fernando pessoa e heterônimos: uma proposta intertextual para o ensino médio
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UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES
FELIPE DE SOUZA COSTA
MARIA CLAUDIA SANTANA DE AZEVEDO
FERNANDO PESSOA E HETERÔNIMOS: UMA PROPOSTA
INTERTEXTUAL PARA O ENSINO MÉDIO.
Mogi das Cruzes, SP 2008
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UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES
FELIPE DE SOUZA COSTA
MARIA CLAUDIA SANTANA DE AZEVEDO
FERNANDO PESSOA E HETERÔNIMOS: UMA PROPOSTA
INTERTEXTUAL PARA O ENSINO MÉDIO.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Licenciatura em Letras - Português/Inglês e respectivas literaturas da Universidade de Mogi das Cruzes como parte dos requisitos para a conclusão do curso.
Profº Orientador: Anderson da Cruz Zaneti
Mogi das Cruzes, SP 2008
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RESUMO
Este trabalho apresenta uma proposta intertextual para o ensino de literatura,
utilizando como ferramentas diálogos travados entre textos contemporâneos e os
poemas de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. Tem como
objetivo propiciar condições para que os alunos do Ensino Médio adquiram o hábito
prazeroso da leitura, através de uma análise crítica e reflexiva dos conteúdos
propostos e, conseqüentemente, a sua conscientização como agente participativo na
sociedade. Assume a relevância o fato de que a leitura de poemas tem sido
secundarizada no ensino da referida disciplina, o que não assegura ao aluno um
direito que lhe é garantido: apropriar-se totalmente do bem simbólico que é a
literatura. Foi desenvolvido por alunos do curso de Letras – Licenciatura Plena em
Português/Inglês e respectivas Literaturas, da Universidade de Mogi das Cruzes.
Espera-se que os educandos, ao final desta Seqüência, consigam perceber as
diversas leituras que podem ser feitas de poesia e outros gêneros, bem como
relacioná-los de forma reflexiva.
Palavras-chave: Ensino de literatura; Ensino dialógico de literatura; Literatura
no Ensino Médio.
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ABSTRACT
This work presents an intertextual proposal to teach literature, using some
tools like dialogs establishing relations with contemporary texts and poems of
Fernando Pessoa, Alberto Caeiro and Álvaro de Campos. The aim is to create
conditions to high school students acquire the pleasant habit of reading, through a
critical and reflexive analysis of the proposed content and, consequently, their
awareness like a historical and participant agent in the society. It takes over the
relevance because the reading of poems has been seen from many years as
secondary importance, which doesn‘t guarantee a student‘s right: to appropriate of a
symbolic right that is the literature. It has been developed by the students of
Language and Literature, tracks Portuguese and English and its literatures, from the
University of Mogi das Cruzes. We wish the students, in the end of this Sequence,
can perceive the differents ways of reading that can be did with others genres, as
well as relate them reflexively.
Key words: Literature teaching; Dialogic Literature Teaching ; Literature in the
high school.
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AGRADECIMENTOS
Agradecemos, primeiramente, a Deus por nos sustentar e permitir que chegássemos
até aqui.
Ao Programa Universidade para Todos (PROUNI) e seus idealizadores, já que
ambos somos bolsistas e foi por meio dele que alcançamos mais um degrau em
nossa caminhada acadêmica.
À Universidade de Mogi das Cruzes, por abraçar o referido programa com afinco e
responsabilidade.
Ao nosso professor Orientador Anderson da Cruz Zaneti, pela compreensão e apoio.
Aos nossos familiares, motivadores constantes e responsáveis pela formação.
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―Ao ler este texto, muitos educadores poderão perguntar
onde está a literatura, a gramática, a produção do texto
escrito, as normas. Os conteúdos tradicionais foram
incorporados por uma perspectiva maior, que é a
linguagem, entendida como espaço dialógico, em que os
locutores se comunicam.‖ (PCN, 2002, p. 144).
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1
Apresentação ......................................................................................................... 1
Justificativa ......................................................................................................... 2
Público-Alvo ...................................................................................................... 3
Objetivo Geral ................................................................................................... 3
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................... 4
DISCUSSÃO........................................................................................................... 10
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 20
ANEXOS ................................................................................................................ 22
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INTRODUÇÃO
Apresentação
O ensino de literatura tem passado por verdadeiras mudanças, metodologias
diversas aplicadas em instituições de ensino têm buscado suprir uma necessidade
histórica do povo brasileiro: o hábito da leitura. É bem verdade que pensar em
literatura é muito mais do que tentar incutir nos educandos um ―hábito‖, ler é o ponto
de partida para a fruição de um prazer, que quando aproveitado de forma adequada
e bem trabalhada reflete diretamente em mudanças de atitudes, quebra de
paradigmas e rompimento do senso comum.
Todas essas transformações contribuem para a formação de um cidadão
consciente de seus direitos e deveres, tarefa difícil nos dias atuais. Haja vista que as
condições impostas à educação formal, verdadeiramente, dificultam esse processo.
Pensando em poesia, a situação recebe um maior agravo. Por ser um gênero
aparentemente complexo, muitas pessoas desistem após a primeira leitura. Falta a
interpretação, o entendimento se torna esparso, dificultoso, nebuloso... Transportar
essa competência para uma comunidade de poucos leitores é um desafio.
Embora a obra de Fernando Pessoa propicie espaço suficiente para a
introdução dessa prática, requer daqueles que aceitam o desafio um trabalho árduo,
de modo que se possa, ao mesmo tempo, sistematizá-lo e aproximá-lo de uma
realidade muito distante.
O universo musical e os diversos gêneros que circulam na sociedade serão a
ponte que ligará o processo poético à realidade dos alunos, auxiliará singularmente,
para que eles possam se sentirem identificados e, a partir dela, chegar ao objetivo
proposto nesta seqüência de aulas.
Esta Seqüência tem por finalidade a prática e instrumentalização de
ferramentas que possibilitem aos professores em formação a aquisição de
conhecimentos práticos aliados aos teóricos abordados nas aulas de Literatura
Portuguesa do curso de Licenciatura Plena em Letras da Universidade de Mogi das
Cruzes, objetivando a reflexão da prática da leitura de poemas no Ensino Médio.
Tem como uma das principais fundamentações teóricas as Orientações
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, fazendo especial referência ao
desenvolvimento da intertextualidade entre os poemas de Fernando Pessoa e,
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principalmente, a música. Serão considerados aqui seus trabalhos produzidos no
âmbito hortonímico e heteronímico. A presente Seqüência, por sua vez, também
será utilizada pelos seus autores como entrega parcial do Trabalho de Conclusão de
Curso.
Justificativa
A presente Seqüência Didática justifica-se pela relevância temática que
assume ao colocar em voga a situação da leitura de poemas nos dias atuais, em
especial no âmbito escolar, pois objetiva solucionar essa problemática nas aulas de
literatura do ensino médio.
Partindo do pressuposto de que a aplicação destas se dará numa instituição
de ensino público, podemos refletir acerca da importância social que ela abarca, pois
sabemos que a leitura deste gênero em locais menos favorecidos é quase nula,
dada a sua necessidade de maior atenção e por que não dizer de conhecimento
cultural erudito, com o qual muitas vezes está associado a leitura de poesia.
Ainda meditando sobre essa questão podemos nos alicerçar no que as
Orientações Curriculares Nacionais afirmam em torno desse mote:
Cabe aqui um parêntese relativamente à leitura da poesia. Sabe-se que ela
tem sido sistematicamente relegada a um plano secundário. Muito já se
falou sobre a dificuldade de lidar com o abstrato, com o inacabado, com a
ambigüidade, características intrínsecas do discurso poético, que tem
tornado a leitura de poemas rarefeita nas mediações escolares com sua
tradicional perspectiva centrada na resposta unívoca exemplar e na
inequívoca intenção autoral. (MEC, 2006, p. 74)
A justificativa poder-se-ia resumir no seguinte trecho: ―Sabe-se que ela [a
poesia] tem sido sistematicamente relegada a um plano secundário‖, pois por ser um
gênero mais complexo não podemos excluir do aluno o direito que lhe é garantido.
Talvez, a secundarização ocorra pela precária formação dos profissionais da
educação, visto que por demandar maior critério, a poesia precisa ser mais
analisada, do que qualquer outro texto pronto dos livros didáticos.
É conhecido de todos, também, que uma das principais preocupações das
instituições educacionais é criar condições para que os educandos se tornem
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cidadãos críticos, conscientes e sujeitos de sua própria história. Pode-se dizer que o
trabalho com a poesia auxilia na reflexão, humanização e, conseqüentemente, a
alcançar esse objetivo, pois ―Por extensão, podemos pensar em letramento literário
como estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama,
mas dele se apropria efetivamente por meio da experiência estética, fruindo-o‖.
(MEC, 2006, p.55)
Percebemos que o público-alvo, a quem se destinam essas dez aulas, passa
por uma carência na prática de leitura de poesia dentro e fora do âmbito escolar,
reforçando dessa forma a responsabilidade da escola e daqueles que dela fazem
parte.
