fichamento ordem e progresso, freyre

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Fichamento do Texto: Ordem e Progresso Autor: Gilberto Freyre Sub Capítulo A REPÚBLICA DE 89 E O PRGRESSO CULTURAL NO BRASIL Pag 283 Mas uns e outros consideraram sempre- ou quase sempre- os problemas de Ordem em intima conexão com os de Progresso, revelando-se, assim, criaturas ou expressões de um sistema de sociedade e de cultura que se tornara nacional em 1822 à base dessa conciliação, já característica, aliás, do Brasil pré- nacional de Dom João VI. Pelo que o Positivismo, ao anunciar, da República proclamada por Deodoro em 1889, que seria um regime político condicionado por tal conciliação sociológica. 284 Ao procurarmos considerar as relações da República de 89 com o que foi progresso ou desenvolvimento cultural, quer no Brasil dos últimos anos do Império, quer no já republicano na aparência mas ainda monárquico nas sobrevivências mais intimas[...] o sentido que atribuímos ao adjetivo “cultural” é o compreensivelmente sociológico. Designando, portanto, todo um conjunto de valores e de estilos, de técnica e de hábitos; e não apenas referindo-se aos primores da ciência, de arte e de literatura.

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Fichamento do Texto: Ordem e Progresso Autor: Gilberto Freyre

Sub Captulo A REPBLICA DE 89 E O PRGRESSO CULTURAL NO BRASIL

Pag 283

Mas uns e outros consideraram sempre- ou quase sempre- os problemas de Ordem em intima conexo com os de Progresso, revelando-se, assim, criaturas ou expresses de um sistema de sociedade e de cultura que se tornara nacional em 1822 base dessa conciliao, j caracterstica, alis, do Brasil pr-nacional de Dom Joo VI. Pelo que o Positivismo, ao anunciar, da Repblica proclamada por Deodoro em 1889, que seria um regime poltico condicionado por tal conciliao sociolgica.

284Ao procurarmos considerar as relaes da Repblica de 89 com o que foi progresso ou desenvolvimento cultural, quer no Brasil dos ltimos anos do Imprio, quer no j republicano na aparncia mas ainda monrquico nas sobrevivncias mais intimas[...] o sentido que atribumos ao adjetivo cultural o compreensivelmente sociolgico. Designando, portanto, todo um conjunto de valores e de estilos, de tcnica e de hbitos; e no apenas referindo-se aos primores da cincia, de arte e de literatura.E o sentido que atribumos a palavra progresso o relativo, de desenvolvimento, e no ao messinico de evoluo sempre ou completamente para melhor.Ao visitar o Brasil para observar a transformao da Monarquia para a Repblica, notou o publicista americano Isaac Ford, ser caracterstico do brasileiro o hbito de procrastinao[...]De modo que era por instinto da raa, alm por efeito do clima, que os brasileiros vinham se adaptando lentamente s alteraes polticas e sociais trazidas pela Repblica.

285

Dos estrangeiros que, na poca, se detiveram a analisar os brasileiros nas primeiras reaes de um povo jovem mas excepcionalmente sobrecarregado de passado, aos desafios de um futuro que lhe entrou de repente pelas portas da rua talvez nenhum tenha sido to preciso quanto Ford em associar essas primeiras reaes ao sentido do tempo[...] peculiar aos mesmos brasileiros. No repugnava aos brasileiros a intruso do futuro no seu presente, contanto que no significasse repdio total ao passado; e que se fizesse aos poucos a articulao de presente com futuro.

286

J h mais de um decnio, antes de proclamar-se a Repblica que a cultura brasileira vinha sendo influenciada pela dos Estados Unidos, em vrios e significativos aspectos. Essa influncia se acentuaria com a Proclamao da Repblica.

288-289

Fletch, vinha salientando o fato, desconhecido por muitos nos Estados Unidos, de ser o Brasil a nica monarquia na Amrica e o nico governo constitucional, alm da repblica dos Estados Unidos que caminhava para o futuro[...] Em outras palavras, conciliando a ordem com o progresso. Era um pas onde comeava a consagrar grande ateno ao ensino.

