ferro fund grafita compacta

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403 METALURGIA & MATERIAIS JUNHO DE 2002 Wilson Guesser Fundição Tupy [email protected] Ferro fundido com grafita compacta Tecnologias limpas permitem o desenvolvimento de motores a diesel com melhor desempenho ABSTRACT Prototype CGI block and head castings have provided 90% increase in tensile strength and 40% increase in elastic modulus relative to gray iron castings. The present paper provides an overview of the properties of CGI and the process control requirements for the production of low nodularity CGI microstructures without the use of titanium and without the risk of flake graphite formation. Product results are provided for fourteen different automotive castings. esenvolvimentos recentes dos motores a diesel permi- tiram obter melhores de- sempenhos associados a menores emissões de po- D luentes e operação mais silenciosa. Es- ses aperfeiçoamentos baseiam-se em maiores pressões e maiores tempera- turas de trabalho, que sujeitam os blo- cos dos motores a solicitações que poderiam levar a falhas prematuras. Conseqüentemente, os projetistas de motores precisaram buscar novos ma- teriais para dar conta deste novo nível de solicitações, sem aumentar o tama- nho ou peso dos componentes. A escolha natural foram os ferros fundidos com grafita compacta. Com- parados aos tradicionais ferros fundidos com grafita lamelar atualmente utiliza- dos, os ferros fundidos com grafita com- pacta podem apresentar incrementos de 75% no limite de resistência, 35% a 40% no módulo de elasticidade e o dobro de resistência à fadiga. Podem, assim, aten- der não só às demandas atuais como à de projetos futuros de motores a diesel. A figura 1a mostra o aspecto da grafita compacta. O aspecto em duas dimensões rendeu a denominação grafita vermicular. Entretanto, a figura 1b mos- tra que, na verdade, as partículas são interconectadas. A morfologia compac- ta, com extremidades arredondadas, tor- na a nucleação e propagação de trincas muito mais difícil que no caso dos fer- ros com grafita lamelar. A matriz metálica dos ferros fundi- dos com grafita compacta pode ser va- riada de acordo com as aplicações. En- quanto que um coletor de escape é fa- bricado com mais de 95% de ferrita, pri- vilegiando a estabilidade dimensional deste componente que trabalha em altas temperaturas, blocos e cabeçotes são especificados com matrizes contendo essencialmente perlita, privilegiando a resistência e a rigidez. A tabela 1 apre- senta propriedades mecânicas e físicas

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  • CADERNO TCNICO

    403METALURGIA & MATERIAIS JUNHO DE 2002

    Instalaes de regenerao comparti-lhadas podem amenizar o problema doinvestimento. Outra soluo o recurso aservios oferecidos por centrais de rege-nerao, como as que operam na Europa eno Japo e, pelo menos uma, no Estado deSo Paulo. Mas essas centrais no tm tidoaceitao unnime: muitos clientes refe-rem problemas de qualidade atribudos contaminao ou troca de sua areia com ade outro cliente. Os custos do transporteda areia (ida e volta) entre a fundio e acentral tambm so fatores limitantes.

    Acatando sugesto do IPT, a Asso-ciao Brasileira da Indstria de Fun-dio (Abifa) criou, em 1995, um forovisando discusso de possveis solu-es cooperativas. Complementado poruma avaliao experimental, no IPT, detecnologias de regenerao e por umlevantamento crtico de tecnologias emuso nos Estados Unidos e em alguns

    Figura 4. Vistaesquemtica daunidade mvelde regeneraode areias defundio, emconstruo,no IPT.

    Areia de Fundio. Estudos de viabili-dade comprovam que unidades mveisde regenerao competem favoravel-mente com unidades centrais e reque-rem investimentos iniciais menores epassveis de serem aplicados de formaprogressiva. No mbito desse projeto,encontra-se em construo uma unida-de mvel com capacidade para regene-rar at trs toneladas de areias de fun-dio/hora, figura 4, suficiente paraatender demanda de vrias fundiesde pequeno ou mdio porte.

