com medo de
perder privilégios;
Maior desigualdade entre abastados e pobres;
Classes exportadoras, com reforço do seu poder;
Povo oprimido e resignado; A “miséria, o medo e a
ignorância”; Obscurantismo, mas “felizmente
há luar”;
Povo reprimido e explorado; Miséria, medo e analfabetismo; Obscurantismo, mas crença nas
mudanças;
Luta contra a opressão do regime absolutista;
Manuel, “o mais consciente dos populares”, denuncia a opressão e a miséria.
Luta contra o regime totalitário e ditatorial;
Agitação social e política com militantes antifascistas a protestarem;
Perseguições dos agentes de Beresford;
As denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento que, hipócritas e sem escrúpulos, denunciam;
Censura à imprensa;
Perseguição da PIDE; Denúncias dos chamados “bufos”,
que surgem na sombra e se disfarçam, para colher informações e denunciar;
Censura;
Severa repressão dos conspiradores;
Processos sumários e pena de morte;
Prisão e duras medidas de repressão e de tortura;
Condenação em processos sem provas;
Execução do general Gomes Freire, em 1817;
Posterior a “Felizmente Há Luar!” – Execução do general Humberto
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 16
Delgado em 1965.
Em Felizmente Há Luar!, percebe-se, facilmente, que a história serve
de pretexto para uma reflexão sobre os anos 60, do século XX. Sttau
Monteiro, também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação
portuguesa, durante o regime de Salazar, interpretando as condições
históricas que anos mais tarde contribuíram para a “Revolução dos
Cravos”, a 25 de abril de 1974. Tal como a agitação e conspiração de 1817,
em vez de desaparecer com medo dos opressores, permitiu o triunfo do
liberalismo em 1836, após uma guerra civil, também a oposição ao regime
vigente nos anos 60, em vez de ceder perante a ameaça e a repressão,
resistiu e levou à implantação da democracia.
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 17
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 18
11. Resumo da Obra
11.1. Acto I
A acção começa com um grupo de populares que manifestam o
seu descontentamento, nas ruas de Lisboa, denunciando a miséria
que os assola. Do grupo, destacam-se Manuel, Rita, Vicente e o
Antigo Soldado. Através da sua conversa pode constatar-se o seu
desespero, bem como a consciência da sua impotência para mudar a
situação em que vivem.
Ao ouvirem ao longe o som dos tambores, começam a falar de
Gomes Freire, considerando-o como a única pessoa capaz de os
libertar da opressão do regime vigente, aqui representado pelo
Conselho de Regência: D. Miguel Forjaz, o representante da nobreza;
Principal Sousa, representante da Igreja; Beresford, representante
das forças protectoras inglesas.
O grande respeito pela figura do generak Gomes Freire, bem
com9o a esperança que nele depositam, são bem evidentes em todos
os populares, excepto em Vicente, que revoltado com a sua condição,
ataca o general, dixendo ser este igual a todos os outros poderosos
que nunca se preocupam com o povo. Hipócrita e sem escrúpulos,
alia-se aos poderosos a troco de uma recompensa (cargo de chefe da
polícia), não hesitando em denegrir a imagem de Gomes Freire,
fornecendo informações sobre uma alegada conspiração contra o
poder.
Igualmente delatores e acusadores da duposta conjura são
Andrade Corvo e Morais Sarmento, oficiais medíocres, mas
ambiciosos, que não se importam de mostrar o seu “patriotismo” e
contribuir para a condenação do general, que acaba por ser preso e
posteriormente executado. Para d. Miguel Forjaz, Gomes Freire é um
problema pelas ideias liberais que defende e por ser idolatrado pelo
povo; para Baresford, o general é um problema, pois +e um
excelente militar, muito querido junto dos soldados e, por isso,
poderia pôr em risco o seu papel de organizador e comandante do
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 19
exército português; para o Principal Sousa é um problema, uma vez
que defende ideias modernas da Maçonaria, sendo, deste modo, um
“inimigo de Deus”.
11.2. Acto II
Este acto começa igualmente com os populares como pano de
fundo e, à imagem do acto I, Manuel destaca-se, manifestando o seu
desespero – à situação de miséria denunciada no início da peça,
acrescenta, agora, a falta de esperança motivada pela acusação do
general Gomes Freire de Andrade e consequente prisão no Forte de
S. Julião da Barra.
Neste acto, Rita, mulher de Manuel, mostra-se solidária com
Matilde que aparece desesperada em busca do apoio, após a
detenção do seu marido. Rita mostra-se igualmente preocupada com
o que possa acontecer a Manuel e dá-lhe conselhos.
