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Ficha Catalográfica Produção Didático-PedagógicaProfessor PDE/2010
Título Os Impactos Socioambientais da Construção da Usina José Richa (Município de Nova Prata do Iguaçu – 1997/2011)
Autor Noeli Joana Buzin de Souza
Escola de Atuação Escola Estadual Cristo Redentor
Município da escola Nova Prata do Iguaçu
Núcleo Regional de Educação Dois Vizinhos
Orientador Dr. Davi Félix Schreiner
Instituição de Ensino Superior UNIOESTE - Marechal Candido Rondon
Área do Conhecimento História
Produção Didático-Pedagógica Caderno Temático
Relação Interdisciplinar
Público Alvo Alunos de sétima série (oitavo ano)
Localização Escola Estadual Cristo Redentor Rua Otacílio Rodrigues - Centro
Apresentação: O trabalho objetiva analisar os impactos socioeconômicos causados, no município de Nova Prata do Iguaçu, pela construção da Usina José Richa. As dimensões desse processo, bem como as experiências vividas pelos atingidos não são contemplados nos livros didáticos. Pretende-se dialogar com os alunos sobre a importância da construção de uma usina e os reflexos dessa construção na economia local e a sua interferência no meio rural (mudanças ambientais e sociais). Ao mesmo tempo, buscar-se-á incentivar os educandos à produção de conhecimento histórico e cultural do lugar em que vivem, explicitando, no trabalho pedagógico com os mesmos, as diferentes experiências e trajetórias das famílias atingidas no processo de desapropriação e re/inserção socioeconômica após a construção da Usina. Nestes termos, pretende-se contribuir para a formação cidadã dos alunos, a partir e na comunidade onde vivem.
Palavras-chave Usinas hidrelétricas; Impactos socioambientais; Atingidos por barragens.
1 APRESENTAÇÃO
O projeto que estou desenvolvendo no PDE, que é um Programa de
formação continuada e de valorização dos professores da rede pública de ensino do
Estado do Paraná, para a melhoria na educação básica, tem como tema central de
estudo os Impactos Socioambientais da Construção da Usina José Richa no
Município de Nova Prata do Iguaçu, 1997-2011.
O estudo desse tema objetiva o desenvolvimento de práticas educacionais,
que possibilitem ao aluno conhecimento científico acerca das relações sociais nas
quais está inserido, bem como do processo constitutivo dessas relações. Nesse
sentido, a participação do aluno, no levantamento do empírico, com dados trazidos
por ele à sala de aula, visa proporcionar um ambiente de discussão e estudo das
trajetórias e experiências de vida de familiares acerca de processos históricos que
interferiram e alteraram o meio ambiente e as relações socioeconômicas locais e
regionais.
Abordar com os alunos acerca da construção da Usina José Rica, mais
conhecida como Usina de Salto Caxias, e seus impactos na economia e meio
ambiente local, a partir de fotografias, relatos de familiares dos próprios alunos, de
matérias de jornais e de outros documentos, é fundamental para proporcionar
subsídios para conhecer e reconhecer o ambiente onde vivem. E, ao mesmo tempo,
para a compreensão da opção adotada de construir a Usina, e os desdobramentos
que engendraram um processo de destruição do meio ambiente e interferiram no
desenvolvimento econômico e populacional do município de Nova Prata do Iguaçu.
Há que se observar que muitos alunos Escola Estadual Cristo Redentor são
oriundos do meio rural, pouco ou quase nada se sabe sobre a história de vida
familiar relacionada à construção da Usina e seus impactos socioeconômicos e
ambientais, sobre a relação entre êxodo rural, construção da Usina e as mudanças
provocadas na trajetória de vida familiar, bem como do por que das condições
sociais e econômicas atuais nas quais vivem, o que melhorou e o que piorou no
município de Nova Prata do Iguaçu com a construção da Usina. Pretende-se mostrar
a importância da construção de uma usina e o reflexo dessa construção na
economia local e a interferência da mesma no meio rural.
Este conhecimento, acerca das mudanças no município e as experiências
vividas pelos atingidos, são conteúdos não contemplados nos livros didáticos, e são
pouco abordados pelos alunos junto aos seus familiares. Nesse sentido, o
desenvolvimento deste trabalho dimensiona a obtenção de relatos e fontes
impressas, a partir dos quais será possível uma prática pedagógica voltada para a
promoção da cidadania, instigando os alunos ao exercício de práticas educativas
ambientais na comunidade onde vivem.
Por conseguinte, o problema central tem como foco compreender como se
engendrou o processo de construção da Usina Hidrelétrica Governador José Richa,
o alagamento das ambiências das comunidades, bem como outros impactos
socioeconômicos e ambientais no município de Nova Prata do Iguaçu, a partir dos
relatos dos familiares dos alunos e de outras fontes históricas.
Nesse sentido, o objetivo geral do estudo é analisar os impactos
socioeconômicos e ambientais desencadeados pela construção da Usina
Hidrelétrica Governador José Richa, no município de Nova Prata do Iguaçu, a partir
de relatos de atingidos, entre os quais os familiares dos alunos da sétima série da
Escola Cristo Redentor.
Este objetivo desdobra-se em outros, explicitando ações esperadas no fazer-
se do processo educativo. Ou seja, pretende-se estimular á crítica histórica dos
alunos acerca das contradições que envolvem a construção de usinas hidrelétricas,
como a da produção de energia considerada limpa que, ao mesmo tempo, causa
impactos prejudiciais ao meio ambiente; possibilitar aos alunos o debate a cerca da
construção da Usina, explicitando a interferência da usina no meio rural, nas
relações socioeconômicas e trajetórias de vida dos agricultores.