    pases europeus, esse foro, hoje incor-porado Comisso de Meio Ambienteda Abifa, tem dado uma contribuiorelevante para o entendimento dos pro-blemas envolvidos. Alm de permitiruma viso mais abrangente do proble-ma, levou elaborao, com apoio doPADCT, de um projeto cooperativo li-derado pelo IPT, do qual participam trsfundies e a Abifa. A par do estudodos parmetros tecnolgicos da rege-nerao, o projeto prope o conceito deUnidade Mvel de Regenerao de

    Wilson GuesserFundio Tupy

    [email protected]

    Ferro fundido com grafita compacta

    Tecnologias limpas permitem o desenvolvimento de motores a diesel com melhor desempenho

    ABSTRACTPrototype CGI block and head

    castings have provided 90% increasein tensile strength and 40% increasein elastic modulus relative to gray ironcastings. The present paper providesan overview of the properties of CGIand the process control requirementsfor the production of low nodularityCGI microstructures without the useof titanium and without the risk offlake graphite formation. Productresults are provided for fourteendifferent automotive castings.

    esenvolvimentos recentesdos motores a diesel permi-tiram obter melhores de-sempenhos associados amenores emisses de po-D

    luentes e operao mais silenciosa. Es-ses aperfeioamentos baseiam-se emmaiores presses e maiores tempera-turas de trabalho, que sujeitam os blo-cos dos motores a solicitaes quepoderiam levar a falhas prematuras.Conseqentemente, os projetistas demotores precisaram buscar novos ma-teriais para dar conta deste novo nvelde solicitaes, sem aumentar o tama-nho ou peso dos componentes.

    A escolha natural foram os ferrosfundidos com grafita compacta. Com-parados aos tradicionais ferros fundidoscom grafita lamelar atualmente utiliza-dos, os ferros fundidos com grafita com-pacta podem apresentar incrementos de75% no limite de resistncia, 35% a 40%no mdulo de elasticidade e o dobro deresistncia fadiga. Podem, assim, aten-der no s s demandas atuais como de projetos futuros de motores a diesel.

    A figura 1a mostra o aspecto dagrafita compacta. O aspecto em duasdimenses rendeu a denominao grafitavermicular. Entretanto, a figura 1b mos-tra que, na verdade, as partculas sointerconectadas. A morfologia compac-ta, com extremidades arredondadas, tor-na a nucleao e propagao de trincasmuito mais difcil que no caso dos fer-ros com grafita lamelar.

    A matriz metlica dos ferros fundi-dos com grafita compacta pode ser va-riada de acordo com as aplicaes. En-quanto que um coletor de escape fa-bricado com mais de 95% de ferrita, pri-vilegiando a estabilidade dimensionaldeste componente que trabalha em altastemperaturas, blocos e cabeotes soespecificados com matrizes contendoessencialmente perlita, privilegiando aresistncia e a rigidez. A tabela 1 apre-senta propriedades mecnicas e fsicas

    WilsonWilson Luiz GuesserTupy Fundies - [email protected]

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    METALURGIA & MATERIAIS JUNHO DE 2002404

    de ferros fundidos com grafita compac-ta, comparando materiais com 100% e70% de perlita.

    Ferros fundidos com grafita com-pacta sempre contm alguma grafitanodular. Alguns componentes, comocoletores de escape, podem ser produ-zidos com at 50% de grafita nodular,sem prejuzo para a fundibilidade oudesempenho. No caso de blocos ecabeotes, entretanto, a complexidadegeomtrica e a necessidade de uma ali-mentao perfeita (ausncia de defei-tos de contrao), combinadas com asseveras solicitaes trmicas e mec-nicas, exigem que a microestrutura con-tenha no mximo 20% de grafita naforma nodular. A grafita lamelar no tolerada, j que mesmo quantidadesmnimas j causam quedas de at 30%na resistncia do material.

    A produo seriada de peas de ferrofundido com grafita compacta requer, por-tanto, que o processo, por um lado, evite a

    prticas de fuso e manuteno do ba-nho, as diferenas de operao e os ren-dimentos das adies de magnsio. Aadio inicial de Mg intencionalmen-te baixa, de maneira que a anlise tr-mica sempre determina a quantidadeadicional de tratamento necessria parachegar formao da grafita compacta.