A literatura é um bem simbólico do qual o aluno deve se apropriar e, para
tanto, faz-se necessário a adequação na escolha dos textos ao nível de escolaridade
dos leitores em formação, e é justamente o que se propõe nesta Seqüência, pois a
aproximação entre textos remotos com os atuais visa a uma leitura proficiente e
prazerosa:
Configurada como bem simbólico de que se deve apropriar, a Literatura
como conteúdo curricular ganha contornos distintos conforme o nível de
escolaridade dos leitores em formação. As diferenças decorrem de vários
fatores ligados não somente à produção literária e à circulação de livros que
orientam os modos de apropriação dos leitores, mas também à identidade
do segmento da escolaridade construída historicamente e seus objetivos de
formação. (MEC, 2006, p. 61)
Retomando as afirmações expostas nesta justificativa, podemos concluir que
a Seqüência de Aulas em questão está em consonância com as Orientações
Nacionais e com importantes teóricos que propõem um ensino dialógico e sócio-
interacionista de Linguagem e Literatura, pois proporciona possibilidades para que o
aluno construa o conhecimento de modo social e assimilando canônicos com
gêneros que circulam em seu contexto atual.
Público-Alvo: 3ª Série do Ensino Médio.
Objetivo Geral
Criar condições para que os alunos do Ensino Médio adquiram o hábito
prazeroso, crítico, analítico e intertextual da leitura de poemas, visando sempre à
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formação do leitor competente, para que através desta prática possa desenvolver,
além dos conhecimentos acadêmico-científicos em Literatura, chegar,
conseqüentemente, a um senso crítico, reflexivo e à conscientização de sua
importância como agente histórico na sociedade.
É preciso, contudo, conduzi-los de forma eloqüente, buscando sempre situá-
los numa posição em que sejam capazes de compreender o real sentido do prazer
literário: ―A poesia é indispensável. Se ao menos soubesse para quê...‖ (MEC, 2006,
p. 52 apud FISCHER, 1966). Faz-se necessário mostrar aos educandos o ―por que‖
se deve ler poesia. Não basta dar explicações inúmeras oriundas de um status quo,
as quais eles estão cansados de ouvir. Deve-se agir, e as Orientações Curriculares,
inclusive, apontam meios para isso: A escola não precisa cobrir todos os estilos
literários. O professor pode, por exemplo, recortar na história autores e obras que ou
corresponderam com maestria à convenção ou estabeleceram rupturas; ambas
podem oferecer um conhecimento das mentalidades e das questões da época,
assim como propiciar prazer estético.
A partir desse recorte, ele pode planejar atividades de estudo das obras que
devem ser conduzidas segundo os seus recursos crítico-teóricos, amparado
pelo instrumental que acumulou ao longo de sua formação e também pelas
leituras que segue fazendo a título de formação contínua. (MEC, 2006, p.
79).
O recorte, do qual trata esta Seqüência de Aulas, dar-se-á através de um
recurso didático e, ao mesmo tempo, literário: a intertextualidade, visando a
aproximar o proposto a uma realidade circunstancial dos alunos em formação.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O projeto de ensino de literatura em questão tem como um de seus suportes
teóricos as Orientações Curriculares Nacionais, dentro de inúmeras argumentações
expostas neste documento. Tais orientações ressaltam o fato de que embora a
literatura seja um modo discursivo entre vários, o discurso literário difere-se dos
outros, porque de todos os modos discursivos é o menos pragmático, o que visa a
aplicações práticas, garantindo ao participante da leitura literária o exercício da
liberdade, favorecendo-lhe o desenvolvimento de um comportamento mais crítico e
menos preconceituoso diante do mundo.
Mais que propiciar o exercício da liberdade e a leitura proficiente, esta
Seqüência Didática, através da observância das Orientações Nacionais, propõe e
possibilita um dos principais objetivos do ensino de literatura que é o processo de
humanização do indivíduo e para melhor abordar esta questão consideramos
necessário citar palavras de Antônio Cândido no que se refere à literatura como fator
de humanização:
Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem
aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a
aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da
beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do
humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida
em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a
sociedade e o semelhante. (CÂNDIDO, 1995, p. 249).
De acordo com as Orientações Nacionais, para alcançar tais objetivos dentro
do ensino de literatura não se faz necessário sobrecarregar o educando com
informações sobre escolas literárias, épocas e estilos, o aluno deve ser levado para
além da memorização de movimentos literários, sendo estimulado a ampliar e
articular conhecimentos e competências.
Para cumprir com esses objetivos, entretanto, não se deve sobrecarregar o
aluno com informações sobre épocas, estilos, características de escolas
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literárias, etc., como até hoje tem ocorrido, apesar de os PCN,
principalmente o PCN+, alertarem para o caráter secundário de tais
conteúdos... (MEC, 2006, p.54).
Com base nesta explanação, o projeto em questão busca, por meio de sua
didática, propiciar condições para que o aluno adquira experiência literária, ou seja,
o contato efetivo com o texto, objetivando a sensação de ―estranhamento‖ em
relação aos temas propostos e posteriormente possibilidades de intertextualidade
com seu contexto, etapas necessárias para a ampliação dos conteúdos a serem
ministrados, dos já adquiridos e capacidade de reflexão crítica, elementos
fundamentais para a aquisição do letramento literário.
Tais experiências são vivenciadas nas atividades em que são consideradas
as idéias e discussões dos alunos, possibilitando troca de impressões acerca das
intertextualidades, admitindo a perspectiva de que um texto sempre permite mais de
uma interpretação e que cada leitor reage de forma diferente diante dele.
Parece, portanto, necessário motivá-los à leitura com atividades que tenham
para os jovens uma finalidade imediata e não necessariamente escolar (por
exemplo, que o aluno se reconheça como leitor, ou que veja nisso prazer,
que encontre espaço para compartilhar suas impressões de leitura com os
colegas e com os professores)... Ele lerá então porque se sentirá motivado
a fazer algo que deseja e, ao mesmo tempo, começará a construir um saber
sobre o próprio gênero, a levantar hipóteses de leitura, a perceber a
repetição e as limitações do que lê, os valores, as diferentes estratégias
narrativas (MEC, 2006, p.70,71).
A opção de utilizar músicas contemporâneas no desenvolvimento de algumas
atividades surgiu a partir da observância de que na época medieval, os trovadores
compunham seus textos poéticos, ou seja, as cantigas, para serem cantadas e
acompanhadas por instrumentos musicais. Porém com o advento de novas práticas
baseadas na estética humanista, os textos literários separaram-se da melodia,
resultando em dois textos distintos: o poema, gênero literário, e a canção, o gênero
letra musical. Esta Seqüência referente ao ensino de literatura também objetiva
comprovar a permanência da ―irmandade‖ entre poema e canção.
As Orientações Nacionais para o Ensino de Literatura sugerem a utilização de
músicas, filmes contemporâneos e outras modalidades como instrumento didático
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para o ensino desta. Encontram-se nos PCNs e OCNs explanações que ressaltam o
fato dessas modalidades e tantos outros tipos de produção, em prosa ou em verso
ser de importância significativa para o ensino da referida disciplina, seja por
transgredir, denunciar e principalmente por serem significativos dentro do contexto
dos alunos alertando para o fato de que as escolhas utilizadas pelos professores
devem ter suporte, revelando a qualidade estética.
Qualquer texto escrito, seja ele popular ou erudito, seja expressão de
grupos majoritários ou de minorias, contenha denúncias ou reafirme o status
quo, deve passar pelo mesmo crivo que se utiliza para os escritos
canônicos: Há ou não intencionalidade artística? A realização correspondeu
à intenção? Quais os recursos utilizados para tal? Qual seu significado
histórico-social? Proporciona ele o estranhamento, o prazer estético? (MEC,
2006, p.57)
Baseados nestas reflexões, a Seqüência Didática em questão visou à
intersecção de filmes e músicas contemporâneas no desenvolvimento de atividades
com o intuito de aproximar os poemas à realidade e ao interesse dos alunos, pois a
escolha de modalidades populares com relevante valor estético colabora na
identificação e empatia dos alunos em relação às obras eruditas, muitas vezes
consideradas inatingíveis para as classes menos favorecidas.
Podem propiciar aos alunos momentos voluntários para que leiam
coletivamente uma obra literária, assistam a um filme, leiam poemas de sua
autoria de preferência fora do ambiente de sala de aula: no pátio. Na sala
de vídeo, na biblioteca, no parque (PCN+, 2002, p.67).
Na busca de inserir-se numa postura teórica mais abrangente, esta Seqüência
de Aulas baseia-se na idéia defendida por Bakhtin (2000), de língua como atividade
social, histórica e cognitiva, e suas aplicações de ação e intervenção sobre o mundo.
A partir dessa hipótese sócio-interativa da língua, pode-se inferir que toda
comunicação verbal se realiza por meio de gêneros, fundamentando-se nesse
princípio básico, Marcuschi, que complementa e atualiza as idéias bakhtinianas,
considera os gêneros textuais como fenômenos históricos vinculados aos fatos
sociais e culturais.