Ao mesmo tempo objetiva-se estimular os educandos à pesquisa histórica
sobre a trajetória de suas famílias e a ambiências nas quais estão inseridas, bem
como sobre o município em que residem, por meio de pesquisa de campo e
bibliográfica; explicitar as diferentes experiências e trajetórias das famílias atingidas
no processo de desapropriação e re/inserção sócio-econômica após a construção da
Usina.
Para alcançar os resultados propostos nos objetivos acima, trabalhar-se-á
conteúdos históricos abordados nas páginas que se seguem, no item 3 (três) do
presente texto, a partir dos seguintes eixos temáticos: A construção de usinas
Hidrelétricas no Brasil; Contextualização histórica da região e implantação da Usina
Hidrelétrica Governador José Richa; Usina como estratégia de desenvolvimento
econômico; Usina hidrelétrica e o movimento dos atingidos; Vivências e trajetórias
dos atingidos, A organização da luta dos atingidos; Os impactos socioambientais da
construção da UHI de Salto Caxias.
Tais temas serão abordados a partir de uma dinâmica pedagógica que
privilegia a aula expositiva dialogada, a participação dos alunos na pesquisa de
campo e na análise dos dados levantados, bem como a sistematização das análises
com a elaboração de textos pelos alunos, de acordo com o plano de Didático-
pedagógico apresentado a seguir.
2 PLANO DE DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS
1. Aula expositiva dialogada, com alunos de 7ª série, sobre o processo de
construção de usinas hidrelétricas no Brasil, em especial, sobre a Usina Hidrelétrica
Governador José Richa.
2. Coleta de dados: pesquisa histórica, depoimentos e relatos de famílias
atingidas. Essa atividade, como as seguintes, serão realizadas pela professora e
pelos alunos. O objetivo é possibilitar aos alunos: a) a experiência de pesquisa de
campo; b) a discussão dos dados; c) a análise das experiências dos atingidos e dos
impactos socioambientais provocados pela Usina; d) a crítica histórica em relação
aos assuntos trabalhados e o posicionamento crítico acerca das questões
socioambientais do tempo presente. Neste sentido, também desenvolver-se-á as
atividades relacionadas abaixo:
3. Aula prática com visita a um dos locais afetados pelo lago, onde
existiam comunidades que foram extintas, objetivando explicitar as mudanças
ambientais e sociais com a construção da Usina e a formação do seu reservatório de
água.
4. Aula prática com visita a um reassentamento de Nova Prata do Iguaçu,
para levantamento de dados sobre a situação atual das famílias atingidas e os
impactos sofridos pelas mesmas com a construção da Usina.
5. Os alunos, em grupo, irão participar da realização de entrevista e
fotografar interferências da Usina no entorno da cidade de Nova Prata do Iguaçu, e,
após, irão montar painéis, que ficarão expostos na sala. Cada grupo deverá expor
seu painel e suas conclusões.
6. Os grupos de alunos receberão imagens, focalizando paisagens antes
do alagamento para análise. Esta análise deverá observar os seguintes aspectos:
local e data (se possível); pessoas retratadas, caso houver; objetos retratados;
arquitetura, forma de trabalho, locais de produção, infra-estrutura da cidade, vida
urbana ou rural. Cada grupo deverá expor o seu relatório, que será utilizado para
abordar temas como: atividades econômicas da época, lazer, trabalho, construção,
paisagem entre outros.
7. Leitura e debate do texto “Os Impactos Socioambientais da Construção
da Usina Hidrelétrica de Salto Caxias”, a partir dos seguintes eixos temáticos:
modernidade x realidade; paisagem transformada; transformações sociais e
ambientais, trabalho, costumes, cultura, família, demografia.
8. Produção de texto: a partir de todas as atividades realizadas, os alunos
produzirão uma narrativa histórica analítica sobre o que o homem fez e faz na
natureza em nome da modernidade.
3 A CONSTRUÇÃO DE USINAS E SEUS IMPACTOS SÓCIOAMBIENTAIS
3.1 Usinas Hidrelétricas no Brasil
A geração de energia a partir de hidrelétricas no Brasil, até a promulgação
da Constituição de 1988, foi o produto de decisões tomadas pelo poder Executivo, e
é nesse sentido que se pode afirmar que foram impostas. A partir de 1986, em
virtude de imposições legais datadas de 1981 e 1983, a construção de novas
hidrelétricas requer um licenciamento de órgãos ambientais, com base em relatórios
de avaliação de impacto ambiental.
No que se refere à produção acadêmica sobre usinas no Brasil, a bibliografia
registra a relação entre a sua criação e a industrialização. A primeira a ser criada no
Brasil foi instalada em 1883, na cidade de Campos (RJ), era uma usina
termoelétrica. A primeira usina hidrelétrica brasileira foi construída pouco depois, no
município de Diamantina (MG), aproveitando as águas do Ribeirão do Inferno, a
fluente do Rio Jequitinhonha.
Mas, a primeira hidrelétrica do Brasil para serviço de utilidade pública foi a
do Rio Paraibuna, produzia energia para a cidade de Juiz de Fora (MG). O Brasil
não tinha naquela época fábrica de máquinas térmicas, nem possuía grandes
reservas exploradas de carvão ou petróleo, que são os combustíveis dessas
máquinas. Este dilema só começou a mudar realmente a partir da Primeira Guerra
Mundial, pois ficou muito difícil importar, e por isso, muitos bens passaram a ser
feitos aqui. Isso fez com que grandes indústrias viessem pro Brasil, principalmente
para São Paulo, todas elas necessitavam de grande quantidade de energia elétrica.
O governo resolveu então dar incentivo para as empresas de energia elétrica que
quisessem vir para o Brasil. A mais importante delas foi a Band and Share, norte
americano, que organiza dez empresas de energia elétrica, localizada em nove
capitais brasileiras e na cidade de Pelotas (RS).