292Como reagiram os brasileiros da poca de transio do Imprio para a Repblica a essa nova presena- dos Estados Unidos- na vida poltica e no desenvolvimento cultural do Pas, para cuja transformao de economia agrria para e escravocrtica em economia industrial, fundada no trabalho livre[...] De diferentes modos.

298No de estranhar que num espao-tempo social como o brasileiro, durante os reinados de Dom Joo e dos dois Pedros [...] no importou quase nunca em medidas excepcionais contra infeces ou infiltraes de carter cultural vindas desses outros espaos-tempos, a paisagem, a vida, a cultura se deixassem influir, sob tantos aspectos, por sugestes vindas das Amricas republicanas e do Ocidente[...] Compreende-se assim que essas infiltraes de carter amplamente cultural tenham se verificado no Brasil, sem dependerem nem de um regime poltico e nem de um sistema de trabalho que diretamente os favorecessem. E no sem razo e alguns estudiosos do assunto tm chegado a concluso ou ideia[...] de que teria sido, alm de possvel e desejvel, o prolongamento no Brasil, tanto do regime monrquico e escravocrtico de trabalho, enquanto se processasse uma melhor assimilao pela das mesmas infiltraes pela cultura brasileira, apoiada h sculos na Monarquia e trabalho escravo. Era o desejo do Imperador.

299

Alis, do regime monrquico de governo j havia no comeo do sculo atual quem, embora no servio da Repblica, lamentasse ter sido substitudo entre ns pelo regime republicano, considerado esprio em face do imperial, que seria o sociologicamente autentico, no s do ponto de vista de uma tradio social peculiar, na Amrica, gente brasileira, como do ponto de vista do desenvolvimento ou do progresso da cultura nacional dentro de uma combinao, que a Monarquia sob alguns aspectos procurou favorecer, com efeito, entre ns, entre qualidade e a quantidade nas manifestaes ou realizaes culturais de carter superiormente esttico, intelectual, cientfico.

424SUB CAPTULO A REPBLICA DE 89 E A ORDEM TNICA

O 15 de Novembro no Brasil foi seno o periquito sociolgico em relao com o papagaio: o 13 de Maio. As alteraes de natureza sociolgicas que trouxe foram mnimas, em comparao com as j causadas pelo 13 de Maio: este que verdadeiramente comeu o milho da tradio social ou da organizao econmica brasileira, provocando distrbios sociais e sobretudo econmicos[...] o fato que a Repblica de 89, desde os seus primeiros dias esforou-se por sociologicamente continuar o regime monrquico de ordem, dando-lhe o quanto possvel certo - nova substncia; mas conservando-lhe a forma - isto , a forma social(paternalismo, autoritarismo dentro de uma sociedade democrtica na estrutura.)

425

O Imprio funcionara diante de todas essas situaes novas para um sistema monrquico-parlamentar de governo como um imprio tanto repblica; e repblica presidencial. Constituira-se em simbiose liberal-patriarcal, por um lado, e por outro, em combinao autoritrio-democrtica. O imperador atravs do seu poder moderador [...] moderara o poder dos patriarcas, alguns quase republicanos em seu modo de ser aristocrata, das casas-grandes patriarcais, e fora por eles moderado em sua tendncia para excessos no s de autoritarismo monrquico como de liberalismo ou modernismo poltico, tambm quase republicano por vezes.

430Com o prestgio adquirido no Brasil pelo exrcito aps a guerra com o Paraguai[...] os ttulos militares tornaram-se, aos olhos da massa brasileira, mais prestigiosos que os civis.

431-432

Desde o Imprio os ttulos acadmicos foram no Brasil meios de ascenso social que favoreceram os moos mestios ou de origem modesta. Eram cartas de branquidade sociolgica que os foram tornando iguais aos brancos de origem fidalga[...] Esse processo de valorizao do homem de origem modesta ou de condio tnica socialmente inferior, pelo ttulo acadmico, acentuou-se com o advento da Repblica; e no apenas atravs das academias ou escolas superiores, como atravs das academias ou escolas militares[...] A Repblica avivou no Brasil as oportunidades de ascenso social, particularmente poltica dos mestios e dos pebleus