    A anlise trmica realizada utilizan-do-se um amostrador por imerso, ilustra-do na figura 2.Trata-se de um copo metli-

    Figura 1a. Aspecto da grafitacompacta em metalografia ptica.

    Figura 1b. Aspecto da grafita compac-ta aps ataque profundo. MEV

    Tabela 1. Propriedades tpicas de ferrofundido com grafita compacta (10% nodular)

    Figura 2. Aspecto do amostrador porimerso e esquema da interao dolquido com o revestimento reativo.

    formao de grafita lamelar e,por outro, garanta a otimi-zao de fundibilidade, usina-bilidade e condutividade tr-mica do material, proprieda-des associadas a baixas quan-tidades de grafita esferoidal.

    O primeiro processo de-senvolvido para produo depeas em ferro fundido comgrafita compacta utilizava aadio de Ti, em teores entre0,10% e 0,15%, em combina-o com o Mg. Enquanto o Mgimpede o crescimento degrafita lamelar, o Ti suprime amorfologia nodular. Entretan-to, a formao de inmeraspartculas de TiC, de elevada

    dureza, torna o processo invivel parapeas intensivas em usinagem, como o caso de blocos e cabeotes, emborapossa ser utilizada em peas como cole-tores de escape. Conseqentemente, umnovo processo precisaria ser desenvol-vido para a fabricao de grandes sriesde blocos e cabeotes.

    Processo de produoOs elementos-chave no controle do

    processo de produo do ferro fundidocom grafita compacta so as habilida-des para medir, de maneira precisa, ocomportamento do metal lquido e pararesponder, correspondentemente, antesdo vazamento das peas

    No processo SinterCast, adotado pelaFundio Tupy, o controle baseado naanlise trmica durante a solidificaoda liga aps o tratamento inicial commagnsio. Esta anlise sintetiza o efeitocombinado de todas as variveis do pro-cesso, incluindo as matrias-primas, as

    co de paredes finas, que, em uma imersode 3 s, obtm uma amostra de 200 g. A an-lise por imerso proporciona volume e tem-peraturas constantes de amostragem, evitaa oxidao e resulta numa medida mais pre-cisa das caractersticas de solidificao daliga. Um ponto fundamental do sistemaconsiste na pintura das paredes internas doamostrador com um revestimento reativoque consome o Mg. As correntes con-vectivas durante o resfriamento e soli-dificao fazem com que uma parte do l-quido lave as paredes do amostrador eacabe concentrando-se em seu fundo. Estaporo do metal resulta com um teor deMg menor que o centro da amostra, simu-lando a perda de Mg que ocorre numa es-pera de cerca de 15 minutos.

    O amostrador contm um tubo prote-tor pelo qual dois termopares reutilizveismonitoram a solidificao das duas re-gies, centro e fundo. Tipicamente, a cur-va de anlise trmica da regio com me-nos Mg indicar a tendncia formaode uma mescla de grafita compacta egrafita de super-resfriamento, tipo D, en-quanto que a curva da regio central apre-sentar as caractersticas corresponden-tes formao de grafita compacta. A fi-gura 3 mostra as microestruturas corres-pondentes s duas regies do amostrador.

    O processador do sistema analisa as

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    duas curvas e determina a quantidade decorreo para manter as peas fundidaslivres de grafita lamelar e com um m-nimo de grafita nodular. As adies com-plementares de Mg so feitas automati-camente, por meio de um alimentadorde fio de magnsio metlico.

    Num regime de produo, todos os da-dos obtidos em cada processamento so tra-tados estatisticamente e armazenados. Estaanlise determina se h necessidade de al-terar o tratamento preliminar do banho.

    O processo de produo na Fundi-o Tupy comea com a fuso de ummetal base de baixo enxofre, com car-bono equivalente entre 4,4% e 4,5%, emfornos de induo de 18 t. A adio ini-cial de Mg efetuada por meio do pro-cesso sanduche. De cada vez so trata-dos de 800 kg a 1100 kg, utilizando-seFeSiMg (5% Mg), contendo Ce e terrasraras. Como a adio de Mg muitomenor que na produo de ferro nodular,o tratamento efetuado diretamente naspanelas de vazamento, evitando-se, as-sim, as perdas de temperatura e a oxida-o do Mg que ocorreriam em transfe-rncias. Depois do tratamento prelimi-nar, uma amostra para anlise trmica recolhida da panela. Enquanto a anlisetrmica realizada, a superfcie do ba-nho limpa e a panela posicionada naestao de tratamento complementar,prxima da linha de moldes. Ao fim daanlise, a um aperto de boto o sistemafornece a quantidade calculada de fio demagnsio, iniciando-se, em seguida, ovazamento das peas. O sistema permi-te o processamento de uma panela acada 3,5 minutos, podendo ser amplia-do, utilizando-se processamento deamostras em paralelo.