Em 1930, o Brasil já possuía 891 usinas, sendo 541 hidrelétricas, 377 térmicas e 13 mistas. Com a Segunda Guerra Mundial voltou o problema de importação e de racionamento de carvão e petróleo, nessa época a usina elétrica já era utilizada para outras finalidades, alem da indústria da iluminação pública doméstica. Em 1940 tínhamos 1243mw e, em 1945 havíamos aumentado para apenas 1341mw, então o governo decidiu intervir para aumentar a taxa de crescimento e disciplinar melhor à produção e distribuição de energia elétrica que até o momento estava nas mãos das empresas estrangeiras (DELTA, V5, 1972, p. 1112).
Um dos primeiros passos foi à criação da Companhia Hidrelétrica de São
Francisco (CHESF), que começou a construir a Usina de Paulo Afonso. Em 1952
foram organizadas as centrais em Minas Gerais (CEMIG) com cinco empresas
regionais e suas subsidiarias.
Ainda de acordo com Delta, (1972), depois de transcorrido 14 anos, em
1954, o presidente Getúlio Vargas sentiu necessidade de criar uma grande empresa
estatal para planejar e coordenar a construção das usinas produtoras de energia e
sistematizar sua distribuição. Porém, sua idéia só vingou em 1963, no governo de
Jânio Quadros. A partir de então, o panorama da energia elétrica brasileira mudou
radicalmente. Entre 1962 á 1976 ela triplicou, passando de 5729mw para 17700mw.
E de 1976 para 1985 esperava-se que novamente triplicasse. Para isso, era
necessário contar com a Usina de Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo com
14000mw.
Segundo Krünger (2004), a principal fonte de energia do Paraná, depois da
Usina de Itaipu são as usinas da COPEL (Companhia Paranaense de Energia)
Geração. Desde 1911 até hoje, um grande número de empreendimentos vem sendo
feito no Paraná para que haja crescimento da capacidade de geração de energia. Da
construção de novas usinas hidrelétricas a modernização de antigas, esses
empreendimentos são o motivo do estado possuir energia de sobra, sendo a COPEL
capaz de vender o excedente para outros estados.
3.2 A Implantação da Usina Hidrelétrica Governador José Richa
A implantação de usinas hidrelétricas engendra mudanças significativas aos
municípios e região onde são implantadas. Neste sentido, a UHI de Salto Caxias
precisa ser analisada a partir do contexto histórico da região Sudoeste do Paraná.
Essa região, atualmente, é formada por 37 municípios e possui, segundo dados do
Censo do IBGE de 2010, população total de 587.505 habitantes.
A história de sua ocupação está relacionada à migração de agricultores
oriundos dos campos gerais e dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Entretanto, não se pode falar de História de “ocupação” do Sudoeste do Paraná sem
referir-se á população indígena que por aqui viveu. Até o final do século XIX, o
sudoeste do Paraná era conhecido como “terra de ninguém”, porém na região
habitava uma população de índios e caboclos. Possuía muito pinheiro, erva-mate e
outras madeiras de lei.
O Sudoeste do Paraná constituiu uma das grandes regiões agrícolas do
Paraná, povoada por agricultores gaúchos e catarinenses descendentes de
imigrantes italianos e alemães. Este povoamento intensificou-se a partir de 1943,
com a instalação da Colônia Agrícola Nacional General Osório (CANGO).
Desde o inicio do século XX, já existia extrativismo da erva-mate na região e
o comércio era feito principalmente com o território de Missões, da Argentina. A
vegetação rica em Matas de Pinhais contribuiu para a ocupação, fornecendo
madeira gratuita e abundante. Com a chegada dos colonos migrantes, muitas foram
derrubadas e aproveitadas na construção de casas e bem feitorias, exportadas para
comercialização ou queimadas para iniciar o cultivo da lavoura. Atualmente, existe
apenas uma pequena parte de Araucárias.
Na década de 1950, o maior núcleo urbano da região era Pato Branco. Com
o tempo, outros núcleos foram surgindo, sendo os mais relevantes Francisco Beltrão
e Dois Vizinhos. Nessa década, ocorreram diversos conflitos pela terra entre
agricultores e companhias colonizadoras, entre os quais a Revolta de 1957,
denominada de Revolta dos Colonos. A organização e luta dos colonos, entre outros
estudos, foi abordada por Maria Cristina Colnaghi em Colonos e Poder: a Luta pela
Terra no Sudoeste do Paraná, dissertação de mestrado defendida na Universidade
federal do Paraná, em 1984.
Nas décadas que seguiram, sobretudo na década de 1970, ocorreu um
boom no crescimento populacional da região, devido à grande migração de
agricultores dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em sua maioria
descendentes de italianos e alemães. Todavia, a partir dos anos de 1980, observa-
se a emigração de população para o Centro Oeste e Norte do País, bem como para
a capital do Estado, Curitiba.
No que se refere à construção de usinas hidrelétricas, cabe observar que,
das dezoito usinas hidrelétricas da COPEL no Paraná sete estão localizadas ao
longo do vale do Iguaçu. Dentre elas a Usina Hidrelétrica Governador José Richa
(Salto Caxias) é uma das mais importantes da COPEL e possui capacidade de 1.240
MW de potência. Está situada no rio Iguaçu, no Município de Capitão Leônidas
Marques, a 600 km de Curitiba.
De acordo com dados fornecidos pela COPEL e disponíveis no site
www.copel.com, estudos iniciais previram a construção de duas usinas: Salto Caxias
Baixo e Cruzeiro. Contudo, em 1978, a COPEL realizou uma reavaliação, concluindo
ser economicamente mais vantajoso o aproveitamento do trecho Salto Osório/Salto
Caxias em uma única usina - Salto Caxias Alto, englobando o projeto Cruzeiro e
eliminando a Usina Julio de Mesquita Filho, na foz do Rio Chopim.