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Em ―Ensino de Literatura: Uma proposta dialógica para o trabalho de
Literatura‖, o autor William Roberto Cereja apresenta aos leitores, após discorrer
sobre toda a problemática que envolve o ensino de literatura atualmente, três
propostas didáticas para potencializar o ensino da referida disciplina.
A primeira hipótese é ―organizar o curso em grandes unidades temáticas e, a
partir de cada uma delas, abrir um amplo leque de leituras, confrontando autores e
gêneros que de, alguma forma, contribuíram para referendar a importância do tema
em foco.‖ (CEREJA, p.162, 2005).
Pensar nessa opção nos faz alavancar algumas suposições que, a priori,
parecem se encaixar fidedignamente com a proposta desta Seqüência:
intertextualizar os poemas de Fernando Pessoa e o gênero música, pois podemos
entender a obra do poeta como uma “uma grande unidade temática”, haja vista que
ele por si só já dá conta de grande parte da literatura produzida em seu tempo.
A segunda é ―a organização do curso em torno dos gêneros literários. Nesse
caso, teríamos uma perspectiva evolutiva de gêneros da literatura, como o romance,
a novela, a epopéia, a crônica, a fábula, a tragédia, o drama, etc., cuja origem,
evolução e eventual extinção deveriam ser relacionadas com o contexto social e
cultural de cada um‖ (CEREJA, p.163, 2005). Essa proposta, embora consistente e
considerável, não abriria espaço para inclusão do gênero música, por exemplo,
como elemento norteador do trabalho em sala de aula, pois restringe a metodologia
aos ―gêneros literários‖, não podendo ser aceitos os ―gêneros do discurso‖.
A terceira e última diz respeito ―à forma que parte da contemporaneidade para
chegar às origens, tem a vantagem de se iniciar com textos cuja linguagem é familiar
ao aluno. Nesse caso, o aluno de 15 anos começaria a estudar literatura por textos
de autores contemporâneos, com linguagem e temas atuais; os textos mais
distantes no tempo, como os do Trovadorismo ou de Camões, seriam estudados na
3ª série do ensino médio, quando o aluno está mais preparado e amadurecido
intelectualmente.‖ (CEREJA, p.164, 2005) O fator que nos impede de tomá-la como
ponto de partida está justamente na não-concordância com o nosso público-alvo,
pois não iniciaremos o trabalho na primeira série do ensino médio, no qual os
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poemas de Fernando Pessoa, por fazer parte do Modernismo, teriam de ser um dos
primeiros a serem utilizados.
A intertextualidade deve ser observada como suporte para que se chegue a
um ponto determinado, nunca como substituinte daquilo que é priorizado: o texto
literário. Portanto, podemos encará-la como metodologia que nos auxiliará a criar um
ambiente favorável para a leitura de poemas. Partiremos de algo mais próximo da
vivência extra-escolar dos educandos para, então, encorajá-los, ambientá-los e
suportá-los na leitura de um texto que demanda um pouco mais de reflexão e
atenção, neste caso, os poemas de Fernando Pessoa.
A fim de nos aprofundarmos acerca dessa questão e de como, diretamente,
ela pode estar ligada ao ensino de literatura, encontramos em Kristeva aportes
teórico-discursivos que nos remetem de maneira mais próxima ao que visa a esta
seqüência de aulas, pois ela afirma que a linguagem poética, matéria-prima deste
trabalho, nada mais é do que um diálogo entre textos, ampliando assim as idéias
dialógicas sugeridas por Bakhtin:
A linguagem poética aparece como um diálogo de textos: toda seqüência se
faz em relação a uma outra proveniente de um outro corpus, de maneira
que toda seqüência está duplamente orientada: para o ato de reminiscência
(evocação de uma outra escrita) e para o ato de intimação (a transformação
dessa escritura). (KRISTEVA,
Autores como Haroldo de Campos encaram esse processo de aproximação
como fator determinante para o ensino de literatura, pois ―já defendia a necessidade
de se criar uma ‗nova antologia da literatura brasileira sob o ponto de vista
sincrônico e testar o corpus assim obtido no ensino de vários graus‘ (CEREJA, 2005,
p. 149 apud, ROCCO, 1992). O poeta via, então, a literatura como um espaço de
simultaneidades capaz de aproximar, por exemplo, Fernando Pessoa e Camões ou
Álvares de Azevedo e Drummond e, assim, nos fazer ver o passado naquilo que ele
tem de novo.‖ (CEREJA, p.165, 2005).
Além de aproximar os poemas de Pessoa à música, propomos, também,
nesta seqüência a aproximação de sua obra com autores de tempos remotos, para
ser mais preciso, Camões. O que, de certa forma, acaba por abrir outros leques
possíveis para a construção de intertextualidade e novas leituras.
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Desta maneira, assim como Bakhtin postula que ―todo discurso é uma
resposta a outros discursos‖, concluímos que em literatura o processo não é
diferente:
Todo discurso artístico estabelece relações dialógicas com outros discursos,
contemporâneos a ele ou fincados na tradição. Aproximações e contrastes
de temas, gêneros e projetos literários; aproximação e contrastes de estilos
de época e de estilo pessoal; aproximações e contrastes entre a literatura e
outras artes e linguagens ou outras áreas do conhecimento, comparações
interdiscursivas – eis alguns caminhos possíveis para o ensino de literatura
na escola, ancorados no princípio bakhtiniano de dialogismo. (CEREJA,
2005, p. 178)
DISCUSSÃO
Pensado e encarado, em princípio, como um trabalho que envolveria poesia e
a intertextualidade com a música, esta Seqüência didática, bem como as
fundamentações que a acompanham, ganhou moldes, enveredou por novos
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caminhos e tomou proporções diversas ao que pensávamos. O tímido projeto
conseguiu focalizar um autor específico no grande universo deste gênero e o tomou
como mote para apresentar uma proposta intertextual no ensino de literatura:
Fernando Pessoa e três heterônimos seus de maior destaque, Alberto Caeiro, Álvaro
de Campos e Ricardo Reis.
Como já foi explanado em nossa fundamentação teórica, tomamos por base
as Orientações Curriculares Nacionais e alguns teóricos importantes que nos
fundamentaram, inclusive, na escolha da abordagem inicial. O foco é justamente
tomar as produções deste importante autor da Literatura Portuguesa como um tema
central e, a partir delas, sugerir possíveis intertextualidades com outros gêneros que
circulam na sociedade, a fim de que se possa criar entre o texto literário e o aluno
uma aproximação importante e necessária para sua formação escolar e aquisição da
proficiência literária. .
Partindo desses pressupostos, iniciamos a elaboração da seqüência de aulas
por meio de uma pesquisa com a finalidade de reunir dados referentes ao autor e
selecionar poemas, músicas, filmes, charges e ilustrações para que fossem travados
os diálogos entre os textos.
O ―Manual do Aluno‖ possui, na primeira página, uma apresentação que o
convida a participar das aulas, esclarece o objetivo geral e os alerta acerca da
atividade final, o Sarau. Esperamos que desde o início o educando possa se
relacionar com o projeto de maneira harmoniosa e compreenda que a partir dali ele
terá uma tarefa importante, a de não se portar como um mero ouvinte, mas sim um
integrante fundamental que atuará como sujeito real na construção do
conhecimento. A linguagem utilizada durante todo o projeto visa a essa
aproximação, pois a todo o momento utilizam-se vocativos construídos de maneira
descomplicada, pois acreditamos que facilitar o acesso do aluno ao texto é o
caminho ideal para alcançarmos o objetivo geral.
As aulas I, II e III visam à conceituação dos gêneros poesia e canção e de
intertextualidade. A primeira aula apresenta na Atividade 1 o poema ―Isto‖ de
Fernando Pessoa e um parágrafo de um texto de Kierkegaard falsamente
versificado. Espera-se que eles possam lê-los e em seguida discuti-los seguindo
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algumas questões que são levantadas na Atividade 2. O ponto alto da discussão
deve centrar-se na última questão, em que se revela qual é o verdadeiro poema, na
seqüência criou-se oportunidade para que eles pudessem discutir o que de fato faz
um texto ser realmente literário e especificamente, possa ser classificado como
pertencente ao gênero poesia. O professor, nesse momento, deve mediar a
discussão e deixar que eles alcancem uma resposta satisfatória e não simplesmente
conceituar o que é poesia, já que um profissional com boa formação literária saberá
que essa não é uma tarefa fácil.
A Aula II, Letra e Música começa, mesmo que de forma tímida, a inserir
outros gêneros discursivos para se alcançar o alvo, ou seja, a intertextualidade:
apresentamos o gênero filme e junto com ele uma sinopse que descreve
rapidamente o enredo da trama e então são exibidos trechos do filme que devem ser
intercalados com comentários feitos pelo professor e questões que são dadas no
próprio escopo da aula.