441O que houve, realmente, de certa altura do Segundo Reinado at os dias mais brilhantes da Repblica de 89, foi -repita-se- evidente facilidade para os brasileiros de origem modesta e de condio tnica tida, em certos meios, por inferior, de se instrurem em escolas militares e a expensas do Estado; e se instrurem no apenas em assuntos tecnicamente militares como no nos polticos, sociolgicos, econmicos, tornando-se de certo modo rivais dos Bacharis de Direito, dos mdicos, dos engenheiros, dos sacerdotes, em aptides para o exerccio de cargos pblicos. nesse o fato cuja significao social no foi at hoje -ao que parece- posta no seu justo relevo. Estabeleceu-se assim uma rivalidade entre esses subgrupos[...] que veio se esboando desde a ascendncia dos militares, favorecida pela guerra do Paraguai, para definir-se de modo s vezes incisivo nas tentativas de reorganizao nacional, aps a proclamao da Repblica.

443Compreende-se tambm, que tenha sido Rui Barbosa o principal obstculo encontrado pelo Positivismo- doutrina, ento, no Brasil, menos de civis que de militares empenhados no estudo de problemas polticos e sociais do Pas e do Homem- para sua obra de impregnao do sistema republicano brasileiro, de ideias positivistas ou de princpios Comtistas.E ainda, que dele, Rui[...] tenha sido a maior resistncia, dentro do governo provisrio a tentativas da parte de republicanos, discpulos de Comte( ou seja os militares), no sentido da incorporao do proletariado nova sociedade brasileira: a republicana que eles desejavam, alm de republicana, ainda mais democrtica que sob o Imprio.

445No deixou Anselmo da Fonseca, em seu A escravido, o clero e o abolicionismo de sugerir que era a seu ver, erro ou equivoco buscar-se a causa dos males sociais, econmicos e polticos do Brasil, na fisiologia das raas brasileiras, certo como lhe parecia serem em sentido contrrio as lies da histria: povos que hoje admiramos, todos, quando eram mais ignorantes do que ns somos, estavam em estado social ainda pior do que o nosso

449Compreende-se assim[...] que o ensino militar superior tenha contribudo, desde o Imprio, para a democratizao social e tnica do Brasil, pelas oportunidades, no que criou , mas que estendeu, de acesso s altas responsabilidades nacionais, de homens que sem o mesmo ensino, dificilmente teriam adquirido a instruo necessria ou essencial sua ascenso ao poder poltico e ao prestgio social, de resto favorecida pela aura heroica de que a Campanha Paraguaia cercou, aos olhos dos meninos e adolescentes brasileiros, a carreira militar.

456Dos operrios urbanos do Brasil, numa poca, como o ltimo decnio do sculo XIX, em que a Repblica era ainda uma nova ordem de coisas muito recente , escreveu o alemo Lamberg Que eram homens honestos, ainda que, por vezes vagabundos; e que alguns j tinham suas associaes sem entretanto, quererem transformar radicalmente os alicerces da sociedade. Mesmo porque no se sabia ento no Brasil o que fossem comunistas, anarquistas, e democratas sociais exaltados. No havia sublevaes populares, atentados de dinamite, morticnios gerais; nem se quer se observava a olho nu luta entre o capital e o trabalho, talvez por no terem desenvolvido grandes industrias.

457

Conveniente, e muito, unidade brasileira no s de tempo social como de tipo tnico-social, foi a considervel transferncia de populao escrava[...] que se verificou do Norte para o Sul nos ltimos decnios do Imprio. Concentrando-se grande parte dessa populao em So Paulo- prspero com os altos preos que o caf brasileiro, isto , paulista, vinha alcanando no exterior- pde ser beneficiada pelo encontro, na mesma rea, com italianos raramente refratrios a unio sexual com mulheres de cor. Da resultou a absoro de parte no pequena da populao negra concentrada em So Paulo, pela italiana[...] e com essa absoro, o desenvolvimento de um belo e eugnico tipo mestio: o talo-africano.

458Note-se ainda, da presena italiana no Brasil, atravs de uma imigrao que, na poca considerada neste ensaio, superou todas as outras pelo nmero e pelo vigor, ter resultado em considervel reforo do carter no s europeu, em geral, como latino e catlico em particular, da civilizao que aqui vinha se desenvolvendo: latinidade e catolicidade de certo modo ameaadas pela presena alem tanto no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina como em So Paulo e no Espirito Santo.