Depois de muitos estudos, as obras de construção da Usina iniciaram em
1995 e a mesma começou a operar em 1999, com uma capacidade de 1240 MW de
potencia instalada, inundando uma área de 141 Km², atingindo diretamente, os
municípios de Nova Prata do Iguaçu, Boa Esperança do Iguaçu, Cruzeiro do Iguaçu,
São Jorge d’Oeste, Salto do Lontra, Boa Vista da Aparecida, Três Barras do Paraná,
Quedas do Iguaçu e Capitão Leônidas Marques.
3.3 Usina Como Estratégia de Desenvolvimento Econômico
O discurso utilizado para justificar a construção de usinas hidrelétricas é que
elas trarão muito “progresso” e “desenvolvimento econômico”. Este tipo de discurso
não condiz com a realidade vivida pelas populações atingidas, bem como
desconsidera os grandes prejuízos ambientais causadas pela destruição da flora e
da fauna. Além disso, dificulta muito a luta das comunidades que são atingidas pela
barragem.
Para a população atingida, é muito complicado se contrapor a um discurso
que coloca a energia elétrica como uma grande fonte de desenvolvimento e melhoria
de qualidade de vida da população. Sobre esse assunto, ao se referir ao processo
de construção da Usina de Salto Caxias, Schreiner ressalta que:
Embora os agricultores sentissem a pressão das condições objetivas, a
expropriação devido à construção da usina, a decisão de participar da luta da Crabi,
implicava em certas escolhas morais. Não aceitar a orientação do comerciante que
se coloca contra a luta da Crabi e se inserir na luta significativa, para o posseiro,
arrendatário, meeiro, pequeno agricultor, uma opção política de enfrentamento, o
que o colocava em posição política oposta ao dos comerciantes e do governo do
estado. Significava, ainda, pôr em xeque o que é considerado moderno, que o
moderno nem sempre é positivo.
Entretanto, perspectiva de progresso para o comércio foi solapada com o remanejamento da população e, em conseqüência a queda nas vendas. Neste momento, os comerciantes começam também a se mobilizar e procurar, a partir de 1997, os reassentados para baixo-assinado para comprovar que eles eram fregueses de seus estabelecimentos e assim reivindicar indenização por perdas provocadas pela construção da usina. (Schreiner, 2002).
Depoimento do senhor Antonio José Neres:
O prejuízo pros que foram embora e pra nós que deixou aqui, prejuízo: os impostos que deixou de ser recolhido. O prefeito da época não apoiou, o comércio chamava nós de vagabundo. Não se organizaram e perderam tudo. Nós, colono, tinha organização os comerciante não. (Neres, 2011)
O fragmento do depoimento mostra diferentes posicionamentos dos sujeitos
sociais (colonos, comerciantes, políticos) em relação à construção da Usina.
Evidencia o deslocamento compulsório de famílias, que deixaram um espaço social,
com suas relações de vizinhança, de produção das condições de vida familiar e com
o meio ambiente local. Ao mesmo tempo, indica os prejuízos para a economia local
com a arrecadação de impostos. Mas está questão, se, de um lado é real, quando se
pensa a economia centrada na produção agrícola, de outro lado, a formação de um
lago, com o represamento das águas, levaram a investimentos em infra-estrutura no
turismo, que atraíram outros investimentos como, por exemplo, a venda de lotes no
entorno do lago, transformando a paisagem no município, já anteriormente mudada
pelo alagamento.
Para além destas questões, há que se destacar que a construção da Usina
levou à organização social na luta pelo direito da população e, de acordo com
Relatório RIMA, ao aumento do conhecimento técnico-cientifico sobre a região; ao
aumento da disponibilidade de água em poços profundos causados pela elevação do
nível freático; à elevação da oferta de energia elétrica; à melhoria dos serviços
públicos e de qualidade de vida em função do recebimento dos Royalties e através
do uso múltiplo do reservatório; à possibilidade de integração do lago à paisagem
local, tornando viável o desenvolvimento de atividades de conservação, turismo e
lazer na região. (RIMA, 1993).
Ao mesmo tempo, os impactos sócio-ambientais são expressivos, entre os
quais o impacto que acompanha a implantação de uma usina hidrelétrica é de
grande dimensão e atinge varias áreas: da inundação de terras agrícolas a mutação
de culturas e extinção de ofícios tradicionais; a formação do reservatório submergiu
inúmeras espécies da fauna e da flora, colocando em questão a manutenção da
biodiversidade local; acarretou também uma extensa modificação da paisagem,
descaracterizando a paisagem local. A formação do lago ocasionou a eliminação de
pequenos saltos e corredeiras.
3.4 A UHI de Salto Caxias e o Movimento dos Atingidos
A decisão sobre a construção de uma Usina envolve estudos que envolvem
diversas etapas. A primeira consiste no estudo para estimar o número de locais
barráveis e o custo de aproveitamento do potencial. A segundo etapa prevê o estudo
de inventário, ou seja, o potencial energético da bacia. Na terceiro faz-se o estudo
de viabilidade, que prevê o total de área afetada pela obra e calcula sua viabilidade.
Esta última etapa, no que se refere à Usina de Salto Caxias, foi concluída em
setembro de 1978, mas somente em novembro de 1993 foi elaborado EIA – Estudo
de Impacto Ambiental – instrumento que avaliou os problemas sociais e ambientais
que a obra iria acarretar (cf. PARMIGIANI, 2006).
Desde a fase de planejamento e de estudos preliminares de Salto Caxias, a
COPEL dedicou atenção aos impactos decorrentes de sua construção. O Relatório
de Impacto Ambiental da Usina de Salto Caxias foi previamente debatido com a
população e aprovado, e resultou na implantação de 26 programas voltados para a
compensação dos efeitos ambientais da obra.