A idéia é que o professor não se prenda ao enredo e sim à mensagem
intrínseca do filme, a qual nada mais é do que a união entre melodia e letra, e o
papel que cada uma desempenha. A partir de então, deve-se entrar com uma
discussão mais abrangente, concentrada na segunda questão da Atividade, a qual
relaciona a irmandade existente entre poesia e música no tempo do Trovadorismo,
levantando ainda uma questão maior: Todas as músicas são poemas?
A Aula III, Conversa entre os Textos, objetiva a conceituação de
intertextualidade e para tanto faz uso de dois gêneros, que já foram anteriormente
discutidos, a poesia e a música. A saber: o poema de Camões ―Amor é fogo que
arde sem se ver‖ e a música de Renato Russo ―Monte Castelo‖.
Os dois textos tratam do mesmo assunto e o segundo, inclusive, emprega
parte do primeiro. É justamente neste momento que aparecerá uma atividade que
será aproveitada em outros momentos do trabalho: ―Pensar e Argumentar‖, nela o
aluno deve refletir sobre as questões apresentadas e ainda se posicionar, sendo que
para tanto ele deverá utilizar, além dos seus conhecimentos prévios, os adquiridos
nas duas aulas anteriores.
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Após a conceituação de diálogo entre textos semelhantes, eles serão
convidados a enxergar este processo em dois poemas que tratam de temas
divergentes, embora sejam do mesmo autor. Essa última atividade deve funcionar
como uma espécie de pré-anúncio das aulas seguintes, pois os dois poemas são de
autoria do Fernando Pessoa, o mesmo poeta que será trabalhado nas demais aulas.
As aulas IV, V e VI, assim como as três precedentes, possuem um núcleo
comum: apresentação da produção ortônima de Fernando Pessoa. A primeira
consiste, inicialmente, na apresentação de dois pequenos vídeos, retirados do site
Youtube, os quais apresentam um breve relato biográfico da vida de
Fernando Pessoa, bem como do processo de heteronímia. Em seguida é sugerida a
leitura de um texto retirado da Revista Cult, que tem também como tema central a
biografia do autor e ainda acrescenta uma discussão acerca do processo de criação
dos heterônimos, durante essa discussão faz-se necessário que o professor abra um
espaço para que os alunos exponham suas dúvidas e impressões sobre o assunto.
O objetivo é que se possam adquirir conhecimentos acerca da vida e obra deste
poeta e, ao mesmo tempo, colocar os alunos em contato com outros gêneros
discursivos: a biografia (apresentada por acadêmicos) e vídeos rápidos do Youtube,
muito usuais atualmente.
A Aula V visa a reunir os conhecimentos adquiridos ao longo das anteriores,
de modo que o educando poderá colocar em prática e visualizar, por exemplo,
intertextualidade dentro do próprio Fernando Pessoa.
São apresentados, primeiramente, dois poemas do poeta: ―O menino da sua
mãe‖ e ―Dobrada à moda do Porto‖. Inicialmente será feita uma leitura e na atividade
2 eles escutarão os mesmos textos acrescidos de melodia e interpretados na voz de
dois artistas contemporâneos. Em seguida, a proposta de Atividade ―Pensar e
Argumentar‖ reaparece, a fim de criar discussões que objetivam uma compreensão
temática como temas transversais e, ao mesmo tempo, retomar as que foram
realizadas em aulas anteriores.
A sexta aula é considerada como ponto ápice deste ―núcleo‖, pois tratará de
um assunto muito importante para a compreensão de Pessoa, pelo menos no que
diz respeito à construção da obra ―Mensagem‖, o povo português e sua relação com
o Mar.
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Os alunos serão convidados à leitura de dois textos que discutem esta
temática, ambos circulantes na sociedade. Neste momento, enquanto ocorre a
leitura, o professor poderá mediar a discussão acrescendo, mesmo que de forma
suscinta, um pouco da história épica dos portugueses.
Na Atividade 2 eles lerão o poema ―Mar Portuguez‖ de Fernando Pessoa e
trechos específicos de ―Os Lusíadas‖,a fim de que possam entender a obra paralela
de Fernando Pessoa em relação a Camôes. Após, escutarão a música ―O Rei do
Mar‖, de Djavan. O professor deverá estimulá-los a intertextualizar os três textos por
meio das questões que lhes são apresentadas. O objetivo é que eles consigam
percebe o foco temático e, ao mesmo tempo, atentar-se ao possível diálogo com a
música.
A última atividade consiste numa proposta de redação, na qual pedimos para
que os alunos produzam um pequeno texto, explorando uma temática mais próxima
à realidade atual: a conquista humana do espaço e sua possível comparação com
as conquistas marítimas.
O fim da aula dá-se com uma sugestão de leitura, o aluno também encontrará
outras sugestões como esta no decorrer da seqüência. O alvo é despertar a
curiosidade do aluno em relação ao assunto e ampliar o seu conhecimento, fazendo
com que eles possam continuar mantendo contato com literatura fora do âmbito do
escolar.
As aulas VII, VIII e IX são reservadas para apreciação e fruição da obra dos
heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Esperamos que eles
adquiriram conhecimento da biografia pessoal de cada um e, também, possam ter
um contato direto com suas obras, fazendo relações diretas com as
intertextualidades propostas.
Iniciamos por Álvaro de Campos, a primeira atividade consiste na leitura de
excertos da cartas de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, apenas a parte
em que se tem a descrição do heterônimo em questão.
Após essa leitura inicial, apresentamos uma breve tabela que descreve
algumas características particulares da escrita de Álvaro de Campos, neste
momento não há necessidade de se prender a explicações longas e tradicionais.
Espera-se que o professor acompanhe a leitura junto com o aluno e enquanto isto
ocorre, interfira ressaltando alguns pontos específicos sem, ainda, mostar o poema.
22
Pede-se que seja feita essa leitura colaborativa porque nesta aula será utilizado
apenas um poema, o qual, por ser extenso, norteará toda as demais ações.
O processo da atividade ocorrerá de modo diferente, pois os alunos
acompanharão a leitura de ―Cruzou por mim‖ musicado e interpretado na voz de Jô
Soares. Em seguida haverá uma ―Roda de Conversa‖, a fim de que sejam
discutidas questões temáticas que estão intimamente ligadas ao texto, sabendo que
uma leitura coletiva é um método eficaz na construção do conhecimento.
A aula seguinte, destinada a Ricardo Reis, terá o mesmo início da anterior,
apresentaremos a biografia do referido heterônimo e leremos um pequeno resumo
das temáticas que ele costuma utilizar em suas obras. Como os poemas dele estão
diretamente ligados às odes, achamos por bem conceituá-la, apresentando uma
breve definição de uma enciclopédia.
Após ter o conhecimento de Ode, os educandos serão solicitados a escutar o
poema ―Segue o Teu Destino‖, interpretada na voz de Nana Caymmi. O objetivo é
que eles possam perceber a proximidade da ode com a música.
Recorrendo à temática e aproveitando a questão da intertextualidade,
selecionamos um quadro Renascentista de Andrea Mantegna e pedimos para que
eles, partindo de conhecimento adquiridos de seu contato com a literatura, liguem
algumas características Neoclássicas, tema recorrente em Ricardo Reis, a estrofes
de ―Segue o Teu Destino‖.
A aula IX foi dedicada ao ―mestre‖, Alberto Caeiro. A atividade 1 propõe a
leitura de dois poemas, o Fragmento V de ―O Guardador de Rebanhos‖ e
―Liberdade‖, ambos também acompanhados pela voz de Jô Soares. Espera-se que
esses acompanhamentos criem uma proximidade com os alunos, já que o intérprete
assume um sotaque português e incorpora ao poema, para além dos efeitos criados
pela melodia, uma outra roupagem.
A atividade 2 solicita aos alunos a discussão em grupo de dois fragmentos
dos poemas já lidos. Embora sejam de ―autores diferentes‖, Fernando Pessoa e
Alberto Caeiro, esperamos com esta discussão criar condições para que os alunos
percebam a intertextualidade temática existente entre os dois poemas.
As características formais e literárias do autor, são dadas por meio de uma
atividade, na qual os alunos devem identificá-las por meio de leitura e reflexão no
Fragmento V de ―O Guardador de Rebanhos‖. A biografia do autor é apresentada
23
por último, pois como afirma o próprio Pessoa, este heterônimo era considerado o
mestre, portanto a fruição da leitura de sua obra é muito mais prazerosa do que o
conhecimento biográfico em si.
A última aula é dedicada inteiramente às apresentações programadas pelos
alunos, porém fez-se necessária a apresentação de significado da palavra Sarau,
pois sabemos que esse não é um evento usual nas escolas de hoje e que muitos
dos alunos participantes podem nunca ter se envolvido em um projeto como esse,
por isso também sugerimos o que pode ser feito e o alvo não é limitar, mas
enriquecer as idéias.
Cada grupo terá sete minutos para se apresentar. Não podemos esquecer
também que durante todas as aulas o professor deve lembrar, empolgar, motivar e
alertar os alunos para esse grande evento da última aula.