    Produo e caracterizaode prottipos

    Foram produzidos prottipos de 14peas para validao do processo e ava-liao nos clientes. A lista de peas inclui11 tipos de blocos e cabeotes para mo-tores em linha ou em V, de 1 a 12 litros,abrangendo pesos de 20 kg a 400 kg, comespecificao de 20% mximo de grafitanodular. Embora utilizando modelos cor-respondentes s peas em ferro fundidocinzento, nenhuma das peas apresentoudefeitos de contrao, na forma deporosidades internas ou rebaixamento dasuperfcie. Produziram-se materiais nasclasses 300 a 450 da norma ASTM A842-85. Para isso, adicionaram-se, sobre ummesmo metal base, diferentes teores decobre (entre 0,45 % e 0,60%) e estanho(entre 0,05% e 0,08%), obtendo-se por-centagens de perlita entre 70% e 90%.Como exceo, um cabeote para ummotor de 12 litros foi especificado com30% a 50% de perlita, o que foi obtidosem adio de elementos de liga.

    Amostras para ensaios de trao fo-ram extradas das mesmas posies depeas fundidas com grafita compacta oulamelar. A figura 4 mostra os resulta-dos obtidos nas peas de ferro fundidoperltico, podendo-se constatar que, namdia, os ferros fundidos com grafitacompacta apresentaram limites de resis-tncia 90% superiores.

    A comparao entre os mdulos deelasticidade dos ferros fundidos comgrafita compacta ou lamelar revela que

    o valor tpico para as peas fundidas emferro com grafita compacta de 150GPa, enquanto que os dos ferros cinzen-tos de 100 a 110 GPa.

    A microestrutura dos ferros fundidos influenciada pela velocidade deresfriamento, observando-se maioresporcentagens de ndulos em sees queresfriam rapidamente. Em peas com-plexas como blocos e cabeotes, as ve-locidades de resfriamento de diferentespartes das peas dependem no s dasespessuras de paredes, como tambm domodo como o metal preenche a pea.Para a maior parte dos blocos, as velo-cidades de resfriamento das paredes comespessuras a partir de cinco milmetrosso suficientemente baixas para mantera taxa de nodularidade dentro da faixade 0% a 20%. Espessuras menores, queresultam em nodularidades na faixa de30% a 50%, geralmente ficam restritasa paredes externas e aletas, no sendoprejudiciais fundibilidade ou ao de-sempenho. A anlise pormenorizada deum bloco pequeno (1 litro) mostrou que,mesmo na parede mais fina, com 4,5mm,a nodularidade no passou de 25%, man-tendo-se na faixa de 10% a 15% nas de-mais espessuras.

    Com relao a tenses residuais naspeas fundidas, foi constatado no haverdiferenas significativas na comparaoentre ferros cinzentos e com grafita com-pacta. Medies efetuadas em vrias po-sies resultaram, para ambos os materi-ais, numa razo entre tenso residual e

    limite de resistnciada ordem de 0,20.Dessa forma, no seprev a necessida-de de alteraes doprocesso, na transi-o de cinzentopara vermicular.

    Como conseq-ncia dos desenvolvi-mentos efetuados, aproduo de cilindrose blocos de ferrofundido com grafitacompacta atingiu aconfiabilidade neces-sria para se estabe-lecer como materialpara produo degrandes sries.

    Figura 3. Na regio central doamostrador, formou-se grafitacompacta. Na regio commenos Mg, formou-se grafitade super-resfriamento.

    Figura 4. Resultado de ensaio de trao de ferrosfundidos com grafita compacta ou lamelar(corpos de prova extrados das peas).