Segundo depoimento do reassentado Ezidio Klen:
Foi nos anos 70, quando uma equipe, que ninguém sabia quem era, surgiu, fazendo um levantamento e níveis de um possível lago no rio Iguaçu. Ficamos muito assustados, pois o tal lago chegaria lá no alto da serra. Passaram 30 anos, quando, então, outra equipe apareceu, novamente fazendo o mesmo trabalho, dizendo que em breve se iniciariam as obras da barragem. Foi um desespero total dos agricultores, pois ninguém aparecia para dizer o que iria acontecer com os moradores atingidos, tinha gente que queria vender a terra pelo valor que achasse. (Klen, 2011).
Assim que surgiram os primeiros boatos da construção da Usina Hidrelétrica
de Salto Caxias, segundo Schreiner (2002), o presidente do Sindicato de Nova Prata
do Iguaçu e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Realeza foram
até a comunidade de Santa Genoveva para alertar a população de que era preciso
se organizar. Na opinião deles, se não se mobilizassem, poderia acontecer o que
ocorreu com os desapropriados da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
A COPEL realizou reuniões com os prefeitos dos municípios atingidos. O
assunto eram os supostos benefícios que uma obra do porte da Barragem de Salto
Caxias poderia trazer à região. Tais vantagens seriam decorrentes da Política de
Desenvolvimento associadas à hidrelétrica. Essas reuniões buscavam obter alianças
com importantes lideranças da região. Servia também para manter informada a
empresa sobre o movimento dos sindicatos e entidades contrario a barragem (cf.
PARMIGIANI, 2006).
Em Salto Caxias os atingidos foram representados pela Comissão Regional
dos Atingidos pelo Rio Iguaçu (Crabi). Trata-se de uma organização dos próprios
atingidos com apoio de sindicatos rurais e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Por
meio dessa organização, os atingidos dialogaram, reivindicaram e lutaram pelos
seus direitos. Inicialmente pela indenização e, no processo da luta, pelo
reassentamento em terras de qualidade, com infra-estrutura para moradia, produção
agropecuária e vida comunitária, como igrejas e escolas.
Segundo Levi Lira, presidente do Sindicato do Trabalhador Rural de Nova
Prata do Iguaçu, da época, foi “Uma luta que valeu a pena.”. A luta por direitos dos
atingidos pela construção da barragem da usina hidrelétrica de Salto Caxias foi
iniciada por sindicatos de trabalhadores rurais do sudoeste, com um grande apoio da
ASSESOAR (Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural) de Francisco
Beltrão e da CPT, que na época tinha pessoas liberadas na região Sudoeste do
Paraná, no final de 1980.
Uma das primeiras manifestações públicas fez-se por meio da elaboração e
divulgação de um adesivo com a expressão “Terra Sim, Barragem de Salto Caxias
Não”. Ao mesmo tempo, pronunciamentos de lideranças (da CPT, dos sindicatos, da
ASSESOAR, entre outros) eram feitos nos meios de comunicação. Alertavam sobre
as conseqüências que poderiam vir com a barragem, problemas de ordem social,
ambiental e econômica, sempre se baseando em outras usinas já construídas,
como, por exemplo, as de Salto Segredo e Itaipu.
Em julho de 1993, em uma reunião do movimento sindical dos trabalhadores
rurais da região Sudoeste do Paraná, na cidade de Capanema, com a presença de
representantes da ASSESOAR e da CPT, foi elaborado um documento para a Copel,
contendo as preocupações e firmando o compromisso de defender as causas dos
futuros atingidos.
Muitas reuniões foram realizadas por dirigentes sindicais nas comunidades
(inclusive do outro lado do Rio Iguaçu - Oeste), que municipais ou regionais,
visando esclarecer aos agricultores que a barragem não traria somente vantagens,
como era divulgado por representantes da Copel, alguns políticos, comerciantes,
religiosos. A mobilização e a conscientização levaram à constituição de uma
Comissão Regional dos Atingidos pela Barragem do Rio Iguaçu (Crabi), que assumiu
a coordenação da luta e as demais organizações passaram a acompanhar e auxiliar
na luta.
Logo após o início das atividades de campo pela Copel, que foi a marcação
da área próxima a futura construção da barragem, os agricultores articulados na
Crabi, arrancaram e queimaram os piquetes, estacas, e, numa outra oportunidade,
acamparam por vários dias no local onde seria construída a Usina, e só saíram após
uma reunião com representantes da Copel, governos municipais, estadual e federal.
Ficou acordado que nem uma obra seria realizada sem dar garantias de que as
reivindicações dos agricultores seriam amplamente negociadas e não seriam
cometidas injustiças.
A partir desta mobilização a luta foi se fortalecendo, as reivindicações foram
amplamente negociadas e os direitos tiveram que serem respeitados, tanto de quem
optou por ser reassentado como de quem quis pegar carta de crédito para adquirir a
sua propriedade aonde achasse melhor.
A Crabi, no intuito de fortalecer a luta, se uniu a organização de atingidos por
barragens em nível de Estado e nacional e até internacional, compartilhando
experiências. Enfim, a luta foi difícil e longa. Foram mais de dez anos até a
inauguração da Usina, mas pelo lado econômico e social valeu a pena por que os
agricultores atingidos diretamente foram indenizados, os atingidos indiretamente
também foram compensados. A conquista tem sido objeto de reconhecimento por
parte de movimentos sociais e de estudiosos.