Mais uma vez, os polícias aparecem a exercer a sua autoridade
como os defensores da ordem pública, dispersando o povo.
Ao entrar em palco, num monólogo, Matilde de Melo, “a
companheira de todas as horas”, demonstra estar transtornada pelos
acontecimentos vividos e com ironia defende ideias diferentes (que
vão contra a sua própria consciência) das que caracterizam quer o
general quer ela própria.
António de Sousa Falcão, “o inseparável amigo”, aparece para
apoiar Matilde e ambos tentam, por todos os meios, evitar o que já se
apresentava como inecitável – a execução do general. É através das
falas de Matilde que são denunciados os vícios do poder totalitário
defendido pelo Conselho de Regência. As arbitrariedades do poder
político, do poder judicial e mesmo do poder religioso são
evidenciadas emotiva e fortemente por esta figura feminina que
domina todo o acto II.
É também esta personagem quem denuncia a passividade dos
Populares, que apenas conseguem demonstrar o seu
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 20
descontentamento, pois encontram-se completamente neutralizados
pela ignorância, miséria e falta de liberdade geradas pela repressão
do regime.
Neste acto, onde o antipoder é uma realidade, aparece, ainda,
com a personagem Frei Diogo de Melo, a voz dos padres que não
aceitam o colaboracionismo da Igreja e que erguem a sua voz em
defesa dos justos. É ele quem dá notícias do general a Matilde, não
deixando de o elogiar.
O acto II termina de uma forma apoteótica: Matilde, depois de
aparentar algum descontrolo emocional (fala com Gomes Freire como
se estivesse diante dele, parece tocar-lhe fazendo gestos habituais
como o apertar dos botões da farda, depede-se dele), evidencia uma
enorme lucidez ao exaltar os valores da liberdade e ao incentivar à
luta.
12. Características da Obra
Personagens psicologicamente densas e vivas;
Comentários irónicos e mordazes;
Denúncia da hipocrisia da sociedade;
Defesa intransigente da justiça social;
Teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade,
procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para
levar o espectador a reagir criticamente e a tomar uma posição;
Intemporalidade da peça remete-nos para a luta do ser humano
contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as
formas de perseguição;
Preocupação com o homem e o seu destino;
Luta contra a miséria e a alienação;
Denúncia a ausência de moral;
Alerta para a necessidade de uma superação com o surgimento de
uma sociedade solidária que permitia a verdadeira realização do
homem.
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 21
13. Personagens
Gomes Freire de Andrade – figura carismática, acredita na justiça
e luta pela liberdade. Considerado um “estrangeirado”, revela-se
simpatizante das novas ideias liberais, tornando-se para os governantes um
elemento perturbador e perigoso. O povo elege-o como símbolo da luta pela
liberdade, o que é incómodo para os “reis do Rossio”.
D. Miguel Forjaz – primo de Gomes Freire, prepotente, assustado
com transformações que não deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio,
desumano e calculista.
Principal Sousa – fanático, corrompido pelo poder eclesiástico e
odeia os Franceses.
Beresford – poderoso, mercenário, interesseiro, calculista, trocista e
sarcástico.
Vicente – manipulador, sarcástico, falso humanitarista, movido pelo
interesse da recompensa material, adulador no momento oportuno,
hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado, capaz de recorrer à
traição para ser promovido socialmente.
Manuel – Assume algum protagonismo por dar início aos dois atos,
com as mesmas indicações cénicas: a mesma posição em cena, como única
personagem intensamente iluminada. Denuncia a opressão a que o povo
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 22
tem estado sujeito e a incapacidade de conseguir a libertação e de sair da
miséria em que se encontra.
Sousa Falcão – sofre junto de Matilde perante a condenação do
general. Assume as mesmas ideias de justiça e de liberdade, mas não teve a
coragem do general.
Matilde de Melo – corajosa. Exprime romanticamente o amor; reage
violentamente perante o ódio e as injustiças; afirma o valor da sinceridade;
desmascara o interesse, a hipocrisia. Ora desanima, ora se enfurece, ora se
revolta, mas luta sempre.