O objetivo é fazer com que todo o conhecimento produzido durante as dez
aulas seja compartilhado com os demais colegas da escola. Não há necessidade de
ser um mega evento, dado que o tempo não permite, as apresentações podem ser
simples, sem deixar de conter, é claro, qualidade e conteúdo. O tema central do
sarau deve ser pautado em Fernando Pessoa e heterônimos estudados.
Após essa Seqüência, espera-se que os educandos envolvidos neste projeto
possam estar aptos a compreender o gênero poesia e canção, sem esquecer dos
possíveis diálogos que podem existir em qualquer texto e que estes, por sua vez,
ajudam a compreender e, ao mesmo tempo, enriquecer qualquer construção de
conhecimento, em especial o literário.
24
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação com a maneira que a Literatura tem sido abordada no âmbito
educacional fez com que esse projeto fosse pensado e desenvolvido. Partindo das
reflexões citadas anteriormente, pudemos concluir que esta proposta contribui para
a formação de alunos do Ensino Médio, no que se refere à aquisição de habilidades
necessárias para o desenvolvimento crítico de um cidadão.
Todo o trabalho em si engloba uma série de elementos que auxiliam no
aprendizado contextualizado e, ao mesmo tempo, consonante com as Orientações
Curriculares Nacionais. Foram confrontados textos contemporâneos com literários, a
fim de que se pudesse despertar o interesse do aluno, por meio de uma
aproximação, a textos considerados inacessíveis e de difícil leitura.
Os conceitos de fundamentação da Seqüência Didática surgiram a partir da
análise e reflexão de idéias de grandes teóricos que compreendem a literatura
através de uma visão dialógica, a qual nos instigou a transpô-la para um ambiente
25
extra-escolar, deixando de lado os métodos usuais que historicamente têm se
preocupado com o sentido tradicional do ensino:
Ao ler este texto, muitos educadores poderão perguntar onde está a
literatura, a gramática, a produção do texto escrito, as normas. Os
conteúdos tradicionais foram incorporados por uma perspectiva maior, que
é a linguagem, entendida como espaço dialógico, em que os locutores se
comunicam. (PCN, 2002, p. 144).
As atividades propostas foram idealizadas para que o aluno pudesse assumir
uma posição ativa durante o processo de ensino-aprendizagem, criando condições
para que ele, desta forma, adotasse uma postura participativa e autônoma, refletindo
as atitudes que a sociedade espera de um cidadão atuante.
Entendemos que as dificuldades implícitas a qualquer educador que vê o
ensino de uma forma sócio-interacional são inúmeras, a primeira delas é pensar que
sua aplicação demanda tempo, preparo, experimentações e condições mínimas para
um bom desenvolvimento das atividades.
O professor que se deparar com a presente Seqüência Didática, com certeza,
terá que transpor muitos obstáculos, pois, como já é sabido de todos, não existe
manual que os impulsionem rumo ao êxito profissional. É preciso pensar que todas
as experimentações estão suscetíveis a sucessos e fracassos, mas o que de fato
deverá nortear o seu trabalho é a reflexão que deve ser feita após cada tentativa,
seja o seu resultado esperado ou não.
Além de pensar naquele que futuramente poderá fazer uso deste projeto,
podemos refletir na condição em que se encontram os autores deste trabalho:
professores em formação. Muito se fala sobre a deficiência na formação de
profissionais da educação, contudo podemos entender que esse pré-preparo auxilia
em nossa atuação, de modo que no futuro, ao nos depararmos com situação
parecida, não nos sentiremos desambientados e estaremos, também, bem
fundamentados, principalmente no que diz respeito às propostas correntes, oriundas
de estudos científicos, os quais, a todo momento, têm buscado um caminho mais
acertado para o cumprimento desse papel tão importante.
Esperamos que essa Seqüência Didática seja uma ferramenta eficaz no
trabalho docente e que possa cumprir de maneira satisfatória os objetivos propostos,
26
de modo que possíveis alterações ou sugestões possam enriquecer e aprimorar
nossas expectativas, visando sempre à obtenção de resultados que privilegiem a
reflexão e a atuação na práxis do professor de Literatura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A MÚSICA em Pessoa. Rio de Janeiro: Biscoito Fino Ltda, 2005. 1. disco compacto:
digital, stereo.
AS QUATRO Estações. São Paulo: Corações Perfeitos Edições Musicais Ltda –
EMI, 2004. 1. disco compacto: digital, stereo.
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. 1. ed. Portugal: Europa-América, 2002
CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos para amar o amor. 1. ed. Porto Alegre: L&PM,
2007.
27
CEREJA, William Roberto. Ensino de Literatura: Uma proposta dialógica para o
trabalho com literatura. 1. ed. São Paulo: Atual, 2005.
CESANA, Nathalia. As diferentes pessoas em Pessoa. Revista Cult: Especial
Biografias, São Paulo, v. 3, p. 6 e 7. 2007.
COUTINHO, Afrânio. O eu profundo e os outros eus. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2006.
D´ONOFRIO, Salvatore. Pequena enciclopédia da cultura ocidental. 1. Ed. São
Paulo: Campus, 2005
FALCÃO, Fernanda Scopel. O poema e a canção: Uma aproximação intergêneros.
Disponível em
http://www.ufes.br/~mlb/multiteorias/pdf/FernandaScope%20FalcaoOPemaEACanca
o.pdf. Acesso em 02/07/2008.
YAMPOLSCHI, Roseane. Intertextualidade e estetismo na música pós-moderna.
Disponível em
http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2006/CDROM/COM/04_
Com_Musicologia/sessao05/04COM_MusHist_0503-. Acesso em 02/07/08.
GREGORIM, Clovis Osvaldo. Michaelis língua portuguesa: Novo dicionário
escolar. 1. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2008.
KIERKEGAARD, Soren. O conceito de angústia. 1. ed. São Paulo: Hemus, 2007.
LETRA E MÚSICA. Marc Lwarence. Estados Unidos: Warner, 1996. 1 DVD.
PESSOA, Fernando. Poesia: 1918-1930. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2007.
REMIX em Pessoa. São Paulo: Performance Music – Sony DADC Brasil, 2007. 1.
disco compacto: digital, stereo.
28
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Linguagens, códigos e suas
tecnologias. 1. ed. Brasília: Ministério da Educação, 2006.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81lvaro_de_Campos. Acesso em 01/09/2008>
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ricardo_Reis. Acessado em 01/09/2008>
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Alberto_Caeiro. Acessado em 01/09/2008>
<http://www.teiaportuguesa.com/lusografo/saudade.htm> Acesso em 01/09/2008>
<http://www.teiaportuguesa.com/lusografo/saudade.htm - Acesso em 01/09/2008>
ANEXOS – SEQÜÊNCIA DIDÁTICA
SEQÜÊNCIA
DIDÁTICA FERNANDO PESSOA E HETERÔNIMOS: UMA
PROPOSTA INTERTEXTUAL PARA O ENSINO MÉDIO
2
SEQÜÊNCIA DIDÁTICA
APRESENTAÇÃO
Caro aluno,
Esta seqüência de aulas foi criada
especialmente para que você, aluno do Ensino
Médio, possa conhecer melhor a obra de um
grande escritor modernista da Língua Portuguesa,
Fernando Pessoa e seus heterônimos.
Por meio destas aulas você poderá se
aprofundar em conhecimentos literários, referentes à complexidade e à apreciação
do gênero poesia, além de ser uma ferramenta de aprendizagem que visa a uma
futura participação em vestibulares e, principalmente, a fruição literária.
Estas aulas serão proveitosas para você que não dispensa um trabalho
diferente com a turma, que gosta de aprender, realizar projetos, ler, criticar,
argumentar, debater e escrever. Esperamos que desta forma você possa aprimorar
sua capacidade de interagir com as pessoas e com o mundo em que vive e, ao
mesmo tempo, adquirir a habilidade de viajar pela palavra através da poesia.
Ao final desta seqüência, desejamos que você, juntamente com seus colegas,
elabore uma apresentação para o sarau que se realizará na última aula. Aproveite
todos os conhecimentos construídos durante os dias que estudaremos este autor
para colocar sua criatividade em prática.
Bons estudos,
Os autores.
3
AULA I: O QUE É POESIA?
Atividade 1: Converse com seus colegas de turma e dividam-se em sete grupos.
Lembre-se que este será o mesmo grupo utilizado para o sarau; a seguir leiam os
dois poemas:
ISTO
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
(PESSOA, Fernando. Poesia: 1918-1930.São
Paulo: Companhia das Letras, 2007.)
O EU E O INFINITO
O eu é a síntese consciente de infinito
E de finito em relação com ela própria;
Mas tornar-se si próprio é tornar-se concreto,
coisa irrealizável no finito ou infinito.
A evolução consiste em afastar-se de si próprio,
numa infinitização. O eu que não se torna
ele próprio permanece desesperado;
o eu está em evolução a cada instante
da sua existência, e não sabe o que
será
(KIERKEGAARD, Soren. O conceito de angústia.
São Paulo: Hemus, 2007.)
Atividade 2: Agora que você já leu, discuta com seus colegas as questões que se
seguem:
Em sua opinião, o que faz estes textos serem considerados poesia?