3.5 Vivências e Trajetórias dos Atingidos
Podemos considerar que os trabalhadores, antes do reassentamento, eram
tidos como camponeses. Segundo Schreiner (2002), a maior parte destes eram
arrendatários, posseiros e meeiros (somando 431 famílias) e outra parte eram
pequenos proprietários (184 famílias). A maioria desses agricultores era de
descendentes de italianos e alemães vindos de Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
A produção baseava-se em pequenas e medias unidades produtivas, onde
plantavam diversos produtos, como milho, feijão, batata, abóbora, mandioca,
criavam porcos e galinhas, era uma agricultura de subsistência. As propriedades
tinham pomar. Como as propriedades ficavam perto do rio, dedicavam-se á pesca.
No que diz respeito à organização da vida comunitária, das 42 comunidades
atingidas distribuídas nos nove municípios da região essas compartilhavam de
espaço comum, como de lazer e de religiosidade, articulando-se em fortes laços de
amizade, de parentesco e de vizinhança, onde a ajuda mutua era prática comum (cf.
Schreiner. 2002).
Os agricultores, pequenos proprietários de terras, arrendatários, meeiros,
parceiros e trabalhadores rurais, que ocupavam a área hoje alagada, foram
instalados em terras que eles mesmos ajudaram a escolher. Outras 425 famílias
optaram por receber cartas de crédito. A empresa de energia adquiriu l0 áreas, num
total de 18.590 hectares, nos municípios de, Ibema, Catanduvas, Campo Bonito,
Três Barras do Paraná, Boa Esperança do Iguaçu e Nova Prata do Iguaçu.
Nenhuma das áreas está distante mais de l50 quilômetros do ponto de origem das
famílias. Nas áreas localizadas no município de Cascavel foram implantadas
estradas internas, construídas moradias, galpões e paióis, preparado o solo para o
plantio, instaladas redes de água e energia elétrica, e edificadas estruturas
comunitárias. (cf: wikipedia, 2010).
A empresa de energia Copel, em nome do Estado, oferce,a principio, uma
indenização em dinheiro pelas terras que seriam alagadas, porém os futuros
atingidos não aceitaram, pois a terra tem um valor maior do que o dinheiro. Além
disso, ela representa a única fonte material de sustento. Os sujeitos têm, para além
da ligação com a terra pelo trabalho, as questões sociais e culturais que não podem
ser medidas quntitativamente. Sobre esta questão, Adelar Rosa rememora:
Fui beneficiado por carta de crédito, mas com muita luta. Lembro que a Copel incluia as pessoas e também excluia. Eu e minha família assentada ganhamos uma área de terra de 8 alqueires em Cascavel. Fizemos muitos planos. Eu já era do grupo, eu era da diretoria, tessoureiro do meu grupo. De repente, pois, eu não sei, a Copel me excluiu, eu e mais alguns companheiros. Ai veio a luta, reunião e mais reunião, sofrimento, desespero da família. Todo mundo indo embora e nós lá sem resolver nosso problema. Até que nós, em 13 pessoas, consseguimos as últimas cartas de 25.000 mil. Ai eu comprei 4 alqueires de terra na minha comunidade e com as minhas economias comprei mais 3 alqueires e uma casa na cidade, onde vivo hoje com minha família, eu, minha esposa e meus dois filhos. Se me pergunta se foi bom a barragem? Por um lado até foi, por outro deixou muita saudade, para quem foi embora, parente e amigos, tio e tia, afiliados, compadres e amigos. Hoje, a copel ajuda a cuidar tanto das matas que sobraram, mas não lembra das matas que cobriram com as águas as raízes da familias que foram embora. Usina gera emprego para alguns e tristeza para outros. Quando falarem de grande usina, lembre de um pequeno excluído que fica sem nada. (Rosa, 2011)
As comunidades eram compostas por uma igreja, cemitério, salão
comunitário, escola, bodega, campo de futebol. Onde aos domingos ou feriados
costumavam se reunir para ir à missa (culto), jogar baralho, bola e se divertir na
comunidade. Era uma comunidade de ajuda mútua e de amizade.
Segundo Schreiner (2002) cada família ocupava seu lote e desenvolve a
produção familiar. Todas as casas dos reassentados são servidas por energia
elétrica, estão organizadas em 19 associações filiadas à Crabi, a menor com 17
famílias e a maior com 53 famílias. A construção das casas, galpões, igrejas e
espaço de lazer (salão comunitário, campos de futebol, cancha de bocha) em cada
uma das comunidades, e de duas escolas. No quintal árvores frutíferas e de sombra
e uma horta são cultivada. Próximo ao quintal os estábulos e o barracão dos
implementos agrícolas.
Para os posseiros, parceiros e arrendatários, o reassentamento significou
não só o acesso à posse da terra, mas também uma melhoria substancial nas
condições de vida, verificado entre outras coisas, na habitação, escola, luz elétrica.
No depoimento do reassentado Ezidio Klen, hoje vereador de Nova Prata do Iguaçu,
a melhoria das condições de vida conquistas pela luta dos atingidos é explicitada
nos seguintes termos:
Minha família, como era arendatária, tivemos muito lucro, pois fomos assentados com 7,5 alqueires de terra na fazenda Canguçu em Nova Prata do Iguaçu PR, que é o nosso município de origem. Estamos na nova morada há 12 anos. Nossas vidas mudaram muito para melhor, pois hoje somos proprietários e muitos felizes. Na loteria, sozinhos [atingidos] ganhamos. (Klen, 2011).