14. Universo Simbólico
Os símbolos adquirem em Felizmente Há Luar! uma dimensão
fundamental para a compreensão da mensagem. Eles ajudam a decifrar
sentidos implícitos, contribuem para descobrir o sentido global do texto, as
intenções do autor e permitem a construção de novos caminhos
interpretativos. Decifrar a linguagem simbólica é um desafio para o leitor,
mas também um estímulo à leitura.
Os elementos que na obra adquirem uma carga simbólica mais rica
são a saia verde; o título e os elementos que lhe estão associados: a lua e a
noite, a fogueira e o lume; a moeda de cinco réis e os tambores.
A Moeda de cinco réis:
A miséria do povo, a esmola;
O compromisso que o povo tem para com o General;
É como uma medalha de honra para Matilde;
É símbolo da fé que o povo tem no General;
Mostra que povo não luta porque não pode;
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 23
A traição da igreja (à semelhança de Judas, a igreja vende-
se em nome do dinheiro e do poder).
A Fogueira:
Por D. Miguel:
Símbolo de purificação, limpeza;
Quem não está connosco, está contra nós, é preciso afastar;
Semelhança com a Santa Inquisição.
Por Matilde e Sousa Falcão:
Profecia de mudança;
Purificação, redenção, chama da esperança;
Renascimento, advento.
A Saia Verde:
Em vida:
Esperança;
Liberdade - Paris, Revolução Francesa;
Pureza, Inocência - neve branca;
Após a Morte:
A alegria do reencontro;
A esperança de que a morte do General não seja em vão;
A esperança da mudança.
O Título
Por D. Miguel:
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 24
“Felizmente há luar” para se verem melhor as execuções e
para que o medo conseguido seja maior a abranja mais
pessoas;
A Lua: monotonia, falta de liberdade de ação e expressão;
Tal como a lua, os regimes déspotas só sobrevivem se os
mais fortes estiverem controlados. Brilham com a luz dos
outros.
Por Matilde:
O luar permite que mais gente veja a fogueira, mais gente
vença o medo, mais gente se revolte e se una para mudar;
O luar aumenta a amplitude da purificação. Mais irão
percorrer em direção à luz, à liberdade, ao conhecimento, à
justiça, à democracia.
Os Tambores
Criadores de tensão dramática;
Prenúncio de tragédia;
Exercem um fascínio sobre a população.
15. Elementos Paratextuais
15.1. Didascálias
As didascálias (ou indicações cénicas) são texto secundário que
serve de suporte ao texto dramático (fala de personagens). As
didascálias que encontramos entre parenteses dão-nos indicações
sobre a expressão corporal da personagem, os seus sentimentos e
emoções, o seu movimento em palco, a entrada e saída. Também
indicam os destinatários dos atos de fala, o tom de voz, as mudanças
de luz, o som. As didascálias laterais acompanham as palavras das
personagens e ajudam à sua caracterização, esclarecendo a forma
como falam, revelando as intenções do que está a ser dito, para que
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 25
as palavras sejam bem interpretadas (sobretudo pelo leitor). A peça é
rica de marcações com referências concretas (sarcasmo, ironia,
escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, entre outras).
15.2. Linguagem
Natural, viva e maleável, utilizada como marca
caracterizadora e individualizadora de algumas das
personagens;
Uso de frases em latim, como conotação irónica, por
aparecerem aquando da condenação e execução;
Frases incompletas por hesitação ou interrupção;
Marcas características do discurso oral;
Recurso frequente à ironia e ao sarcasmo.
16. Conclusão
Na obra Felizmente Há Luar! de Luís de Sttau Monteiro, trata-se de
uma obra muito datada que, no entanto, aponta para a defesa de valores
comuns a todos os homens e em todos os tempos. É o caso da defesa da
liberdade, da rejeição da injustiça, da valorização da solidariedade, do
elogio da dignidade, do repúdio da servidão.
Assim, podemos considerar que Felizmente Há Luar!, apesar de ter
perdido alguma “eficácia didáctica imediata”, é uma obra universal e
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 26
intemporal, pois mantém pertinentes e actuais muitos dos temas que lhe
estão subjacentes.
Neste sentido, e, para além, obviamente, do seu valor literário, a sua
leitura por jovens em plena formação parece inteiramente pertinente.
17. Bibliografia
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 27
Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro Página 28