Objetivo: Nesta aula, o objetivo é que você possa adquirir conhecimentos
específicos acerca do gênero poesia, suas principais características e
complexidade de conceituação.
4
Aponte neles algumas características em comum.
O que de mais importante caracteriza uma poesia, a forma ou o conteúdo?
Um destes dois textos não é um poema. Trata-se de um texto em prosa
falsamente versificado, a fim de exemplificar a complexidade de conceituação
de poesia. Você arriscaria apontar qual destes dois textos não é um poema?
Justifique sua opinião.
AULA II: LETRA E MÚSICA
Atividade 1: A seguir haverá exibição de fragmentos do filme ―Letra e música‖,
objetivando a conceituação de letra e melodia, bem como suas semelhanças com a
poesia. Antes de assistir, conheça mais sobre o filme:
A partir dos comentários do professor em relação ao filme, reflita sobre as
questões abaixo:
Em sua opinião, dentro de uma canção qual a função da letra e da melodia?
No trovadorismo, as poesias eram escritas para serem acompanhadas por
instrumentos musicais. Você acredita que as músicas contemporâneas são
uma ramificação deste período? Por quê?
Objetivo: O objetivo da segunda aula é ampliar a discussão da aula anterior e
acrescentar conhecimentos acerca do gênero canção, apontando suas afinidades
com a poesia.
Sinopse: Alex Fletcher (Hugh Grant) é um decadente astro da música pop, que fez
muito sucesso na década de 80, mas que agora apenas se apresenta no circuito
nostálgico de feiras e parques de diversão. A chance de mais uma vez fazer sucesso
bate à sua porta quando Cora Corman (Haley Bennet), a atual diva do pop, o
convida para compor uma canção e gravá-la com ela, em dueto. O problema é que
Alex há anos não compõe uma canção sequer, além de jamais ter escrito uma letra
de música. Sua salvação é Sophie Fisher (Drew Barrymore), a encarregada de cuidar
das plantas de Alex, cujo jeito com as palavras serve de inspiração para Alex.
Inicialmente reticente em trabalhar com Alex devido ao término conturbado de um
relacionamento e à fobia dele a compromisso, Sophie termina por aceitar a
parceria.
5
Você conhece poesias que foram utilizadas como letras de música?
Exemplifique.
AULA III: A CONVERSA ENTRE OS TEXTOS
Atividade 1: Organize-se com seus com os componentes de seu grupo e leia o
poema a seguir:
AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
(CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos para
amar o amor. São Paulo: L&PM, 2007)
Objetivo: A construção da terceira aula objetiva favorecer identificação de diálogos
existentes entre textos e oferecer-lhe a oportunidade de ouvir e expor argumentos
relacionados ao tema em questão.
6
Atividade 2: Agora ouça e acompanhe a letra da música que será reproduzida:
MONTE CASTELO
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja
Ou se envaidece...
O amor é o fogo
Que arde sem se ver
É ferida que dói
E não se sente
É um contentamento
Descontente
É dor que desatina sem doer...
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...
É um não querer
Mais que bem querer
É solitário andar
Por entre a gente
É um não contentar-se
De contente
É cuidar que se ganha
Em se perder...
É um estar-se preso
Por vontade
É servir a quem vence
O vencedor
É um ter com quem nos mata
A lealdade
Tão contrário a si
É o mesmo amor...
Estou acordado
E todos dormem, todos dormem
Todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade...
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...
(Renato Russo. Adaptação de “I Coríntios 13” e
“Soneto 11” de Luís Vas de Camões. Corações
Perfeitos Edições Musicais Ltda – EMI).
7
Atividade 3: Agora que você leu o poema e ouviu a música, posicione-se em
relação às seguintes questões:
O que existe em comum entre o poema de Camões e a letra da música
interpretada do grupo Legião urbana?
Os textos discutem um mesmo tema. Qual é esse tema? Os autores expõem
divergências ou concordâncias em relação a ele?
Destaque os fragmentos da poesia que foram utilizados na música.
Considerando os fragmentos em comum, podemos afirmar que há diálogo
entre os textos. Aponte de que forma ele ocorre e comente as impressões do
seu grupo com o restante da turma:
a) Reprodução fiel do poema;
b) Abordagem do mesmo assunto, valendo-se de uma opinião divergente;
c) Reprodução criativa, valendo-se de excertos da poesia, a partir de outras
perspectivas.
Atividade 4: Baseando-se em noções adquiridas na atividade anterior, você pôde
perceber que os textos travam diálogos, os quais recebem uma definição de
intertextualidade. Trabalhar a intertextualidade consiste em identificar semelhanças
e diferenças no registro e nos aspectos temáticos, estruturais e discursivos. Partindo
da afirmação de que os textos também podem travar diálogos divergentes, leia os
seguintes poemas e identifique exemplos:
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ISTO
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só as que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração
(COUTINHO, Afrânio. O eu profundo e os
outros eus. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2006).
AULA IV: VIDA E OBRA DE FERNANDO PESSOA
Atividade 1: Acompanhe os vídeos ―Fernando Pessoa‖ e ―Fernando Pessoa Vida e
Obra‖.
Atividade 2: Após assistir aos vídeos, amplie seus conhecimentos sobre o referido
poeta, através da literatura cuidadosa do seguinte texto:
Objetivo: Esperamos que nesta aula você possa adquirir conhecimentos sobre a
vida e obra de Fernando Pessoa, bem como seus heterônimos.
9
Fernando Pessoa - o poeta da inquietude e do desassossego
literatura pode ser um meio de vida. Para Fernando Pessoa, a vida foi
um meio para a literatura se revelar, uma demonstração daquilo que
outro poeta, o mexicano Octavio Paz, Prêmio Nobel de Literatura de 1990, definia
como aspectos biográficos no métier da poesia: ―Os poetas não têm biografia; sua
biografia é-lhes a obra... Nada há de surpreendente em sua vida, nada, a não serem
os poemas...‖.
Uma biografia de Pessoa pode ser uma impossibilidade, mas também a prova
de que uma vida é repleta de surpresas quando engajada de maneira incondicional
á criação literária.
Segundo Marcos Siscar, poeta, tradutor e professor de Teoria da literatura da
Universidade Estadual Paulista (UNESP), em São Jose do Rio Preto, ―para que os
heterônimos sejam o que são, isto é, diferentes de ‗pseudônimos‘, é preciso
imaginar que eles não sejam apenas estratégia de uma consciência lírica central,
mas uma maneira de dramatizar (de dar a sentir) a dispersão constitutiva daquilo
que chamamos consciência. Ou seja, não se trata, por um lado, de ver os
heterônimos apenas como parte do plano autoral de um poeta central chamado
Fernando Pessoa, nem, por outro lado, de passar a tratar esses heterônimos como
autores contemporâneos do modernismo português. A heteronímia deveria ser
concebida como um teatro, nesse caso cheio de notações de cena, mas sem
diretor‖.
Leyla Perrone-Moisés, no livro Fernando Pessoa-Aquém do eu, além do
outro, diz que ―o fenômeno da heteronímia não é decorrência uma riqueza, mas de
uma falta. Os heterônimos não são frutos de uma rica imaginação tão somente
artística, ou a prova da versatilidade do poeta, mas o cobrimento de uma falha. Falta
de ser e excesso de desejo faz implodir o sujeito que, ao tentar reunir diversos ―eus‖
postiços num conjunto, precipita-se, pelo contrário, na experiência da dispersão sem
volta‖.
(Nathalia Cesana, Revista Cult-, volume 3: O poeta da inquietude e do
desassossego)
A
10
Aula V: Intertextualidade em Pessoa
Atividade 1: Em grupo, leia os seguintes poemas de Fernando Pessoa:
O MENINO DE SUA MÃE
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
– Duas, de lado a lado –,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
―O menino da sua mãe‖.
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira,
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
―Que volte cedo, e bem!‖
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.
(PESSOA, Fernando. Poesia: 1918-1930.São
Paulo: Companhia das Letras, 2007.)
Objetivo: A quinta aula visa à reflexão sobre o conteúdo da aula anterior e a
possibilidade de intertextualizar as poesias de Fernando Pessoa e declamações
adaptadas com melodias por artistas contemporâneos.
11
DOBRADA À MODA DO PORTO
Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo ...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
(PESSOA, Fernando. Poesia: 1918-1930.São Paulo: Companhia das Letras, 2007.)
Atividade 2: Ouça agora os mesmos poemas interpretados na voz de Jô Soares e
Marília Pêra, acrescidos de melodia.
Atividade 3: Após a leitura e escuta dos poemas, discuta com os colegas de grupo
sobre o conteúdo dos textos, atentando para o que se segue:
12
Lembrando das aulas 1, 2 e 3, nas quais conceituamos poesia, música e
intertextualidade, podemos afirmar que houve diálogo entre o que lemos e
escutamos?
Que efeito a melodia e a voz dos artistas contemporâneos acrescentam à
compreensão dos poemas?
Embora exista uma distância entre o tempo de produção da obra de Fernando
Pessoa e a adaptação feita pelos artistas, o diálogo pode ser considerado
como uma forma de atualização temática ou apenas uma recriação criativa?
De que forma podemos relacionar o amor que foi servido frio em ―Dobrada à
moda do Porto‖ com a triste estória do poema ―O menino de sua mãe‖?
Em relação ao poema ―O menino de sua mãe‖, está correto afirmar que a
miséria e a falta de horizontes a que estão sendo submetidos os jovens são a
causa da violência que impera em nossa sociedade?
Atividade 4: Organizem-se em círculo para iniciar uma roda de conversa referente
às questões anteriores; em seguida escolham um representante do grupo para
compartilhar as discussões realizadas com o restante da classe, você pode
acrescentar outras informações e conhecimentos que possui acerca do assunto,
evitando manter-se restrito ao conteúdo dos textos.
Aula VI – O povo português e o mar
Objetivo: A proposta é fazer com que você adquira conhecimentos sobre a
importância da figura do mar para o povo português e, conseqüentemente,
relacioná-la com as obras literárias de Camões e Fernando Pessoa, ou seja, Os
Lusíadas e Mensagem.
13
Atividade 1: Leia os textos abaixo :
saudade que sentem os portugueses pode eventualmente ser
explicada geograficamente. Com efeito, Portugal é um país pequeno
cercado pelo mar, quase como uma ilha, que predispõe os seus
habitantes a deixarem o continente. Não é por isso, supreendente a vontade que os
portugueses têm em se virarem para o mundo, lançando-se ao mar. Os portugueses
não gostam de limites e, por isso, evitam-nos. Os portugueses gostam de desafios;
ficam tristes quando falham, mas ficariam ainda mais tristes se não tivessem
tentado. As descobertas portugueses situam-se, algures, no passado porque as
colónias já o foram. De todo o lado onde os portugueses chegaram, deixam e trazem
lembranças da sua passagem. Da arquitectura à língua, de Marrocos à China,
passando pela Índia, Japão e Timor.
A saudade que sentem os portugueses
pode eventualmente ser explicada
geograficamente. Com efeito, Portugal é um
país pequeno cercado pelo mar, quase como
uma ilha, que predispõe os seus habitantes a
deixarem o continente. Não é por isso,
supreendente a vontade que os portugueses
têm em se virarem para o mundo, lançando-se
ao mar. Os portugueses não gostam de limites
e, por isso, evitam-nos. Os portugueses gostam de desafios; ficam tristes quando
falham, mas ficariam ainda mais tristes se não tivessem tentado. As descobertas
portugueses situam-se, algures, no passado porque as colónias já o foram. De todo
o lado onde os portugueses chegaram, deixam e trazem lembranças da sua
passagem. Da arquitectura à língua, de Marrocos à China, passando pela Índia,
Japão e Timor.
(Adaptado de http://www.teiaportuguesa.com/lusografo/saudade.htm - Acessado em
01/09/2008)
―... Um exemplo disso é a relação de admiração e competição que Pessoa
mantém com Luís de Camões, autor de Os Lusíadas, ‗Ao escrever Mensagem
A
14
Pessoa procura corrigir os erros de visão do épico camoniano quanto ao destino
português. Corrige, também a inadequação formal do poema épico, uma vez que,
segundo ele, os poemas longos já não são possíveis hoje em dia, quando a
aceleração da vida exige uma forma concentrada, mas ricamente alusiva e
significativa de expressão poética. É a tentativa de reescrever Os Lusíadas do
século XX‘, conta Yara.‖
(Nathalia Cesana, Revista Cult-, volume 3: O poeta da inquietude e do
desassossego).
Atividade 2: Agora que você aprendeu sobre a relação do povo português
com o mar e sobre a obra Mensagem de Fernando Pessoa, reúna-se com o seu
grupo e leia os poemas ―Mar Portuguez‖, Fernando Pessoa e alguns trechos de Os
Lusíadas. Após a leitura, identifique intertextualidade com a música de Djavan: ―O
Rei do Mar‖. Levando em consideração as seguintes questões:
Os autores abordam o assunto do mar partindo de uma mesma perspectiva?
Explique.
Por que podemos afirmar que há intertextualidade entre a música e os
poemas?
Destaque alguns versos dos poemas e da música em que fique explícita a
exaltação do povo português em relação à dominação do mar.
MAR PORTUGUEZ
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,
Mas nelle é que espelhou o céu.
15
(COUTINHO, Afrânio. O eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006).
TRECHOS DE ―OS LUSÍADAS‖ – CANTO IV
62
"Pelo mar alto Sículo navegam;
Vão-se às praias de Rodes arenosas;
E dali às ribeiras altas chegam,
Que com morte de Magno são famosas;
Vão a Mênfis e às terras, que se regam
Das enchentes Nilóticas undosas;
Sobem à Etiópia, sobre Egito,
Que de Cristo lá guarda o santo rito.
63
"Passam também as ondas Eritreias,
Que o povo de Israel sem nau passou;
Ficam-lhe atrás as serras Nabateias,
Que o filho de Ismael co'o nome ornou.
As costas odoríferas Sabeias,
Que a mãe do belo Adónis tanto honrou,
Cercam, com toda a Arábia descoberta
Feliz , deixando a Pétrea e a Deserta.
90
"Qual vai dizendo: —" Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério, e doce amparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará, penoso e amaro,
Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Por que de mim te vás, ó filho caro,
A fazer o funéreo enterramento,
Onde sejas de peixes mantimento!" —
91
16
"Qual em cabelo: —"Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quis Amor que viver possa,
Por que is aventurar ao mar iroso
Essa vida que é minha, e não é vossa?
Como por um caminho duvidoso
Vos esquece a afeição tão doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento
Quereis que com as velas leve o vento?" —
(CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Portugal: Europa-América, 2002).
O REI DO MAR
Vou me perder
No azul verde do mar
Junto da manhã
Em busca da vida
Vou remover
Lendas, tormentas, paixão
Livre a navegar
Em busca da vida
Que me importa
A brisa fria
O brilho dos faróis
Que me importa
O fundo, a calmaria e o temporal
Eu sou o rei
Eu sou o rei
Eu sou o rei
do mar
Da minha cidade natal
(Djavan. 1975 BMG Music Publishing Brasil
Ltda).
Atividade 3: Agora , individualmente, redija um pequeno texto
expondo sua opinião acerca do seguinte comentário: Em sua
ânsia de exploração e conquista, o homem olha sempre para
frente e para longe; está sempre em busca de uma nova
aventura e descoberta. Atualmente o homem tem realizado
conquistas de planetas distantes como a Lua e Marte. Em sua opinião,os motivos
que levaram o ser humano a empreender a conquista espacial são os mesmos que
levaram o povo português às conquistas marítimas?
17
Sugestão de Leitura: Poema - O homem; as
viagens, de Carlos Drummond de Andrade.
AULA VII – ÁLVARO DE CAMPOS, O POETA DA PROSA
RITMADA E EMOTIVA.
Atividade 1: Conheça um pouco mais sobre a vida e obra de Álvaro de Campos:
(Excertos da Carta de Fernando Pessoa para Adolfo Casais Monteiro - Escrita em
Lisboa).
Objetivo: O objetivo é que você possa aprofundar conhecimentos sobre a vida e
obra de Álvaro de Campos e identificar seu estilo poético, bem como a escolha de
suas temáticas.
18
Fases da Escrita:
1ª Fase – Decadentista Esta fase expressa-se como a falta de um
sentido para a vida e a necessidade de fuga à
monotonia, com preciosismo, símbolos e
imagens apresenta-se marcado pelo
Romantismo e pelo Simbolismo.
2ª Fase – Futurista/Sensacionista Esta fase foi bastante marcada pela influência
de Walt Whitman e de Marinetti (Manifesto
Futurista), nela, Álvaro de Campos celebra o
triunfo da máquina, da energia mecânica e da
civilização moderna. Sente-se nos poemas
uma atracção quase erótica pelas máquinas,
símbolo da vida moderna. Campos apresenta
a beleza dos “maquinismos em fúria” e da
força da máquina por oposição à beleza
tradicionalmente concebida. Exalta o
progresso técnico, essa “nova revelação
metálica e dinâmica de Deus”.
3ª Fase – Intimista/Pessimista Nesta fase, Campos sente-se vazio, um
marginal, um incompreendido. Sofre fechado
em si mesmo, angustiado e cansado. Como
temáticas destacam-se: a solidão interior, a
incapacidade de amar, a descrença em
relação a tudo, a nostalgia da infância, a dor
de ser lúcido, a estranheza e a perplexidade,
a oposição sonho/realidade – frustração. a
dissolução do “eu”, a dor de pensar e o
conflito entre a realidade e o poeta.
(Adaptado de http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81lvaro_de_Campos. Acessado em
01/09/2008)
19
Atividade 2: Ouça o poema ―Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da baixa‖,
musicado na voz de Jô Soares:
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).
Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
E' estar ao lado da escala social,
E' não ser adaptável às normas da vida,
'As normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.
Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-se com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se ha uma razão exterior a ela?
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
E' ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
E' ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.
Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
20
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.
Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lagrimas (autenticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco aquele pobre que não era pobre que tinha olhos tristes por
profissão.
Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!
E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.
Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.
Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!
Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.
(Jô Soares - Voz. Billy Forghieri – Arranjo. Remix em Pessoa: Performance Music – Sony
DADC Brasil.)
Atividade 3: Organizem-se em círculo para iniciar uma roda de conversa e discutam
inicialmente sobre as seguintes questões:
Baseando-se no texto lido na atividade 1, sabemos que Álvaro de Campos
tinha como uma de suas características enfatizar a emotividade. Em que
momentos de ―Cruzou por mim‖ podemos encontrar essa característica?
21
Em sua opinião, que sentimento o ―eu – lírico‖ tenta expressar no seguinte
verso: ―Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!‖.
Em qual das três fases, citadas acima, se encaixa o poema ―Cruzou por
mim‖?
Uma das características predominantes de Álvaro de Campos é a de prosador
(narrador). Em ―Cruzou por mim‖, podemos fundamentar essa afirmação?
Justifique sua resposta.
De acordo com o poema, qual opinião o ―eu – lírico‖ expressa sobre o que é
ser ―vadio e pedinte‖?
AULA VIII – RICARDO REIS, O POETA NEOCLÁSSICO.
Atividade 1: Leia os textos a seguir:
Objetivo: Possibilitar oportunidade para que você, aluno, construa conhecimentos
sobre a vida e obra de Ricardo Reis, bem como bem como a escolha de suas
temáticas.
22
(Excertos da Carta de Fernando Pessoa para Adolfo Casais Monteiro - Escrita em
Lisboa, 13 de Janeiro de 1935).
A poesia de Ricardo Reis é constituída com bases em idéias elevadas e odes,
ou seja, na poesia de Reis é constante o Neoclassicismo. Para finalizar, podemos
concluir que através da intemporalidade das suas preocupações, a angústia da
brevidade da vida, a inevitável Morte e a interminável busca de estratégias de
limitação do sofrimento que caracteriza a vida humana, Reis tenta iludir o sofrimento
resultante da consciência aguda da precariedade da vida.
Temáticas:
Aceita a calma da ordem das coisas;
Sofre com as ameaças do Fatum, da velhice e da Morte;
Vê o rio como uma imagem da vida que passa – efemeridade;
Considera a infância a idade ideal;
Defende o ideal de uma vida passiva e silenciosa;
Preconiza a carência das ideias dogmáticas e filosóficas como meio de
manter-se puro e sossegado;
Opõe o paganismo e ao cristianismo;
(Adaptado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Ricardo_Reis. Acessado em 01/09/2008)
O que é Ode?
Poema lírico de forma complexa e variável. Surgiu na Grécia
Antiga, onde era cantado com acompanhamento musical. A ode
caracteriza-se pelo tom elevado e sublime com que trata
determinado assunto. As literaturas ocidentais modernas
aproveitaram sobretudo, do ponto de vista da forma, a ode composta por três
unidades estróficas, correspondentes, no desenvolvimento da idéia do poema, à
estrofe, à antístrofe (cantada pelo coro, originalmente) e ao epodo (conclusão do
poema). A ode comportava uma série de esquemas métricos e rítmicos, de acordo
com os quais era classificada.
23
(D´ONOFRIO, Salvatore. Pequena Enciclopédia da Cultura Ocidental. São Paulo:
Campus, 2005).
Atividade 2: Ouça o poema ―Segue o teu destino‖, de Ricardo Reis, musicado na
voz de Nana Caymmi:
SEGUE O TEU DESTINO
Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas
O resto é a sombra
De árvores alheias
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.
Suave é viver só
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses
Vê de longe a vida
Nunca a interrogues
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração
Os deuses são deuses
Porque não se pensam
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(Nana Caymmi – Voz: Dori Caymmi. A música em Pessoa. Biscoito Fino Ltda).
Atividade 3: Observe o quadro abaixo atentando para o seguinte enunciado:
Você já estudou o Neoclassicismo, tanto o quadro como o poema têm
características classicistas. Identifique-as, relacionando as duas obras.
O Parnaso (séc. XV), de Andrea Mantegna, obra do Renascimento italiano.
Atividade 4: Ligue as características (coluna 1) aos versos retirados do poema
―Segue o teu destino‖ (coluna 2).
Defende o ideal de uma vida passiva e silenciosa
Segue o teu destino Rega as tuas plantas Ama as tuas rosas O resto é a sombra De árvores alheias
Referência à mitologia grega
Suave é viver só Grande e nobre é sempre Viver simplesmente
Sofre com as ameaças do Fatum, da velhice e da Morte
Vê de longe a vida Nunca a interrogues Ela nada pode Dizer-te.
Bucolismo
Mas serenamente Imita o Olimpo No teu coração Os deuses são deuses Porque não se pensam
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Sugestão de Leitura: Romance – “O ano da morte de Ricardo Reis”, de
José Saramago.
AULA IX – ALBERTO CAEIRO, O MESTRE.
Atividade 1: Leia o seguinte trecho de ―O Guardador de Rebanhos‖, poema de
Alberto Caeiro e ouça ―Liberdade‖, de Fernando Pessoa, musicado na voz de Jô
Soares:
FRAGMENTO V
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
Sinopse: Neste romance, o heterônimo mais clássico do poeta português
Fernando Pessoa, o horaciano Ricardo Reis, acha-se novamente em Lisboa,
depois de uma temporada no Brasil, onde se auto-exilara. O ano é o de 1936.
Médico, educado pelos jesuítas e monarquistas, ele é um sábio capaz de se
contentar em assistir ao espetáculo do mundo, como diz numa das epígrafes do
livro. Aqui, porém, ele se vê confrontado com os acontecimentos de 1936, em
Portugal e fora dele; de um lado, a ditadura fascista de Salazar; de outro, a
gestação da Segunda Guerra Mundial, a Frente Popular francesa, a Guerra Civil
espanhola, a expansão nazista na Europa. Um confronto, enfim, com um mundo
que decerto não era um espetáculo.
Objetivo: Possibilitar oportunidade para que você, aluno, construa conhecimentos
sobre a vida e obra de Alberto Caeiro, bem como a escolha de suas temáticas.
26
E sobre a criação do Mundo?
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério. […]
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
―Constituição íntima das cousas‖…
―Sentido íntimo do Universo‖…
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. […]
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
(COUTINHO, Afrânio. O eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006).
LIBERDADE
(Fernando Pessoa)
Ai que prazer
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
Como tem tempo, não tem pressa…
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Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca…
(Jô Soares - Voz. Billy Forghieri – Arranjo. Remix em Pessoa: Performance Music – Sony
DADC Brasil.)
Atividade 2: A partir da leitura realizada na atividade anterior, discuta com os seus
colegas de grupo o diálogo existentes entre esses dois fragmentos, retirados dos
dois poemas acima:
―Há metafísica bastante em não pensar em nada.‖
(O Guardador de Rebanhos – Fragmentos V)
―Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.‖
(Liberdade)
Atividade 3: Observe as seguintes características da escrita de Alberto Caeiro e a
partir dessas informações identifique-as dentro do Fragmento V de ―O Guardador de
Rebanhos‖:
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Todo objeto é uma sensação nossa;
Toda a arte é a convenção de uma sensação em objeto;
Portanto, toda arte é a convenção de uma sensação numa outra sensação;
regressa a um primitivismo do conhecimento da natureza;
ensinou a filosofia do não filosofar;
linguagem espontânea, discursiva, e prosaica.
(Adaptado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Alberto_Caeiro. Acessado em 01/09/2008)
(Excertos da Carta de Fernando Pessoa para Adolfo Casais Monteiro - Escrita em
Lisboa, 13 de Janeiro de 1935).
29
AULA X – SARAU.
O que é Sarau?
sm (cast sarao) 1 Reunião festiva, em casa particular, em clube ou teatro, em que se
passa a noite dançando, jogando, tocando etc. 2 Concerto musical de noite. 3
Reunião de pessoas amantes das letras, para recitação e audição de trabalhos em
prosa ou verso.
(Michaelis Língua Portuguesa – Novo Dicionário Escolar. São Paulo:
Melhoramentos, 2008)
Atividade 1: Agora que você compreendeu a concepção de um Sarau, organize-se
com seus colegas de grupo e ponha a sua criatividade em prática. Utilize os
conhecimentos adquiridos sobre Fernando Pessoa e heterônimos e realize uma
apresentação de no máximo 7 minutos.
Faça algo breve, mas que, ao mesmo tempo, consiga captar a essência desta
Seqüência Didática. Pense na idéia de convidar outros colegas do ensino médio de
sua escola, a fim de que se possa compartilhar o aprendizado.
Objetivo: Agora, abriremos espaço para que você, juntamente com seu grupo,
exponha todo o conhecimento adquirido sobre Fernando Pessoa de maneira
criativa.
30
Divirtam-se!