3.6 A organização da Luta dos Atingidos
Os colonos se organizavam através da CRABI. A obra só iniciaria após os
pagamentos de todas as indenizações. Eles contavam com o apoio da acessória da
CPT. A CRABI tinha presença mais marcante onde os lideres comunitários locais se
identificavam com sua proposta coletiva de conduzir as reivindicações,
especialmente nas comunidades de Vargem Bonita, São Lucas e Barra Bonita, no
município de Três Barras, mas comunidade de Volta Alegre, Porto alegria e Estrela
do Iguaçu, no município de Nova Prata do Iguaçu. (cf. Schreiner, 2002). A
mobilização e organização é rememorada nas palavras do senhor Antonio José
Neres. Conta ele:
Eu e minha família morávamos na Barra do Vorá, trabalhava de arrendatário, numa distância de 4 km de onde nós morava. Nesse tempo, em 1993, começou o cadastro da Copel por medo de perder tudo como tinha ouvido falar da Usina Hidrelétrica de Itaipu, não cadastrei toda a família. Surgiu o movimento da beira do lago, a Crabi, foi dificultoso queimamos os marcos da Copel. Ficamos acampados no local. A polícia invadiu os barracos e prendeu, não deixando ninguém sair, até passamos fome. O pessoal se organiza. Todos os municípios reuniram mais de três mil pessoas. Fecharam o portão que entrava para a barragem, não queriam deixar entrar. Aí começou uma briga entre a policia e os colonos, derrubamos uma Toyota, mas logo liberaram para socorrer os que estavam no acampamento passando fome. Entramos em negociação com os lideres da copel, conseguimos derrubar os processos dos líderes da Crabi, entramos em negociação para ser indenizados os que estavam em cima da terra e outras reivindicações também foram aceitas. (Neres, 2011).
No início das discussões para a construção da Usina, a Companhia
Paranaense de Energia Elétrica (Copel) não dialogava com as lideranças dos
atingidas da área rural. A negociação dava-se com prefeitos, vereadores, padres.
Assim, os atingidos resolveram acampar. Mulheres, homens, e crianças
mobilizaram-se, em cada uma das comunidades e no dia 12 de agosto de 1993,
ocuparam o canteiro de obras e retiveram as máquinas, ficando acampados 43 dias
no local. Reivindicavam a Copel a discussão do problema, para depois se decidir
sobre a construção ou não da barragem (Schreiner, 2002).
A noticia se espalhou e reuniu cerca de 2.500 pessoas na entrada do
acampamento que estava cercada pela policia. Os acampados só sairiam quando as
reivindicações fossem atendidas. Como resultado da ocupação, a Copel aceitou que
a Crabi passasse a integrar o GEM - Grupo de Estudos Multidisciplinares, com
representantes de todas as comunidades que seriam atingidas.
No GEM, os representantes dos atingidos, eleitos em assembléia, exigiram
da Copel que todas as negociações sobre as indenizações e os reassentados
fossem tratados coletivamente, com a intermediação da Crabi, a CUT - Central
Única dos Trabalhadores, representantes dos partidos políticos, CPT – Comissão
Pastoral da Terra e da FETAEP – Federação dos Trabalhadores na agricultura do
Paraná. A Copel e todos esses representantes assinaram um documento, assumindo
o compromisso formal com a Crabi, colocando fim a ocupação do canteiro de obras.
Em 20 de agosto de 1993 foi assinado o documento “Principio, Diretrizes e
Critérios para o Remanejamento da População Atingida,” pela Copel e registrada em
cartório. Esse documento contém dois princípios básicos: as famílias deveriam ser
recolocadas ou reassentadas sempre que possível no mesmo bairro rural ou
município; e, durante o processo de remanejamento a produção familiar não devera
sofrer decréscimo em consequência das obras do empreendimento. O processo de
reassentamento deveria se orientar por algumas diretrizes básicas:
- Preservar a cultura e a tradição da população remanejada.
- Envidar esforços no sentido de evitar o êxodo rural das populações
atingidas do futuro reservatório.
- Viabilizar o acesso a terra.
- Permitir melhorias do quadro de vida das famílias de agricultores
atingidos.
- Dispensar tratamento e equânime a todos os produtores rurais
independentemente de sua condição social.
- Permitir a reinserção sócia – econômica dos moradores atingidos
mediante potencializarão da sua produção e otimização das
capacidades produtivas.
- Propiciar apoio para o desenvolvimento técnico econômico e para o
acesso a técnicas de extensão rural as famílias atingidas.
- Permitir a participação dos produtores no processo decisório.
- Garantir a continuidade e a melhoria da infra-estrutura regional das
áreas atingidas.
A Copel não cumpriu o acordo com a Crabi, estabelecido no documento
“Principio, Diretrizes e Critérios para o Remanejamento da População Atingida”,
razão pela qual os atingidos a ocuparam novamente o canteiro da obra.
A Crabi, nessa ocasião apresentou por escrito a proposta dos atingidos pela
barragem de Salto Caxias. Entre outras questões define um período para as
desapropriações, fixa um calendário e critérios para o início das indenizações e
solicita garantias para o reassentamento aos pequenos proprietários (até 5
alqueires), arrendatários, meeiros, roceiros.
No novo documento, a Crabi tratou de incluir que o lote mínimo destinado ao reassentamento de uma família não poderia ser inferior a sete alqueires. Nestes termos. Os pequenos proprietários com menos de cinco alqueires seriam reassentados em no mínimo sete alqueires, incluindo aí 20% de reserva florestal. Posteriormente, também conseguiram que as famílias com mais de dois membros, além dos sete alqueires correspondentes ao casal receberiam mais um alqueire por força de trabalho(pessoas acima de quatorze anos). As famílias que tivessem acima de cinco alqueires poderiam optar pela carta de crédito ou pelo reassentamento. Caso optassem pelo reassentamento, receberiam na forma acima exposta, mais indenização por área acima dos cincos alqueires. E, ainda, os proprietários receberiam indenização pelas benfeitorias, culturas e madeiras, ao mesmo tempo em que estas lhes seriam doadas. (cf. Shreiner, 2002)
Com quase um ano de atraso no cronograma de indenização, a Crabi se
mobiliza mais uma vez no canteiro de obras da barragem. Correndo contra o atraso
de quase um ano, a Copel monta um edital de compra de terras para o
reassentamento. O edital não cumpriu o acordo firmado com a Crabi. Esse fato levou
a Crabi a organizar outro movimento, só que desta vez em Curitiba, com o objetivo
de negociação junto ao governo do estado para revogação do edital e a elaboração
de um decreto governamental para liberar e apresar a aquisição de terra.
Depois de muita luta o Movimento dos Atingidos por Barragens do Rio
Iguaçu conseguiu restabelecer o acordo e, com o passar do tempo, esse movimento
social rural, organizado por agricultores passou a ser visto de outra forma pelos
funcionários da Copel. A principal característica deste movimento é que desde o
inicio suas lideranças foram os próprios agricultores.
.
3.7 Os Impactos Socioambientais da Construção da UHI de Salto Caxias
O Estudo de Impacto Ambiental - EIA foi o primeiro documento constitucional
da política nacional de Meio Ambiente que orienta e oferece os elementos para que
o órgão ambiental competente possa emitir um parecer favorável ou desfavorável ao
empreendimento, concedendo ou não, a autorização para sua construção.
Ao observar as bibliografias referentes aos princípios instrumento de
avaliação de impactos ambientais, percebe-se que estes estudos sempre estiveram
sob suspeitas, visto que os mesmos ficam sob responsabilidade dos interessados.
Não obstante a isso, observa-se que o impacto que acompanha a
implantação de uma usina hidrelétrica é de grande dimensão e atinge várias áreas:
inundação de terras agrícolas e de áreas de preservação, de matas, à mutação de
culturas e extinção de ofícios tradicionais e a morte de animais.
No que se refere à construção da hidrelétrica de Salto Caxias evidencia-se a
inundação de áreas agricultáveis, a migração compulsória da população, a perda de
heranças históricas e culturais, do patrimônio arqueológico, de vegetação e de fauna
terrestres, a interferência na migração de peixes, bem como alterações em
atividades econômicas e usos tradicionais da terra.
Também devem ser mencionados impactos considerados positivos: a
produção de energia, a possibilidade de usos múltiplos do reservatório, o aumento
do potencial de água potável e de reserva de recursos hídricos, o aumento da
produção de peixes através de aquicultura e a dinamização dos recursos hídricos
recebidos pelos municípios, por parte da empresa geradora de energia elétrica -
Copel (Cf. França, 2009). Há que se acrescentar, ainda, que a energia elétrica,
produzida por Usinas, é considerada uma energia limpa.
Todavia, essa configuração dos impactos impõe uma análise acerca dos
impactos da Usina para os atingidos e dos seus impactos socioambientais, inclusive
que repercutem no tempo presente, a partir das experiências dos atingidos e de
suas vivências atuais. Para isso é preciso conhecer a trajetória de vida, o processo
de expropriação, a vida cotidiana atual dos reassentados, as suas formas de
organização e de produção. Neste sentido, a visita aos reassentados e a entrevista
com os mesmos, sobre os referidos temas, é de fundamental importância para
apreender os sentidos e significados atribuídos aos processos vividos em função da
construção da Usina de Salto Caxias.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS
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COPEL, Relatório técnico. Plano ambiental. Vol I e II, 2003.
FRANÇA, Francieli Mezzono. Os impactos socio-espaciais com a construção de hidrelétricas – um estado de caso da Usina Hidrelétrica de Salto Caxias – PR.
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PARANÁ, Secretaria de Estado de Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica de História. Curitiba : Paraná, 2008.
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. In: Projeto História: Revista do programa de estudo de pós-graduação em história do departamento de história da PUC – SP, São Paulo, 14 de fevereiro de 1997.
ROLIN, Rival Carvalho (et.al). História, espaço e meio ambiente. Maringá: ANPUH– PR, 2000.
SCHREINER, Dadi Félix. Entre a exclusão e a utopia – um estudo sobre os processos de organização da visa cotidiana nos assentamentos rurais (região
sudoeste/oeste do Paraná). São Paulo, 2002. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP. (Tese de Doutorado em História).
SIGAUD, Lygia. O Caso das Grandes Barragens. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 1992.
SILIPRANDI, Maria Emilia Meira Lima. Organização social e prática políticas dos agricultores do Reassentamento São Francisco de Assis. Marechal Cândido Rondon: Unioeste, 2009. Dissertação.
UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – PR – Campos de Francisco Beltrão, 2009.
VIEIRA, Maria do Pilar de Araujo (et.al). A pesquisa em história. São Paulo. São Paulo, Ed. Ática, 1991.
ENTREVISTAS ORAIS:
KLEN, Ezidio. Natural de Nova Prata do Iguaçu, da Linha Fazendinha do Estado do Paraná, 47 anos, casado, agricultor, hoje ocupando uma cadeira no legislativo municipal, residente no Reassentamento São Francisco de Assis, com seus pais no município de Nova Prata do Iguaçu. Entrevista realizada em dez de maio de 2011.
ROSA, Adelar. Natural de Nova Prata do Iguaçu, na comunidade de Barra do Vorá, no Estado do Paraná, 40 anos, casado, agricultor, morador da Rua Costa e Silva onde reside juntamente com seus familiares no município de Nova Prata do Iguaçu. Entrevista realizada em vinte dois de maio de 2011.
LIRA, Levi. Natural de Pato Branco, Paraná, 47 anos, casado, secretario parlamentar da câmara dos deputados, reside em Francisco Beltrão –PR. Entrevista realizada em vinte de maio de 2011.
NERES, Antônio. Natural de Lages, Santa Catarina, 67 anos, casado, agricultor, residente no Reassentamento São Francisco de Assis, em Nova Prata do Iguaçu - PR. Entrevista realizada em oito de junho de